PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE ADESÃO JULIANO HIRT DA SILVA RESUMO O objetivo deste trabalho é mostrar as pessoas que celebram contratos de adesão, que as mesmas possuem um meio de se protegerem frente aos abusos gerados pelas grandes companhias no tocante a criação dos contratos de massa, onde o consumidor não tem o poder de alterar previamente nenhuma clausula do contrato sem que seja pela via mais difícil que é a via judicial, o único direito que o consumidor tem é o de contratar, e por isso, se faz necessário uma proteção da parte mais fraca face esse abusos. 1 INTRODUÇÃO O aumento das relações entre fornecedores e consumidores evoluíram na economia de mercado e trouxe à tona grande preocupação quanto ao desequilíbrio entre as partes contratantes, levando as autoridades a questionarem institutos inabaláveis até então, que hoje apresenta inúmeras restrições. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor houve avanços ao tratamento da proteção contratual do consumidor, e dentre estes avanços, encontramos no artigo 51 uma lista exemplificativa de cláusulas abusivas. O CDC institui normas imperativas, as quais proíbem a utilização de qualquer cláusula abusiva, definidas como as que assegurem vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade, segundo o art. 51, IV, do CDC. Portanto, cláusulas abusivas são as que apresentam obrigações inadequadas, incoerentes, iníquas, colocando o consumidor em ampla desvantagem, demonstrando desequilíbrio contratual entre as partes, ferindo a boa-fé e a eqüidade. A cláusula abusiva é a manifestação do abuso de direito no contrato, onde o redator das cláusulas contratuais, num contrato de adesão por exemplo, tem o direito de redigi-las previamente, mas comete abuso, se, ao fazê-lo, o faz de forma a causar dano ao aderente. 2 1 TUTELA JURIDICA NOS CONTRATOS Nos dias atuais busca-se uma nova concepção de contrato, uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância. Nele o equilíbrio e a justiça devem ocupar o centro. A procura do equilíbrio contratual, na sociedade moderna faz com que o direito destaque o papel da lei como limitadora e verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passa então a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa fé das partes contratantes. A crise do início do século XX, como já ressaltado, comprovou a insuficiência da teoria contratual de uma maneira geral, consistindo o crescimento do pensamento em torno da revisão contratual um de seus principais reflexos. A compreensão da problemática da revisão dos contratos ganha, nesse viés, verdadeiros contornos metodológicos que demonstram a passagem gradual de uma visão contratual 1 puramente liberal e individualista para uma visão mais solidária e humana. As relações contratuais, em especial no que tange às relações de consumo, são hoje fortemente influenciadas pela economia de mercado, reflexo do processo de globalização enfrentado por toda a sociedade contemporânea e a aplicação do direito mantém uma relação direta frente aos subsistemas normativos gerados pelas atividades sociais, sendo, portanto, influenciado pela economia, em seu no desenvolvimento jurídico. Como exigência desse mundo econômico e globalizado, surgem os contratos de adesão, uma forma de proporcionar maior uniformidade, rapidez, eficiência e dinamismo às relações contratuais, especialmente as de consumo. 1 CORDEIRO, Eros Belin de Moura. A revisão contratual à luz da Constituição e do Código Civil. Dissertação. Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. 2005. p. 115. 3 1.1 CONTRATOS DE ADESÃO As cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão surgiram para facilitar o funcionamento da economia massificada. Fundamentalmente são utilizados para garantir o rápido acesso, de grande número de pessoas, a serviços essenciais como luz, transporte coletivo, gás, telefonia. É importante lembrar que cláusulas são apenas parte dos contratos e os contratos de adesão são contratos - negócios jurídicos. Sem dúvida, há contratos e contratos, para os quais as regras jurídicas estabelecem importantes modificações: os contratos de adesão. Neles predomina uma única vontade, exclusiva, individual, que dita suas regras não apenas a um indivíduo, mas também a um grupo indeterminado, que têm a liberdade de escolher se aceita a adesão aos objetivos contratuais já