A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA NO JUDICIÁRIO DO MUNICÍPIO DE ITABUNA-BA AMANDA SALLES DA SILVA1 SASKYA MIRANDA LOPES2 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ (UESC) RESUMO Este trabalho se integrou ao projeto “A Efetividade da Lei Maria da Penha no Judiciário do Município de Itabuna-Ba”, que propôs um levantamento preliminar acerca das ações ajuizadas com base na Lei 11.340/06 ou Lei Maria da Penha nos últimos três anos. Nesse sentido, baseado em pesquisas bibliográficas e documentais, os dados apresentados neste trabalho compreendem um recorte dos resultados preliminares no que diz respeito aos pedidos de concessão de medidas protetivas de urgência na 1ª Vara Crime do município. Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Judiciário; medidas protetivas de urgência; violência. INTRODUÇÃO A violência de gênero contra a mulher tem sua história tão antiga quanto a da própria sociedade e, em especial, tão antiga quanto a própria história do Brasil. Desde o início da colonização as mulheres têm trabalhos, locais e comportamentos específicos a serem 1 Graduanda do curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. E-mail: [email protected] 2 Mestra em Ciências Sociais (UFBA), Graduada em Direito (UESC), Professora Assistente do Departamento de Ciências Jurídicas da UESC. E-mail: [email protected] seguidos, ditados aos moldes da metrópole, para que, acima de tudo sejam vistas como mulheres ideais para o casamento e honradas aos olhos da sociedade a qual estavam inseridas. Relegadas às tarefas domésticas, onde deveriam ser exemplo de esposas, mães e donas de casa, as mulheres, doutrinadas pelos ensinamentos das principais instituições, sejam elas Igreja, Estado e Família, eram admoestadas para que em casos de transgressões do comportamento socialmente aceito, recebessem as correções do marido, no caso das mulheres casadas, e as aceitasse agradecidas e com humildade3. Mas, para aquelas que estavam fora da elite, mulheres de classe menos abastadas, sejam estas negras alforriadas, pardas e brancas de pouco poder aquisitivo, restava-lhes – renegadas pela sociedade, em difíceis condições materiais e instabilidade econômica da colônia – serem vistas como “mulheres de vida pública”, que se sujeitavam às condições de prostitutas ou concubinas para garantir a sobrevivência. Essa situação de dominação das mulheres pelos homens iniciada na sociedade brasileira desde a colonização, avançou juntamente com a história do país. Como reflexo histórico as estruturas de dominação são produtos de um trabalho incessante de reprodução, para o qual contribuíram e contribuem agentes específicos (entre os quais os homens com suas armas como a violência física e a violência simbólica) e instituições, famílias, Igreja, Escola, Estado4. As regras de comportamento que condenam as mulheres que se submetem ao trabalho da prostituição, ao concubinato ou ainda aquelas que sem marido ou companheiro têm seus filhos criando-os sozinhas, continuam as mesmas. Enquanto isso os homens ocupavam os espaços públicos e de poder, que, oposto ao espaço privado relegado a mulher, criou dois polos, um de dominação, exercido por estes e outro de submissão, exercido pelas mulheres5, que desde a antiguidade receberam tratamento inferior sendo vistas como meros objetos6, não eram, afinal sujeitos de direitos. Pouco a pouco as mulheres tenderam a mudar o rumo da história, traçada pelos homens, para suas vidas. As lutas por emancipação e mais direitos para elas começaram a gerar resultados. As mulheres passam a ganhar os espaços públicos, adentram no mercado de trabalho, obrigando os homens a dividirem com elas os trabalhos domésticos, privados, conquistando para si determinados direitos. Na visão de Maria Berenice Dias (2012): 3 DEL PRIORE, Mary. A mulher na História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1989. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. 5 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 6 Idem. 4 A evolução da medicina, com a descoberta de métodos contraceptivos, bem como as lutas emancipatórias promovidas pelo movimento feminista levaram à redefinição do modelo ideal de família. A mulher, ao se integrar no mercado de trabalho, saiu do lar, impondo ao homem a necessidade de assumir responsabilidades domésticas e de cuidado com a prole. Essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido e, por seu uma novidade, traz muita insegurança, terreno fértil para conflitos7. No Brasil, as mulheres começam a ganhar espaço enquanto sujeitos de direito a partir da Constituição Federal de 1988 quando, no capítulo referente aos direitos e garantias fundamentais, tem-se, no caput do artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” ou, como outros exemplos, a permissão do voto feminino e do trabalho fora dos lares sem a necessidade de autorização do marido. Porém, mesmo com a garantia constitucional de igualdade, a legislação pátria ainda sujeitava a mulher a dominação do homem, seja pelos famigerados crimes de “adultério”, “rapto de mulher honesta”, ou mesmo os “crimes contra os costumes” encontrado no Código Penal, que defendia a “honra das mulheres honestas” e que, em 2009, passou por modificações tendo seu título alterado para “crimes contra a dignidade sexual”, passando a proteger não a moralidade pública, mas a dignidade e liberdade sexual do indivíduo. Ainda sobre a igualdade dada para as mulheres pelo legislador temos: Entretanto, com as mudanças ideológicas que se sucederam no tempo, com a expansão dos direitos fundamentais às mulheres em condição de igualdade formal, e até mesmo a criação de mecanismos com o intuito de criar uma igualdade material, posto que muitas vezes a isonomia existe em termo de dispositivos que prevejam direitos iguais sem distinção de gênero, mas quando observado o contexto fático evidencia-se “disparidade de armas” entre homens e mulheres, o que faz com o que o legislador opte por técnicas e mecanismos para criar uma igualdade material. 8 Não há, ainda, que se falar em igualdade plena para mulheres e homens. Mesmo com significativos avanços, as mulheres continuaram e continuam vítimas da violência perpetrada pelos homens, que continuam em posição de dominadores e opressores. Dentre as muitas violências das quais são vítimas, as violências perpetradas dentro de casa, do ambiente doméstico, que outrora poderia significar lugar de segurança, foram naturalizadas pela sociedade patriarcal. Dentro dos lares os homens ainda vêm-se como “chefes de família”, aqueles que têm o direito de prover o sustento de sua mulher e filhos, que tem direitos sobre ambos. Amparada pela conivência da sociedade a violência doméstica foi por muito tempo um tabu, muito maior do que é atualmente. 7 Idem. SOUZA, Paula Carine Matos de. A Lei Maria da Penha em análise: os processos criminais em Ilhéus/BA no período de 2012. 2013. Monografia (Bacharelado em Direito) – Departamento de Ciências Jurídicas, Universidade Estadual de Santa Cruz. 8 Apenas no de 2006, as mulheres conquistaram e passaram a ter uma nova “arma” para defender-se contra a violência vivida dentro dos lares. É nesse ano que entra em vigor a Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha. A referida lei trouxe diversas inovações, dentre elas a conceituação de violência contra a mulher, dos tipos de violência, e mecanismos de defesa como a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e, as Medidas Protetivas de Urgência. Quanto a conceituação do que é violência contra a mulher, tem-se na letra da lei a definição de violência contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada9. Quanto aos tipos de violência a Lei Maria da Penha nos traz cinco: violência física, violência psicológica, violência moral, violência patrimonial e violência sexual.A violência física caracteriza-se pela ofensa a integridade física ou à saúde corporal; a violência moral é qualquer conduta que configure calúnia, insulto ou difamação; a violência psicológica é entendida como danos emocionais, diminuindo a autoestima, prejudicando o pleno desenvolvimento pessoal, bem como o controle do comportamento, das ações, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação manipulação e isolamento, ou ainda, tirar a liberdade de pensamento e ação; a violência patrimonial é entendida como a retenção, subtração, destruição parcial ou total dos instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos; por fim, a violência sexual é configurada como qualquer conduta que a constranja a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.10 Já quanto aos mecanismos de defesa que são novidades na lei, nas palavras de Alice Biachini (2013) temos: As medidas protetivas de urgência constituem a principal inovação da Lei Maria da Penha ao lado da criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Até então, o juiz, nesses casos, encontrava-se muito limitado nas suas ações voltadas à proteção da mulher, sendo a maioria das causas de competência dos Juizados Especiais Criminais.11 9 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 10 SILVA, Amanda Salles; PAMPONET, Ananda Santos; LOPES, Saskyua Miranda. Números da violência contra a mulher em Itabuna [artigo para congresso]. Ilhéus: Departamento de Ciências Jurídicas, Universidade Estadual de Santa Cruz, 2013. 