UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” Casamento: a multidimensionalidade da mudança Maria de Fátima Colmenero Lopes Monteiro Orientadora: Maria Esther de Araujo Oliveira Rio de Janeiro, RJ, agosto/2001. UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” Casamento: a multidimensionalidade da mudança Maria de Fátima Colmenero Lopes Monteiro Trabalho Monográfico apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Terapia de Família. Rio de Janeiro, RJ, agosto/2001. 2 Agradeço a Deus pela iluminação dos meus conhecimentos, A Cesar Chicayban, meu namorado, pelo incentivo, apoio e carinho dispensados em todos os momentos, À Fernanda, minha filha, cuja existência me fortalece e me impulsiona a superar as dificuldades, A minha família e a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para este trabalho. 3 SUMÁRIO: Resumo 04 Introdução 05 1. Família: um sistema em constante transformação 07 2. Casamento: crises e conflitos do relacionamento conjugal 12 3. Divórcio: seus efeitos nas mudanças do ciclo de vida familiar 16 Conclusão 19 Bibliografia 21 4 RESUMO: Esta pesquisa bibliográfica destaca a necessidade de ser ter um maior conhecimento a respeito das diversas mudanças que ocorrem no ciclo de vida familiar durante o casamento. O trabalho analisa o perfil da família e sua evolução através do tempo e as conseqüências destas mudanças na relação conjugal. O atual perfil das relações conjugais se apresenta diferenciado, repleto de conflitos e dificuldades. Tais dificuldades surgem a partir das condições criadas pela sociedade, na qual o casamento contemporâneo oscila entre a complexidade das conflitantes situações inerentes a tradição e aquelas decorrentes das transformações dos costumes e do cotidiano da modernidade. O divórcio, conseqüência do desajuste conjugal, também é enfocado, uma vez que como o casamento, acarreta um período de adaptação às inúmeras mudanças de estilo de vida, valores, hábitos e rotinas. Tendo em vista os aspectos observados, conclui-se que as mudanças culturais e sócioeconômicas são as responsáveis pelas crises e conflitos do casamento contemporâneo. O processo de mudança inerente a evolução do ser humano e as transformações familiares que fazem parte deste processo de evolução interferem na relação conjugal que ao se ressentir com tais transformações busca através das crises e conflitos uma maior satisfação e equilíbrio para a estrutura familiar. 5 INTRODUÇÃO A presente pesquisa bibliográfica originou-se do interesse no melhor conhecimento sobre as inúmeras e multiformes mudanças que ocorrem no ciclo de vida familiar por ocasião do casamento. Levando-se em conta que na história da humanidade o ser humano viveu grande parte dela, na maioria das sociedades existentes, em unidades constituídas por grupos familiares, é de significativa importância a compreensão do momento de transição por que passam as famílias em decorrência das modificações na relação conjugal. Diante da necessidade da identificação das variáveis envolvidas e para melhor compreensão deste processo, igualmente observado com freqüência na vivencia de trabalho do autor como psicoterapeuta, no qual os pacientes trazem a interação da problemática familiar inserida na problemática individual dos mesmos, desencadeou-se a busca por maiores informações que elucidem um pouco mais as relações conjugais na atualidade. Atualmente o perfil das relações conjugais tem se apresentado bastante diferenciado, repleto de conflitos e dificuldades de diferentes aspectos. Observa-se na época atual, uma visão diferente dos objetivos a serem alcançados no casamento. Segundo Bernardo Jablonski (1991), as profundas mudanças sócio-econômicas com as conseqüentes alterações nas atitudes e comportamentos dos indivíduos, são responsáveis pelo que chamamos hoje de crise, caracterizada pelo grande aumento do número de separações. Carter & McGoldrick, citados por Judith Stern, Peck, M. S. W. e Jennifer R. Manocherian, M. S. (1995) colocam o divórcio como o maior rompimento no processo do ciclo de vida familiar, aumentando a