APLICABILIDADE DA DECLARAÇÃO SÓCIO-LABORAL DO MERCOSUL NOS ESTADOS-PARTES Maria Cristina Irigoyen Peduzzi∗ 1. A Declaração Sócio-Laboral do Mercosul. 2. A estrutura normativa do Mercosul 3. Aplicabilidade da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul nos Estados-Partes. 4. Conclusão. 1. A Declaração Sócio-Laboral do Mercosul. A Declaração Sócio-Laboral do Mercosul foi criada como resposta dos Estados-Partes às reiteradas reclamações quanto ao enfoque do bloco regional. Segundo as críticas, havia excesso de influência dos aspectos comerciais, econômicos e tributários da integração, pelo que em muito se descuidava das demandas sociais daí advindas. Após seguidas tratativas – surgidas a partir da criação do Subgrupo de Trabalho nº 11 (atual SGT nº 10) –, consolidaram-se as idéias que viriam, em dezembro de 1998, a possibilitar a assinatura da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, durante a reunião semestral do Conselho do Mercado Comum – CMC1. Com forma de Declaração, a exemplos de outros citados em seu preâmbulo2, o documento instituiu princípios programáticos da integração regional, unanimemente tidos como relevantes para a realização dos fins almejados pelo bloco regional. Foi dividida em quatro partes principais. No que toca ao conteúdo privado das relações trabalhistas, referiu-se a direitos “individuais” e “coletivos”. Quanto aos aspectos ∗ Ministra do Tribunal Superior do Trabalho e Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho. No preâmbulo da Declaração, destacam-se duas importantes premissas da Declaração: i) “Considerando que a integração envolve aspectos e efeitos sociais cujo reconhecimento implica a necessidade de prever, analisar e solucionar os diferentes problemas gerados, neste âmbito, por essa mesma integração”; ii) Considerando que os Ministros do Trabalho do Mercosul têm manifestado, em suas reuniões, que a integração regional não pode confinar-se à esfera comercial e econômica, mas deve abranger a temática social, tanto no que diz respeito à adequação dos marcos regulatórios trabalhistas às novas realidades configuradas por essa mesma integração e pelo processo de globalização da economia, quanto ao reconhecimento de um patamar mínimo de direitos dos trabalhadores no âmbito do Mercosul, correspondente às convenções fundamentais da OIT”. 2 “Considerando que os Estados Partes estão comprometidos com as declarações, pactos, protocolos e outros tratados que integram o patrimônio jurídico da Humanidade, entre os quais a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração Americana de Direitos e Obrigações do Homem (1948), a Carta Interamericana de Garantias Sociais (1948), a Carta da Organização dos Estados Americanos - OEA (1948), a Convenção Americana de Direitos Humanos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988).” 1 publicistas, remeteu a “outros direitos” – aspectos vinculados às obrigações estatais afins – e a regras de “aplicação e seguimento”, no que tange à vigência do instrumento. Entre os importantes avanços, tomada a finalidade do mercado comum, podem ser destacadas, entre os direitos individuais, a garantia de não-discriminação em razão da origem nacional – art. 1º3 – e a proteção aos trabalhadores migrantes ou fronteiriços – art. 4º4. No tocante ao direito coletivo, vale destacar a relevância do artigo 8º, que trata da liberdade de associação5, em razão do distinto tratamento que é conferido ao tema pelos Estados-Partes – principalmente no que concerne à extensão da liberdade sindical. No pertinente à aplicação da Declaração, foi redigido o artigo 20, no qual os Estados comprometem-se a fazer valer os direitos fundamentais ali inscritos, promovendo sua aplicação em conformidade com a legislação, as práticas nacionais e as convenções e acordos coletivos6. A par da eficácia jurídica, foi recomendada em 3 “Não discriminação Art. 1º Todo trabalhador tem garantida a igualdade efetiva de direitos, tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção ou exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual, idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou qualquer outra condição social ou familiar, em conformidade com as disposições legais vigentes. Os Estados Partes comprometem-se a garantir a vigência deste princípio de não discriminação. Em particular, comprometem-se a realizar ações destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos em situação desvantajosa no mercado de trabalho.” 4 “Trabalhadores migrantes e fronteiriços Art. 4º Todo trabalhador migrante, independentemente de sua nacionalidade, tem direito à ajuda, informação, proteção e igualdade de direitos e condições de trabalho reconhecidos aos nacionais do país em que estiver exercendo suas atividades, em conformidade com a legislação profissional de cada país. Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas tendentes ao estabelecimento de normas e procedimentos comuns relativos à circulação dos trabalhadores nas zonas de fronteira e a levar a cabo as ações necessárias para melhorar as oportunidades de emprego e as condições de trabalho e de vida destes trabalhadores.” 5 “Liberdade de associação Art. 8º Todos os empregadores e trabalhadores têm o direito de constituir as organizações que considerem convenientes, assim como de afiliar-se a essas organizações, em conformidade com as legislações nacionais vigentes. Os Estados Partes comprometem-se a assegurar, mediante dispositivos legais, o direito à livre associação, abstendo-se de qualquer ingerência na criação e gestão das organizações constituídas, além de reconhecer sua legitimidade na representação e na defesa dos interesses de seus membros” 6 “Aplicação e seguimento Art. 20 Os Estados Partes comprometem-se a respeitar os direitos fundamentais inscritos nesta Declaração e a promover sua aplicação em conformidade com a legislação e as práticas nacionais e as convenções e acordos coletivos. Para tanto, recomendam instituir, como parte integrante desta Declaração, uma Comissão Sóciolaboral, órgão tripartite, auxiliar do Grupo Mercado Comum, que terá caráter promocional e não sancionador, dotado de instâncias nacionais e regional, com o objetivo de fomentar e acompanhar a aplicação do instrumento. A Comissão Sóciolaboral Regional manifestar-se-á por consenso dos três setores, e terá as seguintes atribuições e responsabilidades: examinar, comentar e encaminhar as memórias preparadas pelos Estados Partes, decorrentes dos compromissos desta Declaração; formular planos, programas de ação e recomendações tendentes a fomentar a aplicação e o cumprimento da Declaração; examinar observações e consultas sobre dificuldades e incorreções na aplicação e cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração; examinar dúvidas sobre a aplicação dos termos da Declaração e propor esclarecimentos; elaborar 2 seu texto também a criação da Comissão Sócio-Laboral do Mercosul, ocorrida em março de 1999, por meio da Resolução nº 15/99 do GMC. Essa comissão, que não tem poder sancionador, funcionará por meio de recomendações diretas ao GMC. Terá como função, entre outras, formular planos, programas de ação e recomendações tendentes a fomentar a aplicação e o cumprimento da Declaração. A aplicabilidade da Declaração, portanto, passa por um duplo viés: i) o primeiro, de caráter negocial, cujo palco principal será a Comissão Sócio-Laboral do Mercosul. Aqui, a atuação consolida-se sobretudo pela ação política e pressão sindical, com vistas a transformá-la efetivamente em um espaço de negociação que leve ao Grupo Mercado Comum questões sociais; e ii) em um outro plano, a dimensão da aplicação da Declaração terá cunho estritamente jurídico, dizendo respeito à eficácia de seu conteúdo no contexto dos ordenamentos jurídicos dos Estados-Partes. Assim, apenas pela compreensão da natureza jurídica da Declaração, cotejada com as normas internas dos Estados-Partes, bem como com a estrutura jurídica do Mercosul, é possível divisar a projeção de sua eficácia jurídica no âmbito do bloco regional. 2. A estrutura normativa do Mercosul. O Mercado Comum do Sul – Mercosul – foi criado com a celebração do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, subscrito pela República Argentina, República Federativa do Brasil, República do Paraguai e República Oriental do Uruguai, e, com ele, o mais importante processo de integração econômica já ajustado na região7. No momento, o bloco constitui uma União Aduaneira Imperfeita, com projeção a um Mercado Comum8, tudo com o expresso propósito dos Estados-Partes em “acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social”9. A leitura do artigo 1º do Tratado de Assunção evidencia que os EstadosPartes deverão harmonizar as respectivas legislações internas com vistas a fortalecer o processo de integração, sobretudo com a finalidade de, entre outras, estabelecer a análises e relatórios sobre a aplicação e o cumprimento da Declaração; examinar e apresentar as propostas de modificação do texto da Declaração e lhes dar o encaminhamento pertinente.” 7 A opinião é de Hugo Roberto Mansueti, professor titular de Direito do Trabalho e Previdenciário da Universidade Nacional de La Matanza, na Argentina, in Direito Sindical no Mercosul, Ed. LTr, São Paulo, 2004, trad. Yone Frediani, p. 15. 8 O referido autor indica, entre as atuais características do Mercosul, a adoção de uma tarifa externa comum – TEC –, a coordenação de políticas macroeconômicas e o compromisso de relacionamento externo comum do Mercosul com terceiros países (MANSUETI, Hugo Roberto, op. cit. p. 16). 9 Preâmbulo do Tratado de Assunção. 