determinados, se concordam em assumirem seu compromisso segundo as regras impostas por um contrato previamente elaborado. É de conhecimento geral, que o Código do Consumidor no art. 54, estabeleceu o contrato de adesão como sendo "aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo." No contrato de adesão não há liberdade contratual, conforme consignado no seu próprio conceito, no entanto, há a vigência da liberdade de contratar; por isso faz-se necessário se estabelecer a tutela da parte vulnerável, pois na ausência de discussão das cláusulas contratuais, pode haver o abuso, na pactuação dos contratos. No universo globalizado da atualidade, as grandes instituições utilizam-se dos contratos de adesão nas suas negociações, e muitas vezes, o utilizam para praticar abusos contra os consumidores, uma vez que neste tipo de contrato, não é dada a oportunidade para discussão, ou consenso entre as partes, pois já está elaborado segundo os ditames do contratante e, muitas vezes, pela necessidade de adquirir um bem ou serviço, as pessoas acabam por concordar com as condições que lhe são impostas, mesmo reconhecendo a sua desigualdade. 4 Conforme afirma Arruda ALVIM, Marcam esses contratos pela identidade ou pela similaridade, do que delas deve resultar, pois os textos em que estão estampados destinam-se a inumeráveis contratações; são tais contratos feitos para acudir a grandes quantidades de contratações com a mesma qualidade medular, isto é, com os mesmos elementos contratuais e com efeitos similares ou idênticos, tais como intencionalmente queridos 2 por aquele que elabora o contrato padrão ou modelo. Normalmente, as cláusulas dos contratos de adesão não são reconhecidas nem identificadas no momento em que se estabelece a vontade de contratar, ou seja, quando alguém manifesta sua vontade e necessidade de fazer sua adesão e, geralmente não tem idéia do que está contratando e acordando. Segundo Josimar Santos ROSA, Perante o contrato de adesão, o processo manipulador tem sido uma constante, fazenda-se por requerer até a intervenção do Estado para conter os abusos. Por meio das decisões, o Poder Judiciário vem prestando considerável contribuição, contando com competentes decisões que visam controlar a prática abusiva no 3 contrato de adesão, meio supressor para a indefinição normativa. Considerando que o direito faz parte de um subsistema integrado, com preceitos normativos e éticos estabelecidos, diante da sociedade recebe solicitações para intervir e regular as novas relações que surgem a cada dia, no desenrolar das ações da sociedade, principalmente sob os aspectos econômicos. 1.2 CLÁUSULAS ABUSIVAS DOS CONTRATOS As relações contratuais em curso na atualidade, principalmente as que tratam de relações de consumo, são amplamente influenciadas pela economia de mercado, que refletem o processo de globalização no qual se insere toda a sociedade contemporânea. 2 ALVIM, Arruda. Cláusulas abusivas e seu controle no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 20, p. 24-69, 2001. p. 37. 3 ROSA, Josimar Santos. Contrato de Adesão. 1 ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 31. 5 O aumento das relações entre fornecedores e consumidores evoluem na economia de mercado da atualidade e trouxe à tona grande preocupação quanto ao desequilíbrio entre as partes contratantes, levando as autoridades a questionarem institutos considerados como estruturados e inabaláveis, a exemplo do pacta sunt servanda, que hoje apresenta inúmeras restrições. O advento do Código de Defesa do Consumidor brasileiro trouxe avanços ao tratamento da proteção contratual do consumidor, e dentre estes avanços, é encontrado, no artigo 51, uma lista de exemplos de cláusulas abusivas, que se evidenciam nas cláusulas contratuais que não são negociadas individualmente, mas que proporcionam cuidados, frente às exigências da boa-fé do consumidor, pois este muitas vezes se acha em desequilíbrio diante dos direitos e obrigações das partes, como se vê a seguir. O CDC institui normas imperativas, as quais proíbem a utilização de qualquer cláusula abusiva, definidas como as que assegurem vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade, segundo o art. 51, IV, do CDC. Dispõe o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor: "Art.51 IV São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade." Cláusulas abusivas, no conceito de Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria Barreto Andrade NERY, "são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas."4 No mesmo sentido, Hélio Zagheto GAMA, assim se expressa: "as cláusulas abusivas são aquelas que, inseridas num contrato, possam 4 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto B Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p 1379. 