1 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA Processo da Escolha Profissional de Adolescentes: Trabalho da Psicologia Maria de Fátima Lewandowski Santa Rosa, 2014 2 UNIJUI-UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA Processo da Escolha Trabalho da Psicologia Profissional de Adolescentes: Maria de Fátima Lewandowski Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande Do Sul – UNIJUÍ, / Santa Rosa-RS para obter o título de Psicólogo Santa Rosa, 2014 3 SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................4 INTRODUÇÃO.........................................................................................................5 1 O ADOLESCENTE NO PROCESSO DA ESCOLHA PROFISSIONAL.................8 1.1 O TRABALHO COMO POSSIBILIDADE DO HUMANO..................................17 2 REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DO PSICÓLOGO NO PROCESSO DA ESCOLHA PROFISSIONAL DOS ADOLESCENTES............................................21 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................32 4 RESUMO O presente trabalho, é fruto de estudos teóricos, bem como de discussões e práticas desenvolvidas no decorrer do curso de Psicologia, mais especificamente, nos componentes de Estágio Básico Supervisionado e Estágio: Ênfase em Psicologia e Processos Educacionais I e II, realizado com estudantes concluintes do terceiro ano do Ensino Médio. Portanto, discute a respeito das questões que envolvem a escolha profissional de adolescentes, no que se refere as dúvidas, angústias e falta de informação a este respeito. O momento da escolha profissional é de suma importância na vida dos adolescentes, tendo em vista que, o que decidirem em relação à sua profissão, poderá implicar em diversos aspectos, como subjetivo, familiar e social deste sujeito. 5 INTRODUÇÃO Este trabalho surgiu com a intenção de refletir sobre a problemática dos adolescentes em relação à escolha profissional, sendo analisados os diversos fatores implicados nesta importante decisão, tais como: informações sobre determinadas profissões, o mercado de trabalho, o papel da família e dos amigos, o custeio dos estudos, entre outras. Considerando que a fase em que se encontram, ou seja, a adolescência, é um período de conflitos e angústias, é de esperar que neste momento crucial de sua vida, o jovem sofra muita pressão por parte da família, dos amigos e da sociedade em geral, no que se refere a escolha profissional que terá que fazer, pois ele tem consciência de que esta escolha terá consequências importantes no decorrer de sua vida. O jovem se sente inseguro frente ao fato de ter que optar por determinadas oportunidades, em detrimento de outras. O adolescente sabe que pode mudar de profissão no decorrer de sua trajetória, mas muitas vezes ele sente como se isso fosse uma mudança inconveniente, significando uma perda de tempo. Há muitos fatores que influenciam no momento da escolha profissional, entre eles a história de vida da pessoa, habilidades necessárias para cada profissão, influências financeiras, mercado de trabalho, remuneração e importância social, ocupação de pessoas próximas, autoconceito, identificação, orientação vocacional e discussões sobre as universidades e o processo seletivo para ingresso no Ensino Superior. Por vezes, o jovem considera difícil a tarefa de escolher por uma profissão, pois podem surgir referências negativas com relação ao gosto expresso. Já, àquele 6 bem preparado poderá fazê-lo com maturidade, refletindo sobre os prós e contras implicados na tomada de decisão por uma profissão. Sabe-se que, o sentimento de dúvida é inerente do ser humano e se evidência, principalmente, nas fases iniciais do processo de decisão, evoluindo para um estado de percepção afetiva, de natureza confusional. O grupo familiar bem como o de amigos são apontados pelos adolescentes como os que exercem as principais pressões no momento da escolha, como por exemplo, tentando impor os seus valores, ou suas próprias experiências de satisfação ou insatisfação no trabalho. Todos gostaríamos de ter uma profissão que fosse reconhecida socialmente, e que nos remunerasse satisfatoriamente. Analisando a sociedade em geral podemos afirmar que todas as profissões têm importância social, pois todas vem satisfazer algum tipo de necessidade e contribuem para a manutenção da vida em sociedade. Com referência ao grupo familiar, entra em jogo a importância do apoio dos pais em relação à escolha dos filhos, pois, é de extrema importância que estes ofereçam-lhes sustentação quando se encontram frágeis e indecisos. Salienta-se também que a falta de apoio dos pais muitas vezes impede os jovens de seguirem os seus próprios desejos em relação à carreira profissional. Muitos pais buscam escolher a profissão que seu filho vai seguir, esquecendo, no entanto que quem vai cumprir com esse novo caminho não são eles, o que na verdade é uma escolha narcísica dos pais que buscam se satisfazer através de seus filhos. No grupo social, a interferência dos amigos influencia muito o processo de escolha. No entanto, os jovens tentam provar uma certa autonomia em relação às opiniões dos demais. Nas escolas a questão da escolha profissional é pouco trabalhada. As informações sobre as características das várias profissões não são suficientes como base do que futuramente possa vir a compor a escolha da profissão. O desenvolvimento deste trabalho se dará em 2 (dois) capítulos. O primeiro, abordará questões referentes aos conflitos enfrentados pelos adolescentes, os 7 quais, são inerentes a este processo de escolha profissional. O segundo capítulo, tem por objetivo, elucidar tais questões, refletindo sobre as possíveis intervenções do psicólogo nesta tão importante tarefa, que é a escolha profissional na fase da adolescência. 