3 livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, o que atrai, em especial, a atenção do Direito do Trabalho10. Para tanto, foram idealizados institutos jurídicos próprios do Mercosul. As fontes normativas, segundo o artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto, são: i) o Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares; ii) os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos; iii) as decisões do CMC, as Resoluções do GMC e as Diretivas da Comissão de Comércio do Mercosul – CCM –, adotadas desde que o Tratado de Assunção entrou em vigor. As normas emanadas dos órgãos precitados, os quais possuem capacidade decisória e natureza intergovernamental, deverão ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país11. É importante salientar a hierarquização das fontes. As primeiras mencionadas – itens i e ii – ostentam natureza originária, sendo reguladas pelas normas de Direito Internacional Público, conforme o chamado direito dos tratados, cujo marco principal é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados12. As mencionadas no item iii são fontes derivadas, ou seja, provindas da estrutura jurídica do Mercosul, de validade e eficácia reguladas pelas normas instituídas nas fontes constitutivas do bloco regional, sendo expressão, portanto, de Direito Comunitário13. 10 Eis a íntegra do dispositivo: “ARTIGO 1º Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará Mercado Comum do Sul (Mercosul). Este Mercado Comum implica: A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias á circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.” 11 Conforme preceituam os artigos 2º e 42 do referido diploma. 12 O aludido tratado ainda não foi ratificado pelo Brasil. Embora exista certa preocupação em torno de tal condição, há quem defenda sua aplicabilidade, por entendê-lo ser fonte consuetudinária de Direito Internacional. 13 MANSUETI, Hugo Roberto, op. cit. pp. 24-28. Na distribuição das fontes derivadas, ensina o autor que “A hierarquização resultante da estrutura orgânica do Mercosul é a que confere a estas normas seu grau de preferência” e prossegue: “daí se conclui que as normas derivadas de maior hierarquia são as Decisões ditadas pelo Conselho do Mercado Comum; muitas delas regulamentam as fontes originárias com caráter geral, aprovam projetos de tratados e coordenam o trabalho técnico dos restantes órgãos. As Resoluções do Conselho Mercado Comum estão grandemente destinadas a cumprir e regulamentar Decisões do Conselho, 4 A Declaração foi assinada em reunião ordinária do Conselho do Mercado Comum, em dezembro de 1998, composta pelos presidentes dos países membros do bloco14. Contudo, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a Declaração não se confunde com manifestação do CMC, não havendo falar tratar-se de decisão. Constitui-se tratado internacional ou, no mínimo, instrumento 15 internacional , celebrado como expressão dos povos ali legitimamente representados. Dessa forma, não se constitui regra derivada, regida pelos instrumentos jurídicos do Mercosul, ou seja, por regras de Direito Comunitário, mas, sim, pelas normas gerais de Direito Internacional Público. Dessa forma, a aplicação da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, por representar compromisso internacional dos países signatários acerca de normas relativas a direitos humanos sociais – regras de igualdade, 2ª Geração –, deve ter essa qualificação exaltada quando do cotejo de sua eficácia nos ordenamentos nacionais. 3. Aplicabilidade da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul nos Estados-Partes. Como já afirmado, o artigo 1º do Tratado de Assunção preceitua que as legislações dos Estados-Membros deverão ser harmonizadas no sentido da construção do mercado comum. Desde logo, deve ficar claro não haver necessidade de unificação das normas, pelo que também se conclui que, ao menos em um primeiro momento, os Estados-Partes permanecerão autônomos e soberanos. Essa tarefa de harmonização não se encontra madura, ainda havendo longo caminho a ser percorrido, inclusive no amadurecimento das instituições supranacionais de coordenação de tais medidas. De toda forma, há países cujos ordenamentos já se encontram mais preparados para uma experiência mais intensa de convívio internacional. No âmbito do Mercosul, a Argentina e o Paraguai já reformaram suas respectivas Cartas Constitucionais nesse sentido16, enquanto o Brasil e o Uruguai, pode-se dizer, ainda conservam certo cuidado no que diz respeito à admissão dos ajustes internacionais. assim como a coordenar o trabalho de harmonização das distintas áreas a cargo dos subgrupos de trabalho. Por último, as Diretivas da Comissão de Comércio têm por características revestirem-se de caráter eminentemente técnico” (p. 25). 14 Eram presidentes à época: Carlos Saúl Menem, Fernando Henrique Cardoso, Raúl Alberto Cubas Grau e Julio Maria Sanguinetti. 15 A ressalva é de Hugo Roberto Mansueti, Direito Sindical no Mercosul, op. cit. p. 19. 16 MANSUETI, Hugo Roberto, Direito Sindical no Mercosul, op. cit. p. 34. 