6 contaminar o necessário equilíbrio ou possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte a quem desfavoreçam".5 Assim, entende-se que, cláusulas abusivas são aquelas que estabelecem obrigações iníquas, que propiciam desequilíbrio contratual entre as partes e fere os princípios da boa-fé e da eqüidade. 1.2.1 Cláusulas onerosas, ambíguas ou confusas Conforme disposto no artigo supramencionado, estas cláusulas são nulas de pleno direito, e não propiciam quaisquer efeitos, e a nulidade de qualquer cláusula considerada abusiva não invalida o contrato, a não ser nos casos em que a sua ausência trouxer ônus excessivo a qualquer das partes, conforme se observa na seguinte definição do STJ: Assim, a mais abalizada doutrina e atual jurisprudência, com os olhos postos no presente, têm decidido em casos tais que, cláusulas como essa do instrumento havido entre as partes ostentam-se indisfarçavelmente, ineficazes e sequer possível o seu aproveitamento". (STJ – AG Nº 170.699 –MG (97/0088907-6) (Anexo II) A vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais o fator decisivo para o Direito, pois as normas do Código instituem novos valores superiores como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo. A cláusula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas, se traz vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contraria às novas normas de ordem pública de proteção do CDC e a autonomia de vontade não prevalecerá. As cláusulas abusivas aparecem com freqüência em contratos celebrados com cláusulas gerais de contratação, ou mesmo em contratos de adesão. Para Fernando NORONHA, ...abusivas são cláusulas que em contratos entre as partes de força desigual, reduzem unilateralmente as obrigações do contratante mais forte ou agravam as do 5 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Forense, 2006. p.108. 7 mais fraco, criando uma situação de grave desequilíbrio entre elas... São cláusulas 6 que destroem a relação de equivalência entre a prestação e a contraprestação. Portanto, cláusulas abusivas são as que apresentam obrigações inadequadas, incoerentes, iníquas, colocando o consumidor em ampla desvantagem, demonstrando desequilíbrio contratual entre as partes, ferindo a boa-fé e a eqüidade. Alguns doutrinadores entendem que a cláusula abusiva tem como fonte inspiradora o abuso de direito. Afirmam que a cláusula abusiva é a manifestação do abuso de direito no contrato, pois se abusa de um direito sempre que apesar de permanecer dentro dos seus limites se busca uma finalidade diferente da prevista pelo legislador. Ou, por outra interpretação uma cláusula poderá ser tida como abusiva quando se constituir em abuso de direito onde o redator das cláusulas contratuais, num contrato de adesão, tem o direito de redigi-las previamente, mas comete abuso, se, ao fazê-lo, o faz de forma a causar dano ao aderente. Paulo Luiz LOBO NETO nota que a cláusula abusiva tem fonte similar à do abuso de direito e pressupõe a existência de um direito subjetivo, não sendo, por isso, ilícita em essência.7 O problema central para este autor é a extensão do direito, e, porque, em certas circunstâncias as cláusulas tornam-se nulas e a abusividade se liga muito mais ao contexto do que á simples leitura e interpretação do texto. Assim, o contratante que se utiliza da convenção para obter proveito excessivo e injusto, abusa de seu direito de contratar. Há outras interpretações de juristas que, segundo Valéria Silva GALDINOM8 entendem, que a cláusula abusiva não se liga à teoria do abuso de direito, mas pode ser interpretada como uma cláusula excessiva, muito onerosa, que comporta uma vantagem econômica indiscriminada a favor de um dos contratantes. 6 NORONHA, Fernando. Contratos de consumo padronizados e de adesão. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 20, out-dez/1996. p. 27. 7 LOBO NETO, Paulo Luiz. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991. 8 GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 2000. 