UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS RECURSOS CIVIS Por: Paulo Murilo Mauricio da Fonseca Orientador Prof. Dr. Jean Alves Pereira Almeida Rio de Janeiro 2011 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS RECURSOS CIVIS Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Processual Civil. Por: Paulo Murilo Mauricio da Fonseca AGRADECIMENTOS À Suprema e Divina Sabedoria que permitiu e concedeu-me a prerrogativa de galgar mais uma faculdade, à Dra Perciliana Skinner, minha esposa e companheira, pela compreensão, e a todos os professores do curso, pela dedicação como ministravam as aulas, em particular ao mestre, Dr. Jean Alves Pereira Almeida. DEDICATÓRIA Aos Filhos, Antonietta Cláudia, Mário Netto e ao acadêmico de Direito, Sylvio Skinner, como incentivo, à neta, Beatriz Carneiro e, In memoriam dos meus pais, Mário Ribeiro da Fonseca e Cláudia Mauricio da Fonseca. RESUMO Inicialmente, como não poderia deixar de ser, foi dado uma visão sobre recurso ao dissertar sua origem, conceito e natureza jurídica, no entanto, o estudo não terá como finalidade o exame de cada recurso per se, obviamente que deles se falará quando necessário, mas o alvo são os principais princípios hodiernamente questionados no âmbito recursal, mormente pela doutrina, muitas vezes com opiniões conflitantes, forçando uma análise maior a fim de proporcionar mais satisfação. Sendo os princípios jurídicos os principais e originais alicerces de todo o sistema jurídico, influenciam e direcionam tanto o legislador, por ocasião da elaboração das leis, quanto o julgador, no momento da aplicação e da interpretação delas, nos processos sob julgamento, razão pela qual esta monografia pretende mostrar, mesmo que sucintamente, Os Princípios Fundamentais dos Recursos Civis com fulcro no atual Código de Processo Civil, buscando-se ao final um capítulo onde é feita uma abordagem ao projeto de lei nº 166/2010, que trata da reforma do Código de Processo Civil, inerente a proposição ora apresentada. METODOLOGIA O ponto de partida foram as gravações em áudio, feitas em sala de aula, sobretudo das disciplinas de Teoria Geral do Processo e Teoria Geral dos Recursos. Desse acervo foram selecionadas as matérias mais essenciais relativas ao estudo e através da análise doutrinária, desenvolvida sua temática. O papel desempenhado pela doutrina foi de fundamental importância, sem à qual este trabalho seria em vão. Foram observados os conflitos doutrinários e expostas as diversas correntes, sempre buscando trazer as teses e posicionamentos mais aceitos sobre o tema. Foram consultados, também, alguns sites pela internet, além da legislação correlata e do projeto ao novo Código de Processo Civil. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - Recurso 10 CAPÍTULO II - Os Princípios 13 CAPÍTULO III – O Projeto do CPC 39 CONCLUSÃO 56 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 57 ÍNDICE 58 FOLHA DE AVALIAÇÃO 59 8 INTRODUÇÃO Esta monografia tem por finalidade o estudo sintetizado dos princípios fundamentais do sistema recursal do nosso ordenamento jurídico. Alguns princípios estão expressamente inseridos no art. 5º da Constituição Federal e estão classificados ao nível de cláusulas pétreas, como é o caso do princípio do devido processo legal, do contraditório e o da ampla defesa. Sabemos que a bibliografia sobre recursos é bastante extensa havendo muitos trabalhos e obras, inclusive tratados sobre o assunto. Sabedor, também, das nossas limitações, motivo pelo qual o estudo não pretende esgotar o tema, mas foi uma oportunidade de oferecer um panorama, ainda que pequeno, dos problemas que foram superados até que se tivesse a hermenêutica jurídica consolidada por sobre os princípios. Atualmente não se fala no estudo de nenhum ramo do direito sem enfrentar os princípios. Isso graças aos constitucionalistas que passaram a reanalisar os princípios, que no passado era visto como mero substituto das normas, dando concretude aos valores sociais, colocando-os em uma escala valorativa acima das próprias regras. São, portanto, pilares basilares do Direito Processual, de importância peculiar com relação aos recursos. Quando abordamos qualquer tema do universo jurídico, geralmente nos deparamos com opiniões conflitantes que nos obriga a perquirir a fim de nos darmos por satisfeito, e um dos instrumentos que mais nos auxilia em nossas pesquisas são, sem sombra de dúvidas, os princípios que emanam da doutrina jurídica. “Amplo debate travou-se na doutrina até se chegar, atualmente, à concepção praticamente unânime de que os princípios possuem caráter normativo, formando, ao lado das regras jurídicas, um todo mais amplo designado como sistema jurídico. Desse modo, princípios e regras jurídicas seriam espécies do gênero norma jurídica, muito embora não possuam a mesma característica”.1. 1 SÁ, Djanira Maria Radamés. Duplo Grau de Jurisdição – conteúdo e alcance constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 102 9 Espero que seja útil àqueles que atuam na área do direito e que possa contribuir, mormente aos acadêmicos e principiantes, por se tratar de um trabalho bastante sintetizado. 10 CAPÍTULO I RECURSO 1.1 - Origem, conceito e natureza jurídica Segundo Alcides de Mendonça, a idéia de recurso deve ter surgido com o próprio homem. Alguém se sentindo prejudicada, vítima de alguma injustiça, exerceu rudimentarmente o direito de ação, visando reparar um dano, e, pelo decorrente julgamento, sentindo-se injustiçada, percebeu a consequente necessidade de recorrer. Suas origens se perdem nas épocas mais remotas da humanidade. Esta concepção mais se fortalece na consulta da Bíblia, pelos textos que indicam a existência de situações ou de meios que equivalem a verdadeiros recursos, em que pese às metáforas ou ao simbolismo das narrativas. “Noutras fases da milenária história dos hebreus, aparecem novas instituições reveladoras do acolhimento do recurso em seu seio. Ao tempo dos Macabeus, constituiu-se um tribunal supremo, que não era o primitivo Conselho dos Anciãos, Tinha o nome de Sanhedrin ou Sinedrin do grego Synedron, que significa um grupo de pessoas sentadas. Compunhase de 71 juízes, inclusive o presidente. A esse tribunal competia conhecer das apelações e de todas as causas mais graves.” (Lima, Alcides de Mendonça – Introdução aos recursos cíveis, 2ª ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1976 – p. 2 e 3) Como vimos, é da própria natureza humana o desejo de corrigir ou manifestar-se contra a decisão ilegal ou injusta. Conforme o Professor Vicente Greco Filho, foi a partir do Direito Romano que surgiram as primeiras manifestações contra tais decisões. Inicialmente surgiram as querella nullitatis, ação que servia para declarar a nulidade de uma decisão. 11 O recurso, propriamente dito, nasceu um pouco depois da existência do processo civil. O primeiro sistema processual existente em Roma foi o da justiça privada, cabiam as partes o encargo de fazer justiça, valendo-se de suas próprias forças. Durante dois períodos da história do Direito Romano vigorou o sistema da justiça privada, período das ações da lei, legis actiones e período formulário, per formulam. Com o advento do terceiro período, conhecido como cognitio extraordinária, o qual tinha como características principais a função jurisdicional administrada pelo estado, o desaparecimento dos árbitros privados, o procedimento passa a ter forma escrita contendo o pedido do autor, a defesa do réu, a instrução, a sentença e sua execução, admitindo, outrossim, o recurso. Foi neste período que surgiu o monopólio da jurisdição. O estado passou a impor o direito, avocou para si toda responsabilidade. O Imperador passou a colocar em cada província romana um pretor (magistrado), que na fase final das arbitragens obrigatórias já existia, todavia não tinha o poder judicante, sua função consistia apenas em indicar os árbitros que podiam ser objetos de escolha. Foram, na fase da cognitio extraordinária, que surgiram as primeiras crises de legitimidade das decisões judiciais advindas das suspeições, dúvidas quanto à imparcialidade, credibilidade e autonomia dos magistrados que com as quais deveriam atuar. Houve então um anseio da sociedade no sentido para que se criasse um instrumento que tornasse exeqüível a revisão dos julgados, ou seja, uma segunda opinião. É neste momento que nasce a figura do recurso, vocábulo que provém do latim recursus, cujo sentido da palavra significa, percorrer o caminho de volta, ou seja, percorrer um caminho já percorrido, revelando a exata idéia deste instituto: rever as peças dos autos para averiguação da existência de algum defeito na decisão causadora do inconformismo do recorrente. Atualmente conceitua-se o recurso como sendo: “meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar ao recorrente resultado 12 mais vantajoso, decorrente da reforma, da invalidação, do esclarecimento ou da integração da decisão” (Cf. Ada Pellegrini Crinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes. Recursos no Processo Penal. 3ª Ed.., 2001, p. 452). Tem como características essenciais: ato voluntário de parte que tem por objeto atacar ato do juiz, que busca uma situação mais favorável dentro da mesma relação jurídica processual. Inicialmente defendia-se a tese que a natureza jurídica do recurso era de ação, que na verdade ao se ter uma sentença ou uma decisão, nasceria uma nova pretensão que seria a pretensão recursal e esta pretensão seria exercida através da interposição do recurso. Esta tese, obviamente, foi superada considerando-se que a interposição de recurso não conduz à instauração de novo processo, mas ocasiona apenas o prosseguimento do mesmo processo iniciado com a propositura da ação pelo autor. Portanto, o recurso tem a natureza jurídica, em seus dois ângulos: direito subjetivo processual em abstrato (porque o CPC prevê quais são os recursos cabíveis em determinadas circunstâncias) e o direito subjetivo processual em concreto, (com o nascimento da decisão judicial contrária aos interesses). O nosso Código de Processo Civil enumera os recursos cabíveis no seu art. 496 (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário), aos quais se somam aos outros agravos (ou agravos internos) mencionados nos arts. 532, 545 e 557, § 1º, além de outros citados na Constituição Federal e em leis extravagantes. 13 CAPÍTULO II OS PRINCÍPIOS 2.1 - Conceito e generalidades De Plácido e Silva nos ensina que os princípios são o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica. Atualmente não se fala no estudo de nenhum ramo do direito sem que não tenha que abordar os princípios. Isso graças aos constitucionalistas que a partir de Thomas Jefferson passou a reavaliá-los. Os princípios sempre foram relegados a um segundo plano, era a última forma de integração da norma, ou seja, só se falava em princípios quando não existia norma, analogia e nem costume. Até hoje guardamos resquício desta assertiva na nossa lei de introdução ao Código Civil em seu art. 4º e no CPC art. 126, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Todo estudo do direito tradicional, não só no Brasil, sempre foi baseado no império da lei, pois o sistema era calcado nas regras. Esta é a regra que nós absorvemos ao longo dos anos de graduação. Os constitucionalistas inverteram este estudo, alegando que na verdade existe uma escala normativa na qual em seu topo residem os valores e na sua base as regras. Toda sociedade possuem seus valores que ela cultua. Inúmeros são os valores como o valor da segurança, igualdade e justiça. Na base da escala normativa temos as regras, de alta concretude, uma vez que a regra é qualquer dispositivo legal que identifica o titular do direito, o devedor da prestação jurídica, o comando normativo e a sanção. A norma determina: “fase postulatória é a fase onde deve haver a produção da prova documental, salvo se for um documento referente à fase superveniente”. A regra é clara, não resta dúvida de interpretação, isso porque ela tem alta concretude, mas tem uma carga semântica baixa que não significa nada para a sociedade. 