5 3.1. Argentina. Na Argentina, como afirmado, aprovado o tratado internacional, goza ele de hierarquia superior às leis internas, como preceitua o artigo 75, inciso 22, da Constituição Argentina17. Contudo, a exemplo do Brasil, os tratados envolvendo direitos humanos, para que sejam incorporados ao Ordenamento Jurídico interno com status de norma constitucional, requerem o voto de dois terços da totalidade dos membros de cada Câmara do Congresso18. De toda forma, mesmo que aprovados ordinariamente, os tratados dessa qualidade só poderão ser denunciados em votação no Congresso por idêntico quórum ao necessário para constituí-lo como norma constitucional19. Tem-se, pois, que, a partir da aprovação da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, já se divisa a sua eficácia no âmbito da República Argentina, com hierarquia superior às leis internas. Contudo, para que tenha carga constitucional, deverá passar por distinto crivo político, com quórum qualificado. Em todas as hipóteses, apenas poderá perder a eficácia mediante prévia aprovação do Congresso, também com o quórum qualificado dos dois terços. 3.2. Paraguai. No Paraguai, também há semelhante regra, insculpida no artigo 137 da Constituição da República, primeira parte. Segundo ela, os tratados, as convenções e os acordos internacionais aprovados pelo Congresso20 e ratificados integram o direito positivo nacional em ordem hierárquica superior às leis ditadas pelo Congresso e outras de inferior hierarquia21. Dessa forma, também naquele país, os tratados 17 “Artículo 75- Corresponde al Congreso: (...) 22. Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquía superior a las leyes.” 18 A norma encontra-se prevista na disposição final do inciso antes transcrito, onde se lê: “Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congreso, requerirán el voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional”. 19 A referência consta também no mesmo inciso 22, nos seguintes termos: “Sólo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara”. 20 Art. 141 da Constituição. 21 “Artículo 137 - DE LA SUPREMACIA DE LA CONSTITUCIÓN La ley suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdos internacionales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el Congreso y otras disposiciones jurídicas de inferior jerarquía, sancionadas en consecuencia, integran el derecho positivo nacional en el orden de prelación enunciado.” 6 ocupam posição mais elevada do que as leis ordinárias, permanecendo, contudo, submetidos às disposições constitucionais. É no concernente à denúncia dos tratados versando direitos humanos que o texto constitucional os diferenciou dos demais. A exemplo da experiência argentina, apenas poderão perder a vigência os tratados cuja denúncia seja aprovada por maioria qualificada no Congresso, idêntica à necessária à emenda constitucional22. No Paraguai, portanto, a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, uma vez incorporada ao Ordenamento Jurídico, tem hierarquia superior às demais leis internas, só podendo ser denunciada por deliberação do Congresso Nacional, em votação qualificada. 3.3. Uruguai. No Uruguai, os tratados serão concluídos e subscritos pelo Poder Executivo23 e posteriormente aprovados pelo Legislativo24. O artigo 72 da Constituição da República preceitua que a enumeração dos direitos e deveres e garantias feita pela Carta não excluem outros que são inerentes à personalidade humana ou derivem da forma republicana de governo25. A regra é apontada como uma declaração aberta em matéria de direitos humanos26, assemelhando-se ao § 2º do artigo 5º da Constituição da República. A Declaração Sócio-Laboral do Mercosul terá aplicabilidade no Uruguai por meio da aprovação, pela Assembléia Geral, de seu teor, ingressando no Ordenamento Jurídico daquele país com força de lei27. 22 É o que consta do artigo 142: “Artículo 142 - DE LA DENUNCIA DE LOS TRATADOS Los tratados internacionales relativos a los derechos humanos no podrán ser denunciados sino por los procedimientos que rigen para la enmienda de esta Constitución”. 23 “Artículo 168.- Al Presidente de la República, actuando con el Ministro o Ministros respectivos, o con el Consejo de Ministros, corresponde: (...)20) Concluir y suscribir tratados, necesitando para ratificarlos la aprobación del Poder Legislativo.” 24 “Artículo 85.- A la Asamblea General compete: (...)7º) Decretar la guerra y aprobar o reprobar por mayoría absoluta de votos del total de componentes de cada Cámara, los tratados de paz, alianza, comercio y las convenciones o contratos de cualquier naturaleza que celebre el Poder Ejecutivo con potencias extranjeras.” 25 “Artículo 72.- La enumeración de derechos, deberes y garantías hecha por la Constitución, no excluye los otros que son inherentes a la personalidad humana o se derivan de la forma republicana de gobierno.” 26 MANSUETI, Hugo Roberto, Direito Sindical no Mercosul, op. cit. p. 35. 