SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º
Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
DANOS (I)MORAIS POR ABANDONO AFETIVO
Elton Kelvin Schmeier1
Alexandre Priess2
SUMÁRIO
Introdução; 1. Breve análise acerca do instituto da responsabilidade civil; 1.1
Etimologia; 1.2 Conceito; 1.3 Natureza da responsabilidade civil; 1.4 Fundamentos
da responsabilidade civil; 1.5 Pressupostos para configuração da responsabilidade
civil; 1.5.1 Responsabilidade civil subjetiva; 1.5.2 Responsabilidade civil objetiva;
1.5.3 Responsabilidade civil extracontratual; 2. Dano Moral; 3. Abandono afetivo; 3.1
Conceito de família; 3.2 Conceito de abandono afetivo; 3.2.1 Princípio da dignidade
da pessoa humana; 3.2.2 Princípio da Afetividade; 3.2.3 Fundamentos da Abandono
afetivo; Considerações Finais; Referências das fontes citadas.
RESUMO
Em primeiro lugar deve-se explicitar que a expressão “dano moral imoral” é de
autoria do doutrinador Luiz Felipe Siegert Stchuch3, a qual serviu de título para sua
obra, que é resultado de pesquisa desenvolvida na doutrina e jurisprudência pátria,
confrontadas com a análise da realidade social brasileira, e tem como objeto os
danos morais, obra esta que abarca uma análise crítica a respeito do citado instituto.
A presente pesquisa científica tem como objetivo analisar a legalidade das recentes
decisões dos tribunais que concederam indenização por danos morais a filhos que
sofreram abandono afetivo de seus pais, para isso se faz a análise do instituto da
responsabilidade civil, tratando-se de sua etimologia, conceito, natureza,
fundamentos e pressupostos. Adiante explicitou-se acerca do dano moral, mais
especificamente do dano moral por abandono afetivo, vislumbrando-se os conceitos
fundantes desta espécie de dano. Utilizando-se, para tanto, da doutrina, legislação
brasileira e julgados dos tribunais.
Palavras-Chave: Família. Responsabilidade Civil. Dano Moral. Abandono Afetivo.
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende retratar e analisar a omissão afetiva dos pais que
em recentes decisões vem sendo acolhida como causa de reparação civil. Trazendo
os entendimentos legais, doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto, a fim de
1
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus de Itajaí.
2
Professor de Direito Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí no campus de Itajaí.
3
SCHUCH, Luiz Felipe Siegert. Dano moral imoral: O abuso à luz da doutrina e jurisprudência. Conceito Editorial,
2012.
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elucidar a pesquisa, buscando fazer uma análise da moralidade de tal prática e
buscando um esclarecimento quanto ao dever de indenizar.
O Direito de Família hodiernamente sofre amplas transformações, são várias
as mudanças de paradigmas que ensejam o estudo incansável dos doutrinadores
em busca de fundamentos que acompanhem tais mutações.
A respeito do Direito de Família, mais corretamente “Direito das Famílias”,
Maria Rosa Nery4 salienta que “a história do Direito de Família é a história do
homem e, por isso, é também uma história política”, textualizando ainda ser “o
retrato da experiência humana pelos olhos da evolução da vida privada”, no que
existe de essencial no curso da humanidade e de suas aspirações mais íntimas,
bem como de seu “grande esforço cultural para o aprimoramento dos costumes e
para o alicerce do que hoje se chama ‘sociedade civil’”.
Pode-se destacar que o Direito de Família possui “caráter singular porque
seu conteúdo é polêmico”, como ensina Said Yussef Cahali5, em função de ser um
direito “regulador das relações domésticas”, tanto o indivíduo como o Estado e a
Religião prezam pela sociedade conjugal com objetivos ora concorrentes ora
antagônicos.
Para o citado Autor advém daí o fato de ser o Direito de Família alvo de
debate contínuo, o qual divide doutrinadores e legisladores em virtude da
divergência de critérios em criar as normas e ainda em como aplicá-las.
As discussões sobre até que ponto o Estado deve intervir nas relações
familiares não poderiam ser diferentes.
