ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS DA SÍNCOPE NAS PROPAROXÍTONAS NO PORTUGUÊS FALADO EM DOURADOS – MS Elza Sabino da Silva BUENO (UEMS/FUNDECT) ** Márcio Palácios de CARVALHO (UEMS) * RESUMO: O presente estudo vai analisar o processo linguístico denominado síncope em palavras proparoxítonas utilizadas por informantes de Dourado-MS, cujo objetivo é verificar se esses falantes usam as palavras sincopadas na sua fala cotidiana e quais variáveis linguísticas e sociais influenciam para que ocorra esse fenômeno linguístico, uma vez que é notório que isso também aconteceu no latim, principalmente na modalidade vulgar e continua a ocorrer em outras línguas românicas. Essas mudanças linguísticas não se dão aleatoriamente, mas de forma lenta e gradual, o que faz com que só as percebamos ao longo do tempo. Lembrando ainda que elas atingem quase sempre as partes e não o todo de um grupo de falantes de uma mesma língua (FARACO, 2005), e que fatores internos e externos ao sistema linguístico contribuem para que tais mudanças e inovações se manifestem de maneira mais acentuada nas classes sociais menos privilegiadas da sociedade (BAGNO, 2003). RESUMEN: El presente estudio visa analizar el proceso lingüístico llamado síncope, en algunas palabras esdrújulas utilizadas por informantes residentes en la ciudad de Dourados-MS el objetivo es verificar si eses hablantes usan las palabras sincopadas en su habla diaria y cuales variables linguística y sociales contribuyen para que ocurra ese fenómeno linguístico, una vez que es hecho consabido que eso también sucedió con el latín, principalmente en su modalidad vulgar y, consecuentemente ocurrió y continua a ocurrir en otras lenguas románicas. Convén recordar que esas mudanzas linguísticas ocurren de forma lenta y gradual, lo que hace con que los hablantes solo se dan cuenta a lo largo del tiempo. Recordando todavía que ellas atingen siempre las partes y no el todo de un grupo de hablantes de una misma lengua (FARACO, 2005). Contribuyen para esas mudanzas factores internos y externos al sistema linguístico de la lengua y, según (BAGNO, 2003), las formas innovadoras si manifiestan principalmente el las camadas sociales menos privilegiadas de la sociedad. PALAVRAS-CHAVE: Português falado; Proparoxítonas; Síncope. PALABRAS-CLAVE: Portugués hablado, esdrújula, síncope. Introdução Ao conceber a língua como um produto social, acreditamos que ela não pode ser considerada um objeto estável, porque faz parte de uma sociedade em transformação. E a linguagem como parte integrante dos falantes, também sofre mudanças que se dão através de um processo lento e sistemático, não há como, e nem por que retardá-las ou ignorá-las, pois elas expressam o movimento natural e comum das línguas vivas e em constante processo de variação lingüística, Bueno (2009, p.23). De acordo com Bagno (2003), as variações linguísticas não ocorrem ao mesmo tempo em todas as línguas, nem mesmo no interior de uma mesma língua, não ocorre de modo idêntico nas diferentes variedades sociolinguísticas em um sistema linguístico, como é o caso do Brasil, em que as diversidades são marcantes, tendo em vista a sua extensão territorial e diversidade sociolinguística e cultural do povo brasileiro. Com base na perspectiva dos estudos linguísticos inseridos no meio social em que se encontra o falante no momento da comunicação verbal, podemos dizer que a língua é um sistema linguístico e social utilizado para facilitar a comunicação entre os membros de uma determinada comunidade de fala, Monteiro (2000). Nesse sentido, pretendemos verificar através deste estudo o como e o porquê de certas palavras proparoxítonas no português falado em Dourados se reduzirem a paroxítona, uma vez que Coutinho (1976) nos lembra que, o processo de redução já ocorreu no latim vulgar se caracteriza, entre outros fatores, pela tendência a evitar o uso de palavras proparoxítonas, em que estas eram substituídas por paroxítonas com o objetivo de facilitar a comunicação linguística. Segundo pesquisadores da área dos estudos sociolinguísticos, como Tarallo (2001), Monteiro (2000), Labov (1983) Bueno (2009) e outros, a variação linguística pode ser influenciada por variáveis internas ou externas ao sistema linguístico, ou seja, por variáveis ligadas diretamente ao falante, ao grupo a que ele pertence, à situação de comunicação verbal, de uso concreto da língua ou, simultaneamente, a todas as situações descritas. Para essa pesquisa sobre a síncope de