8 1- O ADOLESCENTE NO PROCESSO DA ESCOLHA PROFISSIONAL A questão da escolha profissional preocupa tanto o adolescente quanto seu grupo social, seja a família, a escola ou os amigos. A escolha profissional é um momento importante da vida do sujeito, pois parece implicar na decisão a respeito do futuro e, muitas vezes, consistiria num dilema por despertar as possibilidades de angústia e insegurança. A Psicologia considera que o encaminhamento da vida profissional é uma das tarefas que nossa cultura propõe ao adolescente, o que tem implicações importantes na sua subjetividade na medida em que aí se conjugam aspectos de ordem pessoal (como gostos e habilidades), familiares, culturais, econômicos, entre outros, considerando que essa oportunidade demanda uma escolha, uma decisão para a qual, muitos adolescentes não se encontram preparados; por isso, enfrentam tantos desafios frente a esta tarefa profissional que se faz imprescindível no momento. De acordo com Calligaris (2000), pode-se perceber que um dos principais problemas da adolescência na nossa cultura, é que esta, representa uma ruptura, ou seja, ela é a marca de um desenvolvimento descontínuo. Pois, ainda que não queira, é hora de crescer, e para isso será necessário renunciar a segurança de amor incondicional de outrora. “Por consequência, ele não é mais nada, nem criança amada, nem adulto reconhecido." Entende-se então como nessa época da vida o adolescente passa por conflitos, fragilidade de autoestima e depressão. Pois, em um dado momento da vida, o adolescente passa por uma fase em que praticamente “não é”. Assim, ele não é tão novo para ter atitudes de criança, nem tão velho para 9 ter atitudes de adulto. Portanto a adolescência é, sobretudo, um momento de angústias, pois o jovem não sabe ao certo qual o seu papel (lugar) social. A este respeito, Bock (2002, p. 309), observa que “(...) depois de uma certa idade (e esta idade varia de acordo com a cultura), teremos de trabalhar para sobreviver, e ninguém neste mundo gostaria de passar o resto de sua vida dedicando energias a alguma tarefa que lhe desagrada.” Assim, é de esperar que neste momento de sua vida, o jovem sofra muita pressão por parte da família, dos amigos e da sociedade em geral, no que se refere a escolha profissional que terá que fazer, pois ele sabe que esta escolha terá consequências importantes no decorrer de sua vida. O adolescente sente-se inseguro frente ao fato de ter que optar por determinadas oportunidades, em detrimento de outras. Quanto a isso, evidencia-se a necessidade da compreensão dos pais a respeito da escolha profissional de seus filhos, conforme afirmam Levenfus, Soares e Cols (2002, p.91): “Essa compreensão muda a qualidade da participação dos pais, favorecendo o diálogo e a disponibilidade para compartilhar das reflexões, mesmo que as escolhas sigam em direção contrária ao seu desejo”. A ideia que se tem atualmente, de que a escolha profissional pode ser feita de acordo com as habilidades e interesses do indivíduo nem sempre existiu. Antigamente, a pessoa tinha sua ocupação determinada pelos seus ancestrais. Assim, crescia sabendo que a profissão exercida pelo pai, futuramente seria dele, de modo que, filhos de servos seriam sempre servos, filhos de senhores seriam sempre senhores. Dessa forma, não se colocava a questão “o que vou ser quando crescer?”, pois já era sabido. A partir do advento do capitalismo, o indivíduo passa a fazer escolhas pois vai precisar vender sua força de trabalho para conseguir se sustentar. Assim, sua escolha profissional pode até receber influências vindas das profissões dos pais ou dos familiares mais próximos, mas a decisão será do próprio indivíduo. Filho de operário não precisa necessariamente ser um operário, podendo desempenhar outra profissão. Além disso, não podemos esquecer que é na adolescência que ocorre a 1 0 passagem da criança para o nascimento do adulto, ou seja, é uma fase específica de transição, de passagem, onde aparece uma oportunidade de crescimento, mediante a elaboração de um luto. A este respeito, a análise de Calligaris (2000) traz, elementos culturais para a compreensão da adolescência. Utilizando uma visão psicanalítica e com a percepção da influência da sociedade nas manifestações adolescentes, o autor aponta que esse período de desenvolvimento existe porque a sociedade nega em aceitar esse jovem como podendo ser responsável por seus atos. Para o referido autor, a adolescência é um fenômeno contemporâneo, onde se instala uma "moratória" a fim de prolongar esse período da vida, onde apesar de se encontrar pronto para o amor, para o sexo, e para o trabalho, ainda precisam ficar sob a tutela dos adultos. Na verdade o adolescente acaba tendo um papel muito pouco definido e tenta, a todo custo, saber o que querem dele. O adolescente ao se olhar no espelho percebe que existem mudanças acontecendo, mudanças essas, as quais, ele não pode controlar, que o invadem e o transformam. Com todo esse crescimento vem o medo da perda da condição infantil, papéis claramente estabelecidos e proteção que sempre teve quando criança. O desejo de autonomia e liberdade o levam a comportamentos contrastantes, ora se comporta como adulto, ora se comporta como criança. O que dificulta essa passagem é também a dificuldade dos pais de lidarem com as mudanças de suas "crianças". A grande maioria muda a forma de se relacionar com esse jovem, exigem responsabilidades que nunca foram ensinadas, porém não conseguem reconhecer esse adolescente como alguém que cresceu e que deve ser tratado com respeito quanto as suas opiniões e desejos. Em relação a ideia das perdas do adolescente, Calligaris observa que: (…) Entre a criança que se foi e o adulto que ainda não chega, o espelho do adolescente é frequentemente vazio. Podemos entender então como essa época da vida possa ser campeã em fragilidade de autoestima, depressão e tentativas de suicídio (CALLIGARIS, 2000, p. 25). 1 1 Na tentativa de buscar reconhecimento dos adultos, os adolescentes utilizamse das transgressões. Transgredir talvez seja a forma encontrada para contradizer todas as expectativas que a sociedade deposita nesse jovem. Desde o início eles ouvem que ser adolescente é ser problemático, é ser inconstante, é ser indeciso, é ser o "aborrecente", aquele que ninguém tem paciência, que não quer ouvir, que só sabem cobrar e exigir; aquele que desestrutura a família e acaba com sua paz. Na verdade o adolescente tenta, a todo custo, saber o que querem dele. Sendo assim, sente-se conturbado: com cobranças constantes, com um permanente mal-estar, um corpo que parece não combinar com a cabeça. É a fase em que não se é adulto para fazer certas coisas, mas se é repreendido por agir como uma criança. A constituição da identidade do jovem ocorre com sua inserção no mundo social dos adultos, através de modificações internas e reformulações. Na busca por uma maior interação com o meio e objetivando reconhecer as determinações sociais da adolescência, a concepção sócio-histórica abandona as visões naturalizantes e concebe o homem como um ser histórico, constituído em seu movimento, nas relações sociais, fazendo parte de uma cultura. Conforme Bock (2004), a adolescência é considerada como construção social e não como um período natural do desenvolvimento que se estabelece entre a infância e a idade adulta. Acrescenta que associado ao desenvolvimento físico encontram-se significações e interpretações determinadas pelo social. (…)A adolescência foi criada pelo homem. Fatos sociais vão surgindo nas relações sociais e na vida material dos homens; vai se destacando como um fenômeno social e vai apresentando suas repercussões psicológicas; vai sendo construído um significado social para esses fatos que vão acontecendo e, em um processo histórico, vai surgindo na sociedade