complexidade das tarefas desenvolvimentais que a família está experenciando neste momento. Assim sendo o lugar do casamento no ciclo de vida tem mudado dramaticamente. Tornar-se um casal é uma das tarefas mais difíceis e complexas do ciclo de vida familiar. As atuais transformações do amor conjugal, suas crises e conflitos, 6 interferem, no equilíbrio e estrutura de vida da família. O casamento com seus diferentes aspectos e dificuldades, crises e conflitos, constitui uma importante etapa de significativas mudanças no ciclo de vida pessoal e familiar. A partir deste preliminar diagnóstico pretendemos com o presente trabalho, proporcionar através de análise bibliográfica informações que levem a um melhor entendimento e compreensão das crises e conflitos do relacionamento conjugal no processo de mudanças no ciclo de vida familiar. 7 1 - FAMÍLIA: UM SISTEMA EM CONSTANTE TRANSFORMAÇÃO Considerando-se que todos os indivíduos, apesar de alguns aspectos da experiência de vida serem mais individuais, necessitam compartilhar experiências e que nos primeiros anos de vida, esta troca só acontece praticamente com os membros da família, é de suma importância um melhor entendimento a respeito da família e suas transformações. É na família que ocorre basicamente o crescimento, o aprendizado inicial, nossas primeiras vivências de desempenho, progressos e fracassos. A família tem sofrido constantes transformações através do tempo, acarretadas pelo processo contínuo da evolução, moldando-se sempre as condições de vida do momento em que ela está inserida, buscando sempre assegurar o desenvolvimento e o crescimento psicossocial dos seus membros. 1.1 - A Família no Passado Segundo Ariés (1981), a família no passado, por muito tempo esteve voltada para a vida pública. As famílias não tinham privacidade, tendo a sociedade direitos sobre ela. As casas viviam abertas às indiscrições de visitantes, chegando ao ponto, por exemplo, de os amigos visitarem um casal de recém-casados durante a noite de núpcias. Aos poucos com o crescimento e o desenvolvimento do sentimento de família, onde a família passou a ser sentida como um valor, (a partir do século XV até o século XVIII), a família tornou-se gradualmente uma sociedade mais fechada, mais voltada para o seu interior. 8 Essas mudanças ocorridas na família estão intimamente ligadas às mudanças das relações internas com a criança. As crianças eram enviadas para as casas de outras pessoas, por volta dos 7 anos, para trabalhar e aprender as tarefas domésticas. Elas participavam das vidas dos adultos, aprendendo a viver através do contato diário. “A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental”. (Ariés, 1981 p.231). Ainda segundo Áries (1981), a partir do século XV, surge o sentimento de família, que de forma lenta gradual provoca transformações na estrutura familiar. A família passa a concentrar-se em torno da criança. A educação passou a ser cada vez mais ministrada pela escola, aumentando o vínculo entre família e escola. A escola já não era mais privilégio do clérico. Ela passou a ser uma forma de iniciação social. Conseqüentemente, esta concentração na criança tornou as relações entre pais e filhos mais sentimentais. Com a manutenção dos filhos com os pais, o surgimento da privacidade e a utilização da escola como forma de aprendizagem, começa a ser delineada a família nuclear burguesa (Carvalho, 1995). 1.2 - A Família Moderna Na visão de Ariés (1981), a família cujos limites de sua configuração eram tão amplos que chegavam a se misturar com a comunidade, foi sendo substituída por uma outra, agora concentrada num núcleo formado por pais e filhos, tendo estes pais uma maior ascendência e autoridade para com estes filhos. A família moderna, já não permite a invasão de sua privacidade, já não se apresenta tão aberta para o mundo exterior, investindo mais sua energia para os seus componentes. “A família moderna retirou da vida comum não apenas as crianças, mas uma grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu a uma necessidade de intimidade, e também de 9 identidade: os