UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO: PUBLICIDADE E
PROPAGANDA
FERNANDA MICHELE MACIEL SARATE
O MOVIMENTO SLOW LIFE E A DESACELERAÇÃO DA SOCIEDADE DE
CONSUMO CONTEMPORÂNEA
SÃO LEOPOLDO
2009
FERNANDA MICHELE MACIEL SARATE
O MOVIMENTO SLOW LIFE E A DESACELERAÇÃO DA SOCIEDADE DE
CONSUMO CONTEMPORÂNEA
Trabalho
de
conclusão
apresentado
à
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos,
como requisito parcial para obtenção do título de
bacharel em Comunicação Social - habilitação:
Publicidade e Propaganda
Orientadora: Profa. Dra. Anya Sartori Piatnicki Revillion
SÃO LEOPOLDO
2009
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meus pais pela dedicação e apoio
dispensados em todas as fases de minha vida, à
Vanessa
por
sua
presença
tão
especial
e
fundamental neste e em tantos outros momentos, à
minha família, amigos e todos aqueles que, de
alguma forma, contribuíram para a realização deste
trabalho.
FALTA DE TEMPO
Nunca temos tempo. Para ser e até para não ser.
Para arrumar ou desarrumar. Decidi organizar a
biblioteca e baixei todos os livros da estante. Um
assalto, os livros no solo com pavor de minha
reação. Foi um surto de um dia, mas que
demandaria um mês inteiro para terminar. Quem
disse que levei adiante? Os livros continuam
deitados. O assalto virou seqüestro. Deixei a ânsia
de corrigir minha vida e ordenar alfabeticamente os
autores para outro momento.
Nunca temos tempo. Para trabalhar ou rever amigos
ou descansar e desfrutar as distrações. O tempo de
férias não conta, é um templo planejado, que mais
se assemelha a um trabalho free lancer do que a
uma espontânea inquietação. Passagens, hotel ou
casa alugada, pagar as contas com antecedência,
procurar alguém para controlar a casa, manter a
água das plantas, isso que não possuo cachorro...
Não temos tempo a perder, muito menos a ganhar.
Tempo é espaço, estar perto para conseguir voltar.
Não tenho tempo para responder mensagens, não
tenho tempo para ir à praça. Diversão termina
rápido. Minha boca é um relógio de corda.
Meu tempo transformou-se curiosamente na minha
falta de tempo [...]
Fabrício Carpinejar
RESUMO
O presente trabalho pretende identificar o processo de desaceleração
vivenciado por nichos da sociedade de consumo contemporânea sob a ótica do
denominado Movimento Slow Life. Em linhas gerais, este movimento apresenta
entre suas premissas que o sujeito contemporâneo deve ter uma relação de
equilíbrio com o seu tempo produtivo e não-produtivo, encontrando o ritmo giusto1
para cada atividade. Assim, busca-se um entendimento sobre como pessoas que
vivem em ritmo acelerado percebem a viabilidade desse movimento. Além disso, o
trabalho procurou desvendar as opiniões dos entrevistados a respeito de como o
processo de aceleração da sociedade se reflete nos hábitos de consumo, gerando
comportamentos de compra. Para se atingir tais objetivos, realizou-se pesquisa
bibliográfica aliada à pesquisa exploratória qualitativa através da técnica de
entrevista individual em profundidade.
Palavras-chave: Movimento devagar. Slow life.Tempo. Comportamento de
consumo.
Termo utilizado na teoria musical para denominar o ritmo correto em que a música deve ser tocada.
No Movimento Slow Life, é utilizada para designar o ritmo pessoal do indivíduo para exercer
determinada atividade.
1
ABSTRACT
This study seeks to identify the process of deceleration experienced by niches
of the consumer society from the viewpoint of the contemporary movement called
Slow Life. In general, this movement presents among its premises that the
contemporary individual should have a relationship of balance with his productive
and non-productive time, finding the pace giusto2 for each activity. Thus, it searches
an understanding of how people who live at an accelerated pace understand the
viability of this movement. Furthermore, the study aimed to uncover the respondents’
views concerning how the society acceleration process is reflected in usage patterns,
generating purchasing behavior. To achieve these objectives, there was literature
survey combined with qualitative technique through individual interviews in depth.
Keywords: Slow movement. Slow life. Time. Behavior of consumption.
2
Term used in musical theory to name the correct rate at which the music should be played. In the Slow Life
Movement, it is used to describe the personal rhythm of the person to perform determined activity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – ANÚNCIO NATURA - PERFUME DO BRASIL PRIPRIOCA. .............77
FIGURA 2 – ANÚNCIO NOVO CHRONOS DA NATURA........................................78
FIGURA 3 – ANÚNCIO TIM – DESACELERE. ........................................................80
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – RELAÇÃO DO ENTREVISTADO COM O SEU TEMPO PRODUTIVO
.................................................................................................................................108
QUADRO 2 – RELAÇÃO DO ENTREVISTADO COM O SEU TEMPO NÃOPRODUTIVO...........................................................................................................110
QUADRO 3 – SUSTENTABILIDADE DA PROPOSTA DE DESACELERAÇÃO...111
QUADRO 4 – CARACTERÍSTICAS DE CONSUMO DOS ENTREVISTADOS......112
QUADRO 5 – PERCEPÇÃO DOS ANÚNCIOS SELECIONADOS.........................115
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................11
2 A RELAÇÃO DO HOMEM COM O TEMPO...........................................................14
2.1 CONCEITO DE TEMPO......................................................................................14
2.2 MEDIÇÃO DO TEMPO........................................................................................16
2.2.1 A Invenção do Relógio...................................................................................18
2.3 A TRANSFORMAÇÃO DO TEMPO ATRAVÉS DO TRABALHO........................21
2.3.1 O Trabalho e o “Direito à Preguiça”..............................................................28
2.4 ACELERAÇÃO DO TEMPO................................................................................29
3 A SOCIEDADE DE CONSUMO NOS TEMPOS CONTEMPORÂNEOS...............32
3.1 A ATIVIDADE DE CONSUMO.............................................................................33
3.1.1 Consumo Versus Consumismo.....................................................................37
3.2 SURGIMENTO E ESTABELECIMENTO DA SOCIEDADE DE CONSUMO........38
3.2.1 Mudanças no Pós-Guerra...............................................................................40
3.3 SER CONSUMIDOR NA SOCIEDADE DE CONSUMO CONTEMPORÂNEA....41
3.3.1 PROSUMERS: o sujeito como produtor e consumidor...............................43
3.3.2 A fidelidade do consumidor contemporâneo...............................................44
3.4 CONSUMO E TEMPO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA...........................45
4 MOVIMENTO DE DESACELERAÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO E A
ATITUDE SLOW LIFE...............................................................................................50
4.1 DESACELERE: O SURGIMENTO DO MOVIMENTO SLOW LIFE.....................51
4.1.1 Principais Bases do Movimento Slow Life...................................................52
4.1.1.1 Slow Food......................................................................................................53
4.1.1.2 Città Slow.......................................................................................................56
4.1.1.3 Mente e Corpo no Slow..................................................................................57
4.1.1.4 Slow no Trabalho...........................................................................................61
4.1.1.5 Lazer e Slow..................................................................................................67
4.2 A RESIGNIFICAÇÃO DO TEMPO NO SLOW LIFE............................................70
4.3 SLOW LIFE NA PUBLICIDADE E NO MERCADO DE CONSUMO....................73
4.3.1 Slow Life como oportunidade de mercado...................................................73
4.3.2 Slow e a publicidade ......................................................................................76
5 PESQUISA DE CAMPO COM “ACELERADOS” DE PORTO ALEGRE..............81
10
5.1 METODOLOGIA..................................................................................................81
5.2 ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE..................................................................82
5.3 ELABORAÇÃO DO ROTEIRO SEMI-ABERTO PARA ENTREVISTA EM
PROFUNDIDADE......................................................................................................83
5.4 SELEÇÃO DA AMOSTRA...................................................................................86
5.5 APLICAÇÃO DAS ENTREVISTAS......................................................................87
5.6 PERFIL DOS ENTREVISTADOS........................................................................88
5.7 DESCRIÇÃO DAS PESQUISAS..........................................................................89
5.7.1 Entrevista 1......................................................................................................89
5.7.2 Entrevista 2......................................................................................................91
5.7.3 Entrevista 3......................................................................................................93
5.7.4 Entrevista 4......................................................................................................95
5.7.5 Entrevista 5......................................................................................................98
5.7.6 Entrevista 6....................................................................................................101
5.7.7 Entrevista 7....................................................................................................104
5.8 ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA................................................107
6 CONCLUSÃO.......................................................................................................117
REFERÊNCIAS.......................................................................................................120
11
1 INTRODUÇÃO
Desde criança se é acostumado à dicotomia existente entre o rápido e o
devagar. É ensinado desde cedo a fábula da lebre e da tartaruga. Aprende-se que a
velocidade da lebre não lhe garante a vitória numa corrida com a lenta tartaruga.
Como moral da história se aprende que quem segue devagar e com constância
pode chegar na frente3.
Porém, mais tarde, muitos parecem sofrer da ‘síndrome do coelho branco’. Na
obra de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, este personagem está sempre
com pressa, correndo, olhando para o relógio e gritando “Oh, meu Deus! Oh, meu
Deus! Vou chegar tarde!”4.
Vive-se atualmente numa sociedade endemicamente acelerada, na qual as
vinte e quatro horas de um dia parecem já não serem suficientes para comportar
todos os compromissos e atividades que constam na agenda do sujeito
contemporâneo. Destarte, a cultura do fazer rápido, de se fazer mais em cada vez
menos tempo se incorpora e vira sinônimo de pró-atividade. A pressa foi detectada
como um sintoma de desvio comportamental característico dos tempos atuais, que
resulta, muitas vezes, no fazer rápido em detrimento do fazer melhor ou com
qualidade, assim como o fazer em detrimento do refletir, do planejar. (VERA;
MASSON; VICÁRIA, 2009, p. 40).
O tempo parece ser mais um recurso monetarizado, se não se está
produzindo,
se
está
perdendo,
portanto,
se
está
sempre
em
constante
movimentação, “como se Frederick Taylor estivesse rondando para fiscalizar,
controlando o cronômetro e tamborilando na prancheta”. (HONORÉ, 2005, p. 314).
Porém, delineia-se, hoje, uma mudança estrutural na sociedade e, sobretudo,
no que tange a relação que o indivíduo tem com o seu tempo.
Na década de 1980 surge na Itália um movimento reativo ao Fast Food, o
Slow Food. Este preconiza que se resgate o prazer da alimentação saudável, com
produtos orgânicos, não-industrializados, em ritmo de tranqüilidade, acompanhado
3
4
FÁBULAS de Esopo. São Paulo: Scipione, 1998
CARROLL,Lewis. Alice no país das maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 1998
12
de amigos ou familiares. A partir disso, um movimento mais amplo de desaceleração
insurge em outros âmbitos da vida como o trabalho e o lazer, o Movimento Slow Life.
Para se identificar a viabilidade e a pertinência de tal movimento na sociedade
contemporânea, busca-se neste trabalho, primeiramente um resgate e um
entendimento sobre a relação do homem com o seu tempo produtivo e nãoprodutivo. A partir disso, apresenta-se algumas mudanças ocorridas na sociedade
que alteraram substancialmente a relação do homem com o seu consumo. Por fim,
define-se a caracteriza-se o Movimento Slow, apontando-se suas principais
diretrizes e identificando a aplicação de alguns de seus princípios em peças
publicitárias. Inicia-se também uma reflexão acerca da sua percepção pelo nicho
aqui denominado de ‘acelerados’, pessoas de diferentes segmentos e com perfis
bastante diversos, porém que apresentam como elemento agregador uma rotina
acelerada.
Neste contexto, percebe-se que o Movimento Slow traz consigo uma série de
desafios, é um movimento ainda em construção que, cada vez mais, vem ganhando
forma.
O presente trabalho, então, parte em busca de um entendimento maior sobre
essa relação um tanto oximorônica entre o sujeito e o seu tempo, ente a pressa e a
aceleração e o equilíbrio e a desaceleração.
Estudos sobre o Movimento ainda são incipientes, sobretudo no Brasil, o que
se justifica por este ser um movimento tão recente e em fase de organização.
Para a área de estudos de comportamento de compra e do consumidor,
mostra-se necessário buscar-se um aprofundamento sobre tal tema, identificando
como o ritmo de vida pode influenciar no mercado de consumo.
Este é um estudo preliminar sobre o tema, ainda pouco conhecido, porém
bastante pertinente, encontrou-se alguma dificuldade no encontro de informações
precisas em instrumentos formais. Além disso, no país não se tem uma Città Slow5,
o que dificultou o contato com os realmente ‘desacelerados’.
Nestas cidades, certificadas pelo Movimento Slow, busca-se uma melhoria na qualidade e ritmo de
vida tanto dos seus habitantes quanto dos turistas. Para se tornar uma Città Slow, a localidade deve
preencher uma série de requisitos. Há, no Brasil, duas cidades que buscam essa certificação.
5
13
Porém, mesmo com estes obstáculos, a temática do presente trabalho
mostra-se pertinente neste momento em que muitos parecem desejar ter relógios
tão flexíveis como os apresentados por Salvador Dali.
14
2 A RELAÇÃO DO HOMEM COM O TEMPO
O tempo sempre foi objeto de estudo, de fascínio e de inquietação do homem.
Sua medição precisa, alvo constante de atenção. O seu domínio, desde sempre, um
objetivo.
Sua forma de concepção e abordagens varia e acompanha as mudanças
sociais e as mudanças do sujeito e da sociedade na qual este está inserido.
Porém, antes de prosseguir, mostra-se necessário, apresentar alguns
conceitos e concepções ao tempo relacionadas.
2.1 CONCEITO DE TEMPO
O Dicionário Houiss (2004, p. 2690) conceitua tempo como “duração relativa
das coisas que cria no ser humano a idéia de presente, passado e futuro; período
contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem”.
Já no Dicionário Aurélio (2004, p. 1930), o verbete é definido como “a
sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc. que envolve para o homem a noção de
presente, passado e futuro”.
Não há um consenso em torno da significação do termo ‘tempo’ e este foi
sendo modificado ao longo da história.
Para Platão, o conceito de tempo estava fortemente vinculado à eternidade.
Para este filósofo o tempo “não seria senão a cópia ou imagem imutável e
fenomênica da eternidade, imutável e simultânea, que acolhe e transcende a própria
dimensão temporal” (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA DO BRASIL PUBLICAÇÕES,
1998, p. 42)
Aristóteles já começava a perceber a relação do tempo com o espaço quando
o define como “a medida do movimento conforme o antes e o depois”.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL PUBLICAÇÕES, 1998, p. 42)
15
Essas concepções estariam fortemente embasadas no período presente.
Ferrater (2001, p. 2834) ressalta que os filósofos gregos “conceberam o tempo como
uma série linear dentro de cada ciclo, e tal série linear como um conjunto de
presentes”.
Para este autor, tempo poderia ser definido como:
nossa dimensão existencial fundamental de modo que fatos aparentemente
insignificantes modem mudar realmente o curso da evolução histórica. O
tempo é, pois, a dimensão criadora, surpreendente e cambiante de toda
realidade.(FERRATER, 2001, p. 2842).
ELIAS (1998, p.9) argumenta que existiam – e que talvez ainda existam –
duas concepções opostas sobre a natureza do tempo. A primeira seria a de que o
tempo constitui “um dado objetivo do mundo criado, e que não se distingue, por seu
modo de ser, dos demais objetos da natureza, exceto, justamente, por não ser
perceptível”. Esta concepção de caráter mais objetivista, tem em Isaac Newton um
de seus representantes. Para Newton, o tempo “flui uniformemente sem relação
alguma com o exterior” e “a existência do tempo é necessariamente sem começo,
sem fim, linear e contínua”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL
PUBLICAÇÕES, 1998, p. 42).
Já a segunda corrente, afirma que o tempo seria,
uma maneira de captar em conjunto os acontecimentos que se assentam
numa particularidade da consciência humana, ou, conforme o caso, da
razão ou do espírito humanos, e que, como tal, precede qualquer
experiência humana”. Essa corrente menos sistemática tem entre seus
representantes Descartes e Kant. Então, em oposição à primeira
concepção, o tempo seria “uma forma inata de experiência e, portanto, um
dado não modificável da natureza humana. (ELIAS, 1998, p. 9).
ELIAS (1998, p. 12) defende que o conceito de tempo não deve ser calcado
apenas nesta ou naquela concepção e que o tempo tornou-se a “representação
simbólica de uma vasta rede de relações que reúne diversas seqüências de caráter
individual, social ou puramente físico”.
16
Albert Einstein também contribui na busca pelo entendimento do tempo,
através da teoria da relatividade. “No lugar do fluxo contínuo e imutável, Einstein
introduziu o conceito de espaço-tempo, segundo o qual o espaço e o tempo são dois
sistemas de relação inseparáveis, embora à percepção humana se apresentem de
forma independente”. O físico argumenta que não existe um tempo absoluto, que
seja realmente independente do sujeito que o observa. (ENCYCLOPAEDIA
BRITANNICA DO BRASIL PUBLICAÇÕES, 1998, p. 42-43).
Cunha aborda a questão do tempo como produtivo – dedicado à manutenção
do produto social – e o tempo não-produtivo – que é percebido como residual ou
complementar ao anterior, subtraindo-se deste. (CUNHA, 1987, p. 14-15). Esta
concepção será vista a seguir, quando se abordar o tempo no mundo do trabalho.
Servan-Schreiber (1991, p. 15) apresenta o tempo como um medidor de
transformações e argumenta que, hoje, vive-se no ritmo de três tempos: o tempo da
natureza, o tempo da sociedade e o tempo vivido (SERVAN-SCHREIBER, 1991,
p.52).
O tempo da natureza seria “o tempo cósmico, aquele dos 15 milhões de anos
depois do big bang original”. (SERVAN-SCHREIBER, 1991, p.52).
Já o tempo da sociedade, seria uma convenção da sociedade humana,
formado por códigos de conduta e comportamentais. (SERVAN-SCHREIBER, 1991,
p. 53).
O tempo vivido é “feito de percepções, sentimentos e de nossa constituição
biológica pessoal”. (SERVAN-SCHREIBER, 1991, p. 53). o tempo “que se exprime
em qualidade, enquanto o tempo social é sobretudo quantitativo”. Então, expressões
como “rápido”, “lento”, “inesquecível” seriam aplicáveis a este tempo, em oposição
ao tempo da sociedade que seria classificado através de “bimestres”, “semanas” e
“minutos”, por exemplo.
Esta relação de fascínio e de conflito tem na busca pela medição e
compreensão do transcorrer do tempo um forte expoente.
2.2 MEDIÇÃO DO TEMPO
17
Para DONATO, “Conhecer, definir, medir, controlar o tempo, foi uma
obsessão humana, tão antiga como o próprio homem”. (2004, p. 61). Neste sentido,
Honoré afirma que um dos principais estímulos para que o homem aprendesse a
marcar e mensurar o tempo foi a sua própria sobrevivência. (HONORÉ, 2005, p. 33).
Nos primeiros tempos, as preocupações dos homens centravam-se em sanar
suas necessidades básicas e imediatas como alimentar-se quando tinham fome,
beber água para saciar a sede, dormir quando sentissem sono, etc. Para isso, foi-se
impondo algumas necessidades como conhecer o melhor momento para a pesca ou
para plantar seus alimentos.
Assim, o homem inicialmente voltou-se aos astros. O homem primitivo olhava
para o céu para estimar a passagem do tempo. “Durante o dia, o passar do tempo
era avaliado pela posição do Sol; à noite, pela posição da Lua e das estrelas”.
(DONATO, 2004, p. 34).
O dia foi a base para todas as demais medidas. Em algumas sociedades, ele
foi calculado como o tempo transcorrido de aurora a aurora, em outras o espaço de
tempo entre dois crepúsculos vespertinos. É mais recente a concepção atual de o
dia iniciar à meia-noite. (DONATO, 2004, p. 13).
Porém, logo se percebeu que apenas essa divisão do tempo não seria
suficiente.
O homem primitivo tinha predileção pelo número doze. A base de sua
numeração era duo decimal. Disso nos veio a estranha medida que é a
dúzia. Doze eram geralmente as famílias base de cada tribo, doze as setas
com que o caçador municiava o seu carcás. Doze foram as partes em que
dividiram o dia e também a noite. (DONATO, 2004, p. 19)
Assim, surgiu a medida denominada hora.
Mas essa nova divisão de tempo também rapidamente mostrou-se
insatisfatória, pois muitas coisas aconteciam entre uma hora e outra e precisava-se
medir esse tempo também.
Assim, o sistema de divisão do todo em doze partes foi novamente utilizado,
18
surgindo assim os minutos e os segundos. (DONATO, 2004, p. 18-19).
Já a semana, partiu da observação dos ciclos da lua. O homem iniciou a
empreitada de observar quantos dias a lua permanecia em uma fase, chegando
assim, ao resultado aproximado de sete dias. Este período, então, inicialmente, foi
denominado de septimana. (DONATO, 2004, p. 24). O mesmo deu-se na divisão do
mês. Percebeu-se que havia uma regularidade no período entre uma e outra lua
nova. “A rigor, esse tempo era igual a 29 dias, 12 horas, 44 minutos e 2 segundos”.
(DONATO, 2004, p. 33). Mais tarde, convencionou-se, então, que o mês teria trinta
dias.
Entretanto, quando o homem começa a fazer planejamentos e atividades
mais longas, como construir e realizar viagens mais demoradas a locais mais
distantes, mostrou-se necessário a denominação e o surgimento de mais uma
medida: o ano – que primeiramente era composto por doze ciclos lunares e que,
mais tarde, foi determinado pelos egípcios, teria 365 dias. No ano de 46 A.C., Júlio
César, imperador romano, a fim de precisar ainda mais a medição do tempo e
alinhar a marcação do ano pelos astros, chama o astrônomo Sosígenes juntamente
com outros peritos. Assim surge o calendário Juliano que, entre as inovações,
formatava o ano para iniciar no dia 1º de janeiro e ser composto por 365 dias e ¼.
Porém este calendário possuía, ainda, uma imperfeição: o ano, na verdade seria
formado por 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46,7 segundos. (DONATO, 2004, p.
120-121). No ano de 730, um monge provou que o uso do calendário Juliano
resultava em a cada 128 anos, um dia de diferença. Depois de mais algumas
tentativas e ajustes, no ano de 1577 o Papa Gregório XIII resolve intervir nesta
questão e, depois de inúmeros estudos, entra em vigor no ano de 1582 o calendário
gregoriano, adotado pouco a pouco pela maioria dos países do mundo.
2.2.1 A Invenção do Relógio
19
“A civilização que confunde os relógios com o tempo [...]
Eduardo Galeano.
Como apresenta DONATO (1955, p.70) no início, o tempo era “sentido,
precisava ser medido”.
Segundo o autor o mais antigo instrumento de medida do tempo seria,
um rústico engenho, [...] empregado pela primeira vez nas proximidades do
ano 1.100 A.C. Nada mais do que uma haste aceitavelmente reta, de pedra
ou de osso, plantada num pátio bastante largo para receber o sol durante o
dia todo, o ano inteiro. (DONATO, 1995, p. 70).
Mais tarde, os assírios aperfeiçoaram o instrumento e também criaram, por
volta do ano de 640 A.C., um relógio de água. Neste instrumento, regulado pela
duração de um dia, um recipiente deixava escoar a água nele contida, gota a gota.
Quando o recipiente ficava vazio, indicava que mais um dia chegava ao fim.
(DONATO, 1995, p. 70).
Por volta do ano de 700 A.C., na Babilônia, surge o relógio de sol. Seu
funcionamento era simples: num molde, dividido em doze partes iguais e com um
traço colorido marcado, havia uma conta presa bem ao centro. Na medida em que o
sol avançava mudando sua posição no céu, a conta projetava uma sombra no
molde, marcando assim a hora. (DONATO, 1995, p. 73).
A essa investida, sucederam-se outras, como os quadrantes solares, os
gnômons e a clepsidra, ou relógio de água. (DONATO, 1995, p. 73-76). Porém,
todos esses instrumentos apresentavam entre seus defeitos, um bastante
indesejável: não eram portáteis, em situações de viagem, por exemplo, era bastante
incômodo e nada prático pô-los a funcionar corretamente. Assim, depois de alguns
aperfeiçoamentos nas clepsidras, surge a ampulheta, ou relógio de areia. Além da
portabilidade e da utilização de um recurso mais prático e disponível – a areia – a
ampulheta oferecia outra vantagem: a possibilidade de marcar períodos de tempo
maiores que uma hora, dependendo do tamanho de suas redomas. Rapidamente
tornou-se o instrumento de medição e de passagem do tempo mais difundido na
antiguidade. (DONATO, 1995, p. 81-83).
20
Mais tarde, os árabes criaram um instrumento dotado de quadrante, rodas
dentárias e de ponteiros. Seu movimento já não dependia de água ou de areia, era
um peso que desenvolvia essa ação. Esse foi um instrumento importante e um
passo adiante na evolução do relógio tal qual é conhecido hoje. (DONATO, 1995, p.
85).
Foi-se tornando comum e difundindo-se o uso de imponentes relógios, com
forte caráter ornamental, em locais grandiosos como castelos e catedrais.
Em 1509 surge o primeiro relógio de bolso. Era um instrumento de ferro e
possuía um mecanismo para badalar. Mais tarde, seu mostrador é aperfeiçoado,
feito com relevo, para permitir, através do tato, a sua consulta noturna. (DONATO,
1995, p. 90).
Depois de diversos avanços provindos de diversas partes do mundo, por
estudiosos como Galileu Galilei, em 1695, o suíço Nicholas Fácio, introduz o
emprego de jóias nos relógios a fim de diminuir o atrito e mantê-lo funcionando
perfeitamente por mais tempo. (DONATO, 1995, p.95).
Em 1876 uma nova e impactante invenção: o relógio despertador, que viria a
ser um grande aliado para o conceito de pontualidade que estava sendo
amplamente disseminado na época (HONORÉ, 2005, p. 39).
Em 1907, o joalheiro francês Louis-Joseph Cartier, a pedido do aviador
Santos Dumont, que gostaria de checar com facilidade seu tempo de vôo durante
testes de velocidade, cria o relógio de pulso. (DUARTE, 1998, p. 218-219).
Chiquetto (2004, p. 44) aponta que a partir da década de 1940, surgem os
relógios atômicos, a base de césio, que contam com um grau de precisão único.
Porém, este ficou restrito a laboratórios de física e não impactaram o homem
comum. Já o relógio eletrônico, a base de quartzo, apresentou-se como uma
revolução no cotidiano do homem, possibilitando uma diminuição significativa no
tamanho do relógio e no consumo de corrente elétrica.
Chiquetto critica a utilização e o papel do relógio
contemporânea, para o autor,
na sociedade
21
hoje, nossa vida é totalmente comandada pelo relógio. Não comemos
quando temos fome, e sim quando o relógio nos ordena comer (e comemos
até mesmo sem fome, pois o relógio só vai ordenar novamente depois de
algumas horas). Dormimos somente quando o relógio nos manda dormir e
namoramos quando o relógio permite. (CHIQUETTO, 2004, p. 9)
Conforme Honoré, “ao tornar possível o estabelecimento de horários diários,
os relógios trouxeram a promessa de maior eficiência – e também de mais estrito
controle”. (HONORÉ, 2005, p. 33).
Pode-se interpretar essas afirmações também como uma crítica da
concepção e utilização do tempo pelo homem contemporâneo, questões essas que
são essenciais para o Movimento Slow Life que será tratado mais adiante.
2.3 A TRANSFORMAÇÃO DO TEMPO ATRAVÉS DO TRABALHO
Antigamente, as pessoas não possuíam mecanismos de controle do tempo
tão precisos como os modernos relógios. Elas “levantavam porque clareava (ou
porque o galo cantava), dormiam porque escurecia, e passavam o dia inteiro sem
saber a hora”.(CHIQUETTO, 2004, p. 9). Porém, como já foi exposto, elas
conheciam alguns fenômenos naturais relacionados com o transcorrer do tempo,
como as fases da lua.
Chiquetto observa que essa mudança nas formas de se encarar o tempo são
gradativas e que vêm ocorrendo a muitos séculos, devido às transformações no
modo de vida dos homens, ocorridas, sobretudo, a partir do século XVIII
(CHIQUETTO, 2004, p. 10). Até esse momento, a maioria das pessoas vivia no
campo e se ocupava da agricultura. Para elas importava saber, através da
observação da posição das constelações, quando era época de chuvas e quando
era o período de reprodução dos animais, através do conhecimento das fases da
lua. O tempo era, então, percebido e medido através dos ciclos da natureza. Esse
conhecimento se mostrava de grande valia na época em detrimento de se saber, por
exemplo, quantos minutos seriam necessários para se concluir determinada tarefa.
(CHIQUETTO, 2004, p. 10-11).
22
É a partir do século XVIII, com o fortalecimento e a propagação de fábricas e
escritórios, que estas questões passam a ocupar uma posição cada vez mais central
na economia e na vida do homem e essa situação começa, então, a mudar.
O advento da máquina a vapor muda bastante o cenário do mundo do
trabalho. Entre 1800 e 1850 o vapor se consolida como fonte principal de energia.
(KATINSKY, 1976, p. 89). Na Grã-Bretanha, por exemplo, em 1700, a produção
anual de carvão era de três milhões de toneladas. Com o advento da máquina a
valor, no ano de 1800, a produção dobrou e, em 1850 esta foi multiplicada por 20.