É fato que a família possui tutela especial na Constituição Federal6, contudo,
imperioso se faz traçar a linha tênue que separa o público do privado, buscando-se a
limitação da intervenção estatal nas relações particulares.
Destarte, os questionamentos acerca do dano moral motivado pelo
abandono afetivo não poderiam ser menos acalorados, pois se busca aferir valor
frente ao não cumprimento do afeto.
4
NERY, Rosa Maria de Andrade. Tratado jurisprudencial e doutrinário: direito de família. São Paulo: RT, 2011.
p.7.
5
CAHALI, Said Yussef. CAHALI, Francisco José. Família e sucessões: direito de família. São Paulo: RT, 2011. v.
1. p. 63.
6
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Daqui em diante denominada Constituição Federal.
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1 BREVE ANÁLISE ACERCA DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A priori, toda a ação ou omissão que desencadeia um prejuízo gera
responsabilidade ou dever indenizatório, contudo deve-se observar que poderá
haver excludentes que impeçam a indenização, como elucida Sílvio de Salvo
Venosa7.
Adauto de Almeida Tomaszewski8 explica que atribuir responsabilidade a
alguma
pessoa
é
o
mesmo
que
tornar-lhe
responsável
por
algo
e,
consequentemente, fazê-la arcar com as consequências de seus atos e do
descumprimento de seu dever, tal responsabilidade deve ser atribuída àquele
agente que deveria, ou podia, agir de forma diferente.
Sílvio de Salvo Venosa9 esclarece que o termo responsabilidade é
empregado em qualquer circunstância na qual “alguma pessoa, natural ou jurídica,
deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso”, sob este
prisma, qualquer atividade humana poderá acarretar o dever de indenizar.
Os princípios norteadores da responsabilidade civil visam reestabelecer um
“equilíbrio patrimonial e moral violado”10, vez que um prejuízo ou dano não reparado
é um “fator de inquietação social”11.
Os ordenamentos atuais buscam ampliar cada vez mais o dever de
indenizar, com o objetivo de que restem cada vez menos danos não ressarcidos.
Para Sílvio de Salvo Venosa12, tal objetivo é inalcançável em decorrência da
complexidade da vida contemporânea, asseverando que os dados que devem ser
reparados são os de índole jurídica, muito embora possam ter motivação também de
cunho moral, religioso, social e ético, somente merecendo guarida a reparação do
dano decorrente das transgressões dentro dos princípios obrigacionais.
1.1 Etimologia
7
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 939.
8
TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separação, violência e danos morais: a tutela da personalidade dos
filhos. São Paulo: Paulistana Jur, 2004. p. 245.
9
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 939.
10
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 4. p.1.
11
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade civil. p.1.
12
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. p. 939.
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SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
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A expressão “responsabilidade” leva mais que um significado, como aduz
Rui Stoco13, pois tem sentido “polissêmico”. Podendo ser utilizada para expressar
diligência e cuidado, como também no plano jurídico revelar uma obrigação.
Vale aludir que a forma de expressão “responsabilidade”, no seu sentido de
“dever de reparar”, derivou do termo sponsio, onde o devedor confirmava a sua
obrigação perante o credor como uma forma de expressar a garantia de que a dívida
seria paga, não tendo ligação com o conceito de culpa.14
1.2 Conceito
O termo responsabilidade pode levar a um pensamento de relação
obrigacional, podendo revelar um dever, um compromisso ou ainda uma sanção,
que decorre de um fato.15
Sergio Cavalieri Filho16, assim conceitua a responsabilidade civil:
A responsabilidade civil é uma espécie de estuário onde deságuam
todos os rios do Direito: público e privado, material e processual; é
uma abóboda que enfeixa todas as áreas jurídicas, uma vez que tudo
acaba em responsabilidade.
Destarte, como enfatiza o Autor17, uma vez que tudo acaba em
responsabilidade, não há como concentrar todas as regras da responsabilidade em
um só título ou em uma só parte do Código.
1.3 Natureza da responsabilidade civil
A responsabilidade civil é “a consequência da imputação civil do dano a
pessoa que lhe deu causa ou que responda pela indenização correspondente, nos
termos da lei ou do contrato”.18
13
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. p 111.
