Terra Livre
Geografia e Ensino
associação
dos geográfos
brasileiros
1
Associação dos Geógrafos Brasileiros
Diretoria Executiva Nacional
Gestão 2006/2008
Presidente
Edvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS)
Vice Presidente
Manoel Calaça (AGB - Goiânia/GO)
Primeiro Secretário
Jones Dari Goettert (AGB - Dourados/MS)
Segundo Secretário
Zeno Soares Crocetti (AGB - Curitiba/PR)
Primeiro Tesoureiro
Alexandre Bergamin Vieira (AGB - Presidente Prudente/SP)
Segundo Tesoureiro
Victor A. de Souza Junior (AGB - João Pessoa/PB)
Coordenação de Publicações
Antonio Thomaz Junior (AGB - Presidente Prudente /SP)
Ana Paula Maia Jansen (AGB - Rio Branco/AC)
José Alves (AGB - Rio Branco/AC)
José Messias Bastos (AGB - Florianópolis/SC)
Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB - Salvador/BA)
Representação junto ao Sistema CONFEA/CREA
Titular: Rodrigo Martins dos Santos (AGB - São Paulo/SP)
Suplente: Cristiano Silva da Rocha (AGB - Porto Alegre/RS)
Representação junto ao Conselho das Cidades
Arlete Moyses Rodrigues (AGB - São Paulo/SP)
Correio eletrônico: [email protected]
Página na internet: http://www.agb.org.br
2
ISSN 0102-8030
Terra Livre
Publicação semestral
da Associação dos Geógrafos Brasileiros
ANO 23 – Vol. 1
NÚMERO 28
Terra L iv re
P resid e nt e P ru d e nt e A n o 2 3 , v . 1 , n . 2 8
p. 1 -2 8 8
Jan -Ju n/ 2 0 0 7
3
TERRA LIVRE
Conselho Editorial
Jorge Montenegro Gómez (UFPR)
Adauto de Oliveira Souza (UFGD)
José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha)
Ailton Luchiari (USP)
Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS)
Alexandrina da Luz (UFS)
Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão)
Ângela Massumi Katuta (UEL)
Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP)
Maria Franco García (UFPB)
Antonio Carlos Vitte (UNICAMP)
Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília)
Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente)
Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo)
Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP)
Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP)
Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB)
Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente)
Ricardo Antunes (UNICAMP)
Rogério Haesbaert da Costa (UFF)
Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP)
Selma Simões de Castro (UFG)
Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS)
Douglas Santos (PUC/SP)
Silvio Simione da Silva (UFAC)
Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente)
Valéria De Marcos (USP)
Horácio Capel Sáez (Universidade de Barcelona/Espanha) Virgínia Elisabeta Etges (UNISC)
João Cleps Júnior (UFU)
Xosé Santos Solla (Universidade de Santiago de Compostela/
João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Espanha)
Colaboradores
Alexandre Bergamin Vieira (UNESP - Presidente Prudente/SP)
Karina Furini da Ponte (UFAC - Rio Branco/AC)
Editor responsável e editoração: José Alves (UFAC - Rio Branco/AC)
Co-Editor: Antonio Thomaz Júnior
Formatação eletrônica: Alexandre Aldo Neves (UNESP – Presidente Prudente /SP)
Revisão de Espanhol: Jorge Montenegro Gómez (UFRP - Curitiba/PR)
Revisão de Inglês: Jarbas Francisco Alves
Capa
Motivo: Muitas Nações, um mundo. I Concurso Local de Cartografia para Crianças / UFAC
Autora: Thais Barros de Souza (Profª. Jane Fran. 4ª série/Ensino Fundamental, Colégio Meta – Rio Branco/AC.)
Arte: Gilson Kleber Lomba
Tiragem: 1.000
Impressão: Copy Set (Av. Cel. José Soares Marcondes, n. 798, Presidente Prudente-SP - [email protected])
Endereço para Correspondência:
Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN)
Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geografia e História - Cidade Universitária
CEP: 05508-900 - São Paulo / SP - Brasil - Tel. (0xx11) 3091 - 3758
ou Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo / SP
e-mail: [email protected]
Ficha Catalográfica
Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986.
São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico
1992/93 – 11/12 (editada em 1996)
1994/95/96 – interrompida
1986 – ano 1, v. 1
1997 – n. 13
1987 – n. 2
1998 – interrompida
1988 – n. 3, n. 4, n. 5
1999 – n. 14
1989 – n. 6
2000 – n. 15
1990 – n. 7
2001 – n. 16, n. 17
10. Geografia – Periódicos
2002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 19
10. AGB. Diretoria Nacional
2003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 21
2004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 23
1991 – n. 8, n. 9
2005 – Ano 21, v.1, n. 24
1992 – N. 10
2005 – Ano 21, v. 2, n. 25
Revista Indexada em Geodados
2006 – Ano 22, v. 1, n. 26
www.geodados.uem.br
2006 – Ano 22, v. 2, n. 27
ISSN 0102-8030
2007 – Ano 23, v. 1, n. 28
Solicita-se permuta / Se solicita intercambio / We ask for echange
4
CDU – 91 (05)
Sumário
EDITORIAL
ARTIGOS
MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA:
(TERRA E) HOMEM DO NORDESTE
JONES DARI GOETTERT
15-26
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO
COMENDO PASTEL DE VENTO NUM FAST FOOD?
NESTOR ANDRÉ KAERCHER
27-44
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO DE
SENTIDOS
IARA GUIMARÃES
45-66
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA DAS
TECNOLOGIAS INFORMACIONAIS
VALDENILDO PEDRO DA SILVA
67-90
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
BRASIL
COMPARATIVO DE SABERES DOCENTES NO
HELENA COPETTI CALLAI
LANA DE SOUZA CAVALCANTI
SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR
91-108
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE: A ESCOLA NORMAL
DA PARAHYBA NO INÍCIO DO SÉCULO XX
CARLOS AUGUSTO DE AMORIM CARDOSO
109-128
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DOS
DESCOMPASSOS ENTRE A FORMAÇÃO DOCENTE E AS
ORIENTAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
MARIA CLEONICE B. BRAGA
129-148
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO PARA O
LICENCIANDO EM PEDAGOGIA
MARCEA ANDRADE SALES
149-162
5
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE A
GEOGRAFIA PAUTADA NO
FORMAÇÃOPROFISSIONAL EM
DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA INVESTIGATIVA
ANA MARIA RADAELLI DA SILVA
JUÇARA SPINELLI
163-176
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA
IDEOLOGIA NACIONAL
ROGATA SOARES DEL GÁUDIO
ROSALINA BATISTA BRAGA
177-196
A IDEOLOGIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA
DURANTE O REGIME MILITAR NO BRASIL
EDINHO CARLOS KUNZLER
CARMEN REJANE FLORES WIZNIEWSKY
197-220
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO AS SUAS
PRÁTICAS E LINGUAGENS
ÂNGELA MASSUMI KATUTA
221-238
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO POSSIBILIDADE
DE UNIFICAR SABERES
GRAÇA APARECIDA CICILLINI
SANDRA RODRIGUES BRAGA
VALTER MACHADO DA FONSECA
239-256
RESENHA
SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS E
ESPAÇOS SOCIAIS : EDUCAÇÃO, GEOGRAFIA,
INTERDISCIPLINARIDADE
CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES
259-261
NORMAS
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
264-270
COMPÊNDIO
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
6
273-287
Summary/Sumario
FOREWORD/EDITORIAL
ARTICLES/ ARTÍCULOS
MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA:
(LAND AND) THE MAN FROM THE NORTHEAST
MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA:
(TIERRA Y) HOMBRE DEL NORDESTE
JONES DARI GOETTERT
15- 26
SCHOOL GEOGRAPHY: A GIANT WITH CLAY FEET EATING
AIR FILLED FRIED PASTRY AT A FAST FOOD RESTAURANT?
LA GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PIES DE BARRO
COMIENDO EMPANADAS DE AIRE EN UN “FAST-FOOD”?
NESTOR ANDRÉ KAERCHER
27- 44
GEOGRAPHY TEACHING, MEDIA AND PRODUCTION OF
SENSES
ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA, MEDIOS DE
COMUNICACIÓN Y PRODUCCIÓN DE SENTIDOS
IARA GUIMARÃES
45-66
SPATIAL THINKING IN THE AGE OF INFORMATIONAL
TECHNOLOGIES
EL RACIOCINIO ESPACIAL EN LA ERA DE LAS TECNOLOGÍAS
INFORMACIONALES
VALDENILDO PEDRO DA SILVA
67-90
PLACE AND URBAN CULTURE: A COMPARATIVE STUDY OF
TEACHERS’ KNOWLEDGE IN BRAZIL
LUGAR Y CULTURA URBANA: UN ESTUDIO COMPARATIVO
DE LOS SABERES DOCENTES EN BRASIL
HELENA COPETTI CALLAI
LANA DE SOUZA CAVALCANTI
SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR
91-108
THE PLACE OF THE SCHOOL IN THE CITY:
THE NORMAL SCHOOL OF PARAHYBA IN THE BEGINNING
OF THE 20TH CENTURY
EL LUGAR DE LA ESCUELA EN LA CIUDAD
LA ESCUELA NORMAL DE PARAHYBA A INICIOS DEL
SIGLO XX
CARLOS AUGUSTO DE AMORIM CARDOSO
109-128
THE TEACHING OF GEOGRAPHY IN THE INITIAL GRADES
OF BASIC EDUCATION: AN ANALYSIS OF THE DISHARMONY
BETWEEN TEACHING FORMATION AND PUBLIC POLICIES
RECOMMENDATIONS
LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA EN LAS SERIES
INICIALES DE LA EDUCACIÓN BÁSICA: UN ANÁLISIS DE LA
DISONANCIA ENTRE LA FORMACIÓN DOCENTE Y LAS
RECOMENDACIONES DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS
MARIA CLEONICE B. BRAGA
129-148
STUDIES IN GEOGRAPHY: A CHALLENGE TO PEDAGOGY
GRADUATES
ESTUDIOS EN GEOGRAFÍA: UN DESAFÍO PARA EL LICENCIADO EN PEDAGOGÍA
MARCEA ANDRADE SALES
149-162
7
TEACHING AND RESEARCH: REFLECTING UPON
PROFESSIONAL FORMATION IN GEOGRAPHY GUIDED BY THE
DEVELOPMENT OF AN INVESTIGATIVE COMPETENCE
ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN: REFLEXIONANDO SOBRE LA
FORMACIÓN DEL PROFESIONAL EN GEOGRAFÍA CON BASE EN
EL DESARROLLO DE LA COMPETENCIA INVESTIGATIVA
ANA MARIA RADAELLI DA SILVA
JUÇARA SPINELLI
163-176
GEOGRAPHY, EDUCATION AND THE CONSTRUCTION OF
NATIONAL IDEOLOGY
LA GEOGRAFÍA, LA EDUCACIÓN Y LA CONSTRUCCIÓN DE LA
IDEOLOGÍA NACIONAL
ROGATA SOARES DEL GÁUDIO
ROSALINA BATISTA BRAGA
177-196
IDEOLOGY IN GEOGRAPHY TEXTBOOKS DURING THE PERIOD
OF MILITARY REGIME IN BRAZIL
LA IDEOLOGÍA EN LOS LIBROS DIDÁCTICOS DE
GEOGRAFÍA DURANTE EL GOBIERNO MILITAR EN BRASIL
EDINHO CARLOS KUNZLER
CARMEN REJANE FLORES WIZNIEWSKY
197-220
THE TEACHING EDUCATION: RE-THINKING THEIR
PRACTICES AND LANGUAGES
LA EDUCACIÓN DOCENTE: (RE)PENSANDO SUS PRÁCTICAS Y
LENGUAJE
ÂNGELA MASSUMI KATUTA
221-238
THE ENVIRONMENTAL EDUCATION AS A POSSIBILITY TO
UNIFY KNOWLEDGE
LA EDUCACIÓN AMBIENTAL COMO POSIBILIDAD DE LA
UNIFICACIÓN DE LOS CONOCIMIENTOS
GRAÇA APARECIDA CICILLINI
SANDRA RODRIGUES BRAGA
VALTER MACHADO DA FONSECA
239-256
REVIEW/RESEÑA
TO KNOW AND PRACTICAL IN THE CONSTRUCTION OF
CITIZENS AND SOCIAL SPACES: EDUCATION, GEOGRAPHY,
INTERDISCIPLINARIDADE
SABERES Y PRÁCTICO EN LA CONSTRUCCIÓN DE CIUDADANOS
Y DE ESPACIOS SOCIALES : EDUCACIÓN, GEOGRAFÍA,
INTERDISCIPLINARIDADE
CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES
259-261
NORMAS
SUBMISSION GUINDELINESA
NORMAS PARA PUBLICACIÓN
264-270
COMPÊNDIO
COMPENDIUM OF THE PREVIUS NUMBERS
COMPENDIO DE NÚMEROS ANTERIORES
8
273-287
EDITORIAL
É com imenso prazer que a Coordenação de Publicações da revista Terra Livre
apresenta à comunidade geográfica e demais interessados o número 28 que tem como
dossiê temático Geografia e Ensino.
