fogo MELHOR QUE CONHECER UM PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE É VIVER NELE. Quem mora em Brasília tem o privilégio de viver no único bem contemporâneo a ser considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Nossa cidade é reconhecida mundialmente. Ajude a preservar o patrimônio que nos emociona todos os dias. www.brasiliapatrimoniodahumanidade.df.gov.br www.chandon.com.br CONSUMA COM ESTILO, NÃO COM EXCESSO. ■ ■e d ito r ia l É fogo! Desculpem os equipamentos high tech, de indução, convencção, elétrico, magnético, a vácuo e por ai vai. Que surgiram para melhorar as técnicas e o controle de qualidade, mas por um outro lado roubou de cena o “feeling” do cozinheiro, o sentimento, aquele sentido de realmente saber se algo está pronto ou não só de olhar. Mas ainda assim; não há nada que se compare à uma boa e velha chama de um fogão de cozinha. O fogo! Marcou e mudou a história da alimentação, a história da humanidade. Ele aquece, ele esquenta, ele derrete, ele queima, gratina, chamusca, ele tempera, ele da cor, ele flamba, ele braseia.... É uma homenagem a um elemento que mesmo com a crescente e constante evolução tecnológica nas cozinha de todo o mundo, o fogo ainda é necessário e indispensável para os chefs. O homem dominou o fogo e desde então tudo mudou. Assim definimos o contexto dessa edição, um resumo das origens e da introdução desse, porque não dizer, elemento fundamental para história da evolução humana e toda a sua representatividade no universo da gastronomia. Luiz Eduardo Camargo Diretor Geral da Revista Chef 6 revista chef 6 novembro de 2012 7 ■ ■índ ic e 12 colunistas 20 16 sala de aula marcos lelis tainá zaneti 20 internacional luciana bianchi 30 internacional 32 18 cerrado do brasil viagens gastronômicas petit fours ibérica 35 fogo 48 produtor alexandra forbes 54 nutrição deilys gonzalez vazquez 54 58 vinhos hermes zanetti chef nu e sustentabilidade 66 gastronomia izabel bacellar 58 67 mercado vinhos juan corbalán 72 68 desabafo luiz camargo 8 revista chef 6 novembro de 2012 internacional 9 Grupo Pesto Diretor Geral Luiz Eduardo Camargo revista chef Diretor Geral Luiz Eduardo Camargo [email protected] Editora de Contéudo Taina Zaneti [email protected] Parceiros Editorial e Comerciais Portugal - Dubai - Shanghai SEG Food Comunication Octávio Costa e Sandra Santos (00351) 253 099 709 Espanha e Itália Coquo e Acerbi Moretti Photography Marco Moretti e Nicoletta Acerbo AcerbiMoretti Photography Carrer del Comte Borrell, 56, 08015, Barcelona, Espanha 34 934 426 236 Gastrô Comunicação Assessoria de Imprensa www.gastrocomunicacao.com.br Diretor de Arte Editor de fotografia Colunistas dessa edição Colaborações especiais Créditos das fotos Marcelo da Silva Gui Teixeiria Alexandra Forbes, Marcos Lelis, Taina Zanetti, Wanderson Medeiros, Juan Corbalán, Hermes Zanetti, Heloisa Bacellar, Luciana Bianchi, Luiz Eduardo Camargo, Deilys Gonzalez Vazquez Seg Food Comunication, Coquo, Maria Rivera Vázquez Gui Teixeira, Carlos Cane, AcerbiMoretti Diretor Comercial Luiz Eduardo Camargo [email protected] Representantes São Paulo e Rio de Janeiro Mídia Regional Rua General Góis Monteiro, 619, São Paulo. Telefone: 55 (11) 3801.3911 E-mail: [email protected] Brasília e Goiânia Mais Comunicação SCN 02 - Bloco D - Torre “A” - Salas 332/334 Centro Empresarial Liberty Mall Asa Norte Brasília-DF - 70 712-903 Tele/Fax. 55 (61) 3328-5683 Contato SAUS QD 04 bloco A ed. Victória Office Tower Asa Sul Brasília - DF - CEP 70070-040 55 (61) 3226-1041 [email protected] www.revistachef.com.br www.grupopesto.com.br email: [email protected] Social 10 Instagram - @revistachef Twitter - @revistachef Facebook - www.facebook.com/revistachef revista chef 6 novembro de 2012 11 ■ ■p e tit f o u rs Preço da cerveja desce quadrado No último ano, o preço da cerveja teve um aumento de 13%, mais que o dobro da inflação oficial no mesmo período, que representou cerca de 6%, segundo o IBGE. O aumento se deve a publicação de um decreto que institui a mudança no método de cálculo do IPI e do PIS/Cofins, ocasionando a elevação de 27% dos impostos sobre a cerveja e de 10% sobre os refrigerantes. No entanto, a medida que só passou a vigorar em outubro, começou a ser repassada para o público desde o início do ano. A previsão é que, até o final do ano, o preço da “loura gelada” aumente, aproximadamente, mais 5%, variando o valor de acordo com as estratégias de mercado entre as cervejarias. 5% é a previsão do aumento no preço da “loura gelada” até o fim deste ano Macarons na Cacauhá Os ilustres (e cobiçados) doces franceses agora estão mais perto de você, graças a realização de um antigo sonho da chocolateira e dona da Cacahuá, em Brasília, Eliane Almeida. Com uma linha de confeitaria especializada em doces finos, exibidos como joias na vitrine da chocolataria localizada na 207 sul, em Brasília, a casa oferece aproximadamente 40 produtos, feitos artesanalmente, dentre os quais se destacam 12 tipos de macarons (3,00 reais a unidade), elaborados pelo pâtissier e consultor Ricardo Arriel em parceria com Eliane. O macarron teve sua receita guardada a sete chave por muito tempo pelos Da rua às Panelas: uma história de superação É dito nos saberes populares que cozinheiros da rainha Catarina di Médice, quando inventado no século 16. Ao que tudo indica, o quem acredita sempre alcança. Durley Soares é prova disso. O ex-morador de rua, filho de agricultores, que veio segredo real foi desvendado. A cobertura crocante e ao mesmo tempo macia aliada a cremosidade para a capital do país em busca de melhores condições de vida, acabou encontrando ainda mais dificuldades. dos recheios encontrados nos macarons da Cacahuá são prova disso. Quer conferir? CACAHUÁ: 207 Porém, assim como receitas famosas que surgiram a partir de crises de escassez de alimentos, como a polenta, Sul, bloco A, loja 37, Asa Sul, Brasília, DF - (61) 3443-0430 - Funcionamento: terça a sábado, das 10h Durley fez dos entraves, oportunidades. Após juntar contatos e recursos, o até então morador de rua, trocou a às 23h. Domingos, das 14h às 22h. caixa de engraxate pelas panelas de seu próprio restaurante: a Tapiocaria Raízes do Sertão. Hoje, com quase dois anos de sucesso em seu restaurante localizado na 309 norte, em Brasília, Durley inaugura uma nova filial na 216 sul. A tapiocaria conta com mais de 40 sabores e oferece as opções rodízio e à la carte. 12 revista chef 6 novembro de 2012 13 ■ ■p e tit f o u rs Cozinha Sorbê Com a proposta de “Abolição do cardápio”, Rita Medeiros, chef e proprietária da Sorbê sorveteria artesanal brasiliense especializada em frutos do cerrado - oferece um novo prato a cada dia servido em uma panelinha de cerâmica. Com uma pegada de comfort food e um toque gourmet, a Cozinha Sorbê chama atenção pelo uso de diferentes temperos, frutos do cerrado e pelo resgate de receitas do Brasil e do mundo. Os pratos são servidos de Segunda a Sábado e custam R$ 15,00. Alta do frango A alta dos custos de produção do frango, decorrente da escassez da oferta e aumento do preço de grãos para ração animal, pode diminuir em até 1 milhão de toneladas o volume da produção da ave em relação a 2011. Desde janeiro, o preço do frango no mercado interno já teve um aumento de 25%. Se de fato ocorrer a prevista queda na produção Boa lembrança da ave deverá ocorrer um acréscimo de mais 15% no valor do alimento. Para amenizar o Quem coleciona bons cenário problemático do setor avícola, que já demitiu 5,7 mil trabalhadores nos últimos 4 momentos com os meses, estão sendo desenvolvidas medidas que regulamentem os embarques do milho para pratos dos restaurantes o exterior. Já que, neste ano, devido à redução da produção de milho nos EUA decorrente da ligados à Boa Lembrança, seca que atingiu o país, houve uma procura exacerbada pelo grão brasileiro, causando uma já pode reservar mais redução de 10 milhões de toneladas no estoque destinado ao mercado interno. Enquanto as espaço na prateleira. medidas não forem tomadas, é melhor os chefs repensarem o cardápio. Afinal, a Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança (ARBL) agora conta com mais dois nomes importantes do cenário gastronômico brasiliense: o Villa Tevere e o Dom Francisco; A entrada desses restaurantes se confirmou no XVII Congresso da ARBL, que aconteceu em Vitória (ES). Agora, as boas lembranças provenientes dos preparos dessas casas não ficarão apenas na memória gustativa. 14 revista chef 6 novembro de 2012 15 ■ ■sa la d e au l a C Eu e meu misto quente texto e fotos: marcos lélis O prazer de um chef é servir. À parte da interpretação poética da coisa, se escolhemos a gastronomia como profissão, desculpem-me os mais capitalistas, mas nós somos serviçais. Claro que com muita técnica, estudo, pesquisas de mercado, cálculos de preço com fornecedores, apresentações e design. É aqui que quero chegar com o texto dessa edição: nos “pré”ocupamos muito para que o cliente/comensal tenha uma experiência satisfatória, mas quando falamos sobre aquilo que queremos comer a estória pode mudar um pouco. 16 Marcos Lelis é professor das disciplinas Cozinha Brasileira e Cozinha do Mundo. Seu jeito nordestino de ser é sua marca em sua aulas e demonstrações gastronômicas. revista chef 6 novembro de 2012 onheço uma série de chefs e cozinheiros dos mais variados e curiosos gostos quando se fala sobre o que lhes dá prazer ao comer. Muitas vezes, aparecem em seus discursos as palavras “mãe”, “avó”, “pai”, “avô”. O que nos remete, claramente, ao comfort food. Não sou muito fã de estabelecer conceitos, mas quando são criados e fazem algum sentido, sigo-os de maneira fervorosa. Há algum tempo, o maior expoente da cozinha tecno-emocional, o catalão inovador Ferran Adrià, lançou um livro intitulado “The Family Meal”, onde põe o foco na cozinha de referência afetiva que compartilhava com sua equipe de cozinheiros. Desde que comecei (e imagino que com alguns colegas não foi diferente) a trabalhar na cozinha, ainda mesmo como estudante de gastronomia, os amigos e parentes não me convidavam mais para uma confraternização, pois ficavam acanhados em cozinhar/servir um belíssimo bife acebolado, um suculento frango com quiabo e arroz branco ou um porco na lata com tutu e couve. O fato é que: não é porque somos chefs, que deixamos de ser desleixados na hora em que estamos comendo. Afinal, tratamos os ingredientes com delicadeza, nos preocupamos com a louça, finalizações, cortes, texturas durante todo o dia e quando finalmente paramos para comer, a maneira como e o que comemos, causa uma surpresa enorme para algumas pessoas. Outro dia um aluno me pegou almoçando um (dois) misto(s) quente(s) na padaria próxima à universidade. Ok, reconheço que um misto quente não é a refeição mais “correta” para esse horário, mas tenho um verdadeiro fascínio por pão, queijo e presunto prensados numa chapa! Um preparo simples, mas muito particular quando se fala na forma de prepará-lo. Bastei sentar num balcão de padaria por aproximadamente 30 minutos, para perceber que eu não era o único chato da estória, pois cada um tem a sua versão do misto quente. Que muitas vezes não precisa nem ser quente mesmo. Começa pela escolha do pão. Pode ser francês, com ou sem miolo, de forma, integral, prensado ou não. E por aí continuam, com ou sem manteiga, com ou sem ovo, com queijo minas, com a nobre mortadela, muçarela, queijo coalho. São tantas solicitações diferentes que um chapeiro me falou que deveria cobrar mais caro quando os pedidos subtraiam algum ingrediente (no dia havia pedido o meu no pão de forma integral, sem manteiga, só com o queijo e o presunto e bem tostado na chapa). Ouvi: “...