14
COSTA, Judith Martins. Os Fundamentos da Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista Trimestral de
Jurisprudência dos Estados, v. 93, out./1991. apud ZULIANE, Enio Santarelli. Reparação de Danos. ADV Seleções Jurídicas - Coad, São Paulo, v. 3, p.34-39, abr./2004.
15
FIUZA, César. Para uma releitura da teoria geral da responsabilidade civil. TRT 2ª Região: Revista
Synthesis, n. 42, 2006. p.32.
16
CAVALIERI FILHO, Sergio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista EMERJ. Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro, v.6, n. 24, 2003. p. 30-37.
17
CAVALIERI FILHO, Sergio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista EMERJ. Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro, v.6, n.24, 2003. p. 30-37.
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SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
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O doutrinador Rui Stoco19, a respeito da natureza da responsabilidade civil,
assim salienta:
Aqueles que vivem em sociedade e aceitam as regras sociais, as
obrigações anímicas impostos pela moral e pela ética, enquanto
compromissos supralegais, e pelo regramento institucional imposto
pelo tegumento social, expresso no Direito Positivo, assumem o
dever de não ofender, em de lesar, causar prejuízo sem que tenham
justificativa ou eximente, expressamente prevista na legislação de
regência.
Desta forma, a indenização “é devida pelo responsável pode ter natureza
compensatória e ou reparatória do dano causado”.20
1.4 Fundamentos da responsabilidade civil
A responsabilidade civil se fundamenta na conduta do agente, configurandose a responsabilidade subjetiva, no fato da coisa ou no risco da atividade, que geram
a responsabilidade objetiva, como aclara Nelson Nery Junior21.
Embora a responsabilidade esteja escorada no mundo fático, possui
sustentação jurídica.22
O instituto em comento é “parte integrante do direito obrigacional, sendo a
reparação dos danos algo sucessivo à transgressão de uma obrigação”23.
Na responsabilidade objetiva “o sistema fixa o dever de indenizar
independentemente da culpa ou do dolo do agente”, já na subjetiva “há dever de
indenizar quando se demonstra o dolo ou a culpa do agente, na causação do fato
que ocasionou o dano”.24
1.5 Pressupostos para configuração da responsabilidade civil
18
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São
2008. p. 733.
19
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. p 117.
20
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2008. p. 733.
21
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733.
22
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: RT, 2007. p 117.
23
VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 940.
24
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2008. p. 733.
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Paulo: Atlas,
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A responsabilidade civil no direito pátrio se divide em dois grandes sistemas:
Responsabilidade Civil Objetiva e Responsabilidade Civil Subjetiva.25
Vale ainda salientar que, no sistema de direito privado há hipóteses de
reponsabilidade extracontratual que se determinam pelo critério subjetivo, em
consonância ao artigo 186 do Código Civil e pelo critério objetivo, em conformidade
ao artigo 927 parágrafo único do citado Códex, como também ocorre nas situações
contratuais, como textualiza Nelson Nery Junior26:
[...] Igualmente, a situações de responsabilidade civil por dano
contratual que se apura pelo critério da responsabilidade subjetiva
(hipótese em que se verificam os aspectos que compõem a base
subjetiva do negócio jurídico) e da responsabilidade objetiva (quando
a matéria sob análise aborda a base objetiva do negocio jurídico –
CC 421 e 422).
Deve-se observar que para a configuração da responsabilidade civil é
necessário que estejam preenchidos alguns pressupostos.
1.5.1 Responsabilidade Civil Subjetiva
O sistema geral do Código Civil é o da responsabilidade civil subjetiva
(CC186)27, que se fundamenta na teoria da culpa.
Para que se configure o dever de indenizar é necessária a existência dos
seguintes pressupostos: a) do dano; b) no nexo de causalidade entre o fato e dano;
c) da culpa latu sensu (culpa- imprudência, negligencia ou imperícia- ou dolo) do
agente, como elucida Nelson Nery Junior28.
1.5.2 Responsabilidade civil objetiva
O sistema subsidiário do Código Civil é da responsabilidade civil objetiva
(CC 927 parágrafo único)29, que se fundamenta na teoria do risco.
25
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733.
26
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733.
27
Código Civil, artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
28
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733.