8 O art. 51 caput, estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas ali enumeradas, traduzindo o entendimento que a relação expressa é exemplificativa e pode ser até mesmo ilimitada. Cláusulas abusivas, no conceito de Nelson NERY JUNIOR, "são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimos de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas..."9 Portanto, pode-se concluir que a cláusula é abusiva é aquela que imputa ao consumidor em ampla desvantagem, um ônus ainda maior, ofendendo o seu direito. Em suas conclusões Fernando NORONHA ainda vai mais longe. Avalia que sempre houve cláusulas abusivas, que só agora são objeto do reconhecimento legislativo porque havia uma relação de princípios milenares solidamente estabelecidos e universalmente válidos Mas com o advento dos contratos de adesão surgiu a necessidade de reconhecer e prevenir os possíveis abusos.10 O Código de Defesa do Consumidor inova consideravelmente o espírito do direito das obrigações, e relativa à máxima do pacto realizado. A nova lei reduz o espaço antes reservado para a autonomia da vontade, proibindo que se pactuem determinadas cláusulas, impondo normas imperativas, que visam proteger o consumidor, reequilibrando o contrato, garantindo as legítimas expectativas que depositou no vínculo contratual. A proteção do consumidor, o reequilíbrio contratual vem em seguida, quando o contrato já está perfeito formalmente, quando o consumidor já manifestou a sua vontade, livre e refletida, mas o resultado contratual ainda está inequitativo. As normas proibitórias de cláusulas abusivas são normas de ordem pública, normas imperativas, inafastáveis pela vontade das partes. Estas normas do CDC aparecem como instrumentos do direito para restabelecer o equilíbrio, para restabelecer a força da "vontade", das expectativas legítimas, do consumidor, compensando sua vulnerabilidade. 9 NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 1379. 10 NORONHA, Fernando. Op. cit. 9 Se no direito tradicional, representado pelo Código Civil de 1917 e pelo Código Comercial de 1850, já eram conhecidas as normas de proteção da vontade, considerada a fonte criadora e, principalmente, limitadora da força vinculativa dos contratos, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, passou-se a vigorar a existência de valores jurídicos superiores ao dogma da vontade, tais como a eqüidade contratual, os quais permitem ao Poder Judiciário um novo e efetivo controle do conteúdo dos contratos de consumo na aplicação da justiça social. 1.2.2 Da nulidade absoluta das cláusulas abusivas Tanto na lista exemplificativa de cláusulas consideradas abusivas constante do artigo 51 do CDC, quanto em seu art. 53, referente aos contratos de compra e venda a prazo, a sanção escolhida para coibir os abusos foi a de nulidade absoluta. Ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor, o legislador brasileiro preferiu instituir uma só lista, no art. 51, sancionando todas as cláusulas ali descritas com a nulidade absoluta e complementado pelo disposto no § 1º do referido artigo. Após alguns anos de vigência do CDC, pode-se concluir que a técnica utilizada pelo legislador brasileiro não prejudicou a aplicação de sua nova determinação aos contratos de consumo. A proteção contra cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor em uma lista de cláusulas, sempre nulas, prevendo, a norma geral de proibição de cláusulas contra a boa-fé no inciso IV dessa lista única. A lista de cláusulas abusivas exemplificativa encontrada do art. 51 aplica-se tanto para contratos de adesão, como para contratos negociados e prevê sempre a nulidade absoluta das cláusulas que nele estão exaradas. 10 2 A REVISÃO CONTRATUAL Há na doutrina e jurisprudência divergências quanto à revisão do contrato, uma vez que está fortemente enraizamento o princípio pacta sunt servanda, onde a força vinculante das obrigações exerce preponderância, porém, já há um lento progresso no sentido de se admitir a possibilidade de revisão contratual, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio da relação jurídica. A partir da Revolução Francesa, os diplomas legais das nações passaram a conceder grande importância ao patrimônio, deixando para o segundo plano o indivíduo enquanto sujeito de direitos diante das relações jurídicas. Com este posicionamento, o princípio da