é tanta recomendação que deveria cobrar mais caro!”. Sorri para ele e pedi um pingado sem açúcar com bem pouco leite, mais café, numa caneca grande! Agora todos já sabem: experiência estética e sensorial é no trabalho. Fora dele, vamos ao frango a passarinho com alho bem crocante, um caldinho de feijão e, principalmente, a alguns mistos quentes. A receita de hoje fica por sua conta e risco. Escolha seu pão, tire o miolo, acrescente um bom ovo frito na manteiga de garrafa...e faça um chapeiro (in)feliz! 17 ■ ■c e r r a d o d o bra s i l Reconhecendo o terreno Adormecidos, assim como as sementes do cerrado que só brotam após as queimadas, os sabores desse bioma, que é o segundo maior da América do sul com uma extensão de aproximadamente de 2 milhões de km2, estão começando a despertar a curiosidade dos chefs e gourmets. texto: tainá zaneti / foto: gui teixeira C om mais de 10 mil espécies vegetais e animais endêmicas, em outras palavras, que só ocorrem nesse bioma, o cerrado brasileiro aparece em 19 dos 27 estados do Brasil. Suas condições geoclimáticas únicas - solo poroso e rico em ferro, aliado a duas estações bem definidas de inverno seco e verão chuvoso – dão origem a sabores e aromas únicos, marcantes e peculiares. Além de saborosos, os frutos do cerrado são nutricionalmente interessantes, por aportarem propriedades funcionais, como poder antioxidante e alto grau de vitamina A, que combate o envelhecimento precoce. Mesmo com tantas características singulares, o bioma já teve, nos últimos 20 anos, segundo dados do IBGE, 50% de sua cobertura natural devastada, para a plantação de grãos e criação de gado. A perda irreversível da biodiversidade do cerrado representa, além da corrosão ambiental, o abandono à cultura tradicional e à identidade dessa biota. 18 As novas tendências da gastronomia, como a Cuisine du terroir e a Fusion Cuisine, que buscam aliar as melhores técnicas com produtos frescos e regionais, alinhadas ao papel dos chefs quanto formadores de opinião, podem se valer da singularidade do cerrado para agregar personalidade a seus preparos e, ao mesmo tempo, aludir novas concepções e atribuições acerca das qualidades do bioma. Criando dessa forma, pontes que aproximem a gastronomia e a sustentabilidade deste universo do cerrado que apresenta muito mais que árvores tortas e terra vermelha para oferecer. Harmonizada com as concepções da fusion cuisine, a receita desta coluna traz um Crepe Suzette feito com farinha de jatobá. Lembrado pelo seu cheiro forte, este fruto típico do bioma Cerrado tem sua textura farinácea, é rico em ácido fólico e tem ação anti-vermífuga e cicatrizante. Podendo, assim, ser usado para enriquecer nutricionalmente pães, bolos e massas de crepe, como nesta receita, além de agregar sabor. Pelo seu alto poder gelificante, o ideal é utilizar 30% de farinha de jatobá aliado à 70% de outra farinha, como a de trigo ou arroz, ou féculas e amidos. Crepe Suzette com farinha de jatobá ingredientes MASSA ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ 175 g de farinha de trigo 75g de farinha de jatobá 3 ovos batidos 250 ml de leite 5g de sal 20g de manteiga derretida RECHEIO ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ 100 ml de suco de laranja Zestes de 1 uma laranja 20 ml de Cointreau 80 g de manteiga ligeiramente amolecida 50 g de açúcar quanto baste de Cointreau para flambar para o preparo MASSA ♦♦ Peneire as farinhas com o sal em uma tigela e acrescente, aos poucos, o leite; ♦♦ Acrescente os ovos e a manteiga e misture bem, até obter uma massa homogênea; ♦♦ Deixe descansar por 1 hora em local fresco, coberto com um pano; ♦♦ Após o descanso, faça crepes bem finos em frigideira antiaderente. RECHEIO ♦♦ Misture a manteiga, as zestes, o suco de laranja e o Cointreau e bata bem com um garfo, até obter um creme homogêneo; ♦♦ Recheie cada metade dos crepes com o creme de manteiga e, posteriormente, dobre a massa em 4, até obter um triângulo; ♦♦ Coloque os crepes recheados em uma frigideira antiaderente bem quente e em fogo alto, espere aquecer e flambe-as com o Cointreau; ♦♦ Sirva imediatamente. Tainá Zaneti é gastrônoma, especialista em tecnologia de alimentos e Mestre em Agronegócios. revista chef 6 novembro de 2012 19 ■ ■In tern aci o n al viagens gastronômicas Gastón Acurio e a revolução chamada Mistura textos: luciana bianchi fotos: carlos cane Nossa história começa no final dos anos 80, quando o filho de um famoso político deixa o Peru rumo à Espanha para estudar direito, seguindo assim a carreira do pai. 20 revista chef 6 novembro de 2012 21 viagens internacional gastronômicas “N ós, que somos privilegiados, temos uma obrigação moral de devolver ao nosso país o conhecimento adquirido fora. Aprenda, aproveite as oportunidades e volte à casa para ajudar o seu povo!” disse o pai ao rapaz. Porém, a vida dá muitas voltas, e muitas vezes, decidimos seguir um novo e inesperado itinerário... Foi o caso de Gastón Acurio que abandonou a faculdade de direito para se tornar chef profissional. Matriculou-se na escola Le Cordon Bleu de Paris e conheceu aquela que viria a ser a sua esposa e parceira na cozinha: Astrid Gutsche. Voltando ao Peru, e com as palavras do pai ainda em mente, começou a viajar por seu país percebendo que o mesmo era fragmentado por diversas culturas, e, consequentemente, 22 diversas cozinhas. Após uma palestra histórica na Universidade del Pacifico, Acurio iniciou uma revolução que atingiu o seu ápice em um evento sem precedentes. Era o nascimento do Mistura, um evento que celebrava o multiculturalismo peruano. Gastón conseguiu, juntamente com um grupo de chefs progressistas de Lima, unir o povo através de suas diferenças. Exaltando suas riquezas culturais e seus sabores, o movimento de cozinha nomeado de ‘Novo Andina’, tinha como principal objetivo a promoção de uma identidade culinária peruana. Gastón Acurio é hoje um herói nacional, sendo considerado, juntamente com o vencedor do prêmio Nobel de literatura, Mario Vargas Llosa, como o mais famoso peruano de todos os tempos. Muitos gostariam de vê-lo presidente do país. O pai, orgulhoso com a coragem do filho, hoje diz: “Gastón era conhecido como o meu filho. Hoje eu sou conhecido como o pai de Gastón!” Com 5 anos de existência, o Mistura é um evento que continua a manter sua força. Realizado pela primeira vez no parque “Campo de Marte”, o evento, que dura dez dias, é uma explosão de sabores, cores vibrantes e ritmos andinos. Em uma área de 180 m², um mercado coberto apresenta as riquezas da terra dos Incas. Os pequenos produtores mostram orgulhosos o fruto de seu trabalho: centenas de batatas, das mais variadas cores, quinuas, frutas amazônicas e produtos artesanais. revista chef 6 novembro de 2012 O famoso Cui, uma espécie de porquinho-da-Índia, é uma delicatessen no Peru, e é vendido seco, frito, defumado e pode até ser provado como comida de rua em estilo “frango a passarinho”! Como uma festa para os sentidos, o Mistura oferece aos visitantes a possibilidade de degustar as mais variadas especialidades das diversas regiões do país. Os ingredientes exóticos são “o pão-de-cada-dia” dos peruanos, uma vez que 60% do país é floresta amazônica! Celebridades da cozinha tradicional como Grimanesa Vargas, conhecida como a rainha do anticucho, Tia Grimanesa, nunca deixa de se apresentar no Mistura: “É um orgulho para nós poder estar aqui. Nossa comida é nossa riqueza e no Mistura to- 23 “O Mistura abre as portas para o mundo e, em um país onde mais jovens querem ser cozinheiros que jogadores de futebol, a educação culinária é uma prioridade!” dos são iguais! Ricos ou pobres, todos ficam na fila e sentam-se juntos à mesa!” Em meio ao parque também é possível encontrar um galpão dedicado ao chocolate. Em um outro espaço, a maior coleção de Pisco reunida até hoje, segundo os organizadores, bem como uma área dedicada ao café. A fumaça da carne grelhada da “La Caja China” se mistura com o cheirinho irresistível de churros frescos feitos de lucuma, uma fruta de origem Andina. O‘Chancho al Palo Makatón’, foi a barraca que bateu o recorde de vendas este ano, com quase 500,000 pratos vendidos nos 10 dias! Quem fica aguardando a sua vez nas filas quilométricas, tem a oportunidade de ouvir mú- 24 sicas típicas e ver muita animação! Até grupos de padeiros coreografados que cantam e dançam entre uma fornada e outra! O “El Rincon del Pan”, apresenta a arte da panificação do norte ao sul do país, produzindo pães do Amazonas, Loreto, Ayacucho, Cusco, Puno, Apurímac, Arequipa, Chincha, Piura, Tacna e Lambayeque: “É a nossa terceira vez no Mistura. Para a nossa família é o evento mais importante do ano. Aqui, sentimos a forca de ser peruano” afirma Carlos Hernandez, um professor de escolar pública na 52ª posição da fila do pão. O Mistura abre as portas para o mundo e, em um país onde mais jovens querem ser cozinheiros que jogadores de futebol, a educação culinária é uma prioridade! Este ano, no “teatro do chef”, estrelas da cozinha internacional como Massimo Bottura, Quique Dacosta, Joan Roca, Mauro Colagreco, Daniel Ovadia, Eneko Atxa, Peter Gilmore, Giancarlo Morelli e Nelson Mendez apresentaram suas ideias etécnicas. Na audiência, estudantes de gastronomia, gourmets, foodies e fãs. O Brasil foi bem representado pela gaúcha e carioca de coração, Roberta Sudbrack. A chef, que gosta de pontuar suas palestras com a polêmica da “tradição x vanguarda”, evoluiu na sua retórica tradicionalista chegando a uma conclusão: “Na cozinha, há espaço para a tradição e para a vanguarda, desde que ambas sejam expressões autênticas!” Acompanhada de um vídeo sobre a produção artesanal da goiabada e do fubá, a chef mos- revista chef 6 trou o Brasil rural, conquistou a audiência com seu “Portuñol” simpático e chamou a atenção de muitos com a sua técnica que aproveita a banana passada. Um fórum de discussão sobre a Amazônia, a gastronomia e a diversidade, contou com o chef Pedro Miguel Schiaffino, do restaurante Malabar e de outros chefs locais, bem como jornalistas, profissionais de cozinha e ambientalistas. Os chefs peruanos provam com seu trabalho e pesquisas que a cozinha do país está em boa forma. Os jovens chefs emergentes apresentam propostas claras e uma visita à alguns restaurantes de Lima confirma que a “onda internacional peruana” quer se estabelecer além do modismo. Astrid & Gastón estão certamente na lista de muitos como novembro de 2012 25 ■ ■pratel ei ra viagens gastronômicas Chef profissional Instituto Americano de Culinária. Editora: Senac São Paulo. R$ 211,00. Muito Prazer, Brasil Quentin Geenen de Saint Maur, Editora: A&a Comunicacão. R$ 89,00. Adeus Aos Escargots Ascensão e Queda da Culinária Francesa Michael Steinberger. Editora: Jorge Zahar. R$ 46,00. 