membros da família se unem pelo sentimento, o costume e o gênero de vida. As promiscuidades impostas pela antiga sociabilidade lhes repugnam”. (Ariés, 1981, p.278). Cada família passa a estabelecer suas próprias normas e códigos que ao serem submetidos às regras e normas da sociedade, tornam cada vez mais específica cada uma das unidades familiares. Entretanto, devemos ressaltar, que por ser a família um produto de evolução, apresenta consequentemente uma certa flexibilidade, sofrendo influências externas dos hábitos e costumes sociais. Dessa forma, não só a organização interna da família, como a sua posição interna na sociedade, são fatores determinantes das mudanças adaptativas do padrão familiar (Ackerman, 1986). A família se configura como uma célula autônoma, independente e isolada mas inserida no contexto social, sofrendo influências deste e influenciando-o. Desta forma, com a centralização da família em torno da dupla conjugal e o consequente distanciamento funcional da comunidade mais ampla, ocorre um aumento da ligação e da importância relativa entre os seus membros. O ciclo de vida familiar apresenta diferentes fases de acordo com os acontecimentos da vida de cada um dos seus elementos, que vão provocar alterações da rede de comunicações, rotinas, hábitos e tradições desta família. Contudo, apesar de todas as mudanças, a família é uma instituição sempre presente na história da humanidade. 1.3 - Definição de Família Para Gough, K. (1971), citado por Bernardo Jablonski (1991, p. 28) pode se definir família como 10 “Um par casado ou outro grupo de parentes adultos que cooperam na vida econômica e na criação dos filhos, a maior parte dos quais, ou todos, reside em comum”. Já para Stephens (1963) também citado por Bernardo Jablonski (1991, p. 28) família é definida como “Um acordo social baseado no casamento e no contrato de casamento, incluindo o reconhecimento dos direitos e deveres da paternidade, residência em comum com o marido, esposa e crianças, e obrigações recíprocas entre esposo e esposa”. No Brasil, o modelo jurídico de família, existente no código civil, de 1916, ainda em vigor, e adotado neste trabalho, apresenta a família como “núcleo fundamental da sociedade legalizada através de ação do Estado, composta por pai, mãe e filhos (família nuclear) e, secundariamente, por outros membros ligados por laços consangüíneos ou de dependência (família extensa). Essa família se organiza, também, adotando um modelo hierárquico que tem no homem seu chefe (família patriarcal)”. (Ribeiro e col., 1987, p. 169) Dessa forma os vínculos familiares são compostos por um somatório dos fatores biológicos, psicológicos, sociais e econômicos. No que diz respeito ao setor biológico, temos a família como sendo um canal para perpetuar a espécie. Psicologicamente, os membros de uma família buscam uns nos outros satisfazerem suas necessidades afetivas, do mesmo modo que economicamente mantém uma dependência, buscando satisfazerem suas necessidades materiais, ao mesmo tempo em que sofrem influências da sociedade. O ciclo de vida familiar acontece dentro de um processo linear do tempo. E embora cada família possua sua própria história, a configuração de uma determinada família passa por uma série de mudanças significativas em cada uma das fases de 11 transição, tais como nascimento de um filho, adolescência, a independência financeira deste filho, o crescimento e outras tantas, que fazem parte do ciclo de vida de uma família. Cada uma dessas fases, apresenta características próprias acarretando alterações peculiares a cada família, estando a amplitude das conseqüências de tais mudanças diretamente relacionada com a forma como seus membros respondem às alterações do ciclo de vida da família e à capacidade de cada um desses membros de vivenciar a transformação, lidar com novas escalas de valores e os conflitos decorrentes desta. 