Pensar fazer a Geografia neste início de milênio é uma tarefa árdua e complexa, mas
também prazerosa e acima de tudo necessária, seja pela dinâmica avassaladora com que a
lógica do capital atua sobre os mais variados territórios, lugares e regiões, sejam pelas
conseqüências que seu processo de acumulação/reprodução gera a esses espaços e a seus
sujeitos. E se estamos partindo do pressuposto de que tais sujeitos devam se posicionar,
não só no campo das idéias, mas também na práxis cotidiana, mais necessário ainda se torna
compreender quais agentes e processos atuam na produção e reprodução das mais variadas
dinâmicas sociais e espaciais.
Essa difícil tarefa não pode ser realizada ou almejada a não ser com o imprescindível
papel que a educação ocupa na sociedade brasileira atual. E para contribuir com esta reflexão,
a Geografia e seu ensino são essenciais.
Assim, a partir do I Concurso Local de Cartografia para Crianças, realizado durante
a XX Semana de Geografia da Universidade Federal do Acre (Maio de 2007), selecionamos
para a capa o desenho de uma criança da 4ª série do Ensino Fundamental de uma das
escolas participantes do encontro, que procurou retratar o tema “Muitas nações, um mundo”,
no qual há a essência de um sujeito em construção que percebe um mundo diverso, com
suas particularidades, mas também com seus problemas e desigualdades.
É com esse intuito que convidamos todos os interessados para a leitura das reflexões
materializadas neste número da Terra Livre. Reflexões de diversas temáticas e preocupações
teórico-metodológicas acerca do ensino de Geografia.
Iniciamos com um texto em homenagem ao inesquecível professor Manuel Correa
de Andrade, apresentado no VI Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor,
realizado em Uberlândia/MG, que objetiva demonstrar algumas preocupações de um dos
mais importantes geógrafos brasileiros. Mestre que se preocupou com a construção e
compreensão da Geografia brasileira, que apesar da sua ausência, muito ainda tem a nos
ensinar.
Na seqüência, deparamo-nos com análises referentes às práticas docentes da geografia
escolar, às relações entre o ensino de geografia e a mídia, ao raciocínio espacial na era das
tecnologias informacionais, ao conceito de cidade e lugar no ensino, à formação e o ensino
9
de geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental, bem como à relação entre ensino e
pesquisa na formação docente. Outras reflexões são dedicadas à ideologia presente no
ensino de geografia e nos livros didáticos no período militar, à educação docente - suas
práticas e linguagens, e à questão da educação ambiental no processo educativo.
Como se evidencia, buscou-se fazer deste número, especial sobre ensino, um volume
de preocupações diversas, mas que apesar de plural tenha um objetivo comum, ou seja:
fazer da geografia e do seu ensino um instrumento de reflexão e ação sobre a realidade da
educação e da sociedade brasileira.
Esperamos que o leitor desfrute das contribuições presentes e que possa a partir das
mesmas continuar pensando e agindo em prol de um ensino da Geografia atuante e em
movimento.
OS EDITORES
10
FOREWORD
It is with a great pleasure that the Coordination of Publications of the magazine
Terra Livre presents to the geographical community and others that might be interested,
the 28th issue which has as a theme Geography and Teaching.
To think about doing Geography in this beginning of millennium is an arduous
and complex task, but it is also a pleasant and above all necessary one, either for the
overpowering dynamics with which the logic of the capital acts upon the most varied
territories, places and regions, or for the consequences that its accumulation/reproduction
process generates to these spaces and their characters. And presuming that such characters
might take positions, not only in the field of ideas, but also in the daily praxis, it becomes
even more necessary to understand which agents and processes act in the production and
reproduction of the most varied social and space dynamics.
This difficult task cannot be accomplished or desired but only with the indispensable
role that education occupies in the current Brazilian society. And to contribute with this
reflection, Geography and its teaching are essential.
This way, from the First Local Contest of Cartography for Children, taken place
during the 20th Week of Geography of the Federal University of Acre (May 2007), we
selected for the cover the drawing of a child from the 4th grade of Primary School of one
of the schools taking part in the event, which tried to portray the theme “Many nations, one
world”, in which there is the essence of a character in construction who notices a diverse
world, with its particularities, but also with its problems and inequalities.
It is with this intention that we invite anyone who may be interested to read the
reflections materialized in this issue of Terra Livre. Reflections of several themes and
theoretical-methodological concerns on the teaching of Geography.
We begin with a text in honor to the unforgettable teacher Manuel Corrêa de Andrade,
presented in the 6th National Meeting of Geography Teaching - Fala Professor, taken place
in Uberlândia/MG, which aims at demonstrating some concerns of one of the most important
Brazilian geographers. A teacher who worried about the construction and understanding of
the Brazilian Geography, and in spite of his absence, he still has a lot to teach us.
Following that, we find analyses regarding the educational practices of the school
geography, the relationships between the teaching of geography and the media, the space
thinking in the age of informational technologies, the concept of city and place in teaching,
the formation and the teaching of geography in the initial grades of Basic Education, as
well as the relationship between teaching and research in the teachers’ formation. Other
reflections are dedicated to the present ideology in the teaching of geography and in the
textbooks in the military period, to the teachers’ education - its practices and languages, and
to the issue of environmental education in the educational process.
As it is demonstrated, we tried to make this issue, especially on teaching, a volume
11
of several concerns, but one with a common objective despite being plural, that is: to make
geography and its teaching a reflection instrument and action about the reality of education
and the Brazilian society.
We hope that the reader enjoys the present contributions and that they, from these
contributions, can continue thinking and acting on behalf of an active and moving teaching
of Geography.
THE EDITORS
12
ARTIGOS
13
14
MANUEL CORREIA DE
ANDRADE, CORREINHA:
(TERRA E) HOMEM DO
NORDESTE*
MANUEL CORREIA DE
ANDRADE, CORREINHA:
(LAND AND) THE MAN FROM THE
NORTHEAST
MANUEL CORREIA DE
ANDRADE, CORREINHA:
(TIERRA Y) HOMBRE DEL
NORDESTE
JONES DARI GOETTERT
Professor Adjunto do Curso de
Geografia – FCH – UFGD
1º Secretário da DEN – AGB
Rua João Rosa Góes, n. 1761
Caixa Postal 322 – CEP: 79825-070
Dourados – MS
[email protected]
* Texto da AGB em homenagem ao
professor Manuel Correia de Andrade,
escrita e pronunciada pelo professor Jones
Dari Goettert durante o VI Encontro
Nacional de Ensino de Geografia – Fala
Professor –, realizado em Uberlândia,
Minas Gerais, de 23 a 27 de julho de
2007.
Terra Livre
Resumo: Manuel Correia de Andrade, incansavelmente, fez da vida o
trabalho em compreender “a terra e o homem no Nordeste”. Manuel
Correia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejou
pela vida, pela ciência, por mulheres e homens, em diálogo contínuo
com a teoria e com as gentes do litoral, do agreste e do sertão, que
“mourejam a terra”. Embalado pelo compromisso intelectual e social,
Manuel Correia de Andrade fez-se terra, fez-se homem, fez-se corpo,
fez-se espaço e fez-se tempo. Espaço(s) e tempo (s) de um Nordeste
múltiplo, diverso, marcado por séculos de mando “controlado por uma
oligarquia que procura trazer vantagens para ela própria”, mas que,
por outro lado, em uma amálgama de terra e gentes do trabalho,
protagoniza “a ação de movimentos como o MST, a Contag e a Pastoral
da Terra”, “fazendo renascer o slogan de Francisco Julião, de 1960, de
que “a reforma agrária seria feita na lei ou na marra”! “Tudo no mundo”,
em vinte e dois de junho de 2007, se fechou para os olhos de Manuel
Correia de Andrade. Mas, como que por uma “geografia da alma”,
seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livros e
centenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes.
De seu Nordeste que lutou para que fosse um lugar melhor, uma terra
sem males.
Palavras-chave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Terra;
Homem.
Abstract: Manuel Correia de Andrade made his life into a quest to
understand “the land and the man from the Northeast”. Manuel Correia
de Andrade, known as Correinha by the rural workers, constantly
worked for life, science, men and women without resting, in a constant
sharing of ideas between theory and the beach people, not to mention
the “Agreste” and the hinterland ones who toiled the land. Taken by an
intellectual and social commitment, Manuel Correia de Andrade made
himself land, made himself man, made himself space and time. Time(s)
and space(s) of a multiple, diverse Northeast which was marked by
centuries of ordering “controlled by an oligarchy that tried to take full
advantage for itself”. On the other hand, however, this Northeast in an
amalgam of land and workers that takes part in “movement actions
such as the MST, the CONTAG and the PASTORAL DA TERRA”,
“bringing back to life Francisco Julião’s slogan (1960) in which he
mentions, “the agrarian reform is to be done either according to the
law or to men’s will”! “Everything in the world”, on June 22nd, 2007,
closed their eyes to Manuel Correia de Andrade. But, based on a “soul
geography”, his eyes seem to look at us through his route, his books
and hundreds of articles, through his conversations, his land and his
people. Everything in the world seems to look at us through his Northeast
which fought in order to be a better place, a blessed land.
Keywords: Manuel Correia de Andrade; Northeast; Land; Man.
Resumen: Manuel Correia de Andrade hizo de su vida una busca
incansable para comprender “la tierra y el hombre del Nordeste”.
Manuel Correia de Andrade, el Correinha de los trabajadores rurales,
trabajó sin descanso por la vida, por la ciencia, por las mujeres y los
hombres, en un diálogo continuo con la teoría y las personas del litoral,
del “agreste” y del “sertão”, que también “trabajan la tierra sin
descanso”. Por su compromiso intelectual y social, Manuel Correia de
Andrade se hizo tierra, se hizo hombre, se hizo cuerpo, se hizo espacio
y se hizo tiempo. Espacio(s) y tiempo(s) de un Nordeste múltiple,
variado, marcado por siglos de mando “controlado por una oligarquía
que intenta obtener beneficios para si misma”, pero que, por otro lado,
en un amalgama de tierra y personas trabajadoras, protagoniza “la
acción de movimientos como el MST, la CONTAG y la Pastoral de la
Tierra”, “haciendo renacer el slogan de Francisco Julião, de 1960, de
que “la reforma agraria seria hecha por la ley o por la fuerza”! “Todo
en el mundo”, el veintidós de junio de 2007, se cerró para los ojos de
Manuel Correia de Andrade. Pero como por una “geografía de la alma”,
sus ojos parecen mirarnos a través de su trayectoria, de sus libros y de
centenas de artículos, de sus charlas, de su tierra y de su gente. De su
Nordeste, por el que luchó para que fuera un lugar mejor, una tierra
sin males.
Palabras clave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Tierra;
Hombre.
Presidente Prudente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 15-26
Jan-Jun/2007
15
GOETTERT, J. D.
MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E)...
Esta não é uma biografia de Manuel Correia de Oliveira Andrade1 . Não é,
igualmente, uma análise de sua produção, de sua vasta produção.
É, singelamente, um olhar sobre um homem no nordeste, do nordeste, para o
nordeste. Manuel Correia de Andrade. Correinha. Em especial, um olhar sobre “A terra
e o homem no Nordeste”, de 1963, acompanhado de “A terra e o homem no Nordeste,
hoje”, de 2003. Um olhar, enfim, sobre olhares de um homem sobre uma terra; de um
nome próprio que, como escreveu Pierre Bourdieu, “é o atestado visível da identidade do
seu portador através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade de suas
sucessivas manifestações” (BOURDIEU, 1998, p. 187).