14 Neste meio caminho existe um vácuo que seria ocupado pelos princípios, então os princípios não seriam mero entendimento de cunho moral, eles têm força normativa, eles são enunciados normativos que tão concretude aos valores, então quando falamos em justiça, damos concretude à justiça através do princípio do devido processo legal, quando nos deparamos com a igualdade, damos concretude através do princípio da isonomia, do contraditório. Incorporamos estes valores dando esta concretude e, obviamente, a regra dá mais concretude ao princípio. Esta seria a escala normativa. Dentro desta ótica, a violação de um princípio é muito mais grave para o sistema que a violação de uma regra, porquanto a transgressão de uma regra atinge apenas dois indivíduos, o titular do direito e o devedor da prestação jurídica, enquanto que a transgressão de um princípio atinge todo o sistema normativo, porque no momento em que um princípio é violado, todo o sistema normativo está em risco, portanto o estudo dos princípios é fundamental em qualquer ramo do direito e no Direito Processual Civil não poderia ser diferente. Não é à toa que o STF julga, em sua grande maioria de sua jurisprudência, com base em violação de princípios e não em violação de mérito. 2.2 - Princípio do Duplo Grau de Jurisdição O duplo grau de jurisdição surgiu nos ordenamentos jurídicos primitivos, permanecendo até hoje não só no Brasil, mas na grande maioria dos outros países. Para Moacyr Amaral Santos, “o princípio do duplo grau de jurisdição, consagrado pela Revolução Francesa, consiste em admitir-se, como regra, o conhecimento e decisão das causas por dois órgãos jurisdicionais sucessivamente, o segundo de grau hierárquico superior ao primeiro”.2 É um princípio que possibilita o direito à revisão de uma decisão, que quase sempre é feita a pedido da parte vencida ou insatisfeita. Portanto, é através dele que a parte não concorda com a decisão proferida em primeiro grau, poderá interpor 2 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. V. III, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 83-84. 15 recurso com o objetivo de que aquele processo tenha um novo julgamento, que a segunda decisão lhe seja mais benéfica. Luiz Guilherme Marinoni menciona: “duplo grau de jurisdição quer dizer, em princípio, que o juízo sobre o mérito deve ser realizado por dois órgãos do Poder Judiciário.” 3 Para que exista o duplo grau de jurisdição em um sistema processual, é necessário que seja dada oportunidade à parte sucumbente de impugnar aquela decisão, no intuito de obter outra que lhe seja mais favorável. Nelson Nery Junior enuncia o significado da expressão duplo grau de jurisdição: “Consiste em estabelecer a possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição, normalmente de hierarquia superior à daquele que a proferiu, o que se faz de ordinário pela interposição de recurso. Não é necessário que o segundo julgamento seja conferido a órgão diverso ou de categoria hierárquica superior à daqueles que realizou o primeiro exame”. (Nery Junior, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos. 5 ed. São Paulo: RT, 2000. p. 43) Dessa maneira, o duplo grau de jurisdição possibilita que determinados órgãos tenham competência de reexaminar as demandas e rever as decisões de outros julgadores. Três fatores contribuíram para a sua permanência no sistema jurídico, quais sejam: a fabilidade do juiz, o inconformismo da parte vencida e a constante preocupação em se evitar a existência do despotismo por parte dos membros do magistrado. 3 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 141-142. 16 O duplo grau de jurisdição não tem explícita previsão constitucional, já que a Constituição Federal é omissa no particular. Diante desta omissão é possível afirmar que o princípio do duplo grau de jurisdição não é constitucional, razão pela qual são legítimas as restrições existentes na legislação processual, como por exemplo, a exceção prevista no artigo 34 da Lei n. 6.830, de 1980, referente ao recurso de embargos infringentes de alçada da competência de juiz de primeiro grau. Entretanto, alguns juristas como Paulo Roberto Passos e Djanira Maria Radamés de Sá são peremptórios ao afirmar que o princípio do duplo grau de jurisdição deve ser considerado uma garantia constitucional. 4 Há autores, a exemplo dos já citados, que entendem ser o duplo grau de jurisdição consequência da garantia da cláusula do devido processo legal, da ampla defesa, do direito de ação ou do princípio da isonomia, sendo diversos os argumentos utilizados para tal assertiva. Nelson Nery Junior aponta o entendimento de que o duplo grau de jurisdição estaria implícito no sistema e menciona: “Isto nos faz concluir que, muito embora o princípio do duplo grau de jurisdição não esteja previsto na CF, não tem incidência ilimitada, como ocorria no sistema da Constituição Imperial. De todo modo está garantido pela lei maior. Quer dizer, a lei ordinária não poderá suprimir recursos pura e simplesmfente”. (Nery Junior, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos. 5 ed. São Paulo: RT, 2000. p. 41) Observemos que dentre os doutrinadores acima citados, Nelson Nery Junior possui um entendimento mais adequado ao presente estudo, pois apesar de mencionar o termo garantia quando trata do duplo grau de jurisdição, deixa claro que o princípio não possui incidência ilimitada. Não obstante os ensinamentos mencionados, o princípio do duplo grau de jurisdição não é uma garantia constitucional, o legislador fez a opção de afastar essa 4 TICIANELLI, Maria Fernanda Rossi. Princípio do Duplo Grau de Jurisdição. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 150. 17 natureza daquele princípio no momento em que decidiu não fazer menção expressa a ele na Constituição Federal republicana. A única Constituição a fazer referência resolutiva desse princípio, de uma maneira expressa, clara e precisa, foi a Constituição de 1824. A constituição do Império dispôs expressamente sobre o princípio do duplo grau de jurisdição em seu art. 158, ao afirmar que haveria na Província do Império, as Relações, para julgar as causas em segunda e última instância. É evidente, que se a intenção do legislador fosse à de que o princípio tivesse aplicação ilimitada, tê-lo-ia enunciado expressamente entre as garantias constitucionais relacionadas ao Processo Civil, o que resulta na possibilidade de o legislador infraconstitucional determinar que algumas decisões sejam irrecorríveis. É bom que fique bem claro que o princípio da recursividade é mais abrangente que o princípio do duplo grau de jurisdição, o primeiro abrange de uma forma geral todo o direito de recorrer de decisões em todas as fases do processo, enquanto que o segundo, como o próprio nome já diz, abrange matérias levadas a um grau superior de jurisdição. “No Brasil vigora o princípio da ampla recorribilidade que permite ao cidadão recorrer a outras instâncias para que o processo seja revisto. O sistema processual brasileiro permite que a parte vencida tenha o direito de que sua ação seja revisada por outros julgadores de instâncias superiores, garantindo um julgamento justo e imparcial, basta ser acionada e a pessoa apresentar por meio de recursividade suas razões. A necessidade faz parte de um Estado democrático, pois a jurisdição está aberta a discutir os interesses dos cidadãos.” 5 A Constituição quando organiza o poder judiciário, distribui a jurisdição em órgãos jurisdicionais dentro de o próprio poder judiciário em Juízos, Tribunais e Tribunais Superiores, distribuindo, assim, o poder de julgar. Tanto a Constituição da República como a do Estado, determinam quais são 5 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre ed. Livraria do Advogado, 1999. 18 as competências e atribuições dos Tribunais, indicando claramente que os mesmos possuem competência recursal, tanto para conhecer, sejam de recursos ordinários ou extraordinários. Destarte, a Constituição, levando em consideração o sistema processual como um todo, admite o princípio do duplo grau de jurisdição, que não é uma garantia absoluta, todavia, é um princípio que pode vir a ser excepcionado, a própria lei processual pode determinar as causas de competência originária do Tribunal onde não há duplo grau de jurisdição. Tanto é que no fórum de prerrogativa de função, em regra, a competência é originária do Tribunal. E quando isso acontece não há o duplo grau de jurisdição, ou seja, daquela decisão não cabe recurso ordinário. Só existem os recursos excepcionais, caso haja uma ilegalidade ou inconstitucionalidade. Já no duplo grau de jurisdição, existe sim a previsão regra de possibilidade de se provocar a revisão de julgados, através de recursos que viabilize a revisão de julgados por outro órgão hierarquicamente superior àquele, como é o caso da apelação, agravo, embargos infringentes e recurso ordinário constitucional. É a materialização do princípio do duplo grau de jurisdição, que é regra, mas que comporta exceções, que são as causas de competência originária do Tribunal onde não há o duplo grau de jurisdição. Portanto, não se pode confundir recursividade, que ampara qualquer pedido de revisão de julgados, como no pedido de reconsideração, como o duplo grau de jurisdição, onde este pedido, necessariamente, sempre vai ser julgado por outro órgão diferente, em regra, hierarquicamente superior àquele que proferiu o primeiro julgamento. Para que exista o duplo grau de jurisdição, é necessário que a impugnação da decisão seja realizada no mesmo processo, como continuação do procedimento. As duas decisões devem ser válidas, e não poderá haver nenhum vício capaz de provocar nulidades. 