12 2 - CASAMENTO: CRISES E CONFLITOS DO RELACIONAMENTO CONJUGAL Dentre as inúmeras fases do ciclo de vida familiar, o casamento constitui a que acarreta um maior número de mudanças significativas. Os conflitos provocados por mudanças bruscas entre velhos e novos valores são pontos de indiscutível relevância no momento vivido pela família e pelo casamento. Entretanto a grande maioria das pessoas ainda desejam o casamento e filhos, desejam formar um novo núcleo familiar, a partir de uma relação conjugal estável e permanente (Jablonski, 1991). A dificuldade surge a partir das condições criadas pela sociedade na qual o casamento contemporâneo oscila entre a complexidade das conflitantes situações inerentes a tradição e aqueles decorrentes das transformações dos costumes e do cotidiano de modernidade. Além disso, o ser humano se sente atraído pelo novo mas não quer abrir mão do velho, quer as mudanças e também a continuidade. Como se não bastasse, o tédio, a rotina e a comunicação com freqüência empobrecida na relação conjugal são aspectos ruins da vida a dois em um casamento e desencadeadores de conflitos. torna-se necessário então definir casamento. Neste trabalho será utilizada a definição de casamento de Stephens citada por Jablonski (1991, p.28) como “Uma união sexual socialmente legitimada que começa com uma participação pública e é empreendida com alguma idéia de permanência, é assumido como um contrato de casamento mais ou menos explícito, que impõe direitos e obrigações entre os cônjuges e entre estes e seus futuros filhos”. Esta união, bem como o amor conjugal, têm se tornado muito frágeis e são facilmente afetados pelas mudanças sócio-econômicos e as conseqüentes mudanças nas atitudes e comportamentos dos indivíduos. Tais mudanças nos aspectos sócio-econômicos têm levado a família a ajustar suas funções a uma nova realidade social. A Revolução 13 Tecnológica, por exemplo, proporcionou a emancipação econômica do indivíduo, principalmente da mulher, acarretando profundas alterações das relações familiares. Com a modernização e a industrialização a divisão dos papéis exercidos por homens e mulheres no casamento foi alterada. Durante muitos anos coube a mulher os cuidados com as crianças, sua educação e socialização, com os idosos, doentes e todos os trabalhos de casa. Com a modernidade, tais atividades foram absorvidas por instituições criadas pela sociedade, tais como escolas, asilos, hospitais, industrias, etc... (Carter, 1995). O papel da mulher em casa, foi gradativamente sendo desvalorizado, propiciando um aumento nas expectativas de liberdade na vida das mulheres. Além disso, surge a necessidade da mulher complementar a renda proveniente do trabalho do marido para manterem o padrão de vida desejado. Estas mudanças no papel das mulheres, é considerada pela maioria dos autores mencionados neste trabalho, como o fator da maior influência nas relações conjugais, como se a elevação do nível de status feminino fosse diretamente proporcional a instabilidade conjugal. A equiparação profissional dos cônjuges tem sido vista como problemática para o relacionamento conjugal. Outro aspecto a ser considerado é o fato de que com a modernização e o conseqüente esvaziamento das atividades exercidas no lar pela mulher, que foram absorvidas pela sociedade, já não existe razão para a procura do casamento como forma de sobrevivência, já que as necessidades físicas do indivíduo como roupas, comida e outros serviços, até mesmo a satisfação sexual, podem hoje ser satisfeitos fora do casamento. O que situa o casamento hoje, praticamente, dentro de um contexto afetivo. (Carter, 1995). Na verdade, a relação amor e casamento é relativamente recente. Segundo Lévi-Strauss, citado por Jablonski (1991, p.69) “O casamento entre as sociedades préliteradas, por exemplo, sempre obedecem a ditames econômicos”. Embora muitas vezes o casamento fosse exaltado, associado a um sentimento romântico, o que sempre predominava eram os fatores econômicos e sociais. Desde a antiguidade o amor era com freqüência relacionado a relacionamentos fora do casamento. A idéia que parece ter predominado através dos tempos com relação a amor x casamento é a convivência ao longo dos anos. Atualmente tal idéia é totalmente inaceitável. Hoje o amor