SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 DANOS (I)MORAIS POR ABANDONO AFETIVO Elton Kelvin Schmeier1 Alexandre Priess2 SUMÁRIO Introdução; 1. Breve análise acerca do instituto da responsabilidade civil; 1.1 Etimologia; 1.2 Conceito; 1.3 Natureza da responsabilidade civil; 1.4 Fundamentos da responsabilidade civil; 1.5 Pressupostos para configuração da responsabilidade civil; 1.5.1 Responsabilidade civil subjetiva; 1.5.2 Responsabilidade civil objetiva; 1.5.3 Responsabilidade civil extracontratual; 2. Dano Moral; 3. Abandono afetivo; 3.1 Conceito de família; 3.2 Conceito de abandono afetivo; 3.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 3.2.2 Princípio da Afetividade; 3.2.3 Fundamentos da Abandono afetivo; Considerações Finais; Referências das fontes citadas. RESUMO Em primeiro lugar deve-se explicitar que a expressão “dano moral imoral” é de autoria do doutrinador Luiz Felipe Siegert Stchuch3, a qual serviu de título para sua obra, que é resultado de pesquisa desenvolvida na doutrina e jurisprudência pátria, confrontadas com a análise da realidade social brasileira, e tem como objeto os danos morais, obra esta que abarca uma análise crítica a respeito do citado instituto. A presente pesquisa científica tem como objetivo analisar a legalidade das recentes decisões dos tribunais que concederam indenização por danos morais a filhos que sofreram abandono afetivo de seus pais, para isso se faz a análise do instituto da responsabilidade civil, tratando-se de sua etimologia, conceito, natureza, fundamentos e pressupostos. Adiante explicitou-se acerca do dano moral, mais especificamente do dano moral por abandono afetivo, vislumbrando-se os conceitos fundantes desta espécie de dano. Utilizando-se, para tanto, da doutrina, legislação brasileira e julgados dos tribunais. Palavras-Chave: Família. Responsabilidade Civil. Dano Moral. Abandono Afetivo. INTRODUÇÃO O presente artigo pretende retratar e analisar a omissão afetiva dos pais que em recentes decisões vem sendo acolhida como causa de reparação civil. Trazendo os entendimentos legais, doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto, a fim de 1 Acadêmico do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus de Itajaí. 2 Professor de Direito Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí no campus de Itajaí. 3 SCHUCH, Luiz Felipe Siegert. Dano moral imoral: O abuso à luz da doutrina e jurisprudência. Conceito Editorial, 2012. 664 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 elucidar a pesquisa, buscando fazer uma análise da moralidade de tal prática e buscando um esclarecimento quanto ao dever de indenizar. O Direito de Família hodiernamente sofre amplas transformações, são várias as mudanças de paradigmas que ensejam o estudo incansável dos doutrinadores em busca de fundamentos que acompanhem tais mutações. A respeito do Direito de Família, mais corretamente “Direito das Famílias”, Maria Rosa Nery4 salienta que “a história do Direito de Família é a história do homem e, por isso, é também uma história política”, textualizando ainda ser “o retrato da experiência humana pelos olhos da evolução da vida privada”, no que existe de essencial no curso da humanidade e de suas aspirações mais íntimas, bem como de seu “grande esforço cultural para o aprimoramento dos costumes e para o alicerce do que hoje se chama ‘sociedade civil’”. Pode-se destacar que o Direito de Família possui “caráter singular porque seu conteúdo é polêmico”, como ensina Said Yussef Cahali5, em função de ser um direito “regulador das relações domésticas”, tanto o indivíduo como o Estado e a Religião prezam pela sociedade conjugal com objetivos ora concorrentes ora antagônicos. Para o citado Autor advém daí o fato de ser o Direito de Família alvo de debate contínuo, o qual divide doutrinadores e legisladores em virtude da divergência de critérios em criar as normas e ainda em como aplicá-las. As discussões sobre até que ponto o Estado deve intervir nas relações familiares não poderiam ser diferentes. É fato que a família possui tutela especial na Constituição Federal6, contudo, imperioso se faz traçar a linha tênue que separa o público do privado, buscando-se a limitação da intervenção estatal nas relações particulares. Destarte, os questionamentos acerca do dano moral motivado pelo abandono afetivo não poderiam ser menos acalorados, pois se busca aferir valor frente ao não cumprimento do afeto. 4 NERY, Rosa Maria de Andrade. Tratado jurisprudencial e doutrinário: direito de família. São Paulo: RT, 2011. p.7. 5 CAHALI, Said Yussef. CAHALI, Francisco José. Família e sucessões: direito de família. São Paulo: RT, 2011. v. 1. p. 63. 6 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Daqui em diante denominada Constituição Federal. 