CAPA Relações mais que públicas Imprescindível para empresas e mercado para profissionais de comunicação com formação multidisciplinar, o relacionamento com Governos reabre a discussão sobre a legitimidade e os limites da ação de lobby. Marcelo Lopes A “Muitos profissionais de Comunicação Empresarial ainda estão na década de sessenta”. Gaudêncio Torquato, Professor da USP 20 eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, além de simbolizar o desejo de mudança da maioria da população, pode representar – até pela própria história de Lula e do PT – o início de uma nova era marcada pela prática exaustiva do diálogo com os diversos segmentos da sociedade. Uma abertura à livre manifestação das diferenças que exigirá habilidade e cultura de negociação por parte de empresas, instituições e organizações não-governamentais. Imprescindível, porque o Governo (Executivo, Legislativo e Judiciário) faz parte do grupo de públicos estratégicos com os quais deve interagir toda organização, as relações governamentais, no entanto, integram a história recente da cultura empresarial brasileira e não raro ainda são confundidas com a prática de corrupção, apadrinhamento e beneficiamento “dos amigos do rei” – estigma que vem sendo substituído pela atuação de empresas historicamente responsáveis cuja ativa participação sociopolítica no mercado comprova essa mudança de mentalidade. O trabalho na direção de se cri- ar canais institucionais de relacionamento com o Governo começou efetivamente no Brasil entre 1974 e 1978, durante a gestão de Ernesto Geisel, com o início do período de distensão da ditadura militar. Naquele momento, um grupo restrito de empresas – notadamente multinacionais – despertou para a necessidade de se comunicar com outros públicos-alvo, além dos consumidores. E, dessa abertura para cá, o próprio exercício da democracia – com a promulgação da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, e a realização ininterrupta de eleições – proporcionou terreno fértil para que muitas empresas abandonassem a postura low profile para assumir uma postura participativa. Paralelamente a isso, multiplicaram-se aos milhares, de norte a sul, as organizações não-governamentais. A sociedade organizada começava, com esse gesto, a apresentar respostas às deficiências do sistema democrático, por meio da organização de sindicatos e associações de classe para representá-la - uma forma alternativa de fazer frente às promessas não-cumpridas por meio das instituições democráticas tradicionais, como segurança pública, educação e combate à corrupção, à fome e à miséria. Lacuna da comunicação Se, por um lado, houve avanços na atuação desses movimentos sociais que se organizaram em grupos de pressão para defender seus interesses, no ambiente empresarial a percepção da importância estratégica das relações governamentais não aumentou na mesma proporção e, pior, permaneceu impregnada de preconceitos sobre o exercício da atividade. “Eu fico impressionado com a incapacidade da maior parte dos profissionais de comunicação empresarial brasileiros. Eles pensam a comunicação nas empresas de forma ortodoxa. Alguns ainda estão na década de sessenta; outros ainda não chegaram à de setenta; pouquíssimos chegaram ao novo milênio”, avalia o professor de Comunicação Política da USP, jornalista e consultor Gaudêncio Torquato. De acordo com Torquato, essa é uma lacuna da comunicação empresarial brasileira, isto é, a falta de formuladores estratégicos ou de profissionais que pensem comunicação de uma maneira mais sistêmica, envolvendo relações governamentais, mar- Formação profissional Apesar das transformações por que vêm passando os currículos dos cursos de nível superior, as universidades brasileiras ainda não dispõem de um curso específico de Relações Governamentais cuja grade esteja voltada à formação de um profissional com o perfil de Public Relations, que exige uma visão multidisciplinar de processos. Uma das razões para o fato de o curso de Relações Públicas, por exemplo, não atender a essas necomunicação empresarial ILUSTRAÇÕES: CARVALL keting e articulação entre os poderes. Ainda segundo ele, a falha começa nas escolas, que não têm esse pensamento, e passa pelo professores, que pensam à moda antiga. No mercado, continua, os profissionais de comunicação empresarial