1001 Comidas para Provar Antes de Morrer Frances Case, Editora: Sextante. R$ 59,90. a grande surpresa do ano. O novo menu degustação é uma viagem pela história do país, explorando as tradições e belezas naturais da fauna e da flora peruana com uma narrativa deliciosa e emocionante. A rota gourmet “Limenha” oferece alguns tesouros inesperados. O melhor ceviche clássico da ciudad é feito em um restaurante dentro de uma casa simples, onde o proprietário colocou algumas mesas na sala de jantar e deu o nome de “Chez Wong”. O rei do ceviche é Javier Wong e sua casa é o templo de Lima para um almoço simples e perfeito. Purista, Wong serve o ceviche em suas formas mais variadas e sem acompanhamentos, elevando o prato nacional à condição sacro-santa. O chef prepara o peixe na 26 frente dos clientes, cortando as cebolas na “velocidade da luz” com técnica de “samurai-nikkei”. Virgilio Martinez, do restaurante Central, é certamente o maior expoente de talento da nova geração. Fazendo um trabalho consistente nos últimos anos, Martinez é o que podemos chamar de garoto prodígio, e, se continuar neste ritmo, será um dos grandes protagonistas da cozinha autoral peruana. Mitsuharu Tsumura, chef do restaurante Maido, é um outro chef emergente com um futuro promissor. Sua cozinha Nikkei tem a influência clássica japonesa e a alma contemporânea peruana. O menu degustação do Maido é memorável. O jovem e talentoso chef cria composições vanguardistas que são um cartão de visita da cozinha peruana atual – honesta, criativa e corajosa! Os 12 pratos, ou 12 tempos, como é intitulado, tem sashimis e temakis com combinações inusitadas, nigiris da terra e do mar e tiraditos de Wagyu, entre outros. Segundo Tsumura, a cozinha Nikkei é mais que um conceito – é uma identidade! Pesquisador, o chef explora no momento os diversos usos da “maca”, uma raiz energética poderosa que pode ser usada como o wasabi. Composta das mais diversas expressões multiculturais que traduzem a identidade do país, a “Fusion Cuisine” no Peru é sinônimo de autenticidade. No Mistura 2012 a mensagem foi clara: “Vamos contagiar o mundo com a nossa cozinha”, disse o chef Christian Bravo. revista chef 6 novembro de 2012 27 ■ ■en trevi sta viagens gastronômicas gastón acurio Entrevista Seu futuro estava planejado para uma carreira política. Quando você percebeu que queria cozinhar? Sempre adorei cozinhar, desde pequeno. Porém nesta época, os restaurantes eram famosos e não os chefs. Ser cozinheiro não era uma opção plausível para os que queriam investir no futuro. Por isso, resolvi ser advogado e seguir os conselhos de meu pai. Quando cheguei a Espanha e vi o que Arzak e os chefs bascos estavam fazendo, reconsiderei a possibilidade e resolvi arriscar! “No início só fazíamos cozinha francesa, mas após viajarmos pelas diversas regiões do país e trocarmos ideias com outros chefs, começamos a pensar – por que imitamos as outras cozinhas quando temos tanta riqueza no Peru?” Gastón Acurio Você tinha um plano? Primeiramente eu queria que o meu pai sobrevivesse! A notícia seria um choque para ele… Passado o susto, ele me disse que eu havia tomado a minha decisão, mas que, mesmo como cozinheiro, eu deveria continuar pensando em um modo de ajudar o meu país a crescer. Foi uma promessa! Me formei na Le Cordon Bleu de Paris, conheci na escola a minha futura esposa, Astrid, e voltamos juntos ao Peru. E, então, vocês abriram o Astrid y Gaston? Sim, após um ano de muito trabalho e com a ajuda de familiares e amigos conseguimos abrir o nosso primeiro restaurante. No início, só fazíamos cozinha francesa, mas após viajarmos pelas diversas regiões do país e trocarmos ideias com outros chefs, começamos a pensar – porque imitamos as outras cozinhas quando temos tanta riqueza no Peru? A cozinha “Novandina” nasceu como consequência de sua palestra na Universidad del Pacifico? O processo havia iniciado no ano 2000. A palestra foi um momento marcante, pois havia sido a primeira vez que pessoas influentes escutavam a opinião de um “simples cozinheiro”. Nunca esperava que esta palestra tivesse um impacto tão grande! A partir deste dia, em 2006, começamos a caminhar todos juntos na mesma direção. Descobrimos que unidos poderíamos conseguir muito mais. Começamos aí, finalmente, a acreditar que éramos um povo só, e que nossas diferenças faziam nosso país tão especial. A cozinha nos unia! E o festival Mistura? Foi em 2007 e teve a função de celebração. Era um encontro entre os nossos povos de todas as regiões, cada um trazendo sua cultura dentro de suas panelas! Festejamos com Mistura a descoberta de que éramos todos peruanos e que nossa cozinha era um de nossos patrimônios culturais mais importantes. Abríamos as portas aos cozinheiros, fazendeiros, artesãos e todos que quisessem dividir conosco um pouco do “seu Peru”. E hoje, o que é o Mistura? Continua sendo uma festa de união, onde nossa gente se orgulha de seus produtos, festeja a alegria de ser peruano, e com suas comidas, abre as portas de suas casas para o mundo. Chef Luciana Bianchi, Curitibana que mora na Europa, é chef de cozinha, food writer e viajante profissional. Integra o grupo de juízes do The World’s 50 best Restaurants. Co-autora do caderno de gastronomia Apicius. 28 revista chef 6 novembro de 2012 29 ■ ■via g e n s g a s t rô n o m i c a s ■ ■Ibéri ca da cozinha às telas O primeiro sinal de que um chef está fazendo grande sucesso é vê-lo cada vez mais fora da cozinha, aparecendo em propagandas e participando de eventos e feiras, inclusive internacionais. O segundo estágio da fama vem com a publicação de um livro, com pinceladas biográficas e belas fotos de pratos – se for em inglês, publicado pela prestigiosa editora Phaidon (caso de Alex Atala e René Redzepi). Mas a glória absoluta, para chefs famosos, é se verem retratados em filme. por alexandra forbes Há uma nova safra de longas-metragens e documentários sobre as trajetórias de grandes cozinheiros, com pinceladas de poesia e heroísmo. Naturalmente, o ultrapremiado Ferran Adrià, catalão que tornou-se celebridade por causa de seu extinto restaurante El Bulli, saiu à frente. Ele estrela o longuíssimo documentário História de un Sueño (quatro DVDs que contam a história do mítico restaurante), lançado em 2010, e também o filme El Bulli: Cooking in Progress, lançado em 2011. Há pouco, anunciou com grande pompa ser co-protagonista, com o celeb-chef peruano Gastón Acurio, do documentário Peru Sabe. E vem aí mais um, contando os bastidores da cozinha do El Bulli, em uma adaptação do livro da jornalista americana Lisa Abend, The Sorcerer’s Apprentices. Grant Achatz, outro dos chefs mais criativos e premiados do planeta, descreve sua “cozinha absurda” no recém-lançado documentário Spinning Plates. E há rumores de que o ator Tobey McGuire estrelará um filme que está em pré-produção contando a vida do chef, baseado em sua 30 auto-biografia, Life on the Line. A história, neste caso, é dramática: no auge da carreira, Achatz foi diagnosticado com câncer da língua. Médicos o mandaram amputá-la, mas ele se recusou e, remando contra os prognósticos, conseguiu vencer a doença. Mesmo quando não há grandes tragédias ou lances surpreendentes, as vidas dos chefs hoje interessam o grande público. Este ano, em feito inédito, um documentário sobre um chef - Jiro Dreams of Sushi, que retrata o dia-a-dia do lendário sushiman japonês Jiro Ono, foi exibido em cinemas de costa a costa dos Estados Unidos. Aos que não alcançaram – ainda – status que justifique ser tema de um filme, resta a televisão, que transformou nomes como Anthony Bourdain e Jamie Oliver em marcas globais. Seriados culinários, no entanto, podem ser um tiro que sai pela culatra: o escocês Gordon Ramsay, por exemplo, perdeu inúmeros clientes, estrelas e amigos depois que transformou-se em uma caricatura dele próprio no programa Kitchen Nightmares, da Fox, exageradamente fake. Em geral, os cozinheiros que se dão melhor na telinha são aqueles que mostram os bastidores de suas vidas deixando transparecer suas reais personalidades. Por isso, é possível que o mais novo seriado da leva - The Mind of a Chef - faça sucesso. Estreado há um mês no canal americano PBS, mostra o divertido e desbocado David Chang, dos premiados restaurantes Momofuku, comendo, bebendo e visitando chefs pelo mundo afora. Aposto que um seriado estrelando Alex Atala não tardará... por seg food comunication Quinta dos fumeiros A tradição longínqua de Fumeiros e fumados que guarda saberes e memórias das heranças familiares e das cozinhas rústicas do interior de Portugal, renasce por meio da mão da empresária Deolinda Campelo, que busca aliar a cultura da ruralidade anciã deste país, à inovação e a modernidade da produção. Apoiada no conhecimento familiar, Deolinda Campelo aplica técnicas ancestrais de fumado, com inovações tecnológicas para obter um produto diferenciado. Com isso, a Quinta dos Fumeiros se tornou a primeira industria artesanal de fumeiro a criar o Presunto de peru fumado, o lombo fumado com espargos verdes trigueiros e o Chouriço de peru, que podem ser encontrados no “mercado da saudade”, no Brasil. www.quintadosfumeiros.com Alexandra Forbes é jornalista e blogueira, escreve sobre viagens e gastronomia para publicações nacionais e internacionais. Paulistana, hoje vive em Montreal e viaja pelo mundo comendo, bebendo e testando hotéis. revista chef 6 novembro de 2012 31 32 Provam Edmundo Val Situada no “berço” do Vinho Verde, mais pontualmente na sub região de Monção e Melgaço, onde as castas Alvarinho e trajadura ocupam as montanhas e vales do Rio Minho, a empresa PROVAM recria grandes vinhos com rótulo próprio. Os esforços para elevar o nível da qualidade do produto, levam este produto a posicionar sua promoção no mercado Brasileiro pela mão da Importadora Casa Flora Ltda, PR, que desenvolve a representação, divulgação e venda dos premiados vinhos verdes produzidos por este empresa que une 10 produtores de vinho em comunhão de bens e conceitos. www.provam.com Desde a aquisição de terrenos em um vale ao Norte de Portugal, Pablo Ruibal e sua irmã Olalla Ruibal, Gestor e Enóloga respectivamente, procuram personificar o espírito familiar em garrafas de Vinho. Neste sentido, passaram a produzir o Vinho Edmun Do Val que foi mundialmente premiado, em Singapura, Bruxelas, Viena, Toronto e no criterioso Blind Challenge de Tóquio. Suas uvas são integralmente colhidas na propriedade, com as escolhas feitas à mão pelos seus produtores. São produzidas de modo biológico com o uso de fertilizantes de origem natural e animal selecionados. Apesar de o seu mercado estar situado em Miami, Flórida e na Cidade do México, este Vinho de colecionador começa a ser introduzido também no mercado do Oriente. Agora, o mercado brasileiro terá a oportunidade de conhecer, não só um Vinho diferenciado mas um complemento à gastronomia fresca e multifacetada dos Chefs Brasileiros contemporâneos. www.edmundoval.com revista chef 6 novembro de 2012 33 ■ ■capa entre o cru e o cozido: a história da evolução humana o ato de cozinhar é o que faz o ser humano único frente às diversas espécies animais, tornando a transformação entre cru e cozido, como nas palavras do antropólogo Lévi Strauss, o processo de passagem do homem da condição biológica para a social. Orpagu Gourmet texto: taina zaneti / fotos: gui teixeiria Depois de anos de sucesso, a cooperativa de pescadores ORPAGU, localizada em uma pequena Cidade no Noroeste da Península Ibérica que abastece o mundo diariamente com maior frota de Peixe Espada (Espadarte ou Merlin) da Europa, diversifica a sua proposta para uma linha