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Artigo: A adolescência e o pathos familiar
The adolescence and the family’s pathos
Autora: Maria Beatriz de Souza Rangel
Palavras-chave: adolescência, desejo, alienação, separação, família.
Titulação da autora:
Psicóloga e Psicanalista
Participante de Formações Clínicas do Campo Lacaniano/Rio
Mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade na Universidade Veiga de Almeida
Endereço:
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Resumo
Este artigo possui como objetivo articular a teoria psicanalítica e clínica com adolescente. A
partir dos termos de sujeito, desejo, Outro, alienação e separação abordaremos o caso de um
jovem frente o pathos familiar, ressaltando a importância da presença dos pais junto ao
adolescente e a função que este assume no contexto familiar.
Palavras-chave: adolescência, desejo, alienação, separação, família.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo articular la teoría y la clínica psicoanalítica con
adolescentes. De los términos del tema, deseo, Otros, la alienación y la separación discutir el
caso de una joven familia que enfrenta el pathos, haciendo hincapié en la importancia de la
presencia de los padres con el adolescente y la función que tiene en la familia.
Palabra clave: adolescencia, deseo, enajenación, separación, família.
Résumé
Cet article porte le but d’articuler la théorie psicanalitique avec l’expérience ordinaire dans la
écoute clinique avec des adolescents. Avec les éxpressions du sujet, du désir et de l’autre:
l’alianéation et la separation. On analyse ici la cas fait rapport à un jeune home e son pathos
dans sa famille. On remarque dans l’ article la relevance de la présence des Parents pendant l’
adolescense et sa function dans l’intimité de la famille.
Mots-clés: l'adolescence, le désir, aliénation, la séparation, de la famille.
Astract
This abstract the purpose to articulate the psychoanalytic theory with a teenager in a treatment
situation. The application of terms like subject, desire, the other, alienation and separation, in
this abstract, has the aim to analyse the specific teenager case to face the parental pathos. It is
related to the relevance of the presence of his parents during his adolescence; in the family
context.
Key Word: adolescence, desire, alienation, separation, family.
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A adolescência e o pathos familiar
Maria Beatriz de Souza Rangel1
Neste trabalho pretendo articular a teoria psicanalítica e a clínica com adolescente, e
escolho, para isso, trabalhar inicialmente a constituição do sujeito para psicanálise.
O sujeito do inconsciente é sempre efeito da fala e está submetido ao significante. Ele
é aquele que fala, deseja e por isso desliza na cadeia significante. Emerge entre dois
significantes e desta forma, só pode ser representado no intervalo de um significante para o
outro. Ele é intervalar, incompleto e barrado na medida em que nenhum significante, nem S1,
nem S2, basta para representá-lo integralmente.
A linguagem, cadeia simbólica, determina o sujeito antes do seu nascimento e depois
da sua morte. Ao vir ao mundo, a criança é marcada por um discurso no qual as fantasias dos
pais, a cultura, são inscritas. É no campo do Outro que o sujeito se forma, em outras palavras,
é na operação de alienação que ele irá se constituir. A constituição em torno do Outro lhe dará
passaporte para a vida.
A mãe (ou sua substituta) é quem está primeiro no lugar do Outro da demanda de
amor. Ela é o primeiro Outro da demanda incondicional do amor e, portanto virá dela a
primeira decepção. A mãe está encarregada de introduzir a criança nas primeiras exigências
do discurso, exigências que têm relação com o corpo: limpeza, nutrição, sono, excreção. A
criança encontra as bases do seu próprio desejo no discurso e desejo da mãe. Alberti nos diz:
“É do desejo dela que nascem as demandas do bebê, ou seja, que ele pode começar a
expressar o que quer do Outro.” (ALBERTI, 2004, p. 15). Seu olhar irá dizer, de alguma
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Psicóloga e Psicanalista. Participante de FCCL/Rio. Mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade/UVA.
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maneira, quem é a criança no seu desejo. Seu lugar junto à mãe tem conseqüências na sua
organização psíquica.
Diante desse lugar ocupado pela mãe como Outro primordial, perguntemos, então,
qual é a função do pai? Ele é quem pode resgatar a criança da mãe voraz. A função do pai é
dizer que o objeto que satisfaz à mãe não é a criança, e sim o falo. Diante desta ação do pai, a
criança poderá deixar de acreditar que é esse objeto satisfatório. Faz-se necessário que o
sujeito tenha referência a um pai que barre o desejo da mãe. Dizemos que para esse sujeito o
Nome-do-Pai foi inscrito e barrou, portanto o Outro primordial materno. É justamente por
intermédio desta barra que ele pode buscar, fora da família, outros investimentos. A mãe
precisa ter outros objetos e a criança necessita sair da posição de objeto para mãe.