665 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1 BREVE ANÁLISE ACERCA DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL A priori, toda a ação ou omissão que desencadeia um prejuízo gera responsabilidade ou dever indenizatório, contudo deve-se observar que poderá haver excludentes que impeçam a indenização, como elucida Sílvio de Salvo Venosa7. Adauto de Almeida Tomaszewski8 explica que atribuir responsabilidade a alguma pessoa é o mesmo que tornar-lhe responsável por algo e, consequentemente, fazê-la arcar com as consequências de seus atos e do descumprimento de seu dever, tal responsabilidade deve ser atribuída àquele agente que deveria, ou podia, agir de forma diferente. Sílvio de Salvo Venosa9 esclarece que o termo responsabilidade é empregado em qualquer circunstância na qual “alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso”, sob este prisma, qualquer atividade humana poderá acarretar o dever de indenizar. Os princípios norteadores da responsabilidade civil visam reestabelecer um “equilíbrio patrimonial e moral violado”10, vez que um prejuízo ou dano não reparado é um “fator de inquietação social”11. Os ordenamentos atuais buscam ampliar cada vez mais o dever de indenizar, com o objetivo de que restem cada vez menos danos não ressarcidos. Para Sílvio de Salvo Venosa12, tal objetivo é inalcançável em decorrência da complexidade da vida contemporânea, asseverando que os dados que devem ser reparados são os de índole jurídica, muito embora possam ter motivação também de cunho moral, religioso, social e ético, somente merecendo guarida a reparação do dano decorrente das transgressões dentro dos princípios obrigacionais. 1.1 Etimologia 7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 939. 8 TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separação, violência e danos morais: a tutela da personalidade dos filhos. São Paulo: Paulistana Jur, 2004. p. 245. 9 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 939. 10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 4. p.1. 11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. p.1. 12 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. p. 939. 666 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A expressão “responsabilidade” leva mais que um significado, como aduz Rui Stoco13, pois tem sentido “polissêmico”. Podendo ser utilizada para expressar diligência e cuidado, como também no plano jurídico revelar uma obrigação. Vale aludir que a forma de expressão “responsabilidade”, no seu sentido de “dever de reparar”, derivou do termo sponsio, onde o devedor confirmava a sua obrigação perante o credor como uma forma de expressar a garantia de que a dívida seria paga, não tendo ligação com o conceito de culpa.14 1.2 Conceito O termo responsabilidade pode levar a um pensamento de relação obrigacional, podendo revelar um dever, um compromisso ou ainda uma sanção, que decorre de um fato.15 Sergio Cavalieri Filho16, assim conceitua a responsabilidade civil: A responsabilidade civil é uma espécie de estuário onde deságuam todos os rios do Direito: público e privado, material e processual; é uma abóboda que enfeixa todas as áreas jurídicas, uma vez que tudo acaba em responsabilidade. Destarte, como enfatiza o Autor17, uma vez que tudo acaba em responsabilidade, não há como concentrar todas as regras da responsabilidade em um só título ou em uma só parte do Código. 1.3 Natureza da responsabilidade civil A responsabilidade civil é “a consequência da imputação civil do dano a pessoa que lhe deu causa ou que responda pela indenização correspondente, nos termos da lei ou do contrato”.18 13 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. p 111. 14 COSTA, Judith Martins. Os Fundamentos da Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, v. 93, out./1991. apud ZULIANE, Enio Santarelli. Reparação de Danos. ADV Seleções Jurídicas - Coad, São Paulo, v. 3, p.34-39, abr./2004. 15 FIUZA, César. Para uma releitura da teoria geral da responsabilidade civil. TRT 2ª Região: Revista Synthesis, n. 42, 2006. p.32. 16 CAVALIERI FILHO, Sergio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista EMERJ. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v.6, n. 24, 2003. p. 30-37. 17 CAVALIERI FILHO, Sergio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista EMERJ. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v.6, n.24, 2003. p. 30-37. 667 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 O doutrinador Rui Stoco19, a respeito da natureza da responsabilidade civil, assim salienta: Aqueles que vivem em sociedade e aceitam as regras sociais, as obrigações anímicas impostos pela moral e pela ética, enquanto compromissos supralegais, e pelo regramento institucional imposto pelo tegumento social, expresso no Direito Positivo, assumem o dever de não ofender, em de lesar, causar prejuízo sem que tenham justificativa ou eximente, expressamente prevista na legislação de regência. Desta forma, a indenização “é devida pelo responsável pode ter natureza compensatória e ou reparatória do dano causado”.20 1.4 Fundamentos da responsabilidade civil A responsabilidade civil se fundamenta na conduta do agente, configurandose a responsabilidade subjetiva, no fato da coisa ou no risco da atividade, que geram a responsabilidade objetiva, como aclara Nelson Nery Junior21. Embora a responsabilidade esteja escorada no mundo fático, possui sustentação jurídica.22 O instituto em comento é “parte integrante do direito obrigacional, sendo a reparação dos danos algo sucessivo à transgressão de uma obrigação”23. Na responsabilidade objetiva “o sistema fixa o dever de indenizar independentemente da culpa ou do dolo do agente”, já na subjetiva “há dever de indenizar quando se demonstra o dolo ou a culpa do agente, na causação do fato que ocasionou o dano”.24 1.5 Pressupostos para configuração da responsabilidade civil 18 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São 2008. p. 733. 