A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL SOB
O ENFOQUE DO LIBERALISMO E DO MARXISMO
Regina Baruki Fonseca. UFMS.
Jucimara Rojas . Professora do Departamento de Educação da UFMS
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo investigar a formação de professores em língua
estrangeira no Brasil. Além dos estudos e práticas desenvolvidos durante os cursos de
graduação, por meio da formação continuada dos professores, pretende-se melhorar a
qualidade de ensino. Essa tem sido uma das principais medidas incentivadas nas políticas
públicas adotadas pelos governos municipais e apoiadas pelo governo central, por meio de
recursos próprios. Vários problemas têm sido detectados na aprendizagem dos alunos em
língua estrangeira, mais especificamente em língua inglesa, ensinada como língua estrangeira
moderna em escolas públicas e particulares no país. Dentre esses problemas destacam-se
ações direcionadas aos professores, à sua formação e preparo profissional e pouco aplicadas
aos alunos. Nas ações educativas verificadas, a aprendizagem de forma reprodutiva não
desperta nos alunos o espírito crítico-reflexivo dos conhecimentos assimilados ou não, o que
vem concorrendo para a sua não-inclusão. A didática praticada não favorece a competência
comunicativa. Os professores trabalham baseados em experiências não muito bem-sucedidas,
apresentando sérias dificuldades teóricas e metodológicas de conteúdo.
Para este estudo, serão relacionados os referenciais teóricos que têm contribuído para a
formação dos professores, como também na interpretação da sua prática pedagógica. Embora
possamos reconhecer inúmeras ideologias acerca dessa formação e prática, nosso objeto de
investigação pautar-se-á por duas correntes de pensamento que têm sido apontadas como as
mais contraditórias e atuantes na contemporaneidade, como o liberalismo e o marxismo.
DIAGNÓSTICO DO ENSINO DA LÍNGUA INGLESA NO BRASIL
Na sua apresentação, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) consideram a
aprendizagem da língua estrangeira no ensino fundamental como uma possibilidade de se
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aumentar a auto-percepção do aluno como ser humano e como cidadão. O ensino da língua
estrangeira exercerá sua função social na sociedade brasileira focalizando, principalmente, o
uso da leitura, “além de outras habilidades comunicativas em função da especificidade de
algumas línguas estrangeiras e das condições existentes no contexto escolar”. (p.15).
As questões teóricas que ancoram os parâmetros de língua estrangeira referem-se à
visão sócio-interacional da linguagem e da aprendizagem. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais caracterizam o objeto de ensino; tratam do papel da área de língua estrangeira no
ensino fundamental diante da construção da cidadania; analisam a relação entre o processo de
ensinar e aprender língua estrangeira com os temas transversais; consideram os objetivos, os
conteúdos e a avaliação.
Vários pontos apresentam-se, entretanto, para discussão. Em primeiro lugar, a
escolha do material didático não tem favorecido o desenvolvimento suficiente da competência
comunicativa e suas dimensões de forma integral. As atividades propostas não têm, de modo
geral, aproveitado as potencialidades educativas que a disciplina oferece para contribuir para a
formação de uma personalidade integral e auto-determinada do aluno. Predomina, no
desenvolvimento das aulas, um processo de caráter essencialmente instrutivo-cognitivo, com
aulas centradas no professor, e não no aluno ou na sua interação. O aluno tende a aprender de
forma reprodutiva, não desenvolvendo suas habilidades e possibilidades para a reflexão crítica
e auto-crítica dos conhecimentos que aprende, o que limita a sua participação no processo, a
sua inclusão.
Os professores, por sua vez, localizam problemas em termos da reduzida carga
horária da disciplina, das limitações de sua formação específica, da falta de motivação, da
precariedade das condições salariais, do mercado de trabalho. Os alunos, principalmente nas
nossas escolas públicas, encontram grandes dificuldades de aprendizagem, além do fato de
não perceberem a necessidade de aprender um idioma estrangeiro, algo tão distante da sua
realidade. Ao aprender uma língua estrangeira, o aluno deve, também, entrar em contato com
os bens culturais que ela engloba. Por isso, o foco da aprendizagem deve ser a função
comunicativa da linguagem.
Vem desde a época antiga a necessidade de o homem comunicar-se com falantes de
outras línguas. Os motivos são os mais variados: econômicos, profissionais, turísticos, sociais,
diplomáticos, militares ou comerciais. Inicialmente, a aprendizagem fazia-se pelo contato
direto com estrangeiros. Porém, além dessa maneira espontânea e informal, já se evidenciava
o estabelecimento de métodos mais formalizados desde a conquista dos sumérios pelos
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acadianos, a partir do ano 3000 A.C., aproximadamente. Os acadianos adotaram o sistema de
escrita dos sumérios e aprenderam a língua dos povos conquistados.
Os romanos também buscaram a aprendizagem da língua utilizada pelos povos que
conquistaram. Aprenderam o grego devido ao prestígio da civilização grega. Vêm do terceiro
século D.C. os primeiros manuais de aprendizagem de uma língua estrangeira, usados pelos
falantes do latim que aprendiam o grego.
Durante a Idade Média, os mestres adotavam o sistema de aprender letras, depois
sílabas, em seguida palavras e, finalmente, frases. Estudava-se a gramática a partir dos textos
religiosos.
Ao longo do tempo, surgiram tendências variadas sobre o ensino de línguas
estrangeiras. Para sumarizar, três escolas de pensamento podem ser apontadas como as
principais tendências no estudo da aquisição de uma língua estrangeira. Essas escolas são
apresentadas em uma seqüência cronológica, muito embora, às vezes, alguns componentes se
sobreponham. As escolas e as abordagens sobre o ensino de línguas estrangeiras são
apresentadas conforme estudos em Almeida Filho (1999), Brown (2000), Nunan (1999),
Pedreiro (2002) e Widdowson (1991).