passaram a olhar muito as suas áreas de maneira estanque, sem interagir com o ambiente. “O conhecimento de técnicas de comunicação é algo muito pobre sozinho e não leva a nada. Por isso, esses profissionais deveriam se banhar hoje de política, economia, sociologia e opinião pública. O inadmissível é fazer comunicação em 2003 como se fazia na década de 70, com jornaizinhos bitolados e revistas infantis, voltados apenas para os interesses da empresa, ao invés de inserir a comunicação no contexto social, que é o que efetivamente traz dividendos para a empresa.” cessidades pode estar na tradução “abrasileirada” e tropicalizada do termo. “Public Relations, nos Estados Unidos, tem toda uma conotação política, uma estruturação de trabalho e relacionamento político; não é só comunicação. Mas, ao mesmo tempo, a gente percebe que a ferramenta mais utilizada por eles é a assessoria de imprensa. E nessa importação do conceito pode ter acontecido o desvirtuamento”, explica Terezinha de Andrade Leal, presidente do Conselho Regional de Profissionais de Relações Públicas, CONRERP. “Se o curso de Relações Públicas tivesse sido criado dentro de uma Faculdade de Administração, hoje o conceito seria outro”, avalia Terezinha, para quem a capacitação para administrar deve preceder o gerenciamento da comunicação. “Hoje, só se aprende Relações Governamentais fazendo. Acertando e errando, falando com outros profissionais”, define Gilberto Galan, vice-presidente de Assuntos Corporativos e Comunicação do Citibank e diretor da ABERJE. Galan acredita que é cada vez maior a tendência das empresas incorporarem as funções de Relações Governamentais às de Comunicação Corporativa e que o ponto-chave é saber se o profissional, seja da empresa ou das agências de RP, tem o perfil multidisciplinar necessário. “Recomendo que comecem a pensar seriamente no assunto, pois essa combinação de qualidades amplia muito o campo de oportunidades de trabalho.” Consenso virou moda Além do ponto de vista conceitual, as relações governamentais serão essenciais esse ano para uma leitura e interpretação corretas da pauta e do calendário de atividades do Congresso Nacional. Afinal, ainda não se sabe de que forma os diversos segmentos sociais serão impactados pelas versões aprovadas das reformas Previdenciária, Tributária, Trabalhista e Política. E isso exigirá, em face da cobrança de outros grupos de pressão e ausência de consenso, posicionamento e defesa de interesses claros por parte das empresas. “Não sei por que o tal ‘consenso’ virou uma palavra da moda nos últimos tempos. É evidente que qualquer governo do mundo, por mais democrático que seja, ficaria “Hoje, só se aprende Relações Governamentais fazendo. Acertando e errando”. Gilberto Galan, Citibank 21 C APA “Assuntos públicos são basicamente o cruzamento entre as disciplinas de Relações Públicas e relações com o Governo”. Ramiro Prudencio, Burson-Marsteller 22 de mãos completamente atadas se quisesse resolver todas as questões por meio do consenso. Em todas as decisões, alguém ganha e alguém perde”, opina Miguel Jorge, vice-presidente-executivo de Assuntos Corporativos do Grupo Santander Banespa. “Trata-se de estabelecer, isso sim, que a maioria ganhe, o que é absolutamente normal na democracia representativa. Ou o Congresso vota por consenso? Ou o Judiciário? Evidente que não. Às vezes, há unanimidade ou o tal consenso, mas, na maior parte dos casos, prevalece a vontade da maioria.” Renato Gasparetto Júnior, diretor de Relações Institucionais da Telefônica e vice-presidente da ABERJE, analisa a questão numa perspectiva histórica. “Se, num primeiro momento, a democracia desobstruiu os canais de comunicação entre os diversos grupos que formam a sociedade, vivemos agora um momento de aprimoramento e depuração. A ética deve ser o alicerce por meio do qual se estabelece qualquer negociação envolvendo legítimos interesses.” No Poder Executivo, as movimentações para estabelecer canais formais de representação da sociedade renderam fartas discussões até agora. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão consultivo instalado dia 13 de fevereiro, composto por 82 integrantes (dos quais 42 são empresários e os demais representantes de associações de classe e organizações não-governamentais), além de dez ministros de Estado e presidido pelo presidente da República, é uma sinalização de que o Governo, por princípio, deverá investir mais tempo ouvindo a sociedade antes de se posicionar sobre assuntos públicos. “Os políticos e o Go- verno resolvem questões, mas não decidem. Essa é a sutileza sobre a qual o conceito de assuntos públicos está fundamentado”, contextualiza Ramiro Prudencio, presidente da Burson-Marsteller Brasil, que atuou anteriormente por doze anos como assessor político no Congresso Norte-Americano. “Assuntos públicos, continua, são basicamente o cruzamento entre as disciplinas de Relações Públicas e relações com o Governo. É a disciplina que leva ao entendimento de como assuntos de interesse público são discutidos, debatidos e resolvidos. Trata-se também da disciplina que auxilia empresas, indústrias e outros grupos a se pre- parar e se mobilizar de forma mais eficiente, para que saibam administrar aqueles assuntos de maior interesse.” Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Miguel Jorge define a função política do fórum de representação. “É muito mais que um símbolo, pois ele terá uma participação importante e decisiva na discussão e definição das políticas públicas e das muitas reformas absolutamente necessárias para que o País tome de uma vez por todas o rumo do crescimento e do desenvolvimento, sem as soluções que têm caracterizado as últimas décadas. A participação de amplos setores da sociedade permitirá que o Conselho atue de forma muito semelhante a seus congêneres de outros países, como a França, por exemplo.” Miguel Jorge acredita que, pelo fato de o País ter se mantido afastado tanto tempo da democracia, e da livre discussão de idéias, é que a criação de um Conselho como esse tem gerado tanta polêmica. Chegou-se até a atribuir ao conselho, pela importância que o fórum adquiriu, o papel de substituto do Congresso Nacional. “Isso foi uma grande besteira, ou má-fé por parte de quem assim pensou.” Quem faz lobby? Paulo Nassar e Rubens Figueiredo, no livro O que é Comunicação Empresarial, afirmam que no Brasil lobby é quase um palavrão para a sociedade. Isso acontece, segundo os autores, porque a atividade do lobby aparece muitas vezes associada a escândalos, a licitações direcionadas, propinas e obras superfaturadas. E os protagonistas dessas histórias, no Brasil e no exterior, têm sido na maioria das vezes empresas e autoridades. Esses fatos reforçam na sociedade e junto aos públicos estratégicos empresariais a percepção de que a atividade de lobby é ilegítima e ilegal. Nesse particular, a percepção brasileira tem muito em comum com a argentina. Segundo Diego Dilemberger, diretor da revista Imagen, na Argentina a palavra também é sinônimo de corrupção e não está associada ao lobby tradicional e legítimo, parte do jogo democrático. “As grandes empresas costumam manter um alto executivo com o cargo de Assuntos Públicos dedicado a relações da empresa com as diferentes esferas e níveis governamentais, mas esse tipo de prof issional geralmente é retratado como suspeito de pagar subornos e traficar influência.” Lobby, no entanto, é traduzido do inglês como saguão, entrada, sala de espera, como há em hotéis, edifícios públicos, câmaras de vereadores, assembléias legislativas e sedes de governo. O gerúndio Lobbying caracteriza a função ou comunicação empresarial a ação que nele se exerce, e está diretamente ligado à ação exercida sobre legisladores e executivos há mais de um século nos países anglo-saxões. Causa legítima Num dos poucos livros em português que tratam do assunto, João Bosco Lodi, falecido no ano passado, analisou assim a questão no livro Lobby - Os Grupos de Pressão: ...”O lobby praticado no Brasil é quase exclusivamente o dos grupos econômicos e associações afins, por estarem mais organizados e profissionalizados.” Segundo o autor, a falta de organização política de outros grupos, ao contrário do sucesso do lobby econô- mico, leva a um clima de mal-entendido, de ilegitimidade e de falta de respaldo da sociedade para com a prática dessa atividade. O livro de Lodi confirma: as primeiras empresas conscientes da necessidade de organizar profissionalmente o lobby foram as empresas internacionais, seja devido à sua experiência política nos países de origem, seja devido às dificuldades de compreender o sistema de decisão nacional. A