gourmet que é distribuída em mais de 20 Países. Entre os produtos, destacam-se os lombos e as “ventrescas” ou barrigas do peixe Espada, conservados em azeite extra virgem selecionado ou na técnica de escabeche. Os produtos da linha gourmet elaborados por Chefs de cozinha estrelados pelo guia Michelin, da Galiza são ideais para acompanhar um bom vinho branco ou uma cerveja especial. A ORPAGU Gourmet pode ser encontrada no Brasil em lojas especializadas em produtos gourmet para a satisfação dos amantes de pescado. www.orpagu.com 34 revista chef 6 novembro de 2012 35 O primatólogo Richard Wrangham, autor do livro “Pegando Fogo”, afirma que cozinhar nos tornou humanos. Essa instigante constatação impulsiona a reflexão de o que teria sido do homem se ele não tivesse dominado o fogo e a arte da cocção. Na opinião de Marcelo Favaro, chef executivo do grupo Barbacoa, “sem o fogo nós não estaríamos conversando hoje”. O fogo foi o primeiro tempero que o ser humano conheceu. Foi também o principal aglutinador social, tornando-se catalisador do desenvolvimento das relações humanas e todas as consequências evolucionárias que vieram a partir desse relacionamento. Entre elas, a divisão do trabalho que separava as funções de quem caçava e de quem cozinhava. A partir da cocção dos alimentos, o proto homem passou a moldar sua fisiologia e seu comportamento social até se desenvolver no atual homo sapiens. Ao consumir alimentos cozidos, que são de mais fácil digestão e liberam maior quantidade de energia, o ser humano teve o aparelho digestivo reduzido. Isso ocasionou o crescimento da caixa craniana, fazendo com que, assim, ele passasse a desenvolver novas funções como a lógica, a linguagem, a agricultura, a arte e a gastronomia. Considerando a cozinha como o primeiro laboratório do homem, o ato de cozinhar é o que faz o ser humano único frente às diversas espécies animais, tornando a transformação entre cru e cozido, como nas palavras do antropólogo Lévi Strauss, o processo de passagem do homem da condição biológica para a social. Não se sabe ao certo o que teria sido do homem se não tivesse o fogo como seu aliado. Ao analisar a história da humanidade, percebe-se que a dominação do fogo há quase 2 milhões de anos atrás foi o estopim para a transformação do homem animal em homem racional. 36 revista chef 6 novembro de 2012 37 Fogo: a identidade pela cocção O fogo tem o poder de transformação. Ao longo da história da humanidade, é possível delinear uma estreita relação entre a evolução do homem e dos métodos de cocção de alimentos, como comenta o Chef Francisco Ansilieiro, do restaurante Dom Francisco em Brasília, “o desenvolvimento humano foi ocasionado pelo fogo”. A partir desse desenvolvimento foi possível criar novos métodos de cocção, percebidos em diferentes partes do mundo. Encontram-se 38 diversos modos de utilização e dominação do fogo, como fornos e fogões, bem como utensílios, como panelas e grelhas, que marcam a identidade e cul- tura dos povos. Exemplo disso é o Tandoor, espécie de forno em forma de recipiente de barro, muito utilizado na Índia e em regiões do continente africano, revista chef 6 no qual as brasas ficam localizadas no fundo do recipiente, provocando um calor concentrado e intenso, atingindo temperaturas de até 580 graus Cº. A arquitetura do forno promove a disposição uniforme de calor, permitindo que o paneer, pão indiano que acompanha as refeições servindo de talher, seja cozido em suas laterais, enquanto outros alimentos são preparados em espetos no mesmo recipiente. Não só o Tando- novembro de 2012 or utiliza uma arquitetura para o aproveitamento integral da chama, como também os chineses com a panela Wok, que distribui o calor de maneira uniforme pelas suas paredes, possibilitando a cocção de carnes, legumes e vegetais em um mesmo preparo. Sua estrutura permite que, com apenas uma chama, se possa fazer frituras, salteados, cocção no vapor e, até mesmo, defumado. Em solo europeu, as chamas não apenas coccionam o alimento induzindo calor a um recipiente, como também flamejam no próprio preparo com a técnica da flambagem, onde o alimento é incinerado a partir da combinação de bebida alcoolica e chama direta. Saindo da Europa para o continente americano, o uso tradicional do fogo destaca-se, principalmente, nos fogões à lenha, até hoje encontrados nos interiores das regiões brasileiras, 39 e nas carnes cozidas na brasa, que tem diversos modos de preparo e nomenclaturas em toda a extensão continental. No sul do Brasil essa técnica é conhecida como churrasco; em território argentino, é chamada de Parilla e, nos Estados Unidos, recebe o nome de barbecue. Em terras brasileiras, a tradição de preparos no fogo não se aplica apenas ao churrasco. No Paraná, as brasas são dispostas em um buraco profundo que recebe uma panela herme- 40 ticamente fechada com carne e legumes. O buraco é tampado com terra e lá o preparo, chamado de Barreado, é cozido lentamente por mais de 8 horas, ocasionando uma mistura de sabores e texturas. Subindo para o sudeste, o destaque se encontra no Espírito Santo, com a moqueca capixaba, que conserva todo calor do fogo na panela de barro e, por isso, continua cozinhando mesmo depois de ser retirada da chama direta. Na Bahia, o Acaçá, uma das mais importantes comidas de oferenda do Candomblé, cocciona na brasa quente, a massa de milho envolta em folha de bananeira. Há inúmeras técnicas e preparos provenientes da dominação do fogo. Afinal desde os tempos remotos até atualidade nos quatro cantos do mundo, o fogo é o centro da gastronomia e é quase impossível pensar em cozinha sem uma fonte de calor. revista chef 6 novembro de 2012 41 Chefs na linha de fogo Da fogueira ao forno combinado, a tecnologia evoluiu condensando a função primordial do fogo - a temperatura - desenvolvendo novos produtos que acompanhassem as mudanças sociais, como a escassez de espaço e tempo. Fogões por indução de calor, churrasqueiras a gás, fritadeiras a ar e fornos combinados controlados pelo celular são a constatação de que a tecnologia modernizou a relação mais tradicional e essencialmente humana, entre o fogo e o ser humano no ato de cozinhar. 42 A pesar de existirem diversas (e constantes) inovações de produtos termoelétricos para a gastronomia, há chefs que acreditam que essas tecnologias não conseguem substituir os sabores ocasionados pela chama em contato direto com o alimento, como ocorre na caramelização da carne na reação de Maillard. É o caso do chef Francisco Ansilieiro que diz que os sabores, como o tostado, provenientes dos preparos com fogo direto são característicos e imbatíveis e tem grande aceitabilidade pelos comensais por aportarem mais sabor e aroma, “você consegue sabores inovadores com as tecnologias, mas só o fogo tradicional dá o sabor verdadeiro”, comenta o chef. Alinhado a percepção do chef Francisco, não é estranho pensar que embora haja tantos novos sabores e tecnologias, os preparos ancestrais feitos na brasa perduram de maneira inabalável na atualidade? O mesmo chef afirma que isso ocorre, pois “o fogo marca os sabores que nós estamos historicamente acostumados a sentir”. Na visão do chef Favaro, isso se deve ao fato de que mesmo que o preparo seja simples e antigo, se ele for bem feito e se adaptar ao ambiente onde está inserido, ele fará sucesso, “a gente que trabalha com churrascaria está o mais próximo da gastronomia primitiva, mas com técnicas e bons produtos de revista chef 6 qualidade e origem controlada é possível ter um produto diferenciado”, completa Favaro. O chef, que utiliza pedras vulcânicas ao invés de carvão como forma de obter uma chama limpa e ecológica, acredita que os preparos feitos no fogo agregam além de um sabor diferenciado e único, muito próximo do natural, apresentam uma estética singular proveniente da caramelização dos alimentos. O chefs Francisco e Favaro concordam que é preciso obter uma relação harmônica entre as técnicas e a qualidade do produto, utilizando o fogo como realçador do sabor. Os chefs acreditam ainda que as novas técnicas e movimentos da gastronomia – como Cook it Raw, idealizado pelo chef René Redzepi, do premiado Noma, que busca cozinhar a frio - podem trazer grandes contribuições para a cozinha e oferecer novas experiências, porém, complementam com o contra-ponto de que o fogo é o centro de suas cozinhas. A chama que permanece flamejando nas mais diferentes culturas e tendências gastronômicas confirma que desde sua domesticação assume caráter essencial para a vida humana nos mais distintos aspectos. Portanto, não é exagero afirmar que a gastronomia transformou a história da humanidade, por meio do uso do fogo. novembro de 2012 43 ■ ■e sp a ç o d o p ro du t o r N O sabor apimentado do sucesso O que começou com um vasinho de pimenta para espantar o mau-olhado, se transformou em uma plantação de mais de 180 variedades da planta. Vermelhas, amarelas, superpicantes, quentes, grandes e pequenas: assim são as pimentas encontradas na propriedade de Priscila Ávila, no lago Oeste, em Brasília. texto: tainá zaneti / foto: gui teixeira 44 revista chef 6 os 2 hectares de terra da propriedade, a produtora e empresária destina 70 m² para a plantação de 240 mudas das variedades mais ardidas do mundo. As sementes, que vem do Vietnã, Japão, México, Alemanha e Caribe, são plantadas e cultivadas de forma orgânica. Para isso, Priscila cria cabras leiteiras e do esterco e feno desses animais retira o adubo e a cobertura vegetal, respectivamente, para tratar as plantas. novembro de 2012 Na propriedade, Priscila concentra, também, a agroindústria onde são processados os subprodutos da pimenta, “foram muitos vidros de compota que estouraram até eu chegar na receita ideal”, confessa a produtora que para “domar” as plantas picantes, as deixa 6 meses em tonéis com vinagre de álcool para serem curtidas. Após participar de vários cursos sobre a plantação e manuseio das variedades mais raras des- sa especiaria, Priscila lançou sua marca, Cornucópia, com mais de 20 produtos que, segundo a produtora, foram formulados de forma equilibrada entre o sabor e o ardor. Entre eles, estão a especiaria in natura; quatro molhos - Sangue de Dragão, Scorpion Bite, Hot Barbecue Southwest Sauce e Habanero – com a receita desenvolvida pela própria produtora; As geleias de frutas com pimentas colhidas na propriedade e o o li- 45 cor de chocolate picante. Priscila conta que sua especialidade são as pimentas mais ardidas do mundo e que, por isso, não planta variedades comuns como a do reino, a Dedo de moça e a malagueta. Sua busca por produtos e produção diferenciados, deu a ela o primeiro selo DIPOVA de produtos artesanais do Distrito Federal. A empresária, que participa de feiras de alimentação e dá cursos sobre o cultivo de pimentas diferentes, vende seus 46 produtos para pessoa física e também para restaurantes de Brasília e de todo o Brasil, que buscam apimentar seus preparos com as variedades raras produzidas pela Cornucópia. Além do sabor característico da planta, Priscila aposta nas qualidades funcionais desse tempero vastamente utilizado desde os tempos mais remotos dizendo que as pimentas são anti-bactericidas, antioxidantes e que agem no sistema nervoso ao liberar noradrenalina e adrenalina, que diminuem o apetite para as refeições seguintes. Por aportar tantos sabores, picância e propriedades funcionais, a empresária revela que ampliará a produção para mais 200 espécies e que continuará fazendo mais cursos para dominar ainda mais o conhecimento sobre essa planta que tem mais de 6 milhões de espécies pelo mundo e que ainda tem muitos segredos a serem desvendados. revista chef 6 novembro de 2012 47 ■ ■n a r e d e por tainá zaneti MyFood - Pesquise sobre os mais diversos ingredientes incluindo diferentes tipos de feijão, queijos, peixes e grãos. O aplicativo apresenta uma ficha nutricional completa com calorias, vitaminas, minerais e até informações da Wikipedia. Nutrition - Um glossário com explicações sobre vários temas ligados à gastronomia e nutrição. saiba sobre obesidade, dietas, cafeína e até amamentação. O aplicativo é todo em inglês. Seafoodwatch - Aplicativo com informações sobre peixes e fornecedores norte-americanos que estão de acordo com técnicas de preservação e sustentabilidade. Além disso oferece vasta informação com fotos sobre muitas espécies de pescados, suas características e aparência. Food Meter - Aplicativo divertido e colorido. Possui uma grande lista com muitos ingredientes corriqueiros na cozinha, apresentando ficha nutricional de cada um deles. O mais interessante é que você pode selecionar o produto e avaliá-lo em um termometro que te aconselha se você deve ou não comer aquilo. 