29
Código Civil, artigo 927, parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.
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Na teoria do risco para que surja o dever de indenizar basta a existência do
dano e o nexo causal entre o fato e o dano sendo irrelevante a conduta (dolo ou
culpa) do agente, como ensina Nelson Nery Junior30.
Desta forma, como aduz o citado Autor, haverá responsabilidade civil
objetiva quando a lei determinar (CC 933)31 ou quando a atividade habitual do
agente decorrência da sua natureza implique em risco para o direito de outrem.
1.5.3 Responsabilidade civil extracontratual
A responsabilidade civil extracontratual tem por base o ato ilícito absoluto,
composto por elementos objetivos e subjetivos, assim descritos por Moreira Alves32:
São elementos do ato ilícito absoluto: a) a existência de ato ou
omissão (ato comissivo por omissão), antijurídico (violadores de
direitos subjetivo absoluto ou de interesso legítimo): b) a ocorrência
de um dano material ou moral; c) nexo de causalidade entre o ato ou
omissão e o dano. São elementos subjetivos do ato ilícito absoluto:
a) a imputabilidade (capacidade para praticar a antijuridicidade); b) a
culpa em sentido latu (abrangente do dolo e culpa em sentido
estrito).
Uma vez analisados, ainda que de forma panorâmica a contextualização do
instituto da responsabilidade, passar-se-á, ao estudo do dano moral, um dos fatos
geradores da obrigação de indenizar.
2 DANO MORAL
A Constituição Federal conferiu ao dano moral status constitucional,
garantindo sua reparação mediante a configuração de ato ilícito em consequência ao
agravo “à honra e à imagem ou violação à intimidade e à vida privada,” tornando
perfeitamente possível sua cumulação com o pedido de dano material, por ambos
terem fundamentos próprios passando pelo arbítrio do órgão julgador, seja na sua
valoração quanto na sua quantificação.33
30
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. p. 733.
31
Código Civil, artigo 933. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago
daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
32
ALVES, Moreira. A responsabilidade extracontratual e seus fundamentos: culpa e nexo de causalidade, in
Est. Oscar Correa, n. 5, p. 201.
33
Supremo Tribunal Federal – Revista dos Tribunais 769/149.
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O dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da
vítima, sua atuação incide dentro dos direitos da personalidade, como explicita Silvio
de Salvo Venosa34:
Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que
aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa
pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável.
Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode
acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo
do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o
psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com
fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma
sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse
campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao
magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca.
O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante
do comportamento humano universal.
Segundo Nelson Nery Junior35, o que o constituinte brasileiro classifica como
dano moral “é aquele dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de
índole cível, traduzida em dinheiro, embora a sua própria configuração não seja
material”.
Contudo, não é como “incentivar-se um objeto ou tomar-se um bem de uma
pessoa”, e sim causar a ela “um mal evidente”.
Feita
a
breve
apreciação
acerca
do
dano
moral,
analisar-se-á
especificamente o dano moral por abandono afetivo objeto do presente trabalho
científico.
3 ABANDONO MORAL OU AFETIVO
O abandono moral ora estudado remete-se a relação paterno-filial, destarte,
prudente se faz a análise, ainda que superficial, deste instituto.
Rodrigo da Cunha Pereira, atual presidente do Instituto Brasileiro de Direito
de
Família
(IBDFAM),
foi
o
precursor
a
visualizar
a
possibilidade
da
responsabilização civil em decorrência de abandono afetivo (moral).
O doutrinador, no ano de 2000, ajuizou ação objetivando condenação com
base no ilícito em virtude do abandono afetivo, cujo caso tratava-se de um filho que
34
35
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 41.
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2008. P. 771.
671
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recebia pensão alimentícia, devidamente adimplida pelo seu genitor, contudo buscou
uma reparação em razão do descumprimento dos deveres de cuidado paterno, cuja
legislação impunha.
O Relator Desembargador Unias Silva, (TJMG) em abril de 2004, concedeu
provimento ao recurso interposto pelo filho, considerou que:
“configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, em relação a sua
dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de cumprir
seu dever familiar de convívio, afim de, através da afetividade, formar
laço paternal com seu filho, e o nexo causal entre ambos.”