27 Um exemplo, naquele país, de incorporação de tratado versando sobre Direitos Humanos é a Lei nº 13.751, de 11 de julho de 1969, que aprovou o Pacto Internacional de Direitos Humanos e o Protocolo Facultativo, aprovados pelas Nações Unidas em 1966 e subscritos pelo Uruguai em 21 de fevereiro de 1967. 7 3.4. Brasil. Com a recente reforma constitucional nº 45/2004 – batizada de Reforma do Poder Judiciário –, foi inaugurado no Brasil novo tratamento à até então polêmica questão da incorporação no ordenamento interno de tratados concernentes a direitos humanos, pelas variadas interpretações dadas ao § 2º do artigo 5º da Carta28. Com o acréscimo do § 3º ao artigo 5º, pretendeu o legislador constituinte derivado encerrar os debates acerca do tema29, tornando exata a extensão da imperatividade de tais instrumentos30. Pela teoria da “operatividade imediata dos direitos humanos”, não foram poucos os que, sob o modelo anterior, defenderam que tais direitos gozam de ingresso automático no ordenamento interno, sem quaisquer outras formalidades. Assim, subscrito tratado internacional versando sobre direitos humanos, a norma teria recepção imediata no ordenamento, revestida, inclusive, de caráter constitucional31. A teoria não encontrou no Supremo Tribunal Federal semelhante entusiasmo. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480-DF32, que versava sobre a constitucionalidade da Convenção nº 158 da OIT, restou pacificado o entendimento de que o ato para recepção de tratado internacional é subjetivamente complexo, com concurso do Presidente da República e do Congresso Nacional. Entendeu-se, ainda, estar subordinado à Constituição o teor de tais atos. Posteriormente, foi a orientação confirmada em discussão acerca da eficácia do Pacto de São José, sobre a garantia do duplo grau de jurisdição33. Dessa forma, por ter sido subscrita a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul em dezembro de 1998, não há como negar que, em face do entendimento do STF sobre a questão, apenas mediante o formal caminho de recepção da regra poderia 28 “§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” 29 “§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” 30 Embora seja possível divisar o fim da polêmica, o mesmo entendimento não se diz sobre as críticas ao novo dispositivo, que não tardaram a surgir. 31 Pode-se citar, por exemplo, o defendido por Roberto Vieira de Almeida Rezende, “A aplicação da Declaração Sóciolaboral do Mercosul e a Supranacionalidade operativa dos Direitos Humanos” in Revista do TRT da 15ª Região, nº 18, março de 2002. 32 ADI 1.480-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18/05/01. 33 “Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação (...)” (RHC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.11.02). 8 falar-se em recepção da norma no ordenamento jurídico brasileiro, até hoje não implementado. Sobrevindo a Emenda Constitucional nº 45/2004, a Declaração SócioLaboral do Mercosul poderá vir a ser consolidada como norma constitucional, se for observada a norma do § 3º do artigo 5º da Constituição da República34, com eventual força, inclusive, para impor alterações em seu texto, observado o artigo 60 – que dispõe sobre as cláusulas pétreas. Assim, por exemplo, o modelo de organização sindical brasileiro, que adota a unicidade sindical, poderia ser alterado, pela recepção da Declaração, para o da liberdade sindical, nos termos do artigo 8º da Declaração35. 4. Conclusão. Conclui-se, pois, que a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, embora de inegável importância para a construção de um processo de integração regional com vistas à garantia da efetiva justiça social, ainda terá pela frente um longo caminho de consolidação. Seja pela ação política, seja pelo reconhecimento e eficácia jurídica no âmbito dos Estados-Partes, variadas negociações e acordos deverão ser entabulados até que, de forma plena, seus termos sejam revestidos da cogência própria do Direito. De toda forma, as normas ali expostas, ainda que de natureza programática, já representam, em si e por si, a busca pela construção de zona de integração que, a par dos aspectos econômicos, também privilegie as questões sociais. 34 Ressalte-se, por cautela, que ainda não foram delineados de forma precisa todos os contornos do novo dispositivo, razão pela qual se fala em “poderá”. 35 “Liberdade de associação Art. 8º Todos os empregadores e trabalhadores têm o direito de constituir as organizações que considerem convenientes, assim como de afiliar-se a essas organizações, em conformidade com as legislações nacionais vigentes. Os Estados Partes comprometem-se a assegurar, mediante dispositivos legais, o direito à livre associação, abstendo-se de qualquer ingerência na criação e gestão das organizações constituídas, além de reconhecer sua legitimidade na representação e na defesa dos interesses de seus membros.” 9