19 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. p 117. 20 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 733. 21 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733. 22 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. p 117. 23 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 940. 24 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 733. 668 Paulo: Atlas, SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A responsabilidade civil no direito pátrio se divide em dois grandes sistemas: Responsabilidade Civil Objetiva e Responsabilidade Civil Subjetiva.25 Vale ainda salientar que, no sistema de direito privado há hipóteses de reponsabilidade extracontratual que se determinam pelo critério subjetivo, em consonância ao artigo 186 do Código Civil e pelo critério objetivo, em conformidade ao artigo 927 parágrafo único do citado Códex, como também ocorre nas situações contratuais, como textualiza Nelson Nery Junior26: [...] Igualmente, a situações de responsabilidade civil por dano contratual que se apura pelo critério da responsabilidade subjetiva (hipótese em que se verificam os aspectos que compõem a base subjetiva do negócio jurídico) e da responsabilidade objetiva (quando a matéria sob análise aborda a base objetiva do negocio jurídico – CC 421 e 422). Deve-se observar que para a configuração da responsabilidade civil é necessário que estejam preenchidos alguns pressupostos. 1.5.1 Responsabilidade Civil Subjetiva O sistema geral do Código Civil é o da responsabilidade civil subjetiva (CC186)27, que se fundamenta na teoria da culpa. Para que se configure o dever de indenizar é necessária a existência dos seguintes pressupostos: a) do dano; b) no nexo de causalidade entre o fato e dano; c) da culpa latu sensu (culpa- imprudência, negligencia ou imperícia- ou dolo) do agente, como elucida Nelson Nery Junior28. 1.5.2 Responsabilidade civil objetiva O sistema subsidiário do Código Civil é da responsabilidade civil objetiva (CC 927 parágrafo único)29, que se fundamenta na teoria do risco. 25 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733. 26 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733. 27 Código Civil, artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 28 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733. 29 Código Civil, artigo 927, parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 669 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Na teoria do risco para que surja o dever de indenizar basta a existência do dano e o nexo causal entre o fato e o dano sendo irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, como ensina Nelson Nery Junior30. Desta forma, como aduz o citado Autor, haverá responsabilidade civil objetiva quando a lei determinar (CC 933)31 ou quando a atividade habitual do agente decorrência da sua natureza implique em risco para o direito de outrem. 1.5.3 Responsabilidade civil extracontratual A responsabilidade civil extracontratual tem por base o ato ilícito absoluto, composto por elementos objetivos e subjetivos, assim descritos por Moreira Alves32: São elementos do ato ilícito absoluto: a) a existência de ato ou omissão (ato comissivo por omissão), antijurídico (violadores de direitos subjetivo absoluto ou de interesso legítimo): b) a ocorrência de um dano material ou moral; c) nexo de causalidade entre o ato ou omissão e o dano. São elementos subjetivos do ato ilícito absoluto: a) a imputabilidade (capacidade para praticar a antijuridicidade); b) a culpa em sentido latu (abrangente do dolo e culpa em sentido estrito). Uma vez analisados, ainda que de forma panorâmica a contextualização do instituto da responsabilidade, passar-se-á, ao estudo do dano moral, um dos fatos geradores da obrigação de indenizar. 2 DANO MORAL A Constituição Federal conferiu ao dano moral status constitucional, garantindo sua reparação mediante a configuração de ato ilícito em consequência ao agravo “à honra e à imagem ou violação à intimidade e à vida privada,” tornando perfeitamente possível sua cumulação com o pedido de dano material, por ambos terem fundamentos próprios passando pelo arbítrio do órgão julgador, seja na sua valoração quanto na sua quantificação.33 30 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733. 31 Código Civil, artigo 933. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. 32 ALVES, Moreira. A responsabilidade extracontratual e seus fundamentos: culpa e nexo de causalidade, in Est. Oscar Correa, n. 5, p. 201. 33 Supremo Tribunal Federal – Revista dos Tribunais 769/149. 