A indenização por danos morais foi fixada, no valor equivalente a 200
salários mínimos, perfazendo a quantia de R$ 44.000,00, a qual deveria ser
atualizada monetariamente de acordo com a tabela do Corregedoria Geral de
Justiça e com juros de mora em 1% ao mês a contar da publicação do acórdão.
Todavia, em sede de Recurso Especial, interposto pelo genitor no Superior
Tribunal de Justiça, julgado em março de 2006, ocasião em que o órgão superior
não admitiu a responsabilização fundada pelo abandono afetivo.
Entendimento este modificado em 201236, na Relatoria da Ministra Nancy
Andrighi que reconheceu o cabimento do abandono afetivo.
Com fulcro a uma melhor compreensão dos fatos que levaram o órgão
superior a embasar seu entendimento, bem como porque o assunto possui tamanha
relevância, vale uma breve contextualização acerca do próprio instituto-família.
Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka37, professora emérita da
Faculdade de Direito da USP:
[...] a cidade, antes de ser uma reunião de poderes, de instituições,
de leis, é uma associação de famílias. Essa concepção aristotélica
da cidade como uma reunião de famílias, célebre na história da
filosofia política, não prosseguiu, todavia, com grande repercussão
desde a Idade Média. [...] Há uma longa história do conceito de
família na própria história das instituições civis.
36
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 – SP (2009/0193701-9). Relatora: Ministra Nancy
Andrighi. Acórdão Disponibilizado No DJE em 09/05/2012.
37
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil na relação paterno filial: direito e
responsabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 5.
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A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana,
marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procacional para uma
nova função como ilustra Paulo Lôbo38:
Essas linhas de tendências enquadram-se no fenômeno jurídicosocial denominado repersonalização das relações civis, que valoriza
o interesse da pessoa humana mais do que suas relações
patrimoniais. É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa,
para ressaltar sua dignidade.
Destarte, que a família seja “uma realidade social, um fato da cultura, é um
dado elementar reconhecido pela melhor doutrina jurídica”39.
3.1 Conceito de família
Para Carlos Bittar “o princípio fundamental de toda a textura social é o da
família reunida sob o casamento como célula básica da sociedade”. (Bittar, Carlos
Alberto. Direito de Família. P.51), conceito este hodiernamente ultrapassado, senão
veja-se:
Dispondo a família de várias formatações, também o direito das
famílias precisa ter espectro cada vez mais abrangente. Assim, difícil
sua definição sem incidir num vício de lógica. Como esse ramo do
direito disciplina a organização da família, conceitua-se o direito de
família com o próprio objeto a definir40.
Em consequência, como apregoa a doutrinadora, mais do que uma
definição, o que se visualiza é a enumeração dos muitos institutos que regem “não
só as relações entre pais e filhos, mas também entre cônjuges e conviventes, ou
seja, a relação das pessoas ligadas por um vínculo de consanguinidade, afinidade
ou afetividade”41.
A família “é o espaço por excelência da repersonificação do direito”42.
38
LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 22.
39
ROCHA, Marco Túlio de Carvalho. O Conceito de família e suas implicações jurídicas: teoria sociojurídica do
direito de família. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 9.
40
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 34.
41
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 34.
42
LÔBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 22.
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Silvio de Salvo Venosa43 ensina que se pode conceituar a família de forma
ampla e restrita. Na forma ampla, como parentesco, ou seja, “o conjunto de pessoas
unidas por vínculo jurídico de natureza familiar”44.
Em um conceito restrito, família “compreende somente o núcleo formado por
pais e filhos que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar”45.
Nesse sentido a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a
entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a
cognominada família monoparental, conforme disposto em seu artigo 226 parágrafo
4º46.
3.2 Abandono afetivo
O abandono afetivo é pautado basicamente nos princípios da Dignidade da
Pessoa Humana e no Princípio da Afetividade.