palavras proparoxítonas, consideramos as variações devidas ao gênero, às diferentes faixas etárias selecionadas e ao nível de escolaridade do falante no uso da língua, que se expressar no interior da comunidade em que vive. Para uma melhor caracterização, o presente estudo divide-se em três partes distintas, em que, a primeira, trata do aporte teórico que consiste em uma descrição do conceito de linguística, sociolinguística e linguística histórica e da sua importância para os estudos da linguagem, na classificação das palavras em oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas e no estudo das vogais pretônicas, tônicas e postônicas. A segunda parte descreve a metodologia utilizada para o desenvolvimento do estudo, a ênfase é dada ao corpus da pesquisa e às variáveis linguísticas e sociais estudadas, com o objetivo de mostrar de que forma elas influenciam na redução de palavras proparoxítonas em paroxítonas pelos falantes pesquisados em situações reais de interação linguística. Na terceira, analisamos os dados linguísticos encontrados no corpus da pesquisa e discutimos os resultados obtidos com relação ao uso da síncope nas proparoxítonas tomando por base as variáveis linguísticas e sociais trabalhadas. 1. Aporte teórico 1.1 Linguística/Sociolinguística A Linguística é a ciência que estuda a fala, reconhecida no início do século XX, a partir das divulgações dos trabalhos de Ferdinand de Saussure (1989), antes da publicação do Curso Geral de Linguística, a linguística não era atônoma, ou seja, submetia-se a exigência de outros estudos, como a lógica, a retórica, a história, a crítica literária e outros. De acordo com tal perspectiva, o trabalho científico consiste em observar e descrever os fatos a partir de determinados pressuspostos teóricos formulados pela linguística. Essa ciência se difere das outras, porque para um mesmo fenômeno pode haver diferentes descrições e explicações, dependendo do referencial escolhido pelo pesquisador, ou seja, ela não é uma ciência exata. No nosso caso, escolhemos o método de pesquisa de campo, em que, por meio de gravação e tanscrição de entrevistas, obtemse a fala espontânea enunciada em situações reais de comunicação e é, juntamente este o objeto de estudo da sociolinguística que se ocupa de questões referentes à variação linguística, Tarallo (2001). A Linguística é ao mesmo tempo um ato individual e social. Individual porque cada falante se expressa de diferentes formas, e social porque ele está inserido num grupo de falantes que usam um determinado código para interagir. Segundo Ribeiro (2009, p 37) ‘‘a linguagem é inata e comum a toda espécie humana, em princípio não há variante boa ou má, língua rica ou língua pobre, forma linguística superior ou inferior’’. Por esse motivo temos que nos desvincular da noção de uma língua homogênea. Nesse sentido, Antunes (2007, p.104) comenta que: [...] existem variações linguísticas não porque as pessoas são ignorantes ou indisciplinadas; existem, porque as línguas são fatos sociais, situados num tempo e num espaço concretos, com funções definidas, e, como tais, são condicionadas por esses fatores. Além disso, a língua só existe em sociedade, e toda sociedade é inevitavelmente heterogênea, múltipla, variável e, por conseguinte, com usos diversificados da própria língua. Segundo Milani (2008), as mudanças ocorrem nos indivíduos, quando materializam seu pensamento abstrato, por meio do discurso, é através da fala que as inovações chegam à língua. Nesse ponto, a sociolinguística desenvolve um papel muito importante, o de buscar explicações coerentes sobre os fenômenos linguísticos que antes o ensino normativo condenava, de mostrar aos indivíduos falantes, que pode haver mais de uma maneira de dizer a mesma coisa em diferentes contextos linguísticos, Tarallo (2001). E saber usar a linguagem de modo consciente em determinados momentos é garantia de uma melhor qualidade de vida em sociedade. Como os estudos de natureza sociolinguística trabalham a língua na sua modalidade falada, de forma espontânea enunciada em situações reais de enunciação é de se esperar que as entrevistas realizadas com os informantes necessitem serem transcritas seguindo-se normas de uso da língua e nessa pesquisa, as transcrevemos com base nas normas do projeto NURC/SP1, com adaptações para a linguagem popular falada. 