19 Se o juízo ad quem constatar a presença de algum erro que possa torná-la inválida, duas situações poderão ocorrer: tratando-se de error inprocedendo, a decisão deverá ser anulada e novamente será apreciada pelo juízo a quo, pois o vício não pode ser sanado. Entretanto, quando houver error in iudicando, o juízo ad quem poderá julgar o recurso, deixando de ser necessário remetê-lo ao juízo de origem. Importante ainda esclarecer que, quando o juízo ad quo profere uma determinada decisão rejeitando a produção de provas e o julgador recursal entender que elas são indispensáveis para a solução do conflito, será necessário devolver o processo ao juízo de origem para que as provas sejam produzidas e seja proferida uma nova decisão, sob pena de ofender o duplo grau de jurisdição. A constituição, em nenhum de seus dispositivos, impõe a necessidade de observância absoluta do princípio do duplo grau de jurisdição, seno este um dogma defendido por muitos doutrinadores que tratam desse princípio como garantia e afastam a possibilidade de supressão de um grau de jurisdição. Cândido Rangel Dinamarco defende a necessidade de manutenção do princípio de duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico, porém estabelece que não se trata de garantia, mas, de um princípio, uma vez que a própria Constituição estabelece situações em que a atividade jurisdicional será exercida em apenas um grau. 2.3 - Princípio da Taxatividade O princípio da taxatividade é a explícita proibição à criação de novos recursos, modificação, extinção pelas partes, pelos magistrados, ou através de leis municipais, estaduais e regimento interno de tribunal. Sendo assim, possibilitar a reforma de uma decisão pelo próprio órgão julgador quando não houver previsão expressa em lei é criar um recurso não previsto no ordenamento jurídico. 20 De modo que os inconformados só podem utilizar os recursos previstos na legislação federal, sendo vedado o uso de recursos e expedientes inexistentes no direito positivo brasileiro vigente. Consideram-se tão somente os recursos previstos no ordenamento jurídico, e criados em consonância com o procedimento legislativo estabelecido, podem ser utilizados com o fim de se reformar as decisões judiciais. Nestes termos, a Constituição Federal em seu artigo 22, inciso I é clara quanto trata da competência exclusiva da União em legislar em matéria processual. Assim, o artigo 496 do Código de Processo Civil indica e relaciona os recursos existentes no sistema recursal codificado: a) apelação; b) agravos; c) embargos infringentes; d) embargos de declaração; e) recurso ordinário; f) recurso especial; g) recurso extraordinário; e h) embargos de divergência. Tal dispositivo revela a adoção do princípio da taxatividade, uma vez que relaciona as espécies recursais que compõem o sistema recursal codificado. “É importante a análise do texto do art. 496, das expressões lá empregadas, apenas para extrair-se do sistema o adotado princípio da taxatividade. Isto não quer dizer, contudo, que não haja outros recursos no direito processual civil brasileiro, além dos enumerados no referido art. 496. Conforme já dissemos, taxatividade dos recursos significa a designação, criando ou regulamentando recursos, pela lei federal”. 6 Além dos recursos existentes as partes utilizam outros diversos remédios jurídicos visando impugnar as decisões judiciais. O conjunto desses meios impugnativos heterodoxos foi cognominado de sucedâneos recursais, na vigência do CPC de 1939, propalando-se nos estudos doutrinários. “Inicialmente, inseriu-se na categoria a correição parcial e o mandado de segurança, hoje, a lista já se ampliou, incluindo os seguintes sucedâneos: a correição parcial, a remessa obrigatória, o pedido de reconsideração, o habeas corpus, o mandado de segurança, os embargos de terceiro, a argüição de relevância 6 , LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo Grau de Jurisdição no Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1995. p. 26. 21 a ação rescisória e a cautelar inominada, mas ficam alheios ao extenso campo alguns writs constitucionais, a exemplo do habeas data, (art. 5.º, LXXII, da CF/1988) e do mandado de injunção (art. 5.º, LXXI, da CF/1988), porque não se prestam a impugnar diretamente as resoluções judiciais (v.g., quanto ao habeas data, art. 7.º, I a III, da Lei 9.507/1997), e de certos incidentes na tramitação dos recursos (v.g., a uniformização de jurisprudência)”.7 2.4 - Princípio da Singularidade Em nosso Direito Processual vigora o princípio da singularidade dos recursos, também conhecido como princípio da unirrecorribilidade, ou de princípio da unicidade, pelo qual, para cada ato judicial recorrível há apenas um único recurso previsto na legislação como adequado à impugnação do decisum, não sendo permitida, portanto, a interposição simultânea ou cumulativa de mais outro visando à impugnação do mesmo ato judicial. O código de Processo Civil de 1939 tratava expressamente da unicidade recursal na segunda parte do artigo 809: “A parte poderá variar de recurso dentro do prazo legal, não podendo, todavia, usar, ao mesmo tempo, de mais de um recurso”. Muito embora implicitamente, o Código Processual vigente também prestigia a singularidade recursal, pois fixa um recurso para cada tipo de decisão. De acordo com a legislação atual, a decisão interlocutória poderá ser atacada por meio de agravo, o qual terá processamento retido ou por instrumento, conforme a escolha do agravante e, em alguns casos, segundo a exigência legal. Já a decisão monocrática proferida por magistrado de tribunal judiciário é passível de ataque por meio de agravo interno, conforme se deduz do disposto nos artigos 120, parágrafo único, 532, 545, e 557 § 1º, todos do Código de Processo Civil vigente, bem como no artigo 39 da Lei n. 8.038, de 1990. Tratando-se de decisão de inadmissão dos recursos extraordinário ou especial, é cabível o agravo de instrumento previsto no artigo 544 do Código. 7 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. I, p. 239-240. 22 Para impugnar sentença, sendo o pronunciamento de autoria de juiz de juízo a quo que põe termo ao processo, o recurso apropriado é apelação conforme determina o artigo 513 do Código de Processo Civil. Todavia, em algumas hipóteses excepcionais expressamente previstas na legislação, a sentença deve ser impugnada através de outros recursos. Como por exemplo, a sentença proferida nas causas internacionais, passível de ataque por meio de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 105, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal de 1988. Já a sentença lançada em ação processada perante os Juizados Especiais Cíveis pode ser impugnada por meio do recurso inominado previsto no artigo 41 da Lei n. 9.099 e do artigo 5º da Lei n. 10.259. A sentença de que trata o artigo 34 da Lei n. 6.830 está sujeita a ataque via embargos infringentes de alçada. Porém as exceções ao binômio, sentença-apelação, não configuram ofensa ao princípio da unicidade. É que em cada uma das hipóteses estudadas cabe uma determinada espécie recursal contra a sentença. 2.5 - Princípio da Fungibilidade O princípio da fungibilidade, de importância fundamental no contexto da teoria dos recursos é, hoje, um dos mais discutidos na doutrina jurídica. O código de Processo Civil de 1939 consagrou o instituto da fungibilidade recursal no artigo 810, cujo teor era o seguinte: “Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento”. A fungibilidade recursal consiste, portanto, na admissibilidade da troca de um recurso por outro, desde que o recorrente, diante da existência de dúvida objetiva acerca do recurso cabível, não tenha cometido erro grosseiro ao impugnar o pronunciamento jurisdicional causador do inconformismo. Quanto à má-fé, pode ficar caracterizada se a parte utilizar do processo para: a) discutir fato incontroverso, como por exemplo, opor embargos à execução 23 questionando termo de acordo realizado ou reconhecimento do pedido feito anteriormente para furtar-se ao cumprimento da obrigação; b) deixar de cumprir ordem judicial sem apresentar prova de justa causa com o fim de prolongar o andamento do processo, como não devolver autos em carga, deixar de depositar honorários periciais com os quais concordou após requerer a produção da prova; c) interpor recursos desnecessários com o fim de prolongar o andamento do processo; d) se houver intuito manifestamente protelatório na interposição de recursos. Quanto a este último inciso do artigo 17 do Código de Processo Civil, há divergência quanto ao significado objetivo do que seja “manifestamente protelatório”, o que enseja inclusive estudo individualizado. Pontes de Miranda considerava como indicadores da presença da má-fé para fins de não aplicação do princípio da fungibilidade: a) usar do recurso impróprio de maior prazo, por haver perdido o prazo do recurso cabível; b) valer-se de recurso de maior devolutividade para escapar à coisa julgada formal; c) protelar o processo lançando mão do recurso mais demorado; d) provocar divergência na jurisprudência para assegurar-se, depois, outro recurso. O Código de Processo Civil vigente não contém dispositivo específico em prol do instituto. Não obstante, prevalece na doutrina e na jurisprudência o correto entendimento de que a fungibilidade subsiste no atual sistema recursal cível em virtude da compatibilidade do instituto com o disposto nos artigos 154, 244 e 250 do atual Código de Processo Civil. Sua permanência no sistema recursal é corroborada pelo artigo 579 do Código de Processo Penal, preceito também aplicável ao sistema recursal cível à luz do artigo 4º do Decreto-lei n. 4.657 e do artigo 126 do Código de Processo Civil. Ausente o erro grosseiro, tanto o juiz a quo quanto o tribunal ad quem devem aplicar, de ofício, o princípio da fungibilidade recursal recebendo o recurso inadequado como se fosse o cabível. Destarte, para a aplicação do princípio da fungibilidade é fundamental observar se o recorrente teria razões para duvidar qual seria o recurso adequado. Tal análise não se baseará em critérios subjetivos, mas em precedentes judiciais ou doutrinários. 24 Também é aceitável o erro na interposição quando o próprio julgador confere ao respectivo pronunciamento título incompatível com o conteúdo da manifestação jurisdicional, razão pela qual gera dúvida razoável sobre a via recursal a ser utilizada. É o caso, por exemplo, quando o juiz dar a designação de ”sentença”, quando deveria prolatar uma decisão interlocutória. O eventual erro na interposição do recurso deve ser sanado mediante a fungibilidade recursal. É importante esclarecer que o princípio da fungibilidade não poderá ser aplicado quando a parte interpõe recurso em manifesto desacordo com a lei que determinava de maneira expressa qual o recurso cabível, por exemplo, quando se interpõe recurso extraordinário para o STJ, ao invés do especial. Essa conduta é considerada erro grosseiro. Outro pressuposto de aplicação da fungibilidade recursal é a observância do prazo, ou seja, da tempestividade do recurso. Toda vez que o recurso erroneamente interposto apresentar um prazo maior do que aquele que seria o adequado, a maioria da doutrina e jurisprudência entende que não se deve receber o recurso, tendo em vista o fenômeno da preclusão. Entretanto, alguns processualistas de renome, como Tereza Arruda Alvim e Nelson Nery Júnior, defendem a tese de que a intempestividade não pode ser motivo para a rejeição da incidência do princípio da fungibilidade, pois se o erro é justificável, a fungibilidade valida à impugnação segundo os requisitos do recurso interposto. Também não se pode exigir do recorrente que se valha de prazo menor do recurso que não foi ajuizado, em se havendo dúvida objetiva, a parte, por uma questão lógica, irá observar o prazo do recurso efetivamente interposto. “A regra da fungibilidade é ditada no interesse da parte”. 