i
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
MARIA JOSÉ CICERO OGER AFFONSO
AVALIAÇÃO DE ESCRITA NA DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO: TESTE
DE NOMEAÇÃO DE FIGURAS POR ESCRITA (TNF1.1-ESCRITA)
SÃO PAULO
2009
ii
MARIA JOSÉ CICERO OGER AFFONSO
AVALIAÇÃO DE ESCRITA NA DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO: TESTE
DE NOMEAÇÃO DE FIGURA POR ESCRITA (TNF1.1-ESCRITA)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Distúrbios do Desenvolvimento da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, para
obtenção do título de Mestre em Distúrbios do
Desenvolvimento.
ORIENTADOR: PROF. DR. ELIZEU COUTINHO DE MACEDO
SÃO PAULO
2009
iii
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRONICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE
FICHA CATALOGRÁFICA
Gerada pela Biblioteca Central da Universidade Mackenzie-SP
A257a Affonso, Maria Jose Cicero Oger.
Avaliação de escrita na dislexia do desenvolvimento: teste de
nomeação de figuras por escrita (TNF1.1- escrita). / Maria Jose
Cicero Oger Affonso. -- 2009.
93 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 70-80.
Orientador: Elizeu Coutinho de Macedo
1. Escrita. 2. Dislexia. 3. Erros. 4. Ortográficos.I. Título.
CDD 371.9144
iv
MARIA JOSÉ CICERO OGER AFFONSO
AVALIAÇÃO DE ESCRITA NA DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO: TESTE
DE NOMEAÇÃO DE FIGURA POR ESCRITA (TNF1.1-ESCRITA)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Distúrbios do Desenvolvimento da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, para
obtenção do título de Mestre em Distúrbios do
Desenvolvimento.
Desenvolvimento.
Aprovada em ____________________
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Elizeu Coutinho Macedo (Orientador)
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Dra. Alessandra Gotuzo Seabra
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Dra. Maria de Jesus Gonçalves
Centro Universitário São Camilo
v
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus, por me permitir realizar este trabalho que, espero, seja
minha pequena contribuição ao trabalho com a dislexia do desenvolvimento.
Ao meu marido Gentil, meu grande amor e companheiro, obrigada por sua
compreensão e incentivo incondicionais.
Aos meus queridos filhos, Carol e Léo, maior alegria de minha vida, minhas
desculpas pelas longas ausências.
Aos meus queridos pais, a quem devo toda a minha vida, por terem me
ensinado a gostar tanto de aprender.
Aos amigos que me incentivaram e acompanharam nesta caminhada,
especialmente, Helenice Bollini, Patricia Melo e Rui Lucato, a quem devo o
incentivo à docência e ao mestrado.
Ao querido Prof. Elizeu Macedo pelos ensinamentos, a exigência e a paciência,
especialmente obrigada por não me deixar desistir quando as dificuldades
apareceram.
À Profa. Dra. Alessandra Gotuzo Seabra e Profa. Dra. Maria de Jesus
Gonçalves pelas contribuições que em muito enriqueceram o projeto de
qualificação desta pesquisa.
À Profa. Dra. Simone Aparecida Capellini e sua orientanda Andrea Oliveira
Batista que gentilmente se dispuseram a revisar a classificação dos erros
realizada pela autora desta dissertação.
A Katerina Lukasova e Carolina Toledo Pizza que contribuíram com dados de
avaliação de crianças disléxicas que viabilizaram a realização deste trabalho.
As colegas do laboratório e do programa de pós-graduação, especialmente,
Anna Carolina Cassiano Barbosa e Darlene Godoy Oliveira que
generosamente me ensinaram com competência e paciência.
As queridas amigas Natália Dias e Ana Maria Rossi que me auxiliaram nas
dificuldades.
A todas as crianças disléxicas cujo sofrimento me motivou a pesquisa nesta
área, Leonardo, André, Pedro Paulo, Milena, Carolina...
vi
O presente trabalho recebeu apoio do Instituto
Presbiteriano Mackenzie, por intermédio do
MACKPESQUISA.
vii
RESUMO
A dislexia do desenvolvimento é o distúrbio mais comum entre os transtornos
de aprendizagem apresentados por escolares. Estudos nesta área têm
priorizado a avaliação de leitura, ainda que já tenham sido evidenciadas
dificuldades com a escrita automática de letras e nomeação automática,
resultando em problemas de ortografia. Problemas ortográficos ainda têm sido
pouco valorizados no diagnóstico da dislexia, em parte, pela escassez de
instrumentos disponíveis para avaliação da escrita. Um instrumento que
possibilita a avaliação da competência de escrita por meio de computador é o
Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF1.1-Escrita). O objetivo do
presente estudo foi analisar o padrão de resposta de disléxicos em tarefa de
nomeação de figura por escrita. Foram analisados 15 disléxicos, de ambos os
sexos, com idades variando de 8 a 12 anos, provenientes de escolas públicas e
particulares do estado de São Paulo. Além disso, dois grupos contrastantes de
leitores normais foram usados como comparação: Grupo Controle por Idade
composto por 15 crianças sem problema de leitura, pareados por sexo, idade e
tipo de escola com as crianças disléxicas; e Grupo Controle por nível de leitura:
composto por 15 leitores mais novos, pareados com os disléxicos pelo sexo,
tipo de escola e desempenho de leitura. Resultados das análises quantitativas
indicam que a pontuação total dos participantes com dislexia no TNF1.1-Escrita
foi significativamente menor do que a dos participantes do grupo Controle por
idade; não foi observada diferença significativa na pontuação total no TNF1.1Escrita dos participantes com dislexia dos participantes do grupo Controle por
nível de leitura; crianças do grupo Controle por nível de leitura foram mais
lentas do que os participantes com dislexia e dos Controles por idade. Nas
análises dos tipos de erros, foram observadas diferenças significativas entre
disléxicos e os dois grupos de participantes controles para os seguintes tipos
de erros: Correspondência unívoca grafema-fonema, Omissão de segmentos e
Correspondência
fonema-grafema
independente
de
regras,
sugerindo
dificuldades tanto fonológicas quanto ortográficas. Análise do padrão de
respostas em provas de nomeação por escrita possibilita uma maior
compreensão das estratégias e dificuldades de escrita de pessoas com o
diagnóstico de dislexia.
viii
ABSTRACT
Developmental dyslexia is the most common learning difficulties by school
students. Studies in this area have given priority to reading assessment, even
though difficulties with automatic letter writing and naming have been
evidenced, resulting in spelling problems. Spelling problems have been
overseen in dyslexia diagnosis partially due to the lack of instruments available
to assess writing. An instrument that allows the assessment of writing
competence through a computer is the Written Picture Naming Test (WPNT1.1Writing). The purpose of this study is to analyze the answer´s patterns of
dyslexics in naming figures by writing. Fifteen dyslexics, males and females,
were analyzed, with ages ranging from 8 through 12 years from public and
private schools in the State of São Paulo. In addition, two groups contrasting
normal readers have been used as comparison: Control Group by Age made up
of 15 children with no reading problems, paired up by gender, age and type of
school with dyslexic children; and a Control Group by reading level: made up of
15 younger readers, paired up with dyslexics by gender, type of school and
reading performance. Results of quantitative analyses suggest that: total score
of participants with dyslexia at WPNT1.1-Writing was significantly lower than
that of participants in the control group by age; a significant difference was not
observed in total score at WPNT1.1-Writing of participants with dyslexia
compared with participants in the Control Group by reading level; children of the
Control group by reading level were slower than participants with dyslexia and
those of the Control group by age. Analisys of errors types, shows significant
differences between dyslexics and participants of the two control groups for the
following types of mistakes: grapheme-phoneme univocal correspondence,
omission of segments and phoneme-grapheme correspondence regardless of
rules, this finds suggests both phonological and orthographical difficulties.
Analysis of answer´s patterns in written naming tests provides greater
understanding of writing strategies and difficulties of people with the dyslexia
diagnosis.
ix
Sumário
1.INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 1
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................... 3
2.1 PROBLEMAS DE LEITURA E ESCRITA ......................................................... 3
2.1.1 PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM ........................................................... 3
2.1.2 TRANSTORNO DA LEITURA: DISLEXIA ................................................................. 4
2.1.3 INCIDÊNCIA ................................................................................................ 9
2.1.4 FATORES GENÉTICOS ............................................................................ 11
2.1.5 FATORES NEUROBIOLÓGICOS .............................................................. 14
2.2. DESENVOLVIMENTO DA LEITURA E ESCRITA ........................................ 20
2.3. AVALIAÇÃO DOS PROBLEMAS DE ESCRITA ........................................... 25
2.3.1 CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO DE ERROS NA ESCRITA....................... 27
2.3.1.1.SISTEMA CAGLIARI. ............................................................................. 30
2.3.1.2.SISTEMA CARRAHER ........................................................................... 31
2.3.1.3 SISTEMA ZORZI ..................................................................................... 33
2.3.1.4 SISTEMA CERVERA-MÉRIDA E YGUAL-FERNÁNDEZ ........................ 36
2.3.1.5.SISTEMA MANZANO,SANZ & CHOCANO............................................. 39
2.3.2. DESENVOLVIMENTO DE INSTRUMENTOS COMPUTADORIZADOS
PARA AVALIAÇÃO DE LEITURA E ESCRITA .................................................... 40
3. OBJETIVOS ...................................................................................................... 46
3.1. OBJETIVO GERAL ...................................................................................... 46
3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................ 46
4. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................. 47
4.1 SUJEITOS .................................................................................................... 47
4.2 MATERIAL .................................................................................................... 48
x
4.3 PROCEDIMENTO......................................................................................... 52
4.4 PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DOS RESULTADOS .............................................. 52
4.4.1 ANÁLISE QUANTITATIVA ......................................................................... 52
4.4.2 ANÁLISE QUALITATIVA ............................................................................ 52
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................ 55
5.1. ANÁLISE DE DESEMPENHO NO TESTE DE COMPREENSÃO DE
SENTENÇAS ESCRITAS ................................................................................... 58
5.2. ANÁLISE DO DESEMPENHO NO TESTE DE NOMEAÇÃO DE FIGURAS
POR ESCRITA (TNF1.1-ESCRITA) .................................................................... 59
6. CONCLUSÃO ................................................................................................... 69
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 70
ANEXOS ............................................................................................................... 81
1
1. INTRODUÇÃO
O misterioso da escrita é que ela fala.
Paul Claudel
A dislexia do desenvolvimento é o distúrbio mais comum entre as dificuldades
de aprendizagem da leitura e da escrita, apresentado pelos escolares. Sua
prevalência varia segundo alguns autores entre 3 e 18% (ROTTA, PEDROSO,
2006).
A dislexia do desenvolvimento pode ocasionar um grave prejuízo escolar e
social ao indivíduo, se não for diagnosticada e tratada precocemente. Assim, a
dificuldade de acesso a serviços educacionais especiais pode impedir o
desenvolvimento da habilidade de leitura com fluência e acurácia, tendo implicações
no progresso dos estudos (BERNINGER et al., 2008).
As pesquisas em dislexia do desenvolvimento têm priorizado os problemas de
leitura, ainda que já tenham sido evidenciadas dificuldades em outras áreas, tais
como a da escrita automática de letras e nomeação automática, resultando em
problemas de ortografia. Estes problemas ortográficos têm sido pouco valorizados
pelos especialistas em diagnóstico, resultando em escassez de serviços escolares
especiais com objetivo de melhorar tal habilidade (BERNINGER et al., 2008).
Os principais déficits em habilidades escolares presentes na dislexia do
desenvolvimento são: dificuldade na decodificação de palavras na leitura, dificuldade
de automatização e fluência de leitura. Tais dificuldades resultam em prejuízo na
compreensão do texto lido. No entanto, nem sempre a dificuldade de leitura implica
em transtornos de escrita, podendo ocorrer apenas um destes déficits isoladamente
(FLETCHER et al., 2009).
Já os transtornos da escrita podem envolver problemas em diferentes áreas,
como: grafia, ortografia ou com a produção textual (FLETCHER et al., 2009). Tais
problemas podem ocorrer isoladamente ou em conjunto. Métodos e instrumentos
específicos são criados para avaliar cada um destes componentes. Assim, pode-se
2
avaliar a qualidade da grafia em amostras de material gráfico e escrito. Para a
avaliação da ortografia, têm sido usados testes que avaliam a produção de escrita
sob ditado. Já a produção textual é comumente avaliada na amostra de escrita
espontânea a partir de uma imagem ou de um tema para redação (FLETCHER et
al., 2009).
Com o avanço da tecnologia e a popularização do computador, cada vez mais
se tem utilizado estes recursos em situações de avaliação psicológica. O uso de
instrumentos computadorizados para avaliação de habilidades cognitivas pode trazer
vários
benefícios.
Um
deles
é
permitir
a
avaliação
de
vários
sujeitos
concomitantemente, com pouco dispêndio de tempo e recursos materiais. Além
disso, tais sistemas podem ser programados para realizar correções automáticas e
produzir relatórios detalhados do desempenho dos escolares.
O desenvolvimento de instrumentos que testam a capacidade de compreensão
de leitura e escrita é fundamental para avaliar pessoas que apresentam dificuldades
de aprendizagem de leitura e escrita. Um instrumento que possibilita a avaliação da
competência de escrita por meio de computador é o Teste de Nomeação de Figuras
por Escrita (TNF1.1-Escrita). Originalmente, o teste foi desenvolvido na versão lápis
e
papel
(CAPOVILLA
et
al.,
2002) e,
posteriormente,
criada
a
versão
computadorizada (MACEDO et al., 2002).
O TNF1.1-Escrita já foi validado e normatizado para estudantes do Ensino
Fundamental, mas ainda são raros os estudos que avaliaram o desempenho de
disléxicos nesse teste. Assim, o objetivo do presente trabalho foi avaliar o padrão de
escrita de crianças disléxicas na versão computadorizada do teste, por meio de
análise quantitativa e qualitativa dos erros. O presente trabalho compara o padrão
de escrita de sujeitos com dislexia do desenvolvimento com o de participantes de
dois grupos controle: grupo controle pareado por idade e grupo controle pareado por
nível de leitura. Esta análise da escrita está baseada na categorização dos erros
ortográficos a partir da adaptação para o português da Categorização Semiológica
de Erros Ortográficos proposta por Cervera-Mérida e Ygual-Fernández (2006).
3
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 PROBLEMAS DE LEITURA E ESCRITA
2.1.1 PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM
Os problemas de aprendizagem têm sido estudados a partir de diferentes
concepções teóricas e metodológicas diferentes. Tal diversidade de abordagens
pode ser explicada em função da existência de diferentes fatores explicativos para
os problemas de aprendizagem. Dentre tais fatores destacam-se os biológicos,
cognitivos e sociais (STERNBERG; GRIGORENKO, 2003).
Há muitas nomenclaturas em uso para designar os problemas de
aprendizagem. Para diferenciá-los, Ciasca (2003) propõe que se utilize o termo
“Distúrbio de Aprendizagem” (DA) para os casos em que haja uma disfunção do
Sistema Nervoso Central (SNC) que afeta o desenvolvimento da aprendizagem e o
termo “Dificuldade Escolar” (DE) para os problemas de aprendizagem de ordem
pedagógica. A dificuldade escolar pode ocorrer em 5 a 20% das crianças em idade
escolar, mas, deste contingente, apenas 7% apresentariam algum tipo de disfunção
neurológica (CIASCA, 2003).
A
nomenclatura
“Transtornos
Específicos
do
Desenvolvimento
das
Habilidades Escolares” é empregada na Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas (WHO,
1993). Estes transtornos têm origens em anormalidades no processo cognitivo,
decorrente de alguma disfunção biológica. Os critérios diagnósticos são: 1)
comprometimento significativo na habilidade escolar especificada que deve ser
específico e não explicado por retardo mental ou inteligência global menor; 2)
comprometimento deve estar presente desde o início da vida escolar; 3) não deve
haver fatores externos que o expliquem, como ausência da escola, e não devem ser
devidos a deficiências visuais ou auditivas não corrigidas. Estão incluídos nessa
categoria os Transtornos Específicos de Leitura, do Soletrar1, de Habilidades
1
Embora o termo “spelling” tenha sido traduzido como “soletrar” pelos editores da versão brasileira da CID-10,
a autora considera que o termo mais adequado é “escrita”.
4
Aritméticas e o Misto, no qual mais de uma destas habilidades específicas está
comprometida.
No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR,
APA, 2003), a nomenclatura anteriormente usada de Transtornos das Habilidades
Escolares foi substituída por Transtornos da Aprendizagem. As características
diagnósticas devem se relacionar com desempenho em testes padronizados de
leitura, matemática e escrita, administrados individualmente, substancialmente
abaixo do esperado para sua idade, escolarização e nível de inteligência. O critério
de discrepância é o de mais de dois desvios-padrão entre rendimento e QI, devendo
ser excluídos os casos devidos à falta de oportunidade escolar regular,
comprometimento sensorial e retardo mental. Nos Transtornos de Aprendizagem,
estão incluídos os seguintes quadros: Transtorno da Leitura, Transtorno da
Matemática, Transtorno da Expressão Escrita e os Transtornos da Aprendizagem
Sem Outra Especificação. Este último se aplica aos casos em que o
comprometimento inclui problemas nas três áreas, de leitura, matemática e
expressão escrita sem, no entanto, preencher o critério para algum dos transtornos
específicos. No entanto, a utilização estrita dos critérios de discrepância pode
retardar o diagnóstico e dificultar a realização de programas de intervenção precoce
(STUEBING et al. 2002).
Dentre os quadros de transtornos da aprendizagem, os que ocorrem com
mais frequência são os Transtornos da Leitura, responsáveis por quatro em cada
cinco casos de Transtornos de Aprendizagem, podendo ocorrer concomitantemente
com os Transtornos da Matemática e o Transtorno da Expressão Escrita (DSM-IVTR,APA, 2003). No presente trabalho o termo dislexia será empregado como
sinônimo de transtorno de leitura.
2.1.2. TRANSTORNO DA LEITURA: DISLEXIA
A dislexia tem sido definida de diferentes maneiras ao longo do tempo e,
conforme Grigorenko (2001), a definição de dislexia é, em si mesma, um assunto
para pesquisa. Desde o momento em que foram descritos os primeiros casos de
transtornos de leitura, há menos de 120 anos, ela já teve diferentes nomes, tais
5
como cegueira verbal congênita, estrefossimbolia, inabilidade específica de leitura,
dislexia específica do desenvolvimento, retardamento específico de leitura e talvez
outros mais.
A expressão cegueira verbal congênita foi utilizada inicialmente para descrever a
perda total ou parcial da leitura em indivíduos com lesões cerebrais; junto do
qualificativo congênito se aplicava a crianças que não eram capazes de aprender a
ler apesar de terem inteligência normal (SIEGEL, LE NORMAND, PLAZA, 2005).
Segundo Snowling (2004a), Pringle-Morgan, em 1896, a dificuldade visual era um
elemento básico presente na cegueira verbal congênita, como era então
denominada a dislexia do desenvolvimento. Assim, sugeriu que na dislexia havia
uma espécie de “cegueira verbal” para palavras em um garoto normal para outras
habilidades visuais, ou seja, esta disfunção do desenvolvimento ocorre em crianças
saudáveis. Nessa mesma direção, as observações de Adolf Kussmaul, em 1877,
valorizavam as dificuldades visuais na dislexia (GRIGORENKO, 2001).
Conforme
Snowling
(2004b), em
1937,
Samuel
Orton
usou
o
termo
“estrefossimbolia” para descrever crianças com dificuldades de leitura por acreditar
que se tratasse de uma distorção na percepção de símbolos, o que mais tarde não
se confirmou. No entanto ele observou uma importante característica destas
dificuldades de leitura, que é sua tendência a ocorrer com maior incidência em
determinadas famílias. Ele atribuía essa patologia a uma lateralização incompleta
dos hemisférios cerebrais (SNOWLING; STACKHOUSE, 2004).
Nos anos de 1970, a Dislexia do Desenvolvimento foi definida pela Federação
Mundial de Neurologistas como um distúrbio em que a criança não desenvolve as
habilidades normais de leitura, apesar de ter inteligência adequada, de acesso à
instrução formal e oportunidade sociocultural, dependendo de dificuldades cognitivas
fundamentais frequentemente de origem constitucional (SNOWLING, 2004a;
BODER, 1973). Conforme Stanovich (1988), essa conceituação representou um
avanço no que diz respeito ao reconhecimento do caráter constitucional da dislexia
do desenvolvimento. Até então, havia uma noção de que seria apenas um atraso na
aquisição da habilidade de leitura de natureza maturacional, ou seja, de que a
diferença entre bons e maus leitores estaria somente na velocidade de aquisição
das habilidades de leitura e escrita.
6
Segundo Shaywitz, Morris e Shaywitz (2008), a definição mais aceita atualmente
se baseia no conceito da dislexia como uma inesperada dificuldade em leitura. No
entanto, essa noção já está presente de forma constante nas definições de dislexia
no trabalho de Critchley (1970). A mesma noção tem sido enfatizada nas
publicações de Lyon (1995, 2003) que liderou um grupo de trabalho encarregado
pela Associação Internacional de Dislexia de elaborar uma definição para a dislexia
do desenvolvimento (LYON, SHAYWITZ, SHAYWITZ, 2003).
“Dyslexia is one of several distinct learning disabilities. It is a specific
language-based disorder of constitutional origin characterized by difficulties in
single word decoding, usually reflecting insufficient phonological processing.
These difficulties in single word decoding are often unexpected in relation to
age and other cognitive and academic abilities; they are not the result of
generalized developmental disability or sensory impairment. Dyslexia is
manifest by variable difficulty with different forms of language, often including,
in addition to problems with reading, a conspicuous problem with acquiring
proficiency in writing and spelling”. (LYON, SHAYWITZ, SHAYWITZ, 2003,
p.2).