Estruturalismo e Comportamentalismo
Durante os anos 40 e 50 do século passado, a escola de lingüística estrutural ou
descritiva, através dos seus representantes principais – Leonard Bloomfield, Edward Sapir,
Charles Hockett, Charles Fries e outros primavam por uma rigorosa aplicação do princípio
científico de observação das línguas humanas. A tarefa do estudioso da língua, para os
estruturalistas, era descrever as línguas humanas e identificar suas características estruturais.
Para o lingüista estrutural ou descritivo, apenas os dados abertamente observáveis
eram examináveis; era importante a noção de que a língua pode ser separada em pequenas
porções ou unidades, que podem ser descritas cientificamente, contrastadas, e unidas
novamente para formar o todo.
Racionalismo e Psicologia cognitiva
Nos anos 60 do século passado, surgiu a escola de lingüistas gerativotransformacional, através da influência de Noam Chomsky. Para Chomsky, a linguagem
humana não pode ser analisada simplesmente em termos de estímulos e respostas observáveis
ou volumes de dados coletados por lingüistas de campo. O lingüista gerativo estava
interessado não apenas em descrever a linguagem, mas também em atingir um nível de
explicação no estudo da língua.
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Construtivismo
O construtivismo só emergiu como um paradigma predominante no final do século
passado.
De acordo com o construtivismo, todos os seres humanos constroem sua própria
versão da realidade e, por isso, múltiplas maneiras contrastantes de conhecer e descrever são
igualmente legítimas.
Pesquisadores sobre a aquisição de primeira e segunda língua têm demonstrado
perspectivas construtivistas através de estudos sobre o discurso conversacional, os fatores
socioculturais na aprendizagem e teorias interacionistas.
Abordagens
Atualmente, fala-se em diferentes abordagens sobre o ensino de línguas estrangeiras.
Para Almeida Filho (2002, p. 17), “uma abordagem equivale a um conjunto de disposições,
conhecimentos, crenças, pressupostos e eventualmente princípios sobre o que é linguagem
humana, Língua Estrangeira, e o que é aprender e ensinar uma língua-alvo.”
As abordagens sobre o ensino de línguas estrangeiras refletem as concepções sobre o
ser humano, sobre a sala de aula e sobre os papéis que representam o professor e o aluno da
nova língua – envolvem o processo ou a construção do aprender e do ensinar uma nova
língua.
No final do século XIX, o método clássico adotado para o ensino do latim passou a
ser conhecido como o método de Gramática e Tradução. Segundo essa abordagem,
localizavam-se as regras gramaticais como a base para a tradução da língua estrangeira para a
língua materna. Ainda há, atualmente, instituições educacionais em que se adotam idéias
desse enfoque, cujas características principais são o uso da língua materna na aula; o ensino
do vocabulário com base em palavras isoladas do contexto; as explicações longas e elaboradas
sobre as estruturas gramaticais; a leitura de textos clássicos de difícil compreensão; pouca
atenção à pronúncia e ao conteúdo dos textos, que são vistos como exercícios do conteúdo
gramatical.
O Método Direto teve grande aceitação no final do século XIX e no século XX. Foi
amplamente usado em escolas particulares de idiomas, graças à motivação dos alunos e à
facilidade de se contratarem professores cuja língua materna era a língua-alvo. Dentre os
princípios do Método Direto, ressaltam-se o uso exclusivo da língua-alvo nas aulas; o ensino
de vocabulário e expressões de uso corriqueiro; a seqüência gradativa de habilidades orais; o
ensino indutivo das estruturas gramaticais; a introdução oral de novos tópicos; o ensino
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concreto do vocabulário concreto através de demonstração, objetos e figuras (o vocabulário
abstrato era ensinado por associação de idéias); a ênfase na pronúncia e na gramática; o
ensino da compreensão oral.
Essa abordagem não levava em consideração o ensino público. Sua aplicação tornarse-ia muito difícil em escolas com orçamento reduzido, grande quantidade de alunos,
formação não adequada de professores e heterogeneidade de níveis. O professor era o centro
do ensino – o aluno não tinha qualquer autonomia e eram poucas as oportunidades de
interação entre alunos.
Na metade do século XX, o Método Direto foi redirecionado àquilo que se tornou
umas das revoluções mais visíveis da era moderna, o Método Audiolingual. Nos Estados
Unidos, percebia-se o ensino da leitura como mais importante do que a fala, sobretudo dado o
isolamento lingüístico daquele país. Entretanto, com a participação dos americanos na 2ª
Guerra Mundial, houve a necessidade de uma rápida aprendizagem da língua dos aliados e
dos inimigos.
O exército americano financiou, então, um programa de treinamento
especializado, coloquialmente chamado de o “método do exército” que foi, após variações e
adaptações, transformado em Método Audiolingual. As principais características dessa
abordagem incluem a apresentação do novo material sob a forma de diálogo; a dependência
de mímica, memorização de conjuntos de orações; seqüências de estruturas através de análise
contrastiva, apresentadas uma a uma; padrões estruturais ensinados através de exercícios de
repetição; pouca ou nenhuma explicação gramatical. A gramática ensinada por meio da
analogia indutiva, e não da explicação dedutiva; vocabulário estritamente limitado e
aprendido no contexto; uso intensivo de fitas de áudio, laboratórios de línguas e recursos
visuais; grande importância atribuída à pronúncia; pouco uso da língua materna nas aulas;
reforço imediato a respostas corretas; grande esforço para a produção de enunciados corretos
por parte dos alunos; tendência para manipular a linguagem e desconsiderar o contexto.
Esse enfoque teve muita popularidade em âmbito mundial. Até nos dias de hoje,
encontram-se resquícios dessa visão em metodologias contemporâneas. Sua aplicação,
entretanto, restringe-se a poucos casos, uma vez que se percebeu que não se adquire uma
língua por meio de formação de hábitos e super-exposição, que os erros não precisam ser
evitados a qualquer custo, e que a lingüística estrutural não nos revela tudo de que precisamos
saber a respeito da linguagem.