Light é tida como uma das primeiras escolas de lobby no Brasil. A Rhodia brasileira, em seu Plano de Comunicação Social (PCS), de 1985, define lobby como uma de suas ferramentas. O PCS da Rhodia afirma que “o empresário moderno é também um homem público com poder de influência e persuasão. Por isso, não deve ficar alheio aos debates, até porque ele é a voz e o rosto visível de uma empresa”. Olhando o fim da ditadura militar, o PCS anunciava as regras éticas do relacionamento empresa/Governo: “o Brasil da Nova República é diferente daquele que bastava o empresário ter acesso a um ministro para abrir todas as portas”. Ou seja, o lobby empresarial, dali para frente, teria necessariamente de ser feito dentro das regras democráticas, que são a antítese das práticas escusas. “Corrupção é uma forma de interação degenerada com o setor público, no sentido de trazer vantagens específicas contrárias à lei. O lobby é uma forma positiva de interação da sociedade organizada com o Governo, porque permite a atuação transparente dos interesses organizados”, argumenta Wagner Pralon, doutorando em Ciências Políticas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Outro ponto relevante da ação legítima de lobby, na avaliação de Pralon, é o alto nível de troca de informações úteis para o aperfeiçoamento de políticas públicas. A literatura do assunto nos Estados Unidos, onde o lobby foi regulamentado em 1946 e a lei passou por adaptações em 1995 e “Lobistas somos todos que pleiteamos uma vida melhor e uma melhor distribuição do direito e da justiça entre os cidadãos”. Jack Corrêa, Coca-Cola 23 C APA “O termo lobby não me preocupa, porque tenho sempre em mente que irei defender um determinado interesse”. José Estanislau do Amaral, Unilever 24 1998, ratifica, no entanto, a incapacidade de determinados setores sociais de se organizar. São os consumidores, contribuintes, aposentados e excluídos, que, por serem numerosos e dispor de poucos recursos para bancar ações de defesa de seus interesses, acabam teoricamente em desvantagem em relação aos setores de maior poder econômico. Não é por acaso, então, que podemos contar nos dedos os gestores e empresas que assumem publicamente que defendem, por meio do lobby, os interesses de sua organização junto aos poderes constituídos. “O lobby, por tarefa, está com seus dias contados. O lobby institucional, que representa setores, já está implantado e consolidado. Porque lobistas somos todos os que pleiteamos uma vida melhor e uma melhor distribuição do direito e da justiça entre todos os cidadãos”, define Jack Corrêa, vice-presidente de Relações Governamentais da Coca-Cola. “A novidade responde agora pelo nome de lobby participativo, entendendo que o problema do nosso segmento está inserido num problema maior do país.” E essa visão prática e conceitual encontra eco em outras organizações empresariais igualmente representativas. “O termo lobby não me preocupa, porque tenho sempre em mente que irei defender um determinado interesse. E, desde que a causa seja boa e legítima, faço o lobby sem problema”, diz José Estanislau do Amaral, diretor de Assuntos Corporativos da Unilever Brasil. Segundo Estanislau, que por dezessete anos foi diplomata no Itamarati, outra característica que comprova a lisura e legitimidade da ação de lobby é o fato de o representante de determinado interesse o fazer de modo aberto, numa sala aberta e em contato com a imprensa. Estanislau cita, entre outras ações de lobby, uma ocasião em que a empresa havia desenvolvido um produto específico que dependia de aprovação governamental para ser comercializado. “Marcamos uma reunião com os técnicos do governo responsáveis pela análise do produto, apresentamos pesquisas comprovando sua eficácia e, após avaliação, obtivemos o registro.” Miguel Jorge diz que no Santander Banespa as ações de lobby são realizadas como em qualquer empresa responsável. “Não conheço nenhuma empresa séria que tenha medo de assumir que faz lobby”, dispara . Regulamentação A primeira iniciativa para regulamentar o lobby no país ocorreu entre 1977 e 1979, quando Marco Maciel exerceu a presidência da Câmara dos Deputados e reformulou o Regimento Interno daquela casa. Mas foi em 1989, como senador, que Marco Maciel, do PFL, encaminhou Projeto de Lei propondo a regulamentação da