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Seminário de Direito Processual Penal
O CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL.
UMA VISÃO PROSPECTIVA À LUZ DO PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Sérgio Murilo Fonseca Marques Castro
Defensor Público da União
Pontifica a doutrina processualista ter o inquérito policial as
características da sigilosidade, da forma escrita, da oficiosidade, da
autoritariedade, e por fim, da inquisitoriedade (Capez, Guilherme
Nucci, Marco Antonio de Barros, Rogério Lauria Tucci, Marcus
Acquaviva, Dilermando Filho, Fernando de Almeida Pedroso, dentre
outros).
Quanto
ao
traço
da
inquisitoriedade
(ou
inquisitividade),
cumpre-nos prestar-lhe destaque no presente estudo, haja vista
significar ele o descabimento de um direito do investigado ao
exercício do contraditório em sede de inquérito policial.
A respeito deixou escrito Fernando Capez:
"[sobre o inquérito] É secreto e escrito, e não se
aplicam os princípios do contraditório e da ampla
defesa, pois, se não há acusação, não se fala em
defesa.
Evidenciam
a
natureza
inquisitiva
do
procedimento o art.107 do Código de Processo Penal,
proibindo a arguição de suspeição das autoridades
policiais, e o art.14, que permite à autoridade policial
indeferir qualquer diligência requerida pelo ofendido ou
indiciado (exceto o exame de corpo de delito, à vista do
disposto no art.184)" (Curso de Processo Penal, 14ª
Ed., Ed. Saraiva, p.79) (chaves nossas )
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Nesse excerto tirado da obra de Capez, depreende-se que a
visão da communis opinio doctorum em sede processual penal é de
que, em sendo o inquérito mero procedimento administrativo
investigativo – cuja finalidade estriba-se na colheita de provas acerca
da autoria e materialidade de infração penal - não constitui ele campo
propício para debates (teses e antíteses) entre as partes envolvidas
(acusador e acusado).
Assim,
entende-se
como
exclusivo
do
órgão
estatal
corporificado no cargo de Delegado de Polícia (art.144, § 4º, CF) o
poder de produção de provas no seio do inquérito. E, como forma de
fundamentar este princípio inquisitivo, utiliza-se o exemplo dos
artigos 14 e 107 do CPP, os quais, respectivamente, outorgam ao
Delegado de Polícia a prerrogativa discricionária de indeferir o pedido
de produção de prova pela defesa (ou pela vítima), e proíbem a
exceção de suspeição contra Delegados de Polícia.
Mesmo a jurisprudência brasileira, capitaneada pelo Sodalício
de cúpula do Judiciário nacional, o STF, sentencia que:
"A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao
procedimento de investigação policial tem sido
reconhecida
tanto
pela
doutrina
quanto
pela
jurisprudência dos Tribunais (RT 522/396), cujo
magistério tem acentuado que a garantia da ampla
defesa traduz elemento essencial e exclusivo da
persecução penal em juízo" (RT 689/439)(Grifo
nosso )
Consagrada resta, destarte, a assertiva segundo a qual não
vigora o princípio do contraditório ou bilateralidade da audiência
(audiatur et altera pars) em sede de inquérito policial.
Em ponto de vista assaz inovador, contudo, estão aqueles
ensinamentos hauridos, aqui e acolá, no sentido de que a absoluta
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inquisitividade no inquérito policial deve ser abrandada, temperada,
relativizada, em face de premissas absorvidas pela comunidade
jurídica contemporânea, conforme passaremos a expor adiante.
Primeiramente, os princípios do contraditório e da ampla defesa
são alçados pari passu como princípios jurídicos de extração
constitucional de índole fundamental (art.5º, LV, CF).
Nelson Nery Júnior conceitua o contraditório como,
"o
princípio
do
contraditório,
além
de
fundamentalmente constituir-se em manifestação do
princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o
da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o
texto
constitucional,
ao
garantir
aos
litigantes
o
contraditório e a ampla defesa, quer significar que
tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são
manifestação do princípio do contraditório."