Em tradução livre: “a dislexia é um dos vários transtornos de aprendizagem. É
um transtorno específico baseado na linguagem, de origem constitucional,
caracterizado por dificuldades na decodificação de palavras isoladas, usualmente
refletindo
processamento
fonológico
insuficiente.
As
dificuldades,
em
decodificação de palavras isoladas são frequentemente, inesperadas em relação
à idade e a outras habilidades cognitivas e acadêmicas. Elas não são resultado
de inabilidade generalizada de desenvolvimento ou prejuízo sensorial. Dislexia se
manifesta por variadas dificuldades, com diferentes formas de linguagem,
frequentemente incluindo, além dos problemas de leitura, um óbvio problema de
aquisição de proficiência em escrita e soletração”. Essa definição foi revisada
pelo grupo liderado por Lyon em um encontro ocorrido em Washington, DC em
2002 como segue:
7
“Dyslexia is a specific learning disability that is neurobiological in origin. It is
caracterized by difficulties with accurate and/or fluent Word recognition and by
poor spelling and decoding abilities. These difficulties typically result from a
déficit in the phonological component of language that is often unexpected in
relation to other cognitive abilities and the provision of effective classroom
instruction. Secondary consequences may include problems in reading
comprehension and reduced reading experience that can impede growth of
vocabulary and background knowledge” (LYON, SHAYWITZ, SHAYWITZ,
2003, p.2).
Em tradução livre: “dislexia é um transtorno específico da aprendizagem, de
origem neurobiológica, caracterizado por dificuldades em fluência e/ou acurácia
em reconhecimento de palavras e habilidade pobre em escrita e decodificação.
São dificuldades que resultam de um déficit no componente fonológico da
linguagem que é inesperado em relação a outras habilidades cognitivas e à
provisão adequada de instrução escolar. Consequências secundárias podem
incluir problemas em compreensão de leitura e reduzida experiência de leitura, a
qual pode impedir o crescimento do vocabulário e do conhecimento”. Essa
definição incorporou definitivamente a noção da origem neurobiológica da
dislexia, refletindo os grandes avanços da neurociência, particularmente das
técnicas de imagens cerebrais. Também incorporou e enfatizou a importância da
fluência em leitura, a partir das pesquisas do National Reading Panel (2000).
Esta nova concepção ressalta a importância da fluência, além da acurácia, no
reconhecimento de palavras. Este tende a ser um prejuízo permanente nos
disléxicos, cuja leitura permanece lenta e difícil até a adolescência ou idade
adulta (SHAYWITZ; MORRIS; SHAYWITZ, 2008).
Essas duas definições trazem ainda a importância central do déficit fonológico
como causa da dislexia que tem sido relatado de forma consistente por muitos
pesquisadores (RAMUS et al., 2003), suplantando a hipótese do déficit visual que
perdurou por 50 anos, da década de 1920 até 1970.
A forma plural de uso da palavra dislexia reconhece a diversidade das
manifestações fenotípicas dessa patologia, privilegiando a variação das suas
manifestações sintomatológicas. Reconhecendo tal diversidade desde o século
passado, vários autores têm tentado diferenciar subtipos de dislexia a partir da
8
análise dos erros cometidos pelos disléxicos. Entre eles destacam-se Marshall &
Newcombe (1966, 1973) que distinguiram três tipos de perturbações léxicas:
dislexia visual, dislexia de superfície e dislexia profunda. Na dislexia visual, as
palavras lidas são semelhantes graficamente às palavras-estímulo; na dislexia de
superfície, os erros de leitura ocorrem por erro na aplicação da regra de
correspondência
grafofonêmica;
e
na
dislexia
profunda,
ocorrem
erros
semânticos de leitura (PIÉRART, 1997).
Outra descrição de subtipos de dislexia, baseada na análise de erros, foi feita
por Boder (1973). A partir de uma pesquisa com 107 disléxicos, ela distinguiu
três tipos: os disfonéticos, diseidéticos e mistos. Os disfonéticos, 67% da
amostra, são aqueles que leem bem palavras conhecidas, mas têm muita
dificuldade na leitura de palavras novas. Cometem erros semânticos por tentar
adivinhar as palavras pelo contexto e, em testes de inteligência, como o WISC, o
QI Verbal normalmente é inferior ao QI de Execução. Nos diseidéticos, que
representam 10% da amostra, a leitura muitas vezes é correta, mas muito lenta.
Como esse tipo de leitura é baseado na decodificação fonológica, não
memorizam a forma das palavras. Em testes de inteligência, o QI Verbal tende a
ser superior ao QI de Execução. Os mistos que cometem os mesmos erros dos
dois tipos anteriores, e também erros devidos a confusões espaciais,
semelhantes a crianças aléxicas. Deve-se levar em conta o fato de que esses
achados não se repetiram em outras pesquisas (BODER, 1973; PIÉRART, 1997).
Mais recentemente, Capovilla e Capovilla (2000) apresentaram uma revisão
das disfunções apresentadas pelos disléxicos, segundo análise dos erros
cometidos em leitura.
Segundo Morais (1995) e Seymour (1987), os principais padrões de
disfunção na leitura podem ser divididos em dislexias periféricas e centrais.
Nas dislexias periféricas, os distúrbios ocorrem na análise visual (e.g., dislexia
visual e dislexia de negligência), ou no reconhecimento das palavras (e.g., a
leitura letra a letra e dislexia atencional). Já nas dislexias centrais, os
distúrbios ocorrem em componentes das rotas fonológica e/ou lexical
(CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2000, p.26).
9
Na dislexia visual, os erros de leitura ocorrem por semelhança visual entre a
palavra lida e a correta. Na dislexia de negligência, também os erros são na análise
visual da palavra, geralmente a parte inicial. Na leitura letra a letra, o erro se deve a
um distúrbio no reconhecimento global da palavra, havendo uso de soletração como
estratégia compensatória. Na dislexia atencional, os erros se devem à confusão em
relação à posição da letra na palavra ou entre palavras. Na dislexia fonológica, a
rota mais usada é a lexical, havendo dificuldade na leitura de palavras novas e
pseudopalavras. A leitura de palavras familiares está preservada, havendo efeito de
lexicalidade e frequência. Na dislexia morfêmica ou semântica, a leitura é feita pela
rota fonológica, portanto os erros ocorrem na leitura de palavras irregulares e
longas, ou seja, observam-se os efeitos de regularidade e comprimento. Na dislexia
profunda, a rota fonológica está muito comprometida, e a lexical um pouco afetada,
havendo muitos erros semânticos. Na dislexia superficial, a rota lexical está muito
afetada e a fonológica um pouco, os erros mostram efeito de regularidade e não de
lexicalidade (CAPOVLLA; CAPOVILLA, 2000).
2.1.3 INCIDÊNCIA
Dada a complexidade e variabilidade de manifestações presentes nos
quadros de dislexia, torna-se difícil estimar sua incidência. Assim, não há consenso
entre os pesquisadores quanto aos critérios diagnósticos. Isto torna difícil a
comparação dos dados entre diferentes pesquisas. No entanto, adotando-se um
critério como o da inaptidão para leitura, ela ocorre em 2 a 8% de crianças em
escolas elementares (CIASCA; CAPELLINI; TONELOTTO, 2003). Segundo dados
divulgados pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD), a incidência de dislexia na
população mundial é de aproximadamente 15% (IANHÊZ; NICO, 2002). Um grande
estudo epidemiológico, realizado nos EUA, o Connecticut Longitudinal Study,
encontrou 17,5% de estudantes com nível de leitura abaixo do esperado para a
idade. Essa incidência coloca a dislexia no mesmo patamar de importância de outros
distúrbios que afetam a saúde da população (SHAYWITZ; MORRIS; SHAYWITZ,
2008). Estudos de prevalência realizados em países europeus e nos EUA também
mostram que a dislexia é muito frequente, com as taxas variando entre 3 e 18%, em
diferentes estudos (ROTTA, PEDROSO, 2006). Em estudo de prevalência de
10
dislexia, em alunos da 3ª série do Ensino Fundamental, realizado no Brasil, foi
encontrada uma prevalência de 12,1%, com estimativa pelo intervalo de confiança
de 95%, entre 7% e 19% (SILVA, 2004, apud ROTTA; PEDROSO, 2006). Dessa
forma, fica evidenciada a necessidade de mais estudos epidemiológicos, com uso de
instrumentos padronizados na língua portuguesa, para que se possa ter mais
clareza da dimensão do problema.
No que diz respeito ao fator gênero, muitos autores têm descrito a dislexia
como mais comum em meninos do que em meninas, variando na proporção em
diferentes estudos. Em um estudo realizado na Inglaterra por Berger e
colaboradores (1975), a dificuldade de leitura ocorreu em 14,4% dos meninos e em
5,1% das meninas (citados por SALGADO et al., 2006). Em outros estudos, como os
de Flannery et al. (2000), foi verificada a prevalência de transtornos de leitura em
uma grande amostra de crianças brancas e negras, de ambos os sexos. Foi
encontrada uma taxa de prevalência de 2:1 para os meninos, independente do grau
de severidade e da cor. Na pesquisa de Shaywitz e colaboradores (1990), a partir de
resultados do Connecticut Longitudinal Study, foi encontrada uma prevalência da
ordem de 1,7:1 para os meninos. Esses dados foram corroborados por estudo
brasileiro de Nico e colaboradores (2000) que encontraram 1,5:1 para os meninos.
Em outra pesquisa brasileira, conduzida por Silva e Pedroso, a proporção
encontrada foi de 2,4:1 para os meninos ( ROTTA; PEDROSO, 2006).
As discrepâncias dos resultados em relação ao gênero podem ser, ao menos
em parte, atribuídas às diferenças metodológicas desses estudos. Se a amostra for
selecionada a partir de crianças identificadas pela escola, é provável que o número
de meninos seja muito maior. Tendo em vista que os meninos com problema de
aprendizagem tendem a apresentar comportamento disruptivo em sala de aula, esse
fato faz com que sejam identificados mais frequentemente, podendo então ocasionar
um viés na amostra (SHAYWITZ; MORRIS; SHAYWITZ, 2008). No entanto, segundo
Schumacher e colaboradores (2008), a questão é discutível, pois, estudo feito com
gêmeos no Colorado, encontrou taxa semelhante para ambos os sexos. No entanto,
pesquisa de Harlaar et al. (2005) constatou hereditariedade mais alta para os
meninos em uma amostra britânica (SCHUMACHER et al., 2008). Embora não haja
total concordância entre os pesquisadores, a maioria dos estudos mostra uma
prevalência maior entre meninos de aproximadamente 2:1.
11
Tais questões apontam para a necessidade de mais pesquisas de
prevalência, adotando-se amostras selecionadas por critérios objetivos, como de
discrepância entre habilidade de leitura e QI. Este procedimento apresenta menor
risco de tendenciosidade do que os estudos baseados em amostras selecionadas
por indicação de professores ou clínicos (FLANNERY et al., 2000). Além disto, os
autores sugerem a necessidade de mais estudos envolvendo irmãos e pais dos
indivíduos afetados como forma de tentar esclarecer a maior vulnerabilidade
masculina. Consideram ainda que pesquisas futuras deveriam buscar identificar as
causas biológicas subjacentes a esta vulnerabilidade (FLANNERY et al., 2000).
2.1.4 FATORES GENÉTICOS
A dislexia do desenvolvimento é um distúrbio tanto familiar quanto hereditário
(CAPELLINI et al., 2007; SHAYWITZ; MORRIS; SHAYWITZ, 2008). Familiar se
refere ao fato de uma característica ser mais comum entre parentes de um indivíduo
afetado do que na população em geral, independente de sua causa ser genética,
ambiental ou ambas (NUSSBAUM, MCINNES, WILLARD, 2008). O termo hereditário
indica que o mecanismo de transmissão desta característica depende de sua
herança genética. A tendência de ocorrência em famílias já havia sido reconhecida
desde as suas primeiras descrições, mas hoje há evidências conclusivas de que a
dislexia é hereditária. No entanto há grande dificuldade em estabelecer a
herdabilidade de traços comportamentais complexos. Dependendo da dimensão
fenotípica investigada, os fatores herdados podem chegar a 80% (SCHUMACHER et
al., 2008).
Uma dessas dificuldades se deve ao fato de não haver uma clara
correspondência entre genótipo e fenótipo. Outro fator de dificuldade reside na
variação fenotípica em função do estágio de desenvolvimento do sujeito (CASTLES
et al., 2006). Três linhas de evidências convergentes sugerem que a dislexia do
desenvolvimento
é
hereditária.
A
primeira
forma
são
as
pesquisas
de
comportamento de leitura entre gêmeos monozigóticos (MZ) e dizigóticos (DZ). A
segunda forma são os estudos de prejuízo de leitura em famílias. A terceira forma
são os estudos genético-moleculares (GRIGORENKO, 2001).
12
Alguns estudos mostram que a taxa de concordância é maior entre gêmeos
MZ. Estas taxas variam entre 85% e 55%, se comparados com gêmeos DZ cujas
taxas estão abaixo de 50%. No entanto, esses tipos de estudo não permitem estimar
a magnitude relativa da influência genética e ambiental para as habilidades
envolvidas na leitura (GRIGORENKO, 2001). Os geneticistas desenvolveram uma
técnica estatística que permite estimar a influência relativa da hereditariedade e do
ambiente em gêmeos, denominada Método DeFries-Fulker (1985).
Nas pesquisas em dislexia com gêmeos, o comportamento analisado é o de
leitura, que compara o desempenho do gêmeo afetado (probando) com o cogêmeo.
Sua lógica está baseada na premissa de que o cogêmeo de um probando lerá
melhor, e, portanto, seu comportamento de leitura será mais semelhante ao nível
médio esperado para sua idade. “É dito que ela „regride‟ na direção da média para a
população” (SNOWLING, 2004a, p.139). A intensidade da regressão é determinada
por fatores genéticos e ambientais. Nos gêmeos MZ (idênticos), a regressão será
menos intensa para os cogêmeos; enquanto para os gêmeos DZ (fraternos) a
regressão dos cogêmeos em direção à média da população será maior, ou seja, irão
se diferenciar mais do que as dos probandos. Aplicando essa metodologia no estudo
da habilidade de leitura em grandes amostras, é possível estimar a contribuição
relativa da genética e do ambiente para a leitura (SNOWLING, 2004a). Estudos têm
sido conduzidos com essa metodologia, e os resultados mostram uma estimativa de
herdabilidade alta para as habilidades fonológicas, como reconhecimento de
palavras e consciência fonêmica. No entanto para as habilidades ortográficas, os
fatores ambientais compartilhados parecem ser muito relevantes (GRIGORENKO,
2001).
Estudos com gêmeos têm mostrado uma heterogeneidade entre os diferentes
processos cognitivos envolvidos na habilidade de leitura, pois nem todos parecem
ser herdáveis. A herdabilidade “parece ser mais elevada para decodificação
fonológica e a consciência do fonema do que para o reconhecimento da palavra e a
codificação ortográfica” (ROTTA; PEDROSO, 2006, p.156). Segundo Schumacher e
colaboradores (2008), a proporção de fatores herdados na dislexia varia entre 40% e
80%, sendo mais elevada para leitura de palavras, até 58% e soletração de 70%.
13
Com relação aos estudos de dislexia com famílias afetadas, são conduzidas
avaliações de cada membro afetado e construídos heredogramas na tentativa de
compreender o modelo de herança e avaliar o risco relativo para os familiares do
probando, ou seja, do disléxico. Algumas estimativas apontam que de 35 a 40% dos
parentes de primeiro grau sejam afetados e que ela seja herdada em 50% dos casos
e heterogênea no modo de transmissão (ROTTA; PEDROSO, 2006). Outros autores
reportam que uma criança, filha de pai ou mãe afetados, tem um risco de 40 a 60%
de desenvolver dislexia. Tal risco aumenta quando outros membros são afetados,
sendo que, o risco relativo é de 3 a 10 vezes maior para irmãos (SCHUMACHER et
al., 2007). Estudos de segregação têm indicado que a dislexia parece ser um
distúrbio de herança autossômica dominante (WIJSMAN et al., 2000; CAPELLINI et
al., 2007).
Com relação aos estudos genético-moleculares, muitas pesquisas têm sido
conduzidas no sentido de mapear genes associados a dimensões fenotípicas
específicas da dislexia. Alguns genes candidatos têm sido apontados por vários
estudos como o DCDC2, KIAA0319, DYX1C1 e o ROBO1. Esses genes parecem
estar envolvidos no processo de migração neuronal (GALABURDA et al., 2006;
SCHUMACHER et al., 2008). Desde os trabalhos de Galaburda e colaboradores
(1985, 1994), sabe-se que os cérebros disléxicos apresentam anomalias sutis do
processo de migração neuronal. As anomalias afetam a região perisilviana,
relacionada à linguagem e também o tálamo e o cerebelo. Essas anomalias estão
relacionadas ao déficit de processamento fonológico e a alguns transtornos motores
muito frequentes nos disléxicos. Estudos sugerem envolvimento do gene ROBO1
que tem o papel de regular a migração do axônio por meio da linha média entre os
hemisférios cerebrais e guiar os dendritos neuronais. A baixa expressividade desse
gene foi associada ao fenótipo da dislexia, inicialmente em um indivíduo com
dislexia, portador de uma translocação t(3,8) (p12; q11). Posteriormente em 19
disléxicos severos de uma mesma família, portadores de um haplótipo raro do
ROBO1 (HANNULA-JOUPPI et al., 2005).
Modelos animais têm mostrado que a manipulação de funções genéticas prénatais, relacionadas a tais genes, produz anomalias de migração celular que causam
déficits de processamento de estímulos auditivos em ratos (GALABURDA et al.,
2006). Estudo de Paracchini e colaboradores (2006) sugere uma ação do gene
14
KIAA0319 para a adesão celular entre os neurônios em migração e as fibras da glia,
durante o desenvolvimento do neocórtex. Segundo Galaburda e colaboradores
(2006), os genes já identificados, associados à dislexia (DYX1C 1, KIAA0319,
DCDC2, ROBO1) podem ser os que provocam alterações na migração celular e no
crescimento dos axônios que resultam em circuitos anormais entre o córtex e o
tálamo, afetando funções sensoriais e cognitivas envolvidas na leitura. Esses genes
candidatos não se expressam somente nas áreas cerebrais relacionadas à leitura.
As anomalias corticais em regiões específicas poderiam depender de uma interação
múltipla gene-gene, gene-ambiente (PARACCHINI , 2007).
Pelo acima exposto, podemos concluir que as pesquisas realizadas nas
últimas décadas têm trazido importantes contribuições na compreensão das causas
genéticas dos quadros de dislexia. No entanto, muitos avanços serão ainda
necessários para que se possa ter maior clareza do tema. Dentre os avanços
necessários destaca-se o desenvolvimento de instrumentos mais precisos para
caracterização fenotípica da dislexia.
2.1.5 FATORES NEUROBIOLÓGICOS
A dislexia foi descrita pela primeira vez quase que concomitantemente por
Hinshelwood
(1895)
e
Morgan
(1896),
em
estudos
independentes,
que
mencionavam a semelhança dos sintomas com a “cegueira verbal”. Já em 1891
Dejerine, um neurologista francês, descreveu que, em adultos, um dano na região
parieto-occipital esquerda (giro angular esquerdo) resultava num prejuízo em leitura
e escrita. Essas especulações só poderiam, então, ser confirmadas por autópsia
cerebral. Isso ocorreu em 1968, quando Drake descreveu uma série de alterações
cerebrais no giro cortical da região parietal inferior esquerda, incluindo ectopias na
camada externa do córtex. Outra especulação neurobiológica partiu de Samuel
Orton (1925, 1937) que descreveu uma pobre e inadequada lateralização cerebral,
no cérebro de crianças disléxicas. Tal alteração envolvia especialmente áreas da
linguagem. Esses estudos resultaram numa teoria amplamente difundida na
segunda metade do século 20 que atribuía a dislexia a uma assimetria hemisféricocortical (HABIB, 2000; CAYLAK, 2009).
15
A partir de 1973, com o uso da tomografia computadorizada, os cientistas
puderam analisar o cérebro de pessoas vivas, e, mais tarde, a ressonância
magnética permitiu ver detalhes da anatomia cerebral de pessoas com dislexia.
Embora as imagens estáticas permitissem examinar a estrutura do cérebro, foi
somente no inicio dos anos de 1980 que os cientistas puderam analisar o cérebro
em funcionamento (SHAYWITZ, 2006).
A despeito desses grandes avanços, as bases neuroanatômicas da dislexia
ainda não estão completamente compreendidas. Estas dificuldades se devem a
questões metodológicas e à variação de definições para dislexia (ECKERT, 2004).
Assim, embora hoje haja concordância quanto à importância central do déficit
fonológico na dislexia e sua relação com estruturas neurais, estudos recentes
enfatizam a necessidade de fenótipos cognitivos adicionais para compreensão das
bases neurobiológicas da dislexia (ECKERT, 2004).
Pesquisas recentes mostram que preditores anatômicos para dificuldade de
leitura variam em função do QI (LEONARD et al., 2002). Estruturas cerebrais de
tamanho grande e assimétricas caracterizam sujeitos disléxicos com QI médio e alto;
enquanto estruturas pequenas simétricas são características de sujeitos com déficit
de leitura de QI mais baixo (ECKERT, 2004). Conforme Eckert (2004) há pelo menos
mais três fenótipos comportamentais que são críticos para caracterizar uma amostra
de dificuldade de leitura e que contribuem para a variabilidade neurobiológica da
dislexia: memória de trabalho fonológica, ortografia e nomeação rápida. Cada qual
contribui como variável única para predizer compreensão de leitura, acurácia e ritmo
(BERNINGER et al., 2001 apud ECKERT, 2004).