Por entre a terra e as gentes do Nordeste, foi se fazendo o geógrafo e historiador
Manuel Correia de Andrade. Terra no plural: terras. Nordestes. Gentes deles.
Nordeste.
Manuel Correia de Andrade, em 1963, ano da primeira edição de “A terra e o
homem no nordeste”, já colocava que a região “é apontada ora como a área das secas, que
desde a época colonial fazem convergir para a região, no momento da crise, as atenções e
as verbas dos governos; ora como área dos grandes canaviais que enriquecem meia dúzia
em detrimento da maioria da população; ora como área essencialmente subdesenvolvida
devido à baixa renda per capita dos seus habitantes ou, então, como a região das revoluções
libertárias de que fala o poeta Manuel Bandeira em seu poema “Evocação do Recife””
(ANDRADE, 1980, p. 9).
Nordeste, nordestes. Como Terra, como Homem, como representação. Como “parte
do imaginário social”, “é também um espaço de disputa e de poder, base para essa
representação que é apropriada e reelaborada, tanto pela classe dominante como por grupos
que se mobilizam para defender seus interesses territoriais. Ambos constroem, a partir
dela, um conjunto de idéias e conceitos que são reassimilados coletivamente como
identidade”, salientou Iná Elias de Castro (2005, p. 193).
Também como representação, o Nordeste de Manuel Correia de Andrade se faz
pelo de Manuel Bandeira, que fala das “revoluções libertárias”. Manuel fala com Manuel.
Manuel ouve Manuel. Evoca a terra, a gente. Manuel que anuncia, representa, canta.
Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
1
Para aspectos maiores relativos à biografia de Manuel Correia de Andrade, ver ARAÚJO, Rita de Cássia
Barbosa de (org.); BERNARDES, Denis; FERNANDES, Eliane Moury. O fio e a trama: depoimento de Manuel
Correia de Andrade. Recife: UFPE; Editora Universitária, 2002, e GASPAR, Lúcia (coord.); PODEUS, Raquel
Batista; SILVA, Rosi Cristina da. Manuel Correira de Andrade: cronologia e bibliografia. Recife: UFPE;
Editora Universitária, 1996.
16
Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
[...]
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
[...]
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
[...]
- Capiberibe
[...]
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras
[...]
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
[...]
Manuel Bandeira canta a poesia. Manuel Correia de Andrade canta tempos e
espaços em prosa acadêmica. Manuel e Manuel, em tempos diferentes vivendo uma mesma
Recife. Para Correia de Andrade a infância, as ruas, as praças, as escolas, as universidades
e a antiga livraria Livro 7.
Nascido em Vicência, pernambucano e nordestino, Manuel Correia de Andrade
foi se misturando a Manuel Bandeira, fazendo a Geografia também com pedaços de poesia.
Participante do movimento literário modernista, Manuel Bandeira, e muitas e muitos outros,
deixam para Manuel Correia de Andrade a Semana da Arte Moderna, de 1922, mesmo ano
da fundação do Partido Comunista do Brasil.
E é no mesmo ano, em 1922, que nasce Manuel Correia de Andrade. O Nordeste
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MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E)...
ainda não era o Nordeste. Brasília ainda não era a capital. A Marcha para Oeste ainda se
encontrava no leste. Mas Getúlio Vargas já levantava o chapéu no Rio Grande do Sul e
olhava de canto de olho para a capital. Arthur Bernardes, esse, não seria deposto. E outro
Andrade, Mário, na mesma década já dava o recado: “Pouca saúde e muita saúva, os
males do Brasil são”, em “Macunaíma”.
Manuel, nascido em engenho de açúcar, o Engenho Jundiá, a mais de cem
quilômetros de Recife, “numa família relativamente abastada”, como mesmo conta, desde
cedo conviveu com “trabalhadores rurais, numa certa intimidade que há no campo”: “Eu
ficava chocado porque aqueles meninos da minha idade não iriam ter oportunidades na
vida, e eu, filho de um senhor de engenho, iria. Isso me causava um impacto muito grande.
Por que uns tinham e outros não tinham direito?”. “E depois cheguei a conclusão, por
meio de leituras, que a questão agrária era o problema fundamental do Brasil” (ANDRADE,
2000). A questão agrária: ali, a terra e o homem no Nordeste.
Queria fazer Ciências Sociais. Fez Direito primeiro e Licenciatura em História e
Geografia depois, “sempre indeciso entre uma e outra”: “Então, eu não sei se me consideraria
geógrafo ou historiador. Também porque acho que a geografia, ao analisar o espaço, vê os
marcos que existem naquele espaço. Mas esses marcos não foram feitos hoje, são o resultado
de uma evolução histórica [...]. É por isso que a história e geografia se interpenetram nas
minhas preocupações”, disse Manuel (ANDRADE, 2000). Parece nos dizer ser o espaço
a “acumulação desigual de tempos”, que “em cada sistema há uma combinação de variáveis
em escalas diferentes, mas também de “idades” diferentes”, como escreveu Milton Santos
(2002).
Manuel Correia de Andrade, ainda estudante, virou comunista. Comunista, vira
Correinha. “Apesar de ser filho de senhor de engenho, Manuel Correia torna-se membro
do Partido Comunista aos vinte anos de idade. Por essa razão, os trabalhadores rurais
passam a chamá-lo de Correinha e nele confiam” (VAINSENCHER, 2007).
“Eu era católico muito fervoroso até os 15, 16 anos. E deixei a Igreja quando um
missionário me criticou porque eu lia Renan. Aí eu pensei: entre Renan e a Igreja, fico
com Renan. E caminhei para a esquerda”. “Entrei no PC e militei uns seis ou sete meses.
Um dia, cheguei numa reunião da célula do PC com o livro de Trotski, Minha Vida,
debaixo do braço. Foi um escândalo. Um líder comunista disse “você vai deixar esse livro
aqui, você não pode carregá-lo”. “Posso, eu comprei”. “Você é trotskista?” “Não, nunca
fui. Mas admiro Trotski, ele escreve muito bem”. “Mas ele é inimigo da classe operária”.
Eu disse: “Você acha? Mas eu não sou operário! Eu sou da burguesia açucareira”. Havia
muita gente da burguesia que era do PC. Aí ele disse “então, você tem de escolher entre
Trotski e o PC”. Eu dei a mesma resposta que havia dado entre Renan e a Igreja. “Fico
com Trotski”. E fui embora” (ANDRADE, 2000). Duas escolhas: um caminho.
Do engenho à participação mais direta nas lutas dos trabalhadores, em especial
como advogado para sindicatos, e na amizade com Francisco Julião, um “revolucionário
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missionário” e “meio romântico”. Segundo Manuel Correia de Andrade, Armando Monteiro
Filho comparava Francisco Julião a Joaquim Nabuco: “Eram aristocratas, vindos do
engenho, e que dedicaram a vida às causas populares” (ANDRADE, 2000). Engenhos:
casas grandes no Nordeste. E senzalas.
“A sociedade colonial no Brasil, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à
sombra das grandes plantações de açúcar, não em grupos a esmo e instáveis; em casasgrandes de taipa ou de pedra e cal, não em palhoças de aventureiros”. [...] “Terra e homem
estavam em estado bruto”. [...] “É ilusão supor-se a sociedade colonial, na sua maioria,
uma sociedade de gente bem-alimentada. Quanto à quantidade, eram-no em geral os
extremos: os brancos das casas-grandes e os negros das senzalas. Os grandes proprietários
de terras e os pretos seus escravos. Estes porque precisavam de comida que desse para os
fazer suportar o duro trabalho da bagaceira”, escreveu Gilberto Freyre (2000, p. 91, 97 e
105).
Era (é) este o Brasil. Era (é) este o Nordeste.
Manuel conhece Caio Prado Júnior e a partir dali foi surgindo “A terra e o homem
no Nordeste”: “escrevi o livro porque o Caio tinha um projeto de contratar cinco geógrafos,
cada um para escrever sobre uma região. Então, me entregou o Nordeste” (ANDRADE,
2000). Um Nordeste que, para Caio Prado Júnior, também trazia a marca de séculos de
latifúndio, monocultura e escravidão (PRADO Jr., 1998).
Mas, no que foi sendo e veio a ser definido por Nordeste, os contrastes e as
contradições foram se juntando pelas leituras e diálogos de Manuel Correia de Andrade.
Um Nordeste em que “ninguém ousaria admitir a exclusividade da ação de um elemento
na elaboração dos quadros paisagísticos”, fazendo com que “em cada região se nota que
um elemento se sobressai, levando o homem prático que moureja na terra a citá-lo, sempre
que quer distinguir as várias áreas que compõem o mosaico regional” (ANDRADE, 1980,
p. 11). O homem Manuel intelectual observa e “moureja” o “homem prático”. Como uma
“Geografia [que] a gente aprende no pé” – de posseiros do Bico do Papagaio, registrado
por Oliveira (1991, p. 144).
Um Nordeste “dividido”, no período colonial, entre a cana-de-açúcar e o gado, em
sintonia com Gilberto Freyre. Gilberto: outro pernambucano, outro nordestino. Um Nordeste
feito de nordestes: Litoral e Mata, Agreste, Sertão e Litoral Norte, Meio-Norte e Guiana
Maranhense (ANDRADE, 1980, p. 13). Nordestes de uma população, na década de
nascimento de Manuel Correia de Andrade, de aproximadamente 22 milhões de habitantes,
chegando no final do século a aproximadamente 50 milhões, com quase 70% vivendo nas
cidades. Antes, em 1960, a maioria viva no campo, com dois habitantes no meio rural para
cada morador das cidades.
Do campo à cidade, como salientava o colega historiador Sérgio Buarque de
Holanda, também o “velho engenho” dava lugar à “usina moderna”:
O desaparecimento do velho engenho, engolido pela usina moderna, a queda
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do prestígio do antigo sistema agrário e a ascensão de um novo tipo de senhores
de empresas concebidas à maneira de estabelecimentos industriais urbanos
indicam bem claramente em que rumo se faz essa evolução. [...] A urbanização
contínua, progressiva, avassaladora, fenômeno social de que as instituições
republicanas deviam representar a forma exterior complementar, destruiu esse
esteio rural, que fazia a força do regime decaído sem lograr substituí-lo, até
agora, por nada de novo (HOLANDA, 1995, p. 176).
De brasis e de nordestes que se faziam do rural ao urbano, do tudo de antes “por
nada de novo”. Manuel Correia de Andrade, em análises têmporo-espaciais, atentava para
as continuidades e descontinuidades.
Na terra do campo e da cidade, a população distribuída desigualmente enquanto
a concentração fundiária tinha – e tem – seu domínio manifestado pela “proteção dispensada
pelos órgãos governamentais à grande lavoura – à cana-de-açúcar, ao café, ao cacau, etc.
– e ao completo desprezo às lavouras de subsistência ou “lavouras de pobre””: “As primeiras
têm crédito fácil, garantia de preços mínimos, assistência de estações experimentais,
comercialização organizada etc., enquanto as segundas são abandonados ao crédito
fornecido por agiotas, às tremendas oscilações de preços entre a safra e a entre-safra e à
ganância dos intermediários” (ANDRADE, 1980, p. 45). Hoje, talvez Manuel Correia de
Andrade completaria: e, por isso, muitos destes últimos, das “lavouras de pobres”,
seguiram para as cidades, para o sul ou Amazônia, muitas e muitos sem-terra e semteto, enquanto os primeiros viraram heróis do Brasil. Não por acaso que o que se come
na mesa nossa cada dia, como
A mandioca, o feijão e as fruteiras largamente consumidas por ricos e pobres
nunca fizeram sombra à cana-de-açúcar. [...] Enquanto a fabricação do
açúcar evoluiu desde o engenho de bois até as grandes usinas que moem
anualmente mais de 500.000 sacos de açúcar, a casa de farinha continua
muitas vezes a ser movida a força humana (ANDRADE, 1980, p. 85).
Manuel, Manuel: que geografia dos contrastes e das contradições nos mostrou. E
nos mostra.
