CAPA
Relações mais que públicas
Imprescindível para empresas e mercado para profissionais de comunicação
com formação multidisciplinar, o relacionamento com Governos reabre a
discussão sobre a legitimidade e os limites da ação de lobby.
Marcelo Lopes
A
“Muitos profissionais
de Comunicação
Empresarial ainda
estão na década de
sessenta”.
Gaudêncio Torquato,
Professor da USP
20
eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva
para a Presidência da
República, além de
simbolizar o desejo de mudança
da maioria da população, pode representar – até pela própria história de Lula e do PT – o início de
uma nova era marcada pela prática exaustiva do diálogo com os diversos segmentos da sociedade.
Uma abertura à livre manifestação das diferenças que exigirá habilidade e cultura de negociação
por parte de empresas, instituições e organizações não-governamentais. Imprescindível, porque o
Governo (Executivo, Legislativo
e Judiciário) faz parte do grupo
de públicos estratégicos com os
quais deve interagir toda organização, as relações governamentais, no entanto, integram a história recente da cultura empresarial
brasileira e não raro ainda são
confundidas com a prática de
corrupção, apadrinhamento e
beneficiamento “dos amigos do
rei” – estigma que vem sendo
substituído pela atuação de empresas historicamente responsáveis cuja ativa participação sociopolítica no mercado comprova
essa mudança de mentalidade.
O trabalho na direção de se cri-
ar canais institucionais de relacionamento com o Governo começou
efetivamente no Brasil entre 1974
e 1978, durante a gestão de
Ernesto Geisel, com o início do
período de distensão da ditadura
militar. Naquele momento, um
grupo restrito de empresas –
notadamente multinacionais –
despertou para a necessidade de
se comunicar com outros públicos-alvo, além dos consumidores.
E, dessa abertura para cá, o próprio exercício da democracia –
com a promulgação da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, e a realização
ininterrupta de eleições – proporcionou terreno fértil para que muitas empresas abandonassem a postura low profile para assumir uma
postura participativa. Paralelamente a isso, multiplicaram-se aos
milhares, de norte a sul, as organizações não-governamentais. A
sociedade organizada começava,
com esse gesto, a apresentar respostas às deficiências do sistema
democrático, por meio da organização de sindicatos e associações
de classe para representá-la - uma
forma alternativa de fazer frente
às promessas não-cumpridas por
meio das instituições democráticas tradicionais, como segurança
pública, educação e combate à
corrupção, à fome e à miséria.
Lacuna da comunicação
Se, por um lado, houve avanços
na atuação desses movimentos sociais que se organizaram em grupos de pressão para defender seus
interesses, no ambiente empresarial a percepção da importância estratégica das relações governamentais não aumentou na mesma proporção e, pior, permaneceu impregnada de preconceitos sobre o exercício da atividade. “Eu fico impressionado com a incapacidade da
maior parte dos profissionais de
comunicação empresarial brasileiros. Eles pensam a comunicação
nas empresas de forma ortodoxa.
Alguns ainda estão na década de
sessenta; outros ainda não chegaram à de setenta; pouquíssimos
chegaram ao novo milênio”, avalia
o professor de Comunicação Política da USP, jornalista e consultor
Gaudêncio Torquato. De acordo
com Torquato, essa é uma lacuna
da comunicação empresarial brasileira, isto é, a falta de formuladores
estratégicos ou de profissionais que
pensem comunicação de uma maneira mais sistêmica, envolvendo
relações governamentais, mar-
Formação profissional
Apesar das transformações por
que vêm passando os currículos
dos cursos de nível superior, as universidades brasileiras ainda não
dispõem de um curso específico de
Relações Governamentais cuja
grade esteja voltada à formação de
um profissional com o perfil de
Public Relations, que exige uma
visão multidisciplinar de processos. Uma das razões para o fato de
o curso de Relações Públicas, por
exemplo, não atender a essas necomunicação empresarial
ILUSTRAÇÕES: CARVALL
keting e articulação entre os poderes. Ainda
segundo ele, a falha começa nas escolas, que
não têm esse pensamento, e passa pelo professores, que pensam à
moda antiga. No mercado, continua, os profissionais de comunicação
empresarial passaram a
olhar muito as suas áreas de maneira estanque,
sem interagir com o
ambiente. “O conhecimento de técnicas de comunicação é algo muito
pobre sozinho e não leva
a nada. Por isso, esses
profissionais deveriam
se banhar hoje de política, economia, sociologia
e opinião pública. O
inadmissível é fazer comunicação
em 2003 como se fazia na década
de 70, com jornaizinhos bitolados
e revistas infantis, voltados apenas para os interesses da empresa, ao invés de inserir a comunicação no contexto social, que é o
que efetivamente traz dividendos
para a empresa.”