1.2 Linguística Histórica A Linguística Histórica é uma ciência que busca, por meio da história, estudar as mudanças que ocorrem nas línguas humanas, pois à medida que o tempo passa, as línguas vão apresentadando variações de forma acentuada. Por esse motivo não podemos classificar as línguas como realidades estáticas, inalteráveis, como é apresentada em muitos compêndios normativos. Pelo contrário, sua configuração se altera continuamente com o tempo e num processo que envolve fatores de diferentes naturezas, sejam linguísticos ou sociais, Faraco (2005). Nessa pesquisa, pretendemos analisar um fenômeno que ocorre no português nas diferentes regiões do Brasil, que é a síncope em que algumas palavras proparoxítonas que se reduzem a paraxítonas, e que, segundo Lemle (1978), há uma tendência, no português do Brasil, das proparoxítonas serem reduzidas a paroxítonas pela perda de um ou mais segmentos fonéticos. A língua portuguesa falada no Brasil possui tendência de redução, já que sabemos que sua língua mãe sofreu fenômeno semelhante. E outro fator que contribui para o processo de redução, e o ritmo binário do português. Segundo Coutinho (1976), as línguas estão em contínuo movimento. Cada geração contribui, sem que a perceba, e assim vão ocorrendo as mudanças para melhor atender às necessidades dos falantes no momento da comunicação linguística. Por meio dos exemplos a seguir, podemos observar que o processo de síncope já ocorria na língua latina. - masculus>masclus - dominus>dommus - calidus>caldus e outros Lemle (1978), por sua vez, acredita que essa tendência de redução pela perda de um ou mais segmentos fonéticos, pode ocorrer de acordo com o contexto linguístico, como se verifica nas palavras a seguir que se tornam paroxítonas pela perda da vogal pós-tônica, que ocorrem com frequência na modalidade coloquial da língua portuguesa: - cócega > cosca - abóbora > abobra - chácara >chacra 1 . Projeto desenvolvido nas cinco capitais do país para trabalhar a linguagem culta falada. Aqui além da vogal pós-tônica há também a perda da consoante que as seguem, esses exemplos são frequentes na língua falada nas diferentes regiões do Brasil, de modo especial, no falar local: - arvore > arvre > arve - óculos > oclo > ocos Na listagem a seguir observa-se que as palavras sofrem perda da vogal póstônica e da consoante seguinte, também são fatos verificados no português falado em Dourados - MS: - lâmpada > lampa - sábado > sabo - bêbado > bebo As inovações geralmente se manifestam nas classes menos privilegiadas da sociedade, já que essa tem acesso restrito aos bens culturais, às obras literárias e outros. As formas inovadoras, como a expressão a gente vai, p.e., só passam a ser aceitas pela classe dominante a partir do momento em que são incorporadas aos dicionários, às gramáticas ou aos manuais de “norma” de uso da língua, o que, às vezes, demora a acontecer, considerando que tais obras têm por meta preservar a língua das constantes variações e mudanças lingüísticas, Bueno (2009). Como se pode observar um dos fatores que contribuem para que as palavras proparoxítonas se reduzam a paroxítona é a aceleração no ritmo da fala, Lemle (1978), pois as paroxítonas são pronunciadas com mais facilidades, já as proparoxítonas têm uma duração maior quando são pronunciadas, por exemplo: chácara>chacra, em que é comum ouvirmos a variante chacra, na língua falada, em situações de fala informal, quando o falante se deixa levar pelo assunto, isto é, em momento de descontração, em que usa a fala espontaneamente, sem nenhuma preocupação de ordem normativa, Bortoni-Ricardo (2005). 1.3 Palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Na comunicação oral, percebemos a mudança de significado de palavras como: sabia, sabiá e sábia, ao pronunciá-las, ora dando mais intensidade de voz a uma sílaba, ora à outra. A essa sílaba pronunciada com maior intensidade dá-se o nome de sílaba tônica, ela se divide em: oxítona, paroxítona ou proparoxítona, Bechara (2005). As oxítonas são palavras que possuem a última sílaba tônica, algumas levam acento agudo ou circunflexo como: café, saci, Aracaju, português e outras. Devem ser acentuadas as oxítonas terminadas em: a(s) Paraná, babás; -e(s) café, jacarés, buquê, através; -o(s) avô, avó, cipó, depôs; e -em –ens armazém alguém parabéns. As palavras oxítonas terminadas em i (is) e u (us) não levam acento. Exemplo: saci, Pacaembu, tatus. Exceto, quando apresentam hiato: baú, açaí. São chamadas de paroxítonas, quando a penúltima sílaba da palavra é a tônica, nem todas as paroxítonas levam acento agudo ou circunflexo. São acentuadas aquelas terminadas em: -i e -is; júri, cáqui, lápis, tênis e - us Vênus, vírus, bônus e assim por diante. Mas o que nos chama atenção nesta pesquisa são as palavras proparoxítonas, e o porquê de algumas proparoxítonas se reduzirem a paroxítona. São classificadas como proparoxítonas as palavras que levam acento agudo ou circunflexo na antepenúltima sílaba, todas são acentuadas. Exemplo: Cálido, sólido grávida. Em nossos dados é comum a tendência à redução. 