Cana-de-açúcar, gado e cacau de um lado e gente de outro. O colega Darcy Ribeiro
salientava:
Com o gado e com os bodes crescia a vaqueirada, multiplicando-se à toa pelas
fazendas, incapaz de absorver lucrativamente a tanta gente nas lides pastoris,
pouco exigente de mão-de-obra. Assim é que os currais se fizeram criatórios
de gado, de bode e de gente: os bois para vender, os bodes para consumir, os
homens para emigrar. [...] Os sertões se fizeram, desse modo, um vasto
reservatório de força de trabalho barata, passando a viver, em parte, das
contribuições remetidas pelos sertanejos emigrados para sustento de suas
famílias. O grave, porém, é que emigram precisamente aqueles poucos sertanejos
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que conseguem alcançar a idade madura, com maior vigor físico, tendendo a
fixar-se nas zonas mais ricas do Sul aqueles nos quais a paupérrima sociedade
de origem investiu o suficiente para alfabetizar e capacitar para o trabalho.
Desse modo, o elemento humano mais vigoroso, mais eficiente e mais combativo
é roubado à região, no momento preciso em que deveria ressarcir o seu custo
social (RIBEIRO, 1995, p. 345 e 347).
Hoje, parte do açúcar virou álcool: quem o produz todas e todos sabemos, como
os muitos nordestinos em migração sazonal para Ribeirão Preto e arredores; quem consome,
já é parte de uma história (ou uma de geografia) desigual: capitais privados (e “públicos”)
investem em usinas de álcool. O álcool que parece virar, abruptamente, o “ópio do povo”.
Para Manuel Correia de Andrade, ainda em 1963,
A expansão das grandes empresas em empreendimentos fundiários – não é
justo considera-los agrícolas – é justificada pela facilidade de aquisição de
terras a baixo preço, pela facilidade de obtenção de recursos governamentais
para aplicação dos projetos, pela elevada valorização das terras em um país
em processo de crescimento inflacionário acelerado e pela utilização de mãode-obra barata, às vezes até em regime de semi-escravidão. (ANDRADE,
1980, p. 231).
A valorização das terras persiste, Manuel. O “crescimento inflacionário” foi contido
por um ministro-presidente sociólogo. A “utilização de mão-de-obra barata” e até em
“regime de escravidão”, ainda é um desafio a ser combatido.
Do campo para as cidades, eis o movimento acelerado da população nordestina
antes e depois de 1963: “À proporção que o processo usineiro evolui, a área cultivada com
cana vai aumentando e os proprietários não só restringem os sítios dos moradores, tirandolhes as áreas mais favoráveis, como exigem dos mesmos cinco ou seis dias de serviço por
semana nos seus canaviais, o que impede os trabalhadores de cuidarem dos seus roçados.
Vai então se processando gradativamente a proletarização da massa camponesa”
(ANDRADE, 1980, p. 107).
O açúcar e o álcool vão aumentando e a comida vai escasseando: do sertão ao
litoral, já escrevia Manuel Correia de Andrade, “O charque e o bacalhau, comida cotidiana
desde a época da escravidão, subiram tanto de preço que hoje figuram apenas nas mesas
das casas ricas e remediadas” (ANDRADE, 1980, p. 114). Com outro pernambucano,
Manuel foi vendo e sentindo suas gentes, junto com Josué de Castro. A fome, sim, a fome.
A geografia e a geopolítica da fome, no Nordeste, no Brasil e no mundo: “Josué demonstrou
que os problemas econômicos são mais importantes como causas da fome do que os
problemas físicos. E que por isso no Nordeste úmido – que era mais rico –, a fome era
epidêmica, e no Nordeste seco era endêmica” (ANDRADE, 2000).
A fome, a exploração e a dominação, o mando e a expulsão, nos anos 1940-1960,
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produziram o “agravamento contínuo da crise, as dificuldades de vida cada dia maiores,
[que] levaram os trabalhadores rurais a atitudes de revolta, de desespero, como ocorreu no
já famoso Engenho Galiléia”, dando origem, através da “Sociedade Agrícola e Pecuária
dos Plantadores de Pernambuco”, às Ligas Camponesas. E Francisco Julião bradava:
“Não vemos inimigos no soldado, no padre, no estudante, no industrial, no comunista; o
inimigo é o latifundiário”, citava Manuel Correia de Andrade (1980, p. 252 e 254).
Um homem do Nordeste, Francisco Julião,
que procura despertar as massas a fim de que elas participem da solução dos
seus problemas, evitando que uma solução de cúpula, imposta de cima para
baixo, venha modificar a estrutura agrária brasileira sem consultar os interesses
do homem do campo. Acha que a experiência e as reivindicações dos que
mourejam a terra têm de ser levadas em conta ao se fazer uma lei agrária”
(ANDRADE, 1980, p. 256).
Não, Francisco Julião não era apenas um advogado ou um deputado... Era um
“romancista”, como escreveu Manuel Correia de Andrade. Um “romancista” de metáforas
fortes: o “pedaço de terra que se dá ao trabalhador rural é como o galho de embaúba que
se joga a quem se está afogando em um rio” (Francisco Julião apud ANDRADE, 1980, p.
258).
Diferente da SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –,
Francisco Julião, com a reforma agrária, “pretende beneficiar não uma pequena parte da
massa rural trabalhadora, mas de uma forma ou de outra, a todos os que mourejam a
terra” (ANDRADE, 1980, p. 258).
Assim, termina Manuel Correia de Andrade, em
A terra e o homem no Nordeste”, de 1963, “que no Nordeste a sorte está lançada
e que os paliativos de uma política de colonização a longo prazo, concebida
tecnicamente em gabinete, sem consultar os interesses dos que mourejam a
terra dificilmente contribuirão para minorar a situação dos trabalhadores sem
terras e solucionar a tremenda crise em que se debatem. Os preços dos gêneros
de primeira necessidade são altos, sobem cada vez mais, enquanto os salários
continuam inferiores ao mínimo. A miséria levou o trabalhador rural a tomar
conhecimento de sua força, a não esperar pelos doutores, a exigir os seus direitos.
Passou o medo dos proprietários e dos feitores e organizados por políticos de
esquerda como Julião, ou por sacerdotes católicos como Antônio Melo, passam
os trabalhadores rurais a exigir maior compensação pelo seu trabalho. Agitamse, esperneiam, são perseguidos, reagem a cota correspondente à sua
participação na produção, desejam melhores dias. [...] Daí concluímos [continua
Manuel Correia de Andrade], que estamos vivendo em um período crítico: ou
as reivindicações populares justas são atendidas e dá-se ao homem do campo
condições de vida compatíveis com a dignidade humana ou a revolução prevista
pelo Governador Aluísio Alves será inevitável e a estrutura fundiária arcaica
que aí temos ruirá, arrastando em sua queda tudo que nela se apóia. Sua situação
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é tão difícil, suas condições são tão precárias que a essa altura ninguém a
defende, todos a atacam desde os comunistas até os católicos, divergindo apenas
pela maneira mais ou menos rápida, mais ou menos radical de como planejam
destruí-la. Assim a velha estrutura montada pelos portugueses no século XVI e
que foi se modificando pouco a pouco nos quatro séculos de nossa evolução
histórica, acha-se hoje frente ao maior impacto com que se deparou, impacto
mais sério, acreditamos, que o enfrentado nos fins do século XIX com a abolição”
(ANDRADE, 1980, p. 262-263).
“Políticas de colonização” oficiais, construídas em “gabinete” e por “doutores”,
viraram passado. O golpe militar veio em 1964 e as Ligas Camponesas seguiram o caminho
de muitas e muitos militantes, na clandestinidade e na morte. Nem as condições de vida
compatíveis com a dignidade humana no campo foram criadas nem a revolução aconteceu:
a estrutura agrária “montada pelos portugueses” não ruiu... Mas os camponeses ainda
esperneiam, lutando por melhores dias.
Passaram-se vinte e um anos de ditadura militar. Vieram as “Diretas Já”, a
“redemocratização”, primeiro dois presidentes nordestinos, os “caras pintadas” e um dos
presidentes impedido de continuar na presidência. Depois um presidente mineiro, um
sociólogo e mais um nordestino. Homens do, sobre e no Nordeste. Dos nordestes. Próximos
e distantes.
Em 2003, quarenta anos depois do lançamento de “A terra e homem no Nordeste”,
Manuel Correia de Andrade, em Recife, profere a conferência “A terra e o homem no
Nordeste, hoje” (ANDRADE, 2003). Quatro décadas depois, um homem do Nordeste relê
“A terra e o homem no Nordeste”.
Antes, em 1963, a publicação como contribuição para um Brasil das “reformas
de base”, com “reformas que pudessem modificar as suas estruturas econômicas e sociais,
libertando-o do que se chamava, então, de subdesenvolvimento” (ANDRADE, 2003, p.
193). Um livro considerado “não-científico” por geógrafos brasileiros “porque não se
destinava a propósitos acadêmicos, e, sim, a registrar e analisar um longo processo
histórico”; e, considerado, pela ditadura militar, de “cunho subversivo”! (VAINSENCHER,
2007).
De qual Nordeste nos fala, hoje, Manuel Correia de Andrade?
Manuel pensa o Nordeste a partir da sub-divisão já apontada em 1963: Litoral e
Mata, Agreste, Sertão e Litoral Norte, Meio-Norte e Guiana Maranhense. Algumas
mudanças ressaltadas por ele entre o antes e o agora: no Litoral e Mata, a área “de
cultura da cana-de-açúcar passou a ser disputada pela expansão urbana e muitas usinas
foram fechadas em bairros de grandes cidades, formando áreas de periferia de pobreza
muito intensa”. E traz, em referência, novamente a Geografia da Fome de Josué de Castro.
Paralelamente, o avanço do turismo “provocando uma série de transtornos ao
desenvolvimento [da região]” (ANDRADE, 2003, p. 195).
Ali, também, no Litoral e Mata, é “aquela [região] em que há mais forte
reivindicação de terras e maior atuação de movimentos como os do MST, da Contag e da
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MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ...
Pastoral da Terra, que dão margem a uma expressiva desapropriação de terras”, “pondo
em risco o domínio e o poder da velha açucocracia de que falava Tobias Barreto”. Manuel
Correia de Andrade, como em 1963, salienta ainda a necessidade de “uma reforma massiva
e de uma transformação na agricultura, com o desenvolvimento de propriedades familiares
e uma produção para o mercado interno” (ANDRADE, 2003, p. 196).
Em áreas da Caatinga, dentre outras características, “as empresas produtoras de
ração se expandiram, conquistando os espaços que se abriram com o desenvolvimento das
ferrovias e das rodovias. Daí a expansão da produção de pastagens para o gado e a expulsão
dos trabalhadores sem terra para as cidades da região e do litoral, agravando o problema
social e fazendo decair a qualidade de vida das mesmas” (ANDRADE, 2003, p. 196197).
No Sertão, desde o tempo em que os “indígenas flagelados [davam] os próprios
filhos aos proprietários do litoral para libertá-los da morte pela fome”, no desaparecimento
das “oficinas” de charque no final do século XVIII, na migração de sertanejos para a
Amazônia nas últimas décadas do século XIX e primeiras do XX, na importação de camelos
da África do Norte até as políticas de irrigação para combate da “indústria da seca” nas
últimas décadas... Desde os tempos em que “projetos mirabolantes e faraônicos, como o
da transposição das águas do São Francisco para os altos cursos dos rios Jaguaribe, no
Ceará, e Piranhas-Açu, na Paraíba”. Que tudo não atenda, sempre, “apenas aos cálculos
matemáticos e às elaborações de econometria” (ANDRADE, 2003, p. 197-198).
No Meio-Norte, “área de transição do Nordeste para a Amazônia e o CentroOeste”, o avanço da cultura da soja, a ampliação da cultura de arroz de sequeiro e a
exploração de minérios: “Este crescimento econômico e a expansão do povoamento foram
feitos com grandes danos ecológicos e sociais, [...] o desalojamento de populações indígenas,
com massacres como em Barra do Corda, e dos caboclos que vieram do Sertão, há décadas,
e que plantavam lavouras itinerantes e formavam pequenos povoados, verdadeiramente
desconhecidos dos órgãos oficiais”. E, na Guiana Maranhense, que “foi sendo ocupada
por pecuaristas vindos da Bahia e do Sudeste”, foi ignorado o povoamento primitivo
(ANDRADE, 2003, 198-200).