precede o casamento e transcende as barreiras sociais. E justamente essa associação do amor ao casamento na época atual, tornou-se um dos fatores das crises conjugais. Por não estar associado ao casamento, anteriormente, quando o amor 14 terminava, os casamentos não acabavam, já que tal sentimento não era visto como essencial. Atualmente, o término deste sentimento é um fator de peso para o desmoronamento do casamento, embora existam outros aspectos a serem considerados como propiciadores deste momento de crise matrimonial. Na verdade, a idéia que se tem sobre o amor no casamento, está muito bem representada pela famosa frase, encontrada no final de muitas histórias onde o “casaram-se e foram felizes para sempre” parece significar que o amor é o único responsável pela durabilidade e permanência da relação conjugal. Como se a existência do amor eliminasse todos os obstáculos. O amor seria por si só suficiente para garantir a harmonia e felicidade do casal. Deste modo, o casal, ao colocar no amor a fantasia de felicidade eterna e do poder de manter o casal protegido das mudanças que ocorrem ao longo da vida, se livra de sua própria responsabilidade quanto à condução de sua vida. (Martuscello, 1999). O casamento com todas as suas implicações e complicações não está baseado somente no amor, apesar de como foi dito anteriormente, ser o amor considerado a principal motivação e ocupar um lugar de grande importância no matrimônio. Companheirismo, confiança e sexo também são fatores, citados por Jablonski (1991) como relevantes nas relações. Na verdade o aspecto sexual no casamento é de grande relevância na atualidade. A liberação sexual, principalmente com relação às mulheres, em busca de satisfação sexual, o aumento da comunicação e do diálogo entre os casais sobre o sexo e o aumento das experiências pré-maritais, parecem levar a um aumento no nível de exigência da satisfação sexual dentro da relação conjugal, ao mesmo tempo em que questiona o modelo tradicional de união monogâmica e inseparável até a morte de um dos cônjuges. É importante ressaltar também, no que diz respeito ao aumento das relações pré-maritais, que é a mulher que tem vivenciado as maiores mudanças em termos de liberdade e participação sexual, já que culturalmente o homem sempre vivenciou maior liberdade sexual. (Jablonski, 1998). Outro ponto a ser ressaltado está na aparente contradição do movimento de liberação sexual e emancipação feminina com a concepção que herdamos de casamento monogâmico e eterno, mas repleto de frustrações, desejos e promessas não cumpridas. Uma situação que tem sido observada em todos os casamentos, diz respeito a não realização das esperanças e desejos dos cônjuges com relação ao parceiro. Cada 15 pessoa se encaminha para o casamento esperando que o outro realize uma série de expectativas, que supra determinadas necessidades e que realize seus desejos. É muito comum a idealização do ser amado. Tais fatos determinam o surgimento de um conflito, mediante o sentimento de frustração decorrente do desmoronamento das expectativas. A intensidade deste conflito ocorrerá de acordo com o nível individual de resistência a frustração, os valores culturais do casal que poderão levar a uma acomodação, persistência ou renovação, o grau de envolvimento afetivo real do casal e principalmente, o grau de maturidade da pessoa para conduzir o problema na busca de minimizar os efeitos da frustração. (Martuscello, 1999). Além de todos esses aspectos, até aqui mencionados, o fator religioso também deve ser considerado, já que a religião, que tem sido ao longo do tempo, um valor da família de suma importância, hoje, já não exerce o poder de frear o fluxo de separações familiares. Jablonski (1998) observou, a partir de inúmeras pesquisas realizadas, uma diminuição do acatamento às normas institucionais, e que as gerações mais jovens têm apresentado uma religiosidade mais pessoal, mais livre e não tão sujeitas a “ordens superiores”, muito provavelmente em decorrência das atuais mudanças sociais. Na família contemporânea, o individualismo, estimulado por crençAs, idéias e atitudes de atualidade faz com que as pessoas não se submetam tanto ás autoridades institucionais de controle social, tais como a comunidade, a igreja e a própria família. 