cessidades pode estar na tradução
“abrasileirada” e tropicalizada do
termo. “Public Relations, nos Estados Unidos, tem toda uma
conotação política, uma estruturação de trabalho e relacionamento político; não é só comunicação. Mas, ao mesmo tempo, a
gente percebe que a ferramenta
mais utilizada por eles é a assessoria de imprensa. E nessa importação do conceito pode ter acontecido o desvirtuamento”, explica
Terezinha de Andrade Leal, presidente do Conselho Regional de
Profissionais de Relações Públicas,
CONRERP. “Se o curso de Relações Públicas tivesse sido criado
dentro de uma Faculdade de Administração, hoje o conceito seria
outro”, avalia Terezinha, para quem
a capacitação para administrar deve
preceder o gerenciamento da comunicação. “Hoje, só se aprende
Relações Governamentais fazendo.
Acertando e errando, falando com outros profissionais”, define Gilberto
Galan, vice-presidente de
Assuntos Corporativos e
Comunicação do Citibank
e diretor da ABERJE.
Galan acredita que é cada
vez maior a tendência das
empresas incorporarem as
funções de Relações Governamentais às de Comunicação Corporativa e que
o ponto-chave é saber se o
profissional, seja da empresa ou das agências de
RP, tem o perfil multidisciplinar necessário.
“Recomendo que comecem a pensar seriamente
no assunto, pois essa combinação de qualidades
amplia muito o campo de
oportunidades de trabalho.”
Consenso virou moda
Além do ponto de vista conceitual, as relações governamentais
serão essenciais esse ano para uma
leitura e interpretação corretas da
pauta e do calendário de atividades do Congresso Nacional. Afinal, ainda não se sabe de que forma os diversos segmentos sociais
serão impactados pelas versões
aprovadas das reformas Previdenciária, Tributária, Trabalhista e
Política. E isso exigirá, em face da
cobrança de outros grupos de pressão e ausência de consenso,
posicionamento e defesa de interesses claros por parte das empresas. “Não sei por que o tal ‘consenso’ virou uma palavra da moda
nos últimos tempos. É evidente que
qualquer governo do mundo, por
mais democrático que seja, ficaria
“Hoje, só se aprende
Relações
Governamentais
fazendo. Acertando
e errando”.
Gilberto Galan, Citibank
21
C APA
“Assuntos públicos
são basicamente o
cruzamento entre as
disciplinas de
Relações Públicas e
relações com
o Governo”.
Ramiro Prudencio,
Burson-Marsteller
22
de mãos completamente atadas se
quisesse resolver todas as questões
por meio do consenso. Em todas
as decisões, alguém ganha e alguém perde”, opina Miguel Jorge,
vice-presidente-executivo de Assuntos Corporativos do Grupo
Santander Banespa. “Trata-se de estabelecer, isso
sim, que a maioria ganhe,
o que é absolutamente
normal na democracia representativa. Ou o Congresso vota por consenso?
Ou o Judiciário? Evidente que não. Às vezes, há
unanimidade ou o tal consenso, mas, na maior parte dos casos, prevalece a
vontade da maioria.” Renato Gasparetto Júnior, diretor de Relações Institucionais da Telefônica e
vice-presidente
da
ABERJE, analisa a questão numa perspectiva histórica. “Se, num primeiro
momento, a democracia
desobstruiu os canais de
comunicação entre os diversos grupos que formam a sociedade, vivemos agora um momento de aprimoramento e depuração. A ética
deve ser o alicerce por meio do qual
se estabelece qualquer negociação
envolvendo legítimos interesses.”
No Poder Executivo, as movimentações para estabelecer canais
formais de representação da sociedade renderam fartas discussões
até agora. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social,
órgão consultivo instalado dia 13
de fevereiro, composto por 82 integrantes (dos quais 42 são empresários e os demais representantes
de associações de classe e organizações não-governamentais), além
de dez ministros de Estado e presidido pelo presidente da República,
é uma sinalização de que o Governo, por princípio, deverá investir
mais tempo ouvindo a sociedade
antes de se posicionar sobre assuntos públicos. “Os políticos e o Go-
verno resolvem questões, mas não
decidem. Essa é a sutileza sobre a
qual o conceito de assuntos públicos está fundamentado”, contextualiza Ramiro Prudencio, presidente da Burson-Marsteller Brasil, que atuou anteriormente por
doze anos como assessor político
no Congresso Norte-Americano.