1.4 Vogais pretônicas, tônicas e postônicas. As vogais pretônicas são aquelas que vêm antes da sílaba tônica, como na palavra acento cuja vogal mais forte é o fonema /e/. As vogais pretônicas são pronunciadas com menos tonicidade. As vogais postônicas são as palavras fracas que vem depois da sílaba tônica, por esse motivo é pronunciada com menor esforço na linguagem oral algumas proparoxítonas postônicas reduzirem-se a paroxítonas. A própria norma padrão reconhece este fenômeno, os dicionários de língua portuguesa já aceitam as formas, úbere ou ubre, que significa teta de vaca ou de outro animal fêmea, Maurer (1959). Seguindo essa tendência das proparoxítonas reduzirem-se a paroxítonas, percebemos que em algumas vogais postônicas, ocorre a queda apenas da vogal postônica, criando um encontro consonantal. Por exemplo, abóbora> abobra, chácara> chacra, em alguns casos ocorre a perda da vogal postônica e da consoante que a segue, por exemplo; árvore> arvre> arve; óculos> oclos > ocos entre outros. Maiores detalhes sobre o uso de palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas são dados na terceira parte desse estudo, inclusive com percentuais de ocorrências pelos falantes pesquisados em situações reais de uso da língua. 2. Metodologia utilizada na pesquisa O procedimento adotado para a realização desse estudo foi o método de pesquisa de campo com gravação de entrevistas em que o informante foi estimulado a narrar assuntos referentes ao seu cotidiano, Tarallo (2001) e Labov (1983). Durante as entrevistas procuramos levar o informante a falar, o mais à vontade possível, sobre assunto como: infância, brincadeiras, escola e ensino-aprendizagem, festas populares, namoro e sobre outros assuntos de seu interesse. As entrevistas foram realizadas nas residências e nos locais de trabalho do informante, porque são esses os locais em que ele se sente mais à vontade para falar de fatos importantes de sua vida, inclusive do tópico “perigo da vida” que, segundo Labov (1983) (apud TARALLO, 2001), ao narrar fatos corriqueiros do seu cotidiano, o falante deixa o seu lado emocional vir à tona, e sua emoção se manifesta na linguagem, é justamente esse falar espontâneo que constitui objeto de pesquisa da sociolinguística variacionista, em que se analisam os fenômenos linguísticos ocorrentes na língua em situações reais. 2.1 Constituição do corpus da pesquisa Para a constituição do corpus da pesquisa foram entrevistados doze informantes, sendo seis homens e seis mulheres, “uma vez que há diferenças acentuadas entre a fala de homens e de mulheres”, Paiva (2004, p.35), o que nos leva a inferir que homens e mulheres falam diferentemente, lembrando que falar diferente não é falar ‘‘errado’’, Amaral (1971). Trabalhamos com três faixas etárias que variam de 17 a 25 anos, 26 a 50 anos e falantes com 51 anos em diante, uma vez que para Labov (1972) (apud. MONTEIRO, 2000, p.59) há diferenças marcantes entre a linguagem de pessoas de mais idade e de pessoas mais jovens, bastando mencionar que aqueles mantêm certas construções sintáticas que podem parecer estranhas a estes, além de se utilizarem de vocábulos considerados obsoletos, pelos falantes mais jovens, Bueno (2009). 2.2 As variáveis linguísticas estudadas Com relação às variáveis linguísticas selecionadas para estudo nessa pesquisa, trabalhamos com o contexto fonético-fonológico em que foram testadas vogais diante de pretônica, tônica e postônica, cuja hipótese é verificar se diante de vogal postônica há maior probabilidade de redução de proparoxítona a paroxítona. Testamos a classe morfológica da palavra que contém a síncope cujo objetivo é mostrar se ela é um substantivo, adjetivo, advérbio, verbo, ou outro tipo de palavra. A hipótese principal é demonstrar se a classe morfológica da palavra funciona como favorecedora ou não do uso de síncope nas palavras proparoxítonas utilizadas pelos falantes pesquisados. Analisando as entrevistas, detectamos que há uma possibilidade maior de as proparoxítonas, diante de vogal postônica, reduzirem se a paroxítonas, pois o próprio ritmo do português falado no Brasil é paroxítono, isso é, faz com que as palavras proparoxítonas postônicas sejam pronunciadas com menor esforço, o que contribui para o processo da redução ou da síncope das palavras proparoxítonas. 