atividade de lobby no Brasil. No mesmo ano, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei, regulamentando a atividade, remetendo-o em segui- da à Câmara dos Deputados. Somente em 2001, no entanto, o plenário da Câmara aprovou requerimento de urgência apresentado pelos líderes dos partidos. Atualmente, o projeto se encontra na Mesa Diretora da Câmara aguardando a inclusão na Ordem do Dia. O Projeto de Lei, em linhas gerais, dispõe sobre a necessidade de registro de pessoas físicas ou jurídicas que exercem qualquer atividade tendente a influenciar o processo legislativo. E ainda o uso de credenciais de acesso de lobistas a cada uma das casas do Congresso, além de exigir o encaminhamento à Câmara e ao Senado de declaração de gastos relativos à atuação perante o Congresso. “É leviano acusar quem propõe a regulamentação do lobby. Não estou defendendo lobistas. O que quero é acabar com o lado obscuro dessa atividade, que permite o tráfico de influência. Se houver uma disciplina, há como se punir as desobediências”, explica o senador Marco C APA “Temos de esclarecer que lobby não se confunde com Relações Públicas”. Guilherme Farhat FOTO: DIVULGAÇÃO Ferraz, Semprel Maciel. A opção de regulamentação da atividade somente nas casas do Congresso Nacional se deve, de acordo com o senador, à dificuldade de estender, à época, a mesma disciplina ao Executivo e ao Judiciário. “Mais importante que a lei, é a conduta moral; não há lei que garanta conduta moral.” A intenção de melhorar as relações governamentais e apoiar a regulamentação do lobby parte também do próprio Partido dos Trabalhadores. “O relacionamento das empresas com o Governo é legítimo, principalmente através de suas representações institucionais”, explica José Genoino, presidente Nacional do PT. “O Governo administra uma sociedade formada à base de grupos que agregam interesses. Respeitados o pluralismo e a democracia, os interesses dos mais diversos setores sociais são legítimos. Acredito que o primeiro passo para eliminação do preconceito seja a regulamentação da atividade do lobby. Isso trará a atividade para a esfera da institucionalidade e da transparência. Hoje o lobby funciona por detrás da cortina, clandestinamente. É isto que o deteriora.” De acordo com Genoino, ainda é cedo para se fazer um prognóstico sobre as prioridades da Câmara e do Congresso, porque as comissões 26 temáticas estão sendo formadas e as prioridades deverão ser definidas pelo colégio de líderes, pela mesa diretora e pelas próprias demandas do Governo. Voltando ao paralelo com a Argentina, desde 1997 vários projetos foram apresentados na tentativa de regulamentar a atividade de lobby. Um deles chegou até a ser aprovado em primeira votação no Senado, mas os parlamentares argentinos hesitam em aprovar a lei que, a exemplo da proposta brasileira, prevê o registro de lobistas e a obrigatoriedade de prestação de contas declinando para quem o lobista trabalha e quanto recebe pela atividade. Lobby e mercado Empresas e instituições com vivência na comunicação com governos costumam utilizar estrutura de pessoal própria ou, por não fazer parte de sua atividade-fim, contar com suporte de empresas especializadas em relações governamentais, ou ainda com as recém-criadas agências de comunicação focadas em Public Affairs. Têm atuação efetiva em Brasília como empresas especializadas em relações governamentais: Arko Advice, Semprel, Roberto Nogueira, Umbelino Lobo e Patri. O setor interpreta como positiva a regulamentação, contanto que as normas valham não só para os profissionais de empresas formalmente constituídas, mas também para ex-parlamentares, advogados e toda sorte de pessoas que realizam ações de relações governamentais e lobby. “As pessoas têm de parar de trabalhar com intermediários. O serviço que prestamos é, eminentemente, de supor- te e de acompanhamento, como um médico ou personal training. Não representamos nossos clientes e não fazemos lobby. Analisamos sua situação dentro de uma estrutura de níveis e recomendamos a adoção de determinadas medidas nas várias esferas de governo. Se eles acatam e dão seqüência ou não às recomendações, não nos diz mais respeito”, esclarece Eduardo Ricardo, presidente da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas. A empresa está instalada em Brasília desde 1986, conta com um escritório em são Paulo, um braço em Washington e uma carteira de 35 clientes. A função de Relações Públicas volta à cena nesse processo. “Temos de esclarecer que lobby não se confunde com Relações Públicas. Em determinados momentos, vale a pena levar a tese defendida ao público, como meio de obter apoio da opinião pública para a causa; ou de esclarecer questões ou pontos de vista apresentados de forma errada pelos adversários, ou mesmo por pessoas de boa-fé”, comenta Guilherme Farhat Ferraz, diretor da Semprel, empresa de relações governamentais que atua há 17 anos em Brasília. “Nesses casos, os instrumentos de Relações Públicas podem e devem ser utilizados em favor dos objetivos das atividades de lobby, propriamente ditas. Mas lobby é, em 90% dos casos, atividade que se desenvolve no contato de pessoa a pessoa. Tratase de falar, argumentar e convencer. Informar e argumentar para convencer.” Essa delimitação do papel de RP no exercício do lobby consta inclusive no Código de Ética dos Profissionais de Relações Públicas. Na seção IX, artigo 29, o código especifica que, no exercício do “Lobby”, o profissional de Relações Públicas deve se ater às áreas de sua competência, obedecendo às normas que regem as matérias emanadas pelo Congresso Nacional, pelas Assembléias Legislativas Estaduais e pelas Câmaras Municipais. E no artigo 30 da mesma seção f ica explícita a obrigatoriedade do exercício ético da profissão: “É vedado ao profissional de RP utilizar-se de métodos ou processos escusos para forçar quem quer que seja a aprovar matéria controversa ou projetos, ações e planejamentos, que favoreçam os seus propósitos.” Nas agências de comunicação, embora não haja consenso, o estabelecimento de canais entre Governo e empresas, e a leitura estratégica do cenário políticoeconômico, apresenta-se como oportunidade de negócio que tem se traduzido por meio da criação de agências especializadas em Public Affairs. “Ainda não discutimos esse assunto no ambiente da Abracom, mas sou contrário, particularmente, a essa idéia de agências de comunicação prestarem serviços de lobby”, adianta João Rodarte, presidente da Associação Brasileira das Agências de Comunicação. “Quem faz lobby cuida do negócio, defesa de interesses, e age em nome do cliente. Quando atuamos em Comunicação, utilizamos um instrumental de relacionamento entre empresas comunicação empresarial e governo. Essa é a diferença.” Na Edelman Brasil, que está no País há sete anos e cuja atuação nos Estados Unidos já atinge meio século, a possibilidade de a atividade de lobby vir a ser regulamentada é motivo de animação e perspectiva de aumento de negócios. “Se você analisar mercados maduros como Estados Unidos ou Europa, o modelo é completamente outro. Todas as grandes agências têm departamentos ou escritórios de lobby e relacionamento com governos”, exemplif ica Ronald Mincheff, diretor-geral da Edelman São Paulo. Na Máquina da Notícia, que criou recentemen- te a MQ Institucional para trabalhar no Brasil o conceito americano de lobby, o entendimento é de que o conflito na atuação de agências de comunicação é outro. “O que é perigoso, e eu acho que contamina, é uma agência de comunicação atender empresas da iniciativa privada e, ao mesmo tempo, fazer assessoria de imprensa para políticos, para governo e para programas de governo”, opina Maristela Mafei, sócia-diretora do grupo Máquina. De acordo com Maristela Mafei, que estima faturamento de R$ 1,2 milhão nes- te ano com a MQ, as agências que não suprirem essa necessidade do mercado vão assistir passivamente à entrada de concorrentes nas instalações de seus clientes e colocar em risco suas contas. Preconceito e oportunidade Outra agência que inicia os trabalhos de relações governamentais em Brasília é a INPress Public Affairs, que tem como associada a Idéias, Fatos e Textos. “Estamos trocando de atividade. Eu não me sinto mais um jornalista, mas um estrategista político. E, nesse caso, a política antecede a comunicação”, argumenta Luiz Lanzetta, diretor da InPress Public Affairs. “Não é uma questão de Jornalismo. Atuamos como intermediários entre o veículo e a fonte. Não estamos na atividade-fim do Jornalismo, embora utilizemos várias técnicas de Jornalismo.” Mas Lanzetta e seu sócio o jornalista Luís Costa Pinto, não gostam de utilizar o termo lobby. “Preferimos dizer que prestamos consultoria de comunicação.” Para Miguel Jorge, há uma forma prática de administrar esses conflitos. “Precisamos deixar de ser hipócritas e cínicos: o que algumas agências de comunicação têm feito, ao criar áreas que têm chamado de “marketing institucional”, “assessoria política” e outras roupagens estranhas, é cri- “Estamos trocando de atividade. Eu não me sinto mais um jornalista, mas um estrategista político”. Luiz Lanzetta, InPress Public Affairs 27 C APA ar departamentos de lobby. Temos, aqui, exatamente a questão do preconceito, pois essas empresas deveriam dizer, com todas as letras e absoluta clareza, que vão se dedicar, além das áreas tradicionais de assessoria de imprensa, organização de eventos, etc, etc, à atividade de lobby.” Na avaliação de Miguel Jorge, as agências de comunicação deveriam Comunicação ou de Relações Públicas, sem a intermediação de agências de Publicidade. “Quanto maior o número de ferramentas que o Governo dispuser para o contato com seus públicos, maior será sua eficiência de comunicação com a sociedade. Sem comunicação estratégica, o Governo continuará despendendo muitos recursos numa ferramenta cara e não atingirá a eficiência obtida pelas empresas da iniciativa privada, que trabalham com comunicação integrada”, analisa Roberto Grad, presidente da Hill & Knowlton. Por onde começar “Um posicionamento inadequado, afobação, ir com muita sede ao pote, pode queimar o filme da empresa para sempre”. Roberto Castro Neves 28 enxergam as novas oportunidades de atuação e de trabalho que se apresentam, e aumentar seu portfólio de serviços, ingressando em novos mercados, que vão precisar cada vez mais de profissionais de relacionamento, ou de lobby. “À inércia dos lobistas, contrapõe-se hoje o movimento do chamado Terceiro Setor, que atua na faixa da Responsabilidade Social”, argumenta Jack Corrêa, da Coca-Cola. Existem críticas pontuais na comunicação que parte do Governo em direção à sociedade. Para as agências de comunicação, por exemplo, não faz sentido o Governo manter um edital de licitação que, de certa forma, possibilita a contratação de apenas agências de publicidade. O que se espera é que o Governo desmembre a comunicação e permita a participação direta de agências de Se lobby e relacionamento são mais que simples palavras, apresentam-se como tendências da comunicação, o que profissionais, empresas e organizações não-governamentais que estão fora dessa corrente devem fazer então? Além do domínio dos termos desse dicionário dos novos tempos, algumas ações simples, porém práticas, podem ser adotadas de imediato para a iniciação à prática das relações governamentais e lobby. Segundo o consultor Roberto Castro Neves, o primeiro passo é conhecer o perfil dos novos ocupantes de funções cujas decisões podem influir na atividade da empresa para a qual trabalham: quem são, de onde vêm, que formação e experiência têm, o que pensam, etc. O segundo passo é fazer com que esses novos tomadores de decisão venham a conhecer a empresa: o que ela faz, grandeza (faturamento, número de empregados, impostos pagos, exporta- ções, etc) e colocar-se à disposição da nova administração. “O novo ocupante está acabando de chegar, ainda não tomou pé da situação, não sabe bem quais os seus poderes e com que recursos pode contar. Um posicionamento inadequado, afobação, ir com muita sede ao pote, pode queimar o filme da empresa para sempre”, pondera Castro Neves. A terceira providência é o monitoramento. Acompanhar o dia-a-dia do Governo, que pode mudar sua conduta de atuação de acordo com acomodações políticas e em função de resultados de pesquisas de opinião. Por fim, há que se acompanhar cada questão que possa afetar os negócios ou a atividade da empresa. Cada questão deve ser monitorada como um risco ou uma oportunidade para a empresa. No que ela vai se transformar, dependerá das informações que os representantes dos Poderes receberem ao longo do processo. Isso é fazer relações governamentais e lobby. *Leia na versão eletrônica da revista Comunicação Empresarial, site www.aberje.com.br , o texto do Projeto de Lei de autoria do senador Marco Maciel que regulamenta a atividade de lobby no Brasil e os pontos principais da Lei norte-americana de Divulgação de Atividades de Lobby. **Literatura