48 revista chef 6 novembro de 2012 49 ■ ■n utr iç ã o ■ ■ch ef n u O fogo a favor da nutrição Se tivesse que escolher um dos cinco ingredientes principais utilizados na cozinha, com certeza, um deles seria o tomate. Saboroso, fácil de usar, componente de inúmeras preparações e nutritivo. Pensando melhor, escolho o molho de tomate. por deilys gonzalez vazquez Facílimo de preparar, econômico, versátil e mais nutritivo ainda. O tomate é fonte de um carotenóide conhecido como licopeno. Diversos são os benefícios deste componente. Potente antioxidante previne a formação de radicais livres, o envelhecimento precoce, minimiza os riscos de desenvolver doenças cardiovasculares e ataques cardíacos. As vantagens não param por aí. Diversos estudos mostram uma redução significativa no risco de câncer de próstata e mama. Atua no combate à esterilida- de masculina e na prevenção da osteoporose em mulheres pós-menopausa. É quase consenso que ao submeter os alimentos ao fogo, boa parte dos seus nutrientes é perdida, mas atenção: alguns alimentos funcionam de forma contrária, precisam de calor para melhorar a biodisponibilidade dos nutrientes, em palavras para que seus nutrientes sejam melhor absorvidos. O tomate é um desses alimentos. Sabe-se que a melhor absorção do licopeno acontece quando submetido ao calor do cozimento. O calor libera e transforma o licopeno na forma química que possui os efeitos benéficos ao organismo. Além disso, a absorção do carotenoide é melhor quando consumido em conjunto com uma fonte de lipídios. Aquela receitinha deliciosa da família de molho de tomate caseiro se tornou ainda mais atrativa, não é? E se quiser deixá-lo um pouquinho mais saudável, utilize azeite de oliva extra virgem ao invés de outro óleo vegetal, pois além de mais gostoso, o poder antioxidante do seu molho vai aumentar. texto lucius gaudenzi fotos arquivo pessoal de Lucius Gaudenzi Deilys Gonzalez Vazquez é graduada em nutrição e gastronomia. Especialista em fisiologia do exercício e em nutrição clínica e estética. Sócia-proprietária da Levittá Espaço Nutrição. www.levittanutricao.com.br 50 revista chef 6 Entre facas e pranchas O Chef Surfista Lucius Gaudenzi “minhas pranchas e facas sempre estão na minha bagagem” novembro de 2012 51 chef ■ ■c hnu e f nu No coração, o chef leva três grandes paixões: a cozinha, o surf e seu filho A cozinha e o surf sempre permearam a vida de Lucius. As aventuras do chef envolvem facas e pranchas protagonizadas nos confins do globo terrestre. Desbravador de novos sabores, culturas diferentes e ondas virgens, Lucius já cozinhou javalis em pedras vulcânicas no Hawaii e já desceu 2mil km pelo deserto da Baja California há 20 anos atrás, sem GPS, em busca de ondas virgens, onde capotou o carro e teve que pegar carona de volta em um caminhão de porcos. Lucius, que é fruto da miscigenação brasileira, entre raízes italianas paternas e baianas pelo lado de sua mãe, se intitula um cara normal, apesar das aventuras vivenciadas entre ondas e panelas. Porém, o que parece ser aparentemente normal, guarda em sua raiz uma característica muito particular: leva no sangue a paixão ancestral pela cozinha e a curiosidade de misturar diferentes sabores, culturas e experiências. Essa reunião de culturas herdada por seus pais, aliada às inúmeras viagens que fez pelo globo desde os 5 anos de idade, deu a Lucius uma naturalidade simples e humilde que o fez conquistar amigos de todos os lugares, civilizações e comportamentos. O chef que já rodou, quer dizer, já surfou o mundo inteiro conta que sua relação com a cozinha sempre existiu: “cozinho desde que me entendo por gente”, comenta Lucius. Profissionalmente, 52 revista chef 6 começou a cozinhar no exército e freqüentou escolas de gastronomia, nas quais se formou chef de cozinha pelo SENAC em parceria com a Escola de Administração do Exercito, em São Paulo e se pós-graduou em cozinha francesa na Le Cordon Bleu, em Paris. Posteriormente, o chef teve a oportunidade de aprender os segredos das mais diversas cozinhas ao lado de Stephen Cowan, Ozen Ozturk e Massimo Melen. No coração, o chef leva três grandes paixões: a cozinha, o surf e seu filho, fruto de um dos casamentos que tivera. O chef relata que depois de passar por um momento difícil na Califórnia, no qual teve que se distanciar da cozinha, seu filho fez com que ele se reerguesse, buscasse novos horizontes e voltasse para a cozinha: “tenho um filho lindo, minha razão de viver, pelo qual voltei para a cozinha, quando vivia na Califórnia e não estava feliz. Voltei ao Brasil, conversei com meu filho e rodamos o globo, ele apontou para a Australia!”, conta Lucius. Na Australia, o chef surfista se formou em cozinha internacional pela Hostec International Hospitality College e trabalhou ao lado do premiado chef Jonathan Barthelmess, pela Gourmet Traveller, no restaurante Manly Pavilion. Ao olhar para sua vida, Lucius faz uma reflexão: com mais de 30 anos de surf profissional, que o fez competir e ser campeão em todas as categorias do novembro de 2012 mirim ao profissional, aprendeu a ter disciplina, dedicação, treinamento, repetição e concentração, características essenciais para que ele se tornasse um bom cozinheiro, que leva para a sua cozinha “o profissionalismo, empenho, alegria e acima de tudo amor!” Hoje em dia, o chef apaixonado pelas ondas, que passou muitos anos fora do Brasil, está de volta ao cenário nacional, trabalhando como Chef Executivo do Grupo São Paulo Eventos, onde desenvolve seu trabalho com números, custos, organização, gerenciamento de equipes, elaboração de cardápios e realização de eventos que variam de 10 a 10 mil clientes. O chef comenta que está desenvolvendo uma outra área que, apesar de ter aprendido na faculdade, nem sempre teve a oportunidade de colocar em prática quando estava apenas cozinhando e com isso está se tornando “um profissional mais qualificado e mais completo”. Além disso, o chef realiza palestras em faculdades, workshops e faz trabalhos voluntários. A paixão pelas viagens continua definindo os horizontes do chef. Atualmente, Lucius está com projetos de uma cozinha itinerante, adaptada em uma van, na qual ele irá de norte a sul do Brasil cozinhando com os nativos, pescando, aprendendo, praticando esportes e conhecendo ainda mais o território tupiniquim, deixando a maré, ou melhor, as estradas o levar. 53 ■ ■vinho o vinho e a política Tenho ouvido, com frequência, a afirmação de que é preciso encontrar, tecnicamente, as soluções para o grave problema que vive o setor vitivinícola. Os excedentes de estoque, que se avolumam em milhões de litros, são sua ponta visível. O setor vitivinícola, por suas próprias forças, se habilitou a utilizar tecnologia avançada com volumosos investimentos, conquistou avanços importantes do ponto de vista da qualidade, conquistas estas ratificadas e reconhecidas nos principais concursos mundiais, com expressivo destaque na área dos espumantes. por hermes zaneti É certo que ainda há muito por fazer na, assim chamada, lição de casa, como, por exemplo, promover um grande programa de modernização/reconversão da matriz produtiva orientando o produtor no sentido de plantar as variedades de maior interesse comercial e melhor adaptadas às condições ambientais de cada localidade, melhoria nos sistemas de produção dos parreirais, providências já em andamento, e assim por diante. O objetivo aqui, no entanto, é mostrar a vinculação umbilical que existe entre a política e a vitivinicultura. Começamos por apontar o fato de que o vinho tem cidadania. É vinho Francês, Italiano, Espanhol, Argentino, Chileno, BRASILEIRO, dentre outros, todos nominados por seu país de origem. É, portanto, o vinho um importante veículo de formação de imagem do país que o produz. Uma espécie de embaixador. A compreensão 54 e consolidação da importância econômica e social, no Brasil, de forma consistente, está diretamente relacionada com a chegada dos colonos italianos à Serra Gaúcha a partir de 1875. O trabalho, a dedicação e a garra com que se dedicaram a essa cultura durante muitos anos possibilitou que chegássemos à expressão que tem hoje. A importância desse cultivo colocou-o na agenda do interesse coletivo e, portanto, da política. Quando as lideranças empresariais e políticas viabilizaram, junto ao Governo do Rio Grande do Sul, a criação do Ibravin, em 1998, e depois apoiaram seu fortalecimento, foi uma decisão política. Quando o Governo do Paraná decidiu criar condições para fortalecer a vitivinicultura no estado, foi decisão política. Assim em São Paulo, Bahia, Pernambuco e em outros estados. É no Governo Federal, porém, que estão vinculadas as decisões de maior repercussão para o setor. É nele que se fundam as grandes linhas que orientam – para o bem ou para o mal – os caminhos para a vitivinicultura. A Lei do Vinho dá as linhas gerais e é federal. A Lei do Preço Mínimo da Uva é federal. A Lei que permitiu o conhaque e o vinagre sem vinho é federal. O descongelamento do preço do vinho, em 1986, essencial para evitar a quebra do setor na época, foi uma decisão política federal. A carga tributária desproporcional comparativamente aos demais países produtores e consumidores tem forte influência federal. O contrabando (descaminho) que compromete o desempenho do setor só existe pela ausência do governo em seu controle. O ingresso legal dos vinhos importados sem as exigências que outros países civilizados impõem, promove um descontrole que prejudica a produção nacional. O que dizer do Acordo Bilateral revista chef 6 Brasil/Chile, que permitiu a troca do trabalho de 20.000 famílias de agricultores familiares (minifundiários) pelo produto de indústrias de ônibus e autopeças, se não que foi uma decisão política. E o Mercosul, que abriu as portas do Brasil aos demais países membros, especialmente à Argentina, não foi uma decisão política? Agora querem argumentos técnicos para desfazer aquilo que fizeram apenas como decisão política? Onde estão as políticas compensatórias