moderna, ocidental, a adolescência (BOCK, 2004. p.10). A adolescência é constituída historicamente como representação, como fato psicológico e social. Este fenômeno é estudado, conceituado, registrado em teorias que descrevem suas características, as quais vão se tornando normas de condutas 1 2 esperadas pelos pais e pela sociedade. Essas características são determinadas e destacadas pela sociedade constituindo significações, isto é, interpretações da realidade aonde o adolescente vai se configurando. Através dos meios de comunicação, da literatura, das relações sociais, das teorias psicológicas, vão se constituindo os modelos de adolescência, aos quais os jovens se submetem e reproduzem. A partir dessas significações sociais os jovens constroem sua identidade transformando os elementos e modelos sociais em individuais. "Os jovens que não possuíam referências claras para seus comportamentos vão, agora, utilizando essas características como fonte adequada de suas identidades: são agora adolescentes" (Bock, 2004. p.12). Dentre os medos que são despertados pela situação de ter que escolher, vários se referem ao medo de errar, ser infeliz e ter que mudar. Referem-se também às pressões que contribuem para a dificuldade de tomar uma decisão de mudança frente a escolha que já estava estabelecida. Existe uma tendência nos jovens a idealizar a profissão que querem seguir. Eles se imaginam em uma profissão perfeita, ideal, que responderá a todas as suas aspirações e sobre a qual poderão projetar seus sonhos. Imaginam muitas vezes que, se não encontrarem a profissão ideal, ficarão perdidos para sempre. Costumam descrever seu sentimento como se só houvesse no mundo uma profissão que satisfizesse cada pessoa e temem não encontrar essa uma, única, que lhes confere. Dessa forma, mostram-se apavorados frente a possibilidade de escolher errado. (LEVENFUS, SOARES & COLS, 2002, p. 64). Os adolescentes estão inseguros, mas, no mundo de hoje, percebem as múltiplas possibilidades de escolha profissional, bem como, de mudar de profissão no decorrer de suas vidas, caso perceba que a escolha feita anteriormente, já não está o satisfazendo. Segundo os autores Levenfus e Soares (2010), a orientação profissional esteve sempre ligada, a preocupações de ordem social e educacional. No início do século XX, o problema da orientação era o bom ajustamento entre as características pessoais e as tarefas do trabalho, num mundo em que predominava a perspectiva 1 3 estática da pessoa e a estratificação familiar e social determinava, em grande parte, a distribuição pelas fileiras escolares. Assim, observa-se que a orientação profissional passou por quatro estágios teórico-práticos, a saber: • Informativo: oferecia informações a respeito das profissões, suas perspectivas e exigências referentes ao mercado de trabalho, a forma como exercer cada ofício, em que consistia o fazer de cada profissão escolhida pelo adolescente; • Psicométrico: não atribuía tanta importância à realidade e à diversificação do mercado, mas valorizava as características pessoais para o sucesso em determinado campo profissional. O orientador, a partir da análise das funções exigidas em cada tipo de trabalho, avaliava inteligência, aptidões motoras e sensoriais, personalidade, além de definir qual a profissão mais adequada para o indivíduo; • Clínico: enfatizava o papel ativo do indivíduo, atribuindo-lhe potencial e recursos para a autocompreensão e auto- direção. O papel do orientador era facilitar o reconhecimento e o desenvolvimento do processo; • Político e Social: incluía como fator relevante o contexto sociopolítico do processo de escolha profissional, para o qual convergiam complexas configurações sociais passadas, presentes e futuras. Segundo o autor acima citado, a partir dos anos de 1990, diferente do desenvolvimento profissional em etapas sequenciais previsíveis e lineares, as transformações no mundo do trabalho ocasionaram um efeito em escala, o qual teve como consequência o esvaziamento do espaço vital e de subjetivação do sujeito por meio de seu trabalho. O campo da orientação profissional passa agora por um novo estágio: como a dinâmica do mundo do trabalho é cada vez menos previsível, estabelece-se um cenário de transição o qual exige das pessoas adaptabilidade e multifuncionalidade e coloca a realização do projeto profissional em um contexto complexo e mutante. Assim, na área de Orientação Profissional, ocorre uma 1 4 migração do paradigma primordial do desejo, da realização pessoal e da busca de identidade. Antes, a Orientação Profissional coincidia com um conjunto de práticas que tinha como perspectiva o ingresso no mercado de trabalho, ou seja, a transição da escola para o campo profissional; no entanto, agora, enfatiza-se o encaixe e a elaboração de projetos, no sentido da sobrevivência. (Levenfus; Soares, 2010). Ou seja, o orientador deve ajudar no sentido da pessoa definir e conseguir associar a escolha de uma coisa que goste e tenha prazer em fazer com a questão também da sobrevivência. A orientação profissional segundo Bohoslavsky (2000), busca oferecer ao orientando a compreensão dos múltiplos fatores implicados no processo de escolha da profissão. O orientando é aquele que busca uma identidade ocupacional e isso envolve; ideal de ego, imagem de si, esquema corporal. A orientação tem a função de ampliar a compreensão de si, ou seja, é um meio de autodescoberta e de auxiliar na compreensão dos fatores envolvidos com a mesma. Aprender a fazer escolhas é a função da orientação profissional. Com frequência conflitos, dúvidas e incertezas fazem parte do momento da escolha profissional. Além dos fatores socioculturais, as relações familiares instáveis contribuem para aumentar a insegurança dos jovens. Também as formas de ingresso na formação profissional, como por exemplo, o vestibular é sem dúvida uma etapa significativa na vida do adolescente, funcionando muitas vezes, como um rito de passagem para a vida adulta e promovendo um angustiante encontro com o real. Dito isso, percebe-se que durante a escolha profissional é necessário que seja considerado que quem escolhe não está escolhendo somente uma carreira, está definindo quem vai ser. Os interesses ocorrem por meio de experiências de vida, e reforçam o gosto do sujeito por certos tipos de atividades, mais do que outras. O ambiente físico e social possui papel importante neste sentido. Falando a este respeito, Figueiredo (2003) destaca que ao escolher, está fixando quem deixa de ser, está escolhendo deixar de ser adolescente, deixar de ser 1 5 outro profissional, está optando por deixar outros objetos. Deixam-se objetos e formas de ser. Por isso, a escolha da profissão supõe, sempre, a elaboração de lutos. Nesse contexto, o trabalho de orientação profissional ganha destaque