Quando as idéias de Chomsky começaram a direcionar os olhos dos lingüistas e
professores de idioma para a estrutura profunda da linguagem, e quando os psicólogos
começaram a reconhecer a natureza fundamentalmente afetiva e interpessoal de toda a
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aprendizagem, a abordagem audiolingual começou a perder seu prestígio. Nos anos 70 do
século XX, a pesquisa sobre a aquisição de línguas estrangeiras começou a inspirar métodos
inovadores para o ensino. Com o reconhecimento da importância dos fatores cognitivo e
afetivo na aprendizagem de línguas estrangeiras, alguns métodos começaram a florescer. Tais
métodos tentaram capitalizar a importância dos fatores psicológicos no sucesso da
aprendizagem. Comparados aos anteriores, foram considerados inovadores e revolucionários.
Dentre esses modelos destacam-se a Sugestopédia, a Resposta Física Total e o
Método Natural.
Atualmente, o ensino de uma língua estrangeira tem sido desafiador tanto para os
professores possuidores de uma teoria implícita significativa, como para aqueles que já
atingiram o senso de plausibilidade necessário para a busca de um respaldo teórico que
amenize suas angústias no processo ensino-aprendizagem.
Dentro desse pressuposto, o conceito de abordagem caracteriza o processo ensinoaprendizagem. Conhecimentos explícitos e implícitos, ou seja, competências como a implícita
(básica), a teórica, a aplicada (meta) e a profissional do professor ou de quaisquer outros
agentes de ensino (autores de livros didáticos, planejadores de cursos, produtores de
instrumentos de avaliação, pais, tutores) movem todo o processo. A abordagem contribui à
medida que mostra caminhos para desenvolvimento de ações da operação global de ensinar
uma língua estrangeira, como o planejamento, a seleção de materiais pedagógicos, os
procedimentos adotados e a avaliação adequada.
A abordagem comunicacional e suas concepções
A abordagem comunicativa ou comunicacional começou a adquirir raízes nos anos
1970, quando se iniciaram os movimentos de busca de uma competência comunicativa na
língua-alvo. Foi surgindo um interesse maior sobre os aspectos sociais da linguagem, com um
foco no sentido, no significado e na interação entre sujeitos na língua estrangeira. Conforme
Almeida Filho (2002), o ensino comunicativo é aquele que organiza as experiências de
aprender em termos de atividades relevantes/tarefas de real interesse e/ou necessidade do
aluno, para que ele se capacite a usar a língua-alvo para realizar ações de verdade na interação
com outros falantes-usuários dessa língua.
Para Tardin Cardoso (2003), a abordagem comunicacional fundamenta-se nas visões
cognitiva, humanística e sociolingüística de ensinar e aprender uma língua estrangeira. A
visão cognitiva valoriza a aplicação de tarefas para fazer com que o aprendente experimente
envolvimento cognitivo: solução de problemas, relatos de filmes, anotações, compreensão de
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leitura e compreensão auditiva. A visão sociolingüística relaciona-se às dimensões
socioculturais da linguagem. A visão humanística incorpora filosofias educacionais baseadas
na psicologia humanista, que têm como finalidade desenvolver a pessoa como um todo na
sociedade humana. Os aprendentes são levados a aceitar a responsabilidade pela sua própria
aprendizagem, a tomar decisões, a expressar sentimentos e opiniões sobre necessidades,
habilidades e preferências.
A abordagem comunicativa valoriza as produções do aprendente. O ensinante tenta
favorecê-las, apresentando ocasiões múltiplas e variadas de construir na língua estrangeira. A
aprendizagem é centrada no aprendente, não apenas quanto à seleção de conteúdo, como
também das técnicas aplicadas na sala de aula.
Almeida Filho (2002) considera a comunicação importante para a construção de
processos produtivos de aprender e ensinar uma língua nova porque “é na comunicação
verdadeira, lingüisticamente intensa, afetivamente envolvente e veiculada na própria línguaalvo, que vai se construir no aprendiz uma competência comunicativa na nova língua”. (p.23).
Na maioria dos métodos ou abordagens, existe a tendência de supervalorizar o papel
que desempenham ou professores ou estudantes no processo de aprendizagem da competência
comunicativa da língua estrangeira. Isso tem provocado o surgimento de aulas centradas
somente no professor ou somente no aluno, quando seria melhor considerar as funções de
ambos em harmonia e unidade.
A competência comunicativa, como fim do processo de ensino-aprendizagem de uma
língua estrangeira, não tem obtido a eficiência esperada, pois não tratou das direções que a
compõem com a integridade necessária. A abordagem que tem mostrado uma maior eficiência
em termos da competência comunicativa é a comunicacional – que, no entanto, tem sido falha
por não favorecer o desenvolvimento das competências lingüística e sociocultural.
A relação dialética entre os componentes cognitivo-instrutivo e afetivo-volitivo, na
maioria dos métodos e abordagens, não tem contribuído com a integridade necessária para o
desenvolvimento de uma personalidade integral e auto-determinada dos alunos.
Feitas essas observações a respeito do ensino e aprendizagem de língua inglesa, os
diversos problemas enfrentados por professores na sua prática diária, em diferentes turnos de
trabalho e com as mais variadas clientelas, além do posicionamento e envolvimento (ou não)
dos alunos nesse processo, questiona-se se o professor encontra-se apto a desenvolver a sua
tarefa educativa, o seu trabalho didático. Seria interessante observar se os cursos de formação
de professores estão discutindo essas questões, além de proporcionar oportunidades concretas
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de aquisição e domínio do conteúdo. E após a graduação, observar, também, se os cursos de
formação continuada estão favorecendo essa reflexão.