Um dos maiores avanços do direito pátrio, mais especificamente após
edição da Constituição Federal de 1988, é a “consagração da força normativa dos
princípios constitucionais explícitos e implícitos, superando o efeito simbólico que a
doutrina tradicional a eles destinava.”47
A
família
vive
hodiernamente
um
processo
de
emancipação
de
personalidades, como ensina Rolf Madaleno, salientando que foram “promulgados
novos princípios destinados a promover a releitura de um Direito de Família outrora
engessado e hierarquizado”.48
Rui Stoco49 acerca do abandono moral salienta que, em tese, e diante das
circunstancias do caso, o filho, em razão do desprezo, abandono, pouco caso de
qualquer dos pais poderá ser atingido em seu direito de personalidade e sofre dano
moral.
O autor aclara que o que se põe em relevo e exsurge como causa de
responsabilização por dano moral é o abandono afetivo, decorrente do
43
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 1.
44
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 1.
45
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. p. 1.
46
Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
47
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 57.
48
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2011. p 39.
49
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 946.
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SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º
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distanciamento físico e da omissão sentimental, ou seja, a negação de carinho, de
atenção, de amor, e de consideração, através do afastamento, do desinteresse, do
desprezo e falta de apoio e, às vezes, da completa ausência de relacionamento
entre pai (ou mãe) e filho.
3.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é concebido como princípio fundamental na
Constituição Federal, a qual prevê estar o planejamento familiar assentado no
princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, como
ensina Rolf Madaleno50.
O principio em comento é hoje um dos pilares de sustentação dos
ordenamentos jurídicos coevos, sendo inadmissível pensar em direitos apartados da
ideia e conceito de dignidade, como elucida Alexandre dos Santos Cunha51.
Embora essa noção esteja vinculada à evolução histórica do Direito Privado,
ela tornou-se também um dos pilares do Direito Público, na medida em que é o
fundamento primeiro da ordem constitucional e, portanto, o vértice do Estado de
Direito. 52
O direito das famílias esta umbilicalmente ligado aos direitos humanos, como
doutrina Maria Berenice Dias53, destacando que tais direitos têm por sustentação o
princípio da dignidade da pessoa humana, “versão axiológica da natureza
humana”54.
Paulo Lôbo55 aduz que a dignidade “é um macroprincípio sob o qual irradiam
e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia
privada, cidadania, igualdade e alteridade”.
50
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p 41.
51
CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: conceito fundamental do direito civil. In: COSTA,
Judith Martins (org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos
fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 260.
52
CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: conceito fundamental do direito civil. In: COSTA,
Judith Martins (org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos
fundamentais. p. 260.
53
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 63.
54
BARROS, Sergio Resende de. Direitos Humanos da Família: dos fundamentais aos operacionais. In:
GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.) Direito de família e psicanálise. São
Paulo: Imago, 2003. p. 143-154.
55
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 114.
675
SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º
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Segundo Rolf Madaleno56 a dignidade humana “atua na órbita constitucional
na condição de princípio fundamental do Estado Democrático de Direito”:
[...] como princípio constitucional consagra os valores mais
importantes da ordem jurídica, gozando de plena eficácia57 e
efetividade,58 porque de alta hierarquia e fundamental prevalência,
conciliando a segurança jurídica com a busca da justiça.59
“É a noção de dignidade e indignidade que possibilitou pensar, organizar e
desenvolver os direitos humanos”.60
3.2.2 Princípio da afetividade
O professor Rolf Madaleno61 assim conceitua o princípio da afetividade:
O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações
interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao
cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade
deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco,
variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do
caso concreto. Necessariamente os vínculos consanguíneos se
sobrepõem ao liames afetivos, podendo até ser afirmada a
prevalência desses sobre aqueles.
A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como
ensina Paulo Lôbo62, pois não pode ser tratado como um fato psicológico ou
anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das
relações.
56
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 2011. p 40.
57
Silva, José Afonso da apud Rolf Madaleno (Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1999. p. 101-102), “as normas de eficácia plena incidem diretamente sobre os interesses a que o
constituinte quis dar expressão normativa. São de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e
elementos necessários à sua executoriedade. No dizer clássico, são autoaplicáveis. As condições gerais para
essa aplicabilidade são a existência apenas do aparato jurisdicional, o que significa: aplicam-se só pelo fato de
serem normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência do Estado e aplicam-se só pelo fato de serem
normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência do Estado e de seus órgãos”.