16 3- DIVÓRCIO: SEUS EFEITOS NAS MUDANÇAS DO CICLO DE VIDA FAMILIAR Diante de tantas mudanças sócio-econômicas e culturais, a da busca inerente ao ser humano, da felicidade, o alto índice de divórcios, surge como sendo uma comprovação das dificuldades de manutenção do casamento e das relações conjugais. No curso natural de vida das pessoas, ocorrem períodos variados repletos de transformações, perdas e ganhos. O divórcio, do mesmo modo que o casamento, acarreta um período de adaptação às inúmeras mudanças de estilo de vida, valores, hábitos e rotinas. “Existem modificações cruciais no status relacional e importantes tarefas emocionais que precisam ser completadas pelos membros da família que se divorcia, para que eles possam prosseguir desenvolvimentalmente”. (Carter, 1995, p.22-23). Ainda segundo Carter (1995) as famílias em que as questões emocionais não estão adequadamente resolvidas podem permanecer emocionalmente paralisadas por anos, e até mesmo por gerações. Segundo Maldonado (1986) mesmo para as pessoas que querem se separar, os primeiros dias após a separação são um choque, mas comumente uma reação de atordoamento. Diferentes sentimentos se apresentam misturados: “perplexidade, euforia, depressão, atordoamento, embotamento, confusão, desorganização de conduta, distúrbios do sono, do apetite, dos ritmos vitais” (Maldonado, 1986, p.97). Os sentimentos presentes na pessoa que se separa oscilam entre o alívio por estar livre da relação que gerava tenção, angústia e infelicidade, e o medo e a insegurança diante da mudança e de um futuro sem previsões. 17 Ainda segundo Maldonado (1986), os sentimentos decorrentes da separação são acentuados quando além da ruptura da convivência, ocorrem mudanças mais significativas na vida dos cônjuges, tais como a redução significativa do nível financeiro, acarretando a ausência de um apoio na infra-estrutura da casa, como por exemplo, a impossibilidade de ter uma empregada. A separação, se apresenta carregada de significados. Separar abrange desfazer projetos de vida importantes e lidar com o sentimento de perda, perda do sonho de um casamento ideal, de um casamento feliz, trazendo uma forte sensação de fracasso e frustração. Os diversos sentimentos que acompanham a desvinculação, que é lenta e gradual, perduram por algum tempo e interferem na reconstrução da vida dos cônjuges. É preciso tempo para absorver as mudanças derivadas das passagens de vida. Nesse aspecto, a existência dos filhos é responsável pela manutenção ativa de alguns aspectos do vínculo, embora muitas vezes, este mesmo fator seja utilizado para mascarar uma grande dificuldade de completar o processo de desvinculação com o ex-cônjuge. Na verdade, o vínculo sob determinado ângulo nunca termina, já que não existe ex-pai ou ex-mãe, ele apenas assume nova forma. Todos os aspectos que foram depositados no outro, precisam ser resgatados. Perde-se o outro, mas recupera-se a própria identidade, a individualidade, que na maioria das vezes se perde dentro da relação conjugal. Segundo Maldonado, (1986, p.109) “uma relação ativa núcleos muito profundos e intensos, coisas do ‘nós’ mexendo com coisas do ‘eu’. No desfazer de um amor, misturam-se coisas vividas antes, em outros vínculos, que não pertencem ao agora mas que fazem parte de uma cadeia de dores acumuladas, de um passado de falta de chão. Surge a sensação de estar partido, faltando pedaços de si mesmo, a necessidade de juntar os cacos, ficar inteiro de novo, plantar-se na vida com nova perspectiva. Um período de ficar sozinho pode ter o sentido de aprender a conviver consigo mesmo, preparar-se para encontrar outra pessoa sem repetir a mesma estória”. Com o divórcio, freqüentemente todo o grupo familiar é mobilizado, sendo comum que muitos familiares e amigos se posicionem no sentido de auxiliar na 18 reconciliação do casal, acarretando pressões e alianças, tensão