(KATINSKY, 1976, p. 92). A aplicação da máquina a vapor no processo produtivo
desencadeia diversas mudanças de ordem econômica e social que, segundo
Chiavenato, “foram maiores do que as mudanças ocorridas em todo o milênio
anterior”. (CHIAVENATO, 2000, p. 30). Trata-se da Revolução Industrial que é
composta por grandes transformações econômicas, sociais e tecnológicas, nos
séculos XVIII e XIX que geraram o sistema fabril e o modo de produção capitalista.
(CHIAVENATO, 2000, p. 44).
A partir dessas mudanças, o trabalhador passa a vender o seu tempo a um
empregador.
Numa fábrica, se a máquina é ligada às 8 horas da manhã, todos os
operários têm de estar prontos para trabalhar a essa hora. Um operário que
chega dez minutos atrasado pode prejudicar a produção e dar prejuízo ao
patrão. Além disso, não só nas fábricas, mas também no comércio e nos
escritórios, o que um empregado vende ao seu patrão é, basicamente, seu
tempo (num contrato de oito horas diárias, o trabalhador está vendendo
essas oito horas de seu dia ao patrão). (CHIQUETTO, 2004, p.10-11).
Trata-se, como define Morais, de compatibilizar a estrutura de vida do homem
ao tempo industrial, ao qual Foucault chama de “tempo disciplinar”. (MORAIS, 1998,
p. 43).
Morais aborda também a diferença entre tempo produtivo e o não-produtivo,
ao qual o autor também se refere como tempo residual. Para o autor, o tempo
produtivo seria aquele vinculado ao trabalho independente de sua natureza e o
tempo não-produtivo seria o tempo antagônico àquele. (MORAIS, 1998, p. 45-46).
Este tempo, ainda pode ser chamado de tempo livre que seria o tempo contrário ao
23
tempo de trabalho “mas sem desligar-se dele”. (MORAIS, 1998, p. 46). Cunha
entende ainda que o tempo não-produtivo tem também uma função produtiva na
sociedade, visto que neste tempo o homem consome. Como o consumo é essencial
para o processo produtivo e para o circuito econômico, o tempo dito não-produtivo
seria parte essencial do processo produtivo. (CUNHA, 1987, p. 13).
Então, com o advento do sistema fabril e industrial, a relação do homem com
seu tempo mudou completamente. “Ocorre, assim, a interação de dois fatos. Por um
lado, a incorporação da máquina, introduzindo uma nova disciplina e, por outro, a
estrutura
fabril
com
sua
organização
do
trabalho
que
representou
o
desmantelamento do controle sobre o processo produtivo até então desempenhado
pelo próprio homem, pelo próprio concretizador da tarefa, pelo trabalhador”.
(MORAIS, 1998, p. 30).
A produção, prioritariamente manual, é substituída pela produção em massa e
em série.
O taylorismo se apresenta como uma grande ruptura nesse cenário. Em 1903,
Taylor realiza o Estudo de Tempo e Movimentos, onde ele efetuou um trabalho de
análise das tarefas de cada empregado de uma fábrica. Taylor decompôs cada uma
dessas atividades e procurou aperfeiçoar e racionalizar a maneira correta de realizálas, de forma mais rápida e com economia de tempo e de movimentos.
(CHIAVENATO, 2000, p. 52-53). Taylor introduz na estrutura do processo produtivo
a separação entre o trabalho físico e o mental. Junior argumenta que
O efeito direto da aplicação desses princípios foi a configuração de uma
nova força de trabalho marcada pela perda das habilidades genéricas
manuais e um aumento brutal da produtividade. Por outro lado, passaram a
surgir problemas crônicos como absenteísmo e elevado turnover. (JUNIOR,
1992, p. 8).
Wood Jr. classifica este método de trabalho introduzido por Taylor, como
“modelo mecanicista”. (WOOD JR., 1992, p. 9). Este se caracteriza por buscar a
adaptação das pessoas e de suas funções a um projeto de trabalho já definido.
Chiavenato também apresenta uma visão crítica das propostas de Taylor:
24
O homem deveria produzir como uma máquina ou robô, uma vez que Taylor
procurava, sem conhecer devidamente o organismo humano, conseguir o
rendimento máximo, quando deveria conseguir o rendimento ótimo.
Verificou-se que a velocidade não é o melhor critério para medir a facilidade
com que o operário realiza a operação. O método é mais uma intensificação
do trabalho do que racionalização do processo de trabalho, procurando
sempre o rendimento máximo e não o rendimento ótimo, (CHIAVENATO,
2000, p. 71)
No fim do século XIX, Henry Ford apresenta seus novos conceitos de
produção, como a introdução da linha de montagem móvel. Com isto, além do custo
de produção ser reduzido, o tempo necessário para a produção, por exemplo, de um
automóvel, cai consideravelmente, “o tempo de trabalho necessário à montagem de
um chassi do modelo “T” da Ford passou de doze horas e 28 minutos, em 1910,
para uma hora e 33 minutos, em 1914”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 27).
Neste novo método, o trabalhador recebia apenas uma tarefa, sendo
especialista apenas nesta em detrimento de um entendimento do processo como um
todo. Como salienta Junior, “ele nem mesmo entendia o que o seu vizinho fazia”.
(WOOD JR., 1992, p. 10). De Masi acrescenta que com o fordismo, a divisão do
trabalho acaba levando a uma perda da qualidade deste, enquanto a produtividade
cresce claramente. (DE MASI, 1999, p. 134).
Nos prenúncios da Segunda Guerra Mundial, uma revolução começa a surgir
no campo da administração. A Teoria das Relações Humanas faz parte dela. A
ênfase passa das tarefas para o fator humano, começa-se a falar mais seriamente
sobre liderança, comunicação, motivação, entre outras novidades. (CHIAVENATO,
2000, p. 125-126).
É na década de 1940 que Abraham Maslow dá início a seus estudos que
também englobam a motivação do homem, como a hierarquia das necessidades
humanas. Nessa teoria Maslow apresenta as necessidades humanas divididas em
cinco níveis: as necessidades fisiológicas, necessidades de segurança, de
associação, de estima e de auto-realização. (MACHADO; MELO, 2008, p. 6-7)
Ainda no âmbito do mercado automotivo, surge o toyotismo, também
conhecido como conceito de produção flexível (WOOD JR., 1992, p. 12). Mais uma
vez, houve uma redução de tempo no processo de fabricação dos componentes,
porém, desta vez, o abatimento de tempo deu-se na alteração dos equipamentos de
25
moldagem. “Isso levou a uma inesperada descoberta: tornou-se mais barato fabricar
pequenos lotes de peças estampadas, diferentes entre si, que enormes lotes
homogêneos”. (WOOD JR., 1992, p. 13). Uma das vantagens desse novo método
seria que as possíveis falhas eram mais facilmente detectadas e corrigidas. Mas,
para isso acontecer, era necessário, então, a participação ativa do funcionário e,
percebeu-se, que se o trabalhador se mostrasse motivado, além de treinado
adequadamente, essa tarefa poderia ser realizada com mais sucesso. (WOOD JR.,
1992, p. 13). Entre as ações tomadas pela empresa japonesa para promover e
tornar sustentável este método de trabalho, estão o “emprego vitalício, promoções
por critérios de antigüidade e participação nos lucros”. (WOOD JR., 1992, p. 13). Já
no ambiente produtivo, passou-se a transferir algumas responsabilidades para os
funcionários, seus horizontes de conhecimento se ampliaram a muito mais que
simplesmente apertar um parafuso sem saber qual a finalidade desse ato. A força
produtiva realizava inspeções de qualidade e qualquer trabalhador que detectasse
uma falha ou defeito poderia parar a linha de produção. Assim, o problema não seria
percebido apenas no final da linha. Com isso, diminuiu-se sensivelmente o
retrabalho e a taxa de defeitos e se aumentou a qualidade do produto final. (WOOD
JR., 1992, p. 13).
Outra corrente dentro dos métodos produtivos no setor automotivo é o
volvismo. Dentre as diretrizes básicas para a abertura de seu fábrica em Uddevalla,
na Suécia, em 1989, constava que o ritmo de produção não seria determinado pelas
máquinas e a linha de montagem seria estacionária. (WOOD JR., 1992, p. 17 e
BONDARIK; PILATTI, 2007, p. 1). Os recursos humanos são questões estratégicas
para o andamento da empresa e de sua produção, por isso, a humanização das
relações de trabalho se mostrou vital no planejamento da companhia que investiu
também em infra-estrutura de apoio para os seus funcionários tais como ambientes
iluminados com luz natural, cozinhas, salas espaçosas, o que se mostrou bastante
inovador em seu surgimento. Esta fábrica acabou fechando em 1992 pois, “apesar
da elevada qualidade de sua produção e da importância que representou em termos
de paradigmas organizacionais para a indústria contemporânea, era a produtividade
a principal deficiência de Uddevalla”. (BONDARIK; PILATTI, 2007, p. 7). A fábrica foi
reaberta em 1996, porém com um outro perfil. (BONDARIK; PILATTI, 2007, p. 6).
Porém, esta é uma prática recente. Embora se passe, muitas vezes, a maior
26
parte do dia no trabalho, adaptando-se todas as outras esferas da vida, como a
família, a ele, não se percebia ou não se investia no bem-estar do trabalhador.
Se num primeiro momento, “as máquinas prometiam liberar a todos da
escravidão do trabalho”, (HONORÉ, 2005, p. 213), isto é, se pensou que se
reservaria menos tempo ao trabalho e mais ao tempo livre, a realidade mostrou-se
outra. Com a Revolução Industrial, no século XVIII, trabalhava-se até 15 horas por
dia. Nas fábricas, recentemente inauguradas, os sindicatos já promoviam
campanhas pela redução da jornada de trabalho. Um dos slogans utilizados era:
“Oito horas de trabalho, oito horas de sono, oito horas do que quisermos”.
(HONORÉ, 2005, p. 59). Alguns sindicalistas quebravam os relógios instalados nas
entradas das fábricas, explicitando a relação entre o controle do tempo e o poder.
(HONORÉ, 2005, p. 59). O que corrobora a afirmação de Kumar de que “o relógio e
os horários das estradas de ferro constituíam os símbolos da era industrial”.
(KUMAR, 1997, p. 23).
No final do século XIX, George Bernard Shaw calculou que, até o ano 2000, o
homem deveria dedicar apenas duas horas diárias ao trabalho (HONORÉ, 2005, p.
214). Richard Nixon, em 1956, declarou ao povo americano que, num futuro não tão
distante, a semana de trabalho seria de quatro dias. (HONORÉ, 2005, p. 214).
Segundo dados do site Universia6, no Canadá a jornada de trabalho semanal
é de 31 horas, na Alemanha e Estados Unidos é de 40 horas e no Brasil é de 44
horas. Hoje, segundo De Masi, a jornada de trabalho é semelhante à utilizada no fim
do século XIX, por Taylor, quando as máquinas ainda eram movidas a vapor. (DE
MASI, 1999, p. 39). E
não levar em conta essas mudanças estruturais, preservar os mesmos
modelos de organização de cem anos atrás, insistindo nos mesmos horários
exorbitantes computados por semana e não por ano, significa impedir que
as vantagens do progresso tecnológico cheguem aos produtores além dos
consumidores, melhorando a vida dos indivíduos, das empresas, das
famílias e das cidades. (DE MASI, 1999, p. 39-40).
Porém, De Masi, também afirma que parte da responsabilidade por este
Informações retiradas da página: <http://www.universia.com.br/materia/imprimir.jsp?id=15689>,
Redução da carga de trabalho pode melhorar rendimento?, com acesso em 06 de maio de 2008.
6
27
aumento da permanência do homem no local de trabalho, pertence aos
trabalhadores, estes, por vezes, simulariam “sobrecarga de trabalho, iludidos de
serem indispensáveis à empresa, convencidos de que o tempo nunca é suficiente
para eles, treinados para esticar ao longo de dez horas tarefas que poderiam realizar
em cinco, a tal ponto alienados que levam trabalho para fazer em casa, nos fins de
semana [...]”.(DE MASI, 1999, p. 35). Este comportamento seria estimulado pelo
próprio mercado de trabalho, “estresse funcional existe, mas não depende tanto do
trabalho ou responsabilidade excessivos quanto da frustração por ter pouco a fazer
e ter que demonstrar estar atarefadíssimo [...]”.(DE MASI, 1999, p. 36).
Já Copetti (2007, p. 01) assinala que, segundo pesquisa promovida pelo
Internacional Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), em cada dez
brasileiros, três sofrem chamado burnout. Entre os sintomas desse transtorno estão
o “choro fácil, falta de esperança, insônia e depressão [...]”, além de forte
irritabilidade, falta de concentração e dificuldades no relacionamento interpessoal.
Dentre os portadores do burnout, 94% se sentem incapacitados e 47% apresentam
depressão. (2007, p. 01) Entre os causadores, são apontadas a “carga horária
elevada, muita responsabilidade e pouco poder de decisão, competição alucinada no
local de trabalho e uma dose de insegurança.” (2007, p. 03)
Honoré (2002, p. 15-16) afirma que “o excesso de horas no trabalho acaba
nos tornando improdutivos, sujeitos a erros, infelizes e doentes. Os consultórios
médicos estão cheios de pessoas acometidas de problemas causados pelo
estresse”. E, mais adiante, “para se ter uma idéia desalentadora do tipo de situação
a que podem levar tais comportamentos, basta considerar o caso do Japão, onde
existe uma palavra – karoshi – para designar “morte por excesso de trabalho”.
(HONORÉ, 2005, p. 15-16). No Brasil, é utilizada a palavra birôla, sobretudo na
esfera do trabalho rural, para designar mortes ocorridas por efeito de excesso de
trabalho7.
Servan-Schreiber alega que “o primeiro stress nasceu com o primeiro
encontro externo, marcado no mundo do trabalho. Quando as fábricas e minas
transformam o filho do agricultor em operário, ele é obrigado a sair de casa todos os
dias, na hora certa, para se apresentar ao patrão, senão perde o emprego”.
7
Conforme informações da Revista Nera – Ano 9, nº 8 – Janeiro/Junho de 2006, p. 83.
28
(SERVAN-SCHREIBER, 1991, p. 20). Mais uma vez, a questão do tempo mostra-se
central no entendimento das modificações ocorridas na sociedade e no homem em
particular. A partir disso, percebe-se a relevância de ações e movimentos pontuais
como o Slow Life que será abordado no capítulo três do presente trabalho.
2.3.1 O Trabalho e o “Direito à Preguiça”
Conforme será tratado posteriormente, por muito tempo o tempo livre ou nãoprodutivo foi mal quisto em detrimento da valorização do trabalho e do tempoprodutivo. Da mesma forma, a preguiça que seria a “arte de não fazer rigorosamente
nada. Isso quer dizer nada de oficialmente produtivo [...]” (SGARIORI, 2006), muitas
vezes é vista como algo pejorativo, ser ‘preguiçoso’ é defeito. Essa visão foi sendo
construída ao longo de muitos anos e passada de geração a geração, no ocidente,
sobretudo, a partir da Era Cristã onde a preguiça é considerada um dos sete
pecados capitais. (SGARIORI, 2006).
Porém, há uma visão mais holística que concebe que dentro da esfera do
trabalho também há o espaço da preguiça, eles coexistem. Para Lafargue (2000) a
preguiça é, inclusive, um direito de todo o trabalhador. O autor publicou em 1880 no
jornal L’Égalité, uma série de artigos que, posteriormente, foram compiladas em
livro. (CHAUÍ; LAFARGUE, 2000, p. 16). O cenário do autor no momento de
concepção dos textos era a “baixa dos salários, o aumento do custo de vida, a
jornada de doze horas, a dispensa de grandes contingentes de trabalhadores, o
deslocamento ou fechamento de fábricas, [...]”.(CHAUÍ; LAFARGUE, 2000, p. 23).
Muitos desses fatores permanecem presentes com suas devidas atualizações na
sociedade atual. Para Lafargue, o trabalho só poderia ser “um condimento do prazer
da preguiça, um exercício benéfico para o organismo humano, uma paixão útil ao
organismo social” quando regulamentado e sem tempo limitado. (LAFARGUE, 2000,
p. 84)
O autor critica a “religião do trabalho” e faz um elogio à preguiça como
“condição para o desenvolvimento físico, psíquico e político do proletariado”.
(CHAUÍ; LAFARGUE, 2000, p. 33), o que vai ao encontro da afirmação de Sgarioni
29
de que
cada vez mais gente chega à conclusão de que uma agenda lotada de
tarefas a cumprir num mínimo espaço de tempo não é mais motivo de
status, e sim uma fonte de frustrações pessoais, além de porta escancarada
para uma série de males, que vão da estafa aos ataques cardíacos.
(SGARIORI, 2006)
Assim, a adesão e simpatia por momentos de preguiça estariam aumentando.
Segundo a autora, há estudos que apontam ser essencial uma dose de preguiça
para a saúde e para se viver melhor. Um desses estudos, conduzidos por
pesquisadores alemães conclui que sonecas durante o dia ajudam a prolongar a
vida, que o hábito de bocejar e espreguiçar bastante auxilia na ativação da
circulação do organismo. Outro estudo de cientistas americanos garante que quem
repousa mais durante as férias tem menor chance de desenvolver problemas
cardíacos. (SGARIORI, 2006).
Por estes motivos, Chauí afirma que os trabalhadores de hoje ainda precisam
lutar pelo direito à preguiça (CHAUÍ; LAFARGUE, 2000, p. 49) e, analisando as
teorias de Lafargue, aponta como virtudes da preguiça,
o prazer da vida boa (a boa mesa, a boa casa, as boas roupas, festas,
danças, música, sexo, ocupação com as crianças, lazer e descanso) e o
tempo para pensar e fruir da cultura, das ciências e das artes (CHAUÍ;
LAFARGUE, 2000, p. 23).
Virtudes estas que encontram lugar também nos objetivos e diretrizes do
Movimento Slow.
2.4 ACELERAÇÃO DO TEMPO
“A vida não se limita a ir cada vez mais rápido”.
Mahatma Gandhi
30
Honoré aponta a Revolução Industrial como o momento de guinada da
aceleração da sociedade. “Antes da era da máquina, ninguém era capaz de moverse mais rapidamente que o galope de um cavalo ou um veleiro à plena força do
vento [...] uma fábrica era capaz de produzir mais bens num dia do que um artesão
durante a vida inteira”. (HONORÉ, 2005, p. 35). A partir de então começam a surgir
diversas invenções dispostas a facilitar o cotidiano e a dar velocidade às viagens, ao
trabalho e às comunicações. Exemplo disso é o surgimento da primeira linha de
metrô em Londres, em 1863 e da primeira escada rolante, em 1900. (HONORÉ,
2005, p. 37).
Já em 1982, foi criada pelo médico Larry Dossey a expressão “doença do
tempo” para designar a suposição feita pelo homem de que o tempo foge ou voa
(HONORÉ, 2005, p. 13). Hoje, percebe-se que essa doença denominada pelo
médico, possui caráter endêmico e faz parte do cotidiano de boa parte da sociedade
atual. Honoré aponta que “o mundo inteiro está com a doença do tempo. Estamos
todos mergulhados no mesmo culto da velocidade”. (HONORÉ, 2005, p. 13).
Uma das desvantagens dessa aceleração seria a superficialidade das
ligações afetivas. Estabelecer relações demanda aquilo que os apressados acabam
não dispondo: de tempo. Conforme pesquisa divulgada, metade dos adultos
britânicos assume que acabou perdendo contato com amigos devido à sua agenda
corrida. (HONORÉ, 2005, p. 20). Outro dado a ser relevado é que os pais britânicos
utilizam, em média, duas vezes mais tempo envolvidos com seus e-mails do que
brincando com seus filhos. (HONORÉ, 2005, p. 20).
Outro ponto negativo relacionado à aceleração seria a perda da expectativa
em se conquistar algo, não se frui, não se acalenta um desejo de longo prazo, tudo é
almejado para ontem, se desenvolve uma cultura presenteísta e imediatista. Numa
realidade menos acelerada, a própria trajetória para se alcançar um objetivo deveria
ser motivo de entusiasmo e não apenas a conquista veloz deste.
Chesneaux (1996, p. 33-34) argumenta que, hoje, o homem é consumido pela
obsessão de, em qualquer atividade, “ganhar tempo”, rentabilizando tudo em custos
de tempo. Para Servan-Schreiber utiliza-se tais expressões de maneira equivocada,
visto que:
31
o vocabulário corrente nos dá pistas falsas. Ganhar ou perder tempo, [...]
não tem sentido algum. Temos todo o tempo disponível. [...] . O único que
temos em nosso poder é a capacidade de mudar nossa atitude em relação
ao tempo, fazer bom ou mau uso dele. (SERVAN-SCHREIBER, 1991, p.
17).
É a partir dessa qualificação do tempo, que surgem movimentos antagônicos
ao culto da velocidade, como o Slow Life.
Guy Claxton, psicólogo britânico, aponta que a aceleração seria hoje uma
segunda natureza para o ser humano: “Desenvolvemos uma psicologia íntima da
velocidade, da economia de tempo e da maximização da eficiência, que se torna
mais forte a cada dia que passa”. (HONORÉ, 2005, p. 14).
Hoje, a vida do homem está organizada em torno da velocidade. Com isso, a
natureza de seus valores, de sua forma de se orientar e relacionar em sociedade,
também muda. Entre as características dessa configuração de valores está o
presenteísmo, (DA SILVA, 2004; GAUER, p. 288) os horizontes do tempo atual
estão intrinsecamente relacionados de forma enfática ao presente, ao momento
imediato, o que leva o homem a querer sempre mais rapidez em saciar suas
necessidades imediatas, em detrimento, por vezes, da qualidade neste processo.
Por exemplo, quando se realiza uma refeição em um estabelecimento do tipo fast
food ou o chamado ‘Deskfast’ – um lanche rápido no caminho para o trabalho ou na
própria mesa, em frente ao computador (TAGGART, 2004). A necessidade imediata
é alimentar-se, dando fim à fome sentida no momento. Não se pensa, por vezes, nas
vantagens de não se ingerir um alimento processado e, sim, uma refeição
constituída de alimentos frescos, mesmo que esta seja mais morosa em seu
processo de preparo.
Conforme Bauman se vive hoje a “síndrome da impaciência”, quando o tempo
é visto como um enfado e sua passagem “deve ser registrada na coluna do débito
dos projetos de vida humanos. Ele traz perdas, não ganhos. Acarreta a perda de
oportunidades que deveriam ter sido aproveitadas e consumidas quando se
apresentaram”. (BAUMAN, 2005, p. 134-135). A este respeito, Lopes Jr. caracteriza
a sociedade atual como regida pela “lógica do tempo curto”. (LOPES JR, AURY,
2004, apud GAUER, p. 139).
32
Oliveira afirma que a aceleração consiste em “uma operação temporal: a
intensificação de ritmos culturais, individuais e mesmo orgânicos, encarnada na
crescente interpolação de interfaces sucessivas de integração (geratrizes de novas
relações e conexões) entre a interioridade e a exterioridade dos agentes sociais –
indivíduos, comunidades, massas. Ultrapassando os limites que antes demarcavam
o natural e o artificial, o objetivo e o subjetivo, a generalização da mediação técnica”.
(OLIVEIRA, 2007, apud GOMES, p.40).
Sobre esta questão, Honoré afirma que “à medida que vamos sempre
acelerando, nossa relação com o tempo torna-se cada vez mais sobrecarregada e
disfuncional”. (HONORÉ, 2005, p.47-48).
O teórico francês Paul Virílio criou o termo dromologia (dromos, do grego
velocidade, corrida, marcha) em seus estudos sobre o tempo e sobre a velocidade.
Para Virilio, “a velocidade é a alavanca do mundo moderno”. (LOPES JR, AURY,
2004, apud GAUER, p.163).
No século XIX, alguns grupos já mostravam resistência à pressão da
aceleração.
Os sindicatos pressionavam por mais tempo para o lazer. Citadinos
estressados buscavam refúgio e recuperação das forças no campo. Pintores
e poetas, escritores e artesãos tentavam encontrar maneiras de preservar a
estética da lentidão na era da máquina. (HONORÉ, 2005, p. 26).
Desde então, mais pessoas demonstram interesse por uma desaceleração e
qualificação de seu tempo. É sobre esta premissa que o Slow Life pretende agir,
como será exposto a seguir.
3 A SOCIEDADE DE CONSUMO NOS TEMPOS CONTEMPORÂNEOS
O tempo e o grupo aos quais os sujeitos contemporâneos pertencem são
descritos ou rotulados de diversas maneiras. Expressões como ‘sociedade da
informação’, ‘sociedade do conhecimento’, ‘sociedade do espetáculo’ e ‘sociedade
33
de consumo’ são recorrentes.
Porém, a classificação ‘sociedade de consumo’, muitas vezes, é utilizada de
forma confusa. Conforme aponta Barbosa, a priori, o consumo seria uma atividade
característica de qualquer sociedade humana, visto que o ser humano até poderia
viver sem produzir, mas não passa a sua vida sem consumir (BARBOSA;
CAMPBELL, 2006, p. 7).
Entre os motivos para a sociedade atual ser distinguida, então, como uma
sociedade de consumo estaria o fato de se estar reconhecendo que o consumo
exerce um papel central na dinâmica da reprodução social, reproduzindo e
mediando “estruturas de significados e o fluxo da vida social através dos quais
identidades, relações e instituições sociais são formadas, mantidas e mudadas ao
longo do tempo”. (BARBOSA, 2004, p.13). Além disso, se estaria legitimando que
nos tempos atuais o consumo exerce uma função muito maior e mais profunda do
que apenas a satisfação de necessidades materiais e de reprodução social.
Reconhece-se que através do consumo, é possível discutir questões muito mais
abrangentes da realidade da sociedade contemporânea. (BARBOSA, 2004, p.14).
E é a partir dessas premissas e sob este prisma que se torna possível estudar
objetos como o Movimento Slow.
Porém, antes de se introduzir mais informações sobre este Movimento, se
mostra
necessário
abordar
alguns
aspectos
da
sociedade
de
consumo
contemporânea.
3.1 A ATIVIDADE DE CONSUMO
A atividade de consumo acompanha o homem desde os primeiros tempos,
como foi exposto anteriormente, o ato de consumir se faz presente em qualquer
sociedade humana.
Porém, o consumo desde muito cedo suscita visões bastante antagônicas e
reações ambíguas. A própria etimologia ressalta esta questão.
34
Consumo deriva do latim consumere, que significa usar tudo, esgotar e
destruir, e do termo inglês consummation, que significa somar e adicionar.
No Brasil, o significado do termo consumo ficou mais próximo da primeira
dimensão, que tem sentido negativo, enquanto consumação, com sentido
positivo de realização e clímax, ficou mais restrita ao ato sexual.
(BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 21).
Sócrates e Platão já discutiam os males que poderiam advir do consumo de
bens considerados supérfluos, este consumo acima da saciedade das necessidades
era visto como perturbador do caráter do homem. Os romanos tinham uma
compreensão semelhante, o consumo excessivo interferiria no caráter, além de
afetar a virilidade masculina, transformaria estes homens em covardes. (BARBOSA;
CAMPBELL, 2006, p. 34).
Concepções dessa natureza perduraram ainda pela Idade Média até
atualmente, com algumas variações. O cristianismo colaborou, sobretudo com Santo
Agostinho para a visão de consumo como pecado. Nos séculos XVII e XVIII o
consumo foi amplamente debatido e foi temporariamente alçado a uma
desmoralização, assim como o luxo. O crescimento do consumo era tratado como
um mal necessário e este aumento seria pura e somente gerado em função do
aumento populacional. (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 34). Neste período,
a democratização do conforto, do “supérfluo”, da possibilidade de novos
desejos e de novas formas de geração de renda para a satisfação desses
desejos não era vista como uma alternativa legítima de vida social.
(BARBOSA; CAMPBELL 2006, p. 34).
Ainda no século XVII, o consumo começou a ser associado a temas como
“materialismo, exclusão, individualismo, hedonismo, lassidão moral, falta de
autenticidade, desagregação dos laços sociais e decadência”. (BARBOSA, 2004, p.
12).
E, no final do mesmo século, começa-se a estabelecer uma relação positiva
entre o aumento do consumo e o crescimento econômico. Diversos pensadores da
época começam a desencadear uma nova visão do consumo e Adam Smith percebe
e afirma que o destino único da produção seria o consumo, porém, ainda, persistem
os dilemas morais e receios acerca do crescimento do consumo. Smith se mostra
35
um defensor radical contra a interferência do Estado, através das leis suntuárias,
que iriam contra o direito do cidadão de conduzir sua vida econômica da forma que
gostaria. (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 35).
No século XIX, na França, já se percebe o estabelecimento de uma sociedade
de consumo nos moldes que se conhece hoje, porém a atividade de consumo ainda
era vista e sentida sob o prisma da culpa: se tinha o desejo de consumir, porém este
gerava culpa (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 35).
Durante o século XX muitos pensadores ainda persistiram em abordagens
semelhantes a estas. Durkheim percebia o consumo como uma anomia social, pois
era percebido como uma atividade individualista. Em contrapartida, alguns autores
como Charles Gide e Walter Benjamin percebiam no consumo novas possibilidades
criativas, ao mesmo tempo em que receavam que este caráter individualista
pudesse desencadear efeitos negativos, percebiam o consumo como tendo um
grande potencial desagregador por este motivo. (BARBOSA; CAMPBELL, p. 35).
Barbosa e Campbell argumentam que esta visão do consumo tão intimamente
relacionado a uma crítica moral é um tanto “ingênua e idealizada, que encara a
sociedade como fruto apenas de relações sociais, como se estas pudessem existir
em separado das relações materiais”. (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 36). Os
autores defendem a idéia de que quem nutre tal visão ignora o fato de que as
relações do indivíduo com o mundo sempre foram mediadas por objetos, se
imaginaria que, em algum momento da história humana isso não tenha ocorrido e
idealiza-se este recorte de tempo como pertencente a um mundo moralmente
melhor.
A questão do consumo desencadeia uma série de critérios que costumam
passar despercebidos no cotidiano do ser humano. Critérios estes que embasam
decisões como o que, quando e porque se consome determinado produto. A
questão sobre o que seria enquadrado como um produto a preencher uma
necessidade básica ou supérflua seria um destes critérios. Como necessidade
básica se poderia definir aquelas que são moralmente justificadas, que o consumo
não resulta em um sentimento de culpa. Já a supérflua é relacionada à consumação
de um desejo, a um excesso, requerendo assim uma justificativa para redução do
sentimento de culpa gerado. Como apresentado, o consumo sempre esteve
36
estigmatizado a interpretações que geram esse sentimento de culpa, de se poder
estar fazendo uma ação moralmente condenável. Até os dias atuais, ainda se
percebe esse zelo no sentido de se explicar a aquisição de determinados produtos,
de se extinguir um sentimento de culpa que foi gerado por se consumir tal produto,
mesmo se estando em uma sociedade em que as noções de liberdade e livre
escolha mostram-se tão presentes, “é necessário que a aquisição de um bem
supérfluo seja convertida em algo moral e socialmente aceitável” (BARBOSA;
CAMPBELL, 2006, p. 37). Ao mesmo tempo, alguns estudiosos do tema também
fazem uma nova interpretação do que seriam realmente as ‘necessidades básicas’,
que não se resumiriam a apenas sanar necessidades de reprodução física da
existência, mas também atenderiam necessidades mínimas para que o indivíduo
seja um membro ativo da sociedade em que ele vive. (BARBOSA; CAMPBELL,
2006, p. 38).
Outra associação negativa que muitas vezes se faz ao consumo é apontá-lo
como causador de problemas como
perda do sentido existencial e da autenticidade das relações sociais à
insaciabilidade dos indivíduos, à destruição de estilos de vida tradicionais e
autênticos, passando pelo materialismo e pela degeneração da sociedade
contemporânea [...], um cardápio de temas variados e de difícil escolha que
enfatiza os males do “excesso” física e moralmente. (BARBOSA;
CAMPBELL, 2006, p. 40)
Barbosa e Campbell ressaltam que a análise do consumo feita sob a ótica do
moralismo deriva numa crítica social e não numa análise sociológica concreta sobre
a fenomenologia do consumo na sociedade. (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 41).
Campbell se mostra contrário à idéia de que o consumo intensifica uma crise
de identidade do sujeito contemporâneo; para o autor, o consumo, na verdade, seria
“a principal atividade pela qual os indivíduos geralmente resolvem esse dilema”.
(BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 51).
como indivíduos, somos concebidos como seres que estão em permanente
processo de ‘transformação’, de modo que cada nova “identidade” emerge
como uma borboleta – de um nível mais profundo e, portanto, mais
37
autêntico do self – da crisálida descartada pela antecessora. (BARBOSA;
CAMPBELL, 2006, p. 58).
Bauman já apresenta uma visão diferente deste processo. O autor afirma que
a subjetividade dos indivíduos é transitória, fluída, (BARBOSA, 2004, p.22-23)
constituída a partir de suas opções de compra, sendo o próprio sujeito uma
mercadoria e “o que se supõe ser a materialização da verdade interior do self é uma
idealização dos traços materiais – “objetificados” – das escolhas do consumidor”.
(BAUMAN, 2008, p. 24).
Campbell não defende que o indivíduo ‘seja aquilo que ele consome’ que este
encontre a sua identidade em determinado produto , mas que o que se escolhe e se
consome revela algo sobre o sujeito, suas reações a determinado produto ou marca
ajudaria a revelar-lhe mais sobre a sua identidade. (CAMPBELL, 2006, p. 53).
Berson (2000) apresenta também uma visão menos ‘apocalíptica’ sobre a
questão, afirmando que “fazer compras conscientemente, fazer compras como um
processo de busca, não tem a ver com a compra, tem a ver com o ser” (in
BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 57).
3.1.1 Consumo Versus Consumismo
A atividade básica de consumo muitas vezes é tomada como sinônimo de
consumismo. Tal dificuldade conceitual pode acarretar em uma visão pessimista e
moralista sobre a atividade de consumo. A idéia de consumismo data de 1899,
quando Thorstein Veblen aponta exageros de consumo tratados como ostensivos.
(MOWEN; MINOR, 2003 p.3). Bauman, citando Campbell (2004), aponta que se tem
este momento de ruptura e de transposição do consumo para o consumismo quando
este passa a exercer um papel central na vida do indivíduo, tornando-se seu
propósito de existência. (BAUMAN, 2008, p.38). Neste contexto, o consumismo seria
a “principal força propulsora e operativa da sociedade” (BAUMAN, 2008, p.41). O
autor ainda esclarece que o consumo é, basicamente, uma atividade atribuída ao
indivíduo e que o consumismo é uma característica da sociedade que tem entre os
seus atributos o desperdício e o excesso. (BAUMAN, 2008, p.41-53). O
38
consumismo, então, não estaria vinculado à satisfação de determinada necessidade
mas, sim, do desejo, “um motivo autogerado e autopropelido que não precisa de
outra justificação ou ‘causa’ [...], o desejo tem a si mesmo como objeto constante, e
por esta razão está fadado a permanecer insaciável [...]”.(BAUMAN, 2001, p.88).
Neste sentido, Campbell afirma que o consumismo atual relaciona-se fortemente
com os sentimentos e com as emoções do que com o racionalismo. (CAMPBELL,
2006, p. 49). Gomes complementa esta idéia, apontando que o consumismo está
mais intrinsecamente ligado não à idéia do exagero mas, sim, a uma busca que
nunca resulta em algo satisfatório ou em desejos nunca plenamente satisfeitos.
(GOMES, apud BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 67). Essa impossibilidade de
satisfação e saciedade pode acarretar em crescimento do sentimento de decepção e
de insegurança. (LIPOVETSKY, 2007, p.17).
3.2 SURGIMENTO E ESTABELECIMENTO DA SOCIEDADE DE CONSUMO
A expressão “sociedade de consumo” é registrada somente na década de
1920 e começa a popularizar-se entre os anos 1950 e 1960. (LIPOVETSKY, 2007, p.
23). Porém, não se tem um consenso sobre o início dessa sociedade. Segundo
Barbosa, o princípio seria entre o século XVI e XVIII. No século XVI, aparecem no
cotidiano dos diversos segmentos sociais novos produtos, em função da expansão
ocidental sobre o oriente. Outra mudança apontada é a passagem da sociedade de
corte, onde o consumo era familiar, para um consumo individual, expressão da
prática do direito de escolha. (BARBOSA, 2004, p. 24). A mudança do consumo de
pátina para o consumo de moda, é outro elemento apontado como fundamental para
essa. Pátina poderia ser definida como “a marca de tempo deixada nos objetos,
indicando que os mesmos pertencem e são usados pela mesma família há
gerações”. (BARBOSA, 2004, p. 24). Assim, ela estava fortemente associada à idéia
de status, de legitimação da posição social de quem o pertencesse. Com a transição
para o consumo de moda, essa modalidade perde forças, visto que no consumo de
moda, a novidade, o lançamento, a atualização dos produtos é que são valorizados.
(BARBOSA, 2004, p. 25). A partir disso, com a necessidade do consumo individual e
da nova visão de obsolescência dos produtos, o sujeito passa a dedicar um tempo
maior para a atividade de consumo. (MCCRACKEN, 2003, p. 41).
39
No século XIX, estabelece-se, então, a sociedade de consumo, um novo perfil
de consumidor começa a surgir, assim como novas técnicas de comercialização e
de marketing, “A vitrine, voltada para a rua, a criação do manequim, de papelão
prensado disponibilizaram para o grande público aquilo que estava sendo ou iria ser
usado, facilitando a disseminação das últimas tendências por todos os segmentos
sociais”. (BARBOSA, 2004, p. 27).
A invenção da marca, do acondicionamento dos produtos que, até então eram
vendidos a granel e da publicidade também são apontados como fatores-chave para
essa consolidação. (LIPOVETSKY, 2006, p. 29-30).
Aliada a estes fatores que levam a uma disseminação do consumo, está o
surgimento das lojas de departamento. O desejo dos possíveis consumidores é
ativado, agora eles podem visualizar os produtos, mesmo sem adquiri-los. Novas
opções de crédito surgem em iniciativas como o crédito direto ao consumidor,
implementado pela francesa Bon Marche. (BARBOSA, 2004, p. 27). A rotatividade
rápida dos produtos passa a ser estimulada, começa-se a empregar uma política de
preços mais baixos, tencionando-se um maior volume de vendas, oferta-se uma
gama maior de diferentes produtos, etiqueta-se as mercadorias, implanta-se o autoserviço, estes estabelecimentos passam a ser concebidos como ‘palácios’ de
sonhos e de consumo. Outro de seus atrativos era ofertar, no mesmo local, artigos
para o lar e vestuário, desta forma maximizando o tempo do consumidor.
(LIPOVETSKY, 2006, p. 30-31; BARBOSA, 2004, p. 28). Ainda sobre a mudança na
percepção do tempo acarretada por essas mudanças, Lipovetsky afirma que:
O grande magazine não vende apenas mercadorias, consagra-se a
estimular a necessidade de consumir, a excitar o gosto pelas novidades e
pela moda [...] Impressionar a imaginação, despertar o desejo, apresentar a
compra como um prazer, os grandes magazines foram, com a publicidade,
os principais instrumentos da elevação do consumo a arte de viver e
emblema da felicidade moderna [...], o shopping, ‘olhar vitrines’ tornaram-se
uma maneira de ocupar o tempo [...] (LIPOVETSKY, 2006, p. 31).
Conforme Lipovetsky, a sociedade de consumo de massa desenvolve-se a
partir de alta produtividade desencadeada pelo modelo taylorista-fordista de
produção aliada à progressão dos salários. Aqui predomina a ‘lógica da quantidade’
numa ‘sociedade de abundância’. Neste momento, difundem-se os supermercados
40
e, posteriormente, os hipermercados, baseados na política de ‘derrubar os preços’,
buscando a venda de um grande volume de produtos, utilizando-se de ferramentas
como os descontos. (LIPOVETSKY, 2006, p. 32-34).
Num segundo momento a política de diversificação de produtos e renovação
rápida de modelos, aliada ao chamado ‘complô da moda’, acaba gerando um
ambiente propício ao surgimento da segmentação baseada em critérios como idade
e fatores socioculturais. (LIPOVETSKY, 2006, p. 34).
Começa a se configurar uma nova ‘sociedade de desejo’, que começa a
substituir “a coerção pela sedução, o dever pelo hedonismo, a poupança pelo
dispêndio, a sonelidade pelo humor, o recalque pela liberação, as promessas do
futuro pelo presente”. (LIPOVETSKY, 2006, p. 35). Neste momento a publicidade
também ganha mais espaço, os investimentos publicitários crescem, o apelo à
satisfação imediata ascende, dá-se início a uma revolução do conforto.
(LIPOVETSKY, 2006, p. 36).
3.2.1 Mudanças no Pós-Guerra
É na década de 1950 que começa-se a falar sobre segmentação de mercado,
quando surge o marketing de mercados-alvo. (TAVARES JUNIOR, 2007, p. 41)
Segmentação poderia ser entendida como “o processo de dividir mercados
em grupos de consumidores com necessidades e/ou características similares, que,
provavelmente, exibirão comportamento de compra similar” (WEINSTEIN, 1995, p.
18 apud PINHEIRO et al, 2004, p. 144)
Assim, busca-se atender às demandas de nichos de consumidores através do
conhecimento de suas características, começando-se a investigar aspectos de sua
personalidade classificados como demográficos – faixa etária, gênero, etc. –,
geográficos – país, região, concentração populacional, etc –, psicográficos – estilo
de vida, valores, etc. – e comportamentais – hábitos de utilização do produto, grau
de lealdade, etc. (McCARTHY, 1982, apud TAVARES JUNIOR, 2007, p. 41;
PINHEIRO et al, 2004, p. 147 ).
41
Com o advento da segmentação, vai-se deixando de lado o marketing
indiferenciado, com estratégias que visem o massivo, um mercado mais amorfo e
passa-se a buscar estratégias efetivamente eficazes para os diferentes tipos de
público. (PINHEIRO et al, 2004, p. 144).
Através da segmentação de mercado, tenciona-se alcançar um “melhor
posicionamento competitivo da empresa no mercado e gerar valor para os seus
consumidores, ao atender de maneira diferenciada as necessidades e os desejos
destes”. (WEINSTEIN, 1995, apud PINHEIRO et al, 2004, p. 144). Entre os
benefícios de sua adoção estão o fornecimento de informações mais específicas,
que permitem que a concepção do produto atenda à demanda do mercado e dos
consumidores e a redução de custos, na elaboração de estratégias mais
promocionais, visto que se utiliza de instrumentos mais dirigidos – além de auxiliar
em ações como o reposicionamento de marca. (PINHEIRO et al, 2004, p. 145).
Ainda na década de 1950 “os esforços do marketing [...] parecem ter criado
padrões de consumo nos quais cada compra superava a anterior e o consumidor se
afastava delirantemente de um senso familiar das coisas com cada nova aquisição”.
(McCRACKEN, 2003, p. 163).
A partir da década de 1980, percebe-se uma subordinação da produção ao
consumo, itens como publicidade e design começam a ascender. A marca do
produto passa a ter uma importância maior na vida das pessoas. (TAVARES
JUNIOR, 2007, p. 43-44).
3.3 SER CONSUMIDOR NA SOCIEDADE DE CONSUMO CONTEMPORÂNEA
Ser consumidor na atual sociedade não se mostra tarefa simples. Recebe-se
estímulos o tempo inteiro de cada vez mais canais. Vive-se num momento de
excessos, o advento e a inovação constantes da tecnologia contribuem
substancialmente para isso, ampliando as possibilidades de acesso a um número
maior de mensagens e criando novos pontos de contato e relacionamento com o
consumidor ”. (NAIGEBORIN, 2006. p.53). Calcula-se que nos últimos trinta anos se
tenha produzido mais informações do que nos cinco mil anos anteriores. (BAUMAN,
42
2008, p. 54).
Esse excesso de informações e estímulos aliados ao esgotamento que um
ritmo de vida sempre acelerado pode acarretar, além de questões pontuais como
problemas de trânsito e violência, resultando num sujeito cansado e desgastado.
(NAIGEBORIN, 2006. p.53).
Percebe-se, então, que na sociedade contemporânea, o “consumidor se
impõe como o senhor do tempo” (LIPOVETSKY, 2006, p. 14), buscando um
julgamento mais crítico, verificando os rótulos dos produtos nos supermercados,
fazendo comparação de preço, buscando mais informações acerca do que estão
consumindo. (LEWIS; BRIDGES (2004, p. 16) apud PERES, 2007, p. 19).
Complementando essa idéia, Lipovetsky afirma que a posição deste consumidor é
paradoxal,
de um lado, este se afirma como um ‘consumator’, informado e ‘livre’, que
vê seu leque de escolhas ampliar-se, que consulta portais e comparadores
de custo, aproveita as pechinchas do low-cost, age procurando otimizar a
relação qualidade/preço. Do outro lado, os modos de vida, os prazeres e os
gostos mostram-se cada vez mais sob a dependência do sistema mercantil.
(LIPOVETSKY, 2006, p. 14),
Estes novos consumidores, além da escassez de tempo, sofrem com a falta
de atenção e de confiança. Assim, mostram-se intolerantes a atrasos, processam
uma grande quantidade de estímulos num ritmo cada vez mais rápido e ignoram
informações que possam não ser claras. Seu nível de fidelidade à marca nem
sempre é alto, dificilmente fornecendo confiança incondicional a uma marca ou
serviço. (LEWIS; BRIDGES, (2004) apud PERES, 2007, p. 19). Sobre a falta de
atenção, Davis afirma que a síndrome cerebral característica desse público é o DDA
– Distúrbio do Déficit de Atenção – ou um ‘pseudo-DDA’. A necessidade de
processamento de uma quantidade cada vez maior de informações e estímulos em
um espaço de tempo cada vez menor, acarretaria em uma redução na capacidade
de atenção do sujeito contemporâneo. (DAVIS, 2003, p. 83-84).
Seriam quatro as características-chave desse consumidor:
43
individualistas, envolvidos, independentes e bem-informados: individualistas
porque buscam diferenciar-se dos outros, priorizando a autenticidade e a
originalidade; envolvidos por participarem ativamente tanto do processo de
produção como no de consumo; independentes por apresentarem
resistência à mensagem publicitária e por estarem atentos aos artificiais e
ambíguos discursos de venda; e bem-informados, justamente pela facilidade
com que obtêm informações atualmente. (PERES, 2007, p. 20).
Este público, porém, não se adequaria a apenas uma classificação de perfil,
tendendo a uma hiper-segmentação, apresentando hábitos de consumo singulares e
um tanto pessoais (PERES, 2007, p. 20). Para esta realidade, Anderson (2006)
utiliza o conceito de Cauda Longa, para agregar essa infinidade de pequenos
mercados que, juntos, são substanciais, passando-se do foco de poucos produtos
que vendem muito para um grande número de nichos que têm à disposição uma
grande oferta de escolhas.
Tais consumidores tendem a não apresentar crença muito sólida acerca da
publicidade, enquanto esta decresce, a fé nos indivíduos ascende, “as pessoas
confiam em outras pessoas iguais a elas, ou os pares crêem nos pares. As
mensagens de cima para baixo estão perdendo a força, ao passo que as conversas
de baixo para cima ganham poder”. (ANDERSON, 2006, p. 97). Assim, passa-se de
uma era baseada na informação para uma de valorização da recomendação. Este
fato compõe uma das três forças da Cauda Longa: “a exploração do sentimento dos
consumidores para ligar oferta e demanda”, auxiliando “as pessoas a encontrar o
que querem nessa nova superabundância de variedades” (ANDERSON, 2006, p.
105). Aliada a esta força, a Cauda Longa ainda conta com a democratização da
produção e da distribuição. Este ambiente torna-se propício para o surgimento do
chamado prosumer, o consumidor produtor.
3.3.1 PROSUMERS: o sujeito como produtor e consumidor
Este conceito foi introduzido na década de 1980, para designar a combinação
entre produtor e consumidor, “prosumers são consumidores engajados no processo
de co-produção de produtos, significados e identidades. São consumidores proativos
e dinâmicos em compartilhar seus pontos de vista”. (FONSECA et al, 2008, p. 4).
44
Estes consumidores são bem-informados, estão constantemente em busca de
informações, se envolvem diretamente na criação de valores objetivando seu próprio
consumo, visto que estes se apropriam de processos que anteriormente eram
exclusivos de empresas. (FONSECA et al, 2008, p. 8). Além disso, os prosumers:
(EURO RSCG WORLDWIDE, 2004; PILLER, SCHUBERT; KOCH, 2005; XIE,
BAGOZZI; TROYE, 2008; LANGER, 2007 in FONSECA et al, 2008, p. 8-9) criam
seu próprio estilo de vida, gostam de se sentir no controle do rumo de suas vidas;
não se limitam a estereótipos e a rótulos, procuram não condicionar as suas
escolhas a padrões e pressões sociais; buscam por escolhas consideradas
inteligentes; estão abertos a mudanças e a inovações, procuram viver o tempo
presente com plenitude; usufruem do poder de interatividade e conectividade; se
auto-valorizam; possuem senso estético que é utilizado para imprimir a ‘sua
assinatura’ em tudo o que fazem; mostram preocupação com a saúde; interessamse mais pelos resultados do que com o esforço necessário para conquistá-los;
buscam valor nas marcas e procuram entender como fazer as coisas ao invés de
delegar essa tarefa para um terceiro.
Tais características levam os prosumers a serem, muitas vezes, apontados
como influenciadores. O papel do influenciador no processo de compra evolui agora
a partir da figura do conhecedor. Identificam-se quatro tipos de conhecedores: o
conhecedor da comunidade, que serviria de modelo para outros consumidores; o
consumidor profissional, cuja atividade profissional ou formação lhe concedem
autoridade em determinada área; o conhecedor fanático, que dispensa seu tempo
para discussões sobre o produto ou marca, por exemplo, e as celebridades
conhecedoras, que exercem influência, sobretudo, nos antigos consumidores,
através do endosso público a determinado produto. (LEWIS; BRIDGES, 2004 apud
PERES, 2007, p. 21).
3.3.2 A fidelidade do consumidor contemporâneo
Num cenário tido como líquido, fluído e leve (BAUMAN, 2001) a fidelidade à
determinada marca ou serviço não são, muitas vezes, prioridade para os novos
consumidores. A fidelidade “resume-se a uma resposta básica, que consiste de um
45
comportamento e de uma resposta secundária, emocional, envolvendo afeição e
sentimentos de ligação à pessoa, produto ou empresa em questão.” (LEWIS;
BRIDGES, p. 161, apud PERES, 2007, p. 22). Poderia-se falar em cinco níveis de
lealdade do consumidor: na base da pirâmide, os compradores que não apresentam
nenhuma lealdade à marca, seguido pelo comprador habitual e satisfeito, que não
percebe razões para ser ‘infiel’, o comprador satisfeito, que percebe os riscos
contidos numa mudança, o apreciador da marca, que apresenta uma relação mais
emocional, de ‘amizade’ com a marca e o consumidor comprometido, que ocupa o
topo da pirâmide da fidelidade. (AAKER, 1991, apud PERES, 2007, p. 22-23).
Muitas vezes a fidelidade é associada ao nível de satisfação de um
determinado produto ou serviço mas, como se percebe na classificação acima, a
fidelidade não se resume apenas a este fator. Há ainda mercados em que
predomina o monopólio, por exemplo, em que o índice de recompra não está,
necessariamente, vinculado à satisfação e fidelidade do consumidor, este adquire o
produto apenas por falta de outras opções, este cliente não está, necessariamente
se relacionando com a empresa por seu desejo mas, sim, por obrigatoriedade.
(RODRIGUES, 2003, p. 21-22).
Destarte, a fidelidade comportaria um conceito mais multidimensional,
envolvendo tanto elementos de comportamento (recompra) quanto elementos de
atitude (comprometimento). (BOLAGLU, 2002 apud RODRIGUES, 2003, p. 21).
3.4 CONSUMO E TEMPO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
A relação entre o sujeito e o consumo sob a égide do advento de novas
tecnologias e inovações, resulta, também, numa mudança nos padrões de utilização
do seu tempo.
Se com o surgimento das lojas de departamento, começa-se a falar em
consumo-distração, como uma maneira de se passar o tempo, o desponto dos
shopping centers maximiza esta visão. Os Shopping Centers seriam:
46
locais concebidos como simulacros das cidades modernas, onde é possível
adquirir os bens mais variados, encontrar inúmeras formas de
entretenimento e se alimentar, tudo sob condições climáticas controladas
que tornam o ambiente liberto por completo das estações e das intempéries.
(PERES, 2007, p. 11).
Acerca desse tempo ‘atemporal’ que se sente muitas vezes ao se adentrar
nestes simulacros das cidades (PERES, 2007, p. 11), Bauman aponta que o tempo
vivenciado na atual sociedade líquida não seria linear e, sim, utilizando expressão
utilizada por Maffesoli (2000), pontilhista, “marcado [...] pela profusão de rupturas e
descontinuidades, por intervalos que separam pontos sucessivos [...] (BAUMAN,
2008, p. 46). Este tempo é caracterizado por sua inconsistência, falta de coesão e
fragmentação e pulverização de ‘instantes eternos’, eventos contidos em si mesmos.
(BAUMAN, 2008, p. 46).
No momento em que se aumenta o apelo e as possibilidades de compra, o
tempo dispensado para tal atividade, também cresce,
A sociedade de consumo é grande consumidora de tempo. À medida que se
diversificam os produtos disponíveis, de biscoitos a carros, à medida que os
equipamentos eletrodomésticos ou audiovisuais se tornam mais complexos
e mais atraentes, à medida que as ocasiões de lazer se multiplicam, tornase necessário consagrar mais tempo à comparação dos preços e
capacidades técnicas, à ‘montagem’ de atividades, à manutenção, ao gozo
mesmo dessas “coisas” que se procuram rentabilizar em termos de tempo,
pois cedeu-se a seus atrativos. (CHESNEAUX, 1989, p. 34).
Com a incorporação da internet ao cotidiano do sujeito,
num mundo em que uma novidade tentadora corre atrás da outra a uma
velocidade de tirar o fôlego,[...] a alegria está toda nas compras [...] e como
as lojas da internet permanecem abertas o tempo todo, pode-se esticar à
vontade o tempo de satisfação não contaminada por qualquer preocupação
com frustrações futuras. (BAUMAN, 2008, p. 28)
Este advento alterou profundamente diversas esferas da vida, sofreram-se
alterações sociológicas, econômicas e culturais bastante profundas. O conceito de
aldeia global, é facilmente percebido, passa-se a trocar informações e a interagir
com pessoas de todo o mundo, com possibilidades de estabelecerem-se conexões
47
vinte e quatro horas por dia, “nossas interações humanas agora estão ocorrendo
num lugar que fica além do tempo e do espaço” (DAVIS, 2003, p.42). Então,
conceitos como tempo e espaço passam a ser resignificados,
A forma de busca por informações sobre produtos e marcar também se altera.
para uma geração de clientes acostumados a fazer suas pesquisas de
compra por meio de softwares de busca, a marca de uma empresa não é o
que a empresa diz que é, mas o que o Google diz que é. Os novos
formadores de preferências somos nós. Agora, a propaganda boca a boca é
uma conversa pública, que se desenvolve nos comentários de blogs e nas
resenhas de clientes, comparadas e avaliadas de maneira exaustiva. As
formigas têm megafones. (ANDERSON, 2006, p. 97)
Com a internet, percebe-se que os prosumers ganham destaque. São criados
‘espaços’ como sites de relacionamento – como o Orkut – que servem também de
palco para a produção e distribuição de informações geradas por este público.
(PERES, 2007, p. 26). Percebe-se em muitos casos, a aplicação do conceito da
Cauda Longa. O tempo seria a “quarta dimensão da Cauda Longa”. (ANDERSON,
2006, p. 140).
Especialmente interessante sobre tempo e Cauda Longa é que o Google
parece estar mudando as regras do jogo. Para a mídia on-line, como para
qualquer outra mídia, predomina a tirania do novo. Os jornais de ontem se
transformam hoje em papel para embrulho de peixe, e depois que o
conteúdo sai da primeira página em um site, sua popularidade despenca.
Mas como o acesso aos sites é implusionado cada vez mais pelo Google,
esta regra está sendo rompida. (ANDERSON, 2006, p. 141).
Assim, o Google não ignora o tempo, mas utiliza critérios diferenciados de
medição da relevância, não de novidades, isto é, ao se fazer alguma busca neste
site, possivelmente se encontrarão nas primeiras posições do ranking as melhores
páginas e não as mais novas. (ANDERSON, 2006, p. 141).
O consumo ainda pode ser percebido no âmbito do tempo de lazer da
sociedade contemporânea. Este tipo de consumo pode ser relacionado, sobretudo,
ao consumo de sensações e menos em produtos tangíveis. (TASCHNER, 2000, 46).
Destarte, “em uma época de consumo emocional, o importante já não é tanto
48
acumular coisas quanto intensificar o tempo vivido”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 70).
Neste cenário, o Marketing Experiencial ganha espaço, buscando introduzir o
conceito de prazer nos ambientes que primam pelo convívio e concretização de
desejos. Tenciona-se transformar “zonas de tempo forçado em zonas de tempoprazer”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 67). Conforme Davis, “o efeito sobre o estado de
espírito do consumidor é o único território que resta para prover benefícios novos e
atraentes”. (DAVIS, 2003, p. 254).
Críticas
direcionadas
à
velocidade
na
atualização
e
conseqüente
obsolescência dos produtos estão relacionadas com a cronoconcorrência. Esta
impõe um ritmo acelerado de lançamento de novos produtos no mercado, assumese como prática, muitas vezes, o anúncio bastante antecipado da comercialização
de determinados produtos. Deste modo, cria-se uma expectativa no consumidor e
afeta-se as vendas dos concorrentes, já que muitos clientes não irão querer adquirir
seus produtos quando já se sabe que, em breve, estes estarão obsoletos.
(LIPOVETSKY, 2007, p. 91).
Outra alteração percebida nesse âmbito é a redução do tempo de concepção
e desenvolvimento dos produtos. A justificativa, novamente, é a acirrada
concorrência. No final da década de 1970, eram necessários quatro anos e meio
para a elaboração de um novo modelo de carro da Chrysler, hoje se dispensa para
isso, menos de dois anos. Assim, “passa-se da concorrência à hiperconcorrência,
quando o tempo curto dos ciclos de elaboração, a aceleração da inovação, a
velocidade de renovação dos produtos se tornam parâmetros do desenvolvimento
econômico”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 90).
A adoção de práticas de consumo sustentáveis também pode ser vinculada à
questão do tempo. Hoje o consumidor mostra-se preocupado consciente ou
inconscientemente com novas questões por vezes agravadas por produtos e
práticas de fabricação ecologicamente incorretos. Lipovetzky aponta uma relação
paradoxal nesse contexto: “quanto mais se afirma o imperativo da celeridade, mais
se exprimem as considerações éticas, as posturas críticas em relação às marcas e
ao consumo irresponsável”. (LIPOVETSKY, 2007, p. 114). Percebe-se, então, que o
consumidor contemporâneo encontra-se dividido entre os discursos que pregam a
responsabilidade sócio-ambiental e os seus interesses particulares. Porém, tal
49
responsabilidade precisa estar presente em todo o ciclo de vida do produto,
compreendido nas fases de antes, durante e depois do consumo. Dias (2007, apud
PERES, 2007, p. 34) afirma que dentro do contexto do consumo responsável, no
pré-uso o consumidor seleciona e adquire produtos ecologicamente corretos,
certificados, reciclados, etc.; durante o uso este consumidor procura reduzir os
efeitos nocivos da sua atividade de consumo, por exemplo, otimizando o uso de
energia; já no pós-uso, há a preocupação com o descarte adequado do produto, sua
reciclagem e reutilização. O consumo sustentável pode ser definido como
o fornecimento de serviços e de produtos correlatos, que preencham as
necessidades básicas e dêem uma melhor qualidade de vida ao mesmo
tempo em que se diminui o uso de recursos naturais e de substâncias
tóxicas, assim como as emissões de resíduos e de poluentes durante o ciclo
de vida do serviço ou do produto, com a idéia de não se ameaçar as
necessidades das gerações futuras. (DIAS, 2007, apud PERES, 2007, p.
34-35)
Assim, o novo consumidor demonstra preocupação com os modos de
produção e distribuição dos produtos. Ele, muitas vezes, percebe com desconfiança
o argumento da sustentabilidade exposto em campanhas publicitárias, por não ter
certeza se estas empresas realmente têm esse como um princípio genuíno,
presente em suas diretrizes e em suas práticas, ou se trata-se apenas de uma
estratégia de marketing.
Essas relações serão abordadas nos capítulos a seguir, sob a ótica do
Movimento Slow e uma pesquisa de campo com sujeitos ‘acelerados’ da sociedade
de consumo contemporânea.
50
4 MOVIMENTO DE DESACELERAÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO E A
ATITUDE SLOW LIFE
Em pleno Japão, tradicionalmente conhecido pela problemática dos
workaholics, por sua capital que nunca pára e por sua alta velocidade, uma cidade
decide andar a pé, dispensando, quando possível, os rápidos meios de transportes
disponíveis, construir casas com bambu e negociar a redução do horário de
trabalho. (VERA, MASSON E VICÁRIA, 2009, p. 40) Uma volta ao passado, uma
viagem no tempo? Não, trata-se da busca por um estilo de vida mais saudável e da
qualificação de seu tempo. Kakegawa, em 2002, foi a primeira cidade a se
denominar uma cidade Slow. (VERA, MASSON E VICÁRIA, 2009, p. 40)
Destarte, nos mais diversos pontos do planeta, nichos da sociedade
começam a questionar se toda essa velocidade e aceleração vividas atualmente,
são realmente necessárias, se essa necessidade ou obsessão que tantas vezes se
tem de fazer tudo mais rápido realmente leva a melhores resultados e – mais
importante – à felicidade.
Até pouco tempo atrás – e, na verdade, ainda hoje em determinados grupos –
se alguém reservasse um tempo ao ócio, ao refletir antes de fazer, poderia-se ser
mal-visto e mal-interpretado, o importante é mostrar-se ocupado, estando sempre
em atividade, correndo, mesmo não se sabendo para onde e com qual finalidade.
Deste modo, parece inevitável que a vida, as atividades e as relações se mostrem
mais superficiais ou líquidas e fluídas como apresenta Bauman (2001).
Porém, hoje, já há pessoas e alguns grupos da sociedade que começam a
buscar novos caminhos e um estilo de vida mais equilibrado, rumo a uma
qualificação de sua vida e de seu tempo.
Assim, surgem propostas como as do Movimento Slow Life que serão
tratadas a seguir.
51
4.1 DESACELERE: O SURGIMENTO DO MOVIMENTO SLOW LIFE
“Vou acordar para o tempo/e para o tempo parar...”
(Los Hermanos)
Como exposto anteriormente, a questão do tempo ocupou um papel sempre
central na vida do homem. E a sensação de se estar continuamente atrasado, de
sempre ter de correr, atingiu níveis endêmicos. A relação do homem com o tempo,
por vezes mostra-se disfuncional. Honoré afirma que
a constante preocupação de estar sempre dividindo o tempo em pedaços
cada vez menores [...] nos deixa mais conscientes de sua passagem, mais
ansiosos por aproveitá-lo ao máximo, mais neuróticos. (HONORÉ, 2005, p.
48).
Essa neurose, ou preocupação com a gestão do seu tempo, não atinge hoje
apenas um nicho, mas uma boa parcela da sociedade. Multiplicam-se os cursos,
sites na internet e livros que pretendem ensinar como fazer mais em menos tempo,
como fazer determinadas atividades mais depressa e a isso chamam de
administração do tempo.
No ano de 1986, na Itália, inicia-se um movimento contrário a esse paradigma
da velocidade, primeiramente sob a óptica da desaceleração na alimentação, numa
resposta e crítica aberta conduzida por Carlo Petrini ao fast food, surgia, assim, o
chamado Slow Food.(CORREA, 2009, p. 81). O Slow Food prega que “aquilo que
comemos deve ser cultivado, cozinhado e consumido em ritmo de tranqüilidade”
(HONORÉ, 2005, p. 27) e que o alimento deve “ser bom para o consumidor, limpo
para preservar o meio ambiente e justo ao respeitar os trabalhadores”. (CORREA,
2009, p. 81).
A filosofia do Slow Food causou grande impacto, sendo considerada, em
2001, pela New York Times Magazine uma das “80 idéias que sacudiram o mundo
(ou pelo menos mexeram um pouco com ele).” (HONORÉ, 2005, p. 76).
O Slow Food possui uma sede internacional, localizada em Bra, na Itália.
52
Segundo seu fundador, Carlo Petrini, a missão do movimento seria
Através dos seus conhecimentos gastronômicos relacionados com a
política, a agricultura e o ambiente, o Slow Food tornou-se uma voz activa
na agricultura e na ecologia.
O Slow Food conjuga o prazer e a alimentação com consciência e
responsabilidade. As atividades da associação visam defender a
biodiversidade na cadeia de distribuição alimentar, difundir a educação do
gosto, e aproximar os produtores de consumidores de alimentos
excepcionais através de eventos e iniciativas. (WEINER, 2005, p.4)
Hoje, os preceitos do Slow Food estão se incorporando expressivamente na
sociedade, não estando apenas restritos a pequenos nichos. São mais de 100.000
sócios espalhados em mais de 130 países. (CORREA, 2009, p. 81).
Além disso, o sucesso de programas televisivos que mostram que preparar o
próprio alimento, além de ser mais saudável pode ser, também, muito prazeroso é
um indício desse fato. As escolas de culinária e gastronomia também vivem um
excelente momento, com grande procura por seus cursos. Estes fatos exemplificam
a afirmação de Honoré de que:
Slow Food capturou o interesse do público e se disseminou por todo o
planeta porque atende a um desejo humano essencial. Todos gostamos de
comer bem, e nos sentimos mais saudáveis e felizes quando o fazemos.
(HONORÉ, 2005, p. 102).
Rapidamente, a filosofia defendida pelo Slow na alimentação, foi sendo
incorporada e adaptada a diversas outras esferas, conforme será tratado no tópico a
seguir.
4.1.1 Principais Bases do Movimento Slow Life
Hoje, o Slow está concentrado em oito principais bases de mudanças:
comida, cidades, mente/corpo, medicina, sexo, trabalho, lazer e crianças (forma de
criação dessas). Serão abordadas as principais bases dentro do contexto e objetivos
53
do presente trabalho.
4.1.1.1 Slow Food
A relação do homem com o seu alimento mudou muito através dos tempos. A
escolha da comida, certamente, não se dá apenas pela questão da preferência pelo
sabor.
Na Idade Média, por exemplo, o cristianismo possuía forte influência sobre a
sociedade, inclusive em sua alimentação, pregando uma maior utilização de frutas e
verduras em seus conventos. (DUARTE, 1995, p. 149). No Renascimento, começa a
surgir uma nova etiqueta em que os pratos passam a ser elaborados visando sua
beleza. (DUARTE, 1995, p. 150) O luxo e a separação dos pratos que são postos à
mesa surgem na corte francesa nos séculos XVII e XVIII. (DUARTE, 1995, p. 150).
Alinhado a isso, Dos Santos defende que:
a formação do gosto alimentar não é, exclusivamente, determinado pelos
valores nutricionais, biológicos. Concorrem aí também as mentalidades, os
ritos, o valor das mensagens que se trocam quando se está diante da mesa
e da comida, os valores éticos e religiosos, a transmissão inter e
intragração, a psicologia individual e coletiva e outros tantos fatores.(DOS
SANTOS, 2005, p. 15).
Além disso, a questão do tempo também se mostra determinante dentro do
contexto das mudanças na forma de alimentação do homem. Esta relação entre
tempo e alimentação tem no Século das Luzes, durante o Iluminismo, um importante
capítulo. Aqui, a noite passa a ser “um tempo social, surgindo o prazer de consumir
o tempo por meio de conversas em torno de uma mesa de alimentos.”
(CAMPORESI, 1996 apud DOS SANTOS, 2005, p. 14)
Já, durante a Revolução Industrial, a aceleração na realização das refeições
começa a vigorar, a velocidade passa a ser vista como sinônimo de eficiência nos
jantares. (HONORÉ, 2005, p. 70).
Na década de 1950 surgem novos produtos e práticas alinhadas a essa busca
54
pela rapidez no momento de alimentar-se, como o forno microondas, em 1952
(DUARTE, 1995, p. 221) e a presença no cardápio de diversos restaurantes de sopa
enlatada. (HONORÉ, 2005, p. 72). Em 1954, Ray Crok, adquire uma rede de
restaurantes fundada pelos irmãos Maurice e Richard McDonald. Essa rede viria a
se tornar sinônimo de fast food em todo o mundo, o McDonald´s. O empreendimento
diferenciava-se dos demais, por utilizar princípios semelhantes aos da indústria
automotiva, como os de Henry Ford, onde cada funcionário desempenhava uma
tarefa, dividindo o trabalho e compartimentando o processo de produção. (DOS
SANTOS, 2006, p 5 -6).
Como cenário do sucesso desse sistema, Fischler aponta os “novos modos
de vida trazidos pela urbanização dos anos 1950-1960, pela profissionalização das
mulheres, pela elevação do nível de vida e de educação, pela generalização do uso
de carro, pelo acesso mais amplo da população ao lazer, férias e viagens”
(FISCHLER, 1998, apud DOS SANTOS, 2006, p.6). Com essas mudanças,
intrinsecamente ligadas ao fato de o homem destinar menos tempo ao ato de
alimentar-se, esta atividade deixa de estar prioritariamente no contexto doméstico,
transferindo forças ao mercado de comida rápida, o fast food.
No final dos anos 1980, porém, quando da tentativa de abertura de um
McDonald´s no entorno de monumentos históricos na Piazza di Spagna, na cidade
italiana de Roma, surge o movimento Slow Food, como uma alternativa, uma forma
de resistência ao fast food (DOS SANTOS, 2006, p. 11; HONORÉ, 2005, p. 75).
Achcar conceitua o movimento:
Slow food é comer melhor. É sentar-se à mesa diante de uma verdadeira
refeição, em paz, na companhia de pessoas muito queridas (por "verdadeira
refeição", entenda-se pratos acabadinhos de preparar, fartos e saborosos).
É investir tempo e energia para obter alimentos tão gostosos quanto
saudáveis. É tornar o ato de comer uma experiência gratificante, prazerosa,
que não somente nos mantém vivos como aguça nossos sentidos. Esquenta
o coração. (ACHCAR, 2003).
O argumento da velocidade, então, começa a mostrar sinais de esgotamento.
O questionamento sobre se não se está indo depressa demais começa a
intensificar-se. Santos afirma que “um novo estilo de vida impõe novas expectativas
55
de consumo, que acabam orientando as escolhas de alimentos”. (SANTOS, 2005, p.
21). Destarte, dentro desse contexto de desejo de alteração no modo de vida para
determinados nichos, a alimentação é o primeiro tópico a ser repensado. Começa-se
a perceber que cultivar e preparar o seu próprio alimento pode ser bastante
prazeroso, bem como fazer as refeições com mais tranqüilidade, saboreando e
compartilhando este momento numa mesa com colegas, amigos, familiares, etc.,
num ambiente mais calmo e aconchegante.
Durante o período de aceleração, muitas vezes as refeições eram feitas
durante o próprio deslocamento para um próximo compromisso, ou enquanto se
exercia outra atividade, isolado, sem que se detivesse em simplesmente desacelerar
nesse momento e saborear o alimento que se estava ingerindo, aproveitando o
momento partilhado com colegas, amigos ou familiares, porém, esse modelo
começa também a mostrar-se desgastado. Um exemplo disso são os chamados
comfort places ou lugares confortáveis. Esses locais geralmente bares, bistrôs ou
restaurantes, têm como característica o clima aconchegante, decoração que remeta
aos tempos em que a família reunia-se em torno da mesa, para as refeições e
interagiam uns com os outros, sem que a televisão, celular, etc., ocupassem toda a
sua atenção. São ambientes em que os freqüentadores tornam-se rapidamente
amigos dos donos do estabelecimento. Isto é, nada de entrar, fazer o pedido, engolir
nem sabendo bem o que – além do número do lanche – enquanto responde e-mails,
fala ao telefone, sem nem olhar para a pessoa que está ao seu lado. (ZAFFARI,
2008). Aliado a isso, há também a comfort food, que consiste em pratos, com sabor
e aroma caseiros, também chamados de comidas emocionais. (ZAFFARI, 2008;
LOPES, 2007).
Da mesma forma, fast foods tradicionais estão revendo seus cardápios, como
o McDonald's que hoje além do tradicional Big Mac, oferece a seus clientes opções
como saladas, maçãs e água de coco. Portanto, “o movimento Slow Food faz parte
de uma reação muito mais ampla contra a cultura de alta velocidade e alta
rotatividade da indústria global de alimentos”. (HONORÉ, 2005, p. 82)
E essa reação estende-se a outras esferas como a convivência nas cidades,
como demonstra a Città Slow.
56
4.1.1.2 Città Slow
O Movimento denominado de Città Sllow, slow city, cidade slow ou ainda de
Cidade do Bem Viver, teve início no ano de 1999, quando Bra e outras três aldeias
italianas lançaram um decreto que selava compromisso em aplicar princípios do
Slow Food no ritmo da vida urbana, visando à disseminação de idéias para melhorar
a qualidade de vida de seus habitantes. (HONORÉ, 2005, p. 103-104).
Para uma cidade ser considerada como Città Slow esta deve aderir a uma
série de diretrizes expostas no manifesto do movimento e não pode ter mais que 50
mil habitantes. Este quesito mostra-se bastante relevante. Em recente experiência a
cidade de Petrópolis/RJ, na administração do prefeito Rubens Bomtempo (20002008) aderiu a uma série de preceitos do movimento como o “alargamento das
calçadas, a retirada de grande parte dos ônibus do centro da cidade, dos
estacionamentos públicos do espaço central [...] entre outras” (CUNHA, 2008, p. 1),
visando melhorar a qualidade de vida de seus habitantes e tornar-se mais atrativa ao
turismo. O plano de reurbanização primou pela circulação dos pedestres em
detrimento ao trânsito via automóveis, aumentando assim, o tempo de permanência
das pessoas no centro da cidade, tornando-se este não mais um local de passagem
e, sim, de encontro (CUNHA, 2008, p. 5-6). Estas ações tornaram a cidade mais
atraente para o turista, porém criaram alguns transtornos para os moradores. A
cidade sofreu um grande decréscimo no número de vagas de estacionamento na
sua área central, a fim de possibilitar o alargamento das calçadas. Com as calçadas
ampliadas, as ruas ficaram mais estreitas, o que ocasionou em problemas de
engarrafamento. (CUNHA, 2008, p. 9-10). A população da cidade, segundo dados
do IBGE (IBGE, 2008?), em 2007, era de 306.645 pessoas, muito acima do limite da
Città Slow, de 50 mil habitantes.
Outras cidades mostraram interesse e atenderam os requisitos do movimento.
O Città Slow vem obtendo simpatia de diversos locais do mundo e hoje é composto
de uma rede internacional de 114 cidades em mais de quinze países. (CITTASLOW,
2008). Há, ainda, diversas cidades buscando a certificação do movimento, duas
brasileiras: Antônio Prado (RS) e Tiradentes (MG).
Para tornar-se uma Città Slow a cidade deve preencher os requisitos de seis
57
categorias indispensáveis para o movimento: política ambiental, política de infraestrutura, tecnologia para qualidade urbana, valorização da produção nativa,
hospitalidade e conscientização, totalizando mais de 50 itens de avaliação. Estes
abrangem itens como boa qualidade do ar e da água, criação de mais áreas verdes,
conservação das tradições, valorização da cozinha local, oferecer cursos para a
comunidade oferecer mais hospitalidade e qualidade nas informações prestadas,
estar comprometida com a gestão das normas ISO 9000 e ISO 14 000, entre outros.
(CITTASLOW, 2008).
Para uma nova cidade ser certificada como Città Slow esta deve atender os
requisitos básicos e passar por uma detalhada avaliação conduzida pelo comitê do
movimento. O movimento é governado por uma assembléia eleita formada por
prefeitos de dez cidades que já são consideradas como Città Slow. (KNOX, 2005, p.
7).
As Città Slow são, portanto, cidades comprometidas com a qualidade da
produção e comercialização do alimento, a cultura local, a arquitetura, o ambiente, a
energia, o transporte, o turismo, a criação e a formação das crianças e jovens,
(SALOMONI, 2006), com “estratégias para reduzir o ritmo destrutivo da vida
moderna,
resistir
ao
processo
de
homogeneização
mundial
[...]”
(THE
INDEPENDENT, 2001), ser uma cidade slow, portanto, não quer dizer simplesmente
que tudo será feito mais lentamente e, sim, demonstra um comprometimento público
com os princípios embasadores de uma vida mais equilibrada. Como resume
Honoré “uma cidade do bem viver faz sempre a pergunta: Será que isto contribui
para melhorar nossa qualidade de vida?” (HONORÉ, 2005, p. 106)
4.1.1.3 Mente e Corpo no Slow
“Mesmo quando tudo pede calma/Até quando o corpo pede um pouco mais
de alma/A vida não pára [...]
Lenine
A atenção dispensada sobre o corpo não é novidade. Na Grécia antiga, por
58
exemplo, a valorização se dava pelo corpo masculino forte, com formas bem
delineadas e trabalhadas. Já na Idade Média, com a ascenção do catolicismo, o
corpo será mais reprimido, associado ao pecado. (SIQUEIRA; DE FARIA, 2007, p.
175)
Desde os anos 1970 percebe-se a proliferação das academias de ginástica,
fruto da valorização da atividade física e seus benefícios bem como uma crescente
preocupação das pessoas com o seu próprio corpo (BRAUNER, 2007, p. 212).
Para Hansen e Vaz (2004, p.134) nas academias:
o culto do corpo engendra uma busca incansável trilhada por meio de uma
árdua rotina de exercícios, através dos quais pretende-se superar os
próprios limites em nome de contornos corporais concebidos como ideais.
Porém, percebe-se hoje que, também no ocidente, uma visão mais holística
do conceito de saúde se faz presente, englobando não apenas o cuidado com o
corpo, mas também com a mente. Segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), saúde é "um estado de completo desenvolvimento físico, mental e o bemestar social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.” (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2009).
Dessa forma, passa-se do fitness para o wellness (SIQUEIRA; DE FARIA,
2007, p. 180) que está mais intrinsecamente relacionado ao conceito de qualidade
de vida que prima pela satisfação do indíviduo nas esferas de suas necessidades
concretas – como alimentção e moradia – e as abstratas – como a auto-estima.
(FORATINNI, 1991, p. 75).
Essas também são premissas do Movimento Slow, no que se refere ao
equilíbrio entre corpo e mente. Entre os benefícios de se ‘pensar slow’ Honoré
(2005, p. 143) cita a eclosão de idéias e soluções mais criativas pois, pessoas mais
relaxadas, calmas e não comprometidas com a finalização de seu processo criativo
com extrema rapidez, apresentariam uma criatividade mais genuína. Um exemplo
disso é a recorrência com que se encontra a solução para um problema que se tinha
durante o banho, na saída do cinema, etc., em momentos em que se está mais
relaxado e a criatividade não comprometida em primeiro plano com a velocidade na
59
resposta, na solução criativa. O contrário deste pensamento mais slow pode resultar
num estado ansioso inibidor da criatividade. Para Dratcu e Lader (1993, apud GÓIS;
RIBEIRO, p. 57), o estado ansioso é caracterizado justamente por um movimento
mental de aceleração do pensamento, o que pode levar a uma ineficiência no
resultado da ação. Como solução Harrison (2006, p. 2972 apud GÓIS; RIBEIRO, p.
58) aponta “um movimento de desaceleração no organismo, numa busca de repouso
e conforto [...]”
Isso não quer dizer que para se responder criativamente aos estímulos,
tenha-se que ser sempre lento, como já mencionado, o Movimento Slow prega que
tudo seja feito com equilíbrio, em seu tempo giusto. Para ilustrar essa premissa,
Honoré cita uma frase de Albert Einstein:
Os computadores são incrivelmente rápidos, precisos e burros. Os seres
humanos são incrivelmente lentos, imprecisos e brilhantes. Juntos, têm um
poder que supera qualquer imaginação. (HONORÉ, 2005, p. 144)
Se no início modalidades tradicionais como a musculação capitaneavam a
total atenção das academias, hoje dentro de uma tendência de se possibilitar
momentos de desaceleração, percebe-se a ascensão de serviços como a ioga, a
biodança, o pilates, entre outras que primam por essa busca pelo equilíbrio entre
corpo e mente/espírito.
Lipovetsky afirma que se percebe hoje, um interesse crescente por “escutas
musicais, passeios a pé, excursões, spas e banhos turcos, meditações e
relaxamento”. (LIPOVETSKY, 2006, p. 113).
Esta mudança de rumo é visivelmente percebida e assimilada pela mídia.
No lugar da ginástica “a todo custo”, as revistas femininas e especializadas
em saúde, fitness e bem-estar trazem uma proposta diferente. Trata-se de
transformar a imagem da atividade física de mal necessário para algo
prazeroso que proporcionará momentos de relaxamento. [...] É preciso
praticar atividades que cuidem do corpo, sim, mas que também “alimentem
o espírito”. (SIQUEIRA; DE FARIA, 2007, p. 185)
60
Dessa forma, publicações são adaptadas e novos veículos surgem, como,
nos anos 2000 a Revista Bons Fluídos, da Editora Abril.(SIQUEIRA; DE FARIA,
2007, p. 185).
Entre os destaques das publicações e também em academias estão a ioga e
a meditação. A ioga mostra-se uma modalidade totalmente integrada à concepção
de sinergia entre corpo e mente, em sânscrito, ioga significa unir (HONORÉ, 2005,
p.153) . Entre os motivos para a sua adoção estão a melhora na postura e
tratamento para o estresse (BARROSO, 1999, p. 189), tonificação dos músculos,
fortalecimento do sistema imunológico, aumento da flexibilidade, da concentração e
da paciência. (HONORÉ, 2005, p.153-154). Já a meditação pode ser mais
facilmente relacionada ao relaxamento do corpo e da mente. Ela pode diminuir a
pressão arterial, melhorar o poder de concentração, aumentar a sensação de calma
de tranqüilidade e de harmonia (HONORÉ, 2005, p.145 -148).
Dentro dessa realidade, pode-se também citar o SuperSlow. Fundado na
década de 1980, o SuperSlow “torna qualquer pessoa mais forte e esbelta sem
carregar demais nos músculos” (HONORÉ, 2005, p. 162). Se numa atividade de
levantamento de peso tradicional o praticante leva, em média, seis segundos para
levantar e baixar o peso, no SuperSlow este período é de vinte segundos, esta pode
não parecer uma diferença tão significativa porém, um estudo publicado no Journal
of Sports Medicine and Physical Fitness, divulgou o dado de que o SuperSlow
fornecia 50% de força a mais que as outras formas tradicionais de levantamento de
peso. (HONORÉ, 2005, p. 164). Entre os benefícios dessa prática são citados o
fortalecimento
da
musculatura,
aumento
da
flexibilidade,
dinamização
do
metabolismo do corpo, aumento da sensação de centralidade, diminuição do nível
de estresse e calma interior (HONORÉ, 2005, p.164-169). Para o fundador do
SuperSlow a velocidade mais lenta empregada nesse exercício permite que o
praticante exerça grande poder de concentração durante o treinamento e “quando
você se move rapidamente, não há tempo para pensar realmente sobre o
movimento”. (HUTCHINS, 2001, p. 2).
A prática dessas modalidades que buscam integrar corpo e mente abolindo a
idéia da divisão cartesiana entre ambos está plenamente relacionada aos preceitos
do Slow.
61
4.1.1.4 Slow no Trabalho
“Eu acordo prá trabalhar/Eu durmo prá trabalhar/Eu corro prá trabalhar [...]
Paralamas do Sucesso.
A palavra ‘trabalho’ é originária do vocábulo latino tripalium, “instrumento de
tortura para empalar escravos rebeldes e derivada de palus, estaca, poste onde se
empalam os condenados”. (CHAUI; LAFARGUE, 2000, p. 12).
No início o trabalho era tido como um castigo e uma pena divina,
ao primeiro homem, disse Jeová: “Maldito é o solo por causa de ti! Com
sofrimentos dele te nutrirás todos os dias de tua vida [...]. Com o suor de teu
rosto comerás teu pão, até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois
tu és pó e ao pó tornarás” (Gn, 3:17-9) (CHAUI; LAFARGUE, 2000, p. 9)
Porém, não tardou para ser visto como uma prática virtuosa. Chauí cita a obra
A Ética Protestante o Espírito do Capitalismo, de Max Weber, como fundamental
para o entendimento dessa concepção.
Muito mais do que no luteranismo, escreve Weber, no calvinismo [...] tornouse regra moral o dito “mãos desocupadas, oficina do diabo”.[...]. De castigo
divino que fora, tornou-se virtude e chamamento (ou vocação) divino.
(CHAUI; LAFARGUE, 2000, p. 13).
Marx apresentou um entendimento diverso sobre o trabalho que seria uma
“necessidade eterna para manter o metabolismo social entre humanidade e
natureza” (ANTUNES, 2005, p.138) ou, como explica Chauí
uma das dimensões da vida humana que revela nossa humanidade, pois é
por ele que dominamos as forças da natureza e é por ele que satisfazemos
nossas necessidades vitais básicas e é nele que exteriorizamos nossa
capacidade inventiva e criadora – o trabalho exterioriza numa obra a
interioridade do criador. (CHAUI; LAFARGUE, 2000, p. 34).
62
Marx critica a venda dessa força tão poderosa ao capital pois, ao vendê-la à
burguesia, a classe operária estaria transformando essa força transformadora em
mera mercadoria destinada a produzir outras mercadorias, não podendo assim, o
trabalhador reconhecer-se no produto produzido por ele, não exteriorizando o seu
interior e sim cumprindo as exigências do mercado. (CHAUI; LAFARGUE, 2000, p.
34-35). Neste sentido, Bauman aponta que ao estipular um valor de mercado para o
trabalho este passou a ser também uma mercadoria. (BAUMAN, 2008, p. 23)
Marx ainda apresenta um conceito bastante importante dentro do prisma do
mundo do trabalho, o conceito de tempo socialmente necessário para a produção de
alguma mercadoria, não apenas na quantidade de trabalho empregada nesta
atividade. Assim, o tempo de trabalho socialmente necessário
significa que o custo de produção de uma mercadoria inclui todos os
trabalhos que foram necessários para chegar ao produto final. É o custo
social de sua produção” [...] em outras palavras, [...] é o conjunto de todos
os tempos de trabalho de cada trabalhador individual e do conjunto de todos
os trabalhadores. (CHAUI; LAFARGUE, 2000, p. 40).
Destarte o salário do trabalhador estaria incluso nos custos de produção da
mercadoria e este deveria ser calculado levando-se em conta o tempo de trabalho
socialmente necessário para a sua confecção e as necessidades desse trabalhador.
Uma crítica de Marx quanto a essa questão seria que o salário recebido pelo
trabalhador não equivaleria integralmente ao resultado correto dessa equação, a
isso ele chama de mais-valia, essa diferença faria com que a força de trabalho fosse
explorada e o capital cresceria às suas custas. Marx critica a obtenção desse lucro
no momento de pagamento do trabalhador e não na comercialização da mercadoria.
(CHAUI; LAFARGUE, 2000, p. 40- 41).
De Masi sintetiza que com o surgimento da sociedade industrial existiriam
quatro visões sobre o trabalho:
segundo a posição cristã, o trabalho é um castigo divino indispensável para
o resgate do homem e sua salvação eterna; segundo a posição liberal, o
trabalho é uma mercadoria submetida como qualquer outra às regras do
mercado; segundo a posição comunista, o trabalho é a própria essência do
homem, a atividade pela qual ele manifesta as suas melhores qualidades e
63
que, por isso, não pode ser transformado em mercadoria; segundo a
posição do socialismo filantrópico [...] as condições de trabalho podem ser
humanizadas até que ele se torne uma fonte de alegre socialidade. (DE
MASI, 1999, p. 129-130.)
O fato é que ainda hoje o trabalho não desperta uma visão de consenso, ele
liberta e escraviza, humaniza e aliena, é preterido e viciante, sua concepção está em
constante mutação, sua constituição é amórfica e pautada por numerosas
mudanças. Lipovetzky afirma que “um dos epitáfios muito apreciados no século XIX
era: ‘O trabalho foi sua vida’. Hoje o sentimento que domina é antes: Há mais que o
trabalho na vida”. (LIPOVETZKY, 2006, p. 265). Ainda assim, hoje, o trabalho é um
“mediador da auto-estima, o produtor do essencial da identidade social”.
(LIPOVETZKY, 2006, p. 266).
Entre as grandes transformações no mundo do trabalho pode-se destacar a
reengenharia que adquire grande força nos anos 1990 e que prometia melhorar a
eficiência dos processos das empresas acabando com problemas de ineficiência,
aumentando a satisfação do cliente e diminuindo custos (DAVOLLI, 2007, p. 11;
RICARDO, 2002, p. 1). Juntamente com ela, a redução do quadro funcional e a
sobrecarga de funções e atribuições foram intensificadas (DAVOLLI, 2007, p. 11).
Com o fantasma do desemprego sempre em mente, o trabalhador acaba assumindo,
então, mais tarefas, o que implica, muitas vezes, numa carga horária de trabalho
maior e em horas extras. Este é o contexto do surgimento dos chamados
workaholics. Este termo, cunhado pelo psicólogo americano Wayne Oates, é criado
em 1971, para designar os ‘viciados em trabalho’. São percebidas em muitas
corporações características positivas (como a produtividade) e negativas (como a
obsessão) no comportamento workaholic. (DAVOLLI, 2007, p. 43). Um dos fatores
negativos mais associados a essa disfunção comportamental seria a perda na
qualidade da vida pessoal do trabalhador, visto este estar constantemente
comprometido com ações ou pensamentos voltados ao seu trabalho. (DAVOLLI,
2007, p. 49).
O cenário acima é ambiente também do chamado estresse ocupacional. Este
pode ser encontrado em ambientes organizacionais com:
64
pressão para produtividade, retaliação, condições desfavoráveis à
segurança no trabalho, indisponibilidade de treinamento e orientação,
relação abusiva entre supervisores e subordinados, falta de controle sobre a
tarefa e ciclos trabalho-descanso incoerentes com limites biológicos.
(CARAYON; SMITH; HAIMS, 1999 apud MURTA, 2004, p. 39).
O estresse ocupacional pode desencadear outro problema comprometedor à
saúde de trabalhador, o burnout. (MURTA, 2004, p. 40). Essa síndrome que começa
a ser estudada na década de 1970 é caracterizada por um estado de esgotamento
tanto físico quanto mental/emocional no que tange a vida profissional do trabalhador
(TOMAZELA, 2007, p.1-2).
Segundo
pesquisa
realizada
pela
International
Stress
Management
Association no Brasil (Isma-BR), 8,6% dos entrevistados mudaram de emprego ou
até mesmo de carreira devido ao estresse, antes da mudança 82% desses
profissionais apresentavam sintomas como ansiedade e depressão. Depois dessa
mudança, 96% destes afirmaram terem alcançado maior controle sobre a própria
vida (DO ESTRESSE..., 2009).
HONORÉ (2005) e DE MASI (1999) apontam como fator relevante para a
qualidade de vida no trabalho a redução do número de horas dispensadas ao labor.
DE MASI afirma que:
A duração e distribuição atuais do trabalho ao longo da semana são
praticamente as mesmas inauguradas por Taylor no fim do século XIX,
quando os operários de fábricas eram todos analfabetos e as máquinas
ainda movidas pela força motriz do vapor. Desde então foram introduzidos
os motores elétricos, as máquinas automáticas e as eletrônicas, capazes de
desenvolver tarefas físicas e intelectuais. No entanto, os trabalhadores são
todos escolarizados, muitíssimo diplomados e muitos, laureados. As
empresas aprenderam a produzir muitos bens e serviços empregando cada
vez menos trabalho humano. (DE MASI, 1999, p. 39).
O autor assegura ser possível uma utilização mais saudável e racional do
tempo organizacional. Ele defende que há o mau uso do tempo – que é marcado por
períodos de grande sobrecarga e outros de pouca ou nenhuma atividade a ser
desempenhada –, má distribuição da carga horária de trabalho – enquanto há
funcionários desempenhando diversas atividades há outros que estão sem tarefas a
cumprir – e que há gestores e chefes que têm a cultura de ficar até mais tarde na
65
empresa, muitas vezes por não terem uma boa relação familiar, e que encorajam ou
exigem o mesmo de seus coordenados. (DE MASI, 1999, p. 302-303).
Esse excesso de horas trabalhadas apresenta potencial nocivo também às
organizações pois, o funcionário estressado, doente ou cansado, é menos produtivo
(HONORÉ, 2005, p.217).
Para o Movimento Slow.
o trabalho é uma das principais frentes de batalha. Quando o trabalho passa
a devorar tantas de nossas horas, o tempo que sobra para tudo mais acaba
minguando. Até as coisas mais simples [...] se transformam numa corrida
contra o relógio. Uma maneira certa de desacelerar é trabalhar menos.
(HONORÉ, 2005, p.218).
Segundo Naigeborin uma redução da jornada de trabalho poderia contribuir
para “conter o desemprego estrutural que se instala em nível mundial, promover a
qualidade de vida e contribuir para uma nova cultura no trabalho”. (NAIGEBORIN,
2006. p.50)
O tempo realmente parece ser uma das preocupações dos trabalhadores. No
livro “365 sugestões para simplificar sua vida no trabalho”, quase 20% das dicas
referem-se ao termo tempo. A Revista Você S.A, voltada a executivos brasileiros,
lançou um site específico para questões tangentes ao tempo, o “Você com + tempo”,
(VOCE COM MAIS TEMPO, 2009)
Caldas (1988, p. 33 apud VASCONSELOS, 2001, p.32) afirma que:
Em nossa ânsia de “não ficar para trás”, cada vez mais nos movemos mais
rápidos, e cada vez mais de forma menos reflexiva [...] Corremos tanto que
os detalhes nos escapam como as nuances entre o certo e o errado, entre o
saudável e o doentio, entre o urgente e o necessário.
Honoré aponta que não apenas a redução do horário de trabalho, mas
também “livrar a cultura empresarial da idéia de que trabalhar mais tempo
invariavelmente significa conseguir que mais coisas sejam feitas”. (HONORÉ, 2005,
p. 232).
66
Em 1880 Lafargue já contava que um dos maiores manufatureiros de sua
época havia proferido um discurso argumentando que doze horas de trabalho seria
uma jornada excessiva e que se no sábado o trabalho deveria ser suspenso às 14
horas. Este manufatureiro teria aplicado em seus estabelecimentos essas medidas
por quatro anos e que, se à primeira vista ela poderia estar soando desvantajosa e
onerosa, na prática se mostrava o oposto, com a média de produção aumentando.
(LAFARGUE, 2000, p. 100)
A esperada velocidade no fazer e concluir todas as atividades laborais é outro
item criticado pelo Slow. Todas as tarefas são, muitas vezes, percebidas como
urgentes, seja uma resposta a um e-mail, uma apresentação solicitada dez minutos
antes de uma reunião, uma criação. A celeridade alta é uma exigência
organizacional que atinge todos os níveis hierárquicos. Lazear (2004, p. 59, apud
DAVOLLI, 2007, p. 49) afirma que a maioria das pessoas não tem uma boa noção
de tempo e de urgência, não conseguindo administrar com qualidade essas
demandas. Para Honoré, deve-se equilibrar o ritmo da velocidade conforme a
natureza da atividade desempenhada. Estabelecer prazo é algo importante,
“concentra a mente e nos incita a proezas notáveis.” (HONORÉ, 2005, p.238),
porém “as coisas que requerem certa lentidão – planejamento estratégico,
pensamento criativo, cultivo de relacionamentos – se perdem na corrida
ensandecida para manter o ritmo, ou simplesmente para parecer ocupado”
(HONORÉ, 2005, p. 238).
Já se percebe que muitas empresas estão buscando e estimulando a
qualidade de vida – e do tempo – laboral, estabelecendo tempos para o fazer rápido
e o fazer devagar. Algumas empresas criaram ‘zonas de descompressão’
“compostas por salas com rádio, mesa de jogos, massagem, teatro, ioga, que
minimizam o clima de tensão que permeia as empresas na nova economia, através
da ludicidade e do relaxamento”. (NAIGEBORIN, 2006. p. 46)
No ranking das chamadas “melhores empresas para se trabalhar”, também
encontra-se
práticas
bastante
inovadores
e
passíveis
de
uma discussão
aprofundada sobre a pertinência ou não no contexto cultural de determinada
empresa, se as ‘descompressões’ escolhidas são
as de melhor resultado para
determinado perfil de funcionário, etc. Conforme ranking divulgado pela revista
67
Fortune, a melhor empresa para se trabalhar em 2009 é a americana NetApp, que
oferece a seus funcionários, entre outros benefícios, plano de assistência à adoção,
programa de voluntariado e programas de aprimoramento profissional. Em quarto
lugar está a Google – que esteve na primeira posição nas edições de 2007 e 2008 –
que, devido á crise acabou eliminando no último ano benefícios inusitados como
uma viagem anual para o funcionário esquiar e o chá da tarde. (SATO, 2009).
Porém, para se obter um ambiente de trabalho mais agradável e mais slow,
atitudes simples mais do que benefícios não usuais podem fazer a diferença. O
criador do World Institute os Slowness, Geir Bethelsen, divulga o que seria os Dez
Mandamentos para o trabalho slow: falar pessoalmente com os colegas, sorrir e
chamar a todos pelos seus nomes, ser prestativo, sincero e amigável, mostrar e
estar realmente interessado nestas pessoas, elogiar, ter sempre cuidado com os
sentimentos alheios, respeitando as suas opiniões e sempre estar pronto a ajudar.
(O’REILLY, 2008).
4.1.1.5 Lazer e Slow
O Lazer consta, desde 1948, no Artigo 24, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, como um direito fundamental do ser humano (ANDRADE, 2001,
p. 55)
Andrade define lazer como:
conjunto de fatos e circunstâncias que, por sua natureza, apresentam-se
como isentos das pressões e das tensões que, com certa freqüência,
podem afetar as atividades humanas individuais e grupais compulsivas
opcionais. (ANDRADE, 2001, p. 21).
Um conceito mais elucidativo é apresentado por Dumazedier (apud
ANDRADE, 2001, p.42), para este autor lazer é o:
Conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre
vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se,
68
ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada,
sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após
livrar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.
Uma confusão que geralmente se faz é pensar o lazer como sinônimo de
tempo livre. Conforme esclarece Andrade, tempo livre seria:
A pausa na preocupação ou na dedicação produtiva de tarefas sistemáticas
que dizem respeito aos diversos atos ou procedimentos relativos ao
conjunto de cargos, funções e atividades, lucrativas ou não, em termos de
ganhos de bens diversos, sejam estes materiais ou não. (ANDRADE, 2001,
p. 47)
Bruhns aponta que igualar as duas definições seria o mesmo que nivelar um
conceito qualitativo (lazer) a um quantitativo (tempo livre). (BRUHNS, 2004, p. 94).
Outra diferença entre lazer e tempo livre apontada pela autora é que todos poderiam
dispor de tempo
O lazer, de forma geral, por algum tempo foi mal-visto pela sociedade
ocidental pois este simbolizava um período de “não-trabalho”, essa ideologia e
sobrevalorização do trabalho juntamente com a chamada ‘ética cristã’ tiveram
causaram grande impacto na percepção do lazer como uma parada entre dois
períodos de trabalho. (NETO, 1993, p. 15, apud ROCHA; SILVA, 2002, p.134).
Por outro lado, o lazer foi amplamente defendido por alguns pensadores como
Platão e Bertrand Russell, este previa que este tempo seria utilizado com hobbies
como a pesca e a pintura. (HONORÉ, 2005, p.249). Para os filósofos gregos, o lazer
era tratado como vital para o desenvolvimento das virtudes do homem, para o
aprimoramento da sua sensibilidade. (ROCHA; SILVA, 2002, p.136).
Contudo, o que se percebe no decorrer dos anos é uma crescente
preocupação em ocupar todo o tempo de ‘não-trabalho’ ou tempo ‘não-produtivo’,
com atividades, não se permitindo lacunas na agenda nem durante o tempo livre.
Andrade afirma que o “lazer é essencial à vida humana equilibrada, saudável e
produtiva.” (ANDRADE, 2005, p. 21).
Lipovetsky afirma que “contra a fast live, os lazeres lentos encontram amplo
69
eco”. (LIPOVETSKY, 2006, p. 113).
O artesanato é uma expressão dessa busca pelo que está ao encontro das
diretrizes do movimento slow. Nos últimos tempos percebe-se um interesse
crescente de pessoas que buscam cursos e que executam alguma atividade
artesanal. Muitas lojas e centros de desenvolvimento ascenderam como a Linna que
comercializa mais de 37 mil itens voltados à decoração e artesanato e que oferece
mensalmente uma vasta agenda de cursos direcionados a esta área. A Linna iniciou
com apenas uma loja, na década de 1990 e hoje conta com seis unidades no estado
do RS. (LINNA, c2009). Honoré aponta que “à medida que o ritmo da vida se
acelerava no século XIX, muitos se desencantaram dos produtos de fabricação em
massa despejados pelas novas fábricas.” (HONORÉ, 2005, p. 250). Muitos
culpavam a industrialização de sufocar a criatividade humana. (HONORÉ, 2005, p.
250). De acordo com o autor, novamente, estamos vivendo este sentimento de
contestação num momento de ápice tecnológico, os trabalhos artesanais, manuais e
caseiros estão sendo defendidos e requisitados por muitas pessoas, como os
adeptos do Movimento Slow. (HONORÉ, 2005, p. 250).
Porém além de atividades mais artesanais, muitos utilizam seu tempo de lazer
assistindo televisão. Segundo dados auferidos por Robert Putman e divulgados no
site do Observatório da Imprensa, entre 1965 e 1995, os americanos ganharam, em
média, seis horas semanais a mais de tempo livre, mas a maior parte desse tempo
foi utilizada para assistir televisão. (MONDEGO; CAMPOSSANO, 2006). Porém,
Honoré afirma que assistir televisão – embora possa relaxar, distrair e entreter –,
não é uma atividade de lazer considerada slow pois se recebe muitas informações
simultâneas e rápidas, não munindo o telespectador de tempo suficiente para
pensar, parar e refletir. (HONORÉ, 2005, p.257).
Não obstante, muitas pessoas estão abrindo mão de horas diante da TV por
outros hábitos de lazer mais saudáveis. A TV-Turnoff Network é um exemplo disso.
Esta é uma organização sem fins lucrativos fundada na década de 1990 que prega
que se deve redefinir o papel da televisão na sociedade, ao invés de reclamar de
sua programação, se deve desligá-la e partir para outra atividade mais saudável e
prazerosa. Todo o ano é organizada uma campanha para que, durante uma semana
em específico – geralmente no mês de abril – se mantenha a televisão desligada.
70
Em 2003 houve a adesão de mais de 7,04 milhões de pessoas tanto nos Estados
Unidos quanto no exterior (DESLIGUE A TV, 2007; HONORÉ, 2005, p. 257).
Outro derivado do movimento que está relacionado ao lazer é o chamado
slow travel, que prega que as viagens podem e devem ser mais tranqüilas, que o
tempo de estadia no local de destino deve ser maior a fim de permitir contato com a
cultura e população local e os roteiros valorizam pequenas cidades ou zonas rurais,
sem as correrias e incontáveis deslocamentos que os pacotes de viagem
tradicionais acarretam. (O GLOBO, 2007). No Slow Travel o turista busca fazer parte
da vida local, estabelecendo uma conexão maior tanto com o lugar quanto com as
pessoas numa experiência mais imersiva. (SLOW MOVEMENT, 2009).
Destarte, como afirma Naigeborin, para se atingir uma boa qualidade de vida,
não basta dispor de tempo livre, é preciso optar por formas saudáveis e prazerosas
de se passar o tempo, o que constitui um critério altamente subjetivo e demandador
de tempo de reflexão, para que se entenda qual ou quais atividades se gosta e se
prefere fazer, que é mais prazerosa na utilização do tempo de lazer do indivíduo
(NAIGEBORIN, 2006, p.39). Questões estas que são altamente compatíveis com as
diretrizes e preocupações do Movimento Slow.
4.2 A RESIGNIFICAÇÃO DO TEMPO NO SLOW LIFE
“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”.
José Saramago.
O Movimento Slow oferece uma concepção bastante diferenciada sobre o
tempo nos tempos atuais.
Existe uma palavra alemã, eigenzeit que auxilia no entendimento desse
conceito. Eigen significa ‘próprio’ e zeit significa ‘tempo’. Para o Movimento Slow,
“todo ser vivo, todo acontecimento, todo processo e todo objeto tem o seu próprio
ritmo e o seu próprio andamento inerentes [...]. (HONORÉ, 2005, p. 52)
Honoré afirma que o movimento pode ser resumido em uma palavra:
71
equilíbrio. Desta forma, como já exposto, não é premissa do movimento que em
qualquer situação se faça tudo mais devagar, o que é proposto é que se seja rápido
quando se perceber que o melhor em determinada ocasião é ser rápido e ser mais
devagar quando isso também fizer sentido. (HONORÉ, 2005, p. 27).
Sobre essa questão Naigeborin afirma que:
O Movimento Devagar, então, representa uma tentativa de conscientização
e estímulo às pessoas, mostrando que existe um outro caminho, uma
alternativa para viver com mais qualidade neste contexto, onde o turbocapitalismo tem um custo humano muito alto. (2006, p.26).
O Movimento Slow Life, então, tem entre seus preceitos a resignificação do
tempo diante da atual aceleração que a sociedade contemporânea vive. Se numa
tradução livre para o português se falaria em Movimento Devagar, esta tradução
literal não comportaria todo o conceito do Movimento. A base do movimento Slow
Life é o encontro do tempo giusto, isto é, o tempo certo, para se exercer cada
atividade. Os simpatizantes e praticantes do Movimento não relegam atos como
acessar a internet, andar de avião, etc, por essas serem atividades ligadas à
velocidade, a se fazer algo mais rápido – nesses casos, a receber/enviar notícias
mais rapidamente a alguém que está longe ou deslocar-se entre um país e outro,
por exemplo. A chave é o equilíbrio, não se relega os benefícios da tecnologia,
apenas não se poderia ser controlado por esta, ela é uma facilitadora. Neste caso, o
tempo que seria dispensado a viajar dias de ônibus, por exemplo, pode ser utilizado
para atividades de lazer ou relaxamento. Não se pode deixar a vida tomar um ritmo
frenético, desumanizante e rápido demais. Servan-Schreiber sugere que, em nossas
sentenças, troquemos o termo tempo por vida. “Colocar a vida no lugar do tempo é
perceber que, na prática, são a mesma coisa” (SERVAN-SCHREIBER, 1991, p.
140). Assim, quando falamos que não temos tempo, nosso problema seria muito
mais profundo, pois sugere que não vivemos como gostaríamos e não somos felizes
com isso, estaríamos afirmando que “não temos vida”. Essa questão é essencial
para o Movimento Slow Life.
O que o mundo precisa, e o que o movimento Devagar oferece, é um
caminho intermediário, uma maneira de associar a dolce vita ao dinamismo
72
da era da informação. O segredo está no equilíbrio: em vez de fazer tudo
mais depressa, fazer tudo na velocidade certa. Às vezes depressa. Às
vezes devagar. Às vezes nem uma coisa nem outra. Viver Devagar significa
nunca se afobar, nunca tentar ganhar tempo só para ganhar tempo.
(HONORÉ, 2005, p. 309)
Hoje, como já visto, se percebe um crescente interesse por atividades como
ioga, atividades manuais e artesanais, jardinagem, meditação, entre outras, isto é,
atividades que vão de encontro ao fazer rápido e acelerado. Se começa a perceber
que a qualificação do tempo é fundamental e que a aceleração de todas as
atividades a fim de que se possa, cada vez mais, fazer mais e mais coisas, nem
sempre é o melhor. Questões como “Será que realmente faz sentido ler Proust em
alta velocidade, fazer amor na metade do tempo ou cozinhar todas as refeições no
microondas?”. (HONORÉ, 2005, p.49) começam a ser levantadas e levadas a sério.
As pessoas começam a buscar uma organização à la carte do seu tempo,
uma adoção de ritmos diferenciados segundo a necessidade percebida em
determinada atividade ou momento. (LIPOVETSKY, 2006, p. 114).
O Movimento Slow Life está calcado em oito esferas, conforme o exposto
anteriormente, todos elas embasadas nessa qualificação e equilíbrio do tempo,
englobando uma visão mais holística do homem, questionando a cultura da pressa
que imperou e ainda impera em segmentos de nossa sociedade. E, cada vez mais, o
Slow está influenciando diferentes campos e atividades, já se fala em Slow Fashion
(WOOD; 2008; BIERUT, 2006) entre outras variações. Isso demonstra o crescente
interesse da sociedade por uma nova proposta de relacionamento com o seu tempo,
como afirma Honoré “quando as pessoas começam a colher os frutos da
desaceleração em determinada esfera de ação da vida, freqüentemente passam a
aplicar a mesma lição a outras.” (HONORÉ, 2005, p.311).
Viver a partir desses preceitos, ao contrário do que críticas precipitadas
podem sugerir, pode ser sustentável e viável dentro de nosso contexto de sociedade
de consumo.
73
4.3 SLOW LIFE NA PUBLICIDADE E NO MERCADO DE CONSUMO
Ao contrário do que um pensamento apressado poderia sugerir, o slow pode e
já está sendo utilizado como argumento ou inspiração de posicionamento de
empresas, novos negócios e de peças e campanhas publicitárias.
4.3.1 Slow Life como oportunidade de mercado
A inserção do movimento Slow Life na sociedade de consumo certamente
está alicerçada no equilíbrio, não pregando a filosofia do “pare de consumir”, mas,
sim, a busca pelo consumo consciente.
Nos Estados Unidos, o Slow Food contribuiu para convencer a revista Time
a publicar uma matéria sobre o pêssego Sun Crest do norte da Califórnia,
uma fruta de sabor sublime mas que não resiste ao transporte. Depois da
publicação da reportagem, o pequeno agricultor desse pêssego foi
procurado por uma quantidade de compradores interessados em amostras
de sua colheita. (HONORÉ, 2005, p. 78).
O mercado formado pelos adeptos da desaceleração ou da atitude slow
apresenta-se como uma nova oportunidade em crescimento. Este nicho não parece
ser apenas mais uma tendência de mercado, tendo em vista que ele está refletindo
muitas das mudanças estruturais da sociedade atual. E isso gera mudanças também
no que tange ao mercado de consumo. A partir dessa nova realidade vislumbrada, o
mercado também está se adaptando, “grandes mudanças estão acontecendo em
nossa cultura, porque o mercado não tem mais escolha além de responder à
transformação radical que os seres humanos experimentam agora” (DAVIS, 2003,
p.249).
Se num primeiro momento a desaceleração pode assustar empresas
comprometidas apenas com a maneira de ser do turbocapitalismo, ou do capitalismo
acelerado,
gerando
conclusões
precipitadas
e
um
tanto
apocalípticas,
a
desaceleração proposta por movimentos como o Slow Life pode ser uma excelente
74
oportunidade de negócios. Honoré (HONORÉ, 2005, p. 312) afirma que “o
movimento Devagar certamente implica um questionamento do materialismo
desenfreado que movimenta a economia global” e que:
nem se haverá de dizer que o movimento Devagar é antagônico ao
capitalismo. Pelo contrário, oferece-lhe novo alento. Em sua forma atual, o
capitalismo global nos obriga a fabricar mais depressa, trabalhar mais
depressa, consumir mais depressa, viver mais depressa, qualquer que seja
o custo. Passando a encarar as pessoas e o ambiente como bens valiosos,
e não como fatores descartáveis de produção, a alternativa Devagar poderia
fazer com que a economia trabalhasse para nós, e não o contrário. (p.312313).
Hoje, uma vertente do marketing, o marketing de experiência, consiste em se
integrar todos os pontos de contato com o consumidor estabelecendo uma
experiência sempre positiva associada à determinada marca ou negócio (Waisberg,
2006). Destarte, o movimento Slow Life pode fornecer um bom argumento e
posicionamento de marca dentro desse contexto, “Devagar não deixa de ter um
trunfo de marketing na manga: promete prazer”. (HONORÉ, p. 313).
A Body Shop pode ser lembrada por ser percebida dessa forma, sempre
buscando promover junto à opinião pública, comunidades locais e seu público-alvo
contatos positivos e consistentes, conforme Naigeborin, as lojas da rede “não
vendem o produto em si, mas experiências memoráveis”.
Em matéria da Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, empresas
slow recebem destaque. Correa argumenta que:
quando aplicado ao mundo empresarial, o modelo ensina que produtos de
qualidade não podem ser reproduzidos ao infinito: a produção será limitada
pelas matérias-primas, pelo uso de recursos naturais e pela mão-de-obra.
(CORREA, 2009, p. 81)
Estes negócios vão ao encontro de novas demandas que partem dos
consumidores que buscam produtos com uma qualidade mais holística, são
consumidores preocupados com a procedência dos objetos adquiridos, suas
políticas sócio-ambientais, sua história, seus princípios. (CORREA, 2009, p. 82).
75
Portanto os negócios e produtos slow tem um grande potencial de
diferenciação, não ganhando atenção do consumidor essencialmente pelo seu custo
que, comparado a produtos semelhantes, pode ser maior, mas, sim, devido à sua
qualidade, princípios e diretrizes, valores intangíveis. (CORREA, 2009, p. 82).
Dentre os pilares centrais do Movimento que já foram citados, todos
comportam negócios que estejam alinhados aos preceitos do Movimento. Um
exemplo, dentro da esfera do Slow Food é a Antica Dolceria Bonajuto, situada na
cidade de Módica, na Itália. A empresa produz doces artesanais e chocolates com
receitas do tempo dos astecas, somente com cacau, açúcar e algumas especiarias.
Todo o processo é realizado artesanalmente, com ingredientes locais, em pequena
escala. (CORREA, 2009, p. 82). O atual administrador do estabelecimento, Franco
Ruta, esclarece que “é muito fácil automatizar todo o processo produtivo, mas não
se podem automatizar as emoções e são elas que queremos despertar nessa e nas
próximas gerações”. (CORREA, 2009, p. 82).
Os comfort places, já citados, centros de terapias alternativas, cursos de
técnicas manuais e de culinária, mercados de bairro que comercializam produtos
orgânicos ou funcionais, feiras ecológicas, são alguns exemplos também de
negócios que estão alinhados com os determinados preceitos do movimento Slow
Life que nos mostram que ele pode, sim, ser incorporado em diversos campos da
sociedade de consumo contemporânea de forma não traumática, gradual e
traduzindo os novos interesses e questionamentos dos indivíduos quanto à forma
como vivem e à qualificação de seu tempo, caracterizando uma nova forma de
exteriorização de um estilo ou projeto de vida mais slow, o que está alinhado com a
afirmação de Mike Feartherstone (1995, p. 123), de que:
Os novos heróis da cultura de consumo, em vez de adotarem um estilo de
vida de maneira irrefletida, [...] transformam o estilo num projeto de vida e
manifestam sua individualidade e senso de estilo na especialidade do
consumo de bens, roupas, práticas, aparências e disposições corporais
destinados a compor um estilo de vida.
E em campanhas e peças publicitárias já se percebe a incorporação de
alguns desses preceitos.
76
4.3.2 Slow e a publicidade
A relação do Movimento Slow Life com a publicidade, num primeiro olhar,
pode parecer paradoxal e poder-se-ia pensa-la, também, como oximorônica, visto
que a publicidade é tida como “essencialmente rápida, ágil e ferramenta do
turbocapitalismo” (NAIGEBORIN, 2006, p. 64) e o movimento Slow Life prega a
desaceleração, o encontro do tempo giusto, o equilíbrio, o consumo consciente.
Porém, como argumenta Naigeborin, hoje se percebe um crescente interesse
do consumidor sobre “o consumo consciente, a origem dos bens que consumimos, a
priorização dos produtos orgânicos e a escolha de marcas influenciada por sua
atuação social.” (NAIGEBORIN, 2006, p. 62).
Dessa forma, muitas marcas transmitem valores como estes em sua
comunicação e material publicitário. Porém, para que o consumidor perceba esse
contato como consistente, é preciso que tais valores constem no planejamento
estratégico, nas diretrizes e práticas da empresa, que façam parte da essência da
marca.
Um exemplo gerado a partir dessa simbiose é a Natura. Empresa brasileira de
cosméticos, fundada em 1969, que realiza vendas diretas. Na comemoração de
seus 30 anos, o novo posicionamento da empresa passa a ser “bem estar bem” (DA
SILVA, 2007, p. 12). Na visão de mundo da empresa, consta que a marca está
comprometida com a construção de um mundo melhor, através da melhora da
qualidade da relação da pessoa consigo mesma, com o seu próximo e com a
natureza. (NATURA, c2009). Desde então, se percebe que os novos produtos da
empresa, as embalagens e a sua comunicação estão alinhados com essa visão
estratégica. Um exemplo é o desenvolvimento da linha Ekos, composta por produtos
biodegradáveis, há um relacionamento baseado no comércio justo com as
comunidades ribeirinhas, que fornecem os ativos dos produtos, em sua embalagem
são utilizados itens reciclados e refis, para que se agrida menos a natureza e se
dissemine o preceito do consumo sustentável. (NAIGEBORIN, 2006, p. 62 ;
NATURA, c2009). Todo o processo e desenvolvimento desses produtos vão ao
encontro das diretrizes da empresa e posicionamento da marca, o que permite que
se divulgue isso no material publicitário de forma a impactar positivamente o
77
consumidor que percebe a mensagem como autêntica, conhecendo todos estes
cuidados da empresa. Abaixo, uma peça publicitária divulgando o Perfume do Brasil
Priprioca, na qual se pode perceber esse alinhamento entre marca, posicionamento
e publicidade. Aqui também se percebe alguns dos preceitos do slow como a
valorização de produtos locais, a exposição de um número menor de informações,
sem sobrecarregar o leitor, oferecendo espaço para a reflexão, além de estar ao
encontro de alguns princípios de slow design:como colocar o foco da comunicação
na questão sócio-cultural e do bem-estar e a concepção primando o local e depois
global (SLOW DESIGN, c2009).
Figura 1 – Anúncio Natura - Perfume do Brasil Priprioca.
Fonte: Site Natura Ekos Perfume (Brazil)
Outro exemplo proveniente da Natura que está bastante alinhado com o
pensamento slow, é o anúncio abaixo. Ele expõe a questão do tempo, a
preocupação do homem com a sua passagem, isto é, com a qualitatividade do
tempo e sugere a qualificação do tempo, através da contagem através de outros
elementos como os ‘sorrisos’, isto é, de momento felizes e memoráveis. Além disso,
faz alusão à utilização da tecnologia como facilitadora e aliada do homem, não como
78
recurso dominante, na busca pela valorização da biodiversidade, citando a planta
Jambu, utilizada na composição do produto anunciado.
Figura 2 – Anúncio Novo Chronos da Natura
Fonte: Site Natura (Brazil)
Outra empresa que poderia ser citada neste contexto é a Tim. Com suas
operações no Brasil desde 1998, a empresa foi pioneira no país em oferecer o
serviço de mensagens multimídia e de gravação de vídeos e envio por e-mail
através de celular, fato este que está coerente com o posicionamento da empresa:
“Viver sem fronteiras”.
TIM investe em inovação e convergência para que seus clientes vivam além
da tecnologia, (TIM, 2008). Este posicionamento já era utilizado na Itália, um país
menor que o Brasil, num continente com muitas fronteiras. Então, a agência de
comunicação da empresa na época, a Lew'Lara\TBWA, optou por ampliar tal
conceito para além das fronteiras físicas, como as fronteiras culturais e sociais e
79
estas também poderiam impedir a comunicação. (CARPEGIANI, 2008) Assim, as
peças publicitárias criadas tratavam de alguma forma dessa questão, da empresa
que auxilia o usuário a acabar com fronteiras e a retirar obstáculos que impeçam a
sua comunicação numa esfera de interesse do cliente, não se focando apenas no
produto, mas na melhora da qualidade de vida do usuário.
No ano de 2007 foi lançado um comercial de trinta segundos intitulado ‘Água’
que trazia justamente essa mensagem: “Use nossa tecnologia para viver melhor”. O
comercial foi filmado embaixo d’água, o que naturalmente influi na velocidade e ritmo
do movimento das pessoas, ali tudo ocorria mais vagarosa e calmamente. André
Laurentino, vice-presidente de criação da agência, esclarece que :
Enquanto os outros dizem 'use, o mundo agora está mais rápido, tudo na
sua mão, você pode tudo', a gente diz: calma! Isso está angustiando as
pessoas. Se eu tenho e-mails no meu celular, por que tenho que vê-los no
horário de almoço? Eu termino de almoçar e leio. O controle está comigo e
não com a tecnologia [...] (CARPEGIANI, 2008).
O comercial é um convite aberto à desaceleração, ao relaxamento, à reflexão.
Conceitos totalmente alinhados ao Movimento Slow.
As peças impressas desta mesma campanha, destacavam palavras de ordem
como ‘Relaxe’, ‘Sorria’, ‘Desacelere’ e ‘Respire’. (CARPEGIANI, 2008) expressões
estas também sugeridas e defendidas pelo Movimento Slow, conforme o exposto
anteriormente.
80
Figura 3 – Anúncio Tim – Desacelere.
Fonte: NAIGEBORIN (2006).
As peças publicitárias acima, das empresas Tim e Natura, demonstram essa
nova preocupação das empresas em alinharem sua linha criativa de comunicação
aos novos desejos e formas de ser dos sujeitos contemporâneos. Conforme
Lipovetzky, hoje os objetivos da publicidade são muito mais ambiciosos, não
bastando evidenciar o produto, em muitas peças o produto nem é mesmo exposto, a
publicidade hoje está bastante envolvida em transmitir visões de mundo, valores,
mensagens que auxiliem a empresa a fidelizar seus clientes, criar laços emocionais,
melhorando a imagem da marca. (LIPOVETSKY, 2006, p. 176).
A aplicação de princípios do Movimento Slow na publicidade apresenta muitas
dessas características apontadas por Lipovetsky. No design a percepção de mais
‘espaços em branco’, ‘de respiro’, com poucas informações textuais, imagens
impactantes e que transmitam uma sensação de leveza e espontaneidade. Há
indícios de estar fortemente atrelada à disseminação de idéias, valores, à defesa de
uma causa, que promova ou catalise uma mudança comportamental, que estreite
relações da marca com a comunidade e com seu público-alvo e, apenas em
segundo plano, se exponha o tangível da peça, o produto. (Naigeborin, 2006, p. 6465).
81
5 PESQUISA DE CAMPO COM “ACELERADOS” DE PORTO ALEGRE
Nos capítulos anteriores foram apresentadas informações para que se
conheçam as premissas para o surgimento de um movimento de desaceleração na
sociedade contemporânea, assim como as principais bases e objetivos deste
movimento.
A fim de buscar uma compreensão maior sobre a aplicação prática desses
preceitos, realizou-se uma pesquisa de campo junto a indivíduos integrados a uma
rotina acelerada na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Procurou-se
verificar se para este nicho a proposta de desaceleração seria sustentável e se tais
indivíduos seriam receptivos a esta idéia, além de identificar como o ritmo de suas
vidas influencia ou gera comportamentos de consumo.
O presente capítulo apresenta a fundamentação da metodologia utilizada para
este estudo – a pesquisa exploratória qualitativa – e a técnica de entrevista
individual em profundidade. Além disso, se tratará sobre o perfil da amostra,
procedimentos de aplicação da pesquisa qualitativa e os resultados obtidos neste
estudo.
5.1 METODOLOGIA
Buscando-se este entendimento sobre a realidade dos “acelerados, optou-se
por realizar um estudo de campo através de pesquisa exploratória e do método
qualitativo. Como os objetivos deste trabalho procuram por resultados menos
quantificáveis, não-estatísticos, almejando-se uma compreensão mais profunda
sobre o comportamento dos indivíduos, nuances da sociedade, informações de
caráter mais subjetivo, a metodologia qualitativa mostra-se mais pertinente.
Conforme Lakatos; Marconi (2006, p. 269) a metodologia qualitativa:
preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos,
descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise
82
mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de
comportamento etc.
Além disso, esta é uma metodologia mais comprometida com o “universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes [...]” (MINAYO, 2001,
p. 22). A abordagem qualitativa também se mostra apropriada quando não se tem
um mapeamento anterior do problema a ser estudado, quando se busca avaliar
reações a novas propostas e mudanças de hábitos e atitudes (PINHEIRO et al,
2004, p. 126).
A pesquisa exploratória está alinhada com estas premissas, visto esta ser
recomendável “quando se busca um entendimento sobre a natureza geral de um
problema” utilizando-se métodos “flexíveis, não estruturados e qualitativos. (AAKER;
KUMAR; DAY, 2004, p. 94)
A pesquisa exploratória comporta diversos instrumentos de coleta de dados,
Para o presente trabalho optou-se pela utilização da entrevista em profundidade.
5.2 ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE
A entrevista em profundidade busca “recolher respostas a partir da
experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se
deseja conhecer”. (DUARTE, 2009, p. 62) Este tipo de abordagem tem como
características permitirem que o entrevistado sinta-se mais aberto a fornecer
informações sinceras, visto não estar sob o julgamento de terceiros no momento da
entrevista, sendo ele o “centro das atenções”. (PINHEIRO et al, 2004, p. 138).
Esta técnica me mostra adequada quando se busca uma compreensão sobre
o universo do entrevistado com base em elementos subjetivos tais como as suas
opiniões e crenças sobre determinado objeto ou situação. Ela pode ser
recomendável
também quando o assunto abordado apresenta caráter mais
confidencial, caso em que o entrevistado poderia mostrar-se relutante em explicitar a
sua opinião perante um grupo maior (MALHOTRA, 2001).
83
Assim, foi selecionado para a realização da entrevista um roteiro semi-aberto,
composto por perguntas abertas, a fim de se evitar uma possível influência da
entrevistadora sobre as respostas., oferecendo aos respondentes maior autonomia
em suas respostas. Destarte, o roteiro da pesquisa foi concebido utilizando-se
categorias originadas a partir dos problemas estudados no presente trabalho e das
principais diretrizes do Movimento Slow. Neste tipo de roteiro as questões-chave
podem ser adaptadas conforme o desenvolver de cada entrevista, “uma questão
pode ser dividida em duas e outras duas podem ser reunidas em uma só [...]
(DUARTE, 2009, p. 66). Deste modo, o roteiro se torna um instrumento para a
condução da entrevista, podendo ser alterado no momento de realização desta
sendo “natural o pesquisador começar com um roteiro e terminar com outro, um
pouco diferente”. (DUARTE, 2009, p. 66).
5.3 ELABORAÇÃO DO ROTEIRO SEMI-ABERTO PARA ENTREVISTA EM
PROFUNDIDADE
A partir disso, foi elaborado um roteiro objetivando-se a promoção de um
entendimento sobre o contexto dos entrevistados, suas opiniões e percepções,
tendo-se como elementos embasadores os problemas e objetivos do presente
trabalho.
Antes do início da aplicação do roteiro nas entrevistas, a fim de validar este
instrumento, foi realizado um pré-teste ou teste preliminar. Esta prática consiste num
teste do instrumento sobre uma pequena amostra antes de ser aplicado
definitivamente nos entrevistados a fim de “evitar que a pesquisa chegue a um
resultado falso. Seu objetivo, portanto, é verificar até que ponto esses instrumentos
têm, realmente, condições de garantir resultados isentos de erros”. (LAKATOS;
MARCONI, 2008, p. 167) Assim, foi entrevistada uma pessoa no dia 23 de maio de
2009, que atendia ao perfil pré-estabelecido para os objetivos do trabalho. Através
deste pré-teste as questões puderam ser realinhadas e se obteve o tempo médio de
duração da entrevista.
O roteiro ficou estruturado conforme abaixo:
84
TRABALHO
1 - Você poderia falar um pouco sobre o seu trabalho.
2 - Fale um pouco sobre os benefícios que a sua empresa oferece e que lhe
parecem mais atrativos. Existe algum benefício que você não recebe, mas gostaria
de receber da sua empresa?
3 - Você conhece a expressão workaholic? Você se considera um (a)
workaholic?
4 - Você já teve alguma doença gerada em decorrência de sua atividade de
trabalho?
5 - Você poderia falar sobre a sua satisfação com o seu trabalho atual?
QUALIDADE DE VIDA
6 - Você poderia falar um pouco sobre as suas atividades fora do ambiente do
trabalho?
7 - O que você acha da quantidade de tempo livre que você tem?
8 - Você pratica algum esporte ou gostaria de praticar? Qual?
9 - Você pratica alguma técnica de relaxamento?
10 - Conte um pouco sobre a sua alimentação.
11 - Comente a seguinte frase: “aquilo que comemos deve ser cultivado,
cozinhado e consumido em ritmo de tranqüilidade”.
12 - Se você pudesse mudar algo em sua rotina, para que a sua qualidade de
vida fosse maior, o que seria?
RELAÇÃO COM O TEMPO
13 - ·Fale um pouco sobre a seguinte frase: “O tempo voa”.
14 - Você poderia falar sobre o seu ritmo de vida?
85
15 - O que você acha da expressão: “Tempo é dinheiro”?
16 - O que você acha que a sua cidade tem de melhor? E de pior?
17 - Existe hoje um Movimento chamado de Movimento Slow o qual afirma
que o culto à velocidade e que o ritmo sempre acelerado são prejudiciais para o
indivíduo e para a sociedade. O Slow prega que cada um procure encontrar o seu
próprio ritmo para cada tarefa e que se tenha uma relação de equilíbrio com o
tempo. O que você acha dessas afirmações?
18 - Você acha que na atual sociedade é possível desacelerar?
CONSUMO
20 - Fale um pouco sobre seus hábitos de compra.
21 - Qual o fator que você acha mais relevante para se tornar fiel a uma
marca?
22 - O que mais lhe influencia a comprar um produto ou contratar um serviço?
23 - Qual tipo de produto você considera mais benéfico para a sua saúde?
Você costuma consumi-los?
24 - Fale um pouco sobre a diferença entre os produtos artesanais/manuais e
os industriais/fabricados em série.
25 - O que você acha dos produtos ou empresas que utilizam o argumento da
sustentabilidade? Esse fator é importante no momento da compra?
26 - Se você ouve dizer que uma empresa não tem políticas sócio-ambientais
corretas e o preço dos produtos ou serviços dessa empresa é menor, o que você
faz?
27 - Quais os fatores que levam você a recomendar um produto, serviço ou
marca para alguém?
28 - Fale um pouco sobre a sua marca preferida.
29 - Que tipo de anúncio ou comercial mais lhe atrai?
86
30 - Que informações você acha mais interessantes/importantes que sejam
reforçadas nos anúncios e comerciais?
31 - Comente a sua percepção sobre estes anúncios (aqui foram mostrados
os anúncios utilizados no capítulo 3 do presente trabalho).
5.4 SELEÇÃO DA AMOSTRA
Por tratar-se de uma pesquisa com método qualitativo, a amostra de
entrevistados foi pequena, não sendo utilizado nenhum cálculo estatístico para a sua
definição. (PINHEIRO et al, 2004, p. 127), sendo assim, “seu propósito
simplesmente não é conferir representatividade aos resultados, mas garantir que
estes sejam profundos na compreensão do consumidor” (PINHEIRO et al, 2004, p.
128). Duarte afirma que para se realizar uma pesquisa satisfatória é necessário que
“as fontes sejam capazes de ajudar a responder sobre o problema proposto. Elas
deverão ter envolvimento com o assunto, disponibilidade e disposição em falar”.
(DUARTE, 2009, p. 68).Assim, foram selecionadas sete pessoas, residentes na
cidade de Porto Alegre, que consideram o seu ritmo de vida acelerado. Para atender
este critério, foram consideradas indicações provenientes da rede de contatos da
entrevistadora. Deste modo, foram apontadas vinte pessoas das quais quinze foram
contatadas, destas: cinco não puderam participar da pesquisa alegando não
disporem de tempo para isso e três foram eliminadas por não preencherem a prérequisitos da pesquisa (neste caso estar trabalhando e residir na cidade de Porto
Alegre. Outros critérios utilizados foram que a pessoa fosse produtivamente ativa e
que houvesse variedade nos modos de contratação (estagiários, trabalhadores
informais, trabalhadores formais e donos de seus próprios negócios). Buscou-se
pessoas de diferentes segmentos de mercado, atuantes na área de serviços ou
comércio tanto da iniciativa privada quanto da pública. Procurou-se, também,
indivíduos de diferentes idades, estado civil e com e sem filhos. Verificou-se, ainda,
se nenhuma das pessoas entrevistadas tinha conhecimento do objeto de estudo do
presente trabalho, a fim de não haver influência sobre as respostas. Esta forma de
seleção é denominada de seleção por conveniência, fundamentada no critério de
viabilidade e os entrevistados são selecionados por disponibilidade ou proximidade.
87
(DUARTE, 2009, p. 69).
5.5 APLICAÇÃO DAS ENTREVISTAS
A aplicação das entrevistas deu-se durante o mês de maio do ano de 2009.
As definições do horário e local de realização das mesmas ficaram a cargo do
entrevistado. Conforme Duarte, “é fundamental atender às condições do
entrevistado” quanto a estes itens. (DUARTE, 2009, p. 71). Assim, três entrevistas
foram realizadas nos ambientes de trabalho dos respondentes, duas nas suas
respectivas residências, uma na casa de uma amiga do entrevistado e uma na casa
da entrevistadora. A fim de deixar os informantes à vontade, levando-se em conta
que algumas das informações dadas na entrevista, sobretudo as que envolvem o
emprego do respondente poderiam ser de caráter sigiloso, optou-se pela utilização
de pseudônimos. A duração média das entrevistas foi de quarenta minutos.
Conforme indicações de Duarte, a entrevista iniciou questionando-se dados
gerais do respondente como o nome, idade, estado civil e formação. Em relação às
perguntas abertas, iniciou-se com indagações mais abrangentes e simples sobre a
rotina do entrevistado evoluindo-se para questões mais opinativas conforme o
desenvolver da entrevista. (DUARTE, 2009, p. 72).
Foram utilizadas anotações de termos ou expressões-chave e gravação do
áudio, através de gravador portátil, como instrumentos de coleta. Todos os
entrevistados mostraram-se receptivos ao uso do gravador, porém alguns
primeiramente questionaram o uso desse áudio, quem ouviria as suas declarações,
etc. O uso do gravador é vantajoso para que se tenha o registro completo e literal
das falas do entrevistado, reduzindo o risco de distorções, facilitando o
desenvolvimento da entrevista e possibilitando uma maior atenção do entrevistador
quanto à comunicação não-verbal, estando livre para anotar essas reações.
(DUARTE, 2009, p. 76-77).
88
5.6 PERFIL DOS ENTREVISTADOS
Conforme apresentado, os entrevistados foram selecionados através da
combinação de diversos critérios.
1 - Alice tem 21 anos, é solteira, não tem filhos e é estudante de um curso de
graduação. Trabalha como Assistente de Recursos Humanos e Departamento de
Pessoal de uma empresa do segmento de comércio.
2 - Bruna tem 31 anos, é solteira, não tem filhos e é estudante de um curso de
graduação. Trabalha com Recrutamento e Seleção de uma empresa do segmento
de serviços.
3 - Cassandra tem 26 anos, não tem filhos, é casada e está cursando uma
segunda graduação. Trabalha com Recursos Humanos, em uma empresa do setor
de comércio.
4 - Joana tem 24 anos, é solteira e não tem filhos. Está concluindo curso de
graduação e é estagiária de um órgão público municipal.
5 - João tem 44 anos, é divorciado e tem dois filhos, um com 18 anos e outro
com 21 anos. Ele tem o ensino médio completo, atualmente não está estudando e
trabalha informalmente como assistente de ourives.
6 - Mallu tem 24 anos, é solteira e não tem filhos. Acaba de concluir uma
especialização em sua área de atuação. Atualmente exerce o cargo de professora
de inglês e de língua portuguesa em três escolas (duas públicas e uma privada) da
Grande Porto Alegre.
7 - Solange tem 45 anos, é divorciada e tem uma filha, de 23 anos. Ela
atualmente não estuda, mas tem o ensino médio completo. Trabalha e é sócia de
uma Lan House.
89
5.7 DESCRIÇÃO DAS PESQUISAS
Os aspectos mais relevantes obtidos nas entrevistas segundo os objetivos do
presente trabalho serão descritos a seguir utilizando-se, também, a fala literal dos
respondentes.
5.7.1 Entrevista 1
A primeira entrevista realizada foi com a Alice, em sua residência. Esta
mostrou-se bastante insatisfeita não com a sua função, mas com seu ambiente de
trabalho. Quando questionada sobre isso, a primeira afirmação feita pela
entrevistada é que o seu trabalho “é bem chato”. Os principais motivos apontados
pela respondente para este fato seriam a sobrecarga de tarefas, a falta de
prestatividade e pró-atividade de seus colegas de departamento e a carga horária
considerada exaustiva (oito horas e quarenta e cinco minutos). Como fator para
melhoria de sua qualidade de vida é apontada a redução da jornada de trabalho.
A entrevistada mostra-se descontente também com os benefícios oferecidos
pela empresa que seriam concedidos:
sem critério nenhum [...] para algumas pessoas que menos precisam, eles
dão uma bolsa de estudo, eles pagam a faculdade completa ou parcial, mas
esta geralmente é para quem não tem a menor necessidade, e valealimentação para alguns casos em específico.
Alice não se considera uma workaholic, porém se auto-define como “um
pouquinho maníaca” pelo alcance da perfeição na execução de suas tarefas, mesmo
não estando satisfeita com seu emprego.
A entrevistada relata sofrer de algumas doenças decorrentes de seu trabalho.
Estas seriam:
90
O estresse, a exaustão, o cansaço demasiado, eu acredito que eu esteja
com tendinite, porque o pulso costuma doer muito, o braço pára, eu tenho
um problema no joelho chamado bursite, então pelo movimento, pela
circulação no meu trabalho, eu acredito que tenha agravado ainda mais, só
que eu não posso ir no médico para ver.
Sobre seu tempo livre, a entrevistada aponta “ficar com os cachorros” como
sua atividade de lazer preferida, além de gostar de jogos eletrônicos como vídeo
games “para se desestressar”. Alice mostra-se incomodada por não dispor de mais
tempo livre, apontando que:
Preciso de mais, porque eu permaneço dez horas no trabalho, fora o tempo
de deslocamento, eu faço faculdade de segunda à sexta-feira, no domingo
eu faço inglês então, tempo livre, praticamente não existe e o que eu tenho
de tempo livre eu não consigo ter lazer, porque é só o tempo de tu jantar,
almoçar, tomar café e dormir.
Aliado a isso, a respondente afirma que seus atuais problemas de saúde a
impedem de praticar esportes, embora tenha vontade e perceba benefícios nestas
atividades.
Outro fator percebido como negativo em sua rotina é a sua alimentação.
É bem precária, porque, como eu falei, meu atual emprego não fornece
alimentação, tu tem que levar uma marmitinha, deixar na geladeira, que
vaza, o microondas não esquenta direito e a comida de microondas não é a
mesma coisa, tu não pode carregar muito volume porque o ônibus é muito
cheio e o horário também não favorece muito para tu almoçar e depois ir
direto para a faculdade, então a alimentação fica precária.
Alice mostra-se favorável à redução do ritmo, à tranqüilidade no que se refere
a este quesito. Afirmando que o ato de alimentar-se não deve ser realizado “com
tempo contado, pensando que tem que voltar para o trabalho, que tem um monte de
coisas para fazer e ficar nessa correria”. Para ela, os alimentos são os produtos
mais benéficos para a saúde, porém afirma que também em seu ambiente
doméstico não consegue ter uma alimentação considerada saudável por que
91
em casa, cada um tem suas preferências alimentares, como é minha mãe
que cozinha, para não fazer um tipo de comida diferente para cada pessoa,
se faz algo mais básico que agrada todo mundo.
A entrevistada considera o seu ritmo de vida “acelerado demais” e que “a
pressa e o ritmo acelerado, não contribuem nem para a saúde e também não
adianta fazer correndo que não vai salvar nada” Assim ela acha ser possível se
desacelerar, iniciando-se com uma mudança comportamental do indivíduo e esta,
gradualmente, gerando uma mudança na sociedade
Sobre seus hábitos de consumo, Alice afirma fazer compra comparada,
dificilmente sendo levada a realizar uma compra por impulso. Afirma, ainda, não ser
fiel a nenhuma marca, mas ter certas preferências levando em conta fatores como a
qualidade percebida, a durabilidade e a saciedade das expectativas geradas. Estes
também são apontados ao lado da confiança como os principais critérios para a
recomendação de um produto/serviço/marca para terceiros.
Sua marca preferida é a Melissa, “um sapatinho ou sandália de plástico, tem
vários modelos encantadores e têm o diferencial de um cheirinho agradável. Ela me
agrada esteticamente”. Alice não percebe como um ponto negativo ou prejudicial ao
meio ambiente o fato de o produto ser feito de plástico, mas aponta que a
sustentabilidade é um item relevante no momento de compra.
Entre os anúncios apresentados durante a entrevista, Alice mostra-se mais
impactada com o anúncio do produto Chronos, da Natura, pelo tipo de abordagem
empregada na peça.
5.7.2 Entrevista 2
A segunda entrevistada foi Joana, em sua residência.
A respondente considera a sua rotina de trabalho cansativa e mostra-se um
pouco incomodada por ser a única estagiária em seu local de trabalho. Joana afirma
que o órgão para o qual trabalha não oferece benefícios, mas aponta a flexibilidade
92
no horário como fator positivo. A entrevistada afirma ser um pouco workaholic e
oferecendo como justificativa para este comportamento o fato de que precisa estar
sempre em ação, não ficando parada pois se sentiria inútil nesta situação.
Joana mostra-se satisfeita com o seu trabalho avaliando como fatores
positivos estar atuando na área que almeja, o cinema. Os contatos e as pessoas que
está conhecendo nesta atividade mostram-se bastante relevantes para o seu nível
de satisfação.
Como sua atividade de lazer preferida, aponta ir ao cinema. Em seu tempo
livre, gosta de sair com amigos, só não gosta de ficar ociosa, “só não consigo ficar
parada”. Afirma não praticar esportes devido ao fato de, próximo à sua residência,
não existir nenhum parque para fazer caminhada, jogar vôlei ou futebol, que são
atividades que lhe agradam.
Joana afirma que a sua rotina interfere negativamente em sua alimentação.
“Costumo tomar um bom café da manhã. Almoçar já é um problema, devido à
falta de dinheiro. Mas eu janto bem quando sinto fome, porque, às vezes, chego em
casa tão cansada que perco o apetite”.Além disso, aponta que a sua máalimentação já lhe causou alguns problemas de saúde, em um emprego anterior.
“Em outro estagio tinha 15 minutos pra almoçar, ir ao banheiro. Fiquei com
problema de saúde devido à má alimentação. Comia só um salgado ou uma barra
de chocolate, por exemplo”. A entrevistada mostra-se cética quanto à possibilidade
de se realizar as atividades relacionadas à alimentação (cultivo, preparo e consumo)
com tranqüilidade.
Joana revela que seu ritmo de vida é acelerado, porém o caracteriza como
“monótono” devido à grande quantidade de tempo empregada para realizar
deslocamentos, afirmando utilizar quatro horas por dia para esta finalidade.
A entrevistada não acredita ser possível um processo de desaceleração na
sociedade atual e prevê que a aceleração vai aumentar cada vez mais.
Sobre seus hábitos de consumo, Joana mostrou-se pouco colaborativa, não
estando muito à vontade para discorrer sobre esses temas. A respondente afirma
93
não ser adepta da moda ou ser influenciada por nenhum tipo de comunicação
promovida por um produto/serviço/marca. Afirma que compra um produto “por já
conhecê-lo, [...] vou por mim”. O principal fator apontado com requisito para ser fiel a
uma marca é a qualidade percebida através de experiências de uso anteriores,
porém o preço é um grande influenciador no momento de decisão de compra – fato
este visto como negativo pela entrevistada.
“Por ser estagiária, tempo e dinheiro são coisas que não combinam muito.
Logo, compro o mais barato e o que faz pior à saúde. Isto é, lanches, por exemplo”.
Joana afirma não acreditar que as empresas que divulgam a sustentabilidade
como diferencial estejam sendo verdadeiras, porém, no caso de ter conhecimento de
que uma empresa não tem políticas sócio-ambientais corretas, não consumiria seus
produtos ou contrataria os seus serviços.
A entrevistada afirma que não tem marca preferida e que não gosta de
anúncios de nenhum tipo. Desta forma, preferiu não comentar os anúncios
mostrados sugerindo que tais peças sempre deveriam conter “o quanto a maioria de
seus produtos faz mal para a saúde das pessoas, pois eles visam captar o
consumidor de alguma forma seja pelo gosto, pelo nome ou pelo visual do produto.”
5.7.3 Entrevista 3
A terceira entrevista foi realizada com Solange, em seu ambiente de trabalho.
A respondente mostrou-se bastante receptiva e disposta a participar da pesquisa,
porém, por sua solicitação, esta ocorreu durante seu horário de trabalho, o que
ocasionou em algumas interrupções durante a entrevista.
Solange tornou-se dona de seu próprio negócio recentemente. Sua jornada
de trabalho é extensa, de quatorze a quinze horas por dia, visto que apenas ela e
seu sócio trabalham no empreendimento.Apesar de passar tantas horas envolvida
com o seu trabalho, a entrevistada não se considera uma workaholic. “como a gente
está começando e não tem como pagar um funcionário, tem que trabalhar mesmo,
não que eu seja viciada em trabalho. Tem trabalho demais, mas pela conjuntura
94
atual, é necessário”. A respondente afirma que já teve síndrome do túnel do carpo,
em função da realização de movimentos repetitivos e, em decorrência disso, já
operou ambas as mãos. Solange mostra-se satisfeita em relação ao seu trabalho.
eu gosto do meu trabalho, eu gosto de conversar, eu gosto de dessa
interação que tem e meu trabalho é legal porque tu pega desde a criança, o
jovem, o adolescente, o senhor, o velhinho, eu gosto de interagir, estar
sempre trocando e estou ganhando com isso também.
A entrevistada aponta ter apenas a manhã de domingo como tempo livre.
Neste período ela gosta de ler e de realizar trabalhos manuais e artesanais. É neste
período também que se relaciona com sua filha que também tem uma jornada de
trabalho intensa. Como atividade física esporádica ela aponta a prática exercícios
em sua bicicleta ergométrica e ioga para relaxar.
Quanto à sua alimentação, esta é considerada parcialmente saudável.
Como meu trabalho é anexo à minha casa, eu almoço em casa, comida
normal, comida caseira, carne, salada, verdura, legume. Considero mais ou
menos saudável, em função do trabalho, que se trabalha muito e às vezes
se come mais do que se deveria, para compensar aquele sono, aquele
cansaço, seria como uma forma de compensação, não é muito saudável,
não.
Porém, Solange acredita ser benéfico e recomendável se realizar as refeições
em ritmo de tranqüilidade, afirmando este ser um “momento sagrado” em que se
dedica exclusivamente a esta atividade.
Para alcançar maior qualidade de vida, a respondente gostaria de reduzir a
sua jornada de trabalho diária.
A respondente considera seu ritmo de vida acelerado, se considera também
uma pessoa acelerada, isto é, seu ritmo de vida natural é percebido também desta
maneira, independente das obrigações que seu trabalho demanda. Ela acha que
seria bastante difícil à sociedade atual rumar para a desaceleração, considera
recomendável e benéfico, mas de difícil aplicação à atual realidade.
95
Sobre seus hábitos de compra, afirma avaliar bem cada produto antes de
adquiri-lo através de critérios como a composição do produto, adequação ao seu
estilo pessoal e a relação custo-benefício. Entre os fatores que a levam a
recomendar algum produto/serviço/marca ela esclarece que estes são bastante
subjetivos. “Se eu gostei do produto, a credibilidade que ele tem no mercado, a
qualidade que ele tem, o benefício que ele traz, o preço que ele tem em relação ao
custo-benefício.”
Solange mostra-se cética quanto ao argumento da sustentabilidade na
publicidade, mas afirma que se tem certeza que uma empresa tem práticas sócioambientais incorretas ela boicota e não compra os produtos ou contrata os serviços
desta empresa. Sua marca preferida está alinhada a esta perspectiva, é a Natura,
em função da qualidade percebida em seus produtos e a suas práticas ambientais.
A entrevistada relata sensibilizar-se com anúncios percebidos como criativos
e divertidos e que considera importante que estas peças deixem claro o benefício
real do produto e não exponha apenas “ilusões”.
Como o anúncio que mais lhe impactou positivamente, aponta o anúncio do
Perfume do Brasil Priprioca por este estar num contexto de valorização da natureza,
por lhe transmitir uma sensação de aconchego.
5.7.4 Entrevista 4
A entrevista de João ocorreu na residência de uma amiga do respondente. O
entrevistado atualmente trabalha informalmente há cerca de dois meses. Seu “bico”
é na empresa de um parente, ele atua como assistente de ourives.
Eu chego pela manhã, em torno de 08h00min, 08h30min, faço um cafezinho
e aí começo a ajudar a fazer jóia, a fechar fios de ouro, a fazer soldas
pequenas, a derreter ouro para fazer as peças que são necessárias, os
maquinários que tem, em alguns momentos eu saio, vou fazer algum tipo de
compra, para executar estas peças [...].
96
Sobre sua jornada de trabalho, aponta ser esta flexível, trabalhando cerca de
oito horas por dia. João gostaria de poder contar com um plano de saúde como
benefício, mas percebe como positivos os benefícios que recebe, um auxílio para o
almoço e para seu transporte, visto não trabalhar com registro em carteira de
trabalho.
O entrevistado não se vê como um workaholic, mas aponta que o dono do
estabelecimento onde trabalha o é, pois este “vai até às três horas da manhã
trabalhando, fazendo peças”.
O respondente mostra-se um pouco apático quanto ao quesito satisfação com
o seu trabalho, afirma já ter trabalhado em diversas funções, mas ainda não ter
encontrado o que realmente gostaria de fazer. “eu não consegui me apegar e dizer
‘pô, é isso que eu quero’”.
João considera suficiente o tempo livre que dispõe, utilizando este para sair
com a namorada, assistir partidas de futebol e ir a bares. Suas atividades de lazer
preferidas são tocar violão, cantar, pescar e ir ao estádio do time de futebol do qual
é torcedor. O entrevistado joga futebol quando pode e para relaxar num momento
que considera crítico, o deslocamento através do transporte público, acaba dormindo
no ônibus. Mesmo acreditando ter tempo livre suficiente, o entrevistado considera
que não possui tempo suficiente para estar com seus filhos.
Não tenho mesmo, principalmente o meu filho, ele mora longe. A guria, eu
tenho mais esta relação de pai e filha, mais seguida eu vejo, duas, três
vezes por semana, a gente está junto, convivo mais com ela. Já com ele,
fica mais difícil, o aniversário dele foi agora dia 14 de maio e eu não pude
estar com ele, nem ele pôde vir, para a gente passar o dia juntos, para
aproveitar, dar um abraço nele, não deu, mas são coisas da vida, a gente
tem que se adequar a tudo.
Sobre sua alimentação, afirma buscar balanceá-la mas que, por falta de
tempo, acaba sem sempre conseguindo isso. Ele mostra-se favorável à aplicação de
um ritmo de tranqüilidade nos momentos de alimentação.
Um ponto crítico que gostaria de melhorar para obter maior qualidade de vida
seria dormir mais.
97
Dormir mais cedo, eu durmo muito tarde e acordo muito cedo, isso atrapalha
bastante. Eu vou dormir, quase sempre, duas horas da manhã e sete e meia
eu estou acordado. Eu durmo pouco. E para se viver melhor, é como um tio
meu sempre falou: você tem que dormir bem cedo para acordar bem cedo,
tem que ter o seu horário certo para dormir. Não só eu, acho que muita
gente não tem um sono que seja adequado [...].
João entende a desaceleração no ritmo de vida como positiva, porém percebe
dificuldades em sua aplicação na rotina da sociedade atual.
Sobre seus hábitos de consumo, o entrevistado aponta o fator preço como
decisivo.
justamente porque numa semana tu vai e o produto está um preço e na
outra tu vai e já é outro. Então tu nunca tem uma forma de adquirir a mesma
quantidade de coisas com a mesma qualidade, justamente pelo preço.
Quando eu preciso comprar as coisas eu vou procurar um pouco de
qualidade, entre aspas, mas vou mais pelo preço, que aí tu consegue
adquirir um pouco mais. Se tu for só na qualidade, muitas vezes, tu entra no
supermercado e sai só com uma sacolinha ou duas, te restringe muito.
Destarte, o respondente não se mostra fiel a nenhuma marca e não apresenta
uma marca preferida, sendo influenciado por questões mais situacionais.
João associa aos produtos fabricados em série uma qualidade inferior,
atribuindo a isso a alta velocidade empregada nesta confecção que visa uma grande
quantidade de produtos e não a qualidade dos mesmos. O ritmo de produção é
citado novamente como fator positivo em sua análise de produtos artesanais ou
manuais. “um produto é feito à mão [...] , poder trabalhar ele melhor, fazer com mais
calma e, por conseqüência, melhor”.
Sobre o argumento da sustentabilidade, não percebe este como sendo um
fator decisivo em seu momento de compra, em função do quesito preço acabar
pesando mais em sua situação atual, porém mostra-se sensibilizado com esta
causa.
É bom quando tu pega um bom produto com um bom preço. Por outro lado,
tu tem que pensar que está prejudicando o meio ambiente também, então, é
uma coisa que você tem que parar e pensar, só não pode só ver o teu bem
98
pessoal, tem que pensar nos outros também, né, como um todo, esse teu
egoísmo, amanhã ou depois pode acabar acarretando em algo muito
prejudicial até para a própria pessoa, vai prejudicar à tua volta,
automaticamente a ti também.
O entrevistado apresenta como ponto importante que, quando o produto
puder apresentar qualquer efeito-colateral ou resultado nocivo, que esta informação
esteja presente no material publicitário do produto.
João aponta o anúncio do Perfume do Brasil Priprioca, da Natura, como o que
mais lhe chamou atenção. “porque a gente vê através disso aqui o potencial que o
nosso país tem e que, infelizmente, não é utilizado corretamente [...]”.
5.7.5 Entrevista 5
A quinta entrevista realizada foi com a Bruna, em seu ambiente de trabalho.
Houve apenas uma interrupção proveniente de uma ligação de trabalho, mas esta
não afetou o desenvolvimento da entrevista.
Bruna mostra-se motivada com o seu trabalho, descreve em detalhe as suas
atividades, sempre adjetivando-as positivamente e mostra-se satisfeita com os
benefícios ofertados pela empresa em que atua.
A entrevistada não se considera uma workaholic,
Acho que eu sou uma apaixonada pelo trabalho...é workalover? Uma coisa
assim. Eu não sou fanática por trabalho, mas eu gosto muito do que eu
faço. Eu gosto da área em que eu atuo hoje, sou apaixonada por RH, por
recrutamento e seleção, é a área que eu quis trabalhar. Eu trabalho já faz
oito anos na área, comecei com Departamento de Pessoal, fiz muita folha
de pagamento, é uma área interessante, para conhecimento é muito bom,
mas a área que eu gosto mesmo de atuar é na área de recrutamento,
trabalhar com pessoas.
Assim, ela considera-se satisfeita com o seu trabalho, citando o valor de seu
salário como um item que poderia ser melhorado, embora aponte este como estando
na média praticada no mercado de trabalho. Seu horário de trabalho também é visto
99
com alguma ressalva
[...] entrar às 07h30min no trabalho e sair às 17h30min, é uma carga horária
pesada. À noite a gente estuda, então praticamente só tem dois dias no final
de semana e quem tem filhos eu imagino que deva ser bem complicado; eu
não tenho e já acho bem difícil para fazer todas as tuas rotinas, tudo que
tem hoje, porque são muitas possibilidades, muitas atividades que a gente
tem hoje em dia. Sem falar em serviço de banco, coisas assim, que é quase
impossível de a gente fazer [...].
E para melhorar a sua qualidade de vida, a entrevistada gostaria de iniciar
esta jornada mais tarde.
Sua atividade de lazer preferida é assistir filmes. Em seu tempo livre gosta
também de passear e ir a parques e tomar chimarrão com os amigos. Bruna tem
vontade de praticar natação, porém este desejo é visto como proibitivo em função do
valor dessa atividade ser percebida como muito alta para seu momento atual.
A entrevistada avalia a sua alimentação como “bem saudável”.
eu procuro sempre tomar café da manhã, é um hábito que eu já adquiri, eu
como saladas, sempre costumo almoçar, não gosto de fazer lanches ao
meio-dia, como alguma coisa à noite... fruta eu como à noite ou meio-dia,
não costumo jantar, mas tomar café à noite. Eu faço algumas refeições em
casa e o almoço sempre fora, em função do trabalho, não tem como ir em
casa.
Ela aponta também como recomendável a adoção de uma atitude de
tranqüilidade em relação à realização das refeições, alegando que, assim, se obtém
“uma resistência melhor”.
Seu ritmo de vida é percebido como acelerado durante seu período produtivo.
Já em seus momentos de lazer e tempo livre, Bruna procura desacelerar e realizar
as suas atividades com maior tranqüilidade.
Assim, a respondente considera positiva uma proposta de desaceleração e de
obtenção de uma relação mais equilibrada com seu tempo. Porém avalia como
sendo bastante difícil estas premissas estenderem-se para toda a sociedade atual,
100
apontando que o volume e a intensidade das exigências do mercado de trabalho
acabam resultando num ritmo acelerado para se preencher tais requisitos, para se
progredir na carreira.
Em função de seu momento atual, a entrevistada aponta que suas
prioridades, hoje, seriam o pagamento do aluguel de seu apartamento e da
mensalidade da faculdade. A partir disso, procura um arranjo entre preço e
qualidade dos produtos consumidos, evitando gastos com itens “supérfluos” como
calçados que acaba deixando para um segundo momento. Porém, ela mostra-se fiel
a determinados produtos
eu não abro mão de alguns produtos de limpeza serem de certas marcas,
mas outras a gente busca preço... depende do produto a gente busca preço,
marca ou os dois, na realidade sempre buscando os dois, qualidade e
preço. [...] mas, principalmente, em produtos de limpeza, são duas coisas
que eu não abro mão: o OMO e o Comfort. O preço um pouquinho menor de
outros produtos não faz a diferença, já não deixa a roupa tão limpa, o
amaciante de outra marca pode ser um pouco mais barato, mas não deixa a
roupa“ cheirosinha.
O argumento da sustentabilidade mostra-se relevante para Bruna, com
algumas ressalvas.
Eu acho que a gente já tem notado que a gente está buscando cuidar mais
isso, comprar produtos que poluem menos, reciclagem de lixo, abandonar a
sacolinha plástica, lâmpadas que economizam mais. Aos poucos a
população está tendo uma conscientização [...] não sei se não é só quem é
culturalmente mais desenvolvido ou se é na população em geral que, às
vezes, a gente não tem muito contato com as classes mais baixas e daí a
gente não sabe [...] entre comida e pensar ecologicamente correto, daí fica
difícil.
Os comerciais e anúncios que mais lhe atraem são os percebidos como
“criativos, que têm um diferencial”. Como informações importantes para estas peças,
aponta um destaque para as “linhas miúdas”, “que quando tu anuncia um produto,
ele tem que ser exatamente aquilo que ele está mostrando e não ser diferente,
apresentar problemas, coisas nesse sentido”.
O anúncio que mais lhe agradou foi o do produto Chronos, da Natura por
101
avaliar que ler a mensagem da peça “deixa a gente mais feliz”.
5.7.6 Entrevista 6
A sexta respondente, a Mallu, optou por realizar a entrevista na residência da
entrevistadora, por motivo de conveniência física. Mallu mostrou-se bastante à
vontade na concessão da entrevista, detalhando suas respostas.
Sua rotina de trabalho é intensa, a respondente é professora de três escolas
diferentes, de cidades diversas da que reside.
Em Gravataí eu trabalho pela manhã (três manhãs, segunda-feira, terçafeira e quarta-feira, das 08h00min ao 12h00min), pela tarde, em
Cachoeirinha, eu trabalho quatro dias (segunda-feira, terça-feira, quartafeira e quinta-feira, das 13h00min às 17h00min) e no curso de inglês eu
trabalho: quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira, duas horas por noite e no
sábado, das 14h00min às 20h00min. E quando tem os sábados letivos nas
escolas, [...] aí eu vou de manhã, de tarde e de noite.
A entrevistada mostra-se satisfeita com os benefícios recebidos de seus três
empregos, visto estes serem complementares.
Do Município, pela manhã, tem a assistência médica e passagem e não tem
tíquete ou vale-alimentação. De tarde eu tenho tíquete, mas não tenho
assistência médica que Gravataí dá e o salário é um pouco menor, mas
agora vai ter mais 20% do pós... e à noite eu tenho ajuda de custo de R$
115,00 e a hora-aula que é de R$ 9,10 e mais R$ 50,00 de plantão tiradúvidas para os alunos que têm dificuldade que eles não pagam nada, mas
a escola me paga.
Apesar de trabalhar em três locais diferentes, não se considera workaholic.
Tem a questão do hard work e do workaholic. Acho que eu não sou, eu
tenho só uma folga por semana, mas hoje eu estou de noite em casa, na
quinta-feira vou estar de manhã, na sexta-feira vou estar manhã e tarde,
apesar de serem três escolas, todo mundo se apavora muito, a carga
horária é pequena em cada uma, vinte horas semanais equivalem a três
102
manhãs de quatro horas, são doze horas por semana num colégio [...] então
acho que não [...].
Porém ela percebe que esta rotina pode estar gerando um problema de
saúde, calo nas cordas vocais, devido à fala ser um instrumento importante e muito
utilizado em seu trabalho.
Mallu mostra-se satisfeita com o seu trabalho, porém mostra-se um pouco
descontente com o envolvimento dos alunos adolescentes e alguns adultos que, em
sua avaliação, não demonstram interesse em aprender.
“Então, a única coisa que me deixa chateada, muito chateada é, às vezes,
saber que eu estudei cinco anos, me matei, e não passo nem 10% do que eu sei no
colégio, as pessoas não estão nem um pouquinho interessadas.”
A entrevistada considera ter quantidade de tempo livre suficiente, o que
faltaria seria uma melhor organização para administrar este tempo. Sua atividade de
lazer preferida e forma de se desestressar é ouvir música. Gosta, também, de
brincar com o seu gato e ir a shows. Recentemente iniciou um curso para aprender a
tocar violão, porém não está conseguindo dedicar-se a este, na semana de
realização da entrevista afirma ter faltado à lição para corrigir provas e colocar em
dia a preparação das aulas.
Quando indagada sobre a prática de atividades físicas e esportes afirma que
não os pratica, mas gostaria.
“Só correr para pegar o ônibus... minha bicicleta está com teia de aranha...
Mas eu queria e precisava fazer musculação, para a musculatura, de carregar muito
peso e aí seria um bem para a saúde, para a estética e tudo o mais...
Sua rotina no que tange a alimentação também é bastante peculiar.
Eu não tenho o hábito de comer nada antes de sair, porque eu saio muito
cedo, 06h30min. Eu como a merenda do colégio, às 09h00min, junto com os
alunos, eu saio de lá e almoço muito rápido, eu tenho, às vezes, cinco
minutos para comer, porque eu saio meio-dia de um colégio, 12h10min
passa o ônibus, são dez minutos que eu tenho que correr para a parada, é
mais ou menos meia-hora até a outra escola, eu chego lá 12h45min, às
103
vezes, 12h50min, e às 13h00min eu tenho que estar dentro da sala de aula.
Eu como correndo, como no restaurante, mas quando eu trabalhava nos
Correios, às vezes, eu nem almoçava, agora eu até como, mas muito
rápido...Depois eu faço um lanchinho na hora do recreio ali por umas
15h00min, depois eu como quando eu chego em casa, umas 18h00min e
depois eu janto. Mas não é muito rica em frutas, saladas, nem nada disso...
A entrevistada mostra-se favorável à desaceleração no momento em que se
alimenta, percebendo esta como benéfica.
Mallu gostaria de poder dormir mais, a fim de melhorar a sua qualidade de
vida, além de ter uma alimentação mais adequada e de praticar exercícios
regularmente.
A respondente considera que “tem que ser possível, pelo menos um pouco”
um movimento de desaceleração na sociedade atual.
Sobre seus hábitos de consumo, afirma que hoje não busca mais apenas
pelos produtos de menor preço, mas que, também, nem sempre acha necessário
comprar o produto que é considerado o melhor. Como exemplo, cita três marcas de
biscoitos recheados, que ela acaba optando pelo que não considera o mais
saboroso, mas que oferece a melhor relação custo x benefício.
A entrevistada valoriza os produtos artesanais e manuais.
algo manual é feito com dedicação, trabalho, empenho da habilidade da
pessoa, eu reconheço o valor que esse produto tem sobre o industrial que tu
só aperta o botão e está lá, 50.000 [produtos], todos iguais [...].E algumas
pessoas se matam para fazer ‘uma coisinha’ num grão de arroz [...].
Mallu mostra-se favorável ao apelo da sustentabilidade.
“Finalmente, o mundo teve que chegar neste ponto para ter essa
conscientização. Isso faz diferença [...] eu acho bem importante”.
Sobre fidelidade a marcas, aponta que é fiel a duas.
“[...] tem uma que eu sou ‘fiel, fiel, fiel’, é a Margarina Qually e ao desodorante
Dove, porque eu gosto, são bons. Já experimentei outros e não foram tão bons
104
quanto aqueles, então... sou fiel, mesmo sendo mais caro, vale a pena.
Assistir comerciais e ler anúncios é uma atividade costumeira para a
entrevistada.
“Eu paro para olhar comercial. Às vezes, o comercial é melhor do que o
programa que está passando”.
Entre os que mais lhe chamam atenção estão os com fundo musical, ela
dispensa bastante atenção para este item, buscando posteriormente, na internet, a
letra da música. Os comerciais que apresentam apenas lettering, isto é, comerciais
sem áudio, com mensagem escrita na tela, costumam despertar bastante interesse.
“[...] às vezes, quando eu passo por um outdoor, eu penso ‘ah, aquela pessoa
ali não foi feliz com aquela propaganda, o que ele pensou?’ e tem uns que eu penso
‘bah, que legal, que idéia tri que ele teve’ [...]”.
O anúncio apresentado que mais lhe agradou foi o do Chronos, da Natura,
por considerar este “inteligente, uma coisa diferente”.
5.7.7 Entrevista 7
A última entrevista realizada foi com Cassandra, em seu ambiente de
trabalho.
Cassandra classifica sua rotina como “rotineira”, mostrando-se um pouco
descontente com o seu trabalho atual e com os benefícios ofertados aos
funcionários.
Eu entendo que benefícios são coisas que venham para agregar a vida do
funcionário, melhorar a sua qualidade de vida. Aquilo que te fornecem
sendo o básico, eu não vejo isso como um benefício, um grande atrativo,
fornecer vale-transporte, um plano de saúde básico ambulatorial, me parece
uma coisa meio óbvia. Agora, um diferencial, eu imagino, de repente,
previdência privada, um auxílio-alimentação e não dispor de um refeitório
que é mal estruturado, que não está pronto para receber os funcionários,
[...].
105
A entrevistada não se considera uma workaholic, visto não estar muito
satisfeita com o seu trabalho.
“Trabalhar com RH é uma coisa que eu gosto, mas dentro dos critérios
adotados atualmente, nesta empresa que eu estou, tem coisas que eu discordo e
que não me agradam, gostaria que muita coisa fosse diferente”.
A mesma aponta negativamente que passa mais tempo envolvida com o
trabalho, com sua “vida dentro da empresa do que fora dela”.
Afirma ainda não dispor de tempo livre pois, quando não está envolvida com o
trabalho, está com seus estudos. Ficando assim, pouco tempo para o lazer. Quando
o tem, gosta de ir ao cinema, sair para dançar e ler.
A fim de melhorar a sua qualidade de vida, gostaria de ter maior flexibilidade
de tempo.
[...] eu gostaria de poder escolher ou flexibilizar mais os horários, ter um
pouco mais de disponibilidade, eu queria isso,[...] que a empresa aceitasse
‘olha tu tem tanto tempo livre para fazer as tuas coisas pessoais’, por
exemplo, horário de banco é uma coisa que praticamente inexiste, tu não
tem como fazer alguma coisa em horário bancário porque tu estás dentro da
organização... agora sabendo que tu tens um tempo no mês para fazer
essas tuas coisas pessoais, isso já poderia ajudar em alguns aspectos.
Cassandra descreve a sua alimentação como “comida no potinho ou em
saquinho”, isto é, alimentos pré-prontos, que não são frescos, feitos na hora, a
maioria industrializado.
A respondente considera a sua rotina cansativa, para relaxar e manter o
equilíbrio pratica técnicas de respiração.
“Respirar fundo e contar até dez muitas vezes ao dia...”
Durante os finais de semana afirma procurar desacelerar, porém nem sempre
isso é possível.
“[...] justamente por deixar a vida pessoal de lado, aí as coisas que tu acumula
durante a semana que tu não pode fazer, tu tem que colocar em dia no final de
106
semana”.
A entrevistada percebe como positiva a prática da desaceleração, sobretudo
aplicada ao ambiente corporativo. Porém considera esta difícil de acontecer,
sobretudo pelas cobranças e pré-requisitos cada vez mais extensos, mas não avalia
como uma mudança impossível.
Cassandra revela que a maior parte dos produtos consumidos é escolhida por
seu marido, visto ela no dispor de tempo disponível para tal atividade, mas que,
quando consegue, gosta de comprar novidades e produtos diferentes, em oposição
a seu marido que compra apenas o que é necessário.
Entre os fatores que considera mais influentes para a compra de um produto
ou contratação de um serviço estão a indicação através de fontes confiáveis, a
qualidade do produto ou serviço e a adequação do preço à sua situação e
disponibilidade de compra.
A respondente afirma gostar de produtos artesanais e manuais mas que a
facilidade do self service, de chegar num mercado e já levar o produto pronto, muitas
vezes acaba pesando mais numa decisão de compra.
Sobre a utilização do argumento de sustentabilidade, considera esse
questionável, não tendo certeza se o que está sendo divulgado corresponde
realmente à realidade.
A entrevistada afirma não ter marca preferida, mas que, com freqüência,
acaba optando por produtos de determinadas empresas por conveniência, por já
conhece-los e saber de sua qualidade.
Entre os anúncios que mais lhe impactam estão os coloridos, que ela perceba
que oferecem um “convite para pensar”, com frases de impacto.
O anúncio que mais lhe chamou a atenção dentre os apresentados foi o da
empresa Tim.
Criativa, muito criativa. Ela foi sucinta e bem objetiva. Fala, justamente, no
que foi questionado antes, sobre a desaceleração, alguém que está
107
contemplando uma coisa simples e que termina com a frase “utilize a nossa
tecnologia para viver melhor”, que eu acredito que é o objetivo, não de
todos, mas da maioria das pessoas, buscar melhor qualidade de vida. Este
me agrada mais. Me passa a sensação de movimento, por causa dos
cabelos, não é muito poluído visualmente, com frases, não faz muita ênfase
na marca, a marca está ao canto, objetivo[...].
5.8 ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA
Conforme Duarte, “analisar implica separar o todo em partes e examinar a
natureza, funções e relações de cada uma”. (DUARTE, 2009, p. 78).A partir dos
dados obtidos nas entrevistas, percebe-se que alguns são convergentes e outros
divergentes. As respostas obtidas serão analisadas a partir do agrupamento por
categoria, uma
forma de esquema de análise completa e única em si mesma [...] em cada
categoria o pesquisador aborda determinado conjunto de respostas dos
entrevistados, descrevendo, analisando, referindo à teoria citando frases
colhidas durante as entrevistas e a tornando um conjunto ao mesmo tempo
autônomo e articulado.(DUARTE, 2009, p. 79).
Assim, a fim de se atingir os objetivos do presente estudo foram definidas as
seguintes categorias: relação do entrevistado com o seu tempo produtivo, relação do
entrevistado com o seu tempo não-produtivo, sustentabilidade da proposta de
desaceleração, características de consumo dos entrevistados e percepção de
anúncios publicitários selecionados.
Entrevistado
Percepções sobre seu trabalho e satisfação obtida através dele
108
Alice
Bruna
Cassandra
Joana
João
Mallu
Solange
“Meu trabalho é bem chato [...] é uma carga horária muito exaustiva [...] a rotina é
cansativa [...] A minha empresa não trabalha com benefícios, os poucos que ela
fornece, são para pessoas sem critério nenhum [...] Estou totalmente insatisfeita”.
. “Acho que eu sou uma apaixonada pelo trabalho [...] eu gosto muito do que eu faço
[...] A empresa hoje oferece convênio médico, que hoje é bem importante, não são
todas as empresas que podem estar oferecendo este benefício, o tíquete-refeição
[...] Estou satisfeita porque eu estou na área que eu gosto de trabalhar, lógico que a
gente sempre busca maiores salários [...] se pudesse eu entraria mais tarde no
trabalho”.
“Minha rotina é extremamente rotineira [...] trabalhar com RH é uma coisa que eu
gosto, mas dentro dos critérios adotados atualmente, nesta empresa que eu estou,
tem coisas que eu discordo e que não me agradam, gostaria que muita coisa fosse
diferente... [...] eu passo muito mais tempo da minha vida dentro da empresa do que
fora dela. [...] Eu entendo que benefícios são coisas que venham para agregar a
vida do funcionário, melhorar a sua qualidade de vida. Aquilo que te fornecem
sendo o básico, eu não vejo isso como um benefício, um grande atrativo, fornecer
vale-transporte, um plano de saúde básico ambulatorial, me parece uma coisa meio
óbvia”.
“Sou a única estagiária na fundação [...] acho minha rotina um pouco cansativa [...]
não há atrativos, gostaria de receber vale-alimentação e vale-transporte. para que
eu não precisasse pagar do meu bolso. Mas há flexibilidade nos horários e isso é
bom. [...] Sou um pouco workaholic, não consigo ficar parada. Me sinto inútil. [...]
Estou trabalhando na área que quero, cinema. Quero trabalhar com filmes, mas já
estou me encaminhando, por meio dos contatos. Estou conhecendo muita gente”.
“Atualmente, eu faço ‘bico’. [...] A gente não tem um horário pré-fixado. [...] Eu tenho
além do salário, eu tenho uma ajuda com o almoço e as passagens [...] eu gostaria
de ter um plano de saúde [...] até hoje, não teve uma coisa que eu me apegue mais,
tudo que a gente vai fazer de diferente é um aprendizado a mais, e eu não consegui
me apegar e dizer ‘pô, é isso que eu quero’
“Cada dia é um dia totalmente diferente. [...] apesar de serem três escolas, todo
mundo se apavora muito, a carga horária é pequena em cada uma [...] Do Município
tem a assistência médica e passagem [...] de tarde eu tenho tíquete. [...] o salário é
um pouco menor, mas agora vai ter mais 20% do pós. [...] Eu gosto do que eu faço,
só não gosto da falta de comprometimento dos alunos de colégio, eles são muito
desinteressados, [...] então a única coisa que me deixa chateada, muito chateada é,
às vezes, saber que eu estudei cinco anos, me matei, e não passo nem 10% do que
eu sei no colégio
“É uma rotina cansativa, mas a gente precisa trabalhar, que bom que eu posso
trabalhar. [...] como a gente está começando e não tem como pagar um funcionário,
tem que trabalhar mesmo, não que seja viciada em trabalho [...] Eu procuraria
diminuir a minha carga horária ou pelo menos uns dias. [...] Já tive Síndrome do
Túnel do Carpo. Eu fiz cirurgia em ambas as mãos. [...] Estou muito cansada, mas
satisfeita, eu gosto do meu trabalho”.
Quadro 1 – Relação do entrevistado com o seu tempo produtivo
Fonte: Elaborado pela autora
Analisando-se as respostas percebe-se que todos os entrevistados aliam seu
nível de satisfação com o trabalho ao tempo dispensado para esta atividade ou na
flexibilização deste tempo. Conforme Honoré, “estudos demonstram que as pessoas
que se sentem no controle do seu tempo são mais tranqüilas, criativas e produtivas”
(HONORÉ, 2005, p. 235). Percebe-se que os entrevistados João, Joana e Mallu que
afirmam ter uma rotina com horários mais flexíveis não me mostram tão insatisfeitos
com seus atuais postos de trabalho quanto Alice e Cassandra que percebem a
109
duração de suas jornadas de trabalho como fatores negativos. Já para Bruna e
Solange, embora o seu horário de trabalho não seja percebido como o ideal, este
não interfere tão decisivamente na satisfação geral com a sua atividade produtiva.
Os benefícios ofertados também se mostram fatores relevantes para a
definição de uma relação saudável com este tempo em que os entrevistados
passam na empresa. Alice, Cassandra, Joana e João citam este fator, mostrando-se
insatisfeitos ou apresentando o desejo de serem contemplados com benefícios mais
vantajosos. Bruna mostra-se satisfeita com este quesito, porém acredita que sua
remuneração ainda poderia ser maior. Mallu mostra-se satisfeita com este fator.
Solange, como é dona de seu próprio negócio não cita este item. Como item
bastante decisivo para a satisfação dos entrevistados com seu tempo produtivo está
o fato de se fazer o que gosta. Alice e Cassandra mostram-se descontentes com
suas posições atuais, enquanto Bruna, Joana, Mallu e Solange afirmam fazerem o
que gostam, já João afirma que ainda não encontrou a atividade laboral definitiva,
que gosta da aprendizagem, mas que ainda não encontrou a atividade certa.
Entrevistado
Alice
Bruna
Cassandra
Joana
João
Percepções sobre seu tempo não-produtivo
“tempo livre praticamente não existe [...], o que eu tenho de tempo livre eu não
consigo ter lazer, porque é só o tempo de tu jantares, almoçar, tomar café e dormir
[...]. Eu gosto de ficar com os meus cachorros, eu gosto de jogar videogame, é uma
ótima forma de desestressar e dormir, quando eu posso. [...] Preciso de mais tempo
livre”.
“Acho que tenho pouco tempo livre [...] Meu lazer preferido é ver filmes, eu gosto
muito de ver filmes, seriados, não só em caso, gosto de cinema, gosto de passear,
aqui no Rio Grande do Sul, a gente tem a possibilidade de ir nos parques tomar
chimarrão”.
“Tempo livre? Não tenho tempo livre. [...] Mas eu gosto de ir ao cinema, sair para
dançar, ler... mas, ultimamente eu tenho ficado mesmo é na frente do computador,
fazendo trabalhos da faculdade”.
“não consigo ficar parada. [...] Acho que tenho pouco tempo livre, poderia ser mais
[...] Costumo ir muito ao cinema. Seja sozinha, com meu namorado ou com as
amigas. Passear também, é algo que gosto muito, caminhar”.
“Tenho tempo livre, tenho o sábado, o domingo, já é bastante tempo, [...] eu acho
que é bem aproveitado o meu tempo livre [...] eu gosto muito e pescar lá fora na
terra do meu pai e da minha mãe e ir no estádio ver o meu time,
Continua:
Entrevistado
Mallu
Percepções sobre seu tempo não-produtivo
“Acho bom meu tempo livre [...] falta de mim, às vezes, mais organização de como
lidar com meu tempo livre. gosto de ouvir música, brincar com o gato, sair e ouvir
mais música da Mallu [Magalhães] e ir no show da Mallu”.
110
“Eu gostaria de ter mais tempo livre [...] Eu gosto de ler, de fazer trabalhos
artesanais”.
Solange
Quadro 2 – Relação do entrevistado com o seu tempo não-produtivo
Fonte: Elaborado pela autora
Exceto João e Mallu, todos os entrevistados apontam dispor de pouco tempo
livre, e apresentam atividades de lazer preferidas, porém não conseguem praticá-las
com freqüência. Conforme Andrade, “o lazer é essencial à vida humana equilibrada,
saudável e produtiva”.(ANDRADE, 2001, p. 21). Essa ausência do tempo livre gera
um desconforto, todos que afirmaram não dispor o suficiente, mostra-se insatisfeito
com tal fato. Esta ocorrência vem ao encontro da constatação de que o sujeito hoje
“precisa de diferentes tempos para se sentir inteiro. Como desempenhar a
pluralidade de papéis – pai, mãe, amigo (a), irmão (ã), marido, mulher – quando o
domínio da identidade “funcionário (a) suplanta outras fontes de lazer e realização?”.
(Naigeborin, 2006, p. 48). Assim, o tempo produtivo seria apenas um dos outros
tempos que compõem o indivíduo e fazem com que ele se sinta inteiro. (Esteves,
1996 in Naigeborin, 2006, p. 48).
Entrevistado
Alice
Bruna
Percepções sobre a proposta de desaceleração na sociedade contemporânea
“A pressa, o ritmo acelerado, não contribuem nem para a saúde e também não
adianta fazer correndo que não vai salvar nada [...] acho que vai de cada um
começa no individual e depois vai para o coletivo, acho que vai muito da
mentalidade de cada pessoa”.
“Acho que cada um deveria fazer as coisas no seu ritmo. [...] Isso é certo: cada
pessoa tem o seu horário para produzir melhor. [...] Possível, é, mas é bem difícil; e
está cada vez ficando mais difícil. [...] quando a gente chega, no mercado de
trabalho, se tu quiser crescer, fica difícil desacelerar”.
Continua:
Entrevistado
Percepções sobre a proposta de desaceleração na sociedade contemporânea
111
Cassandra
Joana
João
Mallu
Solange
“Esse Movimento Slow, eu já ouvi falar, muitas organizações fora do Brasil, já têm
adotado isso, pelo menos eu, particularmente, não conheço aqui no Brasil alguma
que tenha adotado este conceito, mas, fora daqui, eu já ouvi falar muito disso e isso,
com certeza, melhora a qualidade de vida daqueles que estão dentro da
organização, porque, no fim, tu acaba se adaptando a esse ritmo e isso tu acabas
levando para fora da empresa, então o Movimento Slow acaba também sendo para
a tua vida pessoal, tu acaba aproveitando mais esses pequenos momentos que tu
vive, as coisas mais simples da vida acabam sendo melhor aproveitadas. [...] Nada
é impossível, mas é difícil, a tendência é cada vez mais acelerar, é cada vez a gente
dormir menos e trabalhar mais, estudar mais, [...] é importante, sim, a gente pensar
que é necessário fazer um pouco dessa desaceleração e se questionar quanto que
isso tudo vale, porque que eu estou fazendo tudo isso, qual é o objetivo, eu quero
chegar até onde, trazer essas questões já auxilia um pouco as pessoas para que
elas possam se entender”.
“Isso é extremamente um pensamento individualista, da pessoa. Não vivemos num
mundo de coletividade, infelizmente. É difícil equilibrar tempo, trabalho, família,
amigos nesse mundo em que vivemos. [...] isso é impossível. Há sim, um processo
cada vez maior de aceleração”.
“Seria bom se pudesse ser assim, seria muito bom. Só que, infelizmente, não dá.
[...] De repente para alguns setores, alguns tipos de trabalho, até poderia mas, a
maioria das pessoas hoje não tem como desacelerar”.
“Hoje em dia, a maioria das pessoas está em outro ritmo, que o mercado exige, tem
curso meia-noite, tem curso de madrugada, não existe mais dormir para alguns...
[...] Tem que ser possível, pelo menos um pouco [...] É possível até certo ponto,
cada um constrói a sua vida”.
“Eu até concordo que prejudica [...] é muito difícil, teria que mudar toda a realidade,
com essa tecnologia que está aí, como as pessoas interagem, eu acho difícil. Seria
até bom, mas acho muito difícil”.
Quadro 3 – Sustentabilidade da proposta de desaceleração
Fonte: Elaborado pela autora
Todos os entrevistados mostraram uma percepção positiva na desaceleração,
avaliando esta como benéfica. Porém, nenhum se mostra seguro de que tal
mudança seja sustentável na sociedade atual.
Entre os motivos citados estão
pressões de mercado de trabalho, a diversidade de tarefas e papéis a se exercer, a
velocidade com que surgem novas tecnologias, formas de interação. Apenas Bruna
já havia ouvido falar sobre o Movimento Slow, este aplicado à esfera do trabalho. A
preocupação com o trabalho é recorrente nas falas dos entrevistados, mostrando-se
como um dos itens de maior preocupação na análise dos entrevistados dentro do
processo de desaceleração. O fato de a desaceleração ser vista como positiva,
porém com desconfiança quanto a sua real possibilidade de aplicação, sobretudo ao
mundo corporativo, mostra-se alinhada com a conclusão de Naigeborin de que “o
desejo de uma vida equilibrada irrompe em um momento de crise mundial, onde o
desemprego e a redução de funcionários impacta em pressão constante”.
(Naigeborin, 2006, p. 75).
112
Entrevistado
Alice
Bruna
Cassandra
Joana
João
Mallu
Solange
Principais características de consumo dos entrevistados
“Como eu recebo pouco, geralmente é uma compra comparada. Por impulso é difícil
[...] Eu não sou fiel a nenhuma marca, mas tenho preferências. [...]
tu olha marca, qualidade, tem que ter confiança, uma marca que não é só um nome,
tu olha se é uma coisa que tu conhece, sabe que é boa, aí tu compra. [...]
Aqui o diabinho briga com o anjinho, porque tem a procura constante de economizar
e de comprar por um preço menor, e às vezes deixamos este lado de
responsabilidade um pouco mais de lado. [...] Minha marca preferida é a Melissa”.
“A confiabilidade é importante para ser fiel a uma marca. [...] eu não abro mão de
alguns produtos de limpeza serem de certas marcas, mas outras a gente busca
preço... depende do produto a gente busca preço, marca ou os dois, na realidade
sempre buscando os dois, qualidade e preço. Mas, dependendo, como o custo de
vida hoje está muito alto, às vezes o preço é o mais importante. [...] a gente está
buscando cuidar mais isso, comprar produtos que poluem menos, reciclagem de
lixo, abandonar a sacolinha plástica, [...] entre comida e pensar ecologicamente
correto, daí fica difícil. [...] são duas coisas que eu não abro mão: o OMO e o
Comfort”.
“Eu quase não freqüento o supermercado, quem acaba fazendo isso é o meu
marido... ele compra exatamente aquilo que a gente precisa, coisas como novidade,
quando eu vou, eu acabo trazendo, mas é raro isso acontecer [...]
para ser fiel, qualidade [...] sustentabilidade, claro, existe toda uma mídia em cima,
mas até que ponto eles realmente praticam isso é questionável, não sei se isso tem
influenciado diretamente nos consumidores [...] Eu não tenho uma marca preferida”.
“Não sou adepta de moda, das novidades, ou algo que vi em algum meio de
comunicação, vou por mim. [...] O que mais influencia é qualidade e preço [...] Não
creio muito nesses argumentos das empresas, de sustentabilidade. [...] Eu não
tenho marca favorita”.
“Numa semana tu vai e o produto está um preço e na outra tu vai e já é outro. [...]
Eu sou muito prático, eu não me apego a marcas, eu vejo se o produto é bom, se
está dentro daquilo que eu preciso, das minhas condições. [...] É bom quando tu
pega um bom produto com um bom preço. Por outro lado, tu tem que pensar que
está prejudicando o meio ambiente também, então é uma coisa que você tem que
parar e pensar [...] Não tenho marca preferida”.
“Antes eu procurava tudo pelo mais barato, mas hoje em dia eu nem sempre
procuro tudo pelo melhor porque, muitas vezes, não precisa [...] eu prefiro comprar
uma coisa boa, que dure. Tem coisas que eu prefiro pagar mais caro, mas que
supra as minhas necessidades. [...] Eu acho bem importante a sustentabilidade. [...]
Tem uma que eu sou ’fiel, fiel, fiel’, é a Margarina Qually e ao desodorante Dove”.
“Não escolho nem pelo preço, nem pela marca, mas pelos ingredientes. [...] Roupa,
é pelo estilo do meu corpo, não me incomodo com moda. [...], a qualidade é o
principal e um preço razoável. [...] Eu gosto de boicotar quando acho que o negócio
é ruim. [...] Marca preferida é Natura”.
Quadro 4 – Características de Consumo dos Entrevistados
Fonte: Elaborado pela autora
Fatores situacionais pautam prioritariamente as influências de compras dos
entrevistados. Estes fatores poderiam ser caracterizados como “uma gama de
influências momentâneas e circunstanciais por ocasião da compra [...]”. (PINHEIRO
et al, 2004, p. 40). Fatores psicológicos como a atitude também se mostram
presentes, sobretudo no quesito sustentabilidade. Atitudes, neste contexto, seriam
“predisposições, sentimentos e tendências relativamente consistentes de um
113
indivíduo em relação a uma determinada situação ou a um objeto” (PINHEIRO et al,
2004, p. 27). Assim, Solange, por exemplo, apresenta uma atitude positiva em
relação a produtos de empresas que utilizam o argumento da sustentabilidade, o
que vai ao encontro de sua marca preferida, a Natura, que, como já abordado, tem
práticas que visam à sustentabilidade.
Já o processo decisório de João, poderia ser classificado como decisão de
rotina, assim os consumidores “despendem muito pouco esforço buscando
informações externas e avaliando alternativas [...] a decisão de rotina acontece nas
compras freqüentes de produtos de baixo preço”. PINHEIRO et al, 2004, p. 52).
Bruna e Mallu caracterizam-se como consumidoras comprometidas, e Alice e
Joana como compradoras sem lealdade à marca, segundo os níveis de lealdade do
comprador de Aaker (1991 in, PERES, 2007, p.76).
Entrevistado
Alice
Percepção de anúncios publicitários selecionados.
Perfume .do Brasil Priprioca (1): “Olhando para ele, não consigo identificar o que
eles querem vender, só vejo a marca e pela marca tu reconhece o segmento, mas
eles utilizam o apelo de ser uma coisa do país, para alguns atrai, para mim não faz
muita diferença”.
Chronos (2): “Eu gosto porque tu identifica o produto, a marca, ele tem um apelo
mais forte, voltado principalmente para o público feminino, tu percebe
inconscientemente porque quem se preocupa mais com questões estéticas e de
tempo, rugas e o foco que ele dá é para tu te preocupar um pouco simplesmente
com o número, que seria a idade e tentar recordar um pouco das memórias, das
lembranças que tu viveu e que tu acumulou durante este período”.
Tim (3): “Eu gosto também, tu consegue perceber a marca, o foco, não é
simplesmente “compre celulares por R$ 9,90”, tem o apelo de uma marca que está
presente, quer estar presente, em toda a tua vida, dando conselhos e passando a
confiança através disso”.
Continua:
Entrevistado
Percepção de anúncios publicitários selecionados.
114
Bruna
(1) “É um perfume. A Natura está investindo bastante nessa área de ecologia, eu
gosto dos anúncios da Natura normalmente porque eles são bem coloridos,
chamam a atenção”.
Cassandra
Joana
(2) “Este está ótimo. Muito bom o texto, muito criativo, dá uma sensação de bemestar... às vezes a gente vê a idade como um peso, e não como ‘quantos sorrisos
você tem?’, gostei desse, gostei bastante”.
(3) “Está bem dentro daquilo que a gente falou, ‘Desacelere’, ‘quanto mais as
novidades aparecem, mais as pessoas correm’, é isto, a tecnologia crescendo cada
vez mais, vai aparecendo cada vez mais novidades, a gente acaba sempre
correndo, entrando num ritmo muito acelerado e, realmente, esquece de
desacelerar um pouco, dizer ‘não agora eu preciso parar, preciso dar uma
caminhada, preciso fazer um exercício’, ou até mesmo relaxar com os amigos, com
a família... eu gostei, achei bem bonito, bem criativo, gostei que faz a gente refletir
para o nosso bem, usou a marca para o bem-estar da pessoa, muito bom”.
(1) “Esse é da Natura, uma empresa que é conhecida por ter produtos
ecologicamente corretos, por utilizar produtos naturais, preservação da Amazônia...
eu gosto, nada que me impacte muito, mas eu acho inteligente as comunicações da
Natura”.
(2) “Não consigo identificar o objetivo desse creme, provavelmente é cuidar melhor
da pele, prevenção a rugas, essas coisas, mas não gosto da primeira frase
particularmente... precisava dar mais destaque aos benefícios que o produto traz
que é o objetivo do marketing”.
(3) “Criativa, muito criativa. Ela foi sucinta e bem objetiva, fala, justamente, no que
foi questionado antes, sobre a desaceleração, alguém que está contemplando uma
coisa simples e que termina com a frase ‘utilize a nossa tecnologia para viver
melhor’, que eu acredito que é o objetivo, não de todos, mas da maioria das
pessoas, buscar melhor qualidade de vida. Este me agrada mais. Me passa a
sensação de movimento, por causa dos cabelos, não é muito poluído visualmente,
com frases, não faz muita ênfase na marca, a marca está ao canto, objetivo”.
Joana não quis opinar sobre este assunto.
Continua:
Entrevistado
Percepção de anúncios publicitários selecionados.
115
João
Mallu
Solange
(1) “Este parece mais o logotipo da Globo. É da Natura, o que seria aqui, eu não
consigo identificar. Mas abrange em termos de Brasil, achei bacana, bem bolado,
isso seria um tapete? Deu para ver algo artesanal. Já está mostrando até mais ou
menos a região... Eu acho que o nosso país tem muito a dar, mas tem que saber
como tirar, infelizmente tão botando gente aqui dentro que está destruindo, não
sabendo como usar. E a gente como gostaria de muito fazer e pouco pode, é difícil”.
(2) “O tempo passa tão rápido, o mínimo de tempo que se tem hoje, a gente tem
que se cuidar um pouquinho das rugas, da velhice, eu uso justamente, um Chronos
desses, ajuda, é um bom produto. A Natura, afinal de contas, tem bons produtos,
excelentes produtos. O anúncio está bem exposto, o que está escrito está
abrangendo bem aquilo que, nem para todos, mas para muitos, já acontece no diaa-dia, fala um pouco de cada um, com certeza, porque a gente conta o tempo em
anos. Quantos sorrisos você tem? Se desse para ter um para cada situação, muitos.
É bem abrangente, bem bacana.”.
(3)” É a tranqüilidade que se precisaria ter na vida. Estar num lugar como esse, que
ela está vendo um aquário, é uma boa mídia essa da Tim”.
(1) “O que eu não gosto é de propaganda de perfume, porque tu não sente o cheiro,
ainda mais na TV, fica no ‘ai, que embalagem bonita, vai ficar legal na minha
cômoda’. Tem a marca ali, quem se interessar vai lá e compra, fala com uma
revendedora”.
(2) “Eu tenho uma coisa com propagandas, eu olho a propaganda com olhar
pedagógico, didático. Este é ótimo para trabalhar o ‘por que’ em perguntas. Achei
bem interessante porque o anúncio é de creme facial, então sorrisos, não é ‘você
não pode rir, para não ficar enrugado’ , o que não é o meu caso [risos]. É bem
interessante, bem criativo. E aí uma pergunta, as pessoas ficam pensando numa
resposta: ‘por que contamos o tempo em anos?’. ‘Por que não em luas?’, eu não sei
nada de luas [risos] ‘Quantos sorrisos você tem?’, ‘bah’, eu sou a ‘pessoa mais
velha da face da Terra!’. Eu falo rindo [risos]”.
(3) “Mas o celular não iria mudar nada no meu dia-a-dia, sinceramente falando. Eu
não ia passar da minha operadora para esta só por causa disso, de jeito nenhum...
A imagem é muito bonita e chama a atenção, mas para mim, não faz muito sentido”.
(1) “Bonito o Brasil. Isso aqui é um perfume da Amazônia, pelo arranjo que tem, o
vaso de barro, é um produto ‘natureba’, natureza brasileira. Aqui eles não estão
dizendo que produto é, mas ao tu olhar tu consegue definir, então é bem
elucidativo”.
(2) “Aqui é o anti-rugas da Natura. Eu gosto da Natura, mas, sinceramente, o antirugas deles para a minha pele, é ruim, eu tenho a pele muito oleosa, já experimentei
uma vez e não deu, aí nem olho muito, não me chama atenção”.
(3) “O telefone celular não é acelerado? Bom, tu não precisa ficar correndo atrás...
Está falando em marca, eu olho Tim e não gosto, a minha filha tinha e se tu não
queria falar com ela, tu ligava para o celular dela, porque estava sempre fora de
área. Então com a Tim, pela experiência que eu tenho, já é desacelerar mesmo,
porque tu não vai conseguir falar com quem atende”.
Quadro 5 – Percepção dos anúncios selecionados
Fonte: Elaborado pela autora
Bruna e João sentiram-se impactados positivamente pelas três peças
apresentadas e mostraram-se receptivos aos apelos dos anúncios. Já Joana preferiu
não avaliar os anúncios afirmando não gostar de propaganda.
Alice gostou do anúncio do Chronos e da Tim. O anúncio do Perfume do
Brasil Priprioca não se mostrou atrativo para ela nem para Cassandra e Mallu.
116
Cassandra também não se mostrou impactada pelo anúncio do Chronos. Mallu e
Solange não perceberam o anúncio da Tim como positivo, sobretudo pela natureza
do produto comercializado e experiências anteriores negativas com este. O mesmo
motivo levou Solange a apenas visualizar de relance o anúncio do Chronos, por não
considerar o produto adequado à sua necessidade.
Nenhum dos entrevistados que responderam a este questionamento citou
como negativo o fato de o valor do produto não estar exposto no anúncio. Os seis
respondentes relacionaram os anúncios a questões de suas vidas, estendendo as
premissas para além do anúncio, avaliando se as propostas deste, mais do que os
produtos, mostravam-se afins com os seus posicionamentos quanto a estes temas.
117
6 CONCLUSÃO
O tempo parece estar, cada vez mais, no centro das atenções do sujeito
contemporâneo. Hoje, se percebe o tempo como um ativo valioso, tanto para o
indivíduo quanto para as organizações; ninguém está disposto a “perder tempo”. Se
até o século XIX a valorização das pessoas se dava na medida da sua capacidade
produtiva, isto é, de acordo com a quantidade de peças, produtos, etc. que
conseguiam produzir, percebe-se que este parâmetro está mudando para
determinados segmentos. Busca-se, então, uma qualificação das tarefas e de seus
resultados. A solução correta para determinado problema está sendo mais
valorizada do que a resposta imediata, quantificada. O denominado le fast thinker,
uma espécie de ‘pensador instantâneo”, aquele que reage imediatamente a um
estímulo, com uma opinião sobre o assunto sem estudá-lo em suas dimensões
precisas, começa a perder espaço. Mudanças como esta estão presentes em
diversas esferas da sociedade atual e têm como ponto em comum a resignificação
do tempo.
Depois de muito repetir que não “tem tempo para nada”, irrompe no sujeito
contemporâneo um desejo de ter uma rotina mais saudável, mais qualidade de vida
e uma relação mais equilibrada com o seu tempo. Porém, seu contexto de vida,
muitas vezes, acaba não permitindo ou influenciando-o para o oposto. Vive-se hoje
num cenário de crise mundial, empresas até então consideradas sólidas começam a
pedir falência, as contratações diminuem, aumenta o sentimento de medo, de
desconfiança, todos querem manter-se empregáveis. Assim é que se assumem mais
tarefas do que se deveria – como exemplo, a entrevistada Alice afirma que trabalha
por cinco pessoas – se sujeita a uma jornada de trabalho exaustiva, leva-se trabalho
para casa, busca-se mais e mais qualificações mesmo que muitas acabem não
sendo realmente decisivas na rotina de trabalho do indivíduo.
Em meio a essas realidades e impulsos tão dualistas, surge um movimento
que busca mediar a situação através da proposta do equilíbrio e da desaceleração.
Num momento em que muitos ainda valorizam e consultam repetida e
118
automaticamente o relógio como Gulliver8, outros estão tentando recuperar o seu
ritmo natural. Se o relógio foi um dos ícones da era industrial, ou de capitalismo
pesado, hoje sua simbologia já se mostra desgastada. Percebe-se que mesmo os
mais acelerados, os que acumulam tarefas e funções, levando a pró-atividade a
seus limites, permitem-se ou mostram-se receptivos à uma brecha na agenda, um
momento para relaxar, descansar ou, simplesmente, desacelerar. Claro que, nem
sempre, isso se mostra possível. A celeridade é parte intrínseca da realidade
contemporânea, se está habituado e muitas vezes se espera realmente, que tudo
seja “para ontem”, o tempo em que se enviava uma mensagem e esperavam-se dias
por sua resposta, por mais importante que esta fosse, parece realmente fazer parte
do passado. Nos dias atuais, a novidade de agora é a notícia antiga de cinco
minutos atrás.
Neste contexto, desacelerar parece uma proposta arriscada. Individualmente
os sujeitos freqüentemente percebem que a azáfama e o excesso de atividades
podem ser bastante prejudiciais, visualiza-se isso também através da pesquisa de
campo com alguns ‘acelerados’ de Porto Alegre. A desaceleração é citada muitas
vezes como um benefício para a saúde e bem-estar do entrevistado, porém, quando
se questiona se essa desaceleração poderia atingir um nível macro na sociedade,
grande parte mostra-se descrente. Honoré cita este fator e aponta como a grande
questão saber “quando o individual poderá tornar-se coletivo.”. (HONORÉ, 2005, p.
314). Assim, percebe-se que o Movimento Slow não é, ainda, um movimento
consistente na atual sociedade líquida. Percebe-se os benefícios de se manter uma
relação equilibrada com o tempo, porém, este ainda não parece ser um fator
preponderante para se acionar o freio mais freqüentemente. Percebe-se a aplicação
de todas as diretrizes e premissas do Slow com alguma desconfiança acerca de sua
aplicabilidade e sustentabilidade diante das imposições atuais. Porém, muitos
dispensam às atitudes Slow uma postura receptiva e percebem que, em
determinados momentos em certas esferas, além de ser benéfico, realmente é
possível desacelerar, encontrar o seu tempo giusto.
Esse comportamento também é percebido e absorvido pelo mercado que,
prontamente, lança novas propostas como as apresentadas no presente trabalho
No livro Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. No qual o personagem pouco fazia sem consultar
seu relógio, sendo este entendido pelos liliputianos como sendo o seu Deus.
8
119
para atenderem a tais demandas. Dessa forma, o slow mostra-se, sim, sustentável,
através da geração de novos interesses e vislumbres de novos nichos de atuação,
num mercado já tão saturado, são gotas azuis num oceano vermelho. 9
A publicidade percebe este potencial e utiliza apelos condizentes às
propostas do slow, alguns exemplos foram apresentados no presente trabalho.
Conforme os anseios, aspirações, crenças e valores dos indivíduos vão se
transformando, a publicidade procura acompanhar e incorporar tais elementos a si,
gerando maior identificação do consumidor com a marca, produto ou serviço
anunciados e ampliando as possibilidades de pontos de contato positivo com o seu
público e de manutenção de relacionamento com o mesmo.
Essa publicidade mais engajada que pode surgir a partir da utilização de
valores como os difundidos pelo Movimento Slow, mostra-se comprometida em não
buscar a venda apenas de um produto mas, também, de uma idéia, de conceitos, de
visões de mundo. Ela busca agregar algo mais ao consumidor, leitor, telespectador,
etc., qualitativamente, valorizando o tempo e a disposição do mesmo em realizar um
contato com a marca, empresa, produto ou serviço. Nas entrevistas realizadas com
‘acelerados’ de Porto Alegre, foram recorrentes citações de que a peça despertava
algum tipo de emoção, além da reação racional. Bruna, por exemplo, afirma que o
anúncio do produto Chronos, da Natura, a deixa feliz.
Destarte, percebe-se que, mesmo o Movimento Slow não estando
consolidado, nem sua permanência e crescimento sejam seguros numa realidade
fluída e em constante transformação, suas diretrizes e valores mostram-se
incorporados e incorporáveis tanto em sujeitos mais propensos à desaceleração,
como os que buscam uma Città Slow, quanto nos ‘acelerados’ de uma capital como
Porto Alegre. Conforme Maffesoli, “talvez seja quando o sentimento de urgência se
faz mais premente que convém pôr em jogo uma estratégia da lentidão” 10.
Referência ao trabalho de Kim; Mauborgne ( 2005), que aponta como estratégia do oceano azul
quando se cria um novo espaço ou nicho de mercado onde não há concorrência em oposição à
saturação de competidores e concorrência acirrada existentes no oceano vermelho, que está cada
vez mais lotado, tornando as expectativas de crescimento menores.
10
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 8
9
120
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o movimento slow life e a desaceleração da sociedade de consumo