para estabelecer o equilíbrio entre os interesses nacionais e os prejuízos causados a setores específicos da produção diretamente atingidos e prejudicados pelos acordos? Tivemos conquistas, também por decisões políticas, é verdade. A criação da Câmara Setorial que possibilita a discussão e o encaminhamento das questões específicas entre setor privado e governo foi importante. É novembro de 2012 preciso que o governo viabilize com mais eficácia e urgência suas decisões. A instituição do selo para as sangrias e bebidas alcoólicas mistas e, depois, o selo do vinho, medidas que precisam ser bem fiscalizadas na prática do dia a dia, e os leilões de vinho praticados pela Conab, com o objetivo de redução dos estoques, têm sido importantes. Poderíamos elencar uma série de outras medidas que justificam nossa afirmação de que há uma vinculação umbilical entre vinho e política. O objetivo aqui não é o de uma análise exaustiva, mas o de uma reflexão necessária e talvez suficiente para fundamentar tal assertiva. Sendo a afirmação verdadeira, e estou convencido que o é, nos resta inserir-nos mais e mais no processo político propondo, debatendo e encaminhando pleitos até obtermos as soluções que buscamos. É aí que pretendemos defen- der o quanto importante foi o “Movimento em Defesa da Uva e dos Vinhos do Brasil” e que, parece, precisa ser reeditado. A pressão foi a arma para as conquistas que obtivemos, mas ela é imprescindível para conquistarmos o que ainda falta e é muito. Se, na união, a vitória é difícil, na divisão a derrota é certa. A vitória vem da luta, a luta vem da força e a força vem da união. Hermes Zaneti é Professor e advogado, foi Deputado Federal por dois mandatos e CONSTITUINTE de 1988. Presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Viticultura, Vinhos e Derivados (2004/2010), Relator da Lei do Vinho e autor da Lei do Preço Mínimo da Uva. 55 ■ ■r a nk in g v i n h o s C ada vez mais os vinhos espumantes brasileiros se firmam como o melhor produto nacional e o mais premiado no exterior. O clima no Brasil é um convite ao frescor e à alegria desses rótulos produzidos na Serra Gaúcha, em Santa Catarina e no Vale do São Francisco em Pernambuco. Existem duas formas de fabricação do vinho espumante. O Champenoise ou Traditionelle é o processo tradicional da vinificação do Champagne e atualmente utilizado em milhares de vinícolas no mundo. A segunda fermentação do vinho acontece dentro da garrafa por um período mínimo de seis meses e inclui procedimentos trabalhosos como a remuáge e o degorgement. Já o Charmat é um processo mais barato e rápido onde a segunda fermentação acontece em tanques de inox com pressão e temperatura controladas, com o engarrafamento feito isobaricamente, podendo ser um processo de curto ou longo período. Doze especialistas em vinho da Capital Federal foram convidados pela REVISTA CHEF em parceira com a GASTRÔ COMUNICAÇÃO para avaliar doze espumantes brasileiros brancos e bruts. Foram escolhidos rótulos de algumas das mais prestigiadas vinícolas nacionais, avaliados por nomes importantes da cena enogastronômica de Brasília, entre jornalistas, sommeliers e enófilos. A degustação aconteceu no restaurante Places e foi “às cegas”. O termo significa que os jurados receberam as taças já servidas à mesa, sabendo apenas o número daquela amostra e sem informações do rótulo da garrafa, ou mesmo quais os espumantes seriam apresentados naquela noite. O procedimento gera mais veracidade e credibilidade ao resultado final da avaliação. Os vinhos, servidos em sua temperatura ideal, foram avaliados nos quesitos aspecto, olfato e gosto. As notas foram somadas e a média é o resultado de cada vinho na degustação. 56 2º Gran Legado Champenoise ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ Produtor: Gran Legado País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uva: Chardonnay (50%), Pinot Noir (50%) Método: Champenoise Álcool: 12,0% 3º Cave Pericó Branco Brut ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ Produtor: Pericó País: Brasil Região: São Joaquim Uvas: Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot Método: Charmat Álcool: 12,5% 1º Produtor Don Giovanni ♦♦ degustadores ♦♦ ♦♦ • Ana Clara ♦♦ sommeliere (Gero) ♦♦ ♦♦ • Eugênio Oliveira Produtor: Don Giovanni País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvas: Chardonnay (75%), Pinot Noir (25%) Método: Charmat Álcool: 12,20% site Decantando a Vida • Guilherme Lopes blog Um Papo sobre Vinhos • Joaldo Lima sommelier (Dom Francisco 402) • João Batista sommelier (Universal Dinner) • Juan Corbalán jornalista especializado • Liana Sabo jornalista especializada • Petrus Elesbão enófilo e realizador do evento Vinum Brasilis • Rachel Alves presidenta da Confraria Amigas do Vinhos (DF) • Rodrigo Leitão jornalista especializado • Santana sommelier (Dom Francisco ASBAC) revista chef 6 novembro de 2012 57 ■ ■r a nk in g v i n h o s 7º Cave Geisse Champenoise Produtor: Vinícola Geisse País: Brasil ♦♦ Região: Pinto Bandeira ♦♦ Uva: Pinot Noir ♦♦ Método: Champenoise ♦♦ ♦♦ 8º dal pizzol ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ 6º Casa Valduga ♦♦ 4º Salton Gerações ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ Produtor Salton País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvas: Chardonnay (50%), Pinot Noir (50%) Método: Charmat Álcool: 12,50% ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ Produtor: Dal Pizzol País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvas: Chardonnay, Pinot Noir Método: Charmat Álcool 12,5% Produtor: Casa Valduga País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvss: Chardonnay (50%), Pinot Noir (50%) Método: Charmat Álcool: 13,0% 5º Quinta Don Bonifácio Habitat Brut ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ 58 Produtor: Quinta Don Bonifácio País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvas: Chardonnay e Pinot Noir (50% - 50%) Método: Champenoise Alcool: 12,00% revista chef 6 novembro de 2012 59 ■ ■r a nk in g v i n h o s 11º L.H. Zannini – Vallontano ♦♦ ♦♦ ♦♦ 10º Ponto Nero - Domno Brasil ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ Produtor: Domno do Brasil País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvas: Chardonnay (60%), Pinot Noir (30%), Riesling (10%) Método: Charmat Álcool: 12,0% ♦♦ Produtor: Vallontano País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvss: Chardonnay (75%), Pinot Noir (25%) Método: Charmat Álcool: 10,20% 12º Millesime - Miolo Produtor: Miolo País: Brasil ♦♦ Região: Serra Gaúcha ♦♦ Uvas: Pinot Noir (50%), Chardonnay (50%) ♦♦ Álcool: 13,0% ♦♦ ♦♦ 9º Adolfo Lona - Champenoise ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ ♦♦ 60 Produtor: Adolfo Lona País: Brasil Região: Serra Gaúcha Uvas: Chardonnay, Pinot Noir Método: Champenoise Alcool: 12% revista chef 6 novembro de 2012 61 ■ ■g a str o no m i a e s u s t e n t a bi l i da d e ■ ■mercado Alimentação, desperdício e lixo Preço nas alturas A maioria das pessoas parece querer acreditar que o desperdício de alimentação e o lixo, não é um problema que compete a sua responsabilidade. Pagar a conta nunca é fácil! Cobrar também não. Parece loucura dizer isso, mas a verdade é que para chegar até o valor que está no cardápio o empresário precisou passar horas analisando seu produto, calculando perdas, custos fixos, gastos com ingredientes e impostos. Depois de uma maratona financeira, eis que se chega a um veredicto, impresso nas folhas do menu. Pelo menos esse seria o caminho mais correto e lucrativo. por izabel bacellar No dicionário define-se lixo como: (...) “o que se varre da casa, da rua e se joga fora, coisa imprestável.” Temos esta visão de que lixo é o que está fora e que, como em um passe de mágica, ao varrermos estes resíduos da nossa casa e da nossa visão, nos vemos livres dele. Ao contrário do que parece tão mágico e fácil, o lixo vai se acumulando bem perto de nós, depositando-se nas esquinas e nos aterros, poluindo a natureza e, consequentemente, voltando a nos atingir: na água que bebemos, no ar que respiramos e nos alimentos que ingerimos. Diariamente uma pessoa numa cidade de médio e grande porte joga em média de 800 gramas a 1 Kg de lixo que vai parar nos lixões a céu aberto ou nos aterros. Desta quantidade temos o lixo seco (papéis, latas, vidros e plásticos) e o lixo orgânico composto por restos de alimentos, podas de árvores e folhas. No mercado, alguns produtos vêm embalados numa bandeja de isopor, cobertos por uma película plástica aderente e ainda são transportados para casa numa sacola plástica. Muitas vezes, esses produtos têm prazo de validade de uma semana, são consumidos em 10 minutos e, as embalagens dependendo da sua composição, quando jogadas no lixo, levam até 500 anos para se decompor na natureza. 62 No Brasil, 39 000 toneladas de comida em condições de serem aproveitadas vão para o lixo todos os dias em mercados, feiras, fábricas, restaurantes, quitandas, açougues e fazendas. Este número leva em conta dados de vários setores – tais como: agricultura, indústria, varejo e serviços. Dentre este desperdício, encontramos iogurtes perto do vencimento, tomates e frutas machucadas, pães amanhecidos, carne esquecida no congelador e milhares de itens que, por algum motivo estético, acabam nas latas de lixo. A cultura do desperdício, tão difundida no Brasil, leva as pessoas a comprarem mais do que precisam. Resultado disso é que 30% dos produtos que foram plantados e que se designam à geladeira de alguém tem como destino final, o lixo. Gerando, assim, a necessidade de medidas educacionais que instruam os brasileiros a se planejarem para comprar a quantidade de alimentos que, de fato, irá consumir ou colocar no prato aquilo que realmente irá comer, criando, assim, uma cultura que otimize os recursos ao invés de desperdiçá-los. O mais importante, porém, é que um quinto de toda a comida que vai para o lixo poderia ser aproveitado facilmente. Isso significa que de todos os alimentos que vão para o lixo um quinto deles poderia alimentar uma parte da população brasileira faminta que não tem condições sociais e econômicas de acesso a alimentos. É necessário, então, investir em políticas públicas e legislação para regulamentar, primeiramente, o processo de doação destes alimentos por indústrias, mercados e restaurantes, para que estes possam doar seu excedente aproveitável, dentro de critérios e regras estabelecidas. E, em um segundo momento, deve-se investir em medidas que permitam esses indivíduos a não precisarem de doações, mas sim, que tenham condições socioeconômicas para ter acesso real e poder de escolha e compra de seus próprios alimentos. A partir dessa reflexão, fica o questionamento: as pessoas passam fome por falta de comida ou a fome existe porque, apesar de haver alimentos suficientes, eles são mal distribuídos? Izabel Bacellar, pós-doutora em Desenvolvimento Sustentável, professora adjunta da Universidade de Ciencias da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA, Autora dos livros Além do lixo e As Sobras da Modernidade revista chef 6 por juan corbalán O problema é que boa parte das empresas gastronômicas (leia-se alimentação fora-do-lar) não tem um direcionamento correto para elaboração de preços. Esse ponto chave de uma boa administração é insistentemente subestimado por dezenas de