Neste trabalho, vamos considerar os referenciais teóricos que têm influenciado a
formação dos professores de língua estrangeira. Apesar de reconhecer que diversas ideologias
interferem nas decisões, nosso objeto de investigação deter-se-á no liberalismo e no
marxismo, por serem as correntes mais contraditórias e atuantes na contemporaneidade.
ENFOQUES DO LIBERALISMO E DO MARXISMO NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL
O Liberalismo
Após analisar vários estudos sobre o liberalismo, ressaltando a diversificação como
elemento marcante na sua história, sua capacidade de regeneração, derivações no presente e
relação constante de reciprocidade com o capitalismo, Santana (1996, p. 83) define o
liberalismo
[...] como expressão ideológica historicamente necessária do capitalismo.
Tal expressão ideológica pode ser entendida aqui como um conjunto de
idéias que, de maneira ordenada e sistemática, justifica e racionaliza os
interesses do capital e, assim, serve de fundamento e sustentação, ao mesmo
tempo que contribui para impulsionar o próprio fundamento, organização e
manutenção do capitalismo, enquanto modo de produção hegemônico nas
sociedades ocidentais. Historicamente tal ideologia tem apresentado
nuanças, seguindo o ritmo e a ordem do próprio capitalismo, buscando
assegurar a prevalência dos interesses da classe que controla e usufrui dos
melhores benefícios de tal modo de produção.
Embora se apresente de forma diversificada, com diferentes manifestações ao longo
da história, com as nuanças que seguem a ordem do próprio capitalismo, pelo movimento do
capital, o liberalismo possui unidade sob a forma dos três princípios que acompanham todas
as variações históricas da sociedade capitalista: o individualismo, a propriedade privada e o
Estado. No Brasil, uma das evidências de aplicação desses princípios refere-se às estratégias
de privatização desencadeadas a partir dos anos 1970, com reflexos no campo da educação.
Apesar da apresentação desses princípios fundantes do liberalismo como
universalidades abstratas, ou seja, como inerentes a qualquer tipo de sociedade, na verdade,
são criações humanas, que vêm se mantendo e se transformando ao longo da história. Desde o
liberalismo clássico, a partir do século XVIII, passando pelo neocapitalismo e chegando ao
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neoliberalismo dos dias atuais, observa-se a incorporação e a superação histórica de alguns
dos seus pressupostos, mantendo-se os movimentos cíclicos do processo de produção na
sociedade capitalista.
No momento atual do neoliberalismo, evidenciam-se as propostas baseadas nos três
pilares do desmonte do Welfare State, do livre mercado para a acumulação de capital e do
livre curso do capitalismo. Nas políticas sociais, vigoram: a) a descentralização do poder do
estado, através do envolvimento do cidadão em setores como a educação e a saúde, através de
parcerias entre o público e o privado; b) a concentração da aplicação dos recursos públicos em
programas destinados aos setores mais fragilizados do sistema social; c) o deslocamento dos
serviços do setor público para o setor privado, a privatização por meio de venda, transferência
ou desregulamentação.
No campo da educação, as reformas educacionais, iniciadas no final dos anos 1980,
partiram dos princípios determinados pelos organismos multilaterais, com o objetivo de
crescimento econômico, procurando alinhar a empresa, a escola e os conteúdos ensinados
com as exigências do mercado. As mudanças econômicas, impostas pela globalização, exigem
maior produtividade dos trabalhadores e a educação tem que preparar o cidadão para esse
quadro. As reformas educacionais incorporam um objetivo político bem definido, incluindo a
estrutura administrativa e pedagógica da escola, a formação de professores, os conteúdos a
serem ministrados e os aportes teóricos adotados.
O ideário neoliberal abraçado pelo governo brasileiro, principalmente a partir dos
anos 90 do século passado, vem refletindo em suas leis e projetos a subordinação ao capital.
Na formação de professores, o que se vem enfatizando é a preocupação com o papel que esse
profissional deve desempenhar no mundo atual. Os elementos constitutivos desse receituário
de formação são a universalização, a profissionalização, a ênfase na formação prática e a
validação das experiências, a formação continuada, a educação a distância e a pedagogia das
competências.
Na formação do professor de língua estrangeira, as faculdades de Letras não fugiram
às tendências observadas na formação de professores de outras áreas. A formação de
professores para ensinar a língua estrangeira no ensino fundamental e médio fica relegada a
um segundo plano. De acordo com Teixeira (1971, p. 99):
A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criada na década de 30
exatamente para enfrentar esse problema da diversificação e expansão dos
sistemas escolares, deveria transformar-se na grande escola de formação do
professor e de estudo dos problemas de currículo e organização desse novo
sistema escolar. Mas a duplicidade dos seus propósitos de preparar o
professor secundário e, ao mesmo tempo, os especialistas e pesquisadores
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das diversas disciplinas, [...] levou a Faculdade de Filosofia a buscar sua
distinção no preparo de especialistas e pesquisadores em ciências e
humanidades, ficando a função do preparo dos professores secundários como
função residual.
Teixeira contribuiu com a discussão sobre a formação de professores ao apontar para
a necessidade, além da formação inicial, da reatualização, da reconfiguração nos elementos de
formação. Para a formação do profissional que vai ministrar aulas de línguas estrangeiras,
esses aspectos são importantes, se direcionados para o papel da educação em sua ação social
transformadora. Na obra de que se extraiu a citação acima, Anísio Teixeira, como liberal
pragmático, aparece como um filósofo da educação, propondo medidas para democratizar o
ensino brasileiro, a fim de reconstruir a nação. Defende o acesso de todos à escola, uma vez
que a educação não é privilégio de poucos. Mas o desenvolvimento que defende é individual
– no espaço educacional, as histórias individuais devem construir a história da nação. Teixeira
parte de um conjunto de obras em que se discute a educação no Brasil. Faz um diagnóstico
das questões educacionais e propõe uma política pública, de governo, cobrando que a
educação seja uma política de estado. Estado, aqui, entende-se como o estado brasileiro,
liberal. De acordo com os pressupostos liberais, a educação é parte de um contexto cultural da
sociedade, tem uma relação orgânica com a sociedade; a escola é um instrumento de controle
social, o que restringe a possibilidade de ação transformadora – a educação não é apenas
produto do pensamento; também é produtora do pensamento. A obra de Teixeira introduz
uma doutrina para assegurar a unidade da nação. Essa é a principal crítica a Teixeira: por ser
doutrinário, não abre espaço para a dialética.