2.3 As variáveis extralinguísticas estudadas Segundo Mollica (2004), o fator sexo é bastante significativo nos processos de variação e mudança linguística e atua no sentido de que as mulheres favorecem a ocorrência das formas mais prestigiadas socialmente. Por outro lado, Alguns trabalhos apontam as mulheres como inovadoras, favorecedoras da nova forma; outros concluem pela liderança masculina nas inovações linguísticas. Essa diferença de resultado torna difícil determinar um padrão geral de comportamento linguístico da variável gênero com relação à variação e mudança linguística, por isso, não podemos ser categóricos em nossas afirmações, e sim, deixar os dados coletados nas entrevistas falarem por si mesmos. Os indivíduos entrevistados apresentaram níveis de escolaridade distintos, alguns não possuem nenhum grau de escolaridade, e outros, apenas o ensino primário. Os indivíduos que não frequentaram a escola apresentaram maior número de redução em sua fala, e para aqueles que têm alguma instrução formal do ensino escolar, a síncope ocorreu de forma bastante sutil. Sabemos que um dos objetivos do ensino formal é ensinar ao aluno a normapadrão estabelecida nas gramáticas, até para que eles possam concorrer em pé de igualdade às vagas ofertadas pelo mercado de trabalho por esse fato pretendemos verificar se o grau de instrução contribui ou não para o processo de síncope. A outra variável social testada foi a idade do falante que variou de 17 a 25, 26 a 50 e acima de 51 anos. Nossa hipótese é mostrar se os falantes mais jovens fazem o uso da síncope das proparoxítonas por serem mais inovadores na sua forma de falar e por aceitarem mais facilmente as mudanças linguística próprias da língua falada. A terceira variável escolhida foi o nível de escolaridade do falante cujo objetivo é verificar se quanto maior o nível de escolaridade, maior a probabilidade de não redução das proparoxítonas, considerando a influência acentuada do ensino escolar formal. 3. Análise dos dados e discussão dos resultados 3.1 Resultados das variáveis linguísticas testadas Utilizamos variáveis linguísticas como o levantamento do contexto fonéticofonológico e a classe morfológica da palavra que contém a síncope, e utilizamos as variáveis sociais como gênero, idade e grau de escolaridade, tendo como informantes pessoas que moram na cidade de Dourados. Pretendemos verificar se essas pessoas utilizam as palavras sincopadas para se comunicar ou utilizam as formas estabelecidas pelas normas prescritivas. O número de ocorrência de palavras proparoxítonas foi relativamente baixo, em relação à quantidade dados coletado nas entrevistas, isso pode ser explicado pelo fato da língua portuguesa evitar desde sua língua mãe o uso de palavras proparoxítonas, porém, os dados coletados são suficientes para analisar esse processo presente em nossa língua. Observe a tabela abaixo com os resultados de todas proparoxítonas presentes no corpus da pesquisa. Tabela1 – resultados de todas as proparoxítonas, presente no corpus da pesquisa. Ocorrência Totais Proparoxítonas que sofreram síncope Proparoxítonas que não foram sincopadas TOTAL Percentuais 38 129 167 22,61% 77,39% 100% A tabela mostra que o total e os percentuais de ocorrências das palavras proparoxítonas que sofreram o processo de síncope são de 22,61%, isso equivale a 38 palavras que sofreram alguma alteração em sua estrutura. E 77,39% das proparoxítonas mantiveram sua estrutura semelhante à escrita, esse percentual equivale a 129 palavras proparoxítonas, sendo assim o total de palavras proparoxítonas coletada para a realização desta pesquisa é de 167 proparoxítonas. Verifica-se aqui a predominância do uso padrão da língua portuguesa. 3.2 Resultados do uso de proparoxítonas com relação ao contexto fonéticoFonológico das vogais prêtonias tônicas e postônicas Segundo Câmara Jr.