força vinculante das obrigações - pacta sunt servanda - desempenha grande papel, tendo em vista que seu fundamento conferia segurança para as relações jurídicas firmadas entre os indivíduos, principalmente no que diz respeito à satisfação dos direitos do credor. Este princípio foi inserido no direito pátrio, tendo sido acolhido de forma integral pelos juristas e julgadores, em especial por conferir segurança jurídica às relações negociais, embora não considerando outros valores, que atualmente se inserem na Constituição Federal, como o da a dignidade humana. Mas hoje, o Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de revisão de contratos, desde que a obrigação, por algum motivo comprovado, tenha se tornado onerosa para a parte mais fraca - o consumidor - e assim, o conceito previsto pelo artigo 2º deste diploma legal ganhou maior espaço em sua interpretação, como se observa nos tópicos a seguir. 2.1 POSSIBILIDADE DA MODIFICAÇÃO DO CONTEÚDO DA RELAÇÃO CONTRATUAL Carlos Alberto BITTAR FILHO, ressalta a importância da doutrina e da jurisprudência no sentido de fazer valer a revisão dos contratos, antecipando, 11 inclusive, alguns dos requisitos traçados no novo Código Civil, que foram promulgados, e se expressando nos seguintes termos, em relação à teoria da imprevisão: Graças ao lavor constante da doutrina e da jurisprudência, cristalizaram-se, em nosso sistema, alguns pressupostos de admissibilidade da teoria da imprevisão, a saber: a) b) c) d) e) f) o contrato não deve ter sido totalmente executado (uma prestação, pelo menos, tem de estar ainda pendente); o acontecimento deve ser imprevisível, anormal e exogeno (incomum, anormal e estranho à vontade das partes); deve haver onerosidade excessiva para um dos contraentes e benefício exagerado para o outro; tem que ocorrer alteração radical das condições econômicas no momento da execução do contrato, em confronto com as do instante de sua formação; deve inexistir mora antes do acontecimento; a alegação da teoria não deve dizer respeito à inflação, que é fato previsível, 11 pois nossa economia é inflacionária. A ocorrência, diante de situações inusitadas e imprevisíveis, então vieram alterar os princípios que justificavam a imutabilidade dos contratos, fundados na segurança jurídica, acabaram por ceder espaço a outros, como, por exemplo, o que se refere à proibição do enriquecimento sem causa, ao princípio da dignidade da pessoa humana e da eqüidade, desde que as mencionadas situações comprovem ser mais importantes do que as normas estabelecidas anteriormente, analisando e categorizando o conflito de princípios. O surgimento de situações imprevisíveis que ocasionam o desequilíbrio de situações que eram firmadas sob a ótica do equilíbrio de obrigações entre as partes, demonstraram a necessidade das providências jurisdicionais no sentido de readequar a relação jurídica, fazenda vir à tona a teoria da imprevisão. Trata-se da teoria da imprevisão que encontra o seu fundamento, em princípios fundamentados constitucionalmente e dispostos de forma explícita no ordenamento nacional, como os princípios da justiça, da eqüidade, do devido processo legal, do amplo acesso ao Judiciário, que, diga-se, estão 11 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Teoria da imprevisão: dos poderes do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais São Paulo, 1993. p. 17/18. 12 previstos de forma explícita no ordenamento pátrio, os quais representam garantias fundamentais. É importante, o que ensina Rogério Ferraz DONNINI, quando afirma: Independentemente da análise da evolução do contrato, pode-se afirmar que o modelo liberal, que continua a existir na relação entre particulares, não mais atende às aspirações da sociedade atual, visto que não se pode mais admitir que uma relação contratual iníqua, celebrada com ausência de boa-fé e com prestações desproporcionais suportada por uma das partes, seja considerada válida, sob o 12 argumento de que existe a autonomia privada a as partes são livres para contratar. Diante de inúmeras situações e face à ausência de normas acerca das imprevisões e problemas oriundos da diversidade estabelecida entre contratantes, a doutrina e a jurisprudência passaram a se pronunciar acolhendo a teoria da imprevisibilidade no direito brasileiro, abordando dispositivos que tornaram possíveis a revisão dos contratos, caso a caso. Embora