A educação é a prática da liberdade. Não deve ser apenas um processo para adaptar o
indivíduo ao status quo. No mundo contemporâneo, em vários países e também no Brasil, o
neo-liberalismo é um dos fatores que bloqueiam o papel que a educação deve desempenhar
para desenvolver uma sociedade mais democrática e mais bem informada. As reformas
educacionais ocorrem em resposta a estímulos neo-liberais internacionais e são consideradas
mais como um investimento para indivíduos do que para uma transformação social; seus
custos e benefícios são avaliados de acordo com os princípios de mercado.
O formador do professor de língua inglesa deve estar atento às conexões que podem
ser feitas entre ideologia e linguagem. A língua inglesa é o idioma falado pelos principais
“globalizadores” do mundo contemporâneo, e os formadores de professores podem perpetuar
as agendas neo-liberais se forem meros transmissores de antigos ensinamentos, meros
consumidores do conhecimento estabelecido. A compreensão do significado essencial do neoliberalismo é uma condição essencial para que professores e formadores de professores de
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idiomas liberem suas práticas da influência da supremacia neo-liberal e eduquem seus
professores em formação para o pensamento crítico, reflexivo, transformador.
O Marxismo
O marxismo é uma teoria científica. Seu objeto é a sociedade capitalista; seu objetivo
é colaborar para a superação revolucionária dessa sociedade. Como teoria científica, o
marxismo implica uma ideologia, uma visão de mundo, questões epistemológicas e questões
de ordem política. Essa teoria forma um complexo organizado de hipóteses verificáveis, com
base na análise histórica concreta dos processos sociais que envolveram a gênese, a
constituição e o desenvolvimento da organização social capitalista.
Marx atribuiu à sua teoria o nome de ciência da história, referindo-se ao caráter
passageiro de todas as obras humanas (ao fato de que nada do que o homem produz é
“natural”) e à necessidade que o homem tem de compreender seu papel na sociedade.
O trabalho é a categoria central dentro da teoria marxista. É pelo trabalho que o
homem emprega suas capacidades físicas e mentais, para agir sobre a natureza e transformála, a fim de atender às suas necessidades concretas e históricas. Esse trabalho que o homem
realiza só pode ocorrer, historicamente, em conjunto com outros homens, daí o entendimento
do homem como ser prático e social.
Apesar de nunca ter escrito diretamente sobre a educação, a obra de Marx
influenciou e tem influenciado escritores, acadêmicos, intelectuais e educadores. Sua principal
obra, O Capital, versa sobre economia, mas Marx tem sido reconhecido como cientista social
e filósofo político. Nos seus 40 anos de produção intelectual, enriqueceu sobremaneira o
conhecimento que se tem do mundo, das relações, do papel do homem na sociedade.
Na base do pensamento de Karl Marx, encontra-se o conceito de luta de classes.
Antes de Marx, outros estudiosos da sociedade já haviam mencionado essa luta, mas o que há
de novo na conceituação de Marx é o reconhecimento de que a existência de classes está
ligada a modos de produção particulares ou à estrutura econômica e que o proletariado, a nova
classe trabalhadora instituída com o capitalismo, tem o potencial histórico de abolir todas as
classes e estabelecer uma sociedade sem classes. Cada sociedade, desde a sociedade tribal,
passando pela feudal e chegando à capitalista, é caracterizada pela maneira como os
indivíduos produzem seus meios de subsistência, sua vida material, como produzem seus bens
e serviços de que precisam para viver. Como resultado de seu modo de produção ou
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economia, cada sociedade cria uma classe que domina e uma classe que é subordinada, com
uma relação antagônica e diferentes interesses. A classe que domina, por deter os meios
necessários à produção da existência, impõe o seu projeto de sociedade à totalidade do modo
de produção, nas esferas econômica, política, social, educacional. O sistema político, o
sistema legal, a família, a mídia, o sistema educacional estão relacionados à natureza de
classes na sociedade.
Para Marx, a vida não é determinada pela consciência; antes, a consciência é
determinada pela vida, vida no sentido da atividade material diária. Diferentemente de muitos
filósofos do seu tempo, o pensamento e a consciência humana, para Marx, estão enraizados na
atividade humana. Isso quer dizer que a maneira como trabalhamos, a forma como
produzimos a nossa existência, o modo como organizamos a nossa vida diária reflete-se no
modo como pensamos sobre as coisas e no tipo de mundo que criamos. As instituições que
construímos, os filósofos cujo pensamento adotamos, a cultura da sociedade, tudo se
determina pela estrutura econômica da sociedade.
Tendo em vista esses pressupostos, qual seria a função da escola? Poderia a
sociedade ser modificada pela ação da educação? Mais especificamente, como fica a
formação do professor de línguas estrangeiras sob o enfoque do marxismo?
A condição própria do marxismo é a ação social transformadora. A teoria cientifica
proposta por Marx não serve apenas para analisar as relações sociais, mas para transformar a
sociedade. É necessário estabelecer a relação entre a educação, como objeto de investigação
singular na totalidade social e o universal, o que dá sentido a todas as singularidades.