Diferentes estruturas são ativadas, dependendo do tipo de tarefa. Assim,
tarefas de linguagem escrita envolvem o córtex occipital medial, giro fusiforme,
córtex parietal inferior, cerebelo e giro frontal inferior, assim como o giro temporal
superior além de todo o sistema visual e regiões parietais. Já as tarefas de
linguagem oral envolvem o córtex auditivo, insula, giro frontal inferior e cerebelo,
assim como áreas também ativadas durante tarefa de linguagem escrita (ECKERT,
2004). Este padrão de ativação parece sofrer modificações com o amadurecimento,
havendo menor grau de sobreposição de ativação. A conectividade entre estes
sistemas também sofre refinamento, resultando em maior especificidade de resposta
16
aos estímulos ortográficos e fonológicos dentro destes sistemas (BOOTH et al.,
2003 apud Eckert, 2004).
À medida que os sistemas de linguagem oral e escrita se desenvolvem,
parece haver uma redução na ativação do hemisfério direito. Simos et al. (2000)
demonstraram maior ativação do hemisfério direito em tarefa ortográfica em crianças
disléxicas do que nos controles. O estudo fez mapeamento por imagem magnética
de regiões cerebrais de 11 crianças disléxicas e 11 controles em tarefa de combinar
rima de pseudopalavras. Todos os disléxicos exibiram padrão de ativação aberrante
que consistiu em reduzida ativação nas áreas temporoparietais do hemisfério
esquerdo, e aumento de ativação da região homotópica no hemisfério direito. Estes
achados podem demonstrar imaturidade no desenvolvimento da leitura, mecanismos
compensatórios, ou prejuízo do hemisfério esquerdo.
Indivíduos disléxicos também exibem ativação cerebral atípica em toda região
relacionada à linguagem oral e escrita. Especificamente, sujeitos disléxicos
apresentam menor ativação do que os controles no lóbulo parietal inferior e superior,
giro temporal médio, giro fusiforme, insula e cerebelo (ECKERT, 2004). No tocante à
ativação do giro frontal inferior, alguns estudos mostram elevada atividade em
sujeitos disléxicos, enquanto outros relatam menor grau de ativação comparado a
controles (ECKERT, 2004). Segundo Shaywitz et al. (2003), uma possível explicação
para este fato seria que adultos disléxicos com boa acurácia em leitura, mas fluência
pobre, ativam o giro frontal inferior esquerdo; enquanto adultos disléxicos com
prejuízo em fluência e acurácia não o fazem. Estes autores compararam ativação
cerebral em tarefa de leitura de palavras e pseudopalavras entre três grupos de
jovens adultos (18.5-22.5 anos). Um grupo de disléxicos que persistiram leitores
pobres (n=24), um grupo de disléxicos compensados cuja acurácia melhorou, mas
não a fluência (n=19), e um terceiro grupo de bons leitores (n=27). O grupo de
disléxicos compensados, leitores acurados, mas não fluentes, demonstrou relativa
subativação
no
sistema
neural posterior
de
leitura
localizado
na
região
parietotemporal e occipitotemporal esquerda. O grupo de disléxicos que persistiam
pobres leitores, não fluentes e menos acurados, ativou o sistema posterior de leitura
de forma diferente dos bons leitores, aparentemente usando mais a memória do que
estratégia de identificação da palavra. Os dois grupos de disléxicos demonstraram
17
maior ativação do giro frontal inferior direito comparados ao grupo de bons leitores
(SHAYWITZ et al., 2003).
Uma contribuição significativa para a descrição da base neurobiológica da
dislexia veio de Galaburda e colaboradores (1985, 1994) que descreveram os
achados anatômicos no cérebro de cinco homens disléxicos. Em nível microscópico,
foram encontradas malformações corticais, incluindo ectopias, isto é, pequenos
aglomerados neuronais localizados em camada superficial anormal. As ectopias
estavam distribuídas principalmente nas duas áreas frontais e na área esquerda da
linguagem (córtex perisilviano). Outro achado foi a displasia, isto é, perda da
organização arquitetônica característica dos neurônios, e mais raramente micro
malformações vasculares (GALABURDA et al., 2006).
Foram também encontradas anormalidades macroscópicas nos estudos de
cérebros disléxicos, a saber, a ausência da assimetria normal direita/esquerda no
plano temporal. Embora essa característica esteja presente em 1 a cada 30 cérebros
rotineiramente, de modo geral, tais anormalidades têm sido consideradas como
evidência do desvio maturacional que está na origem dos problemas de leitura dos
disléxicos (HABIB, 2000).
Conforme Caylak (2009), Larsen et al. (1990) relacionaram a simetria no
plano temporal a um subgrupo de disléxicos que apresentava prejuízo fonológico
com desempenho ruim em leitura de não palavras, enquanto os indivíduos com
prejuízo no reconhecimento de palavras não diferiam dos controles. Os referidos
autores propuseram que a simetria poderia indicar uma base neuroanatômica para a
dificuldade de leitura dos disléxicos (CAYLAK, 2009).
Uma série de estudos anatômicos histológicos realizados em cérebros
disléxicos post mortem demonstrou a existência de anormalidades no núcleo
geniculado medial (Galaburda et al., 1994) e núcleo geniculado lateral
(Livinstone et al., 1991), no córtex auditivo (Galaburda e Kemper, 1979),
córtex visual primário (Jenner et al., 1999) e cerebelo (Finch et al., 2002)
(ECKERT, 2004, p.363-4).
Com relação às alterações cerebrais envolvendo os circuitos de linguagem
escrita, estudos morfométricos em adultos disléxicos reportam menor densidade de
massa cinzenta, envolvendo o lobo occipital medial direito, lobo occipital esquerdo,
18
giro temporal inferior esquerdo, giro temporal medial esquerdo e giro angular
(ECKERT, 2004). A Figura 1 mostra as regiões anatômicas envolvidas na leitura que
exibem diferenças estruturais entre disléxicos e grupos controle. No entanto, não
está claro se estes achados são de natureza causal, uma consequência do
desenvolvimento anormal do circuito de linguagem oral ou devidos a menor
experiência em leitura. Estudos longitudinais poderiam vir a esclarecer o papel
destas regiões anatômicas na dislexia (ECKERT, 2004).
Figura 1. Áreas anatômicas ativadas durante tarefa de linguagem escrita e que
exibem diferenças significativas dos controles em estudos de dislexia. Achados estruturais
relatados pelo menos uma vez estão coloridos em laranja. (ECKERT, 2004, p.364).
Com relação às diferenças anatômicas no circuito de linguagem oral, as
diferenças mais consistentes têm sido encontradas no opérculo parietal, giro frontal
inferior e cerebelo de cérebros disléxicos comparados com controles (ECKERT,
2004). A Figura 2 mostra as áreas ativadas em tarefas de linguagem oral que
exibem diferenças significativas entre disléxicos e controles.
19
Figura 2. Áreas anatômicas ativadas durante tarefa de linguagem oral e que exibem
diferenças significativas dos controles em estudos de dislexia. Achados estruturais relatados
pelo menos uma vez estão coloridos em laranja. (ECKERT, 2004, p.365).
Conforme Eckert (2004), estudos conduzidos por Leonard et al. (1993) e
replicados em 2001 encontraram anormalidades na região perisilviana. Esta região
tem sido relacionada ao processamento fonológico. A anormalidade consiste na
presença de duplicação do giro de Heschl no hemisfério esquerdo. Esta duplicação
pode estar presente em disléxicos cujo único déficit é o fonológico. Além disso,
outros estudos têm reportado a ausência da assimetria no plano temporal em
cérebros disléxicos (CAYLAK, 2009). No entanto, Eckert e Leonard (2000, 2002), em
trabalhos de revisão, encontraram nove estudos que não confirmaram este padrão
anômalo de assimetria em dislexia (ECKERT, 2004). Segundo Caylak (2009), as
razões para esta divergência de resultados podem incluir variações nas técnicas de
medição, ou questões metodológicas como tamanho de amostra, diferenças de
critério diagnóstico, comorbidade, ou outras características dos sujeitos que
influenciam a morfologia do plano temporal tais como a idade, tamanho do corpo e
do cérebro, QI e dominância lateral.
Diferenças morfológicas têm sido encontradas no plano parietal em sujeitos
disléxicos e estruturas cerebelares (ECKERT, 2004). Segundo Ramus et al. (2003),
muitos estudos de imagem têm encontrado diferenças anatômicas, metabólicas e de
ativação no cerebelo dos disléxicos. Referindo-se a estas anormalidades no
cerebelo, Eckert afirma:
20
Anormalidades no lobo anterior podem estar associadas a problemas
motores específicos, enquanto anormalidades no lobo semilunar
podem estar associadas a defeitos de linguagem (ECKERT, 2004, p.
367).
Em suma, alguns dos principais achados anatomopatológicos em dislexia
estão relacionados à simetria do plano temporal, alterações na citoarquitetura do
córtex temporal, do tálamo e do cerebelo (ROTA; PEDROSO, 2006).
2.2. DESENVOLVIMENTO DA LEITURA E ESCRITA
Ao longo da história, a humanidade criou diferentes tipos de registro para
transmissão de informações. Segundo Hooker (1996), esses tipos de registro podem
ser divididos basicamente em quatro: pictogramas, escrita analítica (logogramas),
sinais silábicos e o sistema alfabético.
Os
pictogramas
são
representações
pictóricas
do
mundo
e
dos
acontecimentos. Esse tipo de registro foi inventado no Oriente Próximo para facilitar
atividades comerciais. Conforme Hooker (1996), as pictografias não têm nenhuma
referência linguística diferindo, portanto, de outros sistemas de escrita. Considera-se
que a pictografia tenha contribuído para os outros sistemas de escrita, por um
processo de seleção e organização. Já a escrita analítica ou “logogramas” são
desenhos que correspondem a palavras da língua, podendo então ser considerados
um verdadeiro sistema de escrita. Está baseado no princípio de uma palavra
corresponder a um símbolo (ELLIS, 2001). São representações por analogia,
estilizadas e padronizadas, o que facilita sua identificação (CAPOVILLA,
CAPOVILLA, 2000). Por exemplo, um círculo poderia significar o verbo brilhar ou o
substantivo sol. Esse tipo de escrita representou um grande avanço por permitir a
expressão de relações gramaticais (HOOKER, 1996). Outro avanço importante na
história da escrita se deu quando os símbolos logográficos dos egípcios passaram a
ser usados pelos fenícios para representar as sílabas de sua língua (ELLIS, 2001).
Esse longo e complexo processo de evolução da escrita que culminou no sistema
alfabético tornou possível a representação de todos os sons da língua por um
número reduzido de sinais que facilitaram o aprendizado da língua escrita, pois com
21
poucas letras podem-se representar todos os fonemas de uma língua (CAPOVILLA
e CAPOVILLA, 2000).
O estudo do processo de aquisição da leitura e escrita de crianças boas
leitoras e de crianças disléxicas levou os pesquisadores a descreverem um processo
de desenvolvimento da escrita no indivíduo, semelhante ao que ocorreu na história.
No entanto, diferentes modelos têm sido propostos para explicar como se dá o
desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.
Um desses modelos foi proposto por Morton (1989) e Frith (1985, 1990) que
descreveram o desenvolvimento do aprendizado da leitura e escrita por meio de três
estágios que se caracterizam pelo uso de estratégias distintas no reconhecimento
das palavras: logográfico, alfabético e ortográfico. O primeiro é o estágio logográfico,
no qual o reconhecimento das palavras se dá por pistas não alfabéticas, isto é, pela
forma e cor da palavra. O segundo estágio é o alfabético, no qual é usada uma
estratégia fonológica de reconhecimento pela correspondência letra-som. Já o
terceiro estágio é o ortográfico, no qual a estratégia lexical é usada, isto é, a palavra
é reconhecida como um todo (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000; SANTOS e
NAVAS, 2004).
No estágio logográfico, a criança trata a palavra como se fosse um desenho,
sem reconhecer a correspondência grafema-fonema. Na leitura, ela é capaz de
reconhecer apenas palavras familiares de forma visual global, sendo então seu
vocabulário bem restrito. A escrita também segue a mesma característica, não
havendo ordenação das letras segundo o som da palavra. Tal estratégia não
permitiria grande aumento de vocabulário, pois exigiria muito da memória visual, e
poderia ainda resultar em erros por trocas de palavras visualmente semelhantes
(CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000; SANTOS e NAVAS, 2004).
No estágio alfabético, a criança passa a compreender a correspondência
letra-som e aprende a decodificar as letras e a converter a letra escrita em seu som
correspondente e, dessa forma, se torna capaz de ler. Além disso, ela aprende a
converter os sons ouvidos ou lembrados em seus grafemas correspondentes e,
assim, se torna capaz de escrever. No início, a leitura e a escrita são feitas
lentamente, mas com a exposição à leitura e escrita elas vão se tornando mais
rápidas e fluentes, passando a ser capazes de ler sem cometer hesitações. No
22
entanto podem cometer erros ao ler as palavras irregulares, ou seja, aquelas cuja
correspondência letra-som não é regular. Inicialmente as crianças tornam-se
capazes de converter as sequências de letras em fonemas, mas ainda não
identificam seu significado, caracterizando a leitura alfabética sem compreensão.
Somente depois elas adquirem a habilidade de reconhecer o significado,
caracterizando então a leitura alfabética com compreensão (CAPOVILLA e
CAPOVILLA, 2000; SANTOS e NAVAS, 2004).
No estágio ortográfico, a criança já é capaz de memorizar as exceções, isto é,
a ortografia das palavras irregulares, sendo capaz de reconhecer as unidades
morfêmicas compreendendo seu significado. Nesse estágio ela adquire maior
rapidez e fluência na leitura de palavras familiares que se dá por reconhecimento
visual direto, ou seja, pela estratégia lexical, e torna-se capaz de ler as palavras
irregulares sem erro (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000; SANTOS e NAVAS, 2004).
Outro modelo de desenvolvimento da habilidade de leitura é o da Teoria de
Fases, proposto por Ehri (1992, 2003). Segundo esse modelo, o desenvolvimento da
capacidade de reconhecer palavras se dá em quatro fases, cada qual caracterizada
por um processo predominante, mas não exclusivo: pré-alfabética, parcialmente
alfabética, alfabética plena e alfabética consolidada (CARDOSO-MARTINS et al.,
2003).
Na fase pré-alfabética, a criança reconhece as palavras apoiando-se em
pistas visuais salientes nelas ou em torno delas. Essa estratégia não é eficaz, pois
induz à confusão de palavras similares, além de não permitir ler palavras
desconhecidas (CARDOSO-MARTINS et al., 2006).
Na fase parcialmente alfabética, a criança começa a aprender os nomes e os
sons das letras. Pode então usar pistas visuais e fonológicas para criar uma rota de
acesso à memória, o que lhe permitirá recuperar seu significado e pronúncia quando
novamente exposta a sua grafia. No entanto essa habilidade de processamento
letra-som ainda se dá de forma incompleta. Comumente a criança só reconhece a
primeira, ou a primeira e a última letras das palavras. Permanece então a indução ao
erro na leitura por semelhança visual entre as palavras, assim como a dificuldade de
ler palavras novas (CARDOSO-MARTINS et al., 2006).
23
Na fase alfabética plena, para a qual a maioria das crianças só avança
mediante ensino formal das relações letra-som, elas se tornam capazes de ler
mediante a decodificação plena das letras em seus sons. Dessa forma torna-se hábil
na leitura de quaisquer palavras, sejam familiares ou não. Nessa etapa, a criança
armazena representações alfabéticas completas das palavras na memória
(CARDOSO-MARTINS et al., 2003).
Na fase alfabética consolidada, ocorre um grande aumento do vocabulário da
criança. A representação do padrão ortográfico das palavras vai sendo armazenada
na memória, permitindo seu reconhecimento imediato, o que resulta em precisão e
rapidez na leitura (CARDOSO-MARTINS et al., 2006, CARDOSO-MARTINS et al.,
2003).
Assim, tanto o modelo de Frith e Morton quanto o de Ehri mostram que o
desenvolvimento da leitura se dá em distintas fases.
Para ler e escrever de forma competente, ou seja, com fluência e acurácia, a
criança deve ser capaz de usar as diferentes estratégias adquiridas ao longo do seu
desenvolvimento. Na leitura de sinais e logotipos, a criança usa a estratégia
logográfica; para a leitura de palavras novas e pseudopalavras, a estratégia
fonológica e para as palavras de alta frequência e irregulares, a estratégia lexical
(CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000).
Além dos modelos de estágios já expostos, a psicologia cognitiva tem
proposto ainda outros modelos para explicar as estratégias usadas durante a leitura
e escrita de palavras. Um deles é o de dupla-rota proposto por Ellis & Young (1988);
Ellis (2001) e baseado na teoria do processamento de informação. Segundo esse
modelo, existem duas rotas distintas de leitura que funcionam em paralelo, a lexical
e a fonológica.
A rota lexical opera pelo reconhecimento visual direto da palavra, o qual
permite o acesso direto a sua representação ortográfica armazenada no léxico
mental ortográfico, que, por sua vez, pode ativar o significado semântico. Essa rota é
usada para leitura de palavras familiares, ou seja, de alta frequência. A rota
fonológica, também conhecida como perilexical, é usada na leitura das palavras de
baixa frequência no ambiente do leitor, assim como as palavras desconhecidas e as
24
pseudopalavras que são formadas por conjunto de letras sem significado. A
utilização desta rota se caracteriza pela decodificação grafofonêmica, em que as
partes da palavra, os segmentos ortográficos, são convertidas em seus sons, os
segmentos fonológicos. O processamento fonológico permite que a pronúncia da
palavra seja alcançada, o que por sua vez possibilite acesso ao léxico semântico, ou
seja, seu significado (CAPOVILLA; CAPOVILLA; MACEDO, 2001).
Durante o processo da alfabetização, a leitura se dá por decodificação
fonológica, inicialmente de forma hesitante. A partir da exposição repetida à palavra,
o processo vai se tornando mais eficaz, pois a criança passa da decodificação dos
fonemas para a de unidades maiores como as sílabas. Pela rota de leitura
fonológica o acesso ao significado da palavra pode não ocorrer, pois por essa via ele
se dá de forma indireta, por mediação da forma auditiva da palavra. A exposição
repetida à leitura e à escrita torna possível armazenamento das informações
ortográficas e semânticas das palavras num léxico ortográfico, dando condições
para a realização de leitura por reconhecimento direto da forma visual da palavra, ou
seja, a rota lexical. Assim, no leitor proficiente, a leitura acontece pelo uso alternado
das duas rotas. Prevalece a rota lexical sempre que as palavras forem reconhecidas
visualmente, o que torna a leitura fluente e a rota fonológica é então usada na leitura
de palavras desconhecidas e pseudopalavras (CAPOVILLA; MACEDO; CHARIN,
2002).
Nas tarefas de escrita, como na leitura, podem também ser usadas duas
estratégias diferentes, a fonológica e a lexical. Na estratégia fonológica, os sons da
palavra ouvida são decompostos em seus fonemas, estes são então convertidos em
seus grafemas correspondentes, e a escrita é produzida. Na estratégia lexical, a
forma ortográfica da palavra ouvida é recuperada diretamente do léxico via sistema
semântico, e é produzida a escrita (ELLIS, 2001; SALLES, 2005). A estratégia
fonológica é usada para escrita de palavras não familiares, podendo produzir erros
de regularização; enquanto a estratégia lexical é usada na grafia das palavras cuja
representação ortográfica está armazenada na memória sendo, portanto, necessária
para grafar corretamente as palavras irregulares. A Figura 3 apresenta o modelo de
Salles (2005), adaptado de Ellis e Young (1988) e Ellis (1995, 2001), e apresenta
diferentes módulos ou processos envolvidos na produção da escrita de palavras.
25
Figura 3: Modelo de escrita de palavra e pseudopalavra sobre ditado, adaptado de
Ellis e Young (1988) e Ellis (1995). Sendo que a linha pontilhada representa a rota
fonológica e a linha contínua, a rota lexical (SALLES, 2005, P.184).
2.3. AVALIAÇÃO DOS PROBLEMAS DE ESCRITA
Embora a dislexia seja por definição um transtorno específico de leitura, o
disléxico apresenta também problemas com a escrita. Tal fato tem sido pouco
investigado até o momento, a despeito de muitos estudos terem demonstrado que o
déficit de processamento fonológico, presente na dislexia, prejudica o aprendizado
da leitura e da escrita (CARDOSO-MARTINS et al., 2003). Estudos recentes
sugerem a existência de uma relação causal e bidirecional entre processamento
fonológico e linguagem escrita, conforme Capovilla, Capovilla e Suíter (2004, p.456):
[...] as habilidades de processamento fonológico seriam um pré-requisito para a
aquisição da linguagem escrita e, ao mesmo tempo, a competência em leitura e
escrita promoveria o desenvolvimento dos níveis mais refinados de processamento
fonológico, numa relação de causalidade recíproca (Capovilla & Capovilla, 2003;
Capovilla & Capovilla, 2002; Morais, 1995; Share, 1995).
Quando se fala em dificuldades de ortografia, é preciso levar em conta o nível de
dificuldade apresentado pela língua em questão. As línguas mais transparentes,
26
mais regulares na correspondência letra-som, exigem menor habilidade de análise
fonológica. É o caso do sistema linguístico do português do Brasil (MOUSINHO e
CORREA, 2009). Dessa forma, verifica-se que o aprendizado da escrita depende
não só de características individuais, como a habilidade de processamento
fonológico, mas também do grau de complexidade da língua a ser aprendida
(ZORZI, 2009). No entanto o déficit em processamento fonológico, característico dos
disléxicos, dificulta o aprendizado da escrita, seja qual for a língua da criança
(MOUSINHO e CORREA, 2009).