670 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 O dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima, sua atuação incide dentro dos direitos da personalidade, como explicita Silvio de Salvo Venosa34: Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal. Segundo Nelson Nery Junior35, o que o constituinte brasileiro classifica como dano moral “é aquele dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de índole cível, traduzida em dinheiro, embora a sua própria configuração não seja material”. Contudo, não é como “incentivar-se um objeto ou tomar-se um bem de uma pessoa”, e sim causar a ela “um mal evidente”. Feita a breve apreciação acerca do dano moral, analisar-se-á especificamente o dano moral por abandono afetivo objeto do presente trabalho científico. 3 ABANDONO MORAL OU AFETIVO O abandono moral ora estudado remete-se a relação paterno-filial, destarte, prudente se faz a análise, ainda que superficial, deste instituto. Rodrigo da Cunha Pereira, atual presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), foi o precursor a visualizar a possibilidade da responsabilização civil em decorrência de abandono afetivo (moral). O doutrinador, no ano de 2000, ajuizou ação objetivando condenação com base no ilícito em virtude do abandono afetivo, cujo caso tratava-se de um filho que 34 35 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 41. NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. P. 771. 671 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 recebia pensão alimentícia, devidamente adimplida pelo seu genitor, contudo buscou uma reparação em razão do descumprimento dos deveres de cuidado paterno, cuja legislação impunha. O Relator Desembargador Unias Silva, (TJMG) em abril de 2004, concedeu provimento ao recurso interposto pelo filho, considerou que: “configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, em relação a sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio, afim de, através da afetividade, formar laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos.” A indenização por danos morais foi fixada, no valor equivalente a 200 salários mínimos, perfazendo a quantia de R$ 44.000,00, a qual deveria ser atualizada monetariamente de acordo com a tabela do Corregedoria Geral de Justiça e com juros de mora em 1% ao mês a contar da publicação do acórdão. Todavia, em sede de Recurso Especial, interposto pelo genitor no Superior Tribunal de Justiça, julgado em março de 2006, ocasião em que o órgão superior não admitiu a responsabilização fundada pelo abandono afetivo. Entendimento este modificado em 201236, na Relatoria da Ministra Nancy Andrighi que reconheceu o cabimento do abandono afetivo. Com fulcro a uma melhor compreensão dos fatos que levaram o órgão superior a embasar seu entendimento, bem como porque o assunto possui tamanha relevância, vale uma breve contextualização acerca do próprio instituto-família. Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka37, professora emérita da Faculdade de Direito da USP: [...] a cidade, antes de ser uma reunião de poderes, de instituições, de leis, é uma associação de famílias. Essa concepção aristotélica da cidade como uma reunião de famílias, célebre na história da filosofia política, não prosseguiu, todavia, com grande repercussão desde a Idade Média. [...] Há uma longa história do conceito de família na própria história das instituições civis. 36 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 – SP (2009/0193701-9). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Acórdão Disponibilizado No DJE em 09/05/2012. 37 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil na relação paterno filial: direito e responsabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 5. 672 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procacional para uma nova função como ilustra Paulo Lôbo38: Essas linhas de tendências enquadram-se no fenômeno jurídicosocial denominado repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais. É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade. Destarte, que a família seja “uma realidade social, um fato da cultura, é um dado elementar reconhecido pela melhor doutrina jurídica”39. 3.1 Conceito de família Para Carlos Bittar “o princípio fundamental de toda a textura social é o da família reunida sob o casamento como célula básica da sociedade”. (Bittar, Carlos Alberto. Direito de Família. P.51), conceito este hodiernamente ultrapassado, senão veja-se: Dispondo a família de várias formatações, também o direito das famílias precisa ter espectro cada vez mais abrangente. Assim, difícil sua definição sem incidir num vício de lógica. Como esse ramo do direito disciplina a organização da família, conceitua-se o direito de família com o próprio objeto a definir40. Em consequência, como apregoa a doutrinadora, mais do que uma definição, o que se visualiza é a enumeração dos muitos institutos que regem “não só as relações entre pais e filhos, mas também entre cônjuges e conviventes, ou seja, a relação das pessoas ligadas por um vínculo de consanguinidade, afinidade ou afetividade”41. A família “é o espaço por excelência da repersonificação do direito”42. 