gestores. Falta foco no público que se deseja atingir, falta expertise nos cálculos e fórmulas, falta até noção de realmente quanto seu produto vale e qual valor agregado seu empreendimento tem, como serviço, decoração e conforto. Para complicar ainda mais o jogo, mesmo com todas essas funções administrativas necessárias para a formulação do custo final ao consumidor, alguns empresários utilizam apenas um fator para definir seus preços: a concorrência. Utilizar esse método é uma insanidade na gestão, leva o mercado gastronômico a um patamar quase imobiliário, recheado de preços inflacionados e até especulação. Em Brasília o raio x dos cardápios da cidade mostra que os preços estão nas alturas. A capital com maior renda per capita do Brasil não gasta seu dinheiro novembro de 2012 com alimentação. - Um mal inclusive do mercado nacional, que ainda não aprendeu a valorizar a boa gastronomia e investir nisso, mas deixo esse assunto para um próximo texto. - Faça uma lista com 10 dos melhores restaurantes da cidade e dificilmente você conseguirá gastar menos do que R$ 60 por pessoa em uma refeição, mesmo nos mais baratos. O que para muita gente pode parecer uma conta barata, acaba saindo caro quando se sabe que não se sai para comer em apenas um restaurante por mês. E é exatamente nessa frequência que os empresários deveriam focar hoje. O público do mercado gastronômico mudou. Hoje a concorrência é muito maior do que há cinco anos atrás. Isso diluiu o consumo e consequentemente reduziu o faturamento. O público brasileiro ainda busca os restaurantes com melhor custo-benefício, visando volume e preços baixos, mas sem deixar de lado a exigência por um bom serviço. O empresário do setor de gastronomia precisa imaginar seu negócio como um Boeing prestes a decolar. Os custos com essa operação são os mesmos com o avião vazio ou cheio. Portanto, vale mais à pena investir em estratégias para alcançar diversos níveis de consumo, trabalhando com faixas de alto e baixo custo, do que acreditar em um preço elevado constante, onde a parcela de consumidores é estreita e cada vez mais difícil de alcançar. Juan Corbalán é jornalista e consultor gastronômico, enófilo, cozinheiro alto didata e faz dieta desde que nasceu! 63 ■ ■d e sa b a f o A cozinha não é uma passarela Às vezes me pergunto por onde anda aquela imagem do cozinheiro de barba mal feita, meio gordinho, com um pano nas costas e com um avental de cintura molhado e sujo. Essa imagem não existe mais. Que saudades dessa figura... por luiz camargo Nada contra a introdução dos aparatos franceses como dólmã, sapatos e chapéus, pois eles foram e são importantíssimos e cada uma dessas peças tem um simbolismo que conta um pouco da história da gastronomia. Mas dólmãs coloridas, com desenhos, pimentinhas e facas estampadas na roupa? Mais parece um macacão de piloto de kart, cheio de marcas do que uniforme de cozinha...Parem com isso! Não é a cor da dólmã que dará identidade aos seus preparos. Mas pra mim, ela tem que ser branca. Atuar na cozinha, na minha visão, é atuar em um dos ambientes com os maiores desafios que se pode encontrar. São muitas as variáveis, sendo a “pior” e a “melhor” delas, os próprios comensais. O ser humano é um ser extremamente complexo e exigente, com deixas como: “Tá sem sal, não gostei, poderia ter feito assim, eu achei esse molho 64 muito forte” sempre na ponta da língua, tornando a satisfação completa do cliente um ideal a ser consquista diariamente, preparo a preparo. As faculdades brasileiras de gastronomia, que viraram modismo desde o começo de 2002, em sua maioria, oferecem cursos tecnólogos com dois anos de formação, onde, depois desse período o aluno saí formado Gastrônomo, porém, entitulando-se - erroneamente - como “chef”. Nada contra essas faculdades, porém não se forma um médico em dois anos, um jornalista não chega à emissoras importantes em dois anos, um engenheiro não constroi obras em dois anos... A lista é longa! O que quero dizer é: a gastronomia exige técnica e prática para atingir a perfeição, como em qualquer outra profissão. Em dois anos, porém, essa maturidade não é alcançada e, como é dito nos saberes populares, quem tem pressa “come cru” e é assim que esses alunos tem saídos das faculdades: bem apresentados em matéria de títulos, porém insossos em relação à técnica e experiência. Os sintomas da febre de “eu sou chef” seguem um certo padrão: O aluno se forma em dois anos em um curso tecnólogo, onde, em sua grande maioria, são cursos de pouca prática; mal sabe manusear uma faca, tem pouca experiência - salvo algumas raras excessões; Porém, se esconde atrás de um diploma e se vende como chef. Pior ainda se tiver feito um estágio nas “europas”. Quando o dito retorna, volta dizendo que passou seis meses ralando em uma cozinha, que conheceu o mundo e insere em seu currículo uma experiência equivalente a 10 anos de prática. Depois disso, algum ente endinheirado investe e monta revista chef 6 um bistrô, com reduções, sous-vide, magias moleculares e outros malabarismos culinários, e, neste momento, o ser já acha que seu nome em si vai garantir todo o sucesso do seu “mega” complexo do sabor. Quanta disparate. Afinal, a verdadeira referência de talento não pode ser reconhecida pelo sobrenome ou pelos diplomas, mas sim pela vivência diária, árdua, pesada e, ao mesmo tempo, apaixonante do ambiente da cozinha. Com direito a queimaduras, cortes, reclamação de funcionários e clientes e a uma viagem sem volta ao mundo da criatividade da mescla de técnicas e sabores. O problema é que em um universo onde todo mundo virou chef de cozinha por fazer um simples ovo frito, a verdadeira razão da cozinha - e o respeito por ela acabou se banalizando e se perdendo. Não bastasse essa revolução, agora o chef virou também professor e consultor. Chegar a essas funções é possível?! Sim... mas isso não é para todos. Ou melhor, é para todos aqueles que ralarem muito! Dons e talentos não são comprados e nem herdados de parentes. Cozinha é suor, é labor; é sofrer. Cozinha não tem ar condicionado e nem espelho para se maquiar. Cozinha tem fogo! novembro de 2012 Literalmente fogo! Assim como tem a faca que precisa ser forjada a altas oscilações de temperaturas e muitas batidas para endireita-la. Além da lista de compras diária, contato com os fornecedores, confecção de fichas técnicas, supervisão de estoque, de ações e responsabilidades dos funcionários e de preparos (e inovação constante de preparos!), comandas,finalização e soltagem dos pratos e, claro, simpatia com os clientes, etc. Essa é a vida de um cozinheiro dia a dia, até ele ser referenciado; não por ele mesmo, nem pelo seu ego, mas sim, pelo seus clientes, seus colaboradores e pela mídia como um chef de verdade. Muitos “chefs” por ai que nem sabem cozinhar e mesmo assim se chamam chefs. Fico, então, a me questionar: quais são as verdadeiras qualidades, capacidades e necessidades essenciais para ser chef na atualidade? Independente dos motivos que figuram qualquer um como chef, levanto a bandeira de que o Chef é gênio. E gênio de verdade não cria uma obra só. Chef é artista, chef é mágico, chef é psicólogo, chef é inquieto, chef é pesquisador e, principalmente, curioso e destemido. Queremos chefs de verdade. Daqueles aficionados pela brigada da cozinha, em que as facas sejam verdadeiras extensões de seus corpos. Daqueles que não precisem justificar seus sabores, nem que precisem emoldurar seus preparos em versões perfeccionistas e sem sabor. Queremos chefs de verdade. Daqueles que tem a humildade de fazer brilhar os seus preparos e não a si mesmo embaixo de holofotes. Daqueles que saibam e queiram passar conhecimento, que inspirem e que vivam de cozinha e para cozinha. Que acima de tudo, sua maior paixão seja cozinhar e ver seu comensal satisfeito com sua obra de arte. Queremos cozinheiros que entendam que ser Chef é apenas uma função dentro de uma cozinha, não so na teoria mas na prática, entendam que o menos é mais. Viva os chefs à moda antiga! Luiz Eduardo Camargo é diretor da revista Chef, profissional de marketing com especialização em gastronomia e negócios, além de consumidor de açúcar em excesso 65 ■ ■c a n r o c a La fábrica de sabores Un día en El Celler descubriendo el arte de cautivar paladares fotografías AcerbiMoretti Photography / texto Maria Rivera Vázquez M iras a tu alrededor y presencias el autocontrol, el buen hacer de las cosas. Cortan, preparan, separan, lavan: el ritual está empezando. Son las 10:00 de la mañana y la vida está presente en la majestuosa cocina de El Celler de Can Roca. Nos dicen a la entrada, “el martes es el día de trabajo interno. Para atender a los medios y abordar la labor con más concentración” ¡¡quién lo diría!! Cuando es un ir y venir de gente continuo; pero un ir y venir de gente que sonríe, que te hace sentir a gusto, y es que Jordi 66 Roca nos lo avanzaba mientras conversábamos “el vínculo se ha dilatado hasta abarcar a todo el equipo del restaurante gracias a mi madre y a mi padre; es como una gran familia”. Cortar, mezclar, modelar… todo con la precisión de un pintor que pretende con su suave y fino pincel expresar la viveza de una mirada… Así lo sentimos: algo grande se está gestando. Aquí nada se deja al antojo de la casualidad. Todo está preparado y revisado. El chef no está presente pero la pulcritud de una buena enseñanza se nota. La gestión de los ‘tempos’, del orden y del diseño están pautados. Y es que El Celler, no es un restaurante cualquiera, no vas allí únicamente para comer, vas a El Celler a disfrutar: “a vivir una experiencia gastronómica”, “la gente viene con el corazón abierto, con expectativas y con ilusión y no podemos defraudar” nos comenta Joan. En total trabajan 35 personas cocinando y 18 atendiendo en la sala. Con esta cantidad de gente colaborando, es inevitable preguntarse ¿cómo se gestiona todo esto? a lo que Joan responde abiertamente “pues es muy fácil cuando hay pasión, cariño, revista chef 6 generosidad, compromiso con la creatividad; lo que gestionamos son emociones y no dinero. Es más una gestión de recursos, de tiempo, de formación, quizá son cosas poco tangibles pero muy importantes”. De los cocineros, la mitad son becarios y la otra mitad son “de casa”. Viene gente de todo el mundo a aprender con los tres hermanos, a compartir habilidades de cocina. La suma del diálogo entre Jordi, Josep y Joan, cada uno con su disciplina, configura lo que ya todos sabemos: el segundo premio como mejor restaurante del mundo en la revista británica “Restaurant” (por segundo año consecutivo) y ‘Tres Estrellas Michelín’. novembro de 2012 Les preguntamos como sienta estar en lo más alto y percibimos que la visión es de presente pero sobre todo de futuro “no nos paramos a pensar que guapos somos - entre risas - lo llevamos con mucho agradecimiento, esto da sentido a tanto esfuerzo. Nos halaga, nos gusta, pero no nos ha cegado porque si no estaríamos perdidos” nos dice el repostero. Josep, el sumiller, piensa que el éxito se lleva desde una situación de ser consciente de la realidad que te toca vivir “debemos disfrutarlo y aprovecharlo para mostrar nuestra manera de ser, para proyectar proximidad” y acaba diciendo: “se lleva bien”. La filosofía es uniforme en las ‘tres rocas’ de El Celler; piensan en el futuro que les espera en este momento en el que ya no