e conflitos entre os familiares, que segundo Maldonado (1986) podem ser tão fortes a ponto de gerar rompimento, mesmo que temporários. O processo de aceitação do término do casamento é demorado não só para os filhos, homem e mulher, mas para os familiares também. O divórcio para os filhos caracteriza uma etapa de grande importância. Diante das alterações decorrentes dele, tais como, a modificação de hábitos e rotinas, perda do convívio do pai e da mãe na mesma casa e da modificação do padrão de vida, torna-se necessário um período de adaptação, no qual os filhos se ressentem com a separação, apresentando mudanças de comportamento, diminuição da capacidade de concentração e no surgimento, com muita freqüência, de dificuldades de aprendizagem. Na verdade, com a separação pais e filhos precisam entender que em decorrência da separação, há a perda de um determinado tipo de convívio, e o surgimento de outro que pode ter uma qualidade e afetividade maior do que anteriormente, quando todos moravam juntos. 19 CONCLUSÃO Levando-se em consideração todo o processo de transformação pelo qual vem passando a instituição familiar, como foi mencionado no capítulo 1, na abordagem de Áries, entende-se ser a família um sistema de relações cuja estruturação adquire contornos diferenciados através do tempo, sofrendo influências e influenciando o contexto social. Da mesma forma o casamento, uma das fases do ciclo de vida familiar mais significativas, sofre influências de todo esse processo evolutivo da família. Através da análise dos aspectos discutidos no capítulo 2, a respeito dos inúmeros conflitos e crises do relacionamento conjugal, conclui-se que foram as profundas mudanças sócio-econômicas e culturais, responsáveis por tais crises e conflitos existentes na atualidade. Acredita-se que, em concordância com a abordagem de Jablonski, a modernização, a revolução sexual, a emancipação feminina e os desdobramentos, dessa diversidade de papéis femininos, dentro do núcleo familiar e a supervalorização do amor, que passou a ser visto como o único responsável pelo sucesso do casamento, são os principais componentes na configuração do conflito conjugal. Conseqüentemente, o divórcio, comprovante irrefutável das dificuldades conjugais contemporâneas, constitui, na opinião do autor, bem como na de todos os autores mencionados neste trabalho, um período no processo de desvinculação dos cônjuges, de suma importância, principalmente sob o ponto de vista emocional, na adaptação e na reestruturação do grupo familiar. A forma como esse profundo desequilíbrio, freqüentemente decorrente do término do casamento, é digerido pelos membros da família, determinará que tais membros da família prossigam desenvolvimentalmente de forma mais saudável. Levando-se em consideração todos os aspectos mencionados neste trabalho, faz-se necessário que se tenha consciência que o processo de mudança é inerente a evolução do ser humano. As transformações sofridas pela família ao longo do tempo, fazem parte deste processo de evolução. Do mesmo modo, o casamento, fase de grande 20 relevo no ciclo de vida familiar, também se ressente com tais transformações, buscando através das crises e conflitos, um equilíbrio que possa trazer um maior bem estar aos componentes da instituição familiar. Dessa forma, conclui-se que, mesmo diante de tais crises e conflitos, o ser humano continua em busca de um envolvimento mais profundo e significativo, apesar de todas as contradições que envolvem a importante instituição do casamento, instituição essa, de tão grande valor no ciclo de vida familiar. 21 BIBLIOGRAFIA - Ackerman, N. N. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES. Porto Alegre. Editora Artes Médicas. 1986. 355p - Ahrons, C. R. PhD. O BOM DIVÓRCIO: como manter a família unida quando o casamento termina. Rio de Janeiro. Editora Objetiva Ltda. 1995. 362p - Almeida, A. M. et al PENSANDO A FAMÍLIA NO BRASIL: da colônia a modernidade. Rio de Janeiro. Co-edição Espaço e Tempo/Editora UFRJ, 1987. 136p - Andolfi, M. 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