Assim, os “grandes problemas atuais do Nordeste” parecem se reproduzir desde
os tempos da colonização. E pouco adianta crescer economicamente sem desenvolvimento,
reafirmando o que Celso Furtado, o homem da SUDENE, afirmava: se assim não for,
tudo pode não passar do “mito do desenvolvimento econômico” (FURTADO, 1996). Na
outra ponta da mesma “rede” onde se balança o tempo e o espaço nordestinos, o poder
político continua “controlado por uma oligarquia que procura trazer vantagens para ela
própria”. Persiste a concentração da propriedade da terra, o que tem provocado, em luta e
em contraposição, novamente reafirma, “a ação de movimentos como o MST, a Contag e
a Pastoral da Terra”, “fazendo renascer o slogan de Francisco Julião, de 1960, de que “a
reforma agrária seria feita na lei ou na marra”. “Muitas reformas agrárias”, dizia Manuel
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Correia de Andrade, porque “não existe um Brasil, mas vários brasis. As aspirações dos
sem-terra do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que são essencialmente pequenos
proprietários, podem ser muito diferentes das aspirações dos trabalhadores rurais
assalariados do Nordeste, ou dos extrativistas da Amazônia” (ANDRADE, 2000).
“Muitas reformas agrárias” a partir da luta das e dos trabalhadores, porque já
não é mais possível nem pensar na espera da “bondade” dos “de cima”. Pois, como salientou
Manuel Correia de Andrade, “Uma das frases mais demagógicas que já ouvi na história
do Brasil foi de Pedro II, que disse que venderia a última jóia da coroa, mas o nordestino
não morreria de fome nem de sede! Só que nunca se fez uma política permanente para
atender a população nordestina” (ANDRADE, 2000). E Dom Pedro II não vendeu a última
e nem a primeira jóia. Ninguém vendeu. Adianta, então, a espera?
Nas cidades o desemprego e a concentração urbana com o êxodo rural, provocando
o crescimento exponencial da população, “quase sempre desempregada, doente e faminta,
dando margem ainda a que moléstias epidêmicas, consideradas extintas no início do século
XX, tornem-se novamente freqüentes no século XXI”.
Por outro lado, Manuel Correia de Andrade, em 2003, salientava a importância
do “fortalecimento do ensino” e da “melhoria das condições de saúde”. O “desenvolvimento
de uma política ambiental” e a dinamização do “crescimento da produção por pessoa
ocupada”. “Enfim, este é, em linhas gerais, o Nordeste em que vivemos neste início do
século XXI” (ANDRADE, 2003, p. 200-202). Nordeste, nordestes, eis os desafios de
uma terra e de suas gentes.
Terra e homem, homem e terra. A natureza que se humaniza em homens e mulheres,
fazendo-se litoral, agreste e sertão, misturando-se ao mar, reinventando modos de ser e de
fazer, mesmo que em “vidas secas” ou em “searas vermelhas”2 . Fazendo-se geografia
como cotidiano no trabalho, na mobilidade para as cidades, para o Sul ou para a Amazônia.
A construção, em Manuel Correia de Andrade, da geografia como ciência da sociedade
(ANDRADE, 1987).
No dia vinte e dois de junho de 2007, oitenta e quatro anos depois de seu nascimento,
em Recife, Manuel Correia de Andrade fez-se silêncio. Em mais de oito décadas, pelo
Direito, História e Geografia, pelo Brasil e pelo mundo, mas principalmente pelo Nordeste,
Manuel Correia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejou pela vida,
pela ciência, pela terra, por mulheres e homens, em trabalho contínuo, sem descanso e
constantemente. Fez-se terra. Fez-se homem. Fez-se corpo. Fez-se espaço. Por geografias
de Brasil, do Nordeste físico e humano, de Pernambuco, da pecuária no agreste, da
“guerra dos cabanos”, da “Setembrizada” e da “Novembrada”, das polarizações e
desenvolvimento, do planejamento regional, do imperialismo e da fragmentação do
espaço, dos italianos no Nordeste, das relações entre Brasil e África...
E quando perguntado se havia escrito um livro sobre a contribuição da SUDENE,
2
Alusão, respectivamente, a “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, e a “Seara vermelha”, de Jorge Amado.
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simplesmente respondeu: “Meu caro, eu tenho mais de cem livros publicados! Eu acho
que escrevi sobre tudo no mundo!” (ANDRADE, 2000).
“Tudo no mundo” talvez seja, para a terra e o homem nordestinos, nada mais,
nada menos, que a revelação, a escrita, o companheirismo e a luta de homens – hoje terra
– como Correinha, Manuel Correia de Andrade.
“Tudo no mundo”, também, naquele dia vinte e dois de junho, se fechou para os
olhos de Manuel Correia de Andrade. Os olhos se fecharam. Mas, como que por uma
“geografia da alma”, seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livros
e centenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes. De seu Nordeste, que
lutou para que fosse um lugar melhor, uma terra sem males.
E, pelos seus olhos, de onde esteve e de onde está, talvez continue a nos olhar,
profundamente, nos olhos. E talvez diga: mourejem, mourejem, mourejem... Como o “homem
prático que moureja na terra”. A terra do Nordeste. As gentes do Nordeste. Correinhas.
Manuel Correia de Andrade.
Mourejem,
mourejem,
mourejem
...
Referências
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Ciências Humanas, 1980.
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. São Paulo: Atlas, 1987.
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PRADO Jr., Caio. História econômica do Brasil. 43. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.
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VAINSENCHER, Semira Adler Manoel Correia de Andrade. Fundação Joaquim Nabuco. (http/
/www.fundaj.gov.br/noticia[em 05/07/2007]).
Recebido para publicação dia 28/07/07
Aceito para publicação dia 10/08/07
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A GEOGRAFIA ESCOLAR:
GIGANTE DE PÉS DE BARRO
COMENDO PASTEL DE
VENTO NUM FAST FOOD?
SCHOOL GEOGRAPHY: A GIANT
WITH CLAY FEET EATING AIR
FILLED FRIED PASTRY AT A FAST
FOOD RESTAURANT ?
LA GEOGRAFIA ESCOLAR:
GIGANTE DE PIES DE BARRO
COMIENDO EMPANADAS DE AIRE
EN UN “FAST-FOOD”?
NESTOR ANDRÉ
KAERCHER
Professor da Faculdade de
Educação
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
e-mail:
[email protected]
Resumo: Com este estudo, busco analisar práticas docentes da geografia
escolar – a geografia ensinada no Ensino Fundamental e Médio – observada
na ação de dez professores na cidade de Porto Alegre durante os anos de
2002-03. Chamamos a geografia de ‘gigante de pés de barro’, ‘geografia
fast food’ e ‘geografia pastel de vento’ quando detectamos alguns
obstáculos epistemológicos e pedagógicos na nossa prática docente,
produzindo resultados como: professores que não professam; ausência de
diálogo efetivo, seja com os alunos, seja com o mundo extra-sala de aula;
e a quase ausência de conflito cognitivo, que leva a aprendizagem pouco
significativa. Ainda impera uma geografia escolar que se baseia em
informações de almanaque - uma revista de variedades. Que concepção
de geografia isso constrói no aluno? Que possibilidades temos para uma
docência que enfrente estes obstáculos? Viso problematizar uma
apropriação empobrecida da teoria construtivista e defender a importância
do ‘não’ como elemento pedagógico. Defendo a geografia escolar como
uma prática que desperte o desejo de saber no aluno a partir de discussões
que pensem a nossa existência cotidiana.
Palavras-chave: Ensino de Geografia no Ensino Fundamental e Médio;
Formação de professores; Geografia crítica; Epistemologia da prática do
professor.
Abstract: With this study, we analyze the educational practices of school
geography – the geography that is taught in elementary and high schools
– observed in the work of ten teachers, in Porto Alegre (the capital city of
the southernmost Brazilian state: Rio Grande do Sul), in 2002- 03. We
call geography “a giant with clay feet”, “fast food geography” or “air
filled fried pastry” when some epistemological and pedagogical obstacles
become evident in our teaching practice, producing results such as teachers
that do not teach; the absence of an effective dialogue with the students or
even with the outside-classroom environment; and the nearly absent
cognitive conflict, which leads to a learning of very little significance. The
school geography still standing is the one based on almanac information
- a variety magazine. What kind of geography conception does this build
in the student? What possibilities do we have for a teaching which faces
such obstacles? The intention is to challenge an impoverished appropriation
of the constructivist theory and to defend the importance of “no” as a
pedagogic element. I defend the school geography as a practice that
awakens in the student the desire to know from discussions that think
about our everyday existence.
Keywords: Primary and Secondary Teaching of Geography; Geography
teachers training; Critical Geography; Epistemology of the teacher’s
practice.
Resumen: En esta investigación procuro analizar los trabajos en aula de
diez profesores de Geografia en escuelas de la ciudad de Porto Alegre
(Estado de Rio Grande do Sul – Brasil) de los niveles primarios y
secundarios, observados durante 2002 y 2003. Denomino de ‘gigante de
pies de barro’, ‘fast-food’ y ‘empanadas de aire’ a la enseñaza de la
geografia en medio de obstáculos epistemológicos y pedagógicos
producidos en la acción pedagógica del maestro con resultados tales como:
profesores que no “profesan”, ausencia de diálogo efectivo - sea con los
alunos o con el mundo afuera del salón de clases - y casi ningún tipo de
conflicto cognitivo que nos lleva a un aprendizaje poco significativo. Impera
aún en la escuela una enseñanza de la geografia basada en informaciones
del tipo almanaque - una revista de variedades. ¿Qué concepción de
geografia construye todo eso en el alumno? ¿Qué posibilidades tenemos
para una docencia que enfrente estos obstáculos? Intento cuestionar una
apropiación empobrecida de la teoria constructivista y defender la
importancia del “no” como elemento pedagógico. Defiendo la enseñanza
de la geografia en la escuela como una práctica que despierte el deseo de
saber en los alumnos a partir de discusiones que consideren nuestra
existencia cotidiana.
Palabras clave: Enseñanza de la Geografia en la escuela primaria y secundaria; Formación del profesorado; Geografia crítica; Epistemología
de la práctica del profesor.
Terra Livre
Presidente Pru dente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 27-44
Jan-Jun/2007
27
KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
Introdução: de onde e porque penso em voz alta
O presente texto procura ‘pensar em voz alta’ – justamente porque assim podemos
dialogar em grupo - algumas constatações e preocupações que tem me despertado a atenção
em função de minha atividade como professor de “Prática de Ensino de Geografia”
(Licenciatura de Geografia, curso Noturno, UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul).
Comento também muitas observações de sala de aula feitas para a elaboração de minha
tese de doutorado.
Em função destas atividades, tenho o duplo privilégio – e às vezes susto – de ver
muitos futuros professores (os estagiários) em ação e de ouvir relatos de práticas de docentes
que os estagiários vão substituir.
A Geografia: pés de barro, fast food e pastel de vento
Muitos dos professores de Geografia têm uma epistemologia/teoria da Geografia
frágil e uma condução/concepção pedagógica que confunde o construtivismo com o laissezfaire. Isso resulta numa visão de Geografia como sinônimo de informações soltas.
Se digo que a fragilidade é a da Geografia, corro o risco de “essencializar” como
inerente, intrínseca, uma característica da Geografia: a sua pequena consistência teórica.
Soa algo como “a Geografia é frágil epistemologicamente”. Já se digo que essa
fragilidade, esses pés de barro, são dos seus professores, é algo mais suave, é característica
dos professores observados, fruto de uma possível “má formação” individual. Soa algo
como “os professores de Geografia estão, no caso, frágeis epistemologicamente”. É mais
forte dizer que é uma característica – não exclusiva – da Geografia escolar. Pelo que tenho
visto e estudado parece que essa fragilidade é uma característica geral da Geografia escolar
que os professores só reproduzem. Digamos que, nós professores, somos uma manifestação,
um epifenômeno de algo que é estrutural. É confuso? Afinal, não existe A Geografia, ou
Uma Geografia! Concordo, mas seja qual for a corrente epistemológica ou teórica da
Geografia, elas pouco se refletiram na Geografia escolar no sentido de construir uma
prática reflexiva e consistente! É difícil provar isso, e nem sei se é possível ou útil. Seja a
Geografia positivista, seja a Geografia dos teoréticos (neopositivistas), seja a Geografia
Radical/crítica, seja qualquer linha, no fundo elas chegaram muito pouco à Geografia
Escolar. Ou seja, o debate teórico é muito pouco comum entre os professores do Ensino
Fundamental e Médio. O que predomina, hegemonicamente, na Geografia escolar é uma
sucessão de informações sobre os lugares da Terra. Tudo cabe como sendo Geografia.