tienen tanto que demostrar, pero sí que crear y sorprender sin dejar nada de lado, y se ve que puertas adentro, nunca ha habido tanta creatividad como ahora. Las posibilidades son infinitas “esto es un hervidero de ideas, nos lo pasamos muy bien pensando en lo que haremos. Nunca hemos sido tan creativos como ahora, además tenemos todos los medios a nuestro favor. Por lo que cada vez lo hacemos con más libertad”. Tanto es así, que la nueva idea que está naciendo con fuerza es la fusión de vídeo-arte, con música en vivo y una selección de 67 platos. “Queremos hacer un espacio nuevo entre la cocina y la bodega; una cueva debajo de la tierra. La idea es hacer una cena con doce comensales el doce de diciembre de 2012 (12/12/12). Buscando un simbolismo místico. El número 12 como un todo. Qué sea mágico, psíquico, geométrico. Habrá música en directo y proyecciones. Queremos juntar todas las artes para llegar a un momento de máxima belleza. Envolvente”. Observamos pues, que el afán exploratorio se está desarrollando en estos tres hermanos sorprendentemente, para llevar a una embriaguez de los sentidos del que acuda a sus instalaciones. Su cocina actual y sus reconocimientos no vienen solo de la mano de los veintiséis años que llevan trabajando, sino que es el premio a un reconocido esfuerzo. El día a día entre los fogones te deja literalmente “sin vida 68 social”. Ahora, estos tres maestros de la gastronomía se unen en un equipo difícil de separar. Hermanos y amigos, pero puntualizan “sobre todo hermanos. Nos llevamos bien. Es tan natural todo, que lo raro sería no trabajar juntos. Llevamos toda la vida así y nos va muy bien. Vamos, es fantástico”. Jordi, el más joven de los tres se entusiasma al decir estas palabras, y es que la complicidad se palpa con una simple mirada mientras posan agradecidamente para un retrato, a la vez que nos enseñan su hogar, su restaurante, su vida. El establecimiento es una delicia para los sentidos: sobrio y ordenado, no hay ostentaciones. El recorrido desde la impresionante cocina separada por secciones, el comedor, el patio, y qué decir de esa bodega. Toda la visita transcurre en armonía e incluso mágicamente pero un lugar con gran poesía es la bodega. Allí Josep con devoción nos habla de sus vinos favoritos. Sus palabras evocan una conjunción de virtudes y sensaciones que desde el más iletrado en el tema hasta un erudito puede entender y disfrutar. El sumiller nos explica que “más allá del lugar de conservación quería que tuvieran un espacio para ser venerados desde mi punto de vista.” Su discurso es locuaz y a la vez profundo. En la bodega hay almacenadas unas treinta mil botellas y más de 2.500 referencias. Josep utiliza las cualidades de cinco vinos para dejarnos entrever sus gustos más personales, “es más difícil que con el trabajo de sala pueda llegar a mostrar como soy. Desde aquí quería que quien entrara en la bodega saliera sabiendo como es quien guarda los vinos en la casa”. Joan, el mayor de los tres, nos introduce en la cocina de El revista chef 6 Celler haciendo alusión a Montserrat, su madre “empecé a cocinar con mi madre, ahí se inició todo: el oficio y las ganas de seguir explorando la gastronomía con todas sus posibilidades. Mi cocina sin duda es una evolución de la de ella. Aunque lo que hacemos ahora es llevarla a otra dimensión”. La diferencia entre la cocina que ejecutaba junto a su madre y la actual, es que Joan ha abierto las puertas a la búsqueda y fusión de sabores, olores y texturas, un ‘diálogo con el mundo’. Combinando la tradición Catalana con toques personales más actuales frutos de su continua inquietud sobre las artes culinarias. Conversamos con los tres, es fácil hablar con ellos de El Celler, porque el restaurante es su manera de vivir, “casi sin darnos cuenta hemos generado unas sinergias que nos alimentan y que dan sentido a nuestro tra- novembro de 2012 bajo y a nuestra vida”. Los fogones están presentes en su día a día desde niños. Fueron criados en el restaurante Can Roca, situado a escasos doscientos metros de las nuevas instalaciones de El Celler; donde la comida casera de Montserrat, su madre, y el gusto por las cosas bien hechas, hizo que los tres hermanos, en diferentes momentos de su vida estudiasen en la Escuela de Hostelería de Girona, y que gracias a su bagaje y gustos particulares cada uno de ellos escogiese una vertiente con la que compaginar y completar al anterior. Joan fue el más interesado en la preparación de lo salado. Josep, encargado desde los cinco años de rellenar las botellas de vino, nos cuenta que es innato su gusto por probar y Jordi, que por su juventud llegó el último, tanteó las artes de la cocina, acabando casi por casualidad deleitado por la reposte- ría, siendo hoy en día un icono en su especialidad. En estos momentos están inmersos en la actualidad y en la innovación; tienen pendientes varios congresos repartidos por todo el mundo en los cuales ellos quieren darse a conocer y explicar su concepto de cocina en el más amplio sentido de la palabra. Tras la visita y las amistosas charlas nos quedamos con una opinión muy grata de los tres hermanos y de sus representantes dentro y fuera de la cocina. Son gente con los pies en la tierra y con afán de gustar y “que la gente se lo pase bien a todos los niveles. Buscamos que las cosas estén muy buenas y después, que cuenten algo”. Consiguen configurar un espacio entre lo actual y la tradición. Con un equipo entregado, motivado y de élite. Unos comensales apasionados y expectantes ante su cocina. Están, 69 de hecho, creando una apuesta nueva de turismo gastronómico, ya que el 80% de sus clientes son extranjeros gracias a la fama que han alcanzado a través de las maravillosas críticas que dentro y fuera de España han obtenido. Han llegado a donde están mediante un trabajo meticuloso. Joan apuesta por fusiones de sabores tradicionales de la cocina catalana pero con el toque especial de su creatividad. Jordi, extrapola cosas que en sus propias palabras “poco tienen que ver con la gastronomía” y los acaba convirtiendo en postre (como su famoso ‘Gol de Messi’); siendo él, esa punta del iceberg que alberga un gran trabajo creativo de fondo. Y Josep, acicala los preparados de sus dos hermanos con el mejor sabor de sus vinos. La pretensión del chef es que la 70 gente ‘sea feliz’ mientras come en El Celler. “Lo más importante es que hayamos llegado al corazón, emocionar de alguna manera, a través de la comida, de la hospitalidad, o de la visita. Y si conseguimos emocionarlos en muchos momentos, mejor”. Para él es elemental la creatividad pero no impuesta de manera forzada. La flexibilidad en los platos y en la carta es amplia. El Celler sorprende con nuevas ideas continuamente, aunque Joan nos comenta “si no se nos ocurre un plato interesante elaboramos el que hacíamos el año pasado en la misma época, que también estaba muy bien, es importante tener archivo. Además no solo contamos con la creatividad, sino con la tierra y sus frutos”. Cuando hablamos con cualquiera de los tres sobre la elección de los productos de la tierra, nos comentan que sí, que piensan en ello. Pero no quieren convertirse en “fundamentalistas”. La carta, nos explica Joan, varía en función de los productos estacionales. Cataluña y sus costumbres culinarias son la base de partida, porque es lo que ha aprendido de sus padres, para él es importante mantenerlo, pero no desea cerrarse. El chef gerundense, apuesta por cocinar con una mente abierta y con las posibilidades otorgadas por productos que llegan desde fuera de Cataluña o España si es necesario, aunque teniendo en cuenta los valores de la tierra que les vio nacer; que el diálogo con el entorno sea la base, pero no una limitación. Lo mismo nos comenta Jordi en relación a los postres: “estamos trabajando con un huerto ecológico, e intentamos emplear el mejor producto. Si es de aquí, revista chef 6 mejor, y si no lo hay aquí vamos a Japón a buscarlo. Entendemos que la evolución en la gastronomía es la fusión con otros países”. “Proximidad sí, pero con matices de permeabilidad para poder disfrutar de un mundo que no es tan grande como nos parece”, apunta el sumiller. Estos tres artistas de la gastronomía, tienen claro que la clave de la cocina de El Celler y del restaurante es el equilibrio, el triángulo equilátero que conforman y la creatividad singular que nace cuando trabajan en equipo. Josep y Joan llevan veintiséis años juntos y desde hace quince con Jordi. El proceso se ha ido sedimentando y han conseguido sin querer el ‘equilibrio perfecto’. Porque como Joan reconoce: “Jordi nos ha traído aire fresco y una nueva aportación de ideas; pero la clave es la con- novembro de 2012 junción de los tres en un mismo equipo. Cuando hacemos reuniones triangulares donde cada uno de nosotros aporta al otro su visión o su complemento a la creación”. Tan diferentes y a la vez tan iguales, los tres están aprovechando el clímax que nuestro país representa ahora en cuestiones de gastronomía y esperan que su ‘momento dulce’ se alargue en el tiempo lo máximo posible. “Estamos en el lugar soñado y en ese momento en que nos valoran: somos libres. El punto álgido en la cocina de un restaurante es fantástico y más cuando los tres hemos ido creciendo y hemos llegado a la vez al reconocimiento por separado en cada uno de nuestros oficios. Para mi es increíble tener al mejor pastelero y al mejor sumiller trabajando en mi equipo”. Tras un día allí, con la suerte de comer en el restaurante que dio origen a El Celler, el inicial Can Roca; después de verlos trabajar, desenvolverse y hablar nuestro paladar queda saciado pero con ganas de más. Cataluña, la tierra que les vio nacer, crecer y ahora triunfar se convierte con la presencia de estas tres Rocas en la panacea para los que busquen un estilo gastronómico diferente, original y sabroso. Esperemos que la intensidad con la que viven su oficio no decaiga, y que rebase los límites soñados. Nos queda claro que la preciosa ciudad de Girona esconde en sus calles una gran belleza y en sus aledaños un gran secreto. Cerramos estas líneas con un “mmmmmmm” de delicioso, que enunció Jordi Roca cuando le preguntamos cuál deseaba que fuese nuestro recuerdo de su repostería. 71 ■ ■p r ó x im a e d i ç ã o Na próxima edição a revista Chef irá até a Espanha participar de um dos maiores evento de gastronomia do mundo aonde o Brasil terá uma ótima representatividade com o Chef Alex Atala do D.O.M e o Rafael Cardoso do Atlântico em Belo Horizonte, Leonardo Paixão, do Glouton, Victor Faria do Vecchio Sogno e outros. Serão várias reportagens, entrevistas e receitas exclusivas. 72 revista chef 6 novembro de 2012 73 Viva a e d a d i e n a t n o p s E os gestos programados. Esqueça as caras sérias e vinho jovem, s. olo toc pro os e ras reg que o Vinho Verde é um os Esqueça as neidade” é a palavra. Por nta calorias, criado por enólog em spo xo “e bai de l, Ver ura ho Quando se prova Vin contraídos. Um vinho nat des . is cer ma s nas nto de as me bad mo os o para com ideias aca refrescante e leve, perfeit muitos anos combina bem e de um Vinho Verde. mostram que o saber de scor e espontaneidad fre o o tod com a, vid e produtores de vinho que a ite ove apr e ta vol sua à o mundo Deixe-se surpreender pel Não há outro assim e hit rW M Prove Vinho Verde Branco, Rosé e Tinto