Para abordar um aspecto de suma importância na formação de professores sob o
enfoque do marxismo, selecionei um autor marxista, Carlos R. Jamil Cury (1985). Embora o
foco do autor se dirija ao fenômeno educativo como um todo, sem particularizar disciplinas e
níveis de ensino específicos, acredito que pode contribuir para a formação de professores de
diferentes disciplinas, inclusive a língua estrangeira. Todos os cursos de formação de
professores, a meu ver, deveriam desenvolver nos professores em formação a capacidade de
analisar o contexto social em que irão desempenhar sua atividade profissional. A graduação
seria o momento de refletir, com os demais acadêmicos e o professor formador, sobre de que
forma a sua atividade educacional pode contribuir para a superação das estruturas que
consideramos injustas. Na realização dos estágios, novas possibilidades se abrem, uma vez
que o professor em formação já se encontra em contato com a realidade social, já vai
construindo elementos que irão fundamentar a sua futura prática.
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Cury estabelece categorias para compreender o fenômeno educativo, por não aceitar
a educação na dimensão que satisfaça a reprodução das relações sociais, uma vez que “a
perspectiva de uma ação transformadora dentro da educação não poderia ficar apenas com a
reprodução”. (p. 7).
Sua análise sobre a educação adota como ponto de partida a
compreensão da sua presença imanente numa totalidade histórica e social. A educação
manifesta a totalidade e participa da sua produção; não reproduz as relações de classe: elas
estão presentes na educação e a articulam com a realidade. Sua análise considera a visão
dialética do homem:
Uma visão dialética do homem e de seu mundo histórico-social
implica conceber os dois termos da contradição (indivíduo-sociedade)
de modo a rejeitar tanto a concepção que unilateraliza a adaptação do
indivíduo à realidade do status quo, como a que propõe a realidade
como um dado estático. Mas, além disso, implica conceber a realidade
social como efetivo espaço da luta de classes, no interior da qual se
efetua a educação, rejeitando a impositividade da dominação, como o
espontaneísmo das classes dominadas. (p. 13)
As categorias propostas pelo autor cumprem as funções de interpretar o real e indicar
uma estratégia política para essa realidade que não é uma petrificação de modelos, pois está
em constante movimento, constante expansão, daí a necessidade de se considerar o contexto.
Para o formador do professor de línguas estrangeiras, essa concepção da realidade mutável é
fundamental – cada disciplina escolar, afinal, cumpre um papel específico no contexto
educacional, nessa diversidade histórica da sociedade em que atuamos. O educador e o
formador de educadores não podem se esquecer dessa diversidade e das possibilidades de
mudanças a serem operadas.
Na definição das categorias, Cury as apresenta como conceitos para “refletir os
aspectos gerais e essenciais do real, suas conexões e relações. Elas surgem da análise da
multiplicidade dos fenômenos e pretendem um alto grau de generalidade”. (p. 21). Como são
instrumentos para compreender a realidade social concreta, só terão sentido se assumidas
pelos agentes da prática educativa. A primeira categoria proposta é a da contradição, base de
uma metodologia dialética, que reflete o movimento originário do real, pois é o motor interno
do desenvolvimento da realidade. A segunda categoria é a da totalidade, posposta para que
seja possível conectar um processo particular com outros processos, de forma dialética, para
depois se chegar a uma síntese mais ampla. A terceira, a da mediação, justifica-se pela
interação entre os processos, na relação entre contrários de modo dialético e contraditório. A
educação , pelo seu caráter de organização e transmissão de idéias, atua como mediadora das
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ações executadas na prática social. A quarta categoria, a da reprodução, é incluída pela
característica que toda sociedade tem de buscar a sua própria conservação através de suas
instituições, reproduzindo as condições que mantêm suas relações. A quinta categoria, a da
hegemonia, mostra que obter um consenso é importante para que se reproduzam as relações
de produção.
A conclusão a que chega o autor, após a análise de cada uma dessas categorias,
reforça a visão da educação como uma das atividades que participam das relações sociais
contraditórias, o que a leva a ser entendida como
[...] uma instabilidade mais ou menos aberta à ação social. Se sua
função social esteve mais comprometida com os interesses dos grupos
dominantes do que com os interesses e valores das classes subalternas,
isso não é uma fatalidade e nem é a sua sina. Se coopera com a
reprodução das estruturas vigentes, ela se mescla no conjunto de uma
ação social transformadora, que se opõe à organização capitalista de
produção, mediante a aceleração da consciência de classe. E para tanto
é preciso erigir sobre a prática educativa uma teoria mais elaborada
que revele, no caráter hegemônico, mediador e contraditório dessa
prática, os elementos decisivos de sua superação. (p. 130).
CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUA
INGLESA NO BRASIL
Dentre as várias tendências, métodos e abordagens que tratam do ensinoaprendizadem do inglês como segunda língua ou língua estrangeira, ressaltamos a tendência
histórico-cultural, pela sua pertinência para a elaboração de uma estratégia didática mais
contemporânea e adequada ao que se pretende desenvolver com os alunos do ensino
fundamental nas escolas públicas. Essa tendência origina-se de uma corrente psicológica
contemporânea, o enfoque histórico-cultural, oriundo das obras de Lev S. Vygotsky nos anos
1930 e enriquecido por seus seguidores. As fontes destas análises encontram-se em Oliveira
(1993) e Vygotsky (1988) e (1989).
Filosoficamente, tal tendência tem como base o materialismo dialético. Enfoca a
comunicação como uma atividade humana. Concebe o domínio do idioma estrangeiro como
uma atividade, que permite ao indivíduo gozar de uma vida mais plena, ao ampliar seu
universo cultural, contribuindo para uma personalidade mais integral.
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Sociologicamente, trata da relação educação-sociedade. Na dimensão individual, em
que estão presentes os sujeitos portadores da ação educativa, a escola desempenha um papel
primordial para desenvolver a competência comunicativa dos alunos, juntamente com a
família e a comunidade. A educação é considerada como mediadora entre o homem e a
cultura; nesse contexto, a língua estrangeira é um mediador instrumental para o
desenvolvimento de uma cultura geral no aluno.