58
Para BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. Ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. p. 85: “A efetividade significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua
função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a
aproximação, tão íntima quanto possível entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.”
59
MOTTA, Carlos Dias. Direito matrimonial e seus princípios jurídicos. São Paulo: RT, 2007. p. 193.
60
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 115.
61
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. p. 95.
62
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 71.
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SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º
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Destarte, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e vice
versa, ainda que não haja amor, o princípio jurídico da afetividade entre estes
“apenas deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver perda
do poder familiar”.63
3.2.2 Fundamentos do abandono moral
O ordenamento jurídico brasileiro atribui aos pais certos deveres, em
decorrência do exercício do poder familiar.
A Constituição Federal confere à família o dever de educar, bem como o
dever de convivência e o respeito à dignidade dos filhos, devendo esta, sempre
primar pelo desenvolvimento saudável do menor, bem como aos pais o dever
de assistir, criar e educar os filhos, como explica Delma Silveira Ibias64:
Claudia Gay Barbedo65 salienta que o Estatuto da Criança e do
Adolescente e o Código Civil brasileiro corroboram a existência de deveres
intrínsecos ao poder familiar, confiando aos pais, obrigações não somente do
ponto de vista material, mas especialmente, afetivas, morais e psíquicas. Isso
significa que, em todas as relações jurídicas, a criança e o adolescente
passaram a possuir prioridade absoluta e, por isso, invoca-se o princípio do
melhor interesse.
O estatuto da Criança e Adolescente que toda criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, a fim de
lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade.
Igualmente no Código Civil, em seu artigo 1.634, prevê como deveres
conjugais, o sustento, criação, guarda, companhia e educação dos filhos (1.566,
IV). Os artigos 1.583 a 1.590 discorrem sobre a proteção dos filhos em caso de
rompimento da sociedade conjugal.
Delma Silveira Ibias66 salienta que os deveres dos pais normatizados
63
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. p. 71.
64
IBIAS, Delma Silveira. O direito à convivência familiar e o dano moral: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e
seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p. 163-164
65
BARBEDO, Claudia Gay. A possibilidade da extensão da lei de alienação parental ao idoso. SOUZA, Ivone M.
Candido Coelho de. (Org.). Família contemporânea: uma visão interdisciplinar. Porto Alegre: IBDFAM/RS,
2011. p. 147-158.
66
IBIAS, Delma Silveira. O direito à convivência familiar e o dano moral: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e
seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p.164.
677
SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º
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nos diplomas retro mencionados abrangem:
[...] o direito de criação, as necessidades biopsíquicas do filho, o
que está vinculada à satisfação das demandas básicas, tais como
os cuidados na enfermidade, a orientação moral, o apoio
psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o
alimentar, o acompanhar física e espiritualmente ao longo da
vida.
Um dos deveres dos pais em relação aos filhos é o de convivência
familiar, segundo o entendimento de Isis Boll de Araújo Bastos67, uma vez
“obstaculizada a convivência, pode-se configurar um caso de abandono afetivo”.
A Autora salienta ainda que o referido comportamento se configura
quando o pai ou a mãe são omissos “no dever de proporcionar afeto ao seu filho
de forma que ele desenvolva livremente sua personalidade, ou seja, não se
contente apenas em pagar os alimentos”.68
Para que se efetive o processo de formação dos filhos não se faz
necessária a coabitação com ambos os pais, “desde que estes cumpram seus
papéis de forma efetiva”, como apregoa Delma Silveira Ibias69:
Apesar da preocupação do legislador em resguardar os direitos
dos filhos, buscando novas soluções, no sentido de coibir abusos
e omissões, é cada vez mais comum a negativa de alguns pais,
quanto a seus deveres na condução e criação dos filhos.
Desta forma, passou-se a evocar a responsabilidade civil a fim de
buscar a reparação dos danos causados aos filhos em virtude do abandono
afetivo, segundo Thanabi Bellenzier Calderan70, dentro da nova perspectiva de
direitos surge a possibilidade do Direito de Família penetrar no campo da
responsabilidade civil.71
67
BASTOS, Ísis Boll de Araújo. A tríplice proteção da família: um misto de responsabilidade: IBIAS, Delma Silveira
(org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p. 177.