e cada vez mais se mostra necessário, apresentando-se como importante ferramenta de auxilio no momento da escolha profissional. A orientação profissional não considera apenas o individuo isoladamente, pelo contrário, considera diferentes aspectos relevantes na vida do individuo, como bem enfatiza Levenfus (2010, p.29): “A orientação profissional é hoje um campo que transcende e muito as teorias e as técnicas de cada orientador, pois nela convergem todos os conflitos de ordem social, institucional e psicológica que marcam a realidade dos jovens e dos trabalhadores neste momento histórico”. Analisando a acepção acima se percebe que no campo da Orientação Profissional, as mudanças do mercado devem ser consideradas, dessa forma os jovens precisam ter conhecimento acerca da realidade que permeia o mercado de trabalho atualmente. Pois, para que uma decisão seja a melhor possível, é necessário também se levar em conta o mercado de trabalho atual, além de outros fatores determinantes. O mercado atual oferece muitas possibilidades, e é preciso que o profissional atenda à demanda desse mercado para que possa manter sua “empregabilidade”. A este respeito, Levenfus (2010), enfatiza que a previsibilidade é cada vez menos uma realidade do mundo do trabalho. Nesse cenário de transição exige-se das pessoas adaptabilidade, multifuncionalidade, uma luta diária pela sobrevivência. Percebe-se com isso, que a educação é muito importante nesse contexto, e é apresentada como a solução para a formação desses novos profissionais para o desenvolvimento econômico e para a inserção no mercado de trabalho. A escola está ocupando um novo lugar na vida dos alunos com atribuições que antes eram da família. Desta forma, evidencia-se a importância da escola no processo de orientação profissional e consequentemente, a necessidade de melhoria do nível de formação de mão de obra e o desejo de promoção social, motivado nas famílias pelo 1 6 crescimento econômico. Sobretudo, pela necessidade de escolarização das aprendizagens profissionais, refletiram-se em um recuo da influencia familiar para o campo da vida privada e em um aumento do peso da escola em tudo o que diz respeito a educação para a vida pública e à aprendizagem da vida em sociedade. Assim, fica evidente que a escola é chamada a dar conta da transição escola/trabalho, ocupando espaço na mudança de ciclos formativos, principalmente Ensino Médio e Universidade, focando o vestibular e os demais processos seletivos. No contexto da escola, o trabalho de orientação profissional busca instrumentalizar a escolha e a construção da identidade profissional pela via do autoconhecimento e da articulação entre o conhecimento dos aspectos implicados no mundo do trabalho e o universo subjetivo de cada orientando. Parte-se do princípio que nossa vida é formada por escolhas e que uma das mais importantes e difíceis é a escolha profissional, e a orientação profissional atua como facilitadora para tal. Não significa que ao término do trabalho, o psicólogo dirá qual profissão o indivíduo seguirá, e sim, dará instrumentos para a decisão através de suas preferências e identificações. Todavia, realizar escolhas não é tarefa fácil. Mesmo quando uma escolha parece simples e corriqueira, ainda assim o processo é complexo. Porque escolher significa abrir mão de uma série de outras possibilidades não escolhidas. Escolher implica na elaboração de um luto. Com uma escolha tão relevante quanto à profissional também é assim quando optamos por seguir em determinada direção deixamos de lado todas as outras opções que poderiam se abrir diante de nós. É um ganho que sempre envolve perdas. Isto é inevitável. Não é à toa que realizar escolha seja fonte de conflitos em maior ou menor intensidade. Desta forma, é importante ressaltar que cada vez mais este momento de decisão se torna complexo, e a insegurança dos jovens quanto ao futuro profissional se acentua à medida que muitas profissões surgem e outras se tornam ultrapassadas em pouco tempo. 17 Na atual conjuntura, a economia exige profissionais que tenham conhecimento aprofundado em áreas não existentes anteriormente. Isso oferece mais oportunidades em novas especialidades, mas também pode causar uma mão de obra não qualificada. Esse novo cenário traz profundas modificações na vida das pessoas, das empresas e do mercado de trabalho, novas habilidades se tornam necessárias, como trabalho em equipe e a criatividade. 1.1- O Trabalho como possibilidade do Humano O trabalho, pensado como possibilidade do humano, evidencia também a preocupação dos jovens no sentido de como ou de que forma será possível sua inserção bem-sucedida no mundo do trabalho. Quanto a isso, Frigotto (2001) afirma que é nesse contexto de crise e hegemonia do capital, que se torna mais importante trabalhar e aprofundar as categorias fundamentais do materialismo histórico dialético, como instrumento revelador das contradições do sistema capitalista, permitindo daí retirar elementos para a luta no plano ético-político. Também explica que, no Brasil, durante o período de 1930 a 1990, portanto em 60 anos de história, 30 anos foram de Ditadura e nos outros trinta tivemos em média um golpe institucional a cada três anos, o que demonstra a falta de hegemonia da burguesia brasileira. A partir da segunda guerra, começa-se a sofrer influências de tendências surgidas no final do século XIX e início do século XX, como a psicanálise, o estruturalismo linguístico, a fenomenologia, o existencialismo, ou a combinação dessas tendências com o marxismo e suas vertentes políticas. De forma que, a partir dos anos 1960, surgem novas teorias, umas rejeitando o status do eu e outras a realização histórica da razão. Frigotto, também critica o reducionismo do trabalho como emprego e sua compreensão na relação com a produção da vida. Diz que, superar a visão meramente economicista do trabalho significa pensá-lo a partir dos sujeitos sociais 1 8 que experimentam suas relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e, em seguida, tratam essa experiência em sua consciência e cultura. Pois, é por meio do trabalho, que homens e mulheres refazem, continuamente, sua própria história. A este respeito, Luft apud Freire (2010, p.115), diz o seguinte: “Se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo”. Dessa forma, é possível inferir que o trabalho é uma atividade especificamente humana que, segundo Frigotto, deve considerar a dimensão ontológica, ou seja, os processos de vida humana e histórica, pois o trabalho possibilita ao homem pensar, ser, agir, fazer. Conforme o pensamento de Dermeval Saviani: [...] o homem não se fez homem naturalmente, ele não nasce sabendo ser homem, vale dizer, ele não se faz homem naturalmente, ele não nasce sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir, para saber querer, agir, ou avaliar é preciso aprender, o que implica trabalho educativo. Assim, o saber que diretamente interessa à educação é aquele que emerge como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo. Entretanto, para chegar a esse resultado a educação tem que partir, tem que tomar como referência, como matériaprima de sua atividade, o saber objetivo produzido historicamente (SAVIANI:2003, p.7). O trabalho como princípio educativo está diretamente ligado a própria maneira de ser de cada indivíduo, pois como participante de uma espécie tem características transmitidas pela herança genética, entretanto, o pertencer ao gênero humano se faz mediante processo histórico-social. Pois, foi com o trabalho que o ser humano contrapôs-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho, não existiria a relação sujeito-objeto. O trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura natureza. Através da ação vital do trabalho os seres humanos transformam a natureza em meios de sobrevivência. Assim, socializar o trabalho como princípio educativo é importante, é educativo. Na relação dos seres humanos 1 9 para produzirem os meios de vida pelo trabalho, não significa apenas que, ao transformar a natureza, transformamos a nós mesmos, mas também que a atividade prática é o ponto de partida do conhecimento, da cultura e da conscientização. Segundo Frigotto (2001), o trabalho humano efetiva-se, concretiza-se, em coisas, objetos, formas, gestos, palavras, cores, sons, em realizações materiais e espirituais. O ser humano cria e recria os elementos da natureza que estão ao seu redor e lhes confere novas formas, novas cores, novos significados, novos tons, novas ondulações. Mas, com o advento do capitalismo o trabalho tornou-se mercadoria e o trabalhador deixou de ser dono do produto de seu trabalho, tornando-se assim alienado. Neste mesmo sistema, o trabalhador se encontra numa condição alienante, mas se este percebe que vive numa condição de exploração, tal condição o educa. Neste sentido, Frigotto (2001), explica que o trabalho se configura como princípio educativo, considerando as categorias de emancipação/adaptação e no que concerne ao trabalho no âmbito do capital, este ao se tornar alienante/alienador impõe limites a discussão emancipatória da educação, uma vez que o resultado do trabalho é a mercadoria que não pertence ao trabalhador. Assim, o trabalho assume sua dimensão de alienação. Por consequência, a natureza perdeu a sua mera utilidade, na medida em que sua utilização se tornou utilização humana, pois, para transformar um objeto natural em um instrumento que possa satisfazer as suas necessidades, o homem precisa se apropriar da lógica natural dos objetos e dar-lhes uma função social. Outra autora que também discute a questão do trabalho é Ana Costa (2004), ao referir-se ao lugar “fora de lugar” ocupado pelo adolescente, numa sociedade que acima de tudo preza pela autonomia e liberdade em relação ao lugar paterno, passa a ser contemplado e admirado como lugar de exceção pelo mundo adulto. A autora observa que: 20 É indiscutível nos dias de hoje, a idealização da juventude, seus valores e seus signos, seja através de uma educação que visa à independência, ou da busca de um corpo jovem, ou mesmo do estilo jovem de ser e vestir. Não é preciso lembrar o quanto isto contrasta com a tradicional valorização da experiência e sabedoria dos mais velhos (COSTA, 2004, p.216). Convive-se, atualmente, em contradição com estes valores, o que contribui significativamente para o conflito entre gerações. De um lado, os pais, tentando exercer suas funções em seus lugares demarcados culturalmente e, de outro, os adolescentes, tentando demarcar o seu lugar na sociedade em que vivem. Sendo que, para isto, estes últimos, precisam, nesta etapa da vida, realizar a escolha de uma profissão que lhes dê a autonomia e o reconhecimento esperado, tanto pela família como pela sociedade. 2 1 2- REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DO PSICÓLOGO NO PROCESSO DA ESCOLHA PROFISSIONAL DOS ADOLESCENTES Considerando o exposto no capítulo anterior, o psicólogo é um profissional apto para intervir na problemática com que o jovem/adolescente se confronta nessa etapa da vida. Momento em que surgem dúvidas, provavelmente para a maioria deles: “Que curso fazer? O que ser? ” Essa é uma escolha importante, que poderá vir a determinar com o que se ocupará nos próximos anos de sua vida. Entretanto, um dos aspectos importantes a ser trabalhado no processo da escolha profissional é em que lugar atuar no mercado de trabalho. Não bastaria ao adolescente conhecer as profissões e analisar suas aptidões, far-se-ia necessário perceber que valores pessoais determinam suas escolhas e como reage diante do que a sociedade atribui à sua opção. Questionamos: De que forma o profissional da psicologia pode atuar, no sentido de contribuir com o adolescente a elucidar tais dúvidas e questionamentos frente ao dilema da escolha profissional? Para pensar nas possíveis formas de atuação e intervenção do psicólogo nesse trabalho de Orientação Profissional, faz-se necessário, rememorar sua história. Segundo Bohoslavski, nas décadas de 1920 e 1930, a Psicologia Diferencial e a Psicometria passaram a influenciar fortemente a prática da Orientação Profissional, o que se deu devido ao grande desenvolvimento dos testes de inteligência, aptidões, habilidades, interesses e personalidade durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Para o autor acima citado, a Orientação Profissional passou a ser um processo fortemente diretivo, em que o orientador tinha como objetivos fazer 2 2 diagnósticos e prognósticos do orientando e, com base nesses procedimentos, indicar profissões ou ocupações apropriadas. Importantes mudanças começaram a ocorrer na prática da Orientação Profissional a partir da década de 1940, quando Carl Rogers lançou as bases de sua Terapia Centrada no Cliente, que aproxima os conceitos de Psicoterapia e Aconselhamento Psicológico e valoriza a participação do cliente no processo de intervenção, que passa a ser não-diretivo. As ideias de Rogers influenciaram enormemente a Psicologia, a Psicoterapia, o Aconselhamento Psicológico e a Orientação Profissional da época, tendo sido um importante marco de transformação das práticas de Orientação Profissional. De acordo com esta teoria, a escolha profissional não é um acontecimento específico que ocorre num momento determinado da vida, mas é um processo evolutivo que ocorre entre os últimos anos da infância e os primeiros anos da idade adulta e os interesses profissionais são o reflexo da personalidade do indivíduo, os quais podem servir de base para a definição de diferentes tipos de personalidade, cujas características definem diferentes grupos laborais e correspondem a diferentes ambientes de trabalho. Ainda nas décadas de 1950 e 1960, foram publicadas Teorias Psicodinâmicas da escolha profissional, baseadas fundamentalmente na Teoria Psicanalítica e na Teoria de Satisfação das Necessidades, e Teorias de Tomada de Decisão, mais preocupadas com o momento da escolha do que com processo em si No Brasil, a Orientação Profissional tem como marco de origem a criação, em 1924, do Serviço de Seleção e Orientação Profissional para os alunos do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. A Orientação Profissional brasileira nasceu ligada à Psicologia Aplicada, que vinha se desenvolvendo no país, na década de 1920, junto à Medicina, à Educação e à Organização do Trabalho. A Orientação Profissional brasileira teve um grande avanço no desenvolvimento a partir da década de 1940, quando no ano de 1944, foi criada a Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, que estudava a Organização Racional do Trabalho e a influência da Psicologia sobre a mesma. Foram utilizados métodos e técnicas da Psicologia Aplicada ao Trabalho e à Educação, o que foi feito principalmente através da adaptação e da validação de 2 3 instrumentos psicológicos estrangeiros e da criação de instrumentos psicológicos brasileiros. O surgimento dos cursos de Psicologia e a regulamentação da profissão de psicólogo influenciaram a Orientação Profissional ao vincular esta atividade à Psicologia Clínica e ao transferir o processo de intervenção para consultórios particulares. A Orientação Profissional brasileira realizada por psicólogos foi influenciada diretamente pela Psicanálise e, especialmente, pela Estratégia Clínica de Orientação Vocacional do psicólogo argentino Rodolfo Bohoslavsky (1977/1996), introduzida no Brasil na década de 1970 por Maria Margarida de Carvalho (1995; 2001), como alternativa ao modelo da Teoria do Traço e Fator, chamado por ele de Estratégia Estatística. Ela foi influenciada pela ideia de não diretividade da Terapia Centrada no Cliente de Rogers, pela Psicanálise da Escola Inglesa, especialmente por Melanie Klein, e pela Psicologia do Ego norte-americana, onde a entrevista clínica aparece como o principal instrumento durante o processo de orientação e a primeira entrevista tem por objetivo alcançar o diagnóstico de orientabilidade, que permite a realização de um prognóstico de orientabilidade e a definição de estratégias de trabalho. Bohoslavsky aceita a utilização de testes para a realização do diagnóstico, contanto que sejam utilizados apenas em seu caráter instrumental. Para Bohoslavski (2000), a identidade profissional ou ocupacional é um aspecto da identidade do sujeito, parte de um sistema mais amplo que a compreende, e é determinada e determinante na relação com toda a personalidade. Considerando a complexidade do processo de Escolha Profissional para o adolescente, percebe-se que a Orientação Profissional é um campo de atuação relevante em Psicologia Escolar. Pois, concebe-se a instituição educativa, como o espaço privilegiado em que este trabalho deve se organizar, tendo também como base o documento "Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil", do Conselho Federal de Psicologia (1992), que define, que o psicólogo, "desenvolve programas de orientação profissional, visando um melhor aproveitamento e desenvolvimento do potencial humano, fundamentados no conhecimento psicológico e numa visão crítica do trabalho e das relações do mercado de trabalho" (§ 65). 2 4 Na escola, são inúmeras as possibilidades de intervenção do psicólogo para contribuir com o desenvolvimento do trabalho dos educandos. Por isso, cabe ao psicólogo assumir como uma de suas tarefas essenciais implementar a Orientação Profissional na escola, encarando o desenvolvimento acadêmico e do trabalho como processos relacionados, que se apoiam e suplementam mutuamente, em benefício do educando.A ideia básica é a de que o desenvolvimento do sujeito é um processo contínuo, ininterrupto. Portanto, os programas que visam promover o desenvolvimento humano no domínio da profissão, devem partir desse pressuposto, fazendo com que a orientação não se restrinja a uma sequência de ações pontuais ou esporádicas, mas que se torne parte integrante do processo de educação formal. Para efetivar essa prática no cotidiano escolar, faz-se necessário que o psicólogo conceba sua intervenção em termos macro. Taveira (2005, p. 150) recomenda que, para isso, ele recorra a teorias do desenvolvimento do trabalho, contribuindo para que os alunos compreendam o conteúdo e o processo da tomada de decisão na escolha profissional, "que reduza a ambiguidade, a incerteza/indecisão e favoreça o aumento da confiança na tomada de decisão". O autor, chama atenção para a necessidade de se enquadrar a intervenção do trabalho num quadro de referência mais geral, o do papel do psicólogo numa escola: O psicólogo a trabalhar numa escola é um elemento de uma equipe, partilha preocupações, medidas e programas com professores, administradores, outros educadores e membros da comunidade geral onde a escola se insere. Neste contexto, deve ser um modelo positivo de relações humanas, ajudar a criar um clima e um crescimento favorável na escola, e estar sensível às características e necessidades associadas ao desenvolvimento, ao gênero, à etnia, e ao estatuto socioeconômico dos seus clientes (TAVEIRA, 2005, p. 150). Observa-se que o trabalho de Orientação Profissional, vai muito além da mera orientação, apresentando convergências significativas com a concepção de intervenção, que considera as relações sociais estabelecidas no contexto educativo como principal foco de análise e intervenção do psicólogo. Embora pouco enfatizada nos meios educacionais, a atuação do psicólogo nesta área, é tão legítima como 25 necessária. Fala-se aqui de uma Psicologia comprometida socialmente com a cidadania, cujas práticas estejam orientadas por finalidades transformadoras; que objetive a promoção do desenvolvimento humano, superando perspectivas meramente remediativas ou de solução de problemas. Cabe ao psicólogo que trabalha com Orientação Profissional, empenhar-se na reflexão sobre a emergência da sociedade do conhecimento e como as transformações no contexto sóciohistórico têm afetado o desenvolvimento dos sujeitos, em todas as fases da vida. É indispensável que ele provoque debates acerca dos futuros papéis que estes jovens desempenharão, enquanto cidadãos, perante uma nova dimensão do trabalho, em que será cada vez mais relevante a atitude e disposição para aprender continuamente, ao longo do curso de vida. Com o objetivo de promover o desenvolvimento dos alunos, o psicólogo precisa atuar em sintonia com o que é defendido pela educação para a profissão e que é assim expresso por Moreno (2008, p. 34): "preparar as pessoas para