O aprendizado da escrita, principalmente nos casos das línguas cuja ortografia é
mais complexa, implica o uso de estratégias e habilidades variadas. Segundo
Fletcher et al.,(2009), Romani e colaboradores (2005) salientam que o domínio da
ortografia requer habilidade de processamento fonológico em nível sublexical e
habilidade de armazenamento de relações ortográficas.
Conforme Ehri (1997), as palavras podem ser escritas por meio de três
estratégias diferentes: pelo uso da memória, por analogia ou invenção. A estratégia
pelo uso da memória é observada quando o sujeito escreve uma palavra já familiar.
A estratégia por analogia é quando a criança reconhece e estabelece semelhanças
fonológicas com palavras conhecidas. Por fim, a estratégia por invenção requer a
realização de análise fonológica da palavra e o conhecimento dos princípios de
correspondência letra-som para criar sua grafia (SANTOS, 2009).
No período de aprendizagem da escrita, as crianças cometem erros típicos,
ocasionados pelo fato de não terem desenvolvido habilidades de consciência
fonológica ou por terem pouco domínio do sistema alfabético. Pela experiência de
exposição à palavra impressa por meio da leitura e da própria escrita, é esperado
que melhore a qualidade das representações das palavras na memória. Esse fato,
somado ao conhecimento das convenções da língua, torna a escrita mais precisa.
Vários estudos, em diferentes línguas, demonstram que a estratégia de escrita mais
usada inicialmente pela criança é a fonológica (SANTOS, 2009).
É sabido que tal estratégia induz ao erro na grafia de palavras cuja
correspondência fonema-grafema não seja regular. É um tipo de erro característico
do período de aprendizagem da língua escrita. Esses e outros tipos de erros
cometidos pelos aprendizes são esperados e normais durante as séries iniciais da
27
escolarização. Os erros podem ser vistos como resultado de hipóteses que a criança
desenvolve sobre a escrita, com base na sua habilidade de consciência fonológica e
nível de conhecimento do sistema ortográfico (ZORZI e CIASCA, 2008). No entanto,
o desenvolvimento da escrita requer outras habilidades além do processamento
fonológico e que devem também ser ensinadas na escola. Em vista disso, alguns
especialistas têm alertado para a necessidade do ensino mais sistemático da
ortografia, seja por memorização ou de modo mais reflexivo (MOUSINHO e
CORREA, 2009; ZORZI e CIASCA, 2008; CAPELLINI, 2009).
Ainda com relação aos erros ortográficos, esses tendem a se tornar cada vez
mais específicos e ocasionais para a maioria das crianças, ao longo do
desenvolvimento
da
escrita.
No
entanto,
nas
crianças
com
dislexia
do
desenvolvimento, tais tipos de erros são persistentes, caracterizando a disortografia
comumente associada à dislexia. Disortografia é definida, no DSM-IV-TR, como
dificuldade do indivíduo em compor textos escritos, que se manifesta por erros de
gramática, pontuação, má organização de parágrafos, muitos erros ortográficos,
apesar de inteligência normal e escolarização adequada (APA, 2003).
Conforme Serrano e Defior (2008), as crianças disléxicas apresentam um déficit
em tarefas que envolvem processamento fonológico, mesmo quando comparadas à
crianças mais novas, pareadas por nível de leitura. O déficit se torna aparente pela
lentidão de desempenho em testes de consciência fonológica. Também pela maior
porcentagem de erros apresentados, quando a tarefa requer o domínio da
correspondência grafema-fonema, como na leitura de pseudopalavras e não
palavras.
2.3.1 CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO DE ERROS NA ESCRITA
Para melhor compreender as dificuldades de escrita e saber quais são as
esperadas ao longo do desenvolvimento e aquelas que representam forte indício de
transtornos da linguagem, diversos autores têm desenvolvido sistemas de
classificação dos erros ortográficos (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000; CERVERAMÉRIDA e YGUAL-FERNÁNDEZ, 2006; ZORZI e CIASCA, 2008). Estes sistemas
permitem a realização de estudos que avaliam a frequência e prevalência dos tipos
28
de erro, o que tem grande valia na determinação dos padrões considerados normais
ou atípicos, para cada faixa de escolarização (ZORZI, 1998; BACHA e MAIA, 2001;
SANTOS, 2007; DIAS e ÁVILA, 2008; ZUANETTI et al., 2008; ZORZI e CIASCA,
2008, 2009). Tais sistemas permitem, ainda, inferir por meio da análise do tipo de
erro quais habilidades ou estratégias de escrita estão preservadas ou apresentam
prejuízo. Dessa forma são obtidas informações essenciais na avaliação da criança
com suspeita de dislexia e também no planejamento da intervenção a ser realizada
(CERVERA-MÉRIDA e YGUAL-FERNÁNDEZ, 2006). A utilização destes sistemas é
importante, pois os erros mais frequentes de ortografia apresentados pelas crianças
com problema de aprendizagem, no português do Brasil, são também observados
nas crianças disléxicas, diferindo, contudo, em relação a sua frequência e
prevalência (MOUSINHO e CORREA, 2009, p. 40).
Capellini, Cunha e Batista (2009) apresentam uma revisão de vários sistemas de
categorização baseados na semiologia dos erros. As categorizações propostas por
estes autores se encontram na Tabela 1. Esta revisão inclui propostas de autores
nacionais, como Cagliari (1989), Carraher (1986) e Zorzi (1998); assim como autores
de língua espanhola, que são Cervera-Mérida & Ygual-Fernández (2006) e
Manzano, Sanz & Chocano ( 2008).
29
Cagliari (1989)
Carraher (1987)
Zorzi (1998)
Cervera-Mérida
&Ygual
Fernández(2006)
Manzano,
Sanz &
Chocano
(2008)
Transcrição
Fonética
Transcrição da fala
Apoio na oralidade
Correspondência
biunívoca grafemafonema
Erros de caráter
linguístico
perceptivo
Uso indevido de
letras
Erros ligados à
origem das
palavras
Representações
múltiplas
Omissão e adição de
segmentos
Erros de caráter
visoespacial
Hipercorreção
Supercorreção
Generalização de
regras
Alterações da ordem
dos segmentos
Erros de caráter
visoauditivos
Modificação da
estrutura
segmental: trocas,
supressão e
inversão
Erros nas sílabas
de estruturas
complexas
Omissão de letras
Segmentações e
junções indevidas de
palavras
Erros com
relação ao
conteúdo
Juntura
intervocabular e
segmentação
Ausência de
segmentação e
segmentação
indevida
Junção/separação não
convencional de
palavras
Correspondência
fonema-grafema
dependente do
contexto
Erros nas regras
ortográficas
Forma
morfológica
diferente
Erros por
desconsiderar as
regras contextuais
Confusão entre as
terminações am e aõ
Correspondência
fonema-grafema
independente de
regras
Forma estranha
de traçar as letras
Erros por ausência
de nasalização
Trocas surdas / sonoras
Uso indevido de
maiúsculas e
minúsculas
Erros por trocas de
letras
Acréscimo de letras
Acentos gráficos
Letras parecidas
Sinais de
pontuação
Inversão de letras
Problemas
sintáticos
Outras trocas
Tabela 1. Classificação das disortografias apresentadas em estudos que avaliam leitura e
escrita em bons leitores e disléxicos (CAPELLINI, CUNHA, BATISTA, 2009, p.576).
30
2.3.1.1. Sistema Cagliari
O sistema proposto por Cagliari (1989) apresenta um paralelo entre a história da
escrita e sua evolução no indivíduo em processo de alfabetização e propõe um
sistema de categorização que permite classificar os erros cometidos pelas crianças,
compreendendo a hipótese subjacente acerca da relação letra-som com que ela
trabalha. Segundo este autor, o tipo de erro mais comum é a Transcrição fonética
da própria fala, ou seja, a criança escreve “dici” para a palavra disse, ou ainda “tudu”
para tudo, “sou” para sol.
Outra categoria de erro proposta por ele é Uso indevido de letras que
contempla os casos em que a criança escolhe uma letra possível para reproduzir o
som da palavra, mas que não é adequada aquele caso. Como por exemplo,
escrever “susego” para a palavra sossego, “caro” para carro, “felis” para feliz. A troca
de vogais não se enquadra nesta categoria por se tratar, quase sempre, de
transcrição fonética (CAGLIARI, 1989).
A Hipercorreção é outra das categorias propostas por Cagliari (1989) e se aplica
aos casos em que a criança generaliza uma regra ortográfica de forma indevida. Por
exemplo, ao aprender que muitas palavras terminadas em e são pronunciadas com
i, passa a escrever “lapes” em vez de lápis.
Cagliari (1989) propõe ainda a categoria Modificação da estrutura segmental
das palavras para categorizar os erros de troca, supressão, acréscimo e inversão
de letras. Tais erros ocorrem quando a criança ainda não domina bem o uso de
certas letras, como v e f, ou m e n. Em decorrência poderá escrever “voi” em vez de
foi, ou ainda “anigo” para amigo, ou “mação” para macaco.
Outra categoria de erros postulada por Cagliari (1989) é Juntura intervocabular
e segmentação. Estes erros se devem ao fato de a criança escrever como se fala,
ou seja, sem segmentar; ou se apoiar na entonação da fala e segmentar as palavras
de forma incorreta. Como por exemplo, escrever “jalicotei” para já lhe contei, ou “a
fundou” para afundou.
Para os erros ortográficos decorrentes de formas particulares de falar de alguns
dialetos, que dificultam para a criança o aprendizado de sua forma ortográfica,
Cagliari (1989) criou a categoria Forma morfológica diferente. Como exemplos são
31
citados “pacia” para passear, “ta” para está. Outra categoria proposta é a de Forma
estranha de traçar as letras que classifica as distorções na forma das letras na
escrita cursiva.
A categoria Uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, como o próprio
nome diz, contempla os casos em que a criança usa letras maiúsculas sem ser em
nomes próprios, como em pronomes “Eu”. A categoria Acentos gráficos classifica a
ausência ou a presença indevida de acentuação, sendo que o aprendizado dos
sinais diacríticos ocorre mais tardiamente no processo de alfabetização sendo,
portanto, comum sua ausência na escrita de escolares das séries iniciais. Uma
ocorrência comum é ausência do til (CAGLIARI, 1989).
Cagliari (1989) propõe ainda a categoria Sinais de pontuação para classificar
seu uso indevido, como nos casos em que a criança os utiliza para separar palavras.
Há ainda a categoria Problemas sintáticos que contempla os erros ocasionados
por problema de concordância, de regência que decorrem da reprodução na escrita,
de formas que só ocorrem na linguagem oral. O autor conclui recomendando que a
escola valorize mais os acertos do que os erros de seus alunos, e que, estes, por
sua vez sejam usados pelo professor para proceder ao levantamento das
dificuldades do aluno.
2.3.1.2. Sistema Carraher
O sistema proposto por Carraher (1987) apresenta oito categorias para analisar
os erros das crianças, algumas delas coincidentes com as propostas descritas de
Cagliari (1989). Um tipo de erro bastante frequente nos estágios iniciais da
alfabetização é aquele no qual a criança escreve como fala, ao qual denominou
Erros tipo “transcrição da fala”. Estes erros são ocasionados pela divergência que
existe entre a língua falada e a língua escrita e deverão diminuir à medida que a
criança compreender esta diferença. Como exemplos escrever “furmiga” para a
palavra formiga, ou “coelio” para a palavra coelho.
Outro tipo de erro comum decorre da aplicação generalizada de uma regra
ortográfica “descoberta” pela criança. Este tipo é denominado Erros por
supercorreção. Por exemplo, a criança aprende que dizemos /vassôra/ e
32
escrevemos vassoura, então ela poderá escrever “professoura” aplicando a mesma
regra. Outra grande dificuldade para a criança consiste na aprendizagem de que
algumas letras têm sua pronúncia alterada pelas letras que as sucedem, como as
letras c e g cuja pronúncia difere se forem seguidas por a, o, u, ou então por e, i.
Este tipo de erros foi denominado Erros por desconsiderar as regras contextuais
e pode incluir regras simples como a que determina o uso de m antes de p e b; ou
outras bem mais complexas como a do uso de ç que representa o som de se e si,
mas não pode ser usado antes de e e i, ou no começo da palavra. Já os chamados
Erros por ausência de nasalização se caracterizam por ser um importante traço na
distinção de um par de oponentes mínimos, pois pode alterar seu significado. Por
exemplo, nas palavras mau e mão, ou ainda pau e pão. Não levando em conta a
nasalização, as crianças cometem muitos erros de ortografia, outros exemplos são
roma e romã, ou ainda aida e ainda (CARRAHER, 1987).
Outro tipo são os Erros ligados à origem da palavra, envolve palavras cuja
grafia usa o g ou o j antes de e ou i , assim como palavras que levam h mudo, o uso
de x com som de z ou de c e outros. Estes casos não têm regra contextual a ser
seguida e tampouco diferenças de pronúncia, só podem ser aprendidos por
memorização. Alguns exemplos são: “omem” para a palavra homem, ou “vaçora”
para a palavra vassoura (CARRAHER, 1987). Nesta tipologia existe ainda a
categoria de Erros por troca de letra com sons parecidos que envolve
normalmente troca de consoantes sonoras e surdas e só engloba erros não
pertencentes a outra categoria. Alguns exemplos são escrever “glima” para a palavra
clima, ou “tivam” para a palavra divã.
Outra categoria criada por Carraher (1987) é a de Erros nas sílabas de
estrutura complexa. Como as sílabas comumente são formadas por uma
consoante e uma vogal, aquelas que não têm esta estrutura apresentam dificuldades
para serem grafadas corretamente. Alguns exemplos são “guada” para a palavra
guarda, ou “uroso” para urso.
A autora relata ainda que, em estudo realizado em Pernambuco, analisando
escrita sob ditado, constatou que com esta categorização foi possível classificar
mais de 80% dos erros das crianças de 1ª a 4ª séries, sendo que os 20% de erros
não classificáveis envolviam Erros de acentuação, trocas de letras sem aparente
33
explicação. Ela relata ainda que houve diminuição significativa dos erros entre a 1ª e
a 2ª séries, tendo a média dos erros permanecido estável após a 2ª série. No
tocante à diferença relativa entre as categorias por série, a autora constatou
tendência à diminuição nos erros por transcrição da fala, também nos devidos ao
desconhecimento da origem da palavra e os relacionados às sílabas complexas. Em
estudo complementar que analisou redações livres, Carraher (1987) constatou ainda
outra categoria, a de Erros por ausência de segmentação ou segmentação indevida,
que antes não havia sido observado por se tratar de análise de escrita sob ditado.
Nesse estudo a distribuição dos erros por categoria foi semelhante a do anterior,
sendo a percentagem de ocorrência de erros de segmentação de 13 e 12% na 1ª. e
2ª séries, respectivamente, diminuindo dramaticamente para cerca de 3% na 3ª e 4ª
séries. Segundo Carraher (1987), mesmo depois de ter compreendido o sistema
alfabético, ou seja, mesmo conhecendo as regras básicas de correspondência letrasom, a criança ainda terá um longo caminho a percorrer até dominar completamente
a ortografia.
2.3.1.3. Sistema Zorzi
Zorzi (1998), analisando o desempenho ortográfico de 514 alunos de 1ª a 4ª
séries do Ensino Fundamental, de escolas particulares em São Paulo, desenvolveu
também um sistema de classificação de erros ortográficos que tem sido usado em
pesquisas brasileiras (SANTOS, 2007; ZORZI e CIASCA, 2008). Ele se baseou nas
categorizações propostas anteriormente por Cagliari (1989) e Carraher (1987), mas
necessitou ampliá-las para contemplar a grande diversidade de alterações
ortográficas encontradas em sua amostra.
foram:
apoio
na
oralidade,
As categorias por ele estabelecidas
representações
múltiplas,
omissão
de
letras,
junção/separação não convencional de palavras, confusão entre as terminações
am/ão, trocas surdas/sonoras, acréscimo de letras, letras parecidas, inversão de
letras e outras trocas.
Os erros decorrentes de representações múltiplas se devem ao fato de que, na
escrita da língua portuguesa, existem apenas algumas correspondências biunívocas,
ou seja, a um som corresponde uma única letra. Segundo Lemle (1998), os casos de
correspondência biunívoca entre fonemas e letras no português são: /p/
34
representado pela letra p, /b/ pela letra b, /t/pela letra t, /d/pela letra d, /f/ pela letra f,
/v/ pela letra v, e /a/ pela letra a.
Mas em muitos casos, a um mesmo som podem corresponder diferentes letras,
ou ainda uma mesma letra pode representar diferentes sons. Estes são os casos
em que os erros são decorrentes de representações múltiplas, os erros envolvendo
a grafia do fonema /s/ que pode ser escrito com as letras s, sc, sç, xc, x, e z; do
fonema /z/ que pode ser escrito pelas letras z, s e x; grafia do fonema /∫/pode ser
escrito com x e ch; o fonema /ʒ/ que pode ser escrito com j ou g; o fonema /к/ que
pode ser escrito com q, c, ou k. Também os erros em função da letra r poder
representar os sons /χ/ e /r/ dependendo do contexto; e da letra g poder representar
o som /ʒ/ acompanhada de e ou i, ou o som /g/ quando antes de a, o, ou u, e ainda
em gue e gui; e ainda os erros devidos à letra c representar tanto o som /к/ quanto o
/s/; e ainda erros decorrentes do uso das letras m e n indicando a nasalidade da
vogais nasais (ã, am, na; em, em; im, in; om, on; um, um).
Outra categoria proposta por Zorzi (1998) foi Alterações ortográficas decorrentes
de apoio na oralidade que se aplica aos erros ocasionados pelo fato de a criança
escrever a palavra da forma como ela é falada, o que muitas vezes não é a forma
ortograficamente correta. A Omissão de letras foi outra das categorias propostas; e
também as Alterações caracterizadas por junção ou separação não convencional
das palavras.
As alterações decorrentes de Confusão entre as terminações am e ão foram
consideradas como uma categoria, como nas palavras comeram e comerão; assim
como os erros devidos à Generalização de regras já explicados anteriormente. Na
categoria Alterações caracterizadas por substituições envolvendo a Grafia de
fonemas surdos e sonoros que inclui as palavras que apresentam trocas entre as
letras p/b; t/d; q-c/g; f/v; ch-x/j-g e o grupo de letras que representam o som /s/versus
o das que representam o som /z/ (ZORZI, 1998).
Outra categoria proposta por Zorzi (1998) foi Acréscimo de letras que inclui
palavras grafadas com mais letras do que na verdade tem; e ainda a categoria
Letras parecidas que contempla as trocas entre letras semelhantes, como m e n,
em posição inicial de sílaba, e dos dígrafos nh, ch, lh e cl. Propôs ainda a categoria
Inversão de letras, englobando tanto a inversão de posição das letras na sílaba,
35
quanto a inversão de posição das sílabas na palavra. Além destas foi criada a
categoria Outras alterações para os erros atípicos que não eram compartilhados
por outras crianças, e ocorreram de forma pontual. Alguns exemplos são: sangue
escrito como “jange” e bruxa como “gurcha”.
Os resultados do estudo de Zorzi (1998) confirmaram que o desempenho
ortográfico melhora significativamente com a progressão de série escolar, pois a
frequência de erros por série foi de 42,6% na 1ª. série; 26,8% na 2ª.; 18,8% na 3ª.; e
11,8% na 4ª. série. Quanto à frequência de ocorrência por tipo de erro, o tipo mais
frequente foi Representações múltiplas (47,5%), seguido de Apoio na oralidade
(16,8%), Omissões (9,6%), Junção-separação (7,8%), Confusão am X ão (5,2%),
Generalização (4,6%), Trocas surdas/sonoras (3,8%), Acréscimo de letras (1,4%),
Letras parecidas (1,3%), Inversões (0,6%), Outras alterações (1,2%) (ZORZI, 1998,
p.43).
Podemos observar, então, que quase a metade dos erros se deveu a
Representações múltiplas, sendo sua frequência muito superior ao do segundo tipo
de erro mais frequente, Apoio na oralidade. Segundo Zorzi (1998), este resultado se
deve à própria característica da língua, ou seja, à alta frequência de ocorrência de
palavras que tem como característica a possibilidade de um fonema poder ser
representado por diferentes letras ou ainda de uma mesma letra grafar diferentes
fonemas. Tal fato apresenta-se como de difícil compreensão para os aprendizes da
língua. Outra possível razão apontada é o fato de que o ensino das irregularidades
da língua só de dá mais tardiamente, o que pode contribuir para que os escolares
hipotetizem uma regularidade letra-som que não existe.
Outros estudos brasileiros sobre tipologia de erros, a partir de escrita sob ditado,
de escolares de 1ª. a 4ª. séries, também encontraram altos índices de erros dos
tipos Representação Múltipla, Generalização de Regras, Omissão e Apoio na
Oralidade ( BACHA e MAIA, 2001; QUEIROGA et al., 2004 apud SANTOS, 2007 ).
No tocante ao desempenho ortográfico por tipo de escola, Ávila et al. (2001) e
Bacha e Maia (2001) encontraram diferença significativa de desempenho entre os
sujeitos de escolas públicas e particulares, em detrimento da pública (citados por
SANTOS, 2007).
36
Analisando
a
produção
textual
e
escrita
sob
ditado
de
palavras
e
pseudopalavras, de escolares de 3ª. série, de escolas particulares, usando a
categorização de erros de Zorzi (1998), Santos (2007) encontrou um maior número
médio de erros do tipo Outras Alterações, o que foi explicado pelo grande número de
erros de acentuação cometidos pelos sujeitos. A segunda categoria mais frequente
foi Generalização de Regras, seguida de Omissão de Letras.