68
BASTOS, Ísis Boll de Araújo. A tríplice proteção da família: um misto de responsabilidade: IBIAS, Delma Silveira
(org.). Família e seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. p. 177.
69
IBIAS, Delma Silveira. O direito à convivência familiar e o dano moral: IBIAS, Delma Silveira (org.). Família e
seus desafios: reflexões pessoais e patrimoniais. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2012. p.164.
70
CALDERAN, Thanabi Bellenzier; DILL, Michelle Amaral. A importância do papel dos pais no desenvolvimento
dos filhos e a responsabilidade civil por abandono. Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 20 jun.
2012.
71
CALDERAN, Thanabi Bellenzier; DILL, Michelle Amaral. A importância do papel dos pais no desenvolvimento
dos filhos e a responsabilidade civil por abandono. Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 20 jun.
2012.
678
SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º
Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Rolf Madaleno72 aduz que dentre os afastáveis deveres paternos-filiais
“figura o de assistência moral, psíquica e afetiva”, e quando os pais ou apenas
um deles deixa de praticar “o verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos
da paternidade, respeitante à interação do convívio e entrosamento entre pai e
filho”,
especialmente
quando
separados,
ou
nos
casos
de
famílias
monoparentais, na qual “um dos ascendentes não assume a relação fática de
genitor, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o
direito
de
visitas”,
invariavelmente
afetará
a
formação
psicológica
do
descendente abandonado.
É nesse ambiente de amplidão da responsabilização civil nos dias
contemporâneos que se localiza, como apregoa Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka73 irremediavelmente, a possibilidade de se evocar danos morais, na
relação paterno-filial, derivados do abandono afetivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o estudo do instituto do dano moral, especificamente no que tange ao
abandono afetivo, levantou-se a problemática quanto a sua aplicação desenfreada
no Direito de Família, nas relações paterno-filiais.
Pois, visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato, sendo comumente
comparado por juristas como o “pedido batata frita”, aquele que sempre acompanha
o prato principal, em virtude de que qualquer mero desconforto, aflição, apreensão
ou dissabor seja configurado como dano moral.
Destarte, não se pode olvidar que em alguns casos devem ser aplicado o
instituto em comento, sob pena de não ocorrendo deixar-se de efetivar uma das
garantias fundamentais, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
Contudo, aferir valor ao afeto, ou monetarizar o amor, não se deve ter como
premissa
geral,
e
sim
como
exceção
para
que
o
reconhecimento
da
72
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. p. 375.
73
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação
entre pais e filhos: além da obrigação legal de caráter material. Repertório de Jurisprudência IOB, v. 3. n. 18,
2006. p. 568-582.
679
SCHMEIER, Elton Kelvin; PRIESS Alexandre. Danos (I)Morais por abandono afetivo. Revista Eletrônica de
Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.2, p. 664-681, 2º
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responsabilidade civil por abandono moral não possa dar brecha a abusos. O que os
tribunais vêm fazendo, ao dar provimento a essas ações, é tornar o enriquecimento
ilícito em lícito.
Finalmente, salienta-se que as discussões acerca do tema são por demais
controversas, tornando impossível sua saturação apenas neste artigo, não obstante,
o presente trabalho científico tem o condão de instigar o leitor a refletir sobre o tema,
não aceitando de forma atomata as novas decisões dos tribunais superiores como
dogmas intocáveis.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
BARBEDO, Claudia Gay. A possibilidade da extensão da lei de alienação parental
ao idoso. SOUZA, Ivone M. Candido Coelho de. (Org.). Família contemporânea:
uma visão interdisciplinar. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2011.
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CAHALI, Said Yussef. CAHALI, Francisco José. Família e sucessões: direito de
família. São Paulo: RT, 2011. v. 1.
CALDERAN, Thanabi Bellenzier; DILL, Michelle Amaral. A importância do papel dos
pais no desenvolvimento dos filhos e a responsabilidade civil por abandono.
Disponível em: <www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 20 jun. 2012.
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responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos: além da obrigação legal de
caráter material. Repertório de Jurisprudência IOB, v. 3. n. 18, 2006.
680
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