ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS DA SÍNCOPE NAS PROPAROXÍTONAS
NO PORTUGUÊS FALADO EM DOURADOS – MS
Elza Sabino da Silva BUENO (UEMS/FUNDECT) **
Márcio Palácios de CARVALHO (UEMS) *
RESUMO: O presente estudo vai analisar o processo linguístico denominado síncope em palavras
proparoxítonas utilizadas por informantes de Dourado-MS, cujo objetivo é verificar se esses falantes
usam as palavras sincopadas na sua fala cotidiana e quais variáveis linguísticas e sociais influenciam
para que ocorra esse fenômeno linguístico, uma vez que é notório que isso também aconteceu no latim,
principalmente na modalidade vulgar e continua a ocorrer em outras línguas românicas. Essas
mudanças linguísticas não se dão aleatoriamente, mas de forma lenta e gradual, o que faz com que só as
percebamos ao longo do tempo. Lembrando ainda que elas atingem quase sempre as partes e não o todo
de um grupo de falantes de uma mesma língua (FARACO, 2005), e que fatores internos e externos ao
sistema linguístico contribuem para que tais mudanças e inovações se manifestem de maneira mais
acentuada nas classes sociais menos privilegiadas da sociedade (BAGNO, 2003).
RESUMEN: El presente estudio visa analizar el proceso lingüístico llamado síncope, en algunas
palabras esdrújulas utilizadas por informantes residentes en la ciudad de Dourados-MS el objetivo es
verificar si eses hablantes usan las palabras sincopadas en su habla diaria y cuales variables linguística
y sociales contribuyen para que ocurra ese fenómeno linguístico, una vez que es hecho consabido que
eso también sucedió con el latín, principalmente en su modalidad vulgar y, consecuentemente ocurrió y
continua a ocurrir en otras lenguas románicas. Convén recordar que esas mudanzas linguísticas ocurren
de forma lenta y gradual, lo que hace con que los hablantes solo se dan cuenta a lo largo del tiempo.
Recordando todavía que ellas atingen siempre las partes y no el todo de un grupo de hablantes de una
misma lengua (FARACO, 2005). Contribuyen para esas mudanzas factores internos y externos al sistema
linguístico de la lengua y, según (BAGNO, 2003), las formas innovadoras si manifiestan principalmente
el las camadas sociales menos privilegiadas de la sociedad.
PALAVRAS-CHAVE: Português falado; Proparoxítonas; Síncope.
PALABRAS-CLAVE: Portugués hablado, esdrújula, síncope.
Introdução
Ao conceber a língua como um produto social, acreditamos que ela não pode
ser considerada um objeto estável, porque faz parte de uma sociedade em
transformação. E a linguagem como parte integrante dos falantes, também sofre
mudanças que se dão através de um processo lento e sistemático, não há como, e nem
por que retardá-las ou ignorá-las, pois elas expressam o movimento natural e comum
das línguas vivas e em constante processo de variação lingüística, Bueno (2009, p.23).
De acordo com Bagno (2003), as variações linguísticas não ocorrem ao mesmo
tempo em todas as línguas, nem mesmo no interior de uma mesma língua, não ocorre de
modo idêntico nas diferentes variedades sociolinguísticas em um sistema linguístico,
como é o caso do Brasil, em que as diversidades são marcantes, tendo em vista a sua
extensão territorial e diversidade sociolinguística e cultural do povo brasileiro.
Com base na perspectiva dos estudos linguísticos inseridos no meio social em
que se encontra o falante no momento da comunicação verbal, podemos dizer que a
língua é um sistema linguístico e social utilizado para facilitar a comunicação entre os
membros de uma determinada comunidade de fala, Monteiro (2000). Nesse sentido,
pretendemos verificar através deste estudo o como e o porquê de certas palavras
proparoxítonas no português falado em Dourados se reduzirem a paroxítona, uma vez
que Coutinho (1976) nos lembra que, o processo de redução já ocorreu no latim vulgar
se caracteriza, entre outros fatores, pela tendência a evitar o uso de palavras
proparoxítonas, em que estas eram substituídas por paroxítonas com o objetivo de
facilitar a comunicação linguística.
Segundo pesquisadores da área dos estudos sociolinguísticos, como Tarallo
(2001), Monteiro (2000), Labov (1983) Bueno (2009) e outros, a variação linguística
pode ser influenciada por variáveis internas ou externas ao sistema linguístico, ou seja,
por variáveis ligadas diretamente ao falante, ao grupo a que ele pertence, à situação de
comunicação verbal, de uso concreto da língua ou, simultaneamente, a todas as
situações descritas.