38 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 22. 39 ROCHA, Marco Túlio de Carvalho. O Conceito de família e suas implicações jurídicas: teoria sociojurídica do direito de família. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 9. 40 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 34. 41 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 34. 42 LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 22. 673 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Silvio de Salvo Venosa43 ensina que se pode conceituar a família de forma ampla e restrita. Na forma ampla, como parentesco, ou seja, “o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar”44. Em um conceito restrito, família “compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar”45. Nesse sentido a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a cognominada família monoparental, conforme disposto em seu artigo 226 parágrafo 4º46. 3.2 Abandono afetivo O abandono afetivo é pautado basicamente nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana e no Princípio da Afetividade. Um dos maiores avanços do direito pátrio, mais especificamente após edição da Constituição Federal de 1988, é a “consagração da força normativa dos princípios constitucionais explícitos e implícitos, superando o efeito simbólico que a doutrina tradicional a eles destinava.”47 A família vive hodiernamente um processo de emancipação de personalidades, como ensina Rolf Madaleno, salientando que foram “promulgados novos princípios destinados a promover a releitura de um Direito de Família outrora engessado e hierarquizado”.48 Rui Stoco49 acerca do abandono moral salienta que, em tese, e diante das circunstancias do caso, o filho, em razão do desprezo, abandono, pouco caso de qualquer dos pais poderá ser atingido em seu direito de personalidade e sofre dano moral. O autor aclara que o que se põe em relevo e exsurge como causa de responsabilização por dano moral é o abandono afetivo, decorrente do 43 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 1. 44 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 1. 45 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 1. 46 Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 47 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 57. 48 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2011. p 39. 49 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 946. 674 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 distanciamento físico e da omissão sentimental, ou seja, a negação de carinho, de atenção, de amor, e de consideração, através do afastamento, do desinteresse, do desprezo e falta de apoio e, às vezes, da completa ausência de relacionamento entre pai (ou mãe) e filho. 3.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana é concebido como princípio fundamental na Constituição Federal, a qual prevê estar o planejamento familiar assentado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, como ensina Rolf Madaleno50. O principio em comento é hoje um dos pilares de sustentação dos ordenamentos jurídicos coevos, sendo inadmissível pensar em direitos apartados da ideia e conceito de dignidade, como elucida Alexandre dos Santos Cunha51. Embora essa noção esteja vinculada à evolução histórica do Direito Privado, ela tornou-se também um dos pilares do Direito Público, na medida em que é o fundamento primeiro da ordem constitucional e, portanto, o vértice do Estado de Direito. 52 O direito das famílias esta umbilicalmente ligado aos direitos humanos, como doutrina Maria Berenice Dias53, destacando que tais direitos têm por sustentação o princípio da dignidade da pessoa humana, “versão axiológica da natureza humana”54. Paulo Lôbo55 aduz que a dignidade “é um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e alteridade”. 50 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p 41. 51 CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: conceito fundamental do direito civil. In: COSTA, Judith Martins (org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 260. 52 CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: conceito fundamental do direito civil. In: COSTA, Judith Martins (org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais. p. 260. 53 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 63. 54 BARROS, Sergio Resende de. Direitos Humanos da Família: dos fundamentais aos operacionais. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.) Direito de família e psicanálise. São Paulo: Imago, 2003. p. 143-154. 55 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 114. 