Freud discutiu, nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, mais precisamente
em seu terceiro ensaio - “As transformações da puberdade”, a respeito da puberdade (termo
utilizado para se referir à adolescência) e deu a este termo uma significação psíquica. A
puberdade é acompanhada de transformações corporais e psíquicas, estando estas marcadas,
sobretudo, pela reatualização dos complexos edípicos e de castração. Em processo de
amadurecimento, a vida sexual do jovem dispõe das fantasias. Estas se ligam à investigação
sexual infantil abandonada na infância e remontam também a uma parte do período de
latência, além de terem grande importância para a gênese de muitos sintomas. Freud escreve:
Contemporaneamente à subjugação e ao repúdio dessas fantasias claramente
incestuosas consuma-se uma das realizações psíquicas mais significativas, porém
também mais dolorosas, do período da puberdade: o desligamento da autoridade dos
pais, unicamente através do qual se cria a oposição, tão importante para o progresso
da cultura, entre a nova e a velha gerações. Em cada uma das etapas do curso de
desenvolvimento por que todos os indivíduos são obrigados a passar, um certo
número deles fica retido, de modo que há pessoas que nunca superam a autoridade
dos pais e não retiram deles sua ternura, ou só o fazem de maneira muito
incompleta. (FREUD, 1905, p. 214).
O sujeito adolescente é aquele que terá que elaborar a falta no Outro e também passar
por um longo trabalho de elaboração de escolhas. Como vimos, o desligamento da autoridade
dos pais é o trabalho psíquico mais importante e também o mais difícil na adolescência.
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Diante deste fato, não podemos deixar de lado a importante função dos pais neste processo. O
sujeito recebe dos pais, familiares, educadores, ao longo da infância e também ao longo da
adolescência, indicativos e direções determinantes que lhe são transmitidos pela linguagem
seja ela falada, visual ou até mesmo escrita. (ALBERTI, 2004).
Quanto ao desligamento dos pais, é preciso que este seja iniciando pelo adolescente.
Existem casos onde os pais se separam antes dos filhos poderem se separar deles. Alguns
possuem grande dificuldade de sustentar a adolescência de seus filhos. É no momento em que
estes últimos iniciam o processo de desligamento dos pais que eles passam a criticá-los.
Diante das reações adversas dos filhos, há vezes em que os pais abrem mão do exercício das
suas funções. Frente a tal fato, faz-se necessário que não se abra mão da responsabilidade de
acompanhar o filho em suas trajetórias. (ALBERTI, 2004, p. 22). A separação prévia dos pais
pode fazer com que o adolescente busque a atenção de seus pais. Conseqüentemente também,
uma série de dificuldades e problemas da adolescência pode emergir sendo maior na medida
em que menor sejam as referências primárias para o exercício das escolhas.
A adolescência marca o final da infância e nos indica uma quebra em que o sujeito não
é mais tão dependente da idealização dos pais da sua infância. Na medida em que cresce, a
criança, aos pouco, percebe que seus pais falham, que não são perfeitos e sim castrados. Ela
constata que o Outro não pode protegê-la e sim somente transmitir alguns meios para suportar
sozinha o desamparo. Tal percepção, apesar de difícil por causa do horror da criança diante da
castração do Outro que a remete ao desamparo fundamental, contribuirá para o processo de
desligamento dos pais idealizados e para aceder ao desejo.
Tomemos um fragmento clínico. A partir da análise de um sujeito adolescente,
podemos alcear alguns significantes como indiferente, irresponsável, fraco, marionete,
capacho da mãe que podem ilustrar a questão referente ao desligamento dos pais apontada
por Freud em 1905. O adolescente se encontra intermediando a briga dos pais, servindo de
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“arma” na batalha jurídica pela pensão. O pai alega, perante o juiz, que está tendo muitos
gastos e por isso quer diminuir o valor da pensão. A mãe, por sua vez, não aceita o acordo e
comprova os gastos que o filho tem com o uso de medicamentos, psicólogo, plano de saúde e
outras coisas mais. Seu filho está com obesidade mórbida e precisa ser operado - fato que o
pai é contra.
De acordo com Lacan no Seminário 5, “o sintoma é aquilo que é analisável”.
(LACAN, 1957-1958, p. 335). O ganho exagerado de peso pelo nosso adolescente em análise
nos últimos meses, acreditamos que no sentido de chamar atenção desses pais e até mesmo se
proteger com uma “capa de gordura” de toda angustia gerada pela situação, nos remete a
formulação lacaniana de que “[...] o sintoma da criança acha-se em condições de responder ao
que existe de sintomático na estrutura familiar. [...] O sintoma pode representar a verdade do
casal familiar.” (LACAN, 1969, p. 369). Nesta família, os pais, que nunca se entenderam,
parecem utilizar-se inconscientemente do jovem para se atacarem.
Ao mesmo tempo em que este jovem se serve dos significantes apresentados acima
tendo como função intermediar o desentendimento familiar, o jovem, pela via da análise,
pensa não ter relação com tal situação de conflito e percebe que são eles, seus pais, que devem
se entender. De fato, o lugar em que este jovem se encontra não é nada confortável. “Pensar
com sua própria cabeça” lhe traz um imenso conflito já que teme a perda do amor dos pais.