Nós, de fato, falamos de tudo nas aulas, mas paradoxalmente, com muita pouca relação
às categorias consideradas basilares à Geografia (espaço, território, região, paisagem,
lugar, etc). Afinal, porque tais assuntos (países, continentes, povos, com suas características
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Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
naturais e econômicas) são Geografia? Parece que não carecemos justificar porque isso é
Geografia, pelo simples fato de que falamos de lugares, de espaços. É uma ciência que
não precisa de justificativas, pois ela “fala” por si, basta que ela cite nomes de lugares. A
toponímia parece justificar nossa existência. A Geografia se confunde com toponímia,
com a topologia. Em outras palavras, o fato da Geografia ter um “objeto” muito ‘concreto’
(o espaço em que vivemos), muito ‘visível’ (os espaços em que vivemos), muito perceptível
(todos nós vivemos num ... espaço), qual seja, a Terra toda e tudo mais que nela está
(povos, países, paisagens) nos deixa como que deitados em “berço esplêndido”, acomodados.
Falar de tudo (todos os lugares) nos enche de assuntos, conteúdos, mas à custa de uma
reflexão mais fundamentada. A conseqüência pedagógica mais comum é a prática de
sobrecarregar nos conteúdos, sempre tão infindos. Parece uma saída, uma “fuga para
frente”. Sempre falta tempo para trabalharmos os conteúdos e assim, raramente, paramos
para pensar “porque isso é Geografia!?”, “o que quero ensinar quando ensino Geografia!?”.
Corremos com os conteúdos para fugirmos de nossa prática automática. Pedir aos
professores justificativas para a existência desta disciplina escolar denominada Geografia
pode nos levar a respostas constrangedoras (KAERCHER, 2004, p. 292 e segs).
Não podemos nos contentar com o discurso simplificador de que a “Geografia
serve para legitimar os Estados Nacionais” ou que a Geografia “serve para legitimar a
ação das classes dominantes detentoras do poder econômico e/ou político”. Claro isso foi
– e ainda é - válido para o seu berço, no final do século XIX. Mas hoje, salvo alguns
nacionalismos - que usam ou não da violência para contrapor-se aos poderes hegemônicos
centrais – o mapa-mundi parece estar desenhado. Não, isso não significa que o mundo
está pronto, acabado, pacificado. Não, guerras e conflitos com suas tradicionais mudanças
do mapa político não deixarão de existir. Mas, não parece haver necessidade de uma
disciplina denominada Geografia - de caráter essencialmente ideológico no sentido da
ocultação ou manipulação dos “debaixo”, como tradicionalmente a esquerda política
acusava a Geografia do ‘status quo’. E, no entanto, ela continua existindo. O seu “núcleo
duro” despolitizado permanece: descrição e memorização dos lugares e das pessoas. O
espaço parece um suporte, um palco que as pessoas usam. Pouco se reflete sobre qual a
influência dos espaços na vida das pessoas.
Não estou defendendo a idéia de que Geografia seja algo inútil. Nem sequer útil.
Não estou dizendo que ela é progressista ou conservadora. Pode ser os dois. O teor político
dela parece ser pouco relevante para a maioria dos alunos. Os alunos, via de regra, não
vêem a Geografia como política ou apolítica. Se estes atributos são percebidos, parecem
ser percebidos como atributos dos seus professores e não da disciplina. Estou apenas
constatando que ela está nos currículos escolares de quase todos os países – não nos
interessa aqui os países orientais, pois com eles muito pouco intercambiamos idéias e
práticas escolares - talvez e justamente por seu caráter meramente informativo e ilustrativo,
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KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
quase uma revista de variedades que, em vez de falar de gente famosa e/ou rica, fala de
lugares diferentes/exóticos. Isso que eu denomino de núcleo duro. Então, ao fim e ao cabo,
chata ou “modernosa”, política ou apolítica, revolucionária ou reacionária, lá está esta
velha senhora nos currículos. Por inércia? O que observo em muitas de nossas aulas é um
edifício teórico muito pobre, quando não sem sentido lógico algum. Um gigante com pés
de barro.
Não estou defendendo a viabilidade de definirmos “o que é Geografia” ou “os seus
corretos objetivos pedagógicos” numa espécie de reunião de conselho de sábios que
definiriam tudo de antemão. Isso não é possível, nem desejável, mas uma das coisas que
me tensiona, na condição de observador e estudioso da Geografia, é a nossa prática
pedagógica-escolar bastante longe de tornar nossos alunos parceiros da reflexão. Por
conseguinte, os alunos ficam distantes do que fazemos dentro da sala.
Qual o sentido desta disciplina num currículo? A julgar pela prática e pelas respostas
dos professores, salvo as exceções, não temos isso nada claro. Até ai, tudo bem. O problema
é que não ter isso nem como preocupação. A necessidade de dar aula todos os dias parece
auto-justificar a nossa existência. Resumindo: com a desculpa que epistemologia é coisa
‘teórica’ ou ‘filosofia’ nossa prática pedagógica fica pobre e confusa para os alunos.
Esses pés de barro (epistemologia pobre, pedagogia confusa) resultam numa
Geografia escolar como pastel de vento, Geografia Fast Food. Pastel de vento porque
vistoso por fora, recheio pobre. Fast food porque sacia-nos rápido – há muito conteúdo a
ver -, mas de forma pouco nutritiva, reflexiva.
A Geografia pretende-se ciência, mas não raro limita-se a simples informação,
parecendo-se com um telejornal. Muito mais ideologia do que reflexão fundamentada.
Ausência de conflito cognitivo, ausência de tensão cognitiva na relação Professor-aluno.
Há pouco espaço para o espanto, para o novo, para a surpresa: “não tinha pensado nisso,
professor!”
Outra raridade nas aulas de Geografia? Ter aula! Qualquer aula! A Geografia exige
pouco do cognitivo! Quase não há exposição de alguma linha de raciocínio e sua posterior
discussão. O que implica em ouvir o outro e pensar junto. Com isso pouco se pratica a
abstração. O professor, parece, não sabe onde quer chegar com o seu dizer. O resultado
disso não raro é a dispersão dos alunos.
Há um duplo obstáculo. O de concepção de Geografia e o de concepção de Educação/
Pedagogia, que, naturalmente, se imbricam. Em nome de uma educação menos ‘tradicional’,
o professor se esconde, quase se anula, não expõe suas idéias. Parte de um pressuposto
interessante: fazer os alunos falarem, ouvir suas idéias. Para operacionalizar esta
participação ele faz perguntas em profusão. E os alunos falam em profusão. Do que foi
perguntado e muito mais. Há uma dispersão excessiva. Não são feitas sínteses parciais,
não são organizadas as falas, não há um fio condutor via fala do professor. Resultado:
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Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
janelas (= perguntas do professor) abertas em demasia geram mais turbilhão do que
renovação do ar (= nova e organizadas idéias). Reforça a idéia de que Geografia fala de
tudo, que tudo ‘é Geografia’, e, portanto, pouco fica como sendo o central para as aulas de
Geografia. O espaço, o arranjo, a arrumação e a localização das coisas e das pessoas nos
lugares deixam de ser pensadas como hipóteses, como possibilidades, como problemas a
serem discutidos em nome da ‘lição de coisas’, em nome da informação pela informação.
Pedagogizar ou filosofar a Geografia? Os dois!
Na visão de muitos professores há uma ‘condenação’ sem processo: os alunos não
sabem, os alunos não fazem, os alunos não querem. Como se essas supostas negatividades
nada tivessem a ver com nosso ofício de professor!
Se defendo a idéia de uma Geografia que dialogue mais com o cotidiano do aluno
não estou propondo um modismo, uma novidade como panacéia para nossa ação didática.
Tampouco vamos jogar a criança janela afora com a água suja do banho. Seja qual for sua
linha pedagógica ou ‘geográfica’, o conteúdo sempre é central. Se damos aula de Geografia,
e os alunos a reconhecem como tal, é justamente pelos conteúdos trabalhados. O que
proponho é que, seja qual forem os conteúdos, tenhamos claro os objetivos pedagógicos a
serem alcançados. Onde queremos chegar? O espaço não pode estar ausente. Pensar na
importância e na influências das coisas estarem neste ou naquele lugar.
Isso requer um professor iluminista e iconoclasta. Iluminar novos caminhos, provocar
o espanto do aluno (‘não tinha pensado nisso!’), e, também, destruir certezas, convenções
e marasmos arraigados sem discussão. Numa metáfora: o professor fornece a escada para
o aluno subir em abstração e conhecimento. Mas, logo, retira a escada e diz: “Vão descobrir
outros caminhos. Não voltem por aqui, por esta escada, eu a retirei”. Hannoun (1998) fala
em ‘suicídio pedagógico’ do mestre. Nossa ação visa um aluno cada vez mais independente
do ponto de vista cognitivo.
A maior recorrência nas muitas observações de sala de aula é a relativa ausência do
professor enquanto sujeito condutor do processo pedagógico. Muitas vezes, há quase uma
omissão. O professor esta mais para um gerente burocrata que evita, às vezes sem conseguir,
o excesso de barulho, do que alguém que instaura o que considero fundamental: o conflito,
a tensão cognitiva entre ele e os alunos; tensão entre o modo de pensar entre o ‘antes’ e o
‘depois’ da explanação do professor.
Raras vezes, lembro de um professor dar uma aula, fazer uma explanação, conduzir
uma linha de raciocínio. Por cerca de 30 minutos que seja. Sim, houve muitos momentos
em que o professor coordenou o processo, deu informações, solicitou tarefas. No se trata
de dizer que os professores não cumprem suas tarefas. A hipótese que levanto é que, estas
“tarefas de professor”, estão muito rebaixadas, estão muito ligadas ao comportamental e
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KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
cada vez menos ao cognitivo, ao intelectual. Não sei se no passado recente - décadas de
60 e 70 - era diferente, e no quero idealizar uma escola do passado que nunca houve, mas
me parece inequivoco que, a partir do final da década de 70 as escolas públicas começaram
a perder qualidade com mais força. A intenção não é comparar, o ontem e o hoje, mas
constatar que as escolas têm se contentado em realizar um trabalho que está mais para o
burocrático do que para o reflexivo. As escolas parecem mais preocupadas em ocupar
seus alunos dentro de uma linha mecanicista do que fazê-los desenvolverem seus potenciais
cognitivos e criativos de uma forma mais estimulante.
A aula expositiva, no sentido mais clássico do termo, ou falando em termos mais
pomposos, uma exposição onde se apresenta uma “tese” – por exemplo, a industrialização
do Brasil pós 1950 - expondo alguns argumentos e raciocínios que sustentem tais idéias,
dando exemplos, mostrando alguns pontos positivos e negativos (antíteses) do que se está
falando, e, por fim, fazer um fechamento com algumas conclusões parciais, isso, salvo
melhor juízo, foi incomum de ter visto/ouvido. Parece que o professor optou – não sei com
que grau de consciência e intencionalidade – por se eximir de dar aula. Ou seja, quero
dizer que o professor, via de regra, não professa. Paradoxal.
Este ponto é fundamental para entendermos uma queixa muito freqüente que os
professores fazem dos seus alunos: eles não sabem defender suas idéias, não sabem escrever
seus pontos de vista. Tampouco tem autonomia e vontade para fazerem anotações,
perguntas, terem iniciativa para o trabalho em sala. De fato, pelo que pude perceber, seja
na minha vida como professor, ou como observador para elaborar a tese, esta dificuldade
dos alunos na expressão oral e escrita é notória. Por vezes, quase exasperante tamanha a
aridez. Absolutamente corriqueiro, ouvir de alunos em final do Ensino Médio, frases
circulares, apenas repetindo o que o texto ou o professor disse. Isso pode alertar a nós,
professores, que não podemos ficar apenas nesta óbvia constatação: os alunos não sabem,
os alunos não fazem, os alunos não querem, etc. Parece que os definimos sempre pela sua
negação, pela sua negatividade, o que eles não fazem para nos ... agradar! Estamos
idealizando um aluno que, aliás, nunca tivemos e nunca fomos. Se ele não se encaixa no
nosso sonhado perfil, ele nos desencanta. Transferimos o nosso (inconsciente?) desencanto
com a profissão para o desencanto com os alunos! O que pode ser até natural, mas tem
conseqüências pedagógicas ruins. A toda hora transparecemos, para nossos alunos, que
eles não são bons, não estão interessados, não são capazes. Sabemos o quanto o bom
relacionamento, e por que não, o incentivo, o elogio, o ânimo são fundamentais para o
processo educativo. Risco de minar a vontade deles em saber mais com a nossa linguagem
gestual e facial.