8 Portanto, deve-se utilizar a fungibilidade recursal toda vez que, ao promover o recurso inadequado, a parte demonstre a existência de dúvida fundada na doutrina ou jurisprudência quanto ao recurso correto. 8 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 142. 25 Por se tratar de um princípio implícito em nosso ordenamento, mesmo sem disciplinamento normativo, não deixa de ter uma importância fundamental na medida em que proporciona o conhecimento de mais de uma espécie de recurso contra única decisão judicial. Também, é de grande importância identificar a origem do citado princípio, pelo que restou demonstrado que a fungibilidade recursal é princípio decorrente de postulado maior, que é o princípio da instrumentalidade das formas e dos atos processuais, estabelecido expressamente no artigo 250 do Código de Processo Civil. Não basta reconhecer a existência da fungibilidade, é de bom alvitre verificar em quais situações ela pode ser aplicada. Por isso, a doutrina e jurisprudência arrolaram três requisitos de incidência: 1) dúvida objetiva sobre qual recurso deve ser ajuizado; 2) inexistência de erro grosseiro; 3) tempestividade. Quanto ao último pressuposto, alguns juristas de renome divergem sobre a sua real necessidade, em virtude da irrelevância do prazo com a substituição plena de um recurso por outro que a fungibilidade impõe. Apesar da ausência de sua prescrição por lei, o princípio da fungibilidade recursal é reconhecido e prestigiado pela doutrina e pela jurisprudência maciça dos tribunais. 2.6 - Princípio da Dialeticidade O princípio da dialeticidade está consubstanciado na exigência de que o recorrente apresente os fundamentos pelos quais está insatisfeito com a decisão recorrida, o porquê do pedido de prolação de outra decisão. O oferecimento das razões recursais é imprescindível para que o órgão julgador possa apurar a matéria que foi transferida ao seu conhecimento por força do efeito devolutivo, sendo, portanto, essencial para se formar o contraditório e o quantum apellatum. 26 “O procedimento recursal é semelhante ao inaugural de ação civil. A petição de interposição de recurso é assemelhável à petição inicial, devendo, pois, conter os fundamentos de fato e de direito que embasariam o inconformismo do recorrente, e, finalmente, o pedido de nova decisão. Tanto é assim, que já se afirmou ser causa de inépcia a interposição de recurso sem motivação.” 9 Como bem esclarece a Professora de Direito Processual Civil, Maria Fernanda Rossi Ticianelli, ao se referir aos princípios gerais, declara que “com a aplicação e a consagração dos princípios gerais pela jurisprudência, esses princípios, bem como as soluções apresentadas para determinadas situações jurídicas, tornam-se sustentação para novas construções jurídicas, o que resulta na constante evolução do sistema jurídico.” “DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CIVIL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊSNCIA. DIALETICIDADE. MÉRITO. AUSÊNCIA DE PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO DO RECURSO. FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO DO INCONFORMISMO. INEXISTÊNCIA. MERAS REPETIÇÕES DAS ALEGAÇÕES JÁ DEDUZIDAS EM PRIMEIRO GRAU, SEM CRÍTICAS QUANTO AS ENFRENTAMENTO RAZÕES DE OU DECIDIR. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 514, INCISO II, DO CPC. RECURSO COM PROCRASTINATÓRIO. EVIDENTE LITIGÂNACIA INTUITO DE MA-FÉ CARACTERIZADA. APELO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. 9 I. NÃO SE NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 149. . 27 CONSTITUI EM RAZÃO RECURSAL A MERA REPETIÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPENDIDOS EM INICIAL DO PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE EM PRIMEIRO GRAU NA FASE DE APELO, POIS NÃO FORAM INDICADOS OS FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO DO INCONFORMISMO DO RECORRENTE CONTRA A SENTENÇA PROFERIDA. II. Consoante advertiu o eminente ministro Marco Aurélio de Mello, a propósito da necessidade que coíba o estado-juiz a prática reiterada dos recursos simplesmente procrastinatórios e abusivos: “impõe tomada de posição a respeito, afastandose o mal maior que é a apatia no ofício judicante; impõe-se a atuação rigorosa em tais casos, acionando-se os artigos 14, 16, 17 e 18 do CPC, no que, em linha adotada pela legislação comparada, rechaçam a litigância de má-fé.” (artigo sob o título “o judiciário e a litigância de má-fé,” publicado na folha de São Paulo, 20.11.2000, p. A-3). (TJPR; Rec. 218846-5; Ac. 3001; Cascavel; Décima Quinta Câmara Civil; Rel. Dês. Abraham Lincoln Calixto; Julg. 02.12.2005). Nelson Nery Junior é taxativo ao afirmar que a discursividade é inerente a todos os recursos previstos pelo ordenamento brasileiro. Entretanto, salienta que existe uma controvérsia a respeito da necessidade ou não do agravo retido ser acompanhado de razões. Acredita que a necessidade realmente existe, pois se trata de uma forma de interposição do recurso de agravo, na qual a lei exige a fundamentação e o pedido de nova decisão, no momento da interposição, (art. 524 e 525, CPC). 28 No que diz respeito ao agravo retido interposto oralmente, há previsão taxativa em lei determinando que sejam deduzidas razões imediatamente, no exato momento da interposição do recurso, mesmo que as razões sejam breves (art. 523 § 3.º, CPC). Não basta a simples interposição sem a fundamentação. É necessário observar o que determina os artigos supra mencionados para que o agravo retido seja conhecido. 2.7 - Princípio da Voluntariedade O princípio da voluntariedade consiste na exigência de que não haja dúvida acerca da vontade do recorrente em impugnar o decisum recorrido, sobre a insatisfação do vencido em relação à decisão atacada. Para que possa um recurso ser apreciado, é imprescindível a presença de dois elementos de suma importância: a declaração expressa de insatisfação com a decisão impugnada e a exposição das razões que levam o recorrente a se inconformar com a decisão atacada. Não basta, portanto, afirmar o incontentamento é necessário dar as razões do inconformismo. Nisso consiste o princípio da voluntariedade que está estritamente ligado ao princípio dispositivo, também conhecido como princípio da inércia da jurisdição, o princípio dispositivo preconiza que o juiz não pode conhecer de matéria a cujo respeito a lei exija a iniciativa da parte. Destarte, o juiz não pode, de ofício, interpor recurso pela parte, mesmo que se trate de uma pessoa incapaz ou hipossuficiente. A vontade de recorrer deve ser indubitavelmente manifestada pela parte que tem interesse na reforma ou invalidação do ato judicial impugnável. O recurso interposto sem o conhecimento e vontade da parte recorrente não pode ser conhecido. O princípio da voluntariedade não consiste apenas em demonstrar interesse em recorrer. A parte, através de suas razões, terá que delimitar o seu recurso. Se existe um pedido julgado totalmente improcedente, é necessário haver delimitação da parte daquela decisão qe se deseja impugnar. O artigo 501 do CPC contém a aplicação do princípio da voluntariedade, ao falar que a parte pode, a qualquer tempo, desistir do recurso. 29 Para Nelson Nery Junior, a “manifestação do princípio da voluntariedade é, por exemplo, o não conhecimento do recurso, quando houver fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, tal como a renúncia ou desistência do recurso, ou ainda aquiescência à decisão que se pretenda ver modificada ou invalidada: faltaria a vontade inequívoca de recorrer”. Por tal razão, quando há desistência do recurso, renúncia ao direito de recorrer ou aceitação do julgado, o recurso nem sequer ultrapassa a barreira da admissibilidade. É que o direito de recorrer está inserido no direito de ação. Assim, a vedação prevista no artigo 2º do Código de Processo Civil também é válida para o recurso. Por essa razão, não se pode atribuir à remessa obrigatória o caráter de recurso, pois o juiz não manifesta “vontade em recorrer”. Ao mandar a subida dos autos à superior instância para o reexame necessário não há ato volitivo, mas obrigatoriedade (remessa obrigatória), condição de eficácia da sentença. 2.8 - Princípio da Complementaridade O princípio da complementaridade, que decorre dos princípios da ampla defesa e do contraditório, permite excepcionalmente, que o recurso seja alterado ou acrescido. A regra do sistema processual é pela não complementaridade do recurso já interposto. Ainda assim, há situações que a decisão recorrida é modificada ou completada, em razão do julgamento de embargos declaratórios, situações estas de sucumbência recíproca, em que uma parte apela e a outra embarga. A interposição do recurso deve estar acompanhada de suas razões. Não se admite a apresentação, em separado, de cada um. A interposição é o ato em que se noticia o inconformismo, geralmente é encaminhada ao juízo responsável pela decisão judicial. As razões são os fundamentos de fato e de direito do inconformismo interposição). (dirigidas ao órgão julgados, mas apresentadas junto da 30 Sabemos que no processo penal, há recursos em que as razões recursais podem ser apresentadas em momento posterior à interposição, como no caso do prazo para interpor recurso de apelação criminal que é de 5 dias, ao passo que as razões, poderão ser apresentadas em 8 dias da data da interposição do recurso (arts. 593 e 600, do CPP). Há uma exceção ao princípio da complementaridade. Caso uma parte interponha apelação e a outra embargos de declaração e este for julgado com efeito infringente, deverá ser aberto prazo a outra parte para, querendo, complementar o recurso sobre a nova decisão. Suponhamos o seguinte exemplo. O réu, condenado a indenizar perdas e danos, interpõe desde logo recurso de apelação pleiteando a reforma da sentença, com o fito de conseguir a improcedência da pretensão do autor. Este, por sua vez, opõe embargos de declaração contra aquela mesma sentença, porque o juiz deixara de manifestar-se quanto ao pedido de lucros cessantes, constante do pedido inicial. Se forem acolhidos e, consequentemente, integrada a sentença para condenar o réu também naquela verba, o réu não poderá oferecer nova apelação, pois já havia exercido esse direito; deverá, isto sim, complementar o recurso já interposto, aduzindo novos fundamentos e pedindo a reforma da sentença, apenas no que concerne à matéria que fora objeto da integração, por acréscimo, dessa mesma sentença pelo acolhimento dos embargos de declaração. (Nery Junior, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos. 5 ed. São Paulo: RT, 2000. p. 155) 31 2.9 - Princípio da Proibição da reformatio in pejus Esse princípio também se denomina princípio do efeito devolutivo e de princípio de defesa da coisa julgada parcial, que visa à proibição da reformatio in pejus, objetivando evitar que o destinatário do recurso possa vir a ter uma decisão em grau de recurso, que possa piorar sua situação, extrapolando o âmbito da devolutividade fixado com a interposição do recurso, ou ainda, em virtude de não haver recurso da parte contrária. Em nosso direito positivo não há regra explícita a respeito da proibição da reformatio in pejus. Barbosa Moreira afirma que ocorre a reformatio in pejus quando “o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais desfavorável ao recorrente sob o ponto de vista prático, do que aquela contra a qual se interpôs o recurso”. 