675 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Segundo Rolf Madaleno56 a dignidade humana “atua na órbita constitucional na condição de princípio fundamental do Estado Democrático de Direito”: [...] como princípio constitucional consagra os valores mais importantes da ordem jurídica, gozando de plena eficácia57 e efetividade,58 porque de alta hierarquia e fundamental prevalência, conciliando a segurança jurídica com a busca da justiça.59 “É a noção de dignidade e indignidade que possibilitou pensar, organizar e desenvolver os direitos humanos”.60 3.2.2 Princípio da afetividade O professor Rolf Madaleno61 assim conceitua o princípio da afetividade: O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. Necessariamente os vínculos consanguíneos se sobrepõem ao liames afetivos, podendo até ser afirmada a prevalência desses sobre aqueles. A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como ensina Paulo Lôbo62, pois não pode ser tratado como um fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações. 56 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2011. p 40. 57 Silva, José Afonso da apud Rolf Madaleno (Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 101-102), “as normas de eficácia plena incidem diretamente sobre os interesses a que o constituinte quis dar expressão normativa. São de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade. No dizer clássico, são autoaplicáveis. As condições gerais para essa aplicabilidade são a existência apenas do aparato jurisdicional, o que significa: aplicam-se só pelo fato de serem normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência do Estado e aplicam-se só pelo fato de serem normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência do Estado e de seus órgãos”. 58 Para BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 85: “A efetividade significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.” 59 MOTTA, Carlos Dias. Direito matrimonial e seus princípios jurídicos. São Paulo: RT, 2007. p. 193. 60 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 115. 61 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. p. 95. 62 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 71. 676 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Destarte, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e vice versa, ainda que não haja amor, o princípio jurídico da afetividade entre estes “apenas deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver perda do poder familiar”.63 3.2.2 Fundamentos do abandono moral O ordenamento jurídico brasileiro atribui aos pais certos deveres, em decorrência do exercício do poder familiar. A Constituição Federal confere à família o dever de educar, bem como o dever de convivência e o respeito à dignidade dos filhos, devendo esta, sempre primar pelo desenvolvimento saudável do menor, bem como aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos, como explica Delma Silveira Ibias64: Claudia Gay Barbedo65 salienta que o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil brasileiro corroboram a existência de deveres intrínsecos ao poder familiar, confiando aos pais, obrigações não somente do ponto de vista material, mas especialmente, afetivas, morais e psíquicas. Isso significa que, em todas as relações jurídicas, a criança e o adolescente passaram a possuir prioridade absoluta e, por isso, invoca-se o princípio do melhor interesse. O estatuto da Criança e Adolescente que toda criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Igualmente no Código Civil, em seu artigo 1.634, prevê como deveres conjugais, o sustento, criação, guarda, companhia e educação dos filhos (1.566, IV). Os artigos 1.583 a 1.590 discorrem sobre a proteção dos filhos em caso de rompimento da sociedade conjugal. Delma Silveira Ibias66 salienta que os deveres dos pais normatizados 63 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 71. 64 IBIAS, Delma Silveira. O direito à convivência familiar e o dano moral: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p. 163-164 65 BARBEDO, Claudia Gay. A possibilidade da extensão da lei de alienação parental ao idoso. SOUZA, Ivone M. Candido Coelho de. (Org.). Família contemporânea: uma visão interdisciplinar. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2011. p. 147-158. 66 IBIAS, Delma Silveira. O direito à convivência familiar e o dano moral: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p.164. 677 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 nos diplomas retro mencionados abrangem: [...] o direito de criação, as necessidades biopsíquicas do filho, o que está vinculada à satisfação das demandas básicas, tais como os cuidados na enfermidade, a orientação moral, o apoio psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente ao longo da vida. Um dos deveres dos pais em relação aos filhos é o de convivência familiar, segundo o entendimento de Isis Boll de Araújo Bastos67, uma vez “obstaculizada a convivência, pode-se configurar um caso de abandono afetivo”. A Autora salienta ainda que o referido comportamento se configura quando o pai ou a mãe são omissos “no dever de proporcionar afeto ao seu filho de forma que ele desenvolva livremente sua personalidade, ou seja, não se contente apenas em pagar os alimentos”.68 Para que se efetive o processo de formação dos filhos não se faz necessária a coabitação com ambos os pais, “desde que estes cumpram seus papéis de forma efetiva”, como apregoa Delma Silveira Ibias69: Apesar da preocupação do legislador em resguardar os direitos dos filhos, buscando novas soluções, no sentido de coibir abusos e omissões, é cada vez mais comum a negativa de alguns pais, quanto a seus deveres na condução e criação dos filhos. Desta forma, passou-se a evocar a responsabilidade civil a fim de buscar a reparação dos danos causados aos filhos em virtude do abandono afetivo, segundo Thanabi Bellenzier Calderan70, dentro da nova perspectiva de direitos surge a possibilidade do Direito de Família penetrar no campo da responsabilidade civil.71 67 BASTOS, Ísis Boll de Araújo. A tríplice proteção da família: um misto de responsabilidade: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p. 177. 