(1988), o elemento de maior relevância numa palavra é a vogal, que na modalidade oral se divide em muitos alofones. É por esse motivo que as vogais nos chamam a atenção. Ao estudá-las, verificamos que muitas sofreram variações e essas mudanças não ocorreram de modo idêntico, mas condicionadas por diferentes variáveis. Tabela2 – Vogais Pretônica, Tônica e Postônica e o número de ocorrências. Vogais Masculino Feminino Pretônica Tônica Postônica 29 115 70 12 47 47 A tabela 2 evidencia que os informantes do gênero masculino utilizam um número maior de proparoxítonas em sua fala, enquanto no feminino a incidência de ocorrências foi menor. Esses dados comprovam que homem e mulher falam diferentes na parte lexical e na construção de estruturas linguísticas. A fala dos informantes do gênero feminino é mais paroxítona. Leite & Callou (2003, p.36), comentam que essa diferenciação no falar de homens e mulheres é um fator condicionante da heterogeneidade linguística, alguns estudos dialetológicos mostram que as mulheres tendem a manter traços arcaizantes, enquanto as formas inovadoras e os neologismos geralmente se manifestam na linguagem dos homens. Porém para nossa pesquisa o fator de maior importância, é a síncope das proparoxítonas no português falado, e para caminharmos rumo a um resultado mais concreto, o gráfico 1 mostra como se dá a síncope em relação às vogais pretônicas, tônicas e postônicas. Gráfico 1- Vogais que sofreram o processo de síncope em sua estrutura. 30 28 26 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Ma sc ulino F e m inino Vog ais Vog ais Vog ais P retônic as tônic as P os tônic as Esse gráfico nos mostra as diferenças em relação ao uso de formas inovadoras. Em relação às vogais pretônicas o gênero masculino atingiu o grau 8 numa escala de 0 a 30, enquanto as mulheres atingiram o grau 2, isto é, os homens usam mais as formas sincopadas, conforme o exemplo: 1. (MRS-M-19-AL-1ªF) ‘‘...um riu... naum um corgô qui passava...’’ Em relação ao uso das vogais tônicas podemos constatar através do gráfico acima que os homens usaram mais as formas sincopadas atingindo uma escala de 27, enquanto as mulheres permaneceram relativamente baixa em relação a eles, assim podemos concluir que as mulheres são mais conversadoras em relação às formas inovadoras. Já nas vogais postônicas o uso da síncope ficou mais equilibrado em relação os dois índices anteriores, porém, nota-se que nas postônicas há uma maior probabilidade de síncope nas vogais postônicas. Lemle (1978), explica que a perda da vogal postônica ocorre com mais frequência na linguagem coloquial. Saussure (1989) comenta que tal fenômeno ocorreu em muitos dialetos do meio da França e com os escandinavos que eram carregados de consoantes. Nessa pesquisa constatamos que em muitas proparoxítonas houve a perda da sílaba postônica. Por exemplos: 2. (JA-M-56-AL-3ªF)‘‘...ai chegava nu sabo eu pegava aqueli pano véiu...’’ 3. (CPC-F19-AL-1ªF) ‘‘... i na hora du relâmpo clareou tudo....’’ 3.3 Resultados do uso de proparoxítonas com relação à classe morfológica O quadro a seguir apresenta exemplos de variantes linguísticas sincopadas e não sincopadas detectadas, e a classe morfológica a que elas pertencem, retirados das entrevistas seguindo os critérios previamente estabelecidos. Exemplo a sigla (MRS-F45-AL-2ªF), referem-se ao (MRS) nome e sobrenome do informante do gênero (F) feminino com idade de 45 anos e nível de instrução (AL) alfabetizada e (2ª F) significa que o informante pertence à segunda faixa etária. Quadro 1 –variantes linguísticas e seu contexto de uso. Variantes Linguísticas Sincopadas/Ocorrências Substantivos 4. (JBM-M-79-AL-3ªF) ‘‘...Ângea minha filha naum conheci treim...’’ 5. (MRS-F-45-AL-2ªF) ‘‘...EU puxava arvre ali eu conheçu tudim...’’ 6. (MRSM-19-AL-1ªF) ‘‘...sim eu tava bebô ... na hora ...’’ 7. (CPC-F19-AL-1ªF) ‘‘... a bolinha pru Sergô bater... o taco ...’’ 8. (CPC-F-19-AL-1ªF) ‘‘... i na hora du relâmpo clareou tudo....’’ 9. (JÁ-M-56-AL-3ªF) ‘‘...ai chegava nu sabu eu abria aqueli pano...’’ Adjetivos 10. (JBM-M-79-AL-3ªF) ‘‘.... qui vem di elétro...i a circular...’’ 11. (WJBL-M-19-AL-1ªF) ‘‘...ritmo mais frenético ....achu qui...’’. 12. (HP-F-50-AN-2ªF) ‘‘...já tivi várius momentus difícil...’’ 13. (JRO-M-21-AL-1ªF) ‘‘...aquelas elétrica qui é aquelas pequenas...’’ 