10 De acordo com Araken de Assis, esse princípio é fundamentado em dois pilares: de um lado, o princípio dispositivo, tão intenso no grau recursal quanto na formação do processo na origem, e, em sua singularidade consubstanciado no direito fundamental do devido processo, e, de outro, o interesse exigido para impugnar as decisões judiciais. “O artigo 515, caput, estabelece que o recurso levará ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, nada mais. E o artigo 505 antevê a apelação parcial. A conjugação dessas regras, limitando o objeto do recurso, já basta para pré-excluir a reforma para pior”. 11 Exemplificando: Paulo, réu, recorreu em virtude de ter sido condenado a pagar danos materiais, numa ação onde o pedido do autor, Pedro, era de danos materiais e morais. Paulo sozinho interpõe o recurso, dizendo que não deve o dano material. O tribunal não dá provimento ao recurso e, ainda, condena Paulo a pagar o dano moral. Consequentemente, o tribunal está violando o princípio da proibição da reformatio in pejus, porque ocasionou ao proponente uma situação ainda mais desfavorável. 10 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense: São Paulo, 7ª ed. 1998 p. 426. 11 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2ª ed. São Paulo. RT, 2008. p. 107. 32 Agora, suponhamos que Paulo recorre porque foi condenado em dano material, no entanto Pedro, inconformado porque não ganhou o dano moral, interpõe também um recurso. O tribunal dá o provimento ao recurso de Pedro e nega provimento ao recurso de Paulo. No caso, houve piora para Paulo, porém não se pode falar em violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, porque tudo foi levado ao tribunal. O tribunal está julgando exatamente o que foi delimitado pelas partes. Barbosa Moreira diz que essa reforma para pior pode se dar de duas maneiras; tanto de forma qualitativa quanto de forma quantitativa, por exemplo: imaginemos que Paulo entre com uma ação pedindo X + Y. O juiz dá X. Paulo entra com um recurso perante o tribunal e este, na apelação, nega provimento ao recurso. Além de não dar o Y que foi pedido por Paulo, diz que o mesmo não tem direito ao X. Há evidente violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, quantitativamente. Suponhamos agora, que Paulo entre com uma ação contra Pedro pedindo rescisão contratual mais multa. O juiz “a quo” julga procedente em parte, entendendo que Paulo tem direito apenas à rescisão contratual. Paulo recorre ao tribunal que não dá provimento ao recurso e ainda diz que além de não ter direito a multa, o contrato não pode ser rescindido. Há violação evidente do princípio da proibição da reformatio in pejus, qualitativamente. Objeto controvertido, ainda, em nossa doutrina é a discussão que envolve a reformatio in pejus em reexame necessário. Segundo determina o artigo 475 do CPC, algumas decisões judiciais por ele descritas, dependem, obrigatoriamente, de revisão pelo órgão hierarquicamente superior para produzir efeitos. Conclui-se que a remessa necessária é a devolução da decisão do órgão a quo, para revisão pelo órgão ad quem. Somente após a confirmação por este, é que a sentença produzirá efeitos. 33 Conforme leciona Alfredo Buzaid “tem a virtude de suspender os efeitos da sentença até que sobre ela se pronuncie a instância superior. O que ela exprime, portanto, em sua configuração mais simples, é a devolução da causa ao Tribunal, a cujo conhecimento toca a obrigação de manter ou modificar a sentença apelada, independentemente de recurso interposto pelas partes interessadas”. 12 Para Nelson Nery Junior, não se pode falar em efeito devolutivo da remessa necessária porque se está diante da manifestação do princípio inquisitório. O que existe na verdade, é que a eficácia plena da sentença nos casos do artigo 475 do CPC, fica condicionada ao seu reexame pelo tribunal ad quem. A sentença como um todo que fica submetida ao reexame, de sorte que é lícito ao tribunal modificar a sentença, reformando-a total ou parcialmente. Nesse procedimento de remessa necessária é impertinente falar-se em reformatio in pejus já que não atua o princípio dispositivo, mas o inquisitório. Assim, não havendo recurso da parte, pode o Tribunal modificar a sentença agravando a posição da Fazenda Pública, pois o reexame necessário não foi criado para proteger descomedidamente os entes públicos, mas para fazer com que a sentença que lhes fora adversa seja obrigatoriamente reexaminada por órgão de jurisdição hierarquicamente superior. 13 Não comunga da mesma opinião o mestre José Carlos Barbosa Moreira quando afirma que tudo que se aplica em termos de recurso, por analogia, se aplica também nos casos de sujeição obrigatória ao duplo grau de jurisdição. E exemplifica com a hipótese do artigo 475, II, se a decisão da causa, no juízo a quo, foi parcialmente desfavorável à União, Estado ou ao Município, e não havendo apelação de nenhum dos litigantes, os autos sobem exclusivamente para reapreciação da parte em que esta ficou vencida, ocorrerá, portanto, reformatio in pejus caso o Tribunal lhe agrave a situação. A maioria dos doutrinadores não considera a remessa necessária como recurso. Entre eles destacamos a opinião de Nelson Nery Junior: 12 13 BUZAID, Alfredo. Da apelação ex-officio. São Paulo: Saraiva, 1951, p. 343. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2001. 34 “Essa medida não tem natureza jurídica de recurso. Faltam-lhe a voluntariedade, a tipicidade, a dialeticidade, o interesse em recorrer, a legitimidade, a tempestividade e o preparo, características e pressupostos de admissibilidade dos recursos”. A jurisprudência neste sentido parece estar consolidada na Súmula 45 do STJ, “in verbis”: “no reexame necessário, é defeso ao Tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública” conforme poderemos observar em algumas decisões: STJ Recurso Especial nº 171650 – SP (1998/0029256-0) Ministro Francisco Peçanha Martins (relator): “A doutrina e a jurisprudência entendem não poder o Tribunal, em recurso ex-officio, agravar a situação da Fazenda Pública, já que em socorro desta foi instituído.” 2.10 - Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias O que se pretende esclarecer com esse princípio é se a parte, ao impugnar uma decisão interlocutória, pode suspender o processo ou não. A recorribilidade das decisões interlocutórias no processo civil é um assunto que tem causado muita polêmica entre os doutrinadores processualistas atuais, porque vai de encontro ao objetivo de tornar o processo mais célere, para que, com a devida solução ágil dos conflitos, se alcance o julgamento justo para eficaz efetivação dos direitos da sociedade. Todavia, o atual sistema processual prevê a recorribilidade das decisões interlocutórias, sem que tais recursos tenham a faculdade de paralisar o andamento do processo, e, daí surgir à locução “em separado” na denominação do princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, que significa impugnação com a suspensão do processo. Para Nelson Nery Junior, as decisões interlocutórias não são impugnáveis a ponto de paralisar todo o curso do procedimento. Exemplifica o eminente processualista: 35 “o fato de o agravo ser interposto diretamente no tribunal ad quem por instrumento, dando a impressão de que teria sido recurso interposto “separadamente”, pois os autos principais permanecem no juízo de origem para a continuação do processo, não invalida o que vimos afirmando. A “separação” não deve ser considerada no sentido físico, destacado dos autos principais, mas no de paralisar o processo, para que, separadamente, seja examinada a impugnação da interlocutória.” 14 Tratando-se, portanto, das decisões interlocutórias, a regra é a de que não obstante seja possível a interposição de recurso, conforme estabelece artigo 522 do CPC, não pode haver interrupção da marcha processual. Assim determina no artigo 497 do Código de Processo Civil, que permite o recebimento desse recurso apenas no efeito devolutivo, ou seja, contra as decisões interlocutórias, o cabimento do recurso não possibilita que o processo seja suspenso até sua decisão final. Contudo, de conformidade com o artigo 527, combinado com o artigo 558 do mesmo Codex, o relator pode conceder efeito suspensivo ao agravo de acordo com este mesmo artigo a requerimento das partes, sendo defeso a concessão de ofício. No entanto, isto não significa que todo o processo seja suspenso, mas somente o ato impugnado. Inovações introduzidas pela Lei nº.11.187, de 19 de outubro de 2005, com a alteração dos artigos 522, 523 e 527 do Código de Processo Civil. A lei altera a regra geral de utilização do agravo por instrumento e estipula a obrigatoriedade da interposição do agravo retido para as decisões que não coloquem fim ao processo, ressalvados os casos suscetíveis de causar lesão grave ou de difícil reparação, bem como nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que esta é recebida, quando então, excepcionalmente, será admitido à interposição por instrumento. Os casos relativos à inadmissão da apelação, como também os relativos aos 14 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 153-154. 36 efeitos em que a mesma é recebida (devolutivo/suspensivo), já eram previstos no § 4º do artigo 523, razão pela qual foi revogado pelo artigo 3º da Lei em referencia. As decisões interlocutórias pronunciadas durante a audiência de instrução e julgamento somente podem ser atacadas por meio de agravo retido e mediante manifestação durante a própria audiência. O agravo tem que ser, necessariamente, oral e imediato, o recurso deverá constar do termo conforme determina o artigo 457 do CPC. Serão, ainda, deduzidas oralmente pelo recorrente, de maneira sucinta, as razões do agravo, que também figuração no termo da audiência. A falta do agravo oral imediato torna preclusa a matéria decidida pelo juiz durante a audiência, pois a parte não contará mais com a oportunidade para recorrer por petição escrita nos dez dias subseqüentes. Ainda é bastante criticada, pela doutrina majoritária, a forma atual de impugnação das decisões interlocutórias em razão da celeridade processual. Razão pelas quais os processualistas civis movimentaram-se para a criação de um novo código de processo civil, com o objetivo de aplicar ao ordenamento processualista civil a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, deixando de haver a preclusão durante o curso do processo, para que, em sentença, o juiz possa se pronunciar sobre as questões incidentes, bem como, o meio impugnável destas matérias seja por meio do Recurso de Apelação. Desta forma, a garantia de um processo célere não feriria o devido processo legal, pois não haveria perda de oportunidade para discutir determinada matéria no processo, todavia no momento em que tal alteração ocorresse. 2.11 - Princípio da Consumação “A prática de qualquer ato processual produz “imediatamente a constituição, a modificação ou extinção de direitos processuais” (art. 158). É o fenômeno da preclusão consumativa, segundo a qual, “realizado o ato, não ser possível pretender tornar a praticá-lo, ou acrescentar-lhe elementos que ficaram de fora e nele deveriam ter sido incluídos, ou retirar os que, inseridos, não deveriam tê-lo sido.” 15 15 . ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2ª ed. São Paulo. RT, 2008. p. 102-103. 37 Uma vez já exercido o direito de recorrer, consumou-se a oportunidade de fazê-lo, ainda que o recurso seja da mesma espécie do anterior. 16 Vedação que igualmente impede a correção e a complementação do recurso interposto. Só sendo possível apenas a desistência do inconformismo, à luz do artigo 501 do Código de Processo Civil. A adoção do princípio é justificada pela necessidade de o processo demorar o menos possível, a fim de que a paz social afetada pelo litígio seja restabelecida o quanto antes. Através da Emenda Constitucional nº 45, o legislador constitucional incluiu, assim, o direito de todos terem “assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, no inovador inc. LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal. O princípio da consumação também impede que a guia relativa ao preparo seja apresentada após a interposição do recurso. Ex vi do caput do artigo 511 do Código de Processo Civil, a planilha do depósito dos encargos financeiros que dizem respeito ao recurso deve ser efetuada no momento da interposição. É irrelevante se o direito de recorrer foi exercido no primeiro ou no último dia do prazo recursal. Nas duas hipóteses o direito foi consumado. Conforme enunciado nº 19 da Súmula do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “O preparo do recurso há de ser comprovado no momento de sua interposição, ainda que remanesça parte do prazo para seu exercitamento, sob pena de deserção”. Cada recurso deve ser instruído com a respectiva guia do preparo, ainda que seja adesivo de outro. Portanto, quando há mais de um recurso contra a mesma decisão, cada um deve ser acompanhado do comprovante do pagamento do preparo, sob pena de deserção. O método serve tanto para os recursos independentes, conforme artigo 6º, caput, da Lei nº 11.636, de 2007, quanto para os recursos adesivos nos devidos termos do artigo 500, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Há, todavia, exceções à regra do preparo imediato conforme orientação jurisprudencial assentada no Superior Tribunal de Justiça: “o recorrente que depositou parte do valor do preparo não pode ser liminarmente apenado com a 38 aplicação da sanção de deserção”. Por força do dispositivo legal do § 2º do artigo 511, a insuficiência do preparo não conduz à aplicação da pena de deserção, salvo se o recorrente não depositar o valor necessário à integralização do preparo no prazo de cinco dias após a intimação da deficiência no recolhimento dos encargos financeiros. Excepcionalmente, também, é permitida a ausência do pagamento do preparo em razão de justa causa reconhecida pelo órgão judicial. É o que deduz o artigo 183 do CPC, corroborado pelo artigo 519 do mesmo diploma. 39 CAPÍTULO III O PROJETO DO CPC 3.1 - Dos princípios Uma das principais inovações que o Projeto de Lei nº. 166/10 nos traz é um capítulo, inteiro, sobre princípios e garantias fundamentais. Pela leitura do texto, é possível observar a interação existente entre as regras legais com os princípios constitucionais, revelando o aspecto neoconstitucional do trabalho. Os 12 primeiros artigos do Projeto visam roborar os princípios e garantias constitucionais, ajustando a legislação infraconstitucional com as normas da Carta Magna de 1988. “Esta reafirmação, contudo, não deixa de ter significado simbólico importante, na medida em que dissemina na cultura jurídica em geral a necessidade de encarar a legislação infraconstitucional como desdobramento da Constituição e de interpretá-la de acordo com os direitos fundamentais processuais civis.” 16 Os princípios paulatinamente deixaram de ser apenas ideais etéreos e inatingíveis na sistemática jurídica, obtendo força normativa a partir do momento em que passaram a fazer parte do topo da pirâmide jurídica, uma vez que foram expressamente incorporados nas Cartas Constitucionais. É feito um breve exame do alcance de tais dispositivos, problematizando ou antecipando algumas situações concretas que poderão ocorrer com a vigência do novo texto; Art. 1.º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. 16 MARINONI, Luiz Guilherme. O Projeto do CPC – Crítica e propostas. São Paulo: RT, 2010. p. 16. 40 Logo de início, observa-se a preocupação do legislador em discernir princípios de valores, distinção que vem sendo acompanhada pela doutrina processual. Ao estabelecer que o Código seja disciplinado de acordo com os valores e princípios, o legislador estará pondo em prática a teoria do direito processual constitucional. O dispositivo determina, ainda, que o processo civil deverá ser interpretado de conformidade com a Constituição. É o fim da hermenêutica tradicional. Baseada no silogismo; a norma é a premissa maior e o fato a menor. Nessa concepção, caberia ao juiz fazer o exame deste, em acordo com aquela. Para tanto, seriam usados métodos como a interpretação literal, sistêmica, teleológica e comparativa. A regra já consagrada em nosso sistema jurídico é repetida, agora, no artigo 2º do Projeto: Art. 2.º O processo começa por iniciativa da parte, nos casos e nas formas legais, salvo exceções previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial. Como não poderia ser diferente, é mantido o Princípio Dispositivo, também chamado de Princípio da Inércia ou ainda Princípio da Demanda. As “exceções” previstas em Lei devem ser examinadas à parte. No atual código vigente, há dispositivos relativos à abertura de inventário, e no procedimento dos testamentos que autoriza o magistrado a agir de ofício, provocando o aparelho judicial. Encontra correspondência com o atual código no artigo 2º e artigo 262. Nunca é demais lembrar que o juiz ao agir de ofício deva ter bastante cuidado para não, mesmo involuntariamente, se aproximar de uma das partes, ferindo a imparcialidade que deve nortear sua conduta na condução do processo. O artigo 3.º está assim consignado: Art. 3.º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à 41 solução arbitral, na forma da lei. O artigo 3.º do projeto de lei reproduz o princípio descrito no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição de 1988, com a ressalva da arbitragem, que aqui não é disciplinada e continua regulada pela Lei nº 9.307/96. A arbitragem consiste na solução do conflito por meio de um terceiro, escolhido pelas partes, com poder de decisão, segundo normas e procedimentos aceitos por livre e espontânea vontade das partes. Esse dispositivo está em perfeita consonância com o artigo 475-N, inciso IV, do Código de Processo Civil, que diz ser a sentença arbitral um título executivo judicial. Art. 4.º As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa. Depois de uma longa espera, e atendendo aos reclamos de renomados doutrinadores, os constituintes reformadores, em dezembro de 2004, acrescentaram ao rol de direitos fundamentais do artigo 5º de nossa Constituição, o inciso LXXVIII, por meio da Emenda Constitucional nº. 45/2004, criando o princípio da duração razoável do processo, com o objetivo de combater a morosidade na entrega da prestação jurisdicional e garantir o acesso à justiça que, por sua vez, pressupõe não apenas a tutela adequada, mas também a tempestiva. Razoável será o tempo necessário para a cognição da causa até a efetiva entrega ou não do bem pretendido pela parte, ou seja, de todo processo até a efetivação do provimento final. Observamos que aqui são aplicáveis os princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, sempre com o objetivo final de garantir um processo realmente justo. O artigo 5º do Projeto traz a seguinte redação: Art. 5.º As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência. 42 Este dispositivo trata do Princípio da Cooperação, efetivação dos Princípios da Boa Fé e da Lealdade, hoje consagrado como princípio angular e exponencial do processo, de forma a propiciar que juizes e mandatários cooperem entre si, de modo a alcançar, de uma maneira ágil e eficaz, a justiça do caso concreto. Ensina-nos o professor José Carlos Barbosa Moreira que “o lema do processo social não é o da contraposição entre juiz e partes, e menos ainda da opressão destas por aquele; apenas pode ser o da colaboração entre um e outras.” De acordo com o princípio da cooperação, o juiz tem o poder-dever de prestar esclarecimento às partes e de pedir, também, esclarecimentos acerca de questões que não lhe estejam claras, bem como tem os deveres de consulta, a fim de possibilitar às partes influenciarem na formação da convicção do julgador, tem o dever de auxílio, que se consubstancia na remoção de obstáculos ao exercício dos direitos e deveres das partes. Art. 6.º Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Existe neste artigo uma relação com o próprio mecanismo de defesa da Constituição, o dever de controle de constitucionalidade das leis. A Lei Magna traz em seu cerne disposições que devem influenciar e servir como parâmetro de validade de todo o ordenamento jurídico. Desta forma, cabe ao juiz, na aplicação da lei, a consonância e coerência desta com os princípios e garantias estabelecidos na Constituição Federal, principalmente no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, norteador do Republicanismo. O princípio da razoabilidade, embora implícito no texto da Constituição, está de acordo com o espírito da doutrina constitucional, sendo admitido em nosso Estado democrático em conseqüência da regra de expressão do § 2º do artigo 5º da CF. Tal princípio possui diversas facetas, e uma delas é proporcionar a adequação da lei aos fins sociais a que ela se propõe. 43 Segundo o entendimento tradicional, o juiz primeiro interpreta e depois aplica a lei. A atividade hermenêutica é muito mais complexa do que se pensa, e as etapas não podem ser simplesmente separadas, como se fossem atividades estanques, ou seja, é incorreto afirmar que quando uma começa a outra necessariamente terá encerrado. Na verdade, a atividade da interpretação acaba ocorrendo concomitantemente com a aplicação. Interpretar a norma significa determinar seu conteúdo e alcance. A bem da verdade a norma não é o objeto, mas sim o resultado da interpretação, o sentido construído a partir da interpretação sistemática de textos normativos. No modelo tradicional, ou seja, positivista, o papel do juiz era o de tão somente descobrir e revelar a solução contida na norma, como salienta o professor Luiz Roberto Barroso, formulava juízos de fato e não de valor. Agora o modelo pós-positivista, o magistrado deve estar preparado para constatar que a solução não está integralmente na norma, o que demanda um papel criativo na formulação da solução para o problema. Ele se torna, assim, coparticipante do papel de produção do direito, mediante integração, com suas próprias valorações e escolhas, das cláusulas abertas constantes do sistema jurídico. Em razão dessa nova postura, como adverte Marinoni é imprescindível que o juiz fundamente adequadamente suas decisões. O artigo 7.º consagra o Princípio da Isonomia, que integra o rol de Garantias Fundamentais do Processo: Art. 7.