Do lado de quem ficar? Do pai ou da mãe? Ser marionete parece estar atrelado à condição de
ser amado.
Mais uma vez, destacamos a necessidade da presença da família junto à análise deste
jovem. Qualquer modificação de atitude que o filho venha apresentar pode ser crucial para o
andamento da análise. Quantas vezes, em nossos consultórios, a família retira o adolescente
ou a criança do tratamento quando percebe sinais de mudança no comportamento?
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A angustia trazida pelo paciente frente à compulsão alimentar nos remete às operações
de alienação e separação, derivadas da lógica formal e formuladas por Lacan no Seminário,
livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.
Enquanto a alienação é um destino ligado à fala e se faz necessária para constituição
do sujeito, como já vimos, a separação exige que o sujeito deseje separar da cadeia
significante à qual está petrificado. O sujeito da separação busca ser e para compreender a
vontade como busca é necessária a falta. Segundo Soler, “a separação supõe uma vontade de
sair, uma vontade de saber o que se é para além daquilo que o Outro possa dizer, para além
daquilo inscrito no Outro”. (SOLER, 1997, p. 62 e 63).
Neste caso clínico, o jovem, enquanto revestido por uma capa de gordura e
envergonhado por sua aparência, se isola do mundo ficando dependente e capacho da mãe. É
esta quem escolhe suas roupas na loja de tamanho especial, escolhe o colégio e faz a matrícula
sem comunicar ao filho e também traz para casa, a pedido dele, as comidas prediletas. A mãe,
a partir de um encontro com a analista, relata: “Realmente, meu filho é tratado como um bebê
grande”. (sic).
A partir do contexto descrito acima: a relação deste adolescente com a mãe,
evoquemos uma pergunta: o que sou eu no desejo do Outro? Esta é a questão que leva o
sujeito ao ponto de separação. Lacan nos diz que o sujeito pode saber o que ele é no desejo do
Outro (apud SOLER, 1997, p. 65). Não devemos esquecer que o desejo do Outro é a origem
do desejo do sujeito. Quando falamos de desejo do Outro estamos tratando do desejo do
sujeito.
O desejo é o que circula na fala, desliza nos significantes da demanda, é metonímia e
não é possível de capturar. É inarticulável como vetor e está para além da demanda. A
presença do desejo sinaliza a existência de algo que na fala falta. Lacan se reporta ao primeiro
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capítulo da “Fenomenologia do espírito”, de Hegel, para dizer que o desejo humano é o
desejo do Outro. Entendemos então que:
O desejo surgirá sempre passando inicialmente pelo desejo do objeto visado pelo
desejo do Outro. Mas deverá depois tomar rumos próprios, com a reformulação de
“querer-se o que se deseja”, e assim ultrapassar o nível de demanda. (BRAGA,
2004, p. 59).
Podemos definir o desejo como o resto da operação de subtração da demanda à
necessidade. (QUINET, 2003, p. 33). A necessidade tem um objeto que satisfaz e por isso
está do lado do animal. Já a demanda, é a cadeia de significantes que se dirige ao Outro, de
onde virá a resposta de forma invertida. O analisante, ao situar o analista no lugar do Outro,
aguarda receber a interpretação que fale sobre o sentido do que está dizendo. Diante disso
perguntamos: o que o sujeito quer naquilo que está dizendo? A questão, portanto está em
saber o que quer esse sujeito que diz e não em saber o que ele quer nos dizer.
Na clínica com adolescentes verificamos, como observamos neste caso, a dependência
dos pais, e é no processo de análise que isto será trabalhado no sentido de promover a
separação, visto o quanto o papel da elaboração de perdas é fundamental. É justamente a falha
da imagem ideal que o sujeito tem de seus pais que se desvelará, e pela via da análise daremos
voz a este sujeito fazendo emergir os desdobramentos do seu próprio desejo.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ALBERTI, S. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
BRAGA, M. L. W. P. A solidão e o feminino. Dissertação de Mestrado/UERJ. Rio de
Janeiro, 2004.
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. (1905) In: Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
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Zahar Ed., 2003.
LACAN, J. O Seminário 5: as formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999.
LACAN, J. O Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio
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LONGO, L. Linguagem e Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
QUINET, A. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de janeiro: Jorge
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RANGEL, M. B. S. Adolescência: uma escolha do sujeito. In: Revista Marraio n. 13. Rio de
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SADALA, G. Fim de análise de uma adolescente: um novo despertar. In: Revista Marraio n.
7. Rio de Janeiro: Editora Rios Ambiciosos / Formações Clínicas do Campo Lacaniano, 2004.
SOLER, C. O sujeito e o Outro I. In: Feldstein, Richard; Fink, Bruce & Jaanus, Marie (orgs).
Para ler o Seminário 11 de Lacan. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
SOLER, C. O sujeito e o Outro II. In: Feldstein, Richard; Fink, Bruce & Jaanus, Marie (orgs).
Para ler o Seminário 11 de Lacan. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
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