3.4 Resultados do uso das proparoxítonas com respeito às variáveis sociais Com relação às variáveis sociais, trabalhamos com três: o gênero, a idade e o nível de escolaridade do falante, para mostrar como as proparoxítonas são usadas no cotidiano por um mesmo grupo de falantes. Se o gênero pode desfavorecer a síncope das proparoxítonas, tendo em vista que ao falar, as mulheres se aproximam do padrão formal da língua. Gráfico 2- de acordo com o gênero do falante 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 M asculino Fem inino Proparoxítonas Síncopadas Proparoxítonas s em síncope Foi possível constatar, através do gráfico acima que a síncope se manifesta na fala dos homens num percentual de 24%, enquanto as mulheres permanecem mais próximas do padrão formal da língua, manifestando apenas 14% de síncope. E as proparoxítonas que permaneceram sem alteração formam um percentual de 92% de ocorrências na fala dos homens e de 33% na fala das mulheres. Concluímos assim que, homens e mulheres falam diferentemente, e usam as formas inovadoras de formas diferentes. Eles apresentaram um maior número de uso em relação às proparoxítonas sincopadas. Elas se mostram mais conservadoras, com relação ao uso do fenômeno linguística da síncope das proparoxítonas no português falado em Dourados-MS. A seguir apresentamos alguns exemplos de uso de proparoxítonas e seu contexto fonético-fonológico em que aparece o processo da síncope: 14. (JBM-M-79-AL-3ªF) ‘‘...Nossa...é tudo eletru i::: ali u vizin tem...’’ 15. (MRS-F-45-AL-2ªF) ‘‘.... Eu congrego::: aqui nu círcu di fogo...’’ Na listagem a seguir, observamos algumas proparoxítonas e seu contexto fonético-fonológico em que não se notou alterações no uso da língua: 16. (WJBL-M-19-AL-1ªF)‘‘... fazendu us serviçu doméstico... eu acordo..’’ 17. (JA-M-56-AL-3ªF) ‘‘...Na istrada du Frórida dois ... mais nóis... mora nu Panambi...’’ 18. (CPC-F-19-AL-1ªF)‘‘... bagunça dentru du ônibus até chegá na iscola...’’ Com relação à idade do falante, o que leva em conta é o fator tempo, pois sabemos que as línguas mudam com o passar do tempo e as mudanças se manifestam nas falas dos indivíduos de diferentes faixas etárias. Nessa pesquisa trabalhamos com três faixas etárias, pois, como sabemos, a idade do falante pode interferir nos resultados de uma determinada pesquisa, isso porque, em determinados pontos de nossa vida, pensamos e agimos conforme a situação em que nos encontramos e, como expressamos nossos pensamentos através da linguagem e conforme as experiências de vida, mudamos, constantemente, a forma de pensar e de exteriorizá-lo, por isso é importante observar como as inovações se manifestam em cada faixa etária e a influência que idade exerce na utilização de um dado fenômeno linguístico em detrimento de outro. Podemos observar por meio do gráfico 3, os resultados obtidos na pesquisa, em que se pode verificar a influência do fator idade, nas proparoxítonas estudadas em situação real de uso da língua. Gráfico 3 - Idade do falante 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 17a 25 anos 26 a 50 anos 51 anos em diante Nesta pesquisa observa-se que a variável idade do falante foi um fator de relevância, pois a faixa etária que apresentou maior número de palavras sincopadas foi a segunda, que inclui falantes de idade 26 a 50 anos. O que nos leva a concluir que o processo de síncope nas proparoxítonas é um fenômeno linguístico, presente no português falado na cidade de Dourados, com uma acentuação na segunda faixa etária. Quanto à variável escolaridade dividimos os falantes em analfabetos e alfabetizados, até o ensino fundamental cujo objetivo era verificar se quanto maior o nível de escolaridade maior a probabilidade de não redução das proparoxítonas. Vejamos os dados do gráfico a seguir: Gráfico 4 - Escolaridade do falante 30 28 26 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Masculino Feminino analfabeto alfabetizado O gráfico mostra que a escolaridade do falante pode ser importante no uso de um determinado fenômeno linguístico, em nosso caso especial, o uso de palavras proparoxítonas no português falado em Dourados, pois se verifica que os homens alfabetizados apresentaram um maior índice de palavras sincopadas, cerca de, 24 ocorrências em relação às mulheres, em que tal índice foi de apenas de 09 ocorrências. Acredita-se que a justificativa para o uso acentuado da síncope entre os falantes alfabetizados está relacionada ao fato de que quase todos os entrevistados estarem inseridos no mercado de trabalho e já não mais se preocuparem tanto com a sua forma de falar, expressando assim certa espontaneidade na comunicação diária, diferentemente daquele indivíduo que pleiteia uma vaga no mercado de trabalho, de quem se espera uma fala, se não padrão, muito próxima do padrão da língua. Conclusões É possível verificar que mesmo que o falante frequente o ensino formal, ele quase sempre, em algum momento de sua vida, pronunciará frases que não estejam de acordo com as normas gramaticais a língua, uma vez que esta retrata diferentes processos