º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório. 44 O processo, para ser democrático, é necessário que prevaleça a igualdade. O princípio da igualdade deve ser dinâmico a fim de promover a igualização das condições entre as partes conforme as respectivas necessidades. 18 A nossa Constituição Federativa prevê o princípio da igualdade em seu art. 5º, caput. Todavia, torna a mencionar o princípio da isonomia, como no art. 3º, III, 5º, I, 150, II e 226, § 5º. De maneira que, bastaria o artigo 5º, caput, da CF, para restar consagrado entre nós o princípio da isonomia. A igualdade, portanto, deve ser avaliada sob o seu aspecto substancial ou material. É necessário tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida de suas desigualdades. Diante de tal premissa, as pessoas ou as situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos. Assim sendo, a tendência do constitucionalismo contemporâneo tem sido a de não se limitar à enunciação de um postulado formal e abstrato de isonomia jurídica, mas sim de fixar nas Constituições medidas concretas e objetivas tendentes à aproximação social, política e econômica entre os jurisdicionados. A real igualdade das partes do processo somente se verifica quando a solução encontrada não resultar da superioridade econômica ou da astúcia de uma delas. O processo não é um jogo, em que o mais capaz sai vencedor, mas um instrumento de justiça com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular. Considerando que a parte mais fraca não tem as mesmas possibilidades que a mais forte de trazer para os autos as provas necessárias à demonstração de seu direito, a ausência de iniciativa probatória pelo juiz corresponde a alguém assistir passivamente a um duelo entre o lobo e o cordeiro. Evidentemente, não estará atendido o princípio da igualdade substancial que, segundo a moderna ciência processual, deve prevalecer sobre o da mera igualdade formal. Art. 8.º As partes têm o dever de contribuir para a rápida solução da lide, colaborando com o juiz para a identificação das questões de 45 fato e de direito e abstendo-se de provocar incidentes desnecessários e procrastinatórios. A celeridade já estava garantida no artigo 4º, e efetivada, após a positivação deste princípio no texto constitucional no artigo 5º, inciso LVIII, resultante da Emenda Constitucional nº. 45/04, o conceito de devido processo legal na acepção procedimental passou a abranger, além do contraditório e da ampla defesa, também a duração razoável do processo. Cândido Dinamarco, revendo sua consagrada teoria de instrumentalidade do processo, sustenta que a celeridade é um de seus pilares contemporâneos. Este princípio, envolvendo as partes e o magistrado, consoante a doutrina, é analisado levando em consideração quatro elementos essenciais: dever de esclarecimento, prevenção, auxiliar as partes e de consultar as partes. Os dois primeiros elementos consistem, em síntese, na necessidade de o magistrado esclarecer-se perante os litigantes quanto às possíveis dúvidas que ele possua a respeito das alegações e/ou dos pedidos formulados, bem como, sobre o segundo aspecto, na necessidade de o magistrado alertar as partes sobre as situações em que o êxito da ação a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. Já o dever de auxiliar as partes, como uma das decorrências do princípio da cooperação, consiste na idéia de que cabe ao magistrado, sempre que possível, reduzir os obstáculos existentes para a obtenção da tutela jurisdicional efetiva. Não se pode deixar de destacar que a aplicação dos três deveres acima relatados possui maior relevância nas demandas em que não se exige a capacidade postulatória dos litigantes como nos Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho, de modo a reduzir os prejuízos do tecnicismo que norteia a atuação dos profissionais do Direito. Finalmente, está o dever de consultar as partes, o qual consiste na impossibilidade do magistrado fundamentar a sua decisão sobre quaisquer questões 46 de fato ou de direito, ainda que possa ser conhecida ex officio, sem antes permitir que as partes sobre ela se manifestem. Esse princípio de cooperação vai funcionar como um formatador dos atos das partes, até mesmo porque o art. 66 do Projeto diz que é dever da parte proceder com lealdade e boa fé. Torna-se indispensável à presença do contraditório sobre todas as matérias que serão objeto de apreciação pelo magistrado, a fim de qualificar a manifestação jurisdicional, por meio do exercício do debate entre os litigantes. Nesse sentido é o teor do item 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil Português, in verbis. 19 Art. 9.º Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito. Previsto no art. 5º, inciso LV da Carta de 1988, o referido princípio é tão importante no direito processual a ponto de renomados doutrinadores afirmarem que “sem contraditório, não há processo”. Também conhecido como o princípio da ampla defesa, é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas. Este princípio deve ser visto como manifestação do exercício democrático de um poder. Significa dizer que o processo exige que as partes envolvidas tomem conhecimento de todos os fatos que venham a ocorrer durante seu curso. Pode ser definido também pela expressão audiatur et altera pars, que significa “ouça-se também a outra parte”. Para demonstrar a veracidade dessas informações, basta lembrar que, proposta uma ação, deve-se citar o réu, ou seja, informa-lo da existência de um processo em que este ocupa o pólo passivo, para que o mesmo possa oferecer sua defesa. Da mesma forma, se no curso do processo alguma das partes juntar aos autos um documento qualquer, é preciso informar a parte adversa, 47 para que esta, tomando conhecimento da existência do documento, possa sobre ele se manifestar. Tal princípio não encontra, no entanto, aplicação no campo de procedimentos inquisitivos e investigatórios, como o inquérito policial, procedimentos judiciais e administrativos de cunho meramente investigatórios, sendo que o investigado pode ser até afastado de suas atividades através da suspensão do contrato de trabalho, em casos de inquérito administrativo no âmbito da CLT, ou, até mesmo, ser preso, nos casos de prisão preventiva do acusado que pode atrapalhar as investigações. Em alguns casos, a ampla defesa autoriza até mesmo o ingresso de provas favoráveis à defesa, obtidas por meios ilícitos, desde que devidamente justificada por estado de necessidade. Importante observar que tal princípio terá aplicação específica e de grande importância em pelo menos duas situações reguladas pelo Projeto. A primeira diz respeito às decisões de inversão do ônus da prova ou de aplicação da carga dinâmica, as quais, em hipótese alguma, devem gerar surpresa para a parte atingida. A segunda se refere aos provimentos de urgência solicitados, nos quais a efetividade depende exatamente da não comunicação à parte contrária. O juiz, num exame de ponderação de interesses entre o acesso à justiça e o contraditório, vai avaliar, no caso concreto, qual deles deve prestigiar. Como lembra Luiz Guilherme Marinoni, em sendo deferida a medida inaudita altera pars, ocorrerá o fenômeno do contraditório diferido ou postergado, que só é admitido em casos excepcionais e acompanhados da devida fundamentação analítica. Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica aos casos de tutela de urgência e nas hipóteses do art. 307. 48 No atual Código de Processo Civil, o art. 128 dispõe que o juiz deve decidir a ação “nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes” Diante da restrição do atual art. 128, que se refere apenas às questões, a doutrina clássica se reporta ao enunciado iura novit cúria, segundo o qual o juiz seria livre na escolha e na aplicação dos fundamentos jurídicos. No entanto, com o passar do tempo, parte da doutrina evoluiu para o entendimento de que tal discricionariedade ampla do juiz poderia, em alguma medida, gerar prejuízo para uma das partes. Reconhece-se, assim, que, mesmo em se tratando de temas a respeito dos quais deve o juiz manifestar-se ex officio, deve o órgão jurisdicional, atento ao princípio do contraditório ouvir as partes, evitando-se, com isso, a prolação de “decisão surpresa” para a parte, o que não se coadunaria com o princípio do contraditóro. Este modo de compreender o princípio do contraditório é o único possível, em um Estado que se diz Democrático de Direito. Não resta dúvida que o Projeto consagrou nestes casos o direito ao contraditório como dever de consulta ou de diálogo judicial. A novidade está em que, ao contrário do que sucedia anteriormente, o contraditório atualmente também tem como destinatário o órgão jurisdicional. O contraditório não é tão somente entre as partes. É também entre o juiz e as partes. O juiz passa a figurar igualmente como um sujeito do contraditório. 20 O substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, em 24 de novembro de 2010 inseriu o parágrafo único no dispositivo, com a seguinte redação: “O disposto no caput não se aplica aos casos de tutela de urgência e nas hipóteses do art. 307”. Trata-se do reconhecimento legal das hipóteses excepcionais nas quais existe a necessidade de um provimento de urgência no qual o contraditório deve se dar na forma diferida, sob pena de frustrar o acesso à justiça, examinados os dois princípios numa escala de ponderação de valores. 49 Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada somente a presença das partes, de seus advogados ou defensores públicos, ou ainda, quando for o caso, do Ministério Público. Este artigo trata de dois grandes princípios constitucionais já regulamentados no ordenamento infraconstitucional. São eles a Publicidade e a Fundamentação das Decisões Judiciais. Quanto à publicidade, o atual art. 155 do Código de Processo Civil regula a matéria, e prever, em casos excepcionais, o segredo de justiça. Em regra, a lei define algumas hipóteses básicas, ficando a cargo do juiz, ao seu prudente arbítrio, estender essa exceção a outros casos não contemplados especificamente no texto legal, desde que sua decisão seja fundamentada, pois estará restringindo uma garantia constitucional. A Lei Processual Civil seguiu as diretrizes constitucionais, estabelecendo a publicidade como regra e sua restrição como exceção, sendo que esta última encontra também amparo constitucional nos artigos 5º, inciso LX e parte final do inciso IX do artigo 93, ambos da Carta Magna. Nesse sentido, é o comentário de Nelson Nery Junior: “o art. 155 do CPC, portanto, estabeleceu a regra da publicidade e as exceções nela contidas estão em perfeita consonância com o comando constitucional emergente do art. 5º, n. LX. A recepção do dispositivo do diploma processual vigente pelo novo texto constitucional foi total.” 21 Também vale registrar a presença do princípio da publicidade no âmbito dos procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, disciplinados pela Lei n.º 9.099/95, cujo artigo 12 determina que, no cível, “os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária”. Quanto ao juizado especial criminal, é o artigo 64 que acolhe 50 a publicidade ao dispor que “os atos processuais serão públicos e poderão realizarse em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme dispuserem as normas de organização judiciária”. Ainda, ratificando o princípio da publicidade no âmbito processual, poder-seia citar o artigo 7º, inciso XIII da Lei Federal n.