trabalhar deveria ser uma meta básica do sistema educativo total". O trabalho é aqui definido como um esforço consciente, dirigido para produzir benefícios socialmente aceitáveis para si e para os outros. A ideia de ser consciente implica em ser significativo para o sujeito, em servir à sua necessidade de realização. Acrescentase aí a noção de que ser consciente também envolve a possibilidade da pessoa ter autonomia, autodeterminar-se e fazer escolhas profissionais a partir do reconhecimento de sua realidade pessoal e social, vendo-se na condição de transformá-la. Compreende-se que, o psicólogo deve favorecer a implicação de toda a instituição educativa na realização de ações voltadas ao desenvolvimento da escolha profissional dos adolescentes. Propõe-se que sua intervenção se inicie com o mapeamento institucional (Marinho-Araujo & Almeida, 2005), através do qual o psicólogo pode compreender as concepções de educação, escola, trabalho, desenvolvimento humano e outras, que orientam as ações dos profissionais da educação. É também pelo mapeamento que se torna possível identificar necessidades de grupos específicos, através das queixas, torna-se possível a 26 identificação da demanda, de forma que o psicólogo possa planejar ações orientadoras. Nesse trabalho, junto aos adolescentes, sua função é mediar processos subjetivos envolvidos na escolha profissional, tais como processos de autoconhecimento, de significação e ressignificação das decisões, de conscientização acerca do mundo do trabalho, das profissões e da formação profissional. Uma dimensão essencial desse trabalho é favorecer a percepção, por parte dos alunos, daquilo que condiciona suas decisões, por um lado, e, por outro, de sua condição de sujeito que se constrói em uma relação dialética com o contexto no qual está inserido. Promover o desenvolvimento humano, propiciando o exercício do pensamento crítico dos sujeitos, deve ser a meta orientadora do trabalho do psicólogo. A este respeito, tem-se o relato de fragmentos da experiência de Estágio na Ênfase em Psicologia e Processos Educacionais, em que se realizou um trabalho de Orientação Profissional, no decorrer de um ano, em uma escola pública, com adolescentes concluintes do Ensino Médio. O trabalho aconteceu da seguinte forma: inicialmente, fez-se um levantamento da literatura que discute o tema da Escolha profissional; em seguida iniciou-se as atividades junto aos educandos, com o objetivo de conhecer melhor a realidade e o contexto em que estão inseridos, buscando visualizar como estes se situam em relação à futura escolha profissional, foi realizada uma entrevista individual. Na sequência, ministrou-se palestras com profissionais de diversas áreas do conhecimento, visando esclarecer as dúvidas constatadas durante as entrevistas, no sentido de fornecer maiores informações e subsídios para orientá-los na escolha profissional. Posteriormente, realizou-se oficinas com grupos de adolescentes, nas quais foram desenvolvidas técnicas de dinâmica de grupo que contemplassem vários aspectos envolvidos na problemática da escolha profissional. Ao final, realizou-se novamente entrevistas com os adolescentes, com o intuito de refletir um pouco mais sobre determinadas questões, que para eles, ainda não estivessem suficientemente discutidas. 27 Autores como Bock (2000), têm enfatizado a riqueza do trabalho de Orientação Profissional em grupo, seja na instituição escolar ou em outros espaços nos quais o processo assume uma intenção educativa. A diversidade de situações já vivenciadas pelos sujeitos orientandos faz com que se privilegie o trabalho grupal, por se entender que a dinâmica estabelecida no grupo enriquece o processo, pois permite aos participantes a observação mútua das dificuldades, opiniões, valores, interesses e projetos de vida. Ao mediar as relações sociais entre os integrantes do grupo, ou mesmo ao compartilhar suas próprias experiências, visões de mundo, conhecimentos, o psicólogo promove desenvolvimento psicológico, por meio do confronto dos significados anteriormente construídos. Segundo (Marinho-Araujo & Almeida, 2005), o educando, ter reconhecidas, valorizadas e ressaltadas suas competências se torna essencial para favorecer o autoconhecimento e autoconceito, a configuração de sua identidade e incentivar sua permanência no sistema de ensino, em direção à formação profissional. Muitas vezes, faz-se necessário que o psicólogo provoque os alunos à ressignificação de sua história escolar, quando esta foi marcada por contínuos fracassos e desestímulos. O psicólogo deve favorecer os processos de humanização e reapropriação da capacidade de pensamento crítico dos indivíduos, contribuindo para que a escola cumpra sua função social de socialização do conhecimento historicamente acumulado e trabalhe para a formação ética e política dos sujeitos. Conforme o autor supracitado, cabe ainda ao psicólogo, oportunizar um lugar de fala e de escuta também para a escola. É essencialmente nessa possibilidade de criação de espaços de escuta psicológica no espaço educativo que reside a especificidade da contribuição da Psicologia. Quaisquer que sejam as ações desenvolvidas pelo psicólogo, tal escuta deve ser compreendida como uma dimensão fundamental de seu trabalho, pois é a partir dessa que ele poderá compreender e intervir nos aspectos subjetivos presentes no cotidiano escolar. A escuta psicológica envolve o estar com o outro, perscrutando os fenômenos psicológicos; é encontrar a pessoa, o grupo ou a instituição por meio de suas histórias e de seus afetos. É através desta escuta, tanto em momentos programados 2 8 intencionalmente para isso como na urgência do cotidiano escolar, que o psicólogo desenvolve meios de assessorar o trabalho coletivo da equipe técnico-pedagógica. Entretanto, compete ao psicólogo, nas intervenções relacionadas a escolha profissional, dispor-se a ocupar um lugar de escuta, tanto junto aos adolescentes, quanto junto aos demais profissionais do contexto educativo. Que ele esteja disponível a escutar e compreender as vivências dos educandos acerca da relação que estabelecem com o sistema educativo, com o mundo do trabalho e consigo mesmos, contribuindo à construção de processos de conscientização destes sujeitos e de seus educadores. Muitas vezes, se faz necessário que o psicólogo esteja disponível, na escola, para fornecer apoio aos educandos com queixas relacionadas a escolha profissional. Uma escuta psicológica atenta a questões dessa ordem pode contribuir para que os mesmos consigam "elaborar e concretizar projetos de ações relacionados com o trabalho, com a educação e com a família, encarados como fenômenos inter-relacionados", afirma Taveira (2005, p. 152). Ainda, quando isso requer atendimento individualizado, quando praticado em contexto escolar, demonstra-se mais efetivo, em termos de resultados. 2 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho, objetivou conhecer um pouco mais, acerca da realidade, das angústias e ansiedades vivenciadas, inerentes ao período conflituoso em que os adolescentes, principalmente, os concluintes do Ensino Médio, se encontram, no que tange à escolha profissional. O que se espera, por parte tanto da família, quanto da sociedade, é que façam esta escolha tão significativa em suas vidas, com firmeza, clareza e convicção. Em contrapartida, os mesmos não se sentem preparados, substancialmente, para tanto nessa altura da vida, frente ao rol de opções que o mundo moderno lhes oferece e que eles, sentem-se compelidos a responder a essa demanda, ou seja, decidir. Entretanto, ressalta-se a importância, cada vez mais evidente da realização de um trabalho de Orientação Profissional, viabilizado por um psicólogo profissional que implique em momentos de discussão, reflexão e elucidação das questões que tanto assolam os jovens adolescentes. Segundo Müller (1988, p.18), o processo de Orientação Profissional, não acontece ao acaso, mas é construído subjetiva e historicamente em interação com os outros, segundo as oportunidades familiares, as disposições pessoais e o contexto sociocultural e econômico. As pessoas são identificadas, muitas vezes, por aquilo que fazem; grande parte da vida o ser humano passa trabalhando, sendo inegável o peso que o trabalho tem e sempre teve para a humanidade. No entanto, decidir por uma profissão a ser seguida, muitas vezes, não é fácil, pois envolve muitos aspectos. O momento de decisão profissional é muito difícil para a maioria dos adolescentes, porque implica a escolha de um futuro. O jovem, junto a pessoas que estão á sua volta, espera uma decisão definitiva, fato que muitas vezes não 3 0 acontece, já que a identidade profissional de uma pessoa é delineada ao longo de sua vida, à medida em que vai tendo consciência das suas características de personalidade. Nossa identidade profissional se constrói laboriosamente em um processo contínuo, permanente, sempre factível de ser revisado, pelo qual podemos dizer que nossa aprendizagem é perpétua. Todavia, para que o trabalho do psicólogo no processo de Orientação Profissional cumpra com sua real finalidade, deve ser operacionalizado de maneira coerente, ou seja, mais do que informar, discutir, refletir sobre as angústias vivenciadas pelos adolescentes em virtude da escolha de uma profissão, deve promover o autoconhecimento do indivíduo. Como meio facilitador para a escolha profissional, a Orientação Profissional ajuda o indivíduo a formar-se cidadão em seu sentido mais pleno, uma vez que, ao ajudá-lo a encontrar uma identidade profissional, auxilia-o a estruturar uma identidade pessoal, favorecendo na elaboração de um projeto de vida de forma mais responsável. Mais do que orientar a respeito da escolha de uma profissão, o trabalho realizado pelo psicólogo, auxilia o jovem a lidar com os conflitos inerentes a fase da vida em que se encontram. Com o objetivo de investigar a importância do trabalho do psicólogo no processo da escolha profissional com adolescentes, constata-se a significação da intervenção iniciada a partir do mapeamento institucional, que possibilita conhecer as necessidades através das queixas, identificar as demandas, viabilizando ações mediadoras neste processo decisório. Pois, através do mapeamento, torna-se possível ao profissional da psicologia compreender as concepções de educação, escola, trabalho, desenvolvimento humano e outras, que orientam as ações dos profissionais da educação. Nesse trabalho, junto aos adolescentes, sua função é mediar processos subjetivos envolvidos na escolha profissional, tais como processos de autoconhecimento, de significação e ressignificação das decisões, de conscientização acerca do mundo do trabalho, das profissões e da formação profissional. Este tema é de suma importância, como uma possibilidade de intervenção do profissional da psicologia, principalmente nos dias atuais, quando a questão da 3 1 escolha está muito vulnerável. Pois, os adolescentes estão enfrentando o processo de tomada de decisão acerca da escolha profissional transpassados por outras questões de ordem pessoal, afetiva. Frente a isso, constata-se a necessidade de este ser um campo de atuação do profissional da psicologia. Este estudo finaliza. Porém, a questão da Escolha Profissional continuará sendo objeto de estudo em outros momentos de formação. 3 2 REFERÊNCIAS BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. PSICOLOGIAS: Uma Introdução ao Estudo da Psicologia. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000. BOCK, Ana Mercês Bahia; A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à natureza da formação do ser humano: a adolescência em questão. Caderno Cedes, Campinas, vol. 24, p. 26-43, abril, 2004. BOHOSLAVSKY, R. Orientação vocacional: A estratégia clínica. São Paulo: Martins Fontes,2000. CALLIGARIS, Contardo. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (1992). Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil. Recuperado em 15 setembro de 2010. http://www.pol.org.br/legislacao/pdf/atr_prof_psicologo.pdf COSTA, Ana ( et al.). Adolescência e experiências de borda. Porto Alegre: editora da UFRGS, 2004. FIGUEIREDO, A. B. Freitas de. Orientação vocacional: o caminho das possibilidades. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003. FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, I. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2001. 3 3 LEVENFUS, Rosane Schotgues e Cols. ORIENTAÇÃO VOCACIONAL OCUPACIONAL. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. LEVENFUS, Rosane Schotgues; SOARES, Dulce Helena Penna e colaboradores. Orientação Vocacional Ocupacional. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. LUFT, Hedi Maria. As relações entre a escola e o mundo do trabalho. Santa Rosa, Unijui, 2010. MARINHO-ARAUJO, C. M., & Almeida, S. F. C. de (2005). Psicologia escolar: Construção e consolidação da identidade profissional. Campinas, SP: Alínea. MORENO, M. L. R. (2008). A educação para a carreira: Aplicações à infância e à adolescência. In M. do C. Taveira & J. T. da Silva (Orgs.), Psicologia vocacional: Perspectivas para a intervenção (pp. 29-58). Coimbra, Portugal: Imprensa da Universidade de Coimbra. MÜLLER, M. (1988). Orientação Vocacional: Contribuições clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artes Médicas SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 34. ed. Rev. Campinas, Autores Associados, 2001. TAVEIRA, M. do C. (2005). Comportamento e desenvolvimento vocacional na adolescência. In M. do C. Taveira (Org.), Psicologia escolar: Uma proposta científico pedagógica (pp. 144-177). Coimbra, Portugal: Quarteto.