Em recente pesquisa de Zorzi e Ciasca (2008), foram analisados os tipos de
erros e a frequência média de ocorrência, pelos critérios de Zorzi (1998), de uma
amostra de 69 sujeitos com problemas de aprendizagem e diagnósticos variados. Os
tipos de erros mais frequentes foram as “representações múltiplas” que são
ocasionadas por conhecimento insuficiente das regras ortográficas do português e
não por dificuldade fonológica. Alguns exemplos encontrados foram: caçador escrito
como “casador”, erro por uso de x ou ch, j ou g. Tais erros são frequentes nas
crianças das séries iniciais e diminuem gradualmente.
O segundo tipo de erro mais frequente foi por “omissão de letras”, tais erros se
devem a uma análise imprecisa da representação fonológica das palavras ou, ainda,
ao desconhecimento da forma correta de grafar os fonemas. Alguns exemplos
encontrados foram: churrasco escrito como “churraco”, soltou escrito como “sotou”, e
omissão de dígrafos como nh e lh. O terceiro tipo de erro mais frequente foi o de
palavras escritas como são faladas, o que denota habilidade fonológica e
desconhecimento de regras ortográficas. Alguns exemplos encontrados foram:
soltou escrito como “souto”. Nesse estudo os erros por “Apoio na Oralidade” que
comumente são mais frequentes em amostras de crianças sem queixa de
aprendizagem foram menos frequentes do que os erros por “Omissão de Letras”. Os
erros devidos a trocas visuais foram raros, assim como os erros da categoria “Outras
Trocas” em que são computados os erros atípicos, de ordem fonológica. Alguns
exemplos são: machucado escrito como “masucado”, girassol escrito como
“zilasol”(ZORZI, CIASCA,2008).
2.3.1.4. Sistema Cervera-Mérida e Ygual-Fernández
37
Ainda sobre os critérios de classificação de erros de ortografia, Cervera-Mérida e
Ygual-Fernández (2006) propõem uma classificação semiológica que pode ser
observada na Figura 4. Os referidos autores recomendam que a análise dos erros
da criança em avaliação deve se basear em vários textos produzidos por ela. Há
recomendação também para que sejam analisadas tanto a escrita espontânea
quanto a sob ditado, assim como o ditado sem correção e autocorrigido, textos
longos e curtos e o ditado de pseudopalavras. Segundo o critério desses autores, os
erros devem ser classificados em: de ortografia natural e de ortografia arbitrária. Os
erros de ortografia natural são os que mostram alteração do princípio alfabético e
denotam uma falha no processamento da linguagem. Exemplos desse tipo de erro
são: adição ou subtração de uma letra, ou uma troca de letra que implique a
mudança do fonema ao se pronunciar a palavra. Os erros de ortografia arbitrária são
as transgressões das convenções ortográficas.
Figura 4. Classificação Semiológica de Erros Ortográficos (CERVERA-MÉRIDA e
YGUAL-FERNÁNDEZ, 2006, p. 119).
Os erros de ortografia natural, segundo a classificação em pauta, se subdividem
em: erros na correspondência biunívoca grafema-fonema, erros por omissão e
adição de segmentos, erros por alterações da ordem dos segmentos, erros por
segmentações e junções indevidas de palavras. Já os erros de ortografia arbitrária
38
se subdividem em: erros de correspondência fonema-grafema dependentes do
contexto e, por fim, erros de correspondência fonema-grafema independente de
regras. Do ponto de vista semiológico, os erros de correspondência biunívoca
grafema-fonema na escrita se relacionam com o processamento da fala. Se esse
tipo de erro ocorre em poucas palavras, deve-se pensar que a criança tenha
memorizado a forma fonológica da palavra errada. Por exemplo, para a palavra
/medicina/ escreve medecina, trocando “i” por “e”.
Quanto aos erros por omissões e adições de segmentos, Cervera-Mérida e
Ygual-Fernández (2006) recomendam que se verifique se tais erros ocorrem em
várias situações ou se a modalidade de escrita influi: se é um ditado ou redação e
qual o tipo de sílaba ou estrutura fonética. Em alguns casos, pode denotar
dificuldade no processamento de fala, relacionado a sílabas complexas, ou ainda
pode ocorrer em palavras de baixa frequência e estrutura complexa. Para os
disléxicos, é especialmente difícil manter na memória de trabalho as representações
fonológicas de palavras de baixa frequência, ocasionando esse tipo de erro. Os
erros de escrita, por alteração na ordem dos segmentos, podem ser causados por
falha no processamento sequencial de sílabas como: trocar uma sílaba com
estrutura
de
Consoante_Consoante_Vogal
por
outra
com
a
estrutura
de
Consoante_Vogal_Consoante, por exemplo trocar /bra/ por /bar/. Outra possibilidade
é trocar a estrutura Consoante_Vogal por Vogal_Consoante, como na troca de /le/
por /el/. É possível ainda haver confusão léxico-semântica como, por exemplo, /sol/
por /los/. Em contrapartida, erros mais arbitrários são raros. Por exemplo, para a
palavra /pantalon/ escrever naptalon. Os erros desse tipo muito aleatórios podem
indicar falhas no processamento das formas fonológicas. Com relação aos erros por
segmentações e junções indevidas de palavras, esses autores alertam para o fato
de que são comuns nos dois primeiros anos de escolarização. Tomar consciência de
que as palavras devem ser escritas isoladamente, diferentemente da língua falada, é
uma habilidade metalinguística que os disléxicos demoram muito mais a
desenvolver. “Enquanto isso tendem a separar de forma aleatória as palavras função
unindo-as ou não aos núcleos semânticos que as acompanham” (Cervera-Mérida,
Ygual-Fernández, 2006, p. 120).
Os erros de ortografia arbitrária, segundo a classificação proposta por CerveraMèrida e Ygual-Fernández (2006), são de dois tipos: erros de correspondência
39
fonema-grafema dependentes do contexto, e os erros de correspondência fonemagrafema independentes de regras. Nos erros ortográficos por correspondência
fonema-grafema dependentes do contexto, um único fonema pode ser representado
por letras diferentes dependendo da vogal que o suceda. São exemplos destas
relações regulares, mas não biunívocas, o fonema /k/ que pode ser representado
pelas letras “c” (casa) ou “qu” (queijo).
Os alunos disléxicos apresentam grande dificuldade para aprender e automatizar
esse tipo de regra. Os referidos autores alertam para a complexidade semiológica
desses erros, pois é necessário saber se a causa é uma falha no processamento da
fala, ou se o erro é produzido por desconhecimento da regra ortográfica, ou ainda,
se ocorrem somente em palavras cuja ortografia é arbitrária. Já os erros ortográficos
por correspondência fonema-grafema, independente de regras, são decorrentes do
prejuízo na capacidade de armazenar a representação ortográfica das palavras. Um
exemplo deste tipo de erros é a representação do fonema /∫/ que pode ser grafado
com x ou ch; ou ainda o uso do h inicial que é mudo. Os disléxicos apresentam
grande dificuldade para automatizar essas regras e também têm menos exposição à
escrita porque leem menos em razão da dificuldade de leitura. Tal característica da
dislexia foi denominada por Stanovich (1986) de “Efeito Mateus” por analogia à
parábola bíblica em que duas condições se reforçam mutuamente (MOUSINHO,
2009; LUKASOVA et al., 2008).
2.3.1.5. Sistema Manzano, Sanz & Chocano
O Sistema proposto por Manzano, Sanz & Chocano (2008) apresenta
similiaridade em relação às classificações de outros sistemas, mas com
nomenclaturas diferentes, com ênfase nos seguintes tipos de erros: caráter
linguístico perceptivo; caráter visoespacial; caráter visoauditivo; com relação ao
conteúdo e nas regras ortográficas.
Além desses sistemas, diferentes critérios têm sido usados para avaliação de
escrita sob ditado. A partir de uma abordagem mais quantitativa, Capovilla e
Capovilla (2000) propõem que seja computado o número médio de erros por item a
partir dos seguintes critérios: 1) Desrespeito às regras básicas de correspondência
40
grafema-fonema com a troca de grafemas, como, por exemplo, para a palavra
/empada/ escrever espada, ou para /sílabas/ escrever sírabas; 2) Desrespeito às
regras de posição como, por exemplo, para a palavra / pássaro/ escrever pásaro, ou
para /empada/ escrever enpada, e para /eçute/ escrever esute; 3) Desrespeito a
regras de ortografia, como, por exemplo, para /extenso/ escrever estenso, para
/tigela/ escrever tijela; 4) Acréscimo de grafema como, por exemplo, para /amanhã/
escrever amanhãn, para /galinha/ escrever galinlha; 5) Omissão de grafema como,
por exemplo, para /duas/ escrever dua, para /dezena/ escrever dzena; 6) Erro por
acentuação tônica que desrespeita regras ortográficas ou de acentuação tônica,
como, por exemplo, para /uram/ escrever urão, ou ainda para /vejam/ escrever
vejão. No caso da escrita sob ditado de pseudopalavras, diferentes escritas são
consideradas como corretas sempre que reproduzem a forma fonológica da palavra
ditada como, por exemplo, para /ezal/ são consideradas certas as grafias ezal, esal,
ezau e esau. Assim, para cômputo do total de erros por item, têm sido consideradas
a soma de cada um dos erros cometidos e a frequência média de erros. Desta
forma, para cada criança é calculada a soma total dos erros cometidos em todos os
itens e dividida pelo número de itens (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000).
2.3.2. DESENVOLVIMENTO DE INSTRUMENTOS COMPUTADORIZADOS
PARA AVALIAÇÃO DE LEITURA E ESCRITA
A avaliação de leitura e escrita, feita por meio de testes psicométricos
tradicionais, é capaz de quantificar a habilidade ou déficit da criança, situá-la
comparativamente em relação aos seus pares. No entanto, apenas os resultados
desses testes não auxiliam na compreensão das razões pelas quais o desempenho
ocorre. Para saber o que prejudica o desempenho escolar de uma criança, é
necessário entender quais competências envolvidas na leitura e escrita estão
comprometidas. Dessa forma, será possível traçar uma estratégia de intervenção
adequada. Para atender a essa necessidade, têm sido desenvolvidos testes
neuropsicológicos
de
processamento
cognitivo
que
permitem
identificar
o
funcionamento das habilidades gerais e específicas, envolvidas na leitura e escrita.
Tais instrumentos têm como fundamento a teoria do processamento da informação
41
cujos modelos procuram descrever o fluxo da informação e seus possíveis
caminhos, ao longo de diferentes vias ou rotas. Procura-se especificar as unidades
ou módulos de processamento, cada qual com uma função específica. Assim, a
abordagem permite analisar o desempenho das crianças em tarefas de leitura e
escrita de forma mais detalhada, identificando os mecanismos subjacentes que
estejam prejudicados ou preservados, tendo como base os modelos teóricos e a
avaliação do tipo de erro e sua distribuição relativa. De tal forma é possível
identificar qual das rotas de processamento está sendo usada e ainda avaliar a
integridade de cada unidade/módulo de processamento e via de transmissão da
informação (CAPOVILLA, MACEDO, CHARIN, 2004).
O uso de instrumentos de avaliação computadorizados permite a avaliação de
habilidades acadêmicas de forma eficaz, segura, precisa, rápida e econômica
(MACEDO et al., 2005). A elevada acessibilidade à população e o baixo consumo de
recursos materiais e humanos possibilitam a aplicação em uma amostra
considerável, além de permitir análise automática dos resultados obtidos em tempo
real (BIRNBAUM, 2004). A alta precisão da avaliação computadorizada decorre de
características como a padronização das instruções, interação entre o conteúdo do
teste e seu delineamento, tabulação e análise automática dos resultados por meio
da aplicação de tabelas de dados normativos previamente armazenados (EPSTEIN
e KLIKENBERG, 2001a). Dentre as desvantagens da utilização da avaliação
computadorizada estão a necessidade de recursos tecnológicos nem sempre
acessíveis, a ansiedade gerada no contexto da aplicação e a falta de familiaridade
com o computador, principalmente por indivíduos de níveis socioeconômico e
cultural baixos (BUCHANAN, 2002).
Com o avanço da tecnologia e a popularização do computador, cada vez mais
se tem utilizado esse aparelho em situações de testagem, privilegiando os testes
psicológicos. A utilização de avaliações computadorizadas também permite que um
maior número de pessoas possa ser avaliado em curto tempo; economia temporal e
financeira na aplicação e na análise dos resultados. Por outro lado, a utilização do
computador acarreta algumas perdas, como a incapacidade de diferenciar entre uma
resposta errada e patológica, dada pelo paciente, a impossibilidade de registrar
dados comportamentais importantes ao processo terapêutico, além de muitos
indivíduos ainda não estarem familiarizados com equipamentos, como o mouse,
42
teclado, etc. Em relação ao equipamento, especula-se a possível variação na forma
de apresentação, de acordo com tipo de computador e versão de software.
(EPSTEIN e KLINKENBERG, 2001 b).
Naglieri e colaboradores (2004) ponderam a respeito da computadorização de
testes.
Um
dos
benefícios
oferecidos
pela
avaliação
neuropsicológica
computadorizada é que permite que as respostas sejam gravadas, conforme o
examinando responde ao item da avaliação e que se obtenha o resultado do
desempenho do examinando, imediatamente após o teste ser finalizado. Com isso a
devolutiva do desempenho do avaliando torna-se mais rápida. A avaliação
neuropsicológica computadorizada permite também que as instruções para o
avaliando sejam transmitidas de forma uniformizada, além dessa versão de
avaliação ter uma redução de custo em sua aplicação, por não ser necessária a
impressão de folhas de respostas como também de crivos de correção. Em
contraponto, os autores ponderam que pessoas com menos familiaridade ao
computador possam ter seu desempenho prejudicado. Os autores enfatizam a
necessidade de existir dados normativos com embasamento científico, destinados à
cultura e à língua da população que está sendo avaliada, caso contrário, os
resultados poderiam ser utilizados de forma inadequada e inadvertida, com
interpretações erradas.
A avaliação de leitura e escrita por instrumentos computadorizados já é bem
relatada na literatura. Vários estudos brasileiros têm utilizado a Bateria de Leitura e
Escrita (BALE) com escolares de pré-escola à quarta série, tanto de escolas
públicas quanto particulares, na versão lápis e papel e computadorizada. A Bateria
de Leitura e Escrita Computadorizada (BALE-Computadorizada) (MACEDO et al.,
2002) foi desenvolvida usando Macromedia Flash MX®, Pré-processador Hypertext
(PHP), programando linguagem e base de dados MySQL™. A escolha desses
equipamentos ocorreu em função de sua alta compatibilidade e eficácia em tutoriais
na Internet. O Macromedia Flash MX® foi usado, porque permite a sincronização de
arquivos contendo imagens, textos e áudio por meio de arquivos tipo SWF
(MACEDO et al., 2002). Ela é composta de cinco testes, sendo eles: Teste de
Competência de Leitura de Palavras (TCLP), Teste de Compreensão de Sentenças
Escritas (TCSE), Teste de Compreensão de Sentenças Faladas (TCSF), Teste de
43
Nomeação de Figuras por Escrita (TNF1.1-Escrita), Teste de Nomeação de Figuras
por Escolha (TNF1.1-Escolha). Para os testes TNF, existem duas versões.
O TCLP avalia a leitura de palavras isoladas por julgamento ortográfico de
diferentes categorias de palavras; palavras corretas regulares, palavras corretas
irregulares,
palavras
pseudopalavras
vizinhas
homófonas,
semânticas,
pseudopalavras
pseudopalavras
com
trocas
estranhas,
fonológicas
e
pseudopalavras com trocas visuais (LUKASOVA et al., 2008). Permite, ainda, avaliar
os estágios de desenvolvimento da leitura, além de ser útil no diagnóstico diferencial
de distúrbios na aquisição de leitura. O TCSE avalia a habilidade de compreensão
em leitura de sentenças e extração de seu significado com graus variados de
complexidade lexical e semântica (LUKASOVA et al., 2008). O TCSF avalia
compreensão auditiva e discriminação de sentenças faladas que variam quanto ao
grau de complexidade lexical e semântica (NIKAEDO, 2006). É um teste baseado
no Teste de Prontidão para a Leitura de Kunz (1979), e a leitura das sentenças é
feita por voz digitalizada (LUKASOVA et al., 2008). O TNF1.1-Escolha avalia a
competência na habilidade de leitura pela nomeação de figuras por escolha da
palavra correta entre palavras semelhantes do ponto de vista ortográfico e
semântico (LUKASOVA et al., 2008). Já o TNF1.1-Escrita tem por objetivo avaliar a
habilidade de escrita em português, verificando a competência para escrever
livremente as palavras que correspondam às figuras sem erros ortográficos e
semânticos (VIGGIANO, 2003).
Macedo e colaboradores (2005) realizaram um estudo verificando a eficácia
da avaliação computadorizada por meio da Internet no contexto escolar. O estudo
avaliou a viabilidade de aplicar, via Internet, o Teste de Competência de Leitura
Silenciosa On-Line para avaliar a habilidade de decisão lexical. Participaram do
estudo 415 crianças. De maneira geral, os resultados mostram que o padrão de
respostas na aplicação via Internet foi semelhante ao da versão tradicional. Tais
resultados mostram que é viável usar a Internet para coletar dados de testes
baseados em constructos teóricos.
Outro estudo utilizando avaliação computadorizada foi realizado com 811
crianças de 1ª. a 4ª. séries do Ensino Fundamental de uma escola pública, com os
testes TCSE, TCLP e outros, cujos resultados foram comparados com a Prova do
44
Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
(SARESP)2002. Os resultados mostraram diferenças significativas no TCSE e no
TCLP entre as séries. No TCSE, houve crescimento dos escores entre as séries,
principalmente entre a 1ª e a 2ª séries e entre a 3ª e a 4ª séries. No TCLP, o
resultado mostrou crescimento significativo nos escores entre as quatro séries, em
todos os itens, excetuando-se pseudopalavras estranhas entre a 3ª e a 4ª séries. O
desempenho das meninas foi superior ao dos meninos nas três provas
(PRUDENCIO, 2006).
Também com uso de avaliação computadorizada realizou-se um estudo
comparando o desempenho de 340 escolares de 1ª a 4ª série, de escola municipal
(EM) e escola particular (EP) da cidade de São Paulo, no TCLP. Os resultados
mostram desempenho dos escolares da EM significativamente abaixo dos escolares
de EP, comparados por série. O desempenho da 1ª. série da EP foi superior ao da
2ª.série do EM, corroborando a superioridade de desempenho na escola particular
(NIKAEDO et al., 2006).
Foi ainda realizado estudo com a BALE computadorizada completa, o teste de
consciência fonológica, o teste de motricidade e outras tarefas para avaliar os
movimentos oculares na leitura, comparando o desempenho de dez crianças
diagnosticadas como disléxicas, com dez controles pareados por idade, sexo,
escolaridade. O resultado mostrou um desempenho abaixo do esperado nos escores
do TNF e no tempo no TCSE. Quanto aos movimentos oculares na leitura, os
resultados mostraram maiores tempos e número de fixações, comparados ao grupo
controle. As avaliações dos disléxicos mostraram déficit fonológico e motor. Estes
resultados permitem validar o diagnóstico para o grupo de disléxicos (LUKASOVA,
2006).
Foi realizado estudo envolvendo avaliação computadorizada, com utilização
do TCSE em 549 escolares, de 1ª série do EF até 1ª série do EM, cujos resultados
mostraram aumento na pontuação conforme a progressão de série escolar, no
entanto, nem a 1ª série do EM atingiu o efeito-teto do teste (CAPOVILLA,
CAPOVILLA, MACEDO, 2005).
Em recente estudo, Toledo Piza (2009) comparou o desempenho, na BALE
computadorizada, de 28 disléxicos comparados a um grupo controle por idade e
45
outro grupo controle por nível de leitura. Foram comparados os desempenhos no
TCLP, TCSE, TCSF e TNF1.1-Escrita. Os resultados mostraram que o grupo
controle por idade (AC) teve uma média de acertos maior em todas as tarefas,
comparados com o grupo disléxico (DX) e controle por nível de leitura (RC). O
mesmo ocorreu em relação ao tempo médio de execução das provas, ou seja, os
sujeitos do grupo AC usaram tempo menor para realizar as provas do que os demais
grupos. Desta forma, os disléxicos, quando comparados a sujeitos de mesma idade,
obtiveram média mais baixa de acertos e tempo de execução maior. O desempenho
do grupo AC (mais velhos) comparado ao do grupo RC mostrou um desempenho
significativamente melhor do AC em todas as medidas. Comparando o desempenho
do grupo RC com os disléxicos, não foram encontradas diferenças significativas na
média de acertos no TCLP e do TCSE, indicando que os disléxicos tiveram um
desempenho semelhante ao dos controles mais novos. No entanto, houve diferença
significativa na média de acertos no TNF 1.1-Escrita, com maior número de acertos
do grupo RC. Com relação ao tempo médio de execução, comparando os disléxicos
com o desempenho do grupo RC, houve diferença significativa no TCLP e no TCSE.
Os disléxicos necessitaram de mais tempo em ambas as tarefas, mostrando que sua
leitura é mais lenta do que a de sujeitos mais novos com o mesmo nível de leitura.
Uma das dificuldades observadas na computadorização de testes é a de
correção e análise automática de respostas escritas livremente. A correção e análise
automática das respostas são fáceis de ser implementadas em testes cuja resposta
do sujeito se restringe à escolha de uma alternativa dentre várias. No entanto, testes
em que a resposta é livre, e o sujeito pode escrever livremente, a correção e a
análise deste tipo de resposta são mais difíceis de ser feitas de maneira automática.
Em suma, realização de estudos que avaliam a eficácia da utilização de
instrumentos computadorizados para avaliação de crianças com dislexia do
desenvolvimento pode mostrar novas possibilidades de avaliação deste importante
transtorno de aprendizagem.