º 8.906/94 (Estatuto da OAB) verbis: “Art. 7º. São direitos do advogado: (...) XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos.” No que diz respeito ao Princípio da Fundamentação, hoje previsto na Carta Maior, no artigo 93, inciso IX. A fundamentação está intimamente ligada à atividade cognitiva do juiz. É um dos chamados requisitos da sentença, conforme determina o artigo 458, inciso II do atual CPC. Agora o Código disporá de forma expressa que o juiz deve indicar “as razões de seu convencimento” e isso deve ser de modo claro e preciso. Não mais é o suficiente o juiz se ater ao dispositivo legal que autoriza a concessão da medida. Deve manifestar as razões de decidir. O motivo do motivo. Não basta dizer que está presente o fumus boni iuris. Tem que justificar, dentro daquelas circunstâncias, o motivo de seu convencimento. O juiz ao justificar a sua decisão, exerce uma função de persuasão em relação às partes no processo, visando convencê-las de que ao julgar aplicou ao caso concreto a solução mais adequada que poderia ser encontrada no ordenamento jurídico, consequentemente, seria essa alternativa a de se esperar. Como instrumento técnico processual, o princípio da motivação das decisões 51 judiciais, permite às partes avaliar a conveniência de recorrer e ajudam aos juízes das instâncias superiores melhor compreenderem os fundamentos da sentença recorrida, pois a ausência de fundamentação prejudica o próprio andamento do processo na instância ad quem, a qual enfrentará dificuldades para visualizar as razões que levaram o magistrado a quo a decidir da forma que decidiu. Art. 12. Os juízes deverão proferir sentença e os tribunais deverão decidir os recursos obedecendo à ordem cronológica de conclusão. § 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá ser permanentemente disponibilizada em cartório, para consulta pública. § 2º Estão excluídos da regra do caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II – o julgamento de processos em blocos para aplicação da tese jurídica firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em recurso repetitivo; III – a apreciação de pedido de efeito suspensivo ou de antecipação da tutela recursal; IV – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; V – as preferências legais. 3.2 - Dos recursos A simplificação dos procedimentos e atos processuais é notória em todo o texto do projeto. Caso não haja grandes modificações, as grandes novidades foram a uniformização dos prazos recursais, a extinção da reconvenção, dos embargos infringentes modificações. e de alguns incidentes processuais, dentre outras diversas 52 Há uma forte tendência para a uniformização das decisões judiciais, a fim de se evitar decisões contraditórias em casos semelhantes. Um desejo antigo, amadurecido a partir das últimas reformas, como o da criação da Súmula Vinculante. A chamada “súmula impeditiva de recursos” introduzida no parágrafo 1º do artigo 518 do CPC, ainda vigente pela Lei 11.276/2006, foi mais um avanço nesse sentido, ao determinar que o juiz deva indeferir recurso de apelação quando a sentença estiver de acordo com súmula do STJ ou STF. Haja vista uma limitação na atuação dos juízos de instâncias intermediárias, como no caso da Súmula Vinculante, não se pode deixar de considerar um progresso a tentativa de uniformização da jurisprudência, uma vez que a finalidade é a segurança jurídica e a isonomia para os casos semelhantes. A doutrina é unânime em afirmar que o projeto carece ainda de maturação, sendo possível ocorrer algumas alterações, todavia, a viga mestra já foi constituída e as proposições temáticas recursais foram as seguintes: a) Inclusão das ações autônomas de impugnação no Livro de Recursos. b) Unificar os prazos recursais em quinze dias úteis salvo os embargos de declaração. c) Determinar a ausência de preclusão no 1º grau de jurisdição, extinguindo-se a figura do agravo, ressalvado o agravo de instrumento para as decisões de urgência satisfativas ou cautelares. d) Fixação ampliativa dos honorários, a cada recurso não provido (Sucumbência Recursal). e) Estabelecimento de um único recurso de apelação no qual a parte manifestará todas as suas irresignações quanto ás decisões interlocutórias proferidas no curso do processo 53 f) Extinção dos embargos infringentes, devendo constar o dever de o magistrado, cujo voto não tenha prevalecido, relatá-lo expressamente, considerando-se este voto declarado como sendo integrante do acórdão para todos os efeitos, inclusive para fins de prequestionamento. g) Os recursos têm como regra, apenas o efeito devolutivo, inclusive quanto à Fazenda Pública, sendo que, em casos excepcionais o efeito suspensivo deverá ser requerido nos moldes atuais. h) O recurso de apelação continua sendo interposto no 1º grau de jurisdição, admitido o juízo de retratação em consonância com Súmulas dos Tribunais Superiores ou nos termos do atual artigo 543, relegando-se o juízo de admissibilidade formal para o 2º grau de jurisdição. i) Manutenção do atual artigo 557, substituindo-se no dispositivo legal a expressão “jurisprudência dominante”, por critérios menos fluídos: como entendimento consoante a súmula dos Tribunais Superiores ou a decisão representativa da controvérsia, tomada com base no regime dos atais artigos 543-B e 543-C. j) A Tese adotada no recurso repetitivo passa a ser de obediência obrigatória para os Tribunais locais. k) Nos casos em que o Egrégio Supremo Tribunal Federal entenda que a questão versada no recurso extraordinário é de ordem infraconstitucional impõe-se seja o mesmo remetido ao Superior Tribunal de Justiça, por decisão irrecorrível, aproveitando-se a impugnação interposta. l) Nos casos em que o Superior Tribunal de Justiça entenda que a questão versada no recurso especial é de ordem constitucional, impõe-se a remessa ao Supremo Tribunal Federal que se 54 entender pela competência do primeiro pode, reenviar o recurso ao STJ, por decisão irrecorrível m) O recurso extraordinário e o recurso especial decididos (acolhidos) com base em uma das causas de pedir ou em uma das razões de defesa permitem ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal o julgamento das demais matérias, ainda que com relação a elas não tenha havido prequestionamento, sendo certo que, concluindo-se, “ex offício” ou a requerimento da parte pela necessária produção de provas, o processo será remetido ao 1º grau de jurisdição, para a realização da diligência necessária. n) O acórdão que examine apenas um dos fundamentos da apelação ou da respost5a e desde que interpostos embargos de declaração, permitirá sejam considerados todos os temas debatidos em eventual recurso especial ou extraordinário. o) Nos casos dos atuais artigos 543-B e 543-C, retratando-se o Tribunal “a quo” remanesce a sua competência para julgar as demais questões que não foram decididas pelo Tribunal Superior, cabendo, em relação às mesmas os recursos respectivos. p) Cabem embargos de divergência de acórdãos comparáveis, que versem questões idênticas, sejam de mérito ou de admissibilidade recursal. q) Extingui-se a uniformização de jurisprudência, por força do atual artigo 555, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil. r) Extinguir a remessa necessária. 55 s) No inciso V da ação rescisória substitui-se a expressão “ofensa a literal disposição de lei” por “ofensa ao direito”, verificável independentemente de exame de prova – salvo se tratar de ofensa à lei processual. t) Esclarecer as hipóteses de cabimento da ações anulatórias de atos judiciais. 56 CONCLUSÃO No que concerne aos “Princípios Fundamentais dos Recursos Civis,” tema deste trabalho, a análise não poderia ser outra quando foi dado destaque, inicialmente, aos recursos, até porque seria impossível desenvolver tal proposição sem tê-lo realçado. Foi feita menção desde a origem até nossos dias, mesmo que superficialmente, conforme enunciado na introdução. Ao compor o estudo dos princípios no tocante aos recursos, foi dado ênfase ao caráter normativo e relegada as tradicionais diferenciações entre princípios e normas para dar lugar à distinção entre princípios e regras, ambos espécies do gênero norma, princípios como espécies de normas jurídicas. Nesse momento de satisfação pelo objetivo cumprido, espero que seja de muita utilidade àqueles que estão lidando com a Ciência do Direito, em particular com o Direito Processual Civil. Não é a toa que os juristas atribuem aos princípios o ponto mais alto da pirâmide normativa, qualificando os mesmos como “norma das normas”, “fonte das fontes”. No limiar de um novo Código de Processo Civil, como não poderia deixar de ser, foram destacadas as principais inovações quanto aos princípios e recursos constantes do Projeto do CPC. Na visão moderna, com as transformações no direito processual civil, que começou a interpretá-lo de acordo com os direitos e princípios do contraditório, que chegou, então, ao seu aspecto substancial, conhecido como o direito da parte em participar ativamente do processo e exercer o poder de influência na decisão final. Finalmente, apresentamos uma relação das principais proposições temáticas, com relação aos recursos, do projeto ao novo Código de Processo Civil, a fim de se ter uma idéia da sua dimensão. 57 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2ª ed. São Paulo: RT, 2008. BERNARDINA DE PINHO, Humberto Dalla. Os princípios e as garantias fundamentais no projeto de Código de Processo Civil: breves considerações acerca dos artigos 1º a 12 do pls 166/10. Rio de Janeiro – UERJ. Revista Eletrônica de Direito Processual, REDP. Vol. VI, Jul/Dez 2010. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos Recursos Civis. 2ª ed. São Paulo: RT, 1976. MARINONI, Luiz Guilherme. O PROJETO DO CPC – Críticas e propostas. São Paulo: RT, 2010. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. São Paulo: Forense, 1998. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. 5ª ed. São Paulo: RT, 2000. SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Civis e a Ação Rescisória. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 58 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I RECURSO 10 1.1 – Origem, conceito e natureza jurídica 10 CAPÍTULO II OS PRINCÍPIOS 13 2.1 – Conceito e generalidades 13 2.2 – Princípio do Duplo Grau de Jurisdição 14 2.3 – Princípio da Taxatividade 19 2.4 – Princípio da Singularidade 21 2.5 – Princípio da Fungibilidade 22 2.6 – Princípio da Dialeticidade 25 2.7 – Princípio da Voluntariedade 28 2.8 – Princípio da Complementaridade 29 2.9 – Princípio da Proibição da reformatio inpejus 31 2.10 – Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias 34 2.11 – Princípio da Consumação 36 CAPÍTULO III O PROJETO DO CPC 39 59 3.1 – Dos princípios 39 3.2 – Dos recursos 51 CONCLUSÃO 56 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 57 ÍNDICE 58 60 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes – Pós-Graduação “Lato Sensu” – Projeto “A Vez do Mestre” Título da Monografia: Os Princípios Fundamentais dos Recursos Civis Autor: Paulo Murilo Mauricio da Fonseca Data da entrega: 20 de abril de 2011. Avaliado por: Conceito: