Apresentação Maria Cecília de Oliveira Micotti Leitura e escrita: como aprender com êxito por meio da pedagogia por projetos enfoca as perspectivas para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem bem-sucedido no cotidiano de nossas escolas. Esta obra concentra-se no trabalho docente. Inicia-se com o estudo de aspectos significativos do contexto em que este trabalho se desenvolve, o impacto do construtivismo e do ciclo básico no ensino, por exemplo. Compõe-se do relato, feito pelas professoras, dos caminhos que percorreram buscando novos horizontes para as atividades do dia a dia, visando a solucionar problemas que afetam a educação escolar, sobretudo o ensino da leitura e da escrita. Em seus percursos, elas destacam o encontro com a proposta da pedagogia por projetos de Jolibert e colaboradores. O livro encerra-se com o exame dos significados das diversas trajetórias para a formação continuada dos professores. Fruto de trabalhos que se estendem no tempo, esta obra enraíza-se em pesquisas que, tendo o processo de alfabetização por objeto de estudo, abarcam as dimensões teóricas e práticas, o ensino e o aprendizado da leitura e da escrita. Ao visar à integração entre teorias e práticas pedagógicas, essas atividades encontram na formação de professores, inicial e continuada, seu lócus privilegiado; ao longo do tempo, elas diversificam-se e evoluem com a colaboração de novos parceiros, multiplicando suas perspectivas de atuação. Suas origens situam-se nos anos 1960, em teses defendidas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro. Em percursos atravessados por ações de fortes poderes, já nos anos 1980, essas atividades passaram a ser realizadas junto ao Departamento de Educação do Instituto de Biociências de Rio Claro – Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em 1995, com a valiosa colaboração de professores desse departamento, tem início o curso de especialização “Alfabetização”, que com sucessivas 10 Leitura e escrita turmas perdurou até o ano de 2004. As produções desse curso viabilizaram a publicação pelo Instituto de Biociências de Rio Claro de uma série de nove coletâneas de trabalhos de professoras e concluintes, sobretudo docentes do ensino fundamental e médio. Neste processo, tomamos conhecimento das publicações de Josette Jolibert e colaboradores, nas quais encontramos novas propostas de atuação pedagógica e perspectivas a serem exploradas para o fazer docente. O enfoque da realidade escolar brasileira à luz das ideias veiculadas nessas obras muito contribuiu para a consecução de um dos objetivos mais importantes de nosso curso: a integração entre as teorias e a ação de professores e alunos em sala de aula, especialmente no que diz respeito ao enfoque do construtivismo como prática pedagógica. Em 2003, as atividades do Grupo de Pesquisa Alfabetização passaram a integrar o Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Biociências de Rio Claro. Em 2005, esse grupo iniciou em Oaxaca, México, os intercâmbios com pesquisadores e profissionais da educação de outros países, entre eles Josette Jolibert. Da atuação com a red Latinoamericana para la Transformación de Formación Docente em Lenguaje resultou a organização de um grupo aberto à participação de todos os professores interessados em acolher e proporcionar um ensino mais eficiente às crianças, seja qual for a sua origem social. Foram desenvolvidas, então, junto à Unesp, em Rio Claro, atividades voltadas para a troca de experiências pedagógicas e a formação continuada de professores, visando a melhorar a educação escolar, sobretudo com referência ao ensino da leitura e da escrita, mediante práticas socioconstrutivistas. Os resultados do trabalho em equipe favoreceram a criação do Projeto Raios de Sol para o desenvolvimento da alfabetização, da cultura escrita e da leitura; neste projeto, os professores e outros profissionais do ensino, interessados em modificar a sua atuação, reúnem-se para estudar, relatar vivências pedagógicas, compartilhar e discutir as práticas que desenvolvem em sala de aula. Práticas guiadas pela intenção de alumiar o caminho de todos, como os raios de sol. Os motivos que conduzem os professores ao projeto são muitos, entre eles encontram-se: • a vontade de sair da mesmice, de experimentar novas práticas; • a busca de diálogos com os pares sobre suas expectativas profissionais e sobre estratégias para a ação pedagógica; Apresentação 11 • a busca de alternativas diante de uma classe que apesar de avançar na escolaridade ainda não sabe ler, nem escrever; • a vontade de desenvolver a própria formação; • a necessidade de encontrar modos de agir com classes “indisciplinadas”; • a vontade de vivenciar o enfoque da própria prática segundo a perspectiva das teorias pedagógicas. Nas reuniões do projeto, os intercâmbios entre os saberes estabelecemse espontaneamente; os professores relatam suas vivências em sala de aula, gerando reflexões e trocas de pontos de vista. As práticas são analisadas à luz das teorias e estas são focalizadas à luz dos saberes da prática. Como a pedagogia por projetos não comporta receitas prontas, nem procedimentos definidos ou presos a posições geográficas, mas se constitui apoiando-se nas necessidades e interesses reais que os alunos manifestam na sala de aula, os professores trabalham com os recursos disponíveis nos textos que fazem parte da vida diária do entorno social. Tais procedimentos estimulam todos a fazerem novas leituras de sua realidade de trabalho, a ver com outros olhares o cotidiano escolar, a traçar novas perspectivas de trabalho com os seus alunos, a analisar de modo diferente os seus problemas, as suas dificuldades e a ressaltar as suas possibilidades. Muitas vezes, para mudar, basta começar. Os resultados positivos da iniciativa ajudam a manter a decisão inicial, mas com frequência, as próprias crianças solicitam à professora que continue a trabalhar com os projetos. Os resultados obtidos pelos participantes do Projeto Raios de Sol com suas práticas mediante a pedagogia por projetos impulsionaram a decisão de publicar esta coletânea, com a participação de várias professoras, integrantes do grupo que guiadas pela intenção de contribuir para a melhoria do ensino, sobretudo nas escolas públicas, procuram práticas para promover o êxito na alfabetização. Neste livro, com prefácio de Josette Jolibert, são relatados trabalhos desenvolvidos em sala de aula que abrangem aspectos relevantes de graves problemas de nossa educação escolar. Trabalhos que permitem identificar novos caminhos para a ação docente; identificar alternativas pedagógicas para a democratização do ensino, como acesso ao saber, não restrita ao acesso aos bancos escolares, como vem acontecendo entre nós. Para contextualizar a contribuição que a pedagogia por projetos pode proporcionar ao ensino e à aprendizagem da leitura e da escrita – e à solução de 12 Leitura e escrita dificuldades que, atualmente, desafiam o nosso sistema escolar –, apresentamos o texto “O ensino fundamental: políticas públicas e práticas pedagógicas”. São destacados os aspectos da dinâmica da vida escolar, cujas distorções têm afetado o trabalho de professores e alunos, como: • a defasagem entre o acesso à escola, evidenciado pelo aumento quantitativo das matrículas nas escolas, e a falta de oportunidades de acesso ao saber sistematizado que se inicia com os insucessos da alfabetização; • as diferenças quanto às experiências com a leitura e a escrita apresentadas pelas crianças e o trabalho do professor; • a participação dos alunos nas atividades escolares – a questão da (in) disciplina e a relação com o saber no contexto da pedagogia dos projetos; • a realização do ensino sequencial: as mudanças curriculares (os ciclos, a progressão continuada versus ensino seriado); • a articulação da educação infantil com o ensino fundamental: ensinoaprendizado da leitura e da escrita no contexto da “escola de 9 anos” com a antecipação do início da escolaridade obrigatória para os 6 anos de idade. A seguir são apresentados relatos de práticas pedagógicas, organizadas segundo a proposta de Jolibert e colaboradores. Práticas fundamentadas no socioconstrutivismo, que trabalham os vários aspectos dos conteúdos curriculares, incluindo a participação dos alunos em seu desenvolvimento. Com o título “Crianças pequenas e o acesso à escrita”, Lígia Sciarra Bissoli relata seus trabalhos de leitura e escrita, feitos em sala de aula, no pré-I, com crianças na faixa etária dos 2,5 anos aos 3,5 anos; no pré-II, com crianças cuja idade varia dos 3,5 anos aos 5 anos e, no pré-III, com crianças cuja idade varia de 5 a 6,5 anos, aproximadamente. Com essas classes, são trabalhados diferentes textos (listas, fichas prescritivas, narrativas, cartazes). Ênfase é dada à interação das crianças com os textos e à organização das práticas pedagógicas – a trama de preparação feita pela professora, o desenrolar das atividades em situações reais de comunicação, a socialização do trabalho feito etc. Karin Casarin em “A alfabetização e a produção de textos poéticos”, relata suas estratégias de ensino de leitura e escrita de diversos gêneros textuais, as explorações de escritos para chegar ao sentido do texto, feitas por crianças que ainda não dominam o código alfabético; o acesso a esse código; Apresentação 13 a organização do trabalho de apoio; a construção de saberes pelas crianças; as atividades de metacognição; a produção de textos poéticos; a inserção da leitura e da escrita em projetos e a evolução dos conhecimentos das crianças no decorrer do ano letivo. Maria Augusta H. W. Ribeiro e Rosemeire Ribeiro Archangelo relatam, em “Pinóquio e o processo de construção da leitura e escrita”, as práticas de alfabetização das crianças que ainda não leem nem escrevem de modo convencional pela interação com o texto clássico da literatura infantil; mostram as peripécias infantis no acesso à escrita e a formação de leitores; focalizam o trabalho com a narrativa – a silhueta do texto, a leitura por indícios, a produção textual. São descritas, também, na dinâmica dos desdobramentos do trabalho inicial, as interações com outros gêneros textuais. O êxito das interações da escola com os pais, no âmbito do Projeto Pinóquio, é confirmado com a socialização do trabalho realizado. Sob o título “Um projeto pedagógico a partir dos contos de Grimm”, Maria Helena Schuveter descreve o trabalho com textos realizado por alunos de 1ª série do ensino fundamental. As analogias que as crianças estabelecem entre textos consagrados na literatura infantil e a vida, ao inventarem histórias com base nos textos explorados em sala de aula, constituem o eixo desse trabalho; a exploração e compreensão de textos por crianças que conhecem e pelas que ainda desconhecem o código alfabético integram o relato; as produções textuais realizadas no cotidiano em sala de aula são descritas e exemplificadas, permitindo ao leitor perceber os avanços feitos pelas crianças na construção da escrita, pari passu com a produção textual. Com o título “A continuidade do processo de alfabetização”, Adriana Aparecida Barnabé Possatti descreve o percurso de alunos provenientes de classes populares, matriculados na 2ª série do ensino fundamental, na apropriação da escrita. Apresenta o desenvolvimento de atividades inseridas nos projetos escolhidos para o ano letivo com a participação das crianças; destaca a realização de entrevistas com vários profissionais e de escrita poética, além de outros projetos que constituem as atividades escolhidas pelas crianças para conhecer as diferentes profissões e aprender a escrever poemas. São atividades que envolvem a escrita e requerem, por exemplo, o registro de roteiros e o relatório de entrevistas feitas em sala de aula. Nesse projeto, como em outros, ocorre o acesso à escrita pelos alunos que, no começo do ano, apesar de estarem matriculados na 2ª série, não conseguiam ler e escrever. 14 Leitura e escrita Em texto intitulado “Do tradicional para pedagogia por projetos”, Ângela Druzian da Silva relata suas práticas pedagógicas destacando o desinteresse de seus alunos quando solicitados a ler e a escrever. Em seguida, descreve as mudanças que ocorreram nos desempenhos e nas condutas das crianças ao inserir a leitura e a escrita em projetos escolhidos e organizados com a participação de todas as crianças da classe. Em seu texto “Alfabetização: um processo para a vida”, Rosemary Ap. Vaz Gonçalves e Vanessa Bueno Arnosti relatam as atividades desenvolvidas no decorrer de dois anos letivos com um mesmo grupo-classe do ensino fundamental. No início da 2ª série, a maioria das crianças apresentava pouco conhecimento da escrita, faltava muito e, quando presente, manifestava desinteresse, saía da sala para perambular pelo pátio da escola. Com a solicitação de envolvimento em decisões sobre o trabalho a ser feito e com a realização de discussões sobre as opiniões apresentadas, a participação nas aulas aumentou gradativamente. Esse trabalho continuou no ano seguinte, quando os alunos já estavam matriculados na 3ª série. Para concretizar o que é previsto nos projetos, são feitas a leitura e a escrita de diversos gêneros textuais, o que propiciou o desenvolvimento do aprendizado da escrita. As autoras apresentam a organização do trabalho didático, as ferramentas utilizadas para a leitura e a escrita, bem como outros aspectos do trabalho em sala de aula. São comparadas as produções textuais das crianças no início e no final da 3ª série. Em “Os projetos, o aprendizado e a formação dos alunos”, Márcia Schuveter relata seu trabalho com classe de 3ª série do ensino fundamental, composta de crianças que ainda não sabiam ler e escrever. Na busca pelo desenvolvimento da autonomia de pensamento e ação por parte dos estudantes são desenvolvidos projetos em cuja escolha e organização há a participação dos alunos. Esses projetos constituem o motor que provoca a mobilização de energias para a realização de atividades de leitura e de escrita por crianças que haviam desistido de aprender. Com a necessidade de ler e de escrever para realizar os objetivos que alimentam os projetos, as crianças se envolvem no trabalho pedagógico e avançam no aprendizado da escrita e na convivência “pacífica” em sala de aula. Rosana Torquato da Silva e Vanessa Bueno Arnosti, no texto “Práticas com a pedagogia por projetos”, descrevem o trabalho realizado com uma classe de 3ª série do ensino fundamental que se desenvolveu a partir do momento em que os alunos solicitaram à professora que realizasse com mais frequência a “Hora da história”. Essa atividade, que a princípio consistia na leitura e no Apresentação 15 preenchimento de uma ficha com informações sobre o texto, deu origem ao projeto de escrita e representação teatral de um conto da literatura infantil. As autoras descrevem as atividades de leitura e de escrita postas em marcha para a concretização do projeto. Descrevem, também, as práticas pedagógicas utilizadas para a melhoria da produção textual e a interação com os familiares dos alunos. Sônia Lopes Lanzoni em “Escrevendo cartas ‘para valer’”, relata que, com a colaboração de uma colega, foram realizadas a escrita e as trocas de cartas entre alunos de duas classes de 4ª série do ensino fundamental. Diante do desejo dos alunos de realizar um campeonato de queimada, a correspondência foi incrementada, e a partir daí foram trabalhadas as regras do jogo e a organização do campeonato. Nas descrições das atividades realizadas por alunos e professoras nesse processo, são destacados os avanços conseguidos no aprendizado da produção textual escrita e no desenvolvimento de condutas sociais mais adequadas ao ambiente escolar por parte dos estudantes. Finalmente, em capítulo intitulado “A formação continuada de professores”, focalizamos, mediante a análise das experiências relatadas pelas participantes, o desenvolvimento de saberes pedagógicos referentes ao fazer docente, orientado pela pedagogia por projetos. São esses capítulos que apresentamos ao público leitor com a expectativa de que promovam reflexões e tragam contribuições para as práticas do aprendizado da leitura e da escrita.