46
3. OBJETIVOS
3.1. Objetivo geral
Analisar o padrão de erros cometidos por disléxicos em uma prova de
nomeação de figuras por escrita e comparar com leitores normais pareados por nível
de leitura e idade.
3.2. Objetivos específicos
Analisar os erros cometidos por disléxicos na nomeação por escrita no Teste
de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF1.1-Escrita), de forma qualitativa, por meio
de categorização dos erros segundo critérios de Cervera-Mèrida e Ygual-Fernández
(2006), adaptados à escrita do português do Brasil.
Comparar os padrões de erros feitos por disléxicos com bons leitores
pareados por idade cronológica.
Comparar os padrões de erros feitos por disléxicos com bons leitores
pareados por nível de leitura.
Comparar a pontuação obtida no TNF1.1-Escrita obtida pelos três grupos de
participantes: disléxicos, controles pareados por idade e controles pareados por
nível de leitura.
47
4. MATERIAL E MÉTODOS
4.1 Sujeitos
Foram analisados os dados de avaliação neuropsicológica de 15 disléxicos,
de ambos os sexos, com idades variando de 8 a 12 anos, provenientes de escolas
públicas e particulares do estado de São Paulo. Todos os participantes foram
diagnosticados no Laboratório de Neurociências, do Programa de Pós-Graduação
em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
ou no ambulatório de Distúrbio de Aprendizagem do Núcleo de Atendimento
Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar do Centro Paulista de Neuropsicologia
(NANI/CPN). A pesquisa foi realizada nas dependências do Laboratório de
Neurociências do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Para o diagnóstico, os sujeitos foram encaminhados ao Laboratório de
Neurociências da UPM, ou ao ambulatório de Distúrbios de Aprendizagem do NANI,
onde foram avaliados por meio de uma bateria de testes neuropsicológicos e
diagnosticados segundo os critérios propostos pelo DSM IV-TR (APA, 2003) e CID10 (WHO, 1993). Os critérios de exclusão adotados na amostra foram: 1) a presença
de comorbidade com o Transtorno Déficit de Atenção e Hiperatividade; 2) QI Total
no WISC III abaixo da média, ou seja, com escore ponderado de 80; 3) discrepância
de menos de um ano, em relação à série, no Teste de Competência de Leitura de
Sentença; 4) suspeita de deficiências visuais/auditivas sem correção; 5) crianças
com lesões cerebrais, histórico de doenças clínicas neurológicas ou psiquiátricas; 6)
atraso no desenvolvimento de linguagem oral, atraso neuropsicomotor e retardo
mental.
Este estudo foi de grupos contrastantes, analisando e comparando o grupo de
disléxicos (DX) a dois grupos: Grupo Controle por Idade (CI) composto por 15
crianças com desempenho de leitura dentro da média esperada, com base na média
total da série cursada, pareados por sexo, idade e tipo de escola com as crianças
disléxicas; e Grupo Controle por nível de leitura (CL): composto por 15 leitores mais
novos, pareados com os disléxicos pelo sexo, tipo de escola e desempenho de
48
leitura. O nível de leitura foi obtido por meio do escore total de acertos (máximo de
40 pontos), obtido no Teste de Compreensão de Sentenças Escritas.
Os grupos controle foram obtidos a partir do banco de dados dos estudos de
normatização da BALES (para detalhes dos critérios de seleção, ver Macedo, 2002 e
Nikaedo, 2006). Foram usados bancos de dados de escolas particulares e públicas,
com dados de crianças da primeira à sétima série, de ambos os sexos. De tal
maneira, foram formados: A Tabela 2 apresenta a caracterização dos participantes
do estudo.
Tabela 2. Caracterização dos participantes do grupo de disléxicos, controle pareado
por nível de leitura e controle pareado por idade cronológica.
Disléxicos (N=15)
Controle por Leitura (N=15)
Média
9,93
Dp
1,28
Min
8
Série
3,73
1,43
2
7
QI Verbal
QI Exec.
102,13
12,14
79
118
108,07
105,07
12,83
10,19
87
87
128
125
Grupo
Idade
QI Total
Max Média Dp
12
8
0,75
2,07
0,59
Controle por idade (N=15)
Min
6
Max
9
Média
10
Dp
1,558
1
3
3,8
1,568
Min Max
8
13
2
4.2 Material
O Teste de Competência de Leitura de Sentença (TCSE) que faz parte da
BALE-Computadorizada (MACEDO et al., 2002) foi usado para avaliação do nível de
leitura dos participantes e para formação do grupo controle pareado por nível de
leitura. O TCSE avalia a capacidade de compreensão de leitura de sentença, com
variados níveis de complexidade. É composto por 46 telas, sendo que as seis iniciais
são de exemplo. As telas contêm uma sentença escrita seguida de cinco figuras
alternativas para escolha, das quais só uma corresponde bem à sentença. A tarefa
do examinado consiste em ler a sentença e escolher entre as alternativas a figura
que melhor corresponde ao conteúdo da sentença. A Figura 5 ilustra uma das telas
do TCSE.
7
49
Figura 5. Tela ilustrativa do Teste de Competência de Leitura de Sentenças
O Teste de Nomeação de Figura por Escrita (TNF1.1-Escrita) que faz parte da
BALE-Comp (MACEDO et al., 2002) foi usado para avaliação da escrita. O TNF1.1Escrita avalia o desenvolvimento da competência de escrita em português do nome
de figuras, ou seja, da competência de produção de escrita livre para nomear figuras
que representem objetos e animais conhecidos. Trata-se de um teste de
competência de produção de escrita de palavras isoladas que avalia a habilidade do
examinando de escrever livremente palavras que correspondem a figuras sem
cometer erros ortográficos ou semânticos (VIGGIANO, 2003). Originalmente, o teste
foi desenvolvido na versão tradicional lápis e papel (CAPOVILLA et al., 2002) e
posteriormente computadorizado (MACEDO et al., 2002). O teste contém 36 itens,
sendo que cada item é composto de uma figura e uma caixa de texto abaixo dessa,
na qual o sujeito deve digitar o nome da figura. A Figura 6 ilustra duas telas do
TNF1.1-Escrita, em que a pessoa deve escrever a palavra correspondente à figura
em português.
50
Figura 6: Telas ilustrativas do TNF1.1-Escrita. Á esquerda a tela com a figura de um
rato e à direita a figura de uma vassoura, com a resposta dada por um sujeito.
O Quadro 1 apresenta a lista das 36 palavras consideradas corretas na
nomeação das figuras. Pelo fato de o teste ser de nomeação de figura, diferentes
palavras escritas podem corresponder à figura apresentada. Assim, para cada item
são apresentados alguns sinônimos aceitos e possíveis para o item. Por exemplo,
no item 4, as respostas corretas possíveis são: pipa e papagaio. Já o item 23 tem
como resposta possível: caranguejo ou siri.
51
Quadro 1. Lista de 36 palavras que devem ser escritas pelos sujeitos para nomear
cada uma das 36 figuras que compõem a versão 1.1 do Teste de Nomeação de
Figuras por Escrita (TNF1.1-Escrita).
item Nome da figura
1
RATO, CAMUNDONGO, RATAZANA,
RATA
2
PATO, PATA
3
MOTO, MOTOCICLETA
4
PIPA, PAPAGAIO
5
VELA, CASTIÇAL, CASTICAL
6
COBRA, VÍBORA, VÍBORA,
CASCAVEL, JIBÓIA, JIBOIA
7
CAVALO, ÉGUA, EGUA, MULA
8
MEIA, PEÚGA, PEUGA
Item Nome da figura
19
VASSOURA
9
10
11
12
27
28
29
30
13
14
15
16
17
18
LÁPIS, LAPIS
ABACAXI, ANANÁS, ANANÁS
ELEFANTE, PAQUIDERME
BORBOLETA, LEPTÓPTERO,
LEPTOPTERO
SAPO, ANFÍBIO, ANFIBIO, CURURU,
RA, RÃ
ABRIDOR, ABRIDOR DE LATA
MELANCIA
PETECA, FRESCOBOL
GIRAFA
RODA
20
21
22
23
24
25
26
31
32
33
34
35
36
APITO
GARFO
CHUVEIRO
CARANGUEJO, SIRI
IGREJA, CAPELA,
TEMPLO
MARTELO
CHINELO, SANDÁLIA,
SANDALIA, HAVAIANAS
COELHO
XADREZ, TABULEIRO
TAMBOR
HELICÓPTERO,
HELICOPTERO
BINÓCULO, BINOCULO,
BINÓCULOS
RINOCERONTE
CORUJA
PALHAÇO, PALHACO
GRAMPEADOR
SANFONA, ACORDEON
A versão computadorizada do TNF1.1-Escrita possibilita a correção
automática das respostas dos avaliandos. Assim, caso a palavra escrita no item
corresponda a uma das possibilidades apresentadas no Quadro 1, é atribuído o
valor 1, caso contrário, é atribuído o valor 0. A quaisquer outras respostas diferentes
das descritas, incluindo ausência de resposta, resposta do tipo “não sei”, ou ainda
resposta semanticamente incorreta, é atribuída pontuação 0. Desta forma, a
pontuação total pode variar de 0 a um máximo de 36 pontos. No entanto, como as
respostas escritas ficam registradas, análises qualitativas podem ser feitas ao
término da avaliação.
52
4.3 Procedimento
Os dados usados na presente dissertação foram obtidos dos Bancos de
Dados do Laboratório de Neurociências do Comportamento, coordenados pelo
orientador da presente dissertação. Assim, tanto os resultados dos participantes com
dislexia quanto dos controles já haviam sido coletados em outros estudos, mas não
analisados. Na coleta dos dados, os pais/responsáveis pelos sujeitos participantes
foram esclarecidos quanto ao procedimento da pesquisa e assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, previamente aprovado pelo Comitê de Ética da
Universidade (CAAE-0051.0.272.000-06).
Os participantes foram avaliados por meio das versões computadorizadas dos
testes TCSE e TNF1.1-Escrita aplicados individualmente. Foram realizadas em
média três sessões para a aplicação dos testes. Ao término das avaliações, foram
realizadas entrevistas devolutivas para todos os participantes. No caso dos
participantes com dislexia do desenvolvimento, foram feitos relatórios individuais e
entregues aos responsáveis.
4.4 Procedimento para análise dos resultados
4.4.1 Análise Quantitativa
As respostas escritas foram corrigidas automaticamente pelo programa de
acordo com os critérios apresentados no Quadro 1. Análises quantitativas foram
conduzidas com a finalidade de comparar a pontuação obtida pelos três grupos de
participantes. Para análise quantitativa dos resultados, foi utilizado o SPSS na
versão 17.0. ANOVAs foram conduzidas a fim de comparar diferenças entre e
intragrupos. O nível de significância adotado foi de 5% para todos os testes.
4.4.2 Análise Qualitativa
53
Foi feita análise qualitativa dos tipos de erros cometidos nas respostas, no
Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF1.1-Escrita) dos itens por meio dos
critérios descritos por Cervera-Mèrida e Ygual-Fernández (2006), adaptados à
escrita do português do Brasil. Inicialmente a classificação foi feita pela autora da
dissertação e, em seguida, enviada para duas fonoaudiólogas com especialidade em
avaliação de escrita, a fim de verificar o grau de concordância das classificações.
Para a análise qualitativa das respostas, foram admitidas as várias
possibilidades de ocorrência para cada item linguístico. Uma das adequações
necessárias foi a alteração do nome da categoria Correspondência Biunívoca
Grafema-Fonema para Correspondência Unívoca Grafema-Fonema uma vez que,
no português do Brasil poucas são as letras que apresentam relação biunívoca
grafema-fonema, conforme já descrito anteriormente. Optou-se pela subdivisão da
categoria Omissão e Adição de Segmentos para maior clareza dos dados a serem
analisados e facilitar a comparação com dados de outros estudos que comumente
são apresentados desta forma.
Foi ainda criada uma categoria para classificar as trocas semânticas
denominadas Erros Semânticos, tendo em vista a ocorrência destes em número
razoável.
Na
categoria
Correspondência
Unívoca
Grafema-Fonema
foram
classificados todos os erros de grafema que resultaram em alteração do fonema
original. Na categoria Omissão de Segmentos, foram classificados todos os tipos de
ocorrência desta natureza, desde a omissão de um único segmento até aquelas em
que foram omitidos quase todos os segmentos. Na categoria Adição de Segmentos,
foram classificadas todas as ocorrências deste tipo, seja de apenas um ou vários
segmentos. Na categoria Alteração da Ordem dos segmentos, foram classificadas
as ocorrências de inversões de letra ou de sílaba. Na categoria Segmentação e
Junção indevida, foram classificadas as ocorrências de junções ou separações não
convencionais das palavras. Na categoria de erros por Correspondência fonemagrafema dependente do contexto, foram classificados os erros resultantes do
desrespeito as regras fonográficas de tipo regular contextual. Como exemplo destes
tipos de erros temos: tanbor, igrega. Na categoria de erros por Correspondência
fonema-grafema independente de regras, foram classificados os erros envolvendo
correspondências fonográficas de tipo irregular. Como exemplo destes tipos de erros
temos: jirafa, elicóptero (omissão de h).
54
Para maiores detalhes sobre os critérios usados para classificação dos erros
veja tabelas de correspondências fonográficas propostas por Morais (1995 Apud
Moojen, 2009) nos Anexos 2 e 3.
55
5. Resultados e Discussão
Análise dos resultados
revelou
que
os
participantes
com
dislexia
apresentaram idade média de 9,93 anos (dp=1,28) e o grupo pareado por idade de
10,0 anos (dp=1,558). Assim, como seria esperado, não foi encontrada diferença
significativa na idade entre estes dois grupos de participantes. Já o grupo de sujeitos
pareados por nível de leitura teve idade média de 8,0 anos (dp=0,756), ou seja, uma
diferença de aproximadamente 2 anos de idade. De fato, Anova unifatorial foi
conduzida e mostrou diferença significativa entre grupos para idade (F[ 2,44]=12,520;
p<0,001). De fato, Toledo Piza (2009) indica que Bryant e Impey (1986) foram os
primeiros a fazer delineamentos específicos para comparar crianças disléxicas com
controles pareados pelo nível de leitura. Esses autores criticavam estudos em que
disléxicos eram pareados com leitores da mesma série e idade, justificando que o
desempenho de leitura depende do nível geral de reconhecimento de palavras, e
que esta habilidade é muito diferente no disléxico e no leitor competente que não
está prejudicado. Portanto, alegam que comparações e extrapolações, entre estas
duas amostras, podem gerar resultados enviesados, uma vez que disléxicos se
comportam como leitores mais novos (BRYANT e IMPEY, 1986; MANIS et al. 1996).
Toledo Piza (2009) continua acrescentando que, apesar de inovadora, tal
metodologia gerou muita controvérsia, uma vez que parear grupos por nível de
leitura não equivale a pareá-los por faixa etária (MANIS et al., 1996). Críticas
surgiram quanto aos instrumentos usados para avaliar o nível de leitura das
crianças, pois a escolha de como o nível de leitura era estipulado para parear os
dois grupos, certamente, influenciou as conclusões obtidas. Discussões entre
teóricos perduraram durante alguns anos, sem chegar a conclusões definitivas
(STANOVICH et al., 1997; MANIS et al., 1996; GRIFFITHS e SNOWLING, 2002).
Entretanto estudos atuais permanecem adotando o pareamento por nível de leitura,
além de incluir controles por idade (STANOVICH, SIEGEL e GOTARDO, 1997;
SALLES e PARENTE, 2006, 2008). No Brasil, Salles e colaboradores (ver SALLES
et al. 2004; SALLES e PARENTE, 2006 e 2008), há algum tempo, vêm adotando
uma metodologia quase experimental, por grupos contrastantes, na qual
compararam crianças com dificuldades de leitura e escrita a dois grupos controles.
Em um de seus estudos, verificaram que quando crianças com dificuldades de
leitura e escrita foram comparadas a crianças mais novas, apresentaram menos
56
dificuldades do que quando comparadas a controle da mesma idade (SALLES e
PARENTE, 2006).
Com a finalidade de comparar os grupos em função do grau de escolaridade
a partir da série escolar, Anova unifatorial foi realizada, sendo observada diferença
significativa entre os grupos (F[2,44]=8,900; p<0,001). Teste Post Hoc LSD mostrou
não haver diferença de série escolar entre os participantes disléxicos e os controles
por idade, no entanto, estes dois grupos tinham mais anos de escolaridade do que
os participantes pareados por nível de leitura. Tais resultados indicam progressão
nas séries escolares dos disléxicos da mesma forma que os leitores normais com a
mesma idade. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos três grupos de participantes
em função do tipo de escola, série e idade.
Tabela 3. Frequência absoluta dos três grupos de participantes em função do tipo de
escola (pública e particular), série escolar (1ª a 7ª série) e idade (6 a 13 anos)
Série
DI
1ª
Escola
Pública
2ª
3ª
4ª
5ª
6ª
7ª
2ª
Escola
Particular
3ª
4ª
6 anos
7 anos
8 anos
9 anos
10 anos
11 anos
11 anos
12 anos
12 anos
12 anos
13 anos
8 anos
9 anos
9 anos
10 anos
10 anos
11 anos
2
2
1
1
1
0
1
1
0
0
1
1
1
2
1
Grupo
CL
1
1
5
2
5
0
1
0
Total
CI
2
2
1
1
0
1
1
1
1
0
1
1
2
1
1
1
9
6
2
2
1
1
1
2
1
6
1
3
2
4
2
Tal achado está de acordo com o padrão identificado em outros estudos
(BRYANT e IMPEY, 1986; MANIS et al., 1996). Na amostra de Bryant e Impey
57
(1986), por exemplo, foi identificada uma criança com dislexia que, aos 17 anos,
desempenhava como uma leitora de dez anos. Este perfil corrobora com os estudos
prévios que nos alertaram para os impactos no desempenho educacional e
psicossocial de um indivíduo com dislexia (CIASCA, 2003; SCHOEN-FERREIRA et
al., 2002; BISHOP e SNOWLING, 2004). Confirmaram, ainda, a hipótese de que a
série cursada não é um determinante do desempenho de disléxicos, pois na
presente amostra, por exemplo, havia sujeitos mais velhos que desempenhavam
como indivíduos nos processos iniciais da aquisição da leitura e escrita, assim como
disléxicos mais novos que não apresentavam dificuldades tão severas. Assim como
no estudo de Toledo Piza (2009), esse perfil reforçou a importância de usar um
grupo controle pareado por nível de leitura, pois uma vez que o objetivo é investigar
o processo de alfabetização dos grupos, é importante comparar disléxicos, com
crianças mais novas, mas com um desempenho em leitura semelhante (TOLEDO
PIZA, 2009).
O fato de não ter sido observada diferença na série entre o grupo de
disléxicos e os controles por idade, pode ser explicado pelo sistema de Progressão
Continuada. Este sistema foi implantado no estado de São Paulo em 1988, sendo
então denominada aprovação automática, a exemplo do que já era praticado em
países como a Inglaterra. As escolas de nível fundamental foram então organizadas
em dois ciclos: um de 1ª. a 4ª. série e outro, de 5ª. a 8ª. série. Enquanto a aprovação
automática previa simplesmente a promoção por idade cronológica, a progressão
continuada propõe uma avaliação contínua da aprendizagem dos alunos e sua
recuperação
contínua.
Esta
forma
de
atendimento
procura
contemplar a
heterogeneidade e facultar a permanência do aluno na escola (BERTAGNA, 2008).
Assim, a utilização de recursos pedagógicos específicos aos disléxicos pode auxiliálos ao longo dos anos de escolarização e o sistema de aprovação automática não
exime o aluno de ser avaliado, ainda que de maneira informal, pelo professor, ou até
mesmo pela sociedade. É inegável a interferência que este juízo que se faz de seu
desempenho
tem
na
autoestima do
aluno
e
consequentemente
na
sua
aprendizagem (AUGUSTO e GODOI, 2004). Ainda assim, a retirada da avaliação
formal não protege o aluno com problema de aprendizagem da exclusão. A própria
sociedade avalia constantemente se o aluno tem o domínio do conhecimento que
atenda a suas necessidades sociais e laborais. Caso o aluno apenas progrida ao
58
longo das séries sem real melhoria de desempenho será discriminado e excluído na
sociedade (SILVA et al., 2006).
Análise do nível intelectual dos participantes com dislexia foi realizada a fim
de verificar se o desempenho estava dentro da faixa de normalidade. Resultados
dos participantes com dislexia no teste WISC revelam pontuação dentro da faixa de
normalidade para QI Total (m= 105,07; dp=10,19), QI Verbal (m= 102,13; dp=12,15)
e QI de Execução (m= 108,07; dp=12,84). Teste T para medidas repetidas não
revelou diferença significativa entre QI Verbal e de Execução nos participantes com
dislexia.
5.1. Análise de desempenho no Teste de Compreensão de Sentença Escrita
O desempenho dos participantes no Teste de Compreensão de Sentença
Escrita foi avaliado por meio do número total de acertos e do tempo médio para
responder aos itens. Este teste foi usado como parâmetro para estabelecer os
grupos em função do nível de leitura. Foi observado efeito do tipo de grupo na
pontuação do total do TCSE (F[2,42]=8,564; p<0,001). Análises Post Hoc LSD
revelaram que os participantes do grupo pareado por idade acertaram mais itens
que os demais grupos. A Tabela 2 apresenta o número médio de acertos e tempo de
realização do TCSE para os três grupos de participantes. Como seria esperado, não
foi observada diferença entre disléxicos e os controles por leitura. Assim, o Teste de
Compreensão de Sentença Escrita se mostrou um bom instrumento para
comparação de disléxicos e crianças sem dificuldades de leitura. Não foi observada
diferença significativa no tempo de realização do teste entre os participantes dos três
grupos.
59
Tabela 4. Número de acertos e tempo médio para responder aos itens do Teste de
Compreensão de Sentença Escrita para os participantes dos três grupos.
