O Direito de Empresa no Código Civil O novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10.01.2002 – estabeleceu o Direito de Empresa nos arts. 966 ao 1195 (Livro II), pondo fim à antiga figura do comerciante e ao Decreto 737 (de 1850), que identificava as hipóteses de atos de comércio*1, não conceituados nem definidos pelo então Código Comercial – Lei 556, de 25.06.1850 – nos arts 1º ao 456 (revogados pelo CC, art. 2045). O Código Civil vigente acolheu a italiana Teoria da Empresa*2, pela qual empresário é quem, com capacidade civil, exerce profissionalmente a atividade econômica para a produção ou circulação de bens ou serviços (CC, art. 966). Os atos de comércio foram substituídos pela atividade econômica; a mercancia foi substituída pela produção ou circulação de bens ou serviços; enquanto a habitualidade foi substituída pelo profissionalismo. Atualizada a Teoria*3, conceituaram-se as mais modernas idéias sobre o profissional do comércio conferindo-lhe, inclusive, novas denominações: empresário individual ou sociedade empresária. O Direito de Empresa regula as atividades dos empresários individuais e das sociedades, podendo estas ser empresárias ou não*4, como segue: a) empresários individuais*5: são os prestadores de serviços e os (então) comerciantes; b) sociedades não empresárias: sociedade em comum, sociedade em conta de participação; sociedade simples e a sociedade cooperativa. As duas primeiras são sociedades sem registro, enquanto as duas últimas são sociedades com registro no órgão competente; c) sociedades empresárias*6: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima e sociedade em comandita por ações. As características comuns destas são a de exigir o registro no órgão competente e a de serem obrigatoriamente sociedades empresárias. O fundo de empresa é o montante patrimonial composto pelo aviamento e pelo estabelecimento empresarial (formado por bens corpóreos e incorpóreos), constitutivos da pessoa jurídica do empresário individual e da sociedade (empresária ou não empresária). O aviamento é o lucro da empresa, sendo este a aptidão de obter maior receita em face das despesas. Em relação ao estabelecimento empresarial, os bens se desdobram em: a) corpóreos: são todos os bens móveis e imóveis, componentes da empresa e da atividade empresarial; b) incorpóreos: são as marcas e patentes, nome empresarial e o ponto comercial. Tais bens são protegidos, respectivamente, pelas Leis nºs 9.279/96, 8.934/94, e 8.245/91. Quanto ao ponto comercial, pode ser para fins de prestação de serviços, indústria ou comércio e, ainda, é objeto de ação renovatória (proposta pelo locatário ao locador). São requisitos da aludida ação: a) quanto ao locatário: ser empresário e exercer a mesma atividade há pelo menos 3 anos; b) quanto à locação: prazo certo, contrato escrito e propositura da ação no 1º semestre do último ano do contrato. A capacidade para ser empresário, em regra, começa com a maioridade civil (aos 18 anos completos)*7, admitindo exceções: a) para iniciar a atividade empresária: os emancipados (à luz do Código Civil); b) para prosseguir na atividade empresária*8: os absolutamente ou relativamente incapazes, devidamente representados ou assistidos – e – com autorização judicial (revogável). Traçando um paralelo com os elementos de validade do negócio jurídico (CC, art. 104), pode-se obter a seguinte relação com a formação do empresário individual e da sociedade empresária: a) Direito de Empresa: corresponde à forma prescrita ou não defesa em lei; ao empresário individual e à sociedade em conta de participação o ato constitutivo é “ad probationem tantum”; às sociedades simples, cooperativas e sociedades empresárias o ato constitutivo é “ad solemnitatem”; b) Fundo de Empresa: corresponde ao objeto lícito, possível e determinável; porque sobre esse fundo recai a finalidade*9 buscada pelo empresário, através do conjunto patrimonial que compõe a empresa; c) Capacidade para ser Empresário: corresponde ao agente capaz; quem quiser exercer atividade empresarial deverá preencher-se dos requisitos previstos pelo CC, arts. 1º ao 5º, e arts. 972 ao 980. Conclusivamente, o Direito de Empresa resulta da italiana Teoria da Empresa, acolhida pelo novo Código Civil, trazendo conceitos até então inexistentes no derrogado Código Comercial*10, também sendo uma forma legal de constituir as pessoas empresárias, tanto as individuais quanto as sociedades. E, quanto ao fundo de empresa e à capacidade para ser empresário, ambos compõem – junto com o Direito de Empresa – os elementos de validade do negócio jurídico para aperfeiçoarem a composição jurídica e empresarial, também produzindo os efeitos legalmente permitidos. Nada a mais. Marcelo Augusto Paiva Pereira. Advogado, especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e aluno do Curso FMB. *1- Diz Fabio Ulhoa Coelho: “No Brasil, o Código Comercial de 1850 (cuja primeira parte é revogada com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 – art. 2045) sofreu forte influência da teoria dos atos de comércio. O regulamento 737, também daquele ano, que disciplinou os procedimentos a serem observados nos então existentes Tribunais do Comércio, apresentava a relação de atividades econômicas reputadas mercancia.”. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, 13ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, pág. 9. *2- Ainda Fabio Ulhoa Coelho: “Em 1942, na Itália, surge um novo sistema de regulação das atividades econômicas dos particulares. Nele, alarga-se o âmbito de incidência do Direito Comercial, passando as atividades de prestação de serviços e ligadas à terra a se submeterem às mesmas normas aplicáveis às comerciais, bancárias, securitárias e industriais. Chamou-se o novo sistema de disciplina das atividades privadas de teoria da empresa.”. Ob. cit., pág. 8. *3- Assim diz Miguel Reale: “Dessarte, o tormentoso e jamais claramente determinado conceito de “ato de comércio” é substituído pelo de “empresa”, assim como a categoria de “fundo de comércio” cede lugar à de estabelecimento.”. REALE, Miguel. O Projeto do Novo Código Civil, 2ªed.. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, pág. 78. *4- Ainda Miguel Reale: “Fixados esses pressupostos para a disciplina de todos os tipos de sociedade, fica superada de vez a categoria imprópria, ora vigente, de “sociedade civil de fins econômicos”, pois, no âmbito do Código Civil unificado, são civis tanto as associações como as sociedades, qualquer que seja a forma destas. Distinguem-se apenas as sociedades em simples ou empresárias, de conformidade com o objetivo econômico que tenham em vista e o modo de seu exercício.”. Ob. cit., pág. 78. *5- Como diz Silvio Antonio Marques: “O empresário individual obviamente não divide com outras pessoas obrigações e direitos, respondendo pessoal e ilimitadamente apenas perante terceiros por irregularidades ou atos ilícitos praticados”. MICHELLI DE ALMEIDA, Marcus Elidius (coordenador). Aspectos Jurídicos da Sociedade Limitada. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2004, pág. 95. *6- Ainda Silvio Antonio Marques: “O sócio da sociedade, cuja responsabilidade subsidiária depende do tipo societário de que faça parte, tem obrigações em relação a seus pares, tais como participar da formação do capital social e das perdas sociais, e também diversos direitos, entre os quais participar dos resultados sociais, administrar a própria sociedade, se for o caso, retirar-se do quadro social, participar das deliberações, participar do acervo em caso de liquidação e fiscalizar a administração social.”. Ob. cit., pág. 95. *7- Diz Ricardo Fiúza: “Como norma geral, qualquer pessoa maior de dezoito anos, brasileiro ou estrangeiro, pode ser empresário, na condição de titular de firma individual ou administrador de sociedade. Os maiores de dezesseis anos, legitimamente emancipados, também adquirem capacidade civil para o exercício de atividade empresarial.”. FIUZA, Ricardo (coordenação). Novo Código Civil Comentado, 1ª ed. (6ª tiragem). São Paulo: Editora Saraiva, 2003, pág. 877. *8- Ainda Ricardo Fiúza: “A norma do art. 974 contempla duas situações distintas, a saber, os casos de falecimento e de interdição do empresário, que ocorre com sua incapacidade superveniente. Tanto em um caso como em outro, o Novo Código Civil permite a continuidade da empresa, sem necessidade da sua dissolução.”. Ob. cit., pág. 880. *9-Em relação à atividade econômica como traço característico do empresário, diz Maria Helena Diniz: “É uma sucessão repetida de atos praticados de forma organizada e estável, sendo uma constante oferta de bens e serviços, que é sua finalidade unitária e permanente.”. DINIZ, Maria Helena.Código Civil Anotado, 9ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, pág. 612. *10- Como diz Maximilianus Cláudio Américo Führer: “De acordo com a nova tendência, a atividade negocial não se caracteriza mais pela prática de atos de comércio (interposição habitual na troca, com fim de lucro), mas pelo exercício profissional de qualquer atividade econômica organizada, exceto a atividade intelectual, para a produção ou a circulação de bens ou serviços.”. AMÉRICO FÜHRER, Maximilianus Cláudio. Resumo de Direito Comercial, 17ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, pág. 20.