Tourinho Filho, a seu turno, tece a lição de que o contraditório,
"consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera
pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a idéia
de que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre
tudo quanto for produzido em juízo pela parte
contrária. Já se disse: a todo ato produzido por uma
das partes caberá igual direito da outra parte de oporse-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou,
ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa
daquela apresentada pela parte ex adversa. Assim, se o
acusador requer a juntada de um documento, a parte
contrária tem o direito de se manifestar a respeito. E
vice-versa. Se o defensor tem o direito de produzir
provas, a acusação também o tem. O texto
constitucional quis apenas deixar claro que a defesa
não pode sofrer restrições que não sejam extensivas à
acusação"
Alexandre de Moraes, em seu magistério, pontua que,
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"o contraditório é a própria exteriorização da ampla
defesa, impondo a condução dialética do processo(par
conditio), pois a todo ato produzido pela acusação
caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar
a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de
fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela
feita pelo autor".
O contraditório, nesse passo, é de ser vislumbrado como a
exteriorização
procedimental
de
um
primado
de
indelével
importância, qual seja o da igualdade processual entre as partes.
Culmina assim, em ultima ratio, na proteção da dignidade humana
daquele sujeito de Direito que tem contra si deflagrado um
procedimento possivelmente acarretador de sanções ou de privações
de direitos na vida civil.
É por certo mais contundente e revestida de maior densidade
jurídico-constitucional a incidência do princípio na seara judiciáriocriminal, em que se tem presente atividade estatal destinada a
apurar a prática de ilícito de suprema gravidade (o penal), com a
imposição de sanções o mais gravosas possível, quiçá a de restrição
da liberdade de ir e vir
E
o
inquérito
policial,
como
procedimento
estatal
essencialmente manejado com o fim de aparelhar ação penal em
juízo, não pode ser simplesmente alijado de uma análise e de
temperamentos afinados com o postulado da contraditório.
Mormente quando já ocorrido formal indiciamento do indivíduo
investigado, o inquérito passa a representar considerável ofensa ao
status dignitatis deste, o que torna o expediente até mesmo passível
de trancamento via habeas corpus, quando delineada, de modo
patente, a ilegalidade da acusação (TJSP, HC 338.792-3, rel. Pedro
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Galiardi; STJ, HC 8.466-PR, rel. Felix Fischer; STJ, HC 7.763-DF, rel.
Edson Vidigal; STJ, RHC 8.693-MG, rel. Edson Vidigal).
Com o despertar de novos tempos na sociedade ocidental, e
mais precisamente na brasileira - peculiarmente marcada por longas
décadas de regime autoritário – é de ser repensado papel do
investigado na condução do inquérito policial, sem que, contudo, se
sacrifique o ideal de um procedimento investigativo eficiente sob o
aspecto da melhor colheita de indícios e provas quanto à infração
penal.
Toda pessoa humana, submetida às agruras de um inquérito
policial, merece ser alçada à posição não mais de objeto da
investigação, mas de sujeito dela. Nesse sentido há lição de lavra do
culto e cultuado Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal
Federal:
"A unilateralidade das investigações preparatórias da
ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a
desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao
indiciado, que não mais pode ser considerado meio
objeto de investigações. O indiciado é sujeito de
direitos e dispõe de garantias legais e constitucionais,
cuja inobservância pelos agentes do Estado, além de
eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal
por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das
provas ilicitamente obtidas no curso da investigação
policial" (STF, HC 73.271-SP, rel. Celso de Mello)
Observa-se que o mesmo Excelso Tribunal que afirma tratar-se
o inquérito policial de procedimento despojado de uma bilateralidade
dialética (pois é inquisitivo), proclama uma nova perspectiva – mais
humanista - quanto à condição do investigado em seu âmbito.
Passa-se, então, a expor aqui os argumentos favoráveis a um
abrandamento da proibição do contraditório no inquérito policial, sem
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pretender-se infirmar, por completo, a já tradicional praxe de
postegá-lo para o transcorrer da ação penal em juízo.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, assegura
que, verbis, "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (grifo nosso).