de apoio sobre o assunto - Business, Politics, and the Practice of Government Relations (Charles S. Mack); Creating Managing Association Government Relations Program (Michael E. Kastner); A Força da Comunicação (Frank M. Corrado); Lobby - Os Grupos de Pressão (João Bosco Lodi); O que é Comunicação Empresarial - Coleção Primeiros Passos (Paulo Nassar e Rubens Figueiredo). LOBBY E REGULAMENTAÇÃO Um dos temas mais relevantes da agenda política contemporânea é o da democracia participativa. Tratase de um conceito cunhado para distinguir os procedimentos eleitorais da investidura do poder e das decisões políticas dos governos democráticos. Em outras palavras, não basta que o poder político seja democraticamente investido. Ele tem de ser, também, democraticamente exercido. A participação política significa a possibilidade de permitir que todos os atores do processo político, a começar pelo que se convencionou chamar de sociedade civil, tomem parte nas decisões relevantes que lhes dizem respeito e que diretamente lhes afetam. A atuação dos chamados grupos de interesse no processo político é um capítulo relevante da democracia participativa. Como se sabe, quanto mais amplos e legítimos os interesses sociais defendidos por essas entidades, mais participativo se torna o processo decisório no âmbito da política. Convém frisar a expressão “interesses legítimos”, porque o mecanismo da defesa de interesses ilegítimos, obviamente, não opera por essa mesma via, nem torna visível a sua atuação. Como no Brasil não existe legislação a respeito, a prática de interesses que são ilegítimos terminou confundida com a dos interesses legítimos. Isso se deve, sobretudo, à circunstância de que a palavra de origem inglesa lobby sofreu no País uma conotação pejorativa, muito embora haja uma distinção entre grupos de interesse, não formaliza- comunicação empresarial dos, grupos de pressão, que são formalizados, e em geral defendem interesses corporativos, e lobbies, que exercem essa mesma atividade profissionalmente. Resultado: terminamos satanizando a participação, mesmo se legítima, e santificando a manifestação, mesmo que ilegítima. Foi para suprir essa lacuna da legislação brasileira que apresentei, em meados da década de 80, projeto de lei regulamentando o exercício dessa atividade. O projeto já foi aprovado no Senado e se encontra atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. Reconheço haver um entendimento pelo qual alguns vêem em iniciativas dessa natureza o risco da contaminação se dar em sentido inverso do que atualmente ocorre, isto é, que a defesa de interesses autênticos termine legitimando a defesa dos que são ilegítimos. Os que pensam dessa maneira obviamente esquecem que a regulamentação visa, exatamente, dar transparência ao sistema de participação nas decisões. Hoje, quando um parlamentar recebe um lobista, não sabe se é um representante de uma entidade ou instituição legal ou se representa interesses escusos. Pretender, de antemão, santificar alguns interesses e satanizar outros constitui evidente discriminação. O primeiro resultado da regulamentação será a possibilidade de identificar a natureza de tais interesses. Aqueles que forem legítimos não terão por que não se registrar, especificando, inclusive, os recursos que os financiam e os meios de que dispõem para a de- FOTO: DIVULGAÇÃO Marco Maciel* fesa dos interesses que representam. Os que forem ilegítimos se afastarão imediatamente desse circuito legal, operando clandestinamente, porque não terão a possibilidade de colocar permanentemente sob a ótica da fiscalização pública a investigação dos seus recursos e processos. Ousaria mesmo dizer mais: a regulamentação da defesa desses grupos é urna etapa necessária e indispensável à modernização das relações das instituições públicas com a sociedade. Se dermos racionalidade a esse debate e não o encararmos de forma emocional e suspeita, não só estaremos fortalecendo os mecanismos democráticos de participação das decisões de governo, como, ao mesmo tempo, daremos mais transparência às relações entre o governo e a sociedade e o que é mais importante contribuiremos decisiva e não retoricamente para conferir efetividade à democracia decisional, que todos aplaudem, mas em favor da qual poucos atuam. *Marco Maciel é Senador pelo PFL 29