Cabe dar um passo pequeno, porém significativo: por que os alunos não sabem, não
fazem e/ou não querem? Neste ponto de reflexão haveremos de dar um salto epistemológico
e pedagógico importante, qual seja, inserirmo-nos como parte integrante neste processo –
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Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
não raro fracassado – educativo. Sendo mais explícito: muitas vezes o aluno não sabe
porque não explicamos; não fazem porque não nos entendem; não querem porque nossas
tarefas, textos e/ou desafios cognitivos são muito enfadonhos.
Tarefa fundante de nosso ofício, conduzir os alunos - o termo pedagogo parece de
suma importância e pertinência - para um desenvolvimento cognitivo mais abstrato, mais
elaborado parece cada vez mais distante. Nós, professores não professamos, não damos a
público nossas idéias, não publicizamos as idéias que a humanidade já organizou. Cabe a
nós, professores, torná-las públicas. Não para que nossos alunos reverenciem a nós ou às
idéias, mas para que, a partir dessa audição, possa se estabelecer um diálogo num patamar
mais elaborado. Agindo de uma forma mais propositiva e sistemática poderíamos evitar
uma situação por demais vista: o desejo do professor de um debate, de uma troca de idéias
com seus alunos que, no entanto, foram muito pouco municiados para tal atividade. Se
queremos o debate que não seja meramente circular, a repetição do que já sabemos e
cremos, temos que ajudar os alunos a terem outras visões. E aqui o papel do professor é
ímpar e insubstituível: ou ele professa ou ele é apenas um disciplinador/ocupador
(recreacionista) de jovens.
Do professor que não professa para uma prática de Geografia fast food, telejornal
Nas aulas de Geografia fica-se, no geral, num somatório de informações dispersas,
sem um grau de encadeamento, seja com a aula anterior ou com a posterior. Como
conseqüência os alunos também não necessitam prestar atenção e pensar junto com o
professor. Parece não haver processualidade nas explicações. As informações quando
aparecem, soam como cacos, pontas. Faz pouca diferença escutar ou não, anotar ou não,
perguntar ou não. A geografia escolar parece-se menos comprometida com a ciência, aqui
entendida como algo que tem uma certa lógica e regras em buscar as explicações para os
fenômenos de que se fala – e mais com lógica de um telejornal que fala dos fatos de forma
apressada e pouco reflexiva. As informações são tantas que mais embaralham o aluno do
que esclarecem-no. “Menos mal” que para estudar para as provas basta dar uma olhada
nos fatos anotados no caderno e rememorá-los. Quando existe o caderno, claro... A
memorização ainda é a habilidade mais exigida pela geografia escolar.
Justiça seja feita: os alunos não perguntam! Parece não haver o que entender! Retomo,
então, a expressão ausência de conflito cognitivo. O confronto de idéias, se existe, permanece
num patamar do senso comum. Patamar em que já se estava antes da ação do educador,
antes da aula de Geografia. Imaginemos a situação: o professor diz “a”. Alguns alunos
dizem o oposto, “não-a”ou “b”. O que é ótimo, pois é uma situação que eu denomino de
conflito cognitivo. Mas, via de regra, para minha decepção, ficava nisso. Não havia
continuidade, cada um ficava na sua crença. Eu disse crença, algo quase religioso, e não
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KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
opinião argumentada. De fato, havia pouco diálogo. Professor e alunos parecem estar no
mesmo espaço (a sala de aula), mas não se comunicam. Claro, há exceções, seja por parte
de alguns professores, como de alguns alunos. Mas, é bem superior o número de belas
discussões que são levantadas, e ficam natimortas, do que aquelas em que, o fogo inicial
provocado pela polêmica, seja dos assuntos em si, seja por parte de opiniões contundentes
dos alunos, fica acesso por mais de três minutos. Dizendo em outras palavras: a matériaprima (os assuntos trabalhados) são ricos, mas originam muito mais fumaça do que fogo.
Queremos fogo, porque ele gera calor (uma boa discussão), e, luz para iluminar cantos
obscuros.
Aparente paradoxo: conciliar um professor iluminista e, ao mesmo tempo, um
iconoclasta. Iluminista, porque resgata o papel tão imodesto quanto necessário, de falar
do banal, do cotidiano, do óbvio, mas mostrando o não-óbvio no óbvio, alertar para pontos
não percebidos, relacionar fatos aparentemente desconexos. Apontar pistas ‘talvez o
caminho seja por aqui, meninos’, enfim, ser condutor do processo. Iconoclasta, porque a
todo mestre cabe destruir ícones (= objetos de culto, portos seguros que não se deve
discutir, tradições que se seguem sem questionamentos), alargar os domínios do saber já
conquistado evitando que ele se solidifiquem, se cristalizem como verdades inquestionáveis.
Iconoclasta que derruba as pontes pelas quais se passou não para desmerecer os que nos
antecederam, mas para avançar. Iconoclasta que sabe rir de si, não se levar por demais a
sério. “O mundo é longe daqui” é uma boa metáfora que Guimarães Rosa nos ensina em
‘Grande Sertão: Veredas’.
Com uma visão pouco clara de Geografia (onde quero chegar com tal assunto? Por
que ele é importante para meus alunos?) a aula do professor fica confusa. O professor
raramente fala o motivo de se estar estudando o que ... está se estudando. Os assuntos
parecem seguir uma lógica sem muita lógica. Está no livro? Dá-se o assunto! E, como no
livro didático de Geografia de quase tudo se fala (o que não é por si só um defeito ou
demérito) o aluno fica desorientado: o que é Geografia? Por que este assunto é Geografia?
Por que este assunto é importante para mim? O aluno não consegue ligar a fala do professor
a sua vida, ao seu cotidiano. Pode-se fazer uma brincadeira de caráter “geográfico”: tanto
o aluno, quanto o professor, parecem estar perdidos, não sabem onde estão! Reforço a
idéia do professor professar suas idéias, pedagogizar a Geografia e, por conseguinte,
(tentar) cativar/seduzir seus alunos. O que se quer, sendo professor, com as aulas de
Geografia? O que se quer dos nossos alunos? Não estou propondo necessariamente que se
resolva, a priori e por decreto, a velha celeuma “o que é Geografia?”, e nem tampouco que
exista somente uma resposta, mas parece claro que os professores de Geografia se
atrapalham sim com o objeto e com o objetivo de sua disciplina. Essa discussão é tão
fundamental quanto pouco feita em nossa graduação!
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Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
O papel do professor na superação dos pés de barro da Geografia
Some-se a esse problema (da ontologia?) da Geografia a um problema de caráter
pedagógico, de visão de educação: com medo de ser considerado “tradicional”, o professor
evita a explanação, evita a condução – vista como ‘excessiva’ - da aula. O que é, sem
dúvida, um bom pressuposto. Não advogo o retorno aos tempos em que a única voz
ouvida numa classe era a do mestre, e, onde o silêncio era mais sinal de medo do que de
atenção. Mas, o fato é que o professor caiu no outro extremo: o laissez-faire, o deixar
fazer. Então, na visão do professor, o aluno deve ‘participar’, ‘falar’, ‘fazer’, ‘ser
autônomo’, ‘ter iniciativa’! Ótimo, mas pode ocorrer um problema. Muitas vezes ele não
tem informações suficientes, não tem a base, as condições para participar de uma forma
mais organizada, não digo em iguais condições – impossível, pois professor e alunos não
são iguais, nem devem sê-lo – e o que ocorre é uma dispersão de opiniões que ficam
simplesmente no ‘achismo’. Falta a mediação e a organização do professor. O professor
como mediador pode ser uma espécie de escada, de andaime, oferecendo um suporte
cognitivo para que o aluno saia de um patamar mais simples de organização de idéias para
uma posição mais arrazoada. Para tal, a participação ativa do professor é fundamental.
Estou falando do papel de organizador de conceitos, suporte de informações que terão
sentido se o professor atuar como lógico, relacionar as informações, problematizar o que
se fala em aula. Se este papel lógico do professor for bem compreendido, as informações,
via de regra esparsas, formarão nós de uma rede e não seguirão como pontos isolados.
Com uma rede eu colho mais frutos do que com linhas isoladas.
O resultado dessas discussões natimortas - a explosão de idéias é similar a um fogo
de artifício, intenso, mas muito breve - é um tanto desgastante e frustrante. Para os dois
lados, professores e alunos. As discussões propostas tendem a se dispersar em múltiplos
sub-temas e cacos gerando um grau de turbulência excessiva e de pouca sistematização.
Abrem-se muitas janelas, seja porque o professor faz muitas perguntas – o que é legal –
seja porque os alunos palpitam sobre tudo – o que também é legal -, mas como falta um
papel mais organizador instaura-se um certo stress que desgasta mais pelo barulho que
pelo uso da razão.
As janelas são abertas em profusão (o que é saudável porque assim circulam as
idéias, o “ar”), mas com a relativa ausência do professor como organizador, há uma
sensação de “vento encanado”, isto é, o ar fica excessivamente agitado, gera um turbilhão
que mais desorganiza do que sistematiza. Todos já vivenciamos aquelas correntes de ar
que levantam papéis em profusão por cima das mesas. Um pouco de adrenalina e agitação
é bom para qualquer aula, mas se a dose for excessiva, há um cansaço improdutivo. O
debate de idéias é rico se ficar claro para os participantes, o fio condutor da discussão.
Algo do tipo de onde partimos e onde queremos (mais ou menos) chegar. Eis o papel
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KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
mediador do professor.
Em um debate de idéias é imprescindível ouvir o outro, algo muito pouco praticado.
Daí me referir ao stress entre os participantes. Num debate, as idéias precisam ser ditas de
forma um tanto quanto organizadas, que sejam inteligíveis para que possam ser
confrontadas, discutidas e, objetivo maior, superadas. Na ausência do professor como
agente que organiza o debate, cerceia o ruído, medeia dizendo que “nem tudo vale em
nome da democracia”, que nem toda idéia faz sentido ou se sustenta, o que impera é um
laissez-faire que até pode aparentar com democracia, mas, no meu entender prejudica o
aluno, seja do ponto de vista cognitivo - a Geografia soa como caótica, os conteúdos são
trabalhados superficialmente, os conceitos não são apropriados -, seja do ponto de vista
educativo mais amplo - o tudo vale pode fortalecer mais a formação de pessoas que
ouvem pouco e se impõem pela altura da voz.
Cuidado para não parecer moralista ou muito prescritivo. Alerto para uma certa
confusão do papel do professor. Na busca de uma postura mais democrática e simpática
há uma certa confusão de camaradagem entre professor e aluno. Um democratismo que é
falseador dos diferentes papéis que cada um tem dentro de uma sala de aula, e, sobretudo,
do ponto de vista educativo é nocivo, pois a relativa ausência do professor enquanto pólo
difusor de idéias sistematizadas e organizadas fica prejudicado. Não confundir, entretanto,
essa preocupação com a visão do professor conteudista, que “dá” bastante matéria achando
com isso que ensina bem e/ou bastante. Não penso que professor bom é o professor sisudo,
durão, mal humorado! O professor deve aspirar sempre conquistar o aluno, gerar um
ambiente de confiança e desejo de estar no ambiente da sala de aula, mas isso não significa
sacrificar o professor em nome do querer “ser amigo” dos alunos. Muitas vezes o professor
é justamente aquele que faz a interdição, sabe construir limites, ainda que isso pouco tem
de simpático. Amigo não tem a preocupação em educar.
Tampouco acredito em relação professor-aluno sem conteúdo1 . Defendo um
professor que assuma sua condição de imprescindibilidade dentro da sala: que organize as
idéias, que exponha seus pontos de vista, que coordene a disciplina vista aqui em seu
duplo sentido: cognitivo (a disciplina escolar chamada Geografia) e comportamental (a
disciplina enquanto um pacto necessário de respeito entre docentes e discentes que torne
possível a comunicação e o trabalho cognitivo). Não confundo “ausência de regras” com
democracia. Acredito que a palavra “não” pode ser muito educativa, democrática e
1
Carvalho (2001) alerta-nos para o perigo da incorporação apressada e irrefletida de algumas
idéias que passam a justificar um sem número de ações pedagógicas auto-intituladas
“progressistas” e “construtivistas”. Tenho muitos pontos de discordância com Carvalho. Muitas
vezes, ele próprio faz o que critica: entoar slogans sobre o que ele parece ter analisado pouco, o
próprio construtivismo. Mas, a obra é válida pela polêmica.