68 BASTOS, Ísis Boll de Araújo. A tríplice proteção da família: um misto de responsabilidade: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. p. 177. 69 IBIAS, Delma Silveira. O direito à convivência familiar e o dano moral: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p.164. 70 CALDERAN, Thanabi Bellenzier; DILL, Michelle Amaral. A importância do papel dos pais no desenvolvimento dos filhos e a responsabilidade civil por abandono. Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 20 jun. 2012. 71 CALDERAN, Thanabi Bellenzier; DILL, Michelle Amaral. A importância do papel dos pais no desenvolvimento dos filhos e a responsabilidade civil por abandono. Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 20 jun. 2012. 678 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Rolf Madaleno72 aduz que dentre os afastáveis deveres paternos-filiais “figura o de assistência moral, psíquica e afetiva”, e quando os pais ou apenas um deles deixa de praticar “o verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos da paternidade, respeitante à interação do convívio e entrosamento entre pai e filho”, especialmente quando separados, ou nos casos de famílias monoparentais, na qual “um dos ascendentes não assume a relação fática de genitor, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o direito de visitas”, invariavelmente afetará a formação psicológica do descendente abandonado. É nesse ambiente de amplidão da responsabilização civil nos dias contemporâneos que se localiza, como apregoa Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka73 irremediavelmente, a possibilidade de se evocar danos morais, na relação paterno-filial, derivados do abandono afetivo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após o estudo do instituto do dano moral, especificamente no que tange ao abandono afetivo, levantou-se a problemática quanto a sua aplicação desenfreada no Direito de Família, nas relações paterno-filiais. Pois, visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato, sendo comumente comparado por juristas como o “pedido batata frita”, aquele que sempre acompanha o prato principal, em virtude de que qualquer mero desconforto, aflição, apreensão ou dissabor seja configurado como dano moral. Destarte, não se pode olvidar que em alguns casos devem ser aplicado o instituto em comento, sob pena de não ocorrendo deixar-se de efetivar uma das garantias fundamentais, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Contudo, aferir valor ao afeto, ou monetarizar o amor, não se deve ter como premissa geral, e sim como exceção para que o reconhecimento da 72 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. p. 375. 73 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos: além da obrigação legal de caráter material. Repertório de Jurisprudência IOB, v. 3. n. 18, 2006. p. 568-582. 679 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 responsabilidade civil por abandono moral não possa dar brecha a abusos. O que os tribunais vêm fazendo, ao dar provimento a essas ações, é tornar o enriquecimento ilícito em lícito. Finalmente, salienta-se que as discussões acerca do tema são por demais controversas, tornando impossível sua saturação apenas neste artigo, não obstante, o presente trabalho científico tem o condão de instigar o leitor a refletir sobre o tema, não aceitando de forma atomata as novas decisões dos tribunais superiores como dogmas intocáveis. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BARBEDO, Claudia Gay. A possibilidade da extensão da lei de alienação parental ao idoso. SOUZA, Ivone M. Candido Coelho de. (Org.). Família contemporânea: uma visão interdisciplinar. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2011. BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. CAHALI, Said Yussef. CAHALI, Francisco José. Família e sucessões: direito de família. São Paulo: RT, 2011. v. 1. CALDERAN, Thanabi Bellenzier; DILL, Michelle Amaral. A importância do papel dos pais no desenvolvimento dos filhos e a responsabilidade civil por abandono. 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Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos: além da obrigação legal de caráter material. Repertório de Jurisprudência IOB, v. 3. n. 18, 2006. 680 SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil na relação paterno filial: direito e responsabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. 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