de variação e mudança linguísticas, sejam no seu sistema linguístico, na atitude e comportamento do falante ou no contexto de uso da língua em situações reais de comunicação verbal. Um fato que nos chamou atenção nas entrevistas foi a eliminação de marcas de pluralidade em expressões como: ‘‘nois vai’’, ‘‘as menina’’ e em outros casos. A esse respeito Bagno (2004, p.48) explica que no português não padrão existe um sistema diferente de formação de plurais, que tem regras diferentes do português padrão, qualquer falante compreende que na frase ‘‘as menina’’ trata de mais de uma menina, ou seja, o português não padrão é mais prático. O mesmo acontece com as proparoxítonas que se reduzem as paroxítonas, que seguem uma tendência de tornar a língua mais dinâmica, inovação que sofre com o conservadorismo do ensino formal nas escolas. Com relação à variável idade, percebe-se que os falantes mais velhos costumam conservar as formas arcaicas da língua, o que acontece também com as pessoas mais escolarizadas, ou das camadas da população de gozam de maior prestígio social ou ainda, de grupos que sofrem pressão normalizadora, a exemplo do sexo feminino em geral, Paiva (2004) e Bueno (2009). O gênero do falante também foi uma variável importante no uso das proparoxítonas, em que se verifica que as mulheres mostraram um comportamento linguístico mais conservador que os homens, sincopando em apenas 14% dos casos, enquanto eles sincoparam em 33% das ocorrências de uso das proparoxítonas destacadas do corpus da pesquisa. No que diz respeito à variável escolaridade constata-se um desvio do esperado. Esperávamos que as pessoas alfabetizadas fizessem menor uso da síncope, porém os resultados mostram uma inversão desse uso e a justificativa pode estar relacionada ao fato de que grande parte dos entrevistados já estarem inseridos no mercado de trabalho, o que os leva não mais se preocupar tanto com a forma de se expressar, utilizando-se de um estilos mais informal ao se comunicar. Esperamos, com esta pesquisa, contribuir para os estudos sociolinguísticos do português falado, especialmente para aquele falado em Dourados-MS, local selecionado para este estudo sobre a síncope. Referências AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. São Paulo:Hilcitec, 1971. ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico, o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2003. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna - a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. BUENO, Elza Sabino da Silva e SAMPAIO, Emílio Davi (Orgs.). Estudos da linguagem e de literatura - um olhar para o lato sensu. 1ª. ed. Dourados-MS: Editora UEMS, 2009. CÂMARA JR, Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis – RJ: vozes, 1988. COUTINHO, Esmael de Lima. Ponto de gramática histórica. São Paulo: Hulcitec, 1976. FARACO, Carlos Alberto. Linguística histórica. São Paulo: Parábola, 2005. LABOV, William. Modelos sociolinguísticos. Madrid: Cátedra, 1983. LEITE, Yonne e CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. LEMLE, Miriam. Heterogeneidade dialetal: um apelo à pesquisa: Tempo Brasileiro, 1978, p 60-94. MAURER JR, Theodoro Henrique. Gramática do latim vulgar. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1959. MOLLICA, Maria Cecília e BRAGA, Maria Luisa (orgs.). Introdução à sociolinguística – o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2004. MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000. NARO, Julius Anthony. Idade. In: MOLLICA, Maria Cecília e BRAGA, Maria Luisa (orgs.). Introdução à sociolinguística – o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2004. PAIVA, Maria da Conceição. Sexo. In: MOLLICA, Maria Cecília e BRAGA, Maria Luisa (orgs.). Introdução à sociolinguística – o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2004. RIBEIRO, Manoel Pinto, Gramática aplicada da língua portuguesa. 18ª ed. Rio de Janeiro: Metáfora, 2009. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1989. TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 2001. * Docente da Graduação e da Pós-Graduação em Letras na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS/Dourados e pesquisadora da FUNDECT, [[email protected]]. ** Graduando do curso de Letras Português/Espanhol da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS/Dourados e bolsista de PIBIC/CNPq, [[email protected]]. Recebido Para Publicação em 10 de outubro de 2010. Aprovado Para Publicação em 17 de novembro de 2010.