tenham sido feitos trabalhos pela doutrina e jurisprudência, no sentido de acolher, e autorizar os casos onde se evidenciassem a necessária a revisão judicial dos contratos, nas normas legislativas nacionais, o surgimento do Código de Defesa do Consumidor foi o que primeiro tratou do tema, permitindo a modificação de cláusulas contratuais que registrassem prestações desproporcionais ou a sua revisão diante de fatos comprovadamente abusivos e onerosos. (CDC, art. 6º, V) Em seguida, o novo Código Civil, procurou ofertar atendimento aos anseios relevantes quanto à revisão contratual, e inseriu alguns dispositivos esparsos, além de um capítulo específico para tratar da possibilidade de revisão dos contratos na ocorrência de onerosidade excessiva. Destaca-se o fato que existem vários aspectos positivos na posição adotada pelo novo Código Civil brasileiro, no sentido de conferir a todos os cidadãos, e não somente aos consumidores, especificamente, uma ampla e necessária proteção diante de casos de desequilíbrio da relação contratual. Neste sentido, observa-se que o Código Civil, em seu artigo 317, faz uma alusão à possibilidade de alteração das relações jurídicas na ocorrência de desproporcionalidade entre as partes, ao preceituar que: “Quando, por 12 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 6. 13 motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.” Esse dispositivo, por si só, já traz a afirmativa da norma para a teoria da imprevisão que passou a ser aceita definitivamente no ordenamento jurídico nacional, pátrio, ao estabelecer com clareza sobre a alteração da relação jurídica firmada entre as partes, desde que se façam presentes os necessários requisitos. Além disso, o legislador também dedicou uma seção específica para a teoria da imprevisão, denominada Resolução por Onerosidade Excessiva, que está regulamentada nos artigos 478 a 480 do Código Civil, onde prevê as hipóteses de admissão da revisão e até mesmo solução dos contratos, que mostrarem uma alteração específica e imprevisível quanto à que existia quando os termos do contrato foi celebrado do negócio. A propósito, é de se destacar o entendimento de Carlos Alberto BITTAR FILHO, quando afirma: Não é a todos os contratos que se aplica a teoria da imprevisão - seu campo de incidência não é ilimitado. Pode ser invocada essa teoria, com efeito, somente em se tratando de certas espécies contratuais, de acordo com os lindes traçados pela doutrina e pela jurisprudência. Assim, é plenamente possível a utilização da teoria em apreço em se tratando de contratos comutativos de execução diferida, continuada ou periódica, não se 13 podendo dela cogitar para a resolução de contratos aleatórios, ou unilaterais. No mesmo sentido, também ensina Silvio RODRIGUES, que, a teoria da imprevisão em contratos tem como principal característica o risco que ocorre diante das obrigações assumidas pelas partes. O autor se expressa nos seguintes termos: A idéia é evitar que nos contratos comutativos em que, por definição, há uma presumível equivalência das prestações, o tempo desequilibre a antiga igualdade, tornando a prestação de uma das partes excessivamente onerosa em relação à da outra. Se isso ocorrer e inspirado no preceito que evita o enriquecimento sem causa (...), permite o legislador que, a pedido do interessado, o juiz determine a rescisão do contrato. 13 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Teoria da imprevisão: dos poderes do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais São Paulo, 1993. p. 23. 14 Note-se que o desequilíbrio das prestações deve derivar de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, pois a fonte inspiradora do codificador de 2002 foi a 14 conhecida teoria da imprevisão. Entende-se, pois, que o legislador brasileiro demonstrou, nas normas legislativas, a preocupação em oferecer maior proteção aos indivíduos em geral, com o objetivo de oferecer e manter cada vez em maior critério, o equilíbrio nas relações contratuais. O Código Civil, ao prever a possibilidade de revisão contratual, relaciona nos artigos mencionados algumas hipóteses, que podem dar ensejo à modificações, desde que ocorram alguns pressupostos tais como: se referir a um contrato de execução continuada ou diferida; ocorrer uma situação de extrema onerosidade para uma das partes, e demonstrar uma ampla vantagem para a outra, na contrapartida, e também, surgir a ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. 