TCSE Grupo
N
Média Desv. Erro
95% Intervalo de
Mín
Máx
Pad. Pad.
Confiança
Limite
Limite
Inferior Superior
Acertos DI
15
29,67
9,32
2,40
24,50
34,83
8
40
CL
15
29,93
9,34
2,41
24,76
35,11
8
42
CI
15
39,93
2,37
,61
38,62
41,25
35
43
Total
45
33,18
8,97
1,33
30,48
35,88
8
43
Tempo DI
15
24,28 15,47
3,99
15,71
32,86 10,44
52,37
(seg)
CL
15
28,42 16,79
4,28
19,23
37,60 10,27
68,60
CI
15
22,64 13,02
3,36
15,43
29,85
8,08
42,28
Total
45
25,12 14,95
2,23
20,62
29,61
8,08
68,60
5.2. Análise do desempenho no Teste de Nomeação de Figuras por Escrita
(TNF1.1-Escrita)
O desempenho dos participantes no Teste de Nomeação de Figuras por
escrita foi analisado inicialmente em função do número total de itens corretos. Desta
forma, as respostas escritas foram corrigidas automaticamente pelo programa de
acordo com os critérios apresentados no Quadro 1, sendo que foi atribuído o valor 1
para o item correto e 0 para o item que apresentasse qualquer tipo de incorreção.
Como o teste tem 36 itens, a pontuação total máxima poderia ser 36 e, a mínima, 0.
Análise estatística foi conduzida a fim de verificar o efeito do grupo no número de
respostas corretas. Anova unifatorial revelou efeito para o número total de acertos
(F[2,42]=7,257; p<0,002). Análise Post Hoc indica que o número de acertos do grupo
controle pareado por idade foi significativamente maior do que os participantes
disléxicos e os controles por nível de leitura. Não foram observadas diferenças
significativas entre disléxicos e controles por nível de leitura. A Tabela 3 apresenta o
número médio de acertos e tempo de realização do TNF1.1-Escrita para os três
grupos de participantes. Desta forma, os participantes do grupo controle que foram
pareados pela idade acertaram, em média, oito itens a mais do que os participantes
disléxicos e, quatro itens a mais do que os controles pareados por nível de leitura.
Anova unifatorial revelou diferença significativa entre grupos no tempo de realização
dos testes (F[2,42]=4,122; p<0,024). Análise Post Hoc indica que o tempo dos
60
participantes do grupo controle por nível de leitura foi significativamente maior que o
dos participantes disléxicos e o dos participantes do grupo controle por idade. Assim,
como seria esperado, crianças mais novas levaram mais tempo para escrever as
respostas. Crianças disléxicas levaram em média 19 segundos para escrever o
nome do item, enquanto os pareados por idade levaram, em média, 28 segundos.
Este dado pode ser interpretado pelo fato de os disléxicos cometerem mais erros
que os demais participantes.
Tabela 5. Número de acertos e tempo médio para responder aos itens do Teste de
Nomeação de Figura por Escrita (TNF1.1-Escrita) para os participantes dos três
grupos.
TNF
1.1
Acertos
Tempo
(seg)
Grupo
N
DI
CL
CI
Total
DI
CL
CI
Total
15
15
15
45
15
15
15
45
Média
Desv.
Pad.
20,47
24,40
28,47
24,44
19,00
37,89
28,40
28,43
5,89
5,82
5,52
6,51
10,93
23,85
16,88
19,25
Erro
Pad.
1,52
1,50
1,42
,97
2,82
6,15
4,35
2,86
95% Intervalo de
Confiança
Limite
Limite
Inferior Superior
17,20
23,73
21,17
27,63
25,41
31,53
22,49
26,40
12,94
25,06
24,68
51,09
19,05
37,76
22,65
34,21
Mín
Máx
10
14
14
10
5,70
6,22
7,00
5,70
29
35
34
35
41,25
104,8
57,56
104,8
Com relação à utilização de versões computadorizadas de testes para
avaliação de funções cognitivas, Naglieri e colaboradores (2004) indicam que um
dos benefícios oferecidos pela avaliação neuropsicológica computadorizada é que
permite que as respostas sejam gravadas conforme o examinando responde ao item
da avaliação e que se obtenha o resultado do desempenho do examinando
imediatamente após o teste ser finalizado. Com isto a devolutiva do desempenho do
avaliando torna-se mais rápida, já que em versões tradicionais ou lápis-e-papel
levem mais tempo. A avaliação neuropsicológica computadorizada permite também
que as instruções para o avaliando sejam transmitidas de forma uniformizada, além
deste tipo de versão de avaliação ter uma redução de custo em sua aplicação por
não ser necessária a impressão de folhas de respostas como também de crivos de
61
correção. Em contraponto, os autores ponderam que pessoas com menos
familiaridade ao computador possam ter seu desempenho prejudicado. Assim, uma
das hipóteses para explicação dos resultados do presente estudo é a de que
crianças mais novas e com menos familiaridade no uso de computador levaram mais
tempo que as mais velhas para escreverem a resposta. No entanto, outra hipótese
para a diferença de tempo observada pode ser exatamente o nível de conhecimento
de leitura e escrita.
Análise dos itens revelou que os itens mais fáceis para os disléxicos, com
100% de acertos, foram: “rato”, “vela”, “cobra”, “sapo”. Já os itens mais difíceis
foram: “helicóptero”, “vassoura” e “caranguejo”. A Tabela 4 apresenta o padrão de
resposta dos três grupos de participantes para cada um dos itens do teste TNF1.1Escrita. Análise das respostas dos três grupos indica que os itens “rato” e “sapo”
foram os mais fáceis, e nenhuma criança escreveu incorretamente. Já o item
“helicóptero” foi o que os participantes dos três grupos mais erraram. Além disso, o
item “grampeador” foi escrito incorretamente só pelos participantes do grupo de
controle por idade.
62
Tabela 6. Proporção de respostas corretas para cada um dos 36 itens do
Escrita em função dos grupos de participantes.
Palavra
Item
DI
CL
CI
N Média
DP
Média
DP
Média
RATO
tnf1
15
1,00
,000
1,00
,000
1,00
PATO
tnf2
15
,93
,258
,93
,258
,93
MOTO
tnf3
15
,87
,352
1,00
,000
1,00
PIPA
tnf4
15
,93
,258
1,00
,000
1,00
VELA
tnf5
15
1,00
,000
,93
,258
,93
COBRA
tnf6
15
1,00
,000
1,00
,000
,93
CAVALO
tnf7
15
,93
,258
,93
,258
1,00
MEIA
tnf8
15
,93
,258
1,00
,000
,93
LÁPIS
tnf9
15
,60
,507
,93
,258
,87
ABACAXI
tnf10 15
,67
,488
,80
,414
,93
ELEFANTE
tnf11 15
,47
,516
,93
,258
,93
BORBOLETA
tnf12 15
,47
,516
1,00
,000
,93
SAPO
tnf13 15
1,00
,000
1,00
,000
1,00
ABRIDOR
tnf14 15
,47
,516
,40
,507
,87
MELANCIA
tnf15 15
,40
,507
,40
,507
,87
PETECA
tnf16 15
,80
,414
1,00
,000
,93
GIRAFA
tnf17 15
,67
,488
,73
,458
,73
RODA
tnf18 15
,80
,414
,87
,352
1,00
VASSOURA
tnf19 15
,07
,258
,27
,458
,47
APITO
tnf20 15
,80
,414
1,00
,000
,87
GARFO
tnf21 15
,73
,458
,67
,488
,87
CHUVEIRO
tnf22 15
,33
,488
,47
,516
,87
CARANGUEJO tnf23 15
,13
,352
,33
,488
,33
IGREJA,
tnf24 15
,40
,507
,53
,516
,67
MARTELO
tnf25 15
,67
,488
,87
,352
,80
CHINELO
tnf26 15
,47
,516
,67
,488
,87
COELHO
tnf27 15
,47
,516
,80
,414
,87
XADREZ
tnf28 15
,20
,414
,20
,414
,47
TAMBOR
tnf29 15
,40
,507
,33
,488
,47
HELICÓPTERO tnf30 15
,07
,258
,13
,352
,27
BINÓCULO
tnf31 15
,33
,488
,47
,516
,67
RINOCERONTE tnf32 15
,20
,414
,20
,414
,87
CORUJA
tnf33 15
,47
,516
,60
,507
,87
PALHAÇO
tnf34 15
,27
,458
,53
,516
,80
GRAMPEADOR tnf35 15
,13
,352
,20
,414
,00
SANFONA
tnf36 15
,40
,507
,27
,458
,67
TNF1.1-
DP
,000
,258
,000
,000
,258
,258
,000
,258
,352
,258
,258
,258
,000
,352
,352
,258
,458
,000
,516
,352
,352
,352
,488
,488
,414
,352
,352
,516
,516
,458
,488
,352
,352
,414
,000
,488
63
A análise qualitativa dos tipos de erros no Teste de Nomeação de Figuras por
Escrita (TNF1.1-Escrita) foi feita a partir dos critérios descritos por Cervera-Mèrida e
Ygual-Fernández (2006), adaptados à escrita do português do Brasil. Para a análise
qualitativa das respostas, foram admitidas as várias possibilidades de ocorrência
para cada item linguístico dividido em oito categorias: 1) Correspondência unívoca
grafema-fonema (CUGF); 2) Omissão de segmentos (OS); 3) Adição de segmentos
(AS); 4) Alterações da ordem dos segmentos (AOS); 5) Segmentações e junções
indevidas de palavras (SJIP); 6) Correspondência fonema-grafema dependente do
contexto (CFGDC); 7) Correspondência fonema-grafema independente de regras
(CFGIR); 8) Erros semânticos (ES). A fim de compreender o padrão de escrita dos
três grupos de participantes, as Tabelas apresentadas no Anexo 4 ilustram todas as
respostas incorretas dadas pelos três grupos de participantes do estudo.
Anova multifatorial foi conduzida a fim de verificar diferenças entre grupos
para cada um dos tipos de erros. Resultados mostram diferenças significativas para:
Correspondência unívoca grafema-fonema (CUGF), Omissão de segmentos (OS) e
Correspondência fonema-grafema independente de regras (CFGIR). A Tabela 5
apresenta os valores médios de frequências de erros, os valores de F e de p para
cada uma das variáveis analisadas. Análises Post Hoc para o tipo de erro CUGF
mostram que os participantes com dislexia cometeram mais erros do que os
participantes dos demais grupos e, não foram encontradas diferenças entre os
controles pareados por leitura e por idade. Análises Post Hoc para o tipo de erro OS
revelam padrão similar ao do CUGF, ou seja, disléxicos cometeram mais erros do
que os participantes dos outros dois grupos. Análise Post Hoc para o tipo de erro
CFGIR indica que os participantes com dislexia cometeram mais erros do que os do
grupo controle pareado por leitura e, estes mais erros do que o grupo controle
pareado por idade. De fato, os tipos de erros CUGF, OS e CFGIR foram os que
tiveram maior ocorrência para todos os participantes.
64
Tabela 7. Frequência média de tipos de erros no TNF1.1-Escrita e Anova para os
três grupos de participantes.
N
CUGF
45
OS
45
AS
45
AOS
45
SJIP
45
CFGDC 45
CFGIR 45
ES
45
DI
Média
5,60
5,60
1,20
,27
,13
2,07
4,73
,87
DP
4,18
4,88
,94
,79
,35
1,53
2,01
,91
CL
CI
Total
Média DP Média DP Média DP
gl
F
Sig
3,00 2,36
1,60 1,18
3,40 3,25 2,42
7,56 ,002
2,67 2,19
1,00 1,36
3,09 3,66 2,42
8,00 ,001
1,47
,91
1,20
,86
1,29
,89 2,42
,43 ,652
,13
,35
,20
,77
,20
,66 2,42
,14 ,864
,13
,35
,07
,25
,11
,31 2,42
,21 ,810
1,27 1,10
1,47 1,55
1,60 1,42 2,42
1,30 ,282
3,00 1,96
1,60 1,54
3,11 2,22 2,42 10,73 ,000
1,40 1,50
1,07 1,33
1,11 1,26 2,42
,67 ,517
Os resultados encontrados, no presente estudo, apresentam similaridade com
o de outros estudos realizados no Brasil e em países com outros idiomas. Assim,
Zuanet et al. (2008) compararam erros ortográficos de alunos brasileiros com
desempenho inferior em escrita e alunos com desempenho médio nesta habilidade,
com objetivo de verificar se os alunos com desempenho inferior em escrita cometem
mais erros ortográficos do que as crianças com bom desempenho em escrita da
mesma série. Foram avaliadas 24 crianças de 2ª série de escolas públicas, sem
distúrbio fonológico e que completaram prova de ditado de palavras isoladas. A
escrita foi avaliada pelo subteste escrita do TDE, e a análise dos erros ortográficos
seguiu as seguintes categorias: 1) Substituição de letras em razão das
representações múltiplas; 2) Apoio na oralidade; 3) Omissões de sílabas; 4)
Dificuldade no uso de marcadores de nasalização (M em fim de palavras, antes de
“p” e “b”; “n” em final de sílabas no meio de palavras, uso do “til” e do “nh”; 5)
Dificuldade nos acentos gráficos; 6) Omissões ou adições de letras em sílabas CVC
e CCV; 7) Hipercorreção; 8) Erros por trocas de letras, surdas-sonoras; 9) Confusão
entre “ão” e “AM”; 10) Acréscimo de letras; 11) Inversões em relação ao próprio eixo
de letras; 12) Inversões em relação à posição na palavra. Os sujeitos foram
classificados em três grupos: Grupo Desempenho Inferior na Escrita com média de
30 erros; Grupo Satisfatório na Escrita com média de 15 erros; e Grupo Superior em
Escrita (1) com 6 erros. O teste de correlação de Pearson mostrou correlação
fortemente negativa entre desempenho na tarefa de escrita e a quantidade de erros
ortográficos. A diferença na frequência de tipos de erros entre os dois grupos
65
mostrou diferença significativa nos seguintes tipos: substituição de letras, omissões
de sílabas, dificuldade no uso de marcadores de nasalização, hipercorreção e trocas
de letras que foram mais frequentes no grupo com desempenho inferior em escrita.
Assim, como no presente estudo, os resultados mostraram que as crianças com
desempenho inferior em escrita cometem mais erros, e que estes erros diminuem
com a escolarização. Concordando com outros estudos, constatou-se que o
desempenho em ortografia é fortemente influenciado pela escolaridade, assim como
pelas habilidades cognitivas da criança.
Outro estudo que avaliou o padrão de erros ortográficos durante a escrita foi o
de Dias e Ávila (2008). Os autores investigaram como escolares com Transtorno
Específico de Leitura (TEL) aplicam as regras de correspondência Fonema-Grafema
independente do contexto (escrita transparente), e como analisam e identificam seus
erros na escrita segundo as variáveis: frequência do item linguístico e série escolar.
Os participantes foram divididos em dois grupos: Grupo Pesquisa (GP) composto por
28 escolares do Ensino Fundamental, diagnosticados como tendo TEL, dificuldade
de soletração e de escrita; e Grupo Comparação (GC) composto por 28 escolares,
pareados por sexo, idade e série escolar, indicados pelos professores, sem
evidência de dificuldade de leitura e escrita. Foi administrado individualmente um
ditado de 30 itens isolados, sendo 10 de alta frequência (AF), 10 de baixa frequência
(BF) e 10 pseudopalavras, todas com a estrutura silábica consoante-vogal. Foram
usadas somente as consoantes “p”, “b”, “d”, “f”, “v”, “m”, “n” e os dígrafos “nh” e “lh”.
Para a correção, foi admitida a possibilidade de ocorrência de mais de um erro em
cada item linguístico. As categorias de erro avaliadas foram: substituições,
omissões, inversões, duplicações de letras (consoante e vogal), inversões nos
dígrafos. Os resultados mostraram que os escolares com TEL apresentaram mais
erros em todas as combinações de série e itens do que o de leitores normais. Além
disso, observaram que mesmo sendo avaliada a escrita de palavras regulares, os
escolares do GP apresentaram mais erros do que GC, em todas as séries, em todos
os tipos de itens, sendo esta diferença significativa. Estes resultados revelam que
alunos de 5ª série ainda apresentavam dificuldade no domínio da regra de
correspondência F-G independente do contexto, o que parece evidenciar dificuldade
de processamento fonológico. No entanto, Dias e Ávila (2008) não aprofundaram a
66
análise em função do tipo de erro, dificultando a comparação com os resultados do
presente estudo. As análises focaram as variáveis psicolinguísticas.
O padrão de erros cometidos por disléxicos brasileiros, em provas de escrita
sob ditado, foi analisado por Zorzi e Ciasca (2009) em comparação com outros
grupos de transtornos. Assim, os autores analisaram os erros ortográficos em
diferentes problemas de aprendizagem com objetivo de apontar possíveis perfis
ortográficos que possam ser indicadores das alterações de escrita que caracterizam
cada quadro. Foram avaliados 28 sujeitos com TDAH, 13 com Dificuldade Escolar, 7
com Distúrbio de Aprendizagem, 3 com Dislexia, 5 com Distúrbios Associados e 9
com diagnóstico não conclusivo. De modo geral, os erros encontrados foram os
mesmos que se encontram em crianças sem problemas de aprendizagem. No grupo
TDAH, o erro mais frequente foi Representações Múltiplas, seguido de Apoio na
oralidade e poucas omissões que indicam problemas ortográficos. No Grupo
Dificuldade Escolar, o erro mais frequente foi Representações Múltiplas e Omissão,
indicando condições educacionais desfavoráveis com problema ortográfico e
fonológico. O Grupo Distúrbios de Aprendizagem apresentou evidente dificuldade
ortográfica, sendo os tipos de erros mais frequentes Representações Múltiplas,
Omissão, Troca Surda/ sonora e Outras Alterações que, em conjunto, indicam
também problemas fonológicos. Já no Grupo Dislexia, a média de erros foi maior
para Representações Múltiplas e Apoio na oralidade que se relacionam com
problemas ortográficos. Além disso, foram observados erros de Omissão, Outras
alterações e trocas Surdas-sonoras, indicando prejuízo fonológico. Diferente do
presente estudo, que encontrou número alto de erros fonológicos em crianças com
dislexia, o estudo de Zorzi e Ciasca (2009) não confirmou a hipótese de que os erros
mais frequentes seriam os fonológicos. A falta de efeito de Zorzi e Ciasca (2009)
pode ser explicada pelo fato de a amostra de participantes com dislexia ter sido
muito pequena, com apenas três disléxicos.
Angelelli et al. (2004) avaliaram a escrita de crianças italianas com dislexia e
Dias e Ávila (2008), ao avaliarem crianças brasileiras, identificaram proporção
semelhante de erros em ditado das crianças italianas. Os autores avaliaram a leitura
(tempo, acurácia e compreensão) e a escrita por meio de ditado de listas de
palavras e pseudopalavras. Para análise qualitativa, foram classificados os erros
segundo as categorias: erros fonologicamente plausíveis (CUOTA para QUOTA),
67
erros baseados em características de mínima distância (FINO para VINO), erros de
conversão silábica em situação dependente do contexto (ADAGO para ADAGIO), e
outros erros que incluem substituições não de mínima distância (BALO para BACO),
omissões (VSONE para VISONE), acréscimos (MANRMO para MARMO) e
alterações da ordem dos segmentos (PATRO para PRATO). ANOVAs foram
conduzidas entre os grupos disléxicos e controles para as diferentes categorias de
erros. Os resultados mostraram um desempenho em leitura bem inferior em fluência
e acurácia nos disléxicos, mas o prejuízo em compreensão foi menor. Quanto à
escrita, os controles tiveram poucos erros, quase todos fonologicamente plausíveis.
Os disléxicos apresentaram quatro vezes mais erros do que os controles, os erros
mais frequentes (47%) foram também erros fonologicamente plausíveis (erros de
superfície). Os erros tipo oponentes mínimos foram de 31%, seguidos da categoria
outros erros (13%) e os erros de conversão silábica dependente do contexto de 9%.
Sete disléxicos apresentaram alta taxa de erros baseados em oponentes mínimos, e
cinco apresentaram taxa patológica de erros tipo conversão silábica dependente do
contexto. Assim, o padrão de erro exibido pelos disléxicos italianos e brasileiros é
compatível com hipótese de prejuízo no conhecimento ortográfico lexical, assim
como com prevalência de processamento fonológico (disgrafia de superfície).
Análise qualitativa dos erros dos dois estudos indica maior prejuízo na rota
fonológica. Desta forma, os resultados de Angelelli e colaboradores, embora obtidos
com crianças italianas, apresentam semelhanças com os do presente estudo, pois
disléxicos brasileiros cometeram em média o dobro de erro dos CL, sendo que os
erros mais comuns foram os fonológicos: Conversão Unívoca Grafema-Fonema e
Omissão de Segmentos. Já os erros lexicais foram observados apenas na categoria
Correspondência Fonema-Grafema Independente de Regras.
Em um estudo similar ao apresentado na presente dissertação, Caravolas e
Volín (2001) analisaram leitura e escrita de uma grande amostra de crianças tchecas
de escolas primárias e disléxicas atendidas em serviço de classes especiais. Assim,
três grupos de participantes foram formados: 43 disléxicos (DX) com idades entre 912 anos; 43 controles por idade (CA) com idades entre 9-12 anos; 43 controles por
nível de escrita (SA) com idades entre 7-10 anos. A escrita foi avaliada por um
ditado graduado composto de 10 sentenças e um total de 62 palavras isoladas.
