Ligações entre individual e universal explicam relações sociais
Celina Fernandes Gonçalves Bruniera*
Para compreender o caráter das relações sociais, o pesquisador pode partir da história local e
buscar as ligações que ela mantém com processos sociais de cunho mais amplo. A esse enfoque
se dá o nome de abordagem dialética. Com base na história local é possível entender como se
dá a distância entre o indivíduo comum e a história propriamente dita. Sob esse enfoque podese perceber a impotência do homem simples diante das forças que ele próprio desencadeia
quando recria em suas atitudes do cotidiano as referências simbólicas herdadas e socializadas.
História da particularidade
Num artigo intitulado "História e memória", José de Souza Martins destaca que a história local
é a história da particularidade. É nesse âmbito que a história é vivida e ganha sentido para uma
pessoa. Quem procura compreender e explicar as relações sociais precisa encontrar as ligações
existentes entre a história local e a história. Esse é o âmbito do sujeito e da história local, isto é,
"o modo de viver a história", segundo Martins. Por essas mediações (entre a história local e a
história), a compreensão da história se enriquece, assim como a consciência histórica de quem
age na esperança de dar sentido ao seu destino.
A memória é parte da vida
Para entender como o homem simples atribui sentido à sua vida e à de outros, alguns
pesquisadores estudam as suas lembranças. Nas narrativas familiares pode-se perceber um
esforço claro de transmitir aos filhos e netos o sentido da vida de cada um, com o tempo, com
os ancestrais, com o que veio antes, com a origem de todos. E com os que viriam depois. A
memória é parte da vida, algo que ajuda o sujeito a buscar sentido numa história fragmentada.
Os protagonistas da História
Nessa perspectiva, os homens simples são os protagonistas da história, reivindicando seu lugar
e reconhecimento e, sobretudo, participação na definição de seus rumos. A proposta
metodológica e teórica de Martins é "observar a sociedade a partir da margem, do mundo
cinzento daqueles aos quais as contradições da vida social deram a aparência de insignificantes
e que como insignificantes são tratados pela ciência. E, no entanto, se movem..."
A memória é um registro social
A memória revela relações e concepções sociais antigas sem registro em documentação escrita,
mas que não desapareceram. A história, reconstituída através da memória, será uma outra
história e exigirá um outro tipo de historiador. Esse historiador deverá incorporar não só o
tempo reconhecido pela historia mas também os pequenos acontecimentos da vida cotidiana e
as concepções de senso comum. São eles que possibilitam a inserção do homem comum nos
processos históricos. Quem se interessa pela compreensão do caráter das relações sociais
precisa verificar em que medida a história do lugar e a história se encontram e se desencontram,
num movimento de aproximação do sujeito e de suas contradições.
Para saber mais
MARTINS, José de Souza. História e memória. In "A Sociabilidade do Homem Simples". São
Paulo: Hucitec, 2000.
*Celina Fernandes Gonçalves Bruniera é mestre em sociologia da educação pela
Universidade de São Paulo e assessora educacional.
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