Sob uma perspectiva lingüística, vê-se o idioma estrangeiro como uma via para
expressar idéias, emoções, sentimentos. A competência comunicativa em língua estrangeira é
concebida como um processo integral da atividade humana, no qual as funções comunicativas
são formas concretas que permitem o processo de apropriação da língua estrangeira e o
contexto como condição para que se produza esse processo.
Sob o ponto de vista pedagógico, a aula de língua estrangeira deve garantir a justiça e
a igualdade, com atenção à individualidade e à diversidade. A comunicação é uma atividade
que favorece os aspectos cognitivo e afetivo.
As exigências didáticas envolvem a estrutura do processo a partir do aluno como
protagonista nos distintos momentos da atividade. Orienta-se o aluno para a busca ativa do
conhecimento. Estimula-se a formação de conceitos e o desenvolvimento dos processos
lógicos do pensamento e o alcance do nível teórico. Utilizam-se formas de atividade e
comunicação que permitam favorecer o desenvolvimento individual, obtendo uma adequada
interação do individual com o coletivo no processo da aprendizagem.
Nessa metodologia, ressaltam-se conceitos de Lev Vygotsky, como o professor como
mediador entre o conhecimento espontâneo do aluno e o conhecimento elaborado pela norma
culta; o grupo como mediador de novas aprendizagens; os processos psicológicos superiores,
inclusive a metacognição; as duas funções da linguagem; o conceito da zona de
desenvolvimento proximal; brinquedo e desenvolvimento; percepção, atenção e memória
como funções psicológicas superiores. A teoria sociointeracional de Vygotsky, ao explicar o
desenvolvimento da fala e o desenvolvimento cognitivo do ser humano, tem servido como
base sólida para as recentes tendências em direção a metodologias de ensino de línguas
estrangeiras menos planificadas e mais naturais e humanas, mais comunicativas e baseadas na
experiência prática. A abordagem de Vygotsky da aprendizagem é dinâmica o suficiente para
tratar dos complexos elementos intrincados na aprendizagem da língua estrangeira.
Ao examinar a validade e a adequação de alguns conceitos vigotskianos para uma
melhor compreensão dos processos de aprendizagem de línguas estrangeiras, Nascente
(2003/2004, p.104) enfatiza que
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o desenvolvimento da linguagem, dentro de uma perspectiva vigotskiana, é
considerado como o aprendizado de um artefato cultural, cuja função social
primitiva é a comunicação, e que serve principalmente para mediar o
desenvolvimento de funções psicológicas superiores. Em situação de sala de
aula, esse aprendizado deve ocorrer dentro do processo de desenvolvimento do
conjunto de significados entre professor e alunos, mediado pelo participante
mais proficiente, o professor, o qual dá apoio ao aprendiz, atuando dentro da
zona de desenvolvimento proximal do aluno, enquanto este não é capaz de
desempenhar a tarefa de forma independente, processo no qual ocorre o
desenvolvimento tanto do aluno como do professor. Isto é, são as respostas que
o aprendiz dá quando da atuação do instrutor em sua zona de desenvolvimento
proximal durante a interação, que possibilitam ao professor trazer à tona o seu
conhecimento e repensá-lo, explorando ao máximo a potencialidade da situação
de ensino-aprendizagem. A prática instrucional torna-se, então, dentro de uma
perspectiva vigotskiana, não o espaço de aplicação de uma teoria, mas o próprio
espaço em que a teoria se constitui.
A discussão sobre a aprendizagem da língua estrangeira remete-nos às situações
enfrentadas por professores da língua portuguesa, na aquisição da norma culta. Como afirma
Cury (1985), os materiais pedagógicos, os livros, as apostilas, além de todos os meios de
comunicação escritos e orais, são meios de divulgação e de difusão que refletem, nos seus
conteúdos e nas suas formas, a concepção de mundo de quem os dirige. A linguagem que se
utiliza é veiculada como meio de manter os padrões culturais que perpetuam as relações de
dominação. Porém, enfatiza o autor, existe a possibilidade de superação. Apenas por serem
adversários sociais, as linguagens da classe dominante e da classe dominada não podem se
manter como dois blocos incomunicáveis. É parte da tarefa educativa superar a linguagem
popular para libertá-la de clichês, de imprecisões:
[...] assumir a linguagem popular tal e qual como se ela fosse perfeita, pelo
fato de vir do povo, é uma atitude tão conservadora como a que aceita tout
court a língua culta sem uma crítica que vise a sua desmistificação. Não se
trata de negar a conformação mais elaborada e organizada da linguagem
culta, da linguagem dos escritores, mas de situá-la como um apelo à
ultrapassagem da imprecisão presente na fala popular (p. 110).
A compreensão do mundo globalizado em que vivemos leva-nos a uma visão do
professor de língua estrangeira desempenhando a tarefa educativa interessada na
transformação das estruturas, na inclusão das classes populares no mercado de trabalho, no
movimento de ultrapassagem e ampliação do universo de relações e conhecimentos. A língua
inglesa é, inegavelmente, o idioma estrangeiro mais amplamente difundido no mundo dos
negócios, no mundo profissional. Também se insere em nossa cultura, através de filmes,
livros e artigos, músicas, computador, internet. Ao aprender a língua inglesa, cria-se a
possibilidade de aumentar a auto-percepção do aluno como ser humano e como cidadão,
aumentam-se as possibilidades, as escolhas.
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No contexto educacional atual, é necessário enriquecer a formação cultural do aluno.