“Assuntos públicos, continua, são
basicamente o cruzamento entre
as disciplinas de Relações Públicas e relações com o Governo. É a
disciplina que leva ao entendimento de como assuntos de interesse
público são discutidos, debatidos
e resolvidos. Trata-se também da
disciplina que auxilia empresas, indústrias e outros grupos a se pre-
parar e se mobilizar de forma mais
eficiente, para que saibam administrar aqueles assuntos de maior
interesse.” Membro do Conselho
de Desenvolvimento Econômico e
Social, Miguel Jorge define a função política do fórum de representação. “É muito mais
que um símbolo, pois
ele terá uma participação importante e decisiva na discussão e definição das políticas públicas e das muitas reformas absolutamente
necessárias para que o
País tome de uma vez
por todas o rumo do
crescimento e do desenvolvimento, sem as
soluções que têm caracterizado as últimas décadas. A participação
de amplos setores da
sociedade permitirá
que o Conselho atue de
forma muito semelhante a seus congêneres de
outros países, como a
França, por exemplo.” Miguel Jorge acredita que, pelo fato de o País
ter se mantido afastado tanto tempo da democracia, e da livre discussão de idéias, é que a criação
de um Conselho como esse tem gerado tanta polêmica. Chegou-se até
a atribuir ao conselho, pela importância que o fórum adquiriu, o papel de substituto do Congresso Nacional. “Isso foi uma grande besteira, ou má-fé por parte de quem
assim pensou.”
Quem faz lobby?
Paulo Nassar e Rubens Figueiredo, no livro O que é Comunicação Empresarial, afirmam
que no Brasil lobby é quase um
palavrão para a sociedade. Isso
acontece, segundo os autores, porque a atividade do lobby aparece
muitas vezes associada a escândalos, a licitações direcionadas, propinas e obras superfaturadas. E os
protagonistas dessas histórias, no
Brasil e no exterior, têm sido na
maioria das vezes empresas e autoridades. Esses fatos reforçam na
sociedade e junto aos públicos estratégicos empresariais a percepção de que a atividade de lobby é
ilegítima e ilegal. Nesse particular, a percepção brasileira tem
muito em comum com a argentina. Segundo Diego Dilemberger,
diretor da revista Imagen, na Argentina a palavra também é sinônimo de corrupção e não está associada ao lobby
tradicional e legítimo, parte do
jogo democrático.
“As grandes empresas costumam
manter um alto
executivo com o
cargo de Assuntos
Públicos dedicado a relações da
empresa com as
diferentes esferas
e níveis governamentais, mas
esse tipo de prof issional geralmente é retratado
como suspeito de pagar subornos
e traficar influência.” Lobby, no
entanto, é traduzido do inglês
como saguão, entrada, sala de espera, como há em hotéis, edifícios públicos, câmaras de vereadores, assembléias legislativas e sedes de governo. O gerúndio
Lobbying caracteriza a função ou
comunicação empresarial
a ação que nele se exerce, e está
diretamente ligado à ação
exercida sobre legisladores e executivos há mais de um século nos
países anglo-saxões.
Causa legítima
Num dos poucos livros em português que tratam do assunto, João
Bosco Lodi, falecido no ano passado, analisou assim a questão no
livro Lobby - Os Grupos de Pressão: ...”O lobby praticado no Brasil é quase exclusivamente o dos
grupos econômicos e associações
afins, por estarem mais organizados e profissionalizados.” Segundo o autor, a falta de organização
política de outros grupos, ao contrário do sucesso do lobby econô-
mico, leva a um clima de mal-entendido, de ilegitimidade e de falta de respaldo da sociedade para
com a prática dessa atividade. O
livro de Lodi confirma: as primeiras empresas conscientes da necessidade de organizar profissionalmente o lobby foram as empresas
internacionais, seja devido à sua
experiência política nos países de
origem, seja devido às dificuldades
de compreender o sistema de decisão nacional. A Light é tida como
uma das primeiras escolas de lobby
no Brasil. A Rhodia brasileira, em
seu Plano de Comunicação Social
(PCS), de 1985, define lobby como
uma de suas ferramentas. O PCS
da Rhodia afirma que “o empresário moderno é também um homem
público com poder de influência e
persuasão. Por isso, não deve ficar
alheio aos debates, até porque ele
é a voz e o rosto visível de uma
empresa”. Olhando o fim da ditadura militar, o PCS anunciava as
regras éticas do relacionamento
empresa/Governo: “o Brasil da
Nova República é diferente daquele que bastava o empresário ter
acesso a um ministro para abrir todas as portas”. Ou seja, o lobby
empresarial, dali para frente, teria necessariamente de ser feito
dentro das regras democráticas,
que são a antítese das práticas escusas. “Corrupção é uma forma de
interação degenerada com o setor
público, no sentido de trazer vantagens específicas contrárias à lei.