Da leitura deste preceptivo atenta-se para a locução "aos
acusados em geral", a fim de por côbro a distinção feita por aqueles
que entendem não se tratar o inquérito de processo administrativo,
mas de procedimento, o que o retiraria do alcance do dispositivo
constitucional ora referido.
Parece óbvio que, ainda que não prosperasse a tese do
desacerto da distinção entre processo e procedimento, para este
efeito, de rigor a aceitação da tese segundo a qual, ao falar em
"acusados em geral", a Magna Carta estendeu a garantia do
contraditório a todos aqueles indivíduos que estejam a enfrentar
acusação em expediente estatal, o que indubitavelmente adequa-se à
situação do investigado em inquérito policial.
Nessa linha preconiza Aury Lopes Júnior, verbis:
"É inegável que o indiciamento representa uma
acusação em sentido amplo, pois decorre de uma
imputação determinada. Por isso o legislador empregou
acusados em geral, para abranger um leque de
situações, com um sentido muito mais amplo que uma
mera acusação formal, e com o intuito de proteger ao
indiciado" (Introdução crítica ao Processo Penal, 3. Ed.,
Lumen Juris, 2005, p.225)
Noutro passo, está a argumentação no sentido de que, tendo
em vista a irrepetibilidade de certos atos tendentes a formar "prova"
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em sede inquisitorial, o investigado deveria, desde a fase policial,
deter o direito de intervir, por meio de sua defesa técnica, nos autos
e atos do procedimento, com vistas a proceder à fiscalização quanto
à legalidade de sua condução, bem como para apresentar sua
contraprova quanto ao que foi apresentado contra si.
Como terceiro argumento que arrosta a tese de que o inquérito
mostra-se infenso à incidência do contraditório, está o de que
inquéritos existem em que a própria lei garante a bilateralidade das
alegações. Exemplos são o inquérito para a expulsão de estrangeiro
(Lei 6.815/80), o inquérito administrativo, previsto no Direito
Administrativo, etc.
Estes expedientes investigativos possuem a previsão de um
contraditório, o que demonstra a efetiva possibilidade de vigência de
um sistema acusatório a abranger o inquérito policial; ademais, a
ausência de igual tratamento ao acusado em inquérito policial atenta
contra o postulado da isonomia (art.5º, caput, CF), o que o inquina
de inconstitucional.
Desse modo, impende sejam repensados os paradigmas atuais
do inquérito policial, de maneira a se garantir um mínimo de
bilateralidade dialética em favor do acusado, sem contudo se
sacrificarem certos princípios que imprimem a este a efetividade
desejada
na
consecução
das
provas
e
indícios
necessários
à
elucidação do fato.
Propugna-se,
assim,
por
uma
reanálise
do
instituto
do
contraditório em sede de inquérito policial, abrandando-se o rigor dos
ensinamentos e lições que defendem sua absoluta proibição em tal
âmbito.
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Bibliografia:
Demercian, Pedro Henrique, Curso de Processo Penal, 3ª Ed., Ed.
Forense, 2005
Moraes, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada, 4ª Ed., Ed.
Atlas, 2004
Tourinho Filho, Fernando da Costa, Processo Penal, Vol. 1, 28ª Ed.,
Ed. Saraiva, 2006
Muccio, Hidejalma, Curso de Processo Penal, Vol.1, 1ª Ed., Ed.
Edipro, 2000
Capez, Fernando, Curso de Processo Penal, 14ª Ed. Ed. Saraiva,,
2007
Mirabete, Código de Processo Penal Interpretado, 11ª Ed., Ed. Atlas,
2003
Aury, Lopes Júnior, Introdução crítica ao Processo Penal, 3ª Ed., Ed.
Lumen Juris, 2005
Nery Júnior, Nelson, Princípios do Processo Civil na Constituição
Federal, 2ª Ed., Ed. Revista dos Tribunais
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