Para essa pesquisa sobre a síncope de palavras proparoxítonas, consideramos
as variações devidas ao gênero, às diferentes faixas etárias selecionadas e ao nível de
escolaridade do falante no uso da língua, que se expressar no interior da comunidade em
que vive.
Para uma melhor caracterização, o presente estudo divide-se em três partes
distintas, em que, a primeira, trata do aporte teórico que consiste em uma descrição do
conceito de linguística, sociolinguística e linguística histórica e da sua importância para
os estudos da linguagem, na classificação das palavras em oxítonas, paroxítonas e
proparoxítonas e no estudo das vogais pretônicas, tônicas e postônicas.
A segunda parte descreve a metodologia utilizada para o desenvolvimento do
estudo, a ênfase é dada ao corpus da pesquisa e às variáveis linguísticas e sociais
estudadas, com o objetivo de mostrar de que forma elas influenciam na redução de
palavras proparoxítonas em paroxítonas pelos falantes pesquisados em situações reais
de interação linguística.
Na terceira, analisamos os dados linguísticos encontrados no corpus da
pesquisa e discutimos os resultados obtidos com relação ao uso da síncope nas
proparoxítonas tomando por base as variáveis linguísticas e sociais trabalhadas.
1.
Aporte teórico
1.1 Linguística/Sociolinguística
A Linguística é a ciência que estuda a fala, reconhecida no início do século
XX, a partir das divulgações dos trabalhos de Ferdinand de Saussure (1989), antes da
publicação do Curso Geral de Linguística, a linguística não era atônoma, ou seja,
submetia-se a exigência de outros estudos, como a lógica, a retórica, a história, a crítica
literária e outros.
De acordo com tal perspectiva, o trabalho científico consiste em observar e
descrever os fatos a partir de determinados pressuspostos teóricos formulados pela
linguística. Essa ciência se difere das outras, porque para um mesmo fenômeno pode
haver diferentes descrições e explicações, dependendo do referencial escolhido pelo
pesquisador, ou seja, ela não é uma ciência exata. No nosso caso, escolhemos o método
de pesquisa de campo, em que, por meio de gravação e tanscrição de entrevistas, obtemse a fala espontânea enunciada em situações reais de comunicação e é, juntamente este o
objeto de estudo da sociolinguística que se ocupa de questões referentes à variação
linguística, Tarallo (2001).
A Linguística é ao mesmo tempo um ato individual e social. Individual porque
cada falante se expressa de diferentes formas, e social porque ele está inserido num
grupo de falantes que usam um determinado código para interagir. Segundo Ribeiro
(2009, p 37) ‘‘a linguagem é inata e comum a toda espécie humana, em princípio não há
variante boa ou má, língua rica ou língua pobre, forma linguística superior ou inferior’’.
Por esse motivo temos que nos desvincular da noção de uma língua homogênea. Nesse
sentido, Antunes (2007, p.104) comenta que:
[...] existem variações linguísticas não porque as pessoas são ignorantes ou
indisciplinadas; existem, porque as línguas são fatos sociais, situados num tempo e
num espaço concretos, com funções definidas, e, como tais, são condicionadas por
esses fatores. Além disso, a língua só existe em sociedade, e toda sociedade é
inevitavelmente heterogênea, múltipla, variável e, por conseguinte, com usos
diversificados da própria língua.
Segundo Milani (2008), as mudanças ocorrem nos indivíduos, quando
materializam seu pensamento abstrato, por meio do discurso, é através da fala que as
inovações chegam à língua. Nesse ponto, a sociolinguística desenvolve um papel muito
importante, o de buscar explicações coerentes sobre os fenômenos linguísticos que antes
o ensino normativo condenava, de mostrar aos indivíduos falantes, que pode haver mais
de uma maneira de dizer a mesma coisa em diferentes contextos linguísticos, Tarallo
(2001). E saber usar a linguagem de modo consciente em determinados momentos é
garantia de uma melhor qualidade de vida em sociedade.
Como os estudos de natureza sociolinguística trabalham a língua na sua
modalidade falada, de forma espontânea enunciada em situações reais de enunciação é
de se esperar que as entrevistas realizadas com os informantes necessitem serem
transcritas seguindo-se normas de uso da língua e nessa pesquisa, as transcrevemos com
base nas normas do projeto NURC/SP1, com adaptações para a linguagem popular
falada.