36
Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
construtivista!
Alguns retrucam: os professores não dão aula porque não são ouvidos. De fato,
muitas vezes é o que ocorre. É bastante comum o boicote sistemático dos alunos, não raro
num nível de barulho que só aos gritos se conseguiria se fazer ouvir.
Não tem aula porque tem muita bagunça ou porque o professor não sabe/não tem o
que dizer? Às vezes, os alunos não ouvem os professores porque o que está sendo oferecido
a eles é algo muito chato, inútil ou non sense! Muitas vezes tive essa sensação, sem
dúvida. Falamos para os alunos, mas não há comunicação com os alunos. Conseqüência,
os alunos fazem zoeira. Muitas vezes os professores tem sim o álibi do tipo “o que eu
posso fazer? Eles não me ouvem!”, mesmo quando a temática ou o texto proposto pelo
mestre parece ser interessante. É muito comum não haver aula no sentido de haver
raciocínios encadeados e sistematizados. Há informações esparsas. A Geografia se consolida
como algo muito superficial e sem muita lógica: o que há para entender? É a pergunta que
parece ficar sem resposta na cabeça dos alunos!
Daí dizer que as aulas parecem “pastel de vento”. Aparentemente o recheio é vistoso
(as temáticas, os conteúdos da Geografia são super atuais, interessantes), mas basta uma
mordida, basta adentrar na linha de reflexão e há um desencanto, um certo vazio.
Penso que esse saldo pouco atraente para os alunos se deve em boa parte ao que
denomino “os pés de barro da Geografia”: a relativa confusão metodológica/pedagógica e
a fragilidade epistemológica da visão de Geografia que nós professores temos, e, portanto,
construímos para os alunos.
As aulas de Geografia
Freqüentemente o desperdício de tempo da aula, bem como o barulho, tornava o
ambiente da sala pouco propício para o trabalho intelectual. O que parece estranho, pois
uma das queixas dos professores de Geografia é quanto à exígua carga horária semanal da
disciplina. No geral, duas horas por semana, não raro em dias diferentes, o que limita
bastante o trabalho produtivo já que se consome um tempo enorme com ritos dispendiosos:
deslocamento do professor, entrada em sala, conversas iniciais, apagar o quadro, fazer a
chamada, etc.
Muitas e muitas vezes a sensação – facilmente percebida na descrição de minhas
observações – era de que o pressuposto maior da aula era deixar o tempo escoar, passar
lentamente, seja com a chamada que dura minutos, seja com papos extra-classe, ou mais
comum, com atividades que tem como principal característica ocupar os alunos, muito
freqüentemente com atividades mecânicas. Mas isso é tão velho quanto sabido. O que me
chamou a atenção era uma tática bastante usada e que tem, sob o ponto de vista pedagógico,
37
KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
um pressuposto “construtivista”. Falo do “trabalho em grupo”. Alguns vão denominar
“pesquisa” em grupo. Seja qual for o nome dado, o resultado é constante: baixo desgaste
do professor e quase inexistência da aprendizagem por parte dos alunos. O esquema tem
um modus operandi padrão. O professor dá uma rápida introduzida no assunto, seja
escrevendo algo no quadro (não muito comum) – que também raramente é copiado pelos
alunos – ou, mais comum, através de um xerox de um texto (sendo mais freqüente a
leitura individual do que coletiva). Feito esse intróito, a seqüência passa por responder
algumas questões, que vêm, via de regra, do próprio texto. Mas, aí vem a perspectiva
“construtivista”, com a qual concordo, e que tem pressupostos tão positivos quão mal
operacionalizados. É interessante fazer as questões em dupla ou em grupo. Como a leitura
não é feita em aula para todo o grupo, ela é feita individualmente, o que já limita as
explicações do professor, e, claro, favorece as conversas e compromete o silêncio na
turma. Começamos mal, pois não há incentivo para a leitura do texto. Quem quiser ler, no
entanto, vai se deparar com um obstáculo tão invisível quanto poderoso: o ruído, o barulho
em sala. Mesmo que se tente ler, os fatores de dispersão são muitos. Simplesmente – esta
é a regra – não há ambiente para o trabalho intelectual. Não estou falando num silêncio de
monastério, mas há que convir que também a sala de aula não é um parque de diversões.
Há que se respeitar a Geografia dos lugares, cada qual com seus tipos de comportamento.
Como, também via de regra, o professor não fez, ou fez de forma muitíssimo rápida,
uma explanação geral sobre o texto, sobre o tema abordado, fica complicado para o aluno
entender do que se trata. Perguntas sobre o que não se explicou ou não se leu, obviamente,
soam difíceis. Se ocorrem, em quase todos os casos, são explicadas individualmente (e
somente) para quem fez a pergunta. Perde-se outra chance ótima (duas já foram perdidas:
ao não se ler o texto em voz alta para o grupo todo e/ou não se fazer uma explanação
introdutória geral à classe) de alcançar toda a turma. Absolutamente comum são as microexplicações restritas ao indivíduo ou a dupla que tenta resolver a questão. Feita a leitura
(pelos raros persistentes), eis a hora de responder ao questionário. Se faltam 10-15 minutos
para o sinal há um código não-escrito, uma senha: “Pessoal, os últimos minutos vocês
usam para responder as questões. Me entreguem na próxima aula!” Dizer isso equivale a
dizer, na prática, “está terminada a aula”.
O que ocorre se temos mais um período (os dois períodos semanais são juntos)? Há
uma situação parecida, em ritmo ainda mais lento, e, uma outra senha: “Bom, agora vocês
leiam o texto”. Dá-se um tempo para ler. Poucos lêem. Depois o professor diz: “Agora
vocês fazem as questões”. É comum ele ir se sentar eximindo-se da tarefa de cobrar a
realização da tarefa e auxiliá-los na resolução das questões. Ora, como há um período a
mais o tempo escoa lentamente em conversas entre a dupla. O resultado é bastante comum:
os alunos, com as exceções dos “caxias” de sempre, é que poucos vão usar a aula para
lerem e responderem. Até aí nada excepcional, embora lamentável. Isso tem um duplo
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Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
desdobramento, um no campo ético, outro no campo pedagógico. No ético, o descaso, o
desinteresse dos alunos em (não) fazer a tarefa dá ao professor a tranqüilidade para dizer,
muitas vezes para mim e em “off” (“eles são fracos”, “este é o ritmo deles”, “não tão a fim
de nada”); outras vezes para a turma toda, em alto e bom som: “viu, vocês não ajudam,
não cooperam. A gente deixa um tempo para vocês fazerem em aula e vocês preferem
conversar, brincar e não fazem suas tarefas. Assim não dá!”. Genial. A falta de vontade do
professor em dar aula, coordenar a turma revestiu-se do seu oposto: são os alunos que não
cooperam, não ajudam, não estão a fim de trabalhar.
Do ponto de vista pedagógico – e mais uma vez com o subentendido pressuposto
“construtivista”/democratista implícito - está armada a próxima aula! Ora, num bom número
de vezes, os alunos não fazem a tarefa, nem na aula e nem tampouco em casa, e, chega-se
à conclusão que, é preciso dar mais tempo, dar mais uma aula, para a conclusão da tarefa
anterior. Dito e feito, dá-se o período para fazer as questões. Poucos fazem, mas isso não
importa, porque, também via de regra, um copia do outro. Descaradamente. É comum as
respostas serem copiadas mecanicamente, do livro ou do texto, sem o mínimo entendimento.
Muito comum as respostas, que exigem apenas a cópia do texto, serem absurdas, não
terem lógica. Ou, quando se exige algo que não está no texto, igualmente as respostas não
terem sentido algum. Tanto faz, o professor, corrige, também mecanicamente as respostas.
E os alunos copiam. Modorrento. Pronto. Resulta que muito pouco se exigiu do ponto de
vista cognitivo, muito pouco se construiu em termos de raciocínio e/ou de idéia de Geografia.
Mas, lá se foram duas semanas de aula.
É pressuposto interessante: trabalhar em grupo, deixar eles lerem o texto, deixar
que eles tirem suas dúvidas, e, por fim, discutir as respostas que eles trouxeram. Mas, a
forma de operacionalizar essa concepção “construtivista” parece permissiva e perversa
para com os alunos, já que gera não só uma baixa reflexividade, como é uma proposta
altamente desmotivadora reforçando a idéia que já lhes soa familiar: na Geografia qualquer
coisa serve, não há muito o que entender. E tudo com a consciência tranqüila para o
professor, afinal, foram os alunos que não aproveitaram a ‘oportunidade’ dada pelo
professor.
Identifico isto como uma tática de sobrevivência do professor. Sabemos que sua
carga de trabalho é extensa. Trata-se de questão de sobrevivência, o dispêndio mínimo de
energia, tanto física como mental. Evitar o burn out, evitar queimar, pifar! Ao deixar os
alunos no laissez-faire é óbvio que, o professor se economiza, não precisa explanar para
todos (só para quem, muito eventualmente o chama). Também se desgasta menos, pois ao
não cobrar a efetiva realização da tarefa com respostas plausíveis, entendíveis, o que eles
respondem não lhes exige muito. A recíproca é verdadeira, os alunos também não cobram
muito o professor. Tudo ocorre tacitamente, com ‘baixo consumo de energia’ e baixo nível
de desgaste de ambos os lados.
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KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
Claro que imputar tal comportamento ao “construtivismo” parece tão honesto
como acusar Jesus Cristo pelas Cruzadas medievais, mas o mais importante aqui é o
desembaraço do professor de suas tarefas. O curioso é que, uma teoria, altamente
interessante para contribuir com uma prática educativa mais qualificada, quando apropriada
apressadamente, sem a devida leitura/estudo, tende a produzir resultados ruins com ... as
justificativas mais nobres possíveis.
É positivo quando o professor pede que os alunos atuem, façam o questionário, se
ocupem. A idéia de que o aluno vai, através de sua ação, construir o conhecimento. Mas,
via de regra, a ação que os alunos empreendem é muito mais mecânica do que reflexiva.
Presenciei a pintura de mapas (para alunos adultos) sem que estivessem entendendo bem
o significado da tarefa. Sem falar na situação comuníssima de se responder ao questionário
copiando trechos quase aleatoriamente do texto.
Há uma muito baixa cobrança na produção escrita. Fora responder questionários
– que no geral não foi o professor o elaborador – quase os alunos nada tem que escrever.
E, quando tem de fazê-lo, os resultados são sofríveis. Alie a isso a relativa escassez de
aulas e leituras e parece que tudo conspira para algo tão invisível quanto indizível, mas
nem por isso menos efetivo e/ou existente: uma escola pobre para os de classe ‘pobre’. No
geral, estamos falando de escolas públicas, não raro de ensino noturno que acolhem
trabalhadores. O professor já tem a justificativa para esta pobreza cognitiva: “não dá para
exigir muito, eles não acompanham”, “eles não sabem escrever”, “eles não estão a fim”,
ou seja, parece que o aluno é o responsável. Sim, os alunos têm dificuldades imensas na
produção escrita, mesmo na expressão oral ou, não raro, na própria vontade de fazer as
tarefas, participar dos debates, ler em público, mas isso é do humano, isso é o quadro que
temos. Questionar o relativo consenso em que nós, os educadores, nos conformamos a
essa situação de penúria intelectual. Parece que a regra é, dar menos alimento a quem já
está enfraquecido pela subnutrição, com o medo de que ele vá ter problemas com a digestão.
Não proponho o outro extremo: vamos tornar as aulas difíceis, “dar bronca” nos
alunos, aumentar muito o nível das respostas exigidas para que eles consigam “enfrentar
o mundo competitivo lá fora”! Com essa frase se justificam, algumas vezes, a preparação,
meio cega, para o vestibular: empilhar informações em alunos que tentam engoli-las aos
trancos e barrancos.
É muito mais fácil constatar este problema - escola pobre para alunos pobres - do
que resolvê-lo. Há toda uma cultura hegemônica em que estamos, professores e alunos,
imersos. Ambos estão desmotivados. Não podemos ignorar o contexto macro onde a
educação é relegada pelos poderes públicos a um relativo abandono.
Os alunos cobram que o professor facilite tudo. Cobram que