O lobby é uma forma positiva de
interação da sociedade organizada com o Governo, porque permite a atuação transparente dos interesses organizados”, argumenta
Wagner Pralon, doutorando em
Ciências Políticas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Outro ponto relevante da ação legítima de lobby, na
avaliação de Pralon, é o alto nível
de troca de informações úteis para
o aperfeiçoamento de políticas públicas. A literatura do assunto nos
Estados Unidos, onde o lobby foi
regulamentado em 1946 e a lei passou por adaptações em 1995 e
“Lobistas somos
todos que
pleiteamos uma vida
melhor e uma melhor
distribuição do
direito e da justiça
entre os cidadãos”.
Jack Corrêa, Coca-Cola
23
C APA
“O termo lobby não
me preocupa, porque
tenho sempre em
mente que irei
defender um determinado interesse”.
José Estanislau do
Amaral, Unilever
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1998, ratifica, no entanto, a incapacidade de determinados setores
sociais de se organizar. São os consumidores, contribuintes, aposentados e excluídos, que, por serem
numerosos e dispor de poucos recursos para bancar ações de defesa de seus interesses, acabam teoricamente em desvantagem em relação aos setores de maior poder
econômico.
Não é por acaso, então, que podemos contar nos dedos os gestores
e empresas que assumem publicamente que defendem, por meio do
lobby, os interesses de sua organização junto aos poderes constituídos. “O lobby, por tarefa, está com
seus dias contados. O lobby
institucional, que representa setores, já está implantado e consolidado. Porque lobistas somos todos
os que pleiteamos uma vida melhor e uma melhor distribuição do
direito e da justiça entre todos os
cidadãos”, define Jack Corrêa,
vice-presidente de Relações Governamentais da Coca-Cola. “A
novidade responde agora pelo
nome de lobby participativo, entendendo que o problema do nosso
segmento está inserido num problema maior do país.” E essa visão
prática e conceitual encontra eco
em outras organizações empresariais igualmente representativas.
“O termo lobby não me preocupa,
porque tenho sempre em mente
que irei defender um determinado
interesse. E, desde que a causa seja
boa e legítima, faço o lobby sem
problema”, diz José Estanislau do
Amaral, diretor de Assuntos
Corporativos da Unilever Brasil.
Segundo Estanislau, que por
dezessete anos foi diplomata no
Itamarati, outra característica que
comprova a lisura e legitimidade
da ação de lobby é
o fato de o representante de determinado interesse o
fazer de modo aberto, numa sala aberta e em contato com
a imprensa. Estanislau cita, entre
outras ações de
lobby, uma ocasião
em que a empresa
havia desenvolvido
um produto específico que dependia
de aprovação governamental para ser
comercializado.
“Marcamos uma
reunião com os técnicos do governo responsáveis pela
análise do produto, apresentamos
pesquisas comprovando sua eficácia e, após avaliação, obtivemos o
registro.” Miguel Jorge diz que no
Santander Banespa as ações de
lobby são realizadas como em
qualquer empresa responsável.
“Não conheço nenhuma empresa
séria que tenha medo de assumir
que faz lobby”, dispara .
Regulamentação
A primeira iniciativa para regulamentar o lobby no país ocorreu
entre 1977 e 1979, quando Marco
Maciel exerceu a presidência da
Câmara dos Deputados e reformulou o Regimento Interno daquela casa. Mas foi em 1989, como
senador, que Marco Maciel, do
PFL, encaminhou Projeto de Lei
propondo a regulamentação da atividade de lobby no Brasil. No mesmo ano, o Senado Federal aprovou
o Projeto de Lei, regulamentando
a atividade, remetendo-o em segui-
da à Câmara dos Deputados. Somente em 2001, no entanto, o plenário da Câmara aprovou requerimento de urgência apresentado
pelos líderes dos partidos. Atualmente, o projeto se encontra na
Mesa Diretora da Câmara aguardando a inclusão na Ordem do Dia.