11 BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. São Paulo: Saraiva, 2013. As medidas protetivas de urgência foram um grande ganho para as mulheres, tendo em vista que com esse novo instituto tem-se uma sensação ou, ainda, uma plena segurança para que seja feita a “denúncia” por parte das vítimas, encontradas no artigo 22 (medidas que obrigam o agressor), artigo 23 (medidas para salvaguardar bens comuns) e artigo 24 (medidas em favor da ofendida), as medidas proporcionam que seja evitado o contato imediato após a violência, propiciando a menor humilhação e maior tranquilidade do lar, o que repercute, inclusive, em relação aos filhos e demais familiares.12 Com a retirada dos processos referentes a Lei Maria da Penha da seara dos Juizados Especiais Criminais, aqueles municípios que não contam com os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, passam a encaminhar tais processos para as Varas Crimes. Sendo assim temos no município de Itabuna-Ba encaminhamentos para as duas Varas Crimes existentes. Analisando os dados colhidos dos últimos três anos junto à 1ª Vara Crime do município de Itabuna-Ba, para onde são encaminhados os pedidos de medidas protetivas já que, não existe uma vara especializada para violência doméstica e familiar, notase, primeiramente, o grande número de processos sem resolução, em situação de “andamento”, muitos iniciados em um período de seis meses a um ano antes. Vejamos gráfico 01 abaixo: GRÁFICO 01 80 SITUAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS REQUERIDAS NA 1ª VARA CRIME DE ITABUNA-BA 60 40 20 0 Novembro de 2012 Ano de 2013 Baixados Ano de 2014* Em Andamento Julgados *Janeiro à Maio de 2014 12 BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. São Paulo: Saraiva, 2013. Em seguida, analisando os tipos de violência mais relatados nos pedidos de medidas protetivas, é possível observar o anteriormente dito. Há uma significativa mudança VIOLÊNCIA MORAL na percepção das violências existentes, deixando a violência física de ser a protagonista nas denúncias das vítimas. Vejamos: 60 GRÁFICO 02 50 GRÁFICO 03 40 VIOLÊNCIA FÍSICA 30 20 50 10 40 0 2012* 30 2013 2014** 20 10 0 2012* 2013 2014** *Novembro e Dezembro de 2012 *Novembro e Dezembro de 2012 ** Janeiro à Maio de 2014 ** Janeiro à Maio de 2014 GRÁFICO 04 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA 60 50 40 30 20 10 0 2012* *Novembro e Dezembro de 2012 ** Janeiro à Maio de 2014 2013 2014** As violências passam por transformações, a partir do momento em que a violência física deixa de ser a protagonista da opressão vivida pelas mulheres, podemos observar claramente tal fato com a análise dos gráficos, enquanto a violência física aparece com 63 relatos, as violências psicológica e moral superam esse número aparecendo com 81 e 76 relatos respectivamente. Ambas as violências constituem práticas perpetradas no silêncio dos domicílios, da vida cotidiana e íntima, formas de violência simbólica, vistas pela maioria como naturais e que minam pouco a pouco a auto estima da vítima. Nesse sentido diz Pierre Bourdieu (2011): Ao dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as assim ser vista como naturais. O que pode levar a uma espécie de autodepreciação ou até de auto desprezo sistemáticos, principalmente visíveis, como vimos acima, na representação que as mulheres cabilas fazem de seu sexo como algo deficiente, feio ou até repulsivo (ou, em nosso universo, na visão que inúmeras mulheres têm do próprio corpo, quando não conforme aos cânones estéticos impostos pela moda), e de maneira mais geral, em sua adesão a uma imagem desvalorizadora da mulher. 13 Nota-se que pouco a pouco há indícios de que a naturalização dessas violências vem sendo minada, tendo em vista os números acima descritos. As mulheres, personagens principais da dominação perpetrada pelos homens, começam a se apropriar dos mecanismos trazidos pela Lei Maria da Penha e procuram cada vez mais denunciar práticas que as violentam. CONCLUSÕES PRELIMINARES Dessa forma, questões relevantes são suscitadas a partir destes levantamentos preliminares e que serão aprofundados no decorrer da pesquisa, não somente em análise dos tipos de violência, mas, dos altos índices da violência contra a mulher em Itabuna, bem como o tratamento dado pelo judiciário às Medidas Protetivas de Urgência, tendo em vista os 13 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. elevados números de pedidos (gráfico 01), e os poucos pedidos que de fato são atendidos pelo judiciário, não obstante possamos já encontrar indícios de que a apropriação das ferramentas de defesa contra a violência doméstica e familiar de gênero estejam sendo cada vez mais sendo utilizadas, ao perceber-se que o número de ocorrências que são judicializadas tem aumentado e suscitando a relevância da resposta do judiciário a estas demandas para a afirmação da credibilidade da Lei Maria da Penha pela sociedade grapiúna. BIBLIOGRAFIA BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. São Paulo: Saraiva, 2013. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. DEL PRIORE, Mary. A mulher na História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1989. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. SILVA, Amanda Salles; PAMPONET, Ananda Santos; LOPES, Saskyua Miranda. Números da violência contra a mulher em Itabuna [artigo para congresso]. Ilhéus: Departamento de Ciências Jurídicas, Universidade Estadual de Santa Cruz, 2013. SOUZA, Paula Carine Matos de. A Lei Maria da Penha em análise: os processos criminais em Ilhéus/BA no período de 2012. 2013. Monografia (Bacharelado em Direito) – Departamento de Ciências Jurídicas, Universidade Estadual de Santa Cruz.