Foram analisados os erros fonológicos nas seguintes categorias: omissão de
68
grafemas (consoantes e vogais), adição de grafemas, transposição de grafema,
alteração de vogal ou consoante. Foi computada como um erro fonológico cada
palavra com alterações, independente de haver mais de uma alteração na mesma
palavra, sendo então o número máximo de erros 62. Os resultados mostraram que o
grupo CA apresentou melhor desempenho em leitura e escrita, e os grupos DX e AS
não diferiram entre si nas mesmas habilidades. ANOVA mostrou taxa de erro
significativamente menor no grupo CA. Os grupos DX e AS não diferiram entre si.
Diferente do presente estudo, a análise mostrou não haver diferença significativa na
taxa de erro para todas as categorias. Assim como no presente estudo, as crianças
disléxicas
tchecas
foram
significativamente
piores
em
produzir
escrita
fonologicamente plausível do que as controles com desenvolvimento normal. Seu
desempenho foi compatível com o de crianças 2 ou 3 anos mais jovens.
Os resultados apresentados nesta dissertação possibilitam uma maior
compreensão das dificuldades de escrita em pessoas com o diagnóstico de dislexia,
pois são raros os estudos que analisam o padrão de escrita de disléxicos brasileiros
(MOOJEN, 2009). Além disso, o trabalho tem por originalidade usar um instrumento
computadorizado para avaliar escrita a partir da nomeação de figuras e, não só de
provas de ditado. No entanto, é necessária a realização de estudos que comparem o
padrão de escrita por digitação com a escrita à mão livre, pois, possivelmente,
processos motores, sensoriais e cognitivos podem interferir na escrita.
Em suma, o presente trabalho analisou o padrão de escrita de crianças com
diagnóstico de dislexia. Para isto utilizou um teste computadorizado que possibilita a
correção automática das respostas, auxiliando na interpretação quantitativa dos
resultados. Além disso, o registro das respostas dadas possibilita também a análise
qualitativa do padrão de erro ortográfico. É importante ressaltar que, embora muitas
vezes os erros sejam interpretados de forma negativa e preconceituosa em relação
à criança com dislexia, neste trabalho, os erros foram vistos e analisados a partir de
uma perspectiva positiva. Assim, a análise do padrão de resposta da criança com
dislexia pode auxiliar no diagnóstico e na compreensão dos processos cognitivos
subjacentes à leitura e escrita. Estas informações podem e devem ser usadas por
profissionais que trabalham diretamente com estas crianças, auxiliando no
estabelecimento de propostas de intervenção.
69
6. Conclusão
O Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF1.1-Escrita) foi aplicado em
três grupos de participantes: disléxicos, grupo controle pareado por nível de leitura e
grupo controle pareado por idade. Análises quantitativas e qualitativas foram
conduzidas e revelam que:
A pontuação dos participantes com dislexia no TNF1.1-Escrita foi
significativamente menor do que a dos participantes do grupo controle
pareado por idade;
Não foi observada diferença significativa na pontuação total no TNF1.1Escrita dos participantes com dislexia dos participantes do grupo controle
pareado por nível de leitura;
As crianças do grupo controle por nível de leitura e, portanto, mais novas,
levaram mais tempo para realizar o teste do que os participantes com dislexia
e os do grupo controle por idade;
Participantes com dislexia cometeram mais erros que os controles nas
seguintes categorias: Correspondência unívoca grafema-fonema, Omissão de
segmentos e Correspondência fonema-grafema independente de regras.
70
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Revista
Sociedade
Brasileira
de
81
ANEXO 1 –
Tabela 8. Pareamento dos grupos. D= Disléxicos, CI= Controle Idade, CL= Controle
Leitura
Sujeito
Sexo
Tipo escola
Série
Idade
TCSE
D1
Masculino
Particular
2ª.
9 anos
21
CI1
Masculino
Particular
2ª.
8 anos
40
CL1
Masculino
Particular
2ª.
8 anos
22
D2
Feminino
Particular
4ª.
10 anos
36
CI2
Feminino
Particular
4ª.
10 anos
43
CL2
Feminino
Particular
2ª.
8 anos
36
D3
Masculino
Particular
3ª.
10 anos
34
CI3
Masculino
Particular
3ª.
10 anos
42
CL3
Masculino
Particular
3ª.
9 anos
33
D4
Masculino
Particular
3ª.
9 anos
25
CI4
Masculino
Particular
3ª.
9 anos
40
CL4
Masculino
Particular
2ª.
8 anos
26
D5
Masculino
Pública
6ª.
12 anos
38
CI5
Masculino
Pública
7ª.
13 anos
38
CL5
Masculino
Pública
3ª.
9 anos
37
D6
Masculino
Pública
7ª.
12 anos
40
CI6
Masculino
Pública
7ª.
12 anos
39
CL6
Masculino
Pública
3ª.
9 anos
42
D7
Masculino
Pública
5ª.
11 anos
39
CI7
Masculino
Pública
5ª.
12 anos
40
CL7
Masculino
Pública
2ª.
8 anos
40
D8
Masculino
Particular
4ª.
10 anos
36
CI8
Masculino
Particular
4ª.
10 anos
40
82
CL8
Masculino
Particular
2ª.
8 anos
36
D9
Feminino
Pública
3ª.
9 anos
31
CI9
Feminino
Pública
3ª.
9 anos
36
CL9
Feminino
Pública
2ª.
8 anos
33
D10
Feminino
Pública
2ª.
8 anos
20
CI10
Feminino
Pública
2ª.
8 anos
43
CL10
Feminino
Pública
1ª.
7 anos
21
D11
Feminino
Pública
3ª.
9 anos
27
CI11
Feminino
Pública
3ª.
9 anos
35
CL11
Feminino
Pública
1ª.
6 anos
26
D12
Masculino
Pública
4ª.
10 anos
19
CI12
Masculino
Pública
4ª.
10 anos
39
CL12
Masculino
Pública
2ª.
anos
19
D13
Masculino
Particular
2ª.
11 anos
37
CI13
Masculino
Particular
4ª.
11 anos
43
CL13
Masculino
Particular
2ª.
8 anos
37
D14
Feminino
Pública
2ª.
8 anos
8
CI14
Feminino
Pública
2ª.
8 anos
41
CL14
Feminino
Pública
2ª.
8 anos
8
D15
Masculino
Pública
4ª.
11 anos
34
CI15
Masculino
Pública
4ª.
11 anos
40
CL15
Masculino
Pública
2ª.
8 anos
33
83
ANEXO 2
Tabela 9. Correspondências fonográficas de tipo regular contextual adaptada de
Morais (1995 Apud Moojen, 2009, p.62).
Correspondências Fonográficas de Tipo Regular
Contextual
Fonema Grafema
Exemplos
/k/
c-qu
cobra, cavalo
/g/
g-gu
garfo, guerra
sapo (só em sílabas iniciadas
/s/
s
por /as/, /so/,/su/
/z/
z
zangão, zebra
/ʒ/
j
joia
/x/
r
rato
rr
carro
/r/
r
cara,chuveiro
/l/
l
lápis,lago
canto,sanfona, sílaba
intermediária,
/ã/ /e˜/ĩ an, en, in,
on, un
precedida de letra que não seja p
/õ//ũ/
ou b.
campo, tambor, final de sílaba
am, em,
antes
im, om,
de p e b e em monossílabas que
um
acabam em /i/,/u/,/o/,/e/
a,e,i,o,u
cama, tema
ã
manhã, mãe
õ
põe
em
também
anh, enh,
inh, onh,
ganho, cunha
unh
u
lua, bambu
o
amigo,apito
84
ANEXO 3
Tabela 10. Correspondências fonográficas de tipo irregular adaptada de Morais
(1995 Apud Moojen, 2009, p.63-4).
Correspondências Fonográficas de Tipo Irregular
Fonema
Grafema
Exemplos
/s/
s
sapo
c
rinoceronte
z
paz,xadrez
ç
força
x
auxiliar
ss
vassoura
sc
piscina
sç
cresça
xc
exceto
/z/
z
gozado
s
casa
x
exame
/∫/
x
xadrez
ch
chuveiro
z
rapaz
g
girafa
/ʒ/
j
igreja
/λ/
l
Júlio
lh
palhaço
zero
h
helicóptero
/i/
i
rinoceronte
e
seguro
/u/
u
coruja
o
orelhão
85
ANEXO 4.
Tabela 11. Classificação dos tipos de erros cometidos pelos 15 participantes com dislexia no Teste de Nomeação de Figura por Escrita
(TNF1.1-Escrita).
Sujeitos
Correspondência
unívoca grafemafonema
Omissão de
segmentos
Adição de
segmentos
1
(11)elefete
(14)apido
(16)bedeca
(28)xatesi
(29)dompo
(30)ericopto
(31)pinoco
(32)rinosenosede
(35)gripiato
(36)saofona
2
(31)binocolo
(11)elefete
(12)boboleta
(14)apido
(15)melasia
(19)vasora
(21)gafo
(23)caragegu
(24)iqega
(25)matelo
(28)xatesi
(30)ericopto
(35)gripiato
(29)dompo
(12)borbolta
(19)vassora
(22)chuvero
(35)granpiado
3
(11)elevante
(20)apitp
(27)cuelio
(32)rinoserante
(34)paliaso
(36)sanfone
(9)lapes
4
Alterações da
ordem dos
segmentos
Segmentações e
junções
indevidas de
palavras
Correspondência
fonema-grafema
dependente do
contexto
Correspondência
fonema-grafema
independente de
regras
Erros semânticos
(27)coeilho
(32)rinosenosede
(24)iqega
(33)coruga
(15)melasia
(19)vasora
(22)xuveiro
(30)ericopto
(32)rinosenosede
(34)palhaso
(30)elicopitero
(17)girrafa
(33)corruja
(35)granpiado
(26)xinelo
(30)elicopitero
(3)bicicleta
(19)vasora
(24)ingreja
(23)carangeijo
(30)helicopitero
(23)carangeijo
(29)tanbor
(15)melansia
(26)xinelo
(34)paliaso
(32)rinoserante
(35)predador
(12)boboleta
(24)igeiga
(24)igeiga
(15)melorsia
(10)maracujá
86
5
(15)melorsia
(22)juveiro
(26)jinelo
(27)cuecho
(29)turbor
(30)elecopito
(32)renoseroite
(33)curuga
(34)paghaso
(35)gaopiador
(36)saofona
(22)choveiro
(35)granpiador
6
7
8
9
(24)igeiga
(28)chades
(30)elecopito
(35)gaopiador
(7)cavlo
(30)elecop
(23)carangueijo
(9)laps
(23)carangueijo
(33)curuja
(35)granpiador
(11)elevante
(14)apridor
(35)grapiador
(19)vassora
(31)binoclo
(35)grapiador
(15)melhensia
(30)elecopito
(31)binoquio
(12)boboleta
(19)va
(28)xadreis
(30)elecopito
(32)inoceronte
(23)carangueijo
(24)ingrega
(33)curuga
(19)vasora
(28)chades
(30)elecopito
(32)renoseroite
(34)paghaso
(35)granpiador
(19)vasora
(28)chadrez
(30)elecop
(32)rinoseronte
(14)cortador
(23)escorpião
(34)palhasso
(35)granpiador
(36)samfona
(29)tanbor
(28)xadres
(30)elicoptero
(15)melançia
(17)jirafa
(19)vasora
(28)xadres
(30)elicoptero
(32)rinoseronte
(34)palhaso
(25)batendo
(23)carangeigo
(24)ingrega
(29)tanbor
(33)coruga
(35)granpiador
(10)abacachi
(15)melhensia
(28)xadreis
(30)elecopito
(31)binoquio
(34)palhaso
(17)zebra
(24)castelo
(31)pinoquio
87
10
(9)lapes
(20)amito
(26)ximelo
(27)cueilho
(28)xadreiro
(30)elicomituro
(33)curuja
(11)ele
(14)efrt
(15)me
(19)vasora
(21)gafo
(23)Ca
(24)i
(25)matelo
(29)s
(32)j
(35)m
(36)i
11
(9)lapes
(22)choveiro
(28)chadras
(29)pambor
(30)elitopero
(31)bimocol
(35)grapiador
(8)mela
(12)bobolata
(14)aritodoelata
(15)melesima
(18)rota
(21)cafo
(22)suvero
(23)gareqego
(24)igaga
(28)xatese
(31)pimoco
(32)remorate
(34)palacha
(36)sefona
(30)elitopero
(31)bimocol
(35)grapiador
12
(10)abcaxi
(11)elfete
(12)bobolata
(19)vasora
(21)cafo
(22)suvero
(23)gareqego
(24)igaga
(25)matelo
(27)coelo
(29)tabo
(30)elicoro
(31)pimoco
(32)remorate
(12)borboletas
(27)cueilho
(28)xadreiro
(15)melesima
(19)vasora
(22)xuveiro
(26)ximelo
(30)elicomituro
(15)melesima
(28)xatese
(35)gapirado
(23)carangejo
(19)vasoura
(28)chadras
(30)elitopero
(34)palhaso
(14)aritodoelata (23)gareqego
(24)igaga
(33)coruga
(22)suvero
(24)igaga
(26)xinelo
(28)xatese
(15)melesima
(30)elicoro
(19)vasora
(32)ipopotamo
88
13
(9)lapes
(22)choviro
(23)caramgeig
(27)cuelho
(32)renoseronte
14
(4)pita
(9)lapes
(10)apacaxi
(12)popoleta
(17)xirafa
(21)harfo
(24)inquenja
(29)anpo
(31)dinoinoino
(14)abritor de lata
(23)caranquejo
(32)riniseronte
15
(34)palacha
(35)gapirado
(36)sefona
(19)vasora
(22)choviro
(31)binocio
(23)caramgeig
(11)elente
(12)popoleta
(14)abrido
delata
(22)xuviro
(29)anpo
(30)eliopito
(32)riocarateo
(36)safonao
(12)boboleta
(22)chuvero
(27)colho
(30)elecopito
(31)binoclos
(36)safona
(30)elicopitero
(34)palhasio
(36)safonao
(14)abrido
delata
(35)garnpiador
(11)elefamte
(15)melamsia
(23)caramgeig
(24)igrega
(36)samfona
(10)abacachi
(15)melamsia
(17)jirafa
(19)vasora
(28)chadres
(30)elicopitero
(32)renoseronte
(34)palhaso
(27)cuelio
(29)anpo
(33)curuja
(15)melansia
(22)xuviro
(26)xinelo
(34)palhasio
(30)eliopito
(28)anma
(20)vasopra
(35)garnpiador
(19)vasoura
(26)xinelo
(28)xadres
(32)riniseronte
(30)elecopito
(18)peneu
89
Tabela 12. Classificação dos tipos de erros cometidos pelos 15 participantes do grupo controle pareado pelo nível de leitura no Teste de
Nomeação de Figura por Escrita (TNF1.1-Escrita).
Suje
itos
Correspondência
biunívoca
grafema-fonema
1
(30)elecoptero
(36)salfona
2
(32)hinocenomt
e
(35)granpiador
(24)icreja
(26)xineio
(32)renoceronte
3
4
5
6
Omissão de segmentos
(29)tanbo
(31)binoclo
(35)granpiado
(26)CHINELA
(29)TANDO
(31)Pinoculos
(36)sofona
(19)vassora
(15)melacia
(19)VASSORA
(29)TANDO
(30)ELICOTero
(36)sofona
(14)abreto de
(24)igreija
Adição de
segmentos
Correspondência fonemagrafema dependente do
contexto
Correspondência
fonema-grafema
independente de
regras
Erros semânticos
(23)carangueijo
(32)rinoseronte
(33)coruga
(10)abacachi
(19)vasoura
(24)higreja
(28)xadres
(30)elecoptero
(34)palhaso
(15)abacachi
(14)arbridor
(23)carangueijo
(30)elicopitero
(27)coelio
(30)elicopitero
(29)tanbor
(32)hinocenomte
(35)granpiador
(29)tanbo
(35)granpiado
(19)vasoura
(30)elicopitero
(24)castelo
(15)melansia
(17)jirafa
(19)vasoura
(22)xuveiro
(23)ciri
(26)xineio
(30)elicopitero
(28)dama
(23)carangueijo
(35)GRANPOiador
(22)CHUVEIRRO
(28)XADRES
(30)ELICOTero
(24)castelo
(32)ipopotamo
(35)tranpiado
(19)vasoura
(23)carangueijo
Alterações da
ordem dos
segmentos
(30)elicopetro
Segmentações e
junções
indevidas de
palavras
(32)rino
90
lata
(18)rota de
mateira
(21)carvo
(26)jinelo
(28)jadrex
(29)tampo
(31)pinocolo
(35)tranpiado
(36)samvona
(21)Carfo
(30)Elicopetero
(33)Curuja
(35)Cranpiado
(36)Sonfarra
(31)binocolo
(35)grampiador
(9)lapes
(26)ghinelo
(25)martlo
(35)tranpiado
10
(2)pao
(5)va
(21)gae
(27)cuelhio
(28)xiadea
(33)corugha
11
(14)abrador de
lata
(22)choveiro
(31)binocolos
7
8
9
seronte
(27)Coehlo
(36)samvona
(30)elicopetro
(32)rino seronte
(23)Carangejo
(29)Tanbo
(35)Cranpiado
(15)Melansia
(28)xadreis
(30)Elicopetero
(14)Abrido de lata
(23)Carangejo
(29)Tanbo
(35)Cranpiado
(28)xadreis
(30)Elicopetero
(32)Ipopotamo
(36)fona
(30)helicopitero
(28)xadrex
(14)abs
(17)giafa
(19)vasora
(35)grapio
(30)elecopitero
(19)vasora
(28)xadres
(30)elecopitero
(34)palhaso
(15)melão
(22)água
(32)ipopotamo
(2)pao
(5)va
(11)elef
(15)melacia
(19)vaçora
(21)gae
(22)chuvero
(23)caraegejo
(19)vasora
(24)igreija
(23)caraegejo
(27)cuelhio
(23)caraegeio
(19)vaçora
(10)melasia
(18)arco
(25)paul
(29)paondero
(23)carangueijo
(28)chadreis
(30)elecopitero
(15)melamcia
(32)renoseromte
(19)vasora
(28)chadreis
(32)renoseromte
(35)pregador
91
12
13
14
15
(32)renoseromte
(32)renoceronte
(33)curuja
(19)vasora
(22)chuvero
(23)ka
(30)elecopitero
(21)vaghae
(22)xsdaa
(29)tembo
(19)vasora
(23)carangejo
(29)tembo
(33)coja
(28)chadreis
(23)carangueju
(19)vassora
(22)chuvero
(30)elicopitero
(34)ppppalhaso
(23)carangejo
(14)abridordel
ata
(29)tanbor
(35)granpeador
(19)vasora
(23)ka
(28)chadres
(34)palhaso
(30)elecopitero
(34)palhasso
(15)melansia
(19)vasora
(28)chadreis
(14)corta lata
(29)batuk
(31)olhador
(35)prendedor
(36)musical
(26)xinelo
(30)elicopitero
(32)rinoseronte
(34)ppppalhaso
(28)dama
(17)sebra
92
Tabela 13. Classificação dos tipos de erros cometidos pelos 15 participantes do grupo controle pareado pela idade no Teste de Nomeação de
Figura por Escrita (TNF1.1-Escrita).
Sujei
tos
Correspondência
unívoca grafemafonema
1
(30)helecoptero
(35)grampiador
2
Omissão de
segmentos
Adição de
segmentos
Alterações da
ordem dos
segmentos
Segmentaçõe
s e junções
indevidas de
palavras
Correspondência
fonema-grafema
dependente do
contexto
Correspondência
fonema-grafema
independente de
regras
Erros semânticos
(34)palhaso
(8)mia
(9)lap
(35)grapiador
(23)carangeijo
(30)elicopitero
(12)broboleta
(21)grafo
(25)mratelo
(29)tanbor
(23)carangeijo
(17)jirafa
(30)elicopitero
(19)vasoura
(28)dama
(32)hipopotamo
3
(23)caranqueijo
(30)helicoptro
(17)girrafa
(24)igreija
(17)girrafa
(35)granpeador
(19)vasoura
(28)xadres
(29)bateria
4
(6)çobra
(16)peteça
(24)egreja
(31)binoculus
(34)paliaco
(14)abrido de lata
(19)vasora
(27)ccelio
(29)tanbo
(2)patto
(27)ccelio
(19)vasora
(28)xadres
(17)zebra
(22)xuva
5
(31)binocolo
(17)girrafa
(23)carangueijo
(30)helicopitero
(6)çobra
(10)abaçaxi
(15)melançia
(16)peteça
(23)carangejo
(29)tanbo
(17)girrafa
6
(5)vala
(35)granpiador
(32)hinosseronte
(35)grampiador
(35)crapiador
(30)helicopitero
(35)granpiador
(19)vasoura
7
8
(25)cabo
(28)dama
(29)trombone
(35)ampliador
(36)sanfoneta
(32)hinosseronte
(35)crapiador
(23)carangueijo
93
9
10
(31)binoculu
(33)curuja
(35)granpiador
(35)grampiador
11
12
(31)binócolo
(35)grampiador
13
(35)granpiador
14
(35)grampiador
15
(21)gaufo
(22)choveiro
(20)a
(25)mrtelo
(31)binoclo
(30)elicopetero
(29)tanbor
(35)granpiador
(28)chadrex
(23)piraia
(23)carangueijo
(29)tanbor
(19)vassolra
(30)elicoptero
(36)çanfona
(24)castelo
(23)carangueijo
(35)granpeador
(27)coelinha
(9)lapiz
(19)vasora
(30)elicopitero
(23)carangeijo
(19)vasora
(29)tanbo
(23)carangueijo
(34)paalhaso
(14)abridord
egarafa
(14)abridordegarafa
(29)tanbor
(35)granpiador
(19)vasoura
(23)carangeijo
(29)tanbo
(15)melançia
(19)vasora
(28)xadres
(30)elicopitero
(19)vasora
(24)higreja
(26)xinelo
(30)elicoptero
(34)paalhaso
(24)castelo
(30)avião
(28)dama
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