Sua preparação deve situá-lo à altura das exigências do mundo contemporâneo. É preciso
favorecer a formação de um ser humano culto, que compreenda os problemas do seu contexto,
da sua origem e desenvolvimento, que se insira no conjunto de idéias que orientam os
destinos do seu país para que, com argumentos sólidos, possa assumir uma atitude
transformadora, uma atitude em busca constante de uma realidade melhor para si e para seus
semelhantes.
Os PCNs (1998) tratam da língua estrangeira como caminho de libertação. Recorrese ao conceito freireano de educação como força libertadora: “uma ou mais línguas
estrangeiras que concorram para o desenvolvimento individual e nacional podem ser também
entendidas como força libertadora tanto em termos culturais quanto profissionais”. (p. 39).
Com essa visão, as pessoas aprendem a realizar escolhas entre possibilidades. O texto
menciona, ainda, o falso nacionalismo que tende a impedir que horizontes se ampliem, que o
cidadão tenha acesso ao seu desenvolvimento pleno no espaço social imediato e no mundo. A
visão libertadora da língua estrangeira aplica-se a cidadãos e a países. Também com
referência ao ensino da língua materna, discute-se esse conceito: “Pode-se considerar o
desenvolvimento de uma consciência crítica sobre a linguagem como parte dessa visão
lingüística como libertação”. (p. 39).
A dominação da língua inglesa como segunda língua ou como língua estrangeira
hegemônica tem sido tema em diversas análises, trazendo diferentes pontos de vista,
sobretudo pelos estudiosos da linguagem. O papel desempenhado pela língua inglesa nas
relações internacionais, no mundo dos negócios, posiciona-a como a língua do poder
econômico e dos interesses de classes, o que pode ameaçar outras línguas. Verifica-se, no
manuseio de novas tecnologias, por exemplo, a simples adoção ou a adaptação de palavras e
expressões da língua inglesa, sem a preocupação de encontrar uma tradução no próprio
idioma. O mesmo fenômeno pode ser observado em vários outros campos de atividades. Ao
mesmo tempo em que é necessário evitar teorias totalizantes de reprodução cultural e social, é
preciso atingir um paradigma crítico que reconheça o papel do indivíduo na transformação da
vida social. Ainda citando os PCNs (1998, p. 40):
[...] a aprendizagem do inglês, tendo em vista o seu papel hegemônico nas
trocas internacionais, desde que haja consciência crítica desse fato, pode
colaborar na formação de contra-discursos em relação às desigualdades entre
países e entre grupos sociais (homens e mulheres, brancos e negros, falantes
de línguas hegemônicas e não-hegemônicas, etc.). Assim, os indivíduos
passam de meros consumidores passivos de cultura e de conhecimentos a
criadores ativos: o uso de uma Língua Estrangeira é uma forma de agir no
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mundo para transformá-lo. A ausência dessa consciência crítica no processo
de ensino e aprendizagem de inglês, no entanto, influi na manutenção do
status quo, ao invés de cooperar para sua transformação.
Para a formação dos professores de língua estrangeira, a universidade deve ser o
lócus onde se discute a necessidade de a escola ressignificar sua prática, de acordo com as
profundas mudanças por que vem passando desde a democratização do ensino. Nas
faculdades de Letras, a prática a ser vivenciada desde o início do curso de graduação, com a
participação dos futuros professores nas realidades educacionais, deve proporcionar uma
fundamentação concreta das reflexões teórico-metodológicas. A formação do professor de
língua estrangeira deve ser considerada como um processo contínuo. Essa formação teóricocrítica capacitará o professor que é educador reflexivo, consciente de sua dimensão social, que
constantemente ressignifica a sua própria prática e que está sempre em busca de novos
caminhos para a sua atuação profissional.
Entendendo que o professor exerce um importante papel como agente histórico e
social no processo de transformação do meio e que o seu desempenho também é influenciado
pela sua qualificação, faz-se necessário discutir de que maneira essa formação tem
acontecido.
Os estudos demonstram que muitos professores participam de atividades de
formação continuada como enriquecimento curricular, o que nem sempre contribui para uma
mudança de atitude no seu método de ensino. Extrapolar a formação apenas como titulação é
um dos caminhos a serem seguidos. Quando o professor vê a formação como instrumento de
mudança de seu comportamento na relação ensino-aprendizagem, com novas posturas de
procedimentos, significa, no mínimo, que o professor já vislumbra na formação uma
estratégia para uma nova abordagem na relação ensino-aprendizagem.
Ultrapassar os limites da formação como exigência de políticas públicas seria mais
um caminho a ser percorrido. Por isso os professores não devem apenas ser um instrumento
do cumprimento de políticas governamentais, quando só ao final do processo são chamados a
participar de um curso. Deveriam, sim, participar inclusive da elaboração de políticas de
formação, quanto ao conteúdo, métodos, tipos de abordagens. É preciso considerar que
escolas diferentes têm problemas diferentes, que se apresentam apenas em determinados
locais, portanto, as possíveis soluções estão também nos locais. Ouvir o professor quanto às
suas ansiedades e qualificar as dificuldades significa estar mais próximo da realidade, para
que a intervenção se proceda de maneira mais adequada.
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Para tanto, é preciso também considerar a formação como prática constante, não só
do professor, mas também do ser humano como alguém que, incessantemente, deve estar
preparado para a dinâmica da aprendizagem e das mudanças que ocorrem independentemente
das atitudes ou vontades pessoais. Há de se considerar as inúmeras variáveis que possam
influenciar, como o contexto político-ideológico da formação. Tanto o marxismo como o
liberalismo exercem influências marcantes nessa formação, direta ou indiretamente. Ė um
desafio histórico construtivo e reflexivo verificar se essas correntes atingem o objetivo de
mostrar a necessidade de preparar o professor de língua estrangeira como aquele que, na sua
práxis, contribuirá para o despertar crítico de seus alunos, atribuindo um novo significado ao
mundo, usando a nova língua como um instrumento, uma nova janela que se abre e um olhar
diferente do contexto social em que se inserem.
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