1.2 Linguística Histórica
A Linguística Histórica é uma ciência que busca, por meio da história, estudar
as mudanças que ocorrem nas línguas humanas, pois à medida que o tempo passa, as
línguas vão apresentadando variações de forma acentuada. Por esse motivo não
podemos classificar as línguas como realidades estáticas, inalteráveis, como é
apresentada em muitos compêndios normativos. Pelo contrário, sua configuração se
altera continuamente com o tempo e num processo que envolve fatores de diferentes
naturezas, sejam linguísticos ou sociais, Faraco (2005).
Nessa pesquisa, pretendemos analisar um fenômeno que ocorre no português
nas diferentes regiões do Brasil, que é a síncope em que algumas palavras
proparoxítonas que se reduzem a paraxítonas, e que, segundo Lemle (1978), há uma
tendência, no português do Brasil, das proparoxítonas serem reduzidas a paroxítonas
pela perda de um ou mais segmentos fonéticos. A língua portuguesa falada no Brasil
possui tendência de redução, já que sabemos que sua língua mãe sofreu fenômeno
semelhante. E outro fator que contribui para o processo de redução, e o ritmo binário do
português.
Segundo Coutinho (1976), as línguas estão em contínuo movimento. Cada
geração contribui, sem que a perceba, e assim vão ocorrendo as mudanças para melhor
atender às necessidades dos falantes no momento da comunicação linguística. Por meio
dos exemplos a seguir, podemos observar que o processo de síncope já ocorria na língua
latina.
- masculus>masclus
- dominus>dommus
- calidus>caldus e outros
Lemle (1978), por sua vez, acredita que essa tendência de redução pela perda
de um ou mais segmentos fonéticos, pode ocorrer de acordo com o contexto linguístico,
como se verifica nas palavras a seguir que se tornam paroxítonas pela perda da vogal
pós-tônica, que ocorrem com frequência na modalidade coloquial da língua portuguesa:
- cócega > cosca
- abóbora > abobra
- chácara >chacra
1
. Projeto desenvolvido nas cinco capitais do país para trabalhar a linguagem culta falada.
Aqui além da vogal pós-tônica há também a perda da consoante que as seguem,
esses exemplos são frequentes na língua falada nas diferentes regiões do Brasil, de
modo especial, no falar local:
- arvore > arvre > arve
- óculos > oclo > ocos
Na listagem a seguir observa-se que as palavras sofrem perda da vogal póstônica e da consoante seguinte, também são fatos verificados no português falado em
Dourados - MS:
- lâmpada > lampa
- sábado > sabo
- bêbado > bebo
As inovações geralmente se manifestam nas classes menos privilegiadas da
sociedade, já que essa tem acesso restrito aos bens culturais, às obras literárias e outros.
As formas inovadoras, como a expressão a gente vai, p.e., só passam a ser aceitas pela
classe dominante a partir do momento em que são incorporadas aos dicionários, às
gramáticas ou aos manuais de “norma” de uso da língua, o que, às vezes, demora a
acontecer, considerando que tais obras têm por meta preservar a língua das constantes
variações e mudanças lingüísticas, Bueno (2009).
Como se pode observar um dos fatores que contribuem para que as palavras
proparoxítonas se reduzam a paroxítona é a aceleração no ritmo da fala, Lemle (1978),
pois as paroxítonas são pronunciadas com mais facilidades, já as proparoxítonas têm
uma duração maior quando são pronunciadas, por exemplo: chácara>chacra, em que é
comum ouvirmos a variante chacra, na língua falada, em situações de fala informal,
quando o falante se deixa levar pelo assunto, isto é, em momento de descontração, em
que usa a fala espontaneamente, sem nenhuma preocupação de ordem normativa,
Bortoni-Ricardo (2005).
1.3 Palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas.
Na comunicação oral, percebemos a mudança de significado de palavras como:
sabia, sabiá e sábia, ao pronunciá-las, ora dando mais intensidade de voz a uma sílaba,
ora à outra. A essa sílaba pronunciada com maior intensidade dá-se o nome de sílaba
tônica, ela se divide em: oxítona, paroxítona ou proparoxítona, Bechara (2005).
As oxítonas são palavras que possuem a última sílaba tônica, algumas levam
acento agudo ou circunflexo como: café, saci, Aracaju, português e outras. Devem ser
acentuadas as oxítonas terminadas em: a(s) Paraná, babás; -e(s) café, jacarés, buquê,
através; -o(s) avô, avó, cipó, depôs; e -em –ens armazém alguém parabéns. As palavras
oxítonas terminadas em i (is) e u (us) não levam acento. Exemplo: saci, Pacaembu,
tatus. Exceto, quando apresentam hiato: baú, açaí.
São chamadas de paroxítonas, quando a penúltima sílaba da palavra é a tônica,
nem todas as paroxítonas levam acento agudo ou circunflexo. São acentuadas aquelas
terminadas em: -i e -is; júri, cáqui, lápis, tênis e - us Vênus, vírus, bônus e assim por
diante.
Mas o que nos chama atenção nesta pesquisa são as palavras proparoxítonas, e
o porquê de algumas proparoxítonas se reduzirem a paroxítona. São classificadas como
proparoxítonas as palavras que levam acento agudo ou circunflexo na antepenúltima
sílaba, todas são acentuadas. Exemplo: Cálido, sólido grávida. Em nossos dados é
comum a tendência à redução.
1.4 Vogais pretônicas, tônicas e postônicas.
As vogais pretônicas são aquelas que vêm antes da sílaba tônica, como na
palavra acento cuja vogal mais forte é o fonema /e/. As vogais pretônicas são
pronunciadas com menos tonicidade.
As vogais postônicas são as palavras fracas que vem depois da sílaba tônica,
por esse motivo é pronunciada com menor esforço na linguagem oral algumas
proparoxítonas postônicas reduzirem-se a paroxítonas. A própria norma padrão
reconhece este fenômeno, os dicionários de língua portuguesa já aceitam as formas,
úbere ou ubre, que significa teta de vaca ou de outro animal fêmea, Maurer (1959).
Seguindo essa tendência das proparoxítonas reduzirem-se a paroxítonas,
percebemos que em algumas vogais postônicas, ocorre a queda apenas da vogal
postônica, criando um encontro consonantal. Por exemplo, abóbora> abobra, chácara>
chacra, em alguns casos ocorre a perda da vogal postônica e da consoante que a segue,
por exemplo; árvore> arvre> arve; óculos> oclos > ocos entre outros.
Maiores detalhes sobre o uso de palavras oxítonas, paroxítonas e
proparoxítonas são dados na terceira parte desse estudo, inclusive com percentuais de
ocorrências pelos falantes pesquisados em situações reais de uso da língua.
2.
Metodologia utilizada na pesquisa
O procedimento adotado para a realização desse estudo foi o método de
pesquisa de campo com gravação de entrevistas em que o informante foi estimulado a
narrar assuntos referentes ao seu cotidiano, Tarallo (2001) e Labov (1983). Durante as
entrevistas procuramos levar o informante a falar, o mais à vontade possível, sobre
assunto como: infância, brincadeiras, escola e ensino-aprendizagem, festas populares,
namoro e sobre outros assuntos de seu interesse.
As entrevistas foram realizadas nas residências e nos locais de trabalho do
informante, porque são esses os locais em que ele se sente mais à vontade para falar de
fatos importantes de sua vida, inclusive do tópico “perigo da vida” que, segundo Labov
(1983) (apud TARALLO, 2001), ao narrar fatos corriqueiros do seu cotidiano, o falante
deixa o seu lado emocional vir à tona, e sua emoção se manifesta na linguagem, é
justamente esse falar espontâneo que constitui objeto de pesquisa da sociolinguística
variacionista, em que se analisam os fenômenos linguísticos ocorrentes na língua em
situações reais.
2.1 Constituição do corpus da pesquisa
Para a constituição do corpus da pesquisa foram entrevistados doze
informantes, sendo seis homens e seis mulheres, “uma vez que há diferenças acentuadas
entre a fala de homens e de mulheres”, Paiva (2004, p.35), o que nos leva a inferir que
homens e mulheres falam diferentemente, lembrando que falar diferente não é falar
‘‘errado’’, Amaral (1971).
Trabalhamos com três faixas etárias que variam de 17 a 25 anos, 26 a 50 anos e
falantes com 51 anos em diante, uma vez que para Labov (1972) (apud. MONTEIRO,
2000, p.59) há diferenças marcantes entre a linguagem de pessoas de mais idade e de
pessoas mais jovens, bastando mencionar que aqueles mantêm certas construções
sintáticas que podem parecer estranhas a estes, além de se utilizarem de vocábulos
considerados obsoletos, pelos falantes mais jovens, Bueno (2009).
2.2 As variáveis linguísticas estudadas
Com relação às variáveis linguísticas selecionadas para estudo nessa pesquisa,
trabalhamos com o contexto fonético-fonológico em que foram testadas vogais diante
de pretônica, tônica e postônica, cuja hipótese é verificar se diante de vogal postônica há
maior probabilidade de redução de proparoxítona a paroxítona.
Testamos a classe morfológica da palavra que contém a síncope cujo objetivo é
mostrar se ela é um substantivo, adjetivo, advérbio, verbo, ou outro tipo de palavra. A
hipótese principal é demonstrar se a classe morfológica da palavra funciona como
favorecedora ou não do uso de síncope nas palavras proparoxítonas utilizadas pelos
falantes pesquisados.
Analisando as entrevistas, detectamos que há uma possibilidade maior de as
proparoxítonas, diante de vogal postônica, reduzirem se a paroxítonas, pois o próprio
ritmo do português falado no Brasil é paroxítono, isso é, faz com que as palavras
proparoxítonas postônicas sejam pronunciadas com menor esforço, o que contribui para
o processo da redução ou da síncope das palavras proparoxítonas.
2.3 As variáveis extralinguísticas estudadas
Segundo Mollica (2004), o fator sexo é bastante significativo nos processos de
variação e mudança linguística e atua no sentido de que as mulheres favorecem a
ocorrência das formas mais prestigiadas socialmente. Por outro lado, Alguns trabalhos
apontam as mulheres como inovadoras, favorecedoras da nova forma; outros concluem
pela liderança masculina nas inovações linguísticas. Essa diferença de resultado torna
difícil determinar um padrão geral de comportamento linguístico da variável gênero
com relação à variação e mudança linguística, por isso, não podemos ser categóricos em
nossas afirmações, e sim, deixar os dados coletados nas entrevistas falarem por si
mesmos.
Os indivíduos entrevistados apresentaram níveis de escolaridade distintos,
alguns não possuem nenhum grau de escolaridade, e outros, apenas o ensino primário.
Os indivíduos que não frequentaram a escola apresentaram maior número de redução
em sua fala, e para aqueles que têm alguma instrução formal do ensino escolar, a
síncope ocorreu de forma bastante sutil.
Sabemos que um dos objetivos do ensino formal é ensinar ao aluno a normapadrão estabelecida nas gramáticas, até para que eles possam concorrer em pé de
igualdade às vagas ofertadas pelo mercado de trabalho por esse fato pretendemos
verificar se o grau de instrução contribui ou não para o processo de síncope.
A outra variável social testada foi a idade do falante que variou de 17 a 25, 26 a
50 e acima de 51 anos. Nossa hipótese é mostrar se os falantes mais jovens fazem o uso
da síncope das proparoxítonas por serem mais inovadores na sua forma de falar e por
aceitarem mais facilmente as mudanças linguística próprias da língua falada.
A terceira variável escolhida foi o nível de escolaridade do falante cujo
objetivo é verificar se quanto maior o nível de escolaridade, maior a probabilidade de
não redução das proparoxítonas, considerando a influência acentuada do ensino escolar
formal.
3.
Análise dos dados e discussão dos resultados
3.1 Resultados das variáveis linguísticas testadas
Utilizamos variáveis linguísticas como o levantamento do contexto fonéticofonológico e a classe morfológica da palavra que contém a síncope, e utilizamos as
variáveis sociais como gênero, idade e grau de escolaridade, tendo como informantes
pessoas que moram na cidade de Dourados. Pretendemos verificar se essas pessoas
utilizam as palavras sincopadas para se comunicar ou utilizam as formas estabelecidas
pelas normas prescritivas.
O número de ocorrência de palavras proparoxítonas foi relativamente baixo,
em relação à quantidade dados coletado nas entrevistas, isso pode ser explicado pelo
fato da língua portuguesa evitar desde sua língua mãe o uso de palavras proparoxítonas,
porém, os dados coletados são suficientes para analisar esse processo presente em nossa
língua. Observe a tabela abaixo com os resultados de todas proparoxítonas presentes no
corpus da pesquisa.
Tabela1 – resultados de todas as proparoxítonas, presente no corpus da pesquisa.
Ocorrência
Totais
Proparoxítonas que sofreram síncope
Proparoxítonas que não foram sincopadas
TOTAL
Percentuais
38
129
167
22,61%
77,39%
100%
A tabela mostra que o total e os percentuais de ocorrências das palavras
proparoxítonas que sofreram o processo de síncope são de 22,61%, isso equivale a 38
palavras que sofreram alguma alteração em sua estrutura. E 77,39% das proparoxítonas
mantiveram sua estrutura semelhante à escrita, esse percentual equivale a 129 palavras
proparoxítonas, sendo assim o total de palavras proparoxítonas coletada para a
realização desta pesquisa é de 167 proparoxítonas. Verifica-se aqui a predominância do
uso padrão da língua portuguesa.
3.2 Resultados do uso de proparoxítonas com relação ao contexto fonéticoFonológico das vogais prêtonias tônicas e postônicas
Segundo Câmara Jr.(1988), o elemento de maior relevância numa palavra é a
vogal, que na modalidade oral se divide em muitos alofones. É por esse motivo que as
vogais nos chamam a atenção. Ao estudá-las, verificamos que muitas sofreram
variações e essas mudanças não ocorreram de modo idêntico, mas condicionadas por
diferentes variáveis.
Tabela2 – Vogais Pretônica, Tônica e Postônica e o número de ocorrências.
Vogais
Masculino
Feminino
Pretônica
Tônica
Postônica
29
115
70
12
47
47
A tabela 2 evidencia que os informantes do gênero masculino utilizam um
número maior de proparoxítonas em sua fala, enquanto no feminino a incidência de
ocorrências foi menor. Esses dados comprovam que homem e mulher falam diferentes
na parte lexical e na construção de estruturas linguísticas. A fala dos informantes do
gênero feminino é mais paroxítona.
Leite & Callou (2003, p.36), comentam que essa diferenciação no falar de
homens e mulheres é um fator condicionante da heterogeneidade linguística, alguns
estudos dialetológicos mostram que as mulheres tendem a manter traços arcaizantes,
enquanto as formas inovadoras e os neologismos geralmente se manifestam na
linguagem dos homens. Porém para nossa pesquisa o fator de maior importância, é a
síncope das proparoxítonas no português falado, e para caminharmos rumo a um
resultado mais concreto, o gráfico 1 mostra como se dá a síncope em relação às vogais
pretônicas, tônicas e postônicas.
Gráfico 1- Vogais que sofreram o processo de síncope em sua estrutura.
30
28
26
24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Ma sc ulino
F e m inino
Vog ais
Vog ais
Vog ais
P retônic as tônic as P os tônic as
Esse gráfico nos mostra as diferenças em relação ao uso de formas inovadoras.
Em relação às vogais pretônicas o gênero masculino atingiu o grau 8 numa escala de 0 a
30, enquanto as mulheres atingiram o grau 2, isto é, os homens usam mais as formas
sincopadas, conforme o exemplo:
1. (MRS-M-19-AL-1ªF) ‘‘...um riu... naum um corgô qui passava...’’
Em relação ao uso das vogais tônicas podemos constatar através do gráfico
acima que os homens usaram mais as formas sincopadas atingindo uma escala de 27,
enquanto as mulheres permaneceram relativamente baixa em relação a eles, assim
podemos concluir que as mulheres são mais conversadoras em relação às formas
inovadoras.
Já nas vogais postônicas o uso da síncope ficou mais equilibrado em relação os
dois índices anteriores, porém, nota-se que nas postônicas há uma maior probabilidade
de síncope nas vogais postônicas. Lemle (1978), explica que a perda da vogal postônica
ocorre com mais frequência na linguagem coloquial. Saussure (1989) comenta que tal
fenômeno ocorreu em muitos dialetos do meio da França e com os escandinavos que
eram carregados de consoantes. Nessa pesquisa constatamos que em muitas
proparoxítonas houve a perda da sílaba postônica. Por exemplos:
2. (JA-M-56-AL-3ªF)‘‘...ai chegava nu sabo eu pegava aqueli pano véiu...’’
3. (CPC-F19-AL-1ªF) ‘‘... i na hora du relâmpo clareou tudo....’’
3.3 Resultados do uso de proparoxítonas com relação à classe morfológica
O quadro a seguir apresenta exemplos de variantes linguísticas sincopadas e
não sincopadas detectadas, e a classe morfológica a que elas pertencem, retirados das
entrevistas seguindo os critérios previamente estabelecidos. Exemplo a sigla (MRS-F45-AL-2ªF), referem-se ao (MRS) nome e sobrenome do informante do gênero (F)
feminino com idade de 45 anos e nível de instrução (AL) alfabetizada e (2ª F) significa
que o informante pertence à segunda faixa etária.
Quadro 1 –variantes linguísticas e seu contexto de uso.
Variantes Linguísticas Sincopadas/Ocorrências
Substantivos
4. (JBM-M-79-AL-3ªF) ‘‘...Ângea minha filha naum conheci treim...’’
5. (MRS-F-45-AL-2ªF) ‘‘...EU puxava arvre ali eu conheçu tudim...’’ 6. (MRSM-19-AL-1ªF) ‘‘...sim eu tava bebô ... na hora ...’’
7. (CPC-F19-AL-1ªF) ‘‘... a bolinha pru Sergô bater... o taco ...’’
8. (CPC-F-19-AL-1ªF) ‘‘... i na hora du relâmpo clareou tudo....’’
9. (JÁ-M-56-AL-3ªF) ‘‘...ai chegava nu sabu eu abria aqueli pano...’’
Adjetivos
10. (JBM-M-79-AL-3ªF) ‘‘.... qui vem di elétro...i a circular...’’
11. (WJBL-M-19-AL-1ªF) ‘‘...ritmo mais frenético ....achu qui...’’.
12. (HP-F-50-AN-2ªF) ‘‘...já tivi várius momentus difícil...’’
13. (JRO-M-21-AL-1ªF) ‘‘...aquelas elétrica qui é aquelas pequenas...’’
3.4 Resultados do uso das proparoxítonas com respeito às variáveis sociais
Com relação às variáveis sociais, trabalhamos com três: o gênero, a idade e o
nível de escolaridade do falante, para mostrar como as proparoxítonas são usadas no
cotidiano por um mesmo grupo de falantes. Se o gênero pode desfavorecer a síncope
das proparoxítonas, tendo em vista que ao falar, as mulheres se aproximam do padrão
formal da língua.
Gráfico 2- de acordo com o gênero do falante
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
M asculino
Fem inino
Proparoxítonas
Síncopadas
Proparoxítonas
s em síncope
Foi possível constatar, através do gráfico acima que a síncope se manifesta na
fala dos homens num percentual de 24%, enquanto as mulheres permanecem mais
próximas do padrão formal da língua, manifestando apenas 14% de síncope. E as
proparoxítonas que permaneceram sem alteração formam um percentual de 92% de
ocorrências na fala dos homens e de 33% na fala das mulheres. Concluímos assim que,
homens e mulheres falam diferentemente, e usam as formas inovadoras de formas
diferentes. Eles apresentaram um maior número de uso em relação às proparoxítonas
sincopadas. Elas se mostram mais conservadoras, com relação ao uso do fenômeno
linguística da síncope das proparoxítonas no português falado em Dourados-MS.
A seguir apresentamos alguns exemplos de uso de proparoxítonas e seu
contexto fonético-fonológico em que aparece o processo da síncope:
14. (JBM-M-79-AL-3ªF) ‘‘...Nossa...é tudo eletru i::: ali u vizin tem...’’
15. (MRS-F-45-AL-2ªF) ‘‘.... Eu congrego::: aqui nu círcu di fogo...’’
Na listagem a seguir, observamos algumas proparoxítonas e seu contexto
fonético-fonológico em que não se notou alterações no uso da língua:
16. (WJBL-M-19-AL-1ªF)‘‘... fazendu us serviçu doméstico... eu acordo..’’
17. (JA-M-56-AL-3ªF) ‘‘...Na istrada du Frórida dois ... mais nóis... mora nu
Panambi...’’
18. (CPC-F-19-AL-1ªF)‘‘... bagunça dentru du ônibus até chegá na iscola...’’
Com relação à idade do falante, o que leva em conta é o fator tempo, pois
sabemos que as línguas mudam com o passar do tempo e as mudanças se manifestam
nas falas dos indivíduos de diferentes faixas etárias.
Nessa pesquisa trabalhamos com três faixas etárias, pois, como sabemos, a
idade do falante pode interferir nos resultados de uma determinada pesquisa, isso
porque, em determinados pontos de nossa vida, pensamos e agimos conforme a situação
em que nos encontramos e, como expressamos nossos pensamentos através da
linguagem e conforme as experiências de vida, mudamos, constantemente, a forma de
pensar e de exteriorizá-lo, por isso é importante observar como as inovações se
manifestam em cada faixa etária e a influência que idade exerce na utilização de um
dado fenômeno linguístico em detrimento de outro.
Podemos observar por meio do gráfico 3, os resultados obtidos na pesquisa, em
que se pode verificar a influência do fator idade, nas proparoxítonas estudadas em
situação real de uso da língua.
Gráfico 3 - Idade do falante
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
17a 25 anos
26 a 50 anos
51 anos em diante
Nesta pesquisa observa-se que a variável idade do falante foi um fator de
relevância, pois a faixa etária que apresentou maior número de palavras sincopadas foi a
segunda, que inclui falantes de idade 26 a 50 anos. O que nos leva a concluir que o
processo de síncope nas proparoxítonas é um fenômeno linguístico, presente no
português falado na cidade de Dourados, com uma acentuação na segunda faixa etária.
Quanto à variável escolaridade dividimos os falantes em analfabetos e
alfabetizados, até o ensino fundamental cujo objetivo era verificar se quanto maior o
nível de escolaridade maior a probabilidade de não redução das proparoxítonas.
Vejamos os dados do gráfico a seguir:
Gráfico 4 - Escolaridade do falante
30
28
26
24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Masculino
Feminino
analfabeto
alfabetizado
O gráfico mostra que a escolaridade do falante pode ser importante no uso de
um determinado fenômeno linguístico, em nosso caso especial, o uso de palavras
proparoxítonas no português falado em Dourados, pois se verifica que os homens
alfabetizados apresentaram um maior índice de palavras sincopadas, cerca de, 24
ocorrências em relação às mulheres, em que tal índice foi de apenas de 09 ocorrências.
Acredita-se que a justificativa para o uso acentuado da síncope entre os falantes
alfabetizados está relacionada ao fato de que quase todos os entrevistados estarem
inseridos no mercado de trabalho e já não mais se preocuparem tanto com a sua forma
de falar, expressando assim certa espontaneidade na comunicação diária, diferentemente
daquele indivíduo que pleiteia uma vaga no mercado de trabalho, de quem se espera
uma fala, se não padrão, muito próxima do padrão da língua.
Conclusões
É possível verificar que mesmo que o falante frequente o ensino formal, ele
quase sempre, em algum momento de sua vida, pronunciará frases que não estejam de
acordo com as normas gramaticais a língua, uma vez que esta retrata diferentes
processos de variação e mudança linguísticas, sejam no seu sistema linguístico, na
atitude e comportamento do falante ou no contexto de uso da língua em situações reais
de comunicação verbal.
Um fato que nos chamou atenção nas entrevistas foi a eliminação de marcas de
pluralidade em expressões como: ‘‘nois vai’’, ‘‘as menina’’ e em outros casos. A esse
respeito Bagno (2004, p.48) explica que no português não padrão existe um sistema
diferente de formação de plurais, que tem regras diferentes do português padrão,
qualquer falante compreende que na frase ‘‘as menina’’ trata de mais de uma menina,
ou seja, o português não padrão é mais prático. O mesmo acontece com as
proparoxítonas que se reduzem as paroxítonas, que seguem uma tendência de tornar a
língua mais dinâmica, inovação que sofre com o conservadorismo do ensino formal nas
escolas.
Com relação à variável idade, percebe-se que os falantes mais velhos
costumam conservar as formas arcaicas da língua, o que acontece também com as
pessoas mais escolarizadas, ou das camadas da população de gozam de maior prestígio
social ou ainda, de grupos que sofrem pressão normalizadora, a exemplo do sexo
feminino em geral, Paiva (2004) e Bueno (2009).
O gênero do falante também foi uma variável importante no uso das
proparoxítonas, em que se verifica que as mulheres mostraram um comportamento
linguístico mais conservador que os homens, sincopando em apenas 14% dos casos,
enquanto eles sincoparam em 33% das ocorrências de uso das proparoxítonas
destacadas do corpus da pesquisa.
No que diz respeito à variável escolaridade constata-se um desvio do esperado.
Esperávamos que as pessoas alfabetizadas fizessem menor uso da síncope, porém os
resultados mostram uma inversão desse uso e a justificativa pode estar relacionada ao
fato de que grande parte dos entrevistados já estarem inseridos no mercado de trabalho,
o que os leva não mais se preocupar tanto com a forma de se expressar, utilizando-se de
um estilos mais informal ao se comunicar.
Esperamos, com esta pesquisa, contribuir para os estudos sociolinguísticos do
português falado, especialmente para aquele falado em Dourados-MS, local selecionado
para este estudo sobre a síncope.
Referências
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* Docente da Graduação e da Pós-Graduação em Letras na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
– UEMS/Dourados e pesquisadora da FUNDECT, [[email protected]].
** Graduando do curso de Letras Português/Espanhol da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul –
UEMS/Dourados e bolsista de PIBIC/CNPq, [[email protected]].
Recebido Para Publicação em 10 de outubro de 2010.
Aprovado Para Publicação em 17 de novembro de 2010.
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breve estudo da síncope em palavras proparoxítonas no português