O Projeto de Lei, em linhas gerais,
dispõe sobre a necessidade de registro de pessoas físicas ou jurídicas que exercem qualquer atividade tendente a influenciar o processo legislativo. E ainda o uso de credenciais de acesso de lobistas a
cada uma das casas do Congresso,
além de exigir o encaminhamento
à Câmara e ao Senado de declaração de gastos relativos à atuação
perante o Congresso. “É leviano
acusar quem propõe a regulamentação do lobby. Não estou defendendo lobistas. O que quero é acabar com o lado obscuro dessa atividade, que permite o tráfico de influência. Se houver uma disciplina, há como se punir as desobediências”, explica o senador Marco
C APA
“Temos de esclarecer
que lobby não se
confunde com
Relações Públicas”.
Guilherme Farhat
FOTO: DIVULGAÇÃO
Ferraz, Semprel
Maciel. A opção de regulamentação da atividade somente nas casas do Congresso Nacional se deve,
de acordo com o senador, à dificuldade de estender, à época, a
mesma disciplina ao Executivo e
ao Judiciário. “Mais importante
que a lei, é a conduta moral; não
há lei que garanta conduta moral.”
A intenção de melhorar as relações
governamentais e apoiar a regulamentação do lobby parte também
do próprio Partido dos Trabalhadores. “O relacionamento das empresas com o Governo é legítimo, principalmente através de suas representações institucionais”, explica
José Genoino, presidente Nacional
do PT. “O Governo administra uma
sociedade formada à base de grupos que agregam interesses. Respeitados o pluralismo e a democracia, os interesses dos mais diversos setores sociais são legítimos.
Acredito que o primeiro passo para
eliminação do preconceito seja a
regulamentação da atividade do
lobby. Isso trará a atividade para a
esfera da institucionalidade e da
transparência. Hoje o lobby funciona por detrás da cortina, clandestinamente. É isto que o deteriora.”
De acordo com Genoino, ainda é
cedo para se fazer um prognóstico
sobre as prioridades da Câmara e
do Congresso, porque as comissões
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temáticas estão sendo formadas e
as prioridades deverão ser definidas pelo colégio de líderes, pela
mesa diretora e pelas próprias demandas do Governo. Voltando ao
paralelo com a Argentina, desde
1997 vários projetos foram apresentados na tentativa de regulamentar a atividade de lobby. Um
deles chegou até a ser aprovado em
primeira votação no Senado, mas
os parlamentares argentinos hesitam
em aprovar a lei que, a exemplo da
proposta brasileira, prevê o registro
de lobistas e a obrigatoriedade de
prestação de contas declinando para
quem o lobista trabalha e quanto
recebe pela atividade.
Lobby e mercado
Empresas e instituições com
vivência na comunicação com governos costumam utilizar estrutura de pessoal própria ou, por não
fazer parte de sua atividade-fim,
contar com suporte de empresas
especializadas em relações governamentais, ou ainda com as recém-criadas agências de comunicação focadas em Public Affairs.
Têm atuação efetiva em Brasília
como empresas especializadas em
relações governamentais: Arko
Advice, Semprel, Roberto Nogueira, Umbelino Lobo e Patri. O
setor interpreta como positiva a regulamentação, contanto que as
normas valham não só para os profissionais de empresas formalmente constituídas, mas também
para ex-parlamentares, advogados
e toda sorte de pessoas que realizam ações de relações governamentais e lobby. “As pessoas têm
de parar de trabalhar com intermediários. O serviço que prestamos é, eminentemente, de supor-
te e de acompanhamento, como
um médico ou personal training.
Não representamos nossos clientes e não fazemos lobby. Analisamos sua situação dentro de uma
estrutura de níveis e recomendamos a adoção de determinadas
medidas nas várias esferas de governo. Se eles acatam e dão seqüência ou não às recomendações,
não nos diz mais respeito”, esclarece Eduardo Ricardo, presidente
da Patri Relações Governamentais
e Políticas Públicas. A empresa
está instalada em Brasília desde
1986, conta com um escritório em
são Paulo, um braço em Washington e uma carteira de 35 clientes.
A função de Relações Públicas
volta à cena nesse processo. “Temos de esclarecer que lobby não
se confunde com Relações Públicas. Em determinados momentos,
vale a pena levar a tese defendida
ao público, como meio de obter
apoio da opinião pública para a
causa; ou de esclarecer questões
ou pontos de vista apresentados de
forma errada pelos adversários, ou
mesmo por pessoas de boa-fé”,
comenta Guilherme Farhat Ferraz,
diretor da Semprel, empresa de relações governamentais que atua há
17 anos em Brasília. “Nesses casos, os instrumentos de Relações
Públicas podem e devem ser utilizados em favor dos objetivos das
atividades de lobby, propriamente
ditas. Mas lobby é, em 90% dos casos, atividade que se desenvolve no
contato de pessoa a pessoa. Tratase de falar, argumentar e convencer. Informar e argumentar para
convencer.” Essa delimitação do
papel de RP no exercício do lobby
consta inclusive no Código de Ética dos Profissionais de Relações
Públicas. Na seção IX, artigo 29, o
código especifica que, no exercício do “Lobby”, o profissional de
Relações Públicas deve se ater às
áreas de sua competência, obedecendo às normas que regem as matérias emanadas pelo Congresso
Nacional, pelas Assembléias Legislativas Estaduais e pelas Câmaras Municipais. E no artigo 30 da
mesma seção f ica explícita a
obrigatoriedade do exercício ético da profissão: “É vedado ao profissional de RP utilizar-se de métodos ou processos escusos para
forçar quem quer que seja a aprovar matéria controversa ou projetos, ações e planejamentos, que favoreçam os seus propósitos.”
Nas agências
de comunicação, embora não
haja consenso, o
estabelecimento
de canais entre
Governo e empresas, e a leitura estratégica do
cenário políticoeconômico,
apresenta-se
como oportunidade de negócio
que tem se traduzido por meio da
criação de agências especializadas
em Public Affairs. “Ainda não discutimos esse assunto no ambiente da Abracom, mas sou contrário, particularmente, a essa idéia
de agências de comunicação prestarem serviços de lobby”, adianta
João Rodarte, presidente da Associação Brasileira das Agências de
Comunicação. “Quem faz lobby
cuida do negócio, defesa de interesses, e age em nome do cliente.
Quando atuamos em Comunicação, utilizamos um instrumental
de relacionamento entre empresas
comunicação empresarial
e governo. Essa é a diferença.” Na
Edelman Brasil, que está no País
há sete anos e cuja atuação nos Estados Unidos já atinge meio século, a possibilidade de a atividade
de lobby vir a ser regulamentada
é motivo de animação e perspectiva de aumento de negócios. “Se
você analisar mercados maduros
como Estados Unidos ou Europa,
o modelo é completamente outro.
Todas as grandes agências têm departamentos ou escritórios de
lobby e relacionamento com governos”, exemplif ica Ronald
Mincheff, diretor-geral da
Edelman São Paulo. Na Máquina
da Notícia, que criou recentemen-
te a MQ Institucional para trabalhar no Brasil o conceito americano de lobby, o entendimento é
de que o conflito na atuação de
agências de comunicação é outro.
“O que é perigoso, e eu acho que
contamina, é uma agência de comunicação atender empresas da
iniciativa privada e, ao mesmo
tempo, fazer assessoria de imprensa para políticos, para governo e
para programas de governo”, opina Maristela Mafei, sócia-diretora do grupo Máquina. De acordo
com Maristela Mafei, que estima
faturamento de R$ 1,2 milhão nes-
te ano com a MQ, as agências que
não suprirem essa necessidade do
mercado vão assistir passivamente à entrada de concorrentes nas
instalações de seus clientes e colocar em risco suas contas.
Preconceito e oportunidade
Outra agência que inicia os trabalhos de relações governamentais em Brasília é a INPress
Public Affairs, que tem como associada a Idéias, Fatos e Textos.
“Estamos trocando de atividade.
Eu não me sinto mais um jornalista, mas um estrategista político. E, nesse caso, a política antecede a comunicação”, argumenta Luiz Lanzetta, diretor da
InPress Public
Affairs. “Não é
uma questão de
Jornalismo. Atuamos como intermediários entre o
veículo e a fonte.
Não estamos na
atividade-fim do
Jornalismo, embora utilizemos várias técnicas de
Jornalismo.” Mas Lanzetta e seu
sócio o jornalista Luís Costa Pinto, não gostam de utilizar o termo lobby. “Preferimos dizer que
prestamos consultoria de comunicação.”
Para Miguel Jorge, há uma forma prática de administrar esses
conflitos. “Precisamos deixar de
ser hipócritas e cínicos: o que algumas agências de comunicação
têm feito, ao criar áreas que têm
chamado de “marketing institucional”, “assessoria política” e
outras roupagens estranhas, é cri-
“Estamos trocando de
atividade. Eu não
me sinto mais um
jornalista, mas um
estrategista político”.
Luiz Lanzetta, InPress
Public Affairs
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C APA
ar departamentos de lobby. Temos, aqui, exatamente a questão
do preconceito, pois essas empresas deveriam dizer, com todas as
letras e absoluta clareza, que vão
se dedicar, além das áreas tradicionais de assessoria de imprensa, organização de eventos, etc,
etc, à atividade de lobby.” Na avaliação de Miguel Jorge, as agências de comunicação deveriam
Comunicação ou de Relações
Públicas, sem a intermediação de
agências de Publicidade. “Quanto maior o número de ferramentas que o Governo dispuser para
o contato com seus públicos,
maior será sua eficiência de comunicação com a sociedade. Sem
comunicação estratégica, o Governo continuará despendendo
muitos recursos numa ferramenta cara e não atingirá a eficiência
obtida pelas empresas da iniciativa privada, que trabalham com
comunicação integrada”, analisa
Roberto Grad, presidente da Hill
& Knowlton.
Por onde começar
“Um posicionamento
inadequado, afobação,
ir com muita sede ao
pote, pode queimar o
filme da empresa
para sempre”.
Roberto Castro Neves
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enxergam as novas oportunidades
de atuação e de trabalho que se
apresentam, e aumentar seu
portfólio de serviços, ingressando em novos mercados, que vão
precisar cada vez mais de profissionais de relacionamento, ou de
lobby. “À inércia dos lobistas,
contrapõe-se hoje o movimento
do chamado Terceiro Setor, que
atua na faixa da Responsabilidade Social”, argumenta Jack
Corrêa, da Coca-Cola.
Existem críticas pontuais na
comunicação que parte do Governo em direção à sociedade. Para
as agências de comunicação, por
exemplo, não faz sentido o Governo manter um edital de licitação que, de certa forma, possibilita a contratação de apenas agências de publicidade. O que se espera é que o Governo desmembre
a comunicação e permita a participação direta de agências de
Se lobby e relacionamento são
mais que simples palavras, apresentam-se como tendências da
comunicação, o que profissionais, empresas e organizações
não-governamentais que estão
fora dessa corrente devem fazer
então? Além do domínio dos termos desse dicionário dos novos
tempos, algumas ações simples,
porém práticas, podem ser
adotadas de imediato para a iniciação à prática das relações governamentais e lobby. Segundo o
consultor Roberto Castro Neves,
o primeiro passo é conhecer o
perfil dos novos ocupantes de
funções cujas decisões podem
influir na atividade da empresa
para a qual trabalham: quem são,
de onde vêm, que formação e experiência têm, o que pensam, etc.
O segundo passo é fazer com que
esses novos tomadores de decisão venham a conhecer a empresa: o que ela faz, grandeza
(faturamento, número de empregados, impostos pagos, exporta-
ções, etc) e colocar-se à disposição da nova administração. “O
novo ocupante está acabando de
chegar, ainda não tomou pé da situação, não sabe bem quais os
seus poderes e com que recursos
pode contar. Um posicionamento
inadequado, afobação, ir com
muita sede ao pote, pode queimar
o filme da empresa para sempre”,
pondera Castro Neves. A terceira
providência é o monitoramento.
Acompanhar o dia-a-dia do Governo, que pode mudar sua conduta
de atuação de acordo com acomodações políticas e em função de resultados de pesquisas de opinião.
Por fim, há que se acompanhar
cada questão que possa afetar os
negócios ou a atividade da empresa. Cada questão deve ser monitorada como um risco ou uma
oportunidade para a empresa. No
que ela vai se transformar, dependerá das informações que os representantes dos Poderes receberem ao longo do processo. Isso é
fazer relações governamentais
e lobby.
*Leia na versão eletrônica da revista Comunicação Empresarial, site
www.aberje.com.br , o texto do Projeto de Lei de autoria do senador
Marco Maciel que regulamenta a atividade de lobby no Brasil e os pontos
principais da Lei norte-americana de
Divulgação de Atividades de Lobby.
**Literatura de apoio sobre o assunto - Business, Politics, and the Practice
of Government Relations (Charles S.
Mack); Creating Managing Association Government Relations
Program (Michael E. Kastner); A Força da Comunicação (Frank M.
Corrado); Lobby - Os Grupos de Pressão (João Bosco Lodi); O que é Comunicação Empresarial - Coleção Primeiros Passos (Paulo Nassar e Rubens
Figueiredo).
LOBBY E REGULAMENTAÇÃO
Um dos temas mais relevantes da
agenda política contemporânea é o
da democracia participativa. Tratase de um conceito cunhado para
distinguir os procedimentos eleitorais da investidura do poder e das
decisões políticas dos governos democráticos. Em outras palavras, não
basta que o poder político seja democraticamente investido. Ele tem
de ser, também, democraticamente exercido. A participação política
significa a possibilidade de permitir
que todos os atores do processo político, a começar pelo que se
convencionou chamar de sociedade civil, tomem parte nas decisões
relevantes que lhes dizem respeito e que diretamente lhes afetam.
A atuação dos chamados grupos
de interesse no processo político é
um capítulo relevante da democracia participativa. Como se sabe,
quanto mais amplos e legítimos os
interesses sociais defendidos por
essas entidades, mais participativo
se torna o processo decisório no
âmbito da política. Convém frisar a
expressão “interesses legítimos”,
porque o mecanismo da defesa de
interesses ilegítimos, obviamente,
não opera por essa mesma via, nem
torna visível a sua atuação.
Como no Brasil não existe legislação a respeito, a prática de interesses que são ilegítimos terminou
confundida com a dos interesses
legítimos. Isso se deve, sobretudo,
à circunstância de que a palavra de
origem inglesa lobby sofreu no País
uma conotação pejorativa, muito
embora haja uma distinção entre
grupos de interesse, não formaliza-
comunicação empresarial
dos, grupos de pressão, que são formalizados, e em geral defendem interesses corporativos, e lobbies, que
exercem essa mesma atividade profissionalmente. Resultado: terminamos satanizando a participação,
mesmo se legítima, e santificando
a manifestação, mesmo que ilegítima. Foi para suprir essa lacuna da
legislação brasileira que apresentei,
em meados da década de 80, projeto de lei regulamentando o exercício dessa atividade. O projeto já
foi aprovado no Senado e se encontra atualmente em tramitação na
Câmara dos Deputados. Reconheço haver um entendimento pelo qual
alguns vêem em iniciativas dessa
natureza o risco da contaminação
se dar em sentido inverso do que
atualmente ocorre, isto é, que a defesa de interesses autênticos termine legitimando a defesa dos que são
ilegítimos. Os que pensam dessa
maneira obviamente esquecem que
a regulamentação visa, exatamente, dar transparência ao sistema de
participação nas decisões. Hoje,
quando um parlamentar recebe um
lobista, não sabe se é um representante de uma entidade ou instituição legal ou se representa interesses escusos. Pretender, de antemão,
santificar alguns interesses e
satanizar outros constitui evidente
discriminação. O primeiro resultado da regulamentação será a possibilidade de identificar a natureza
de tais interesses. Aqueles que forem legítimos não terão por que não
se registrar, especificando, inclusive, os recursos que os financiam e
os meios de que dispõem para a de-
FOTO: DIVULGAÇÃO
Marco Maciel*
fesa dos interesses que representam. Os que forem ilegítimos se
afastarão imediatamente desse circuito legal, operando clandestinamente, porque não terão a possibilidade de colocar permanentemente sob a ótica da fiscalização pública a investigação dos seus recursos e processos. Ousaria mesmo dizer mais: a regulamentação da defesa desses grupos é urna etapa necessária e indispensável à modernização das relações das instituições públicas com a sociedade. Se
dermos racionalidade a esse debate e não o encararmos de forma
emocional e suspeita, não só estaremos fortalecendo os mecanismos
democráticos de participação das
decisões de governo, como, ao mesmo tempo, daremos mais transparência às relações entre o governo
e a sociedade e o que é mais importante contribuiremos decisiva e
não retoricamente para conferir
efetividade à democracia decisional, que todos aplaudem, mas
em favor da qual poucos atuam.
*Marco Maciel é Senador pelo PFL
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