2.2 AUTORIZAÇÃO EXCEPCIONAL DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS. O artigo 6º Inciso V do Código de Defesa do Consumidor abre uma exceção no sistema da nulidade absoluta as cláusulas, permitindo que o juiz revise ou modifique, a pedido do consumidor, as “cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou que sejam excessivamente onerosas” para ele em razão de fatos supervenientes. O art. 6º do CDC traz uma novidade na proteção contratual do consumidor. Em seu inciso V, referido artigo permite que o Poder Judiciário modifique as cláusulas referentes ao preço, ou qualquer outra prestação a cargo do consumidor, se "desproporcionais", isto é, se acarretarem o desequilíbrio do contrato, o desequilíbrio de direitos e obrigações entre as partes contratantes, a lesão. O Poder Judiciário, o Estado, em última análise, intervém na relação contratual de consumo, para sobrepor-se à vontade das partes, para modificar uma manifestação livre de vontade, para impor um equilíbrio contratual. 14 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. v. III. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 132 15 Mais do que nunca este novo direito contratual do consumidor, caracteriza as normas do CDC como intervenção estatal no espaço antes reservado para a autonomia da vontade, de acordo com os postulados sociais da nova teoria contratual do Estado de direito. Nesse sentido a conclusão nº. 3 do II Congresso Brasileiro do Direito do Consumidor - Contratos no ano 2000, com o seguinte texto: “Para fins de aplicação do art. 6º V, Código de Defesa do Consumidor não são exigíveis os requisitos da imprevisibilidade e excepcionalidade, bastando a mera verificação da onerosidade excessiva”. A jurisprudência tem desenvolvido um outro requisito, qual seja o da não imputabilidade do fato causador da onerosidade excessiva ao consumidor. Nesse sentido, a jurisprudência tem aceito como motivo suficiente para a revisão contratual e para a ação corretora do equilíbrio contratual pelo judiciário, situações em princípios individuais, como por exemplo a perda do emprego. 16 CONCLUSÃO Com a criação do Código de Defesa do Consumidor em 1990, surgiu uma nova visão de contrato, visão esta voltada para a função social do contrato, uma vez que está lei alberga em seu texto legal uma gama infindável de normas que garantem a efetiva proteção aos consumidores em sua maioria das vezes a parte hipossuficiente da relação. È entendimento pacífico que o contrato não deve representar tão somente a manifestação da vontade naquele momento, e sim estender seus efeitos na sociedade considerando a condição social e econômica das partes neles envolvidas, para que com isso preserve o equilíbrio, a equidade e a justiça, princípios esses bases na relação contratual. Com esse objetivo, o direito ganha um papel delimitador de abusos, e passa a proteger determinados valores sociais que devem imperar ente as partes contratantes. Fala-se em um direito mais justo e coerente, inserindo nas relações contratuais normas para que possamos alcançar a nulidade das clausulas abusivas, em especial nos contratos de adesão, buscando com isso reestabelecer um nível de equidade e justiça nas relações contratuais. 17 REFERÊNCIAS ALVIM, Arruda. Cláusulas abusivas e seu controle no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 20, p. 24-69, 2001. BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Teoria da imprevisão: dos poderes do juiz. São Paulo: RT. São Paulo, 1993. p. 17/18. CORDEIRO, Eros Belin de Moura. A revisão contratual à luz da Constituição e do Código Civil. Dissertação. Mestrado. Programa de PósGraduação em Direito. Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. 2005. DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001. GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 2000. GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Forense, 2006. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto B Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. NORONHA, Fernando. Contratos de consumo padronizados e de adesão. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 20, p. 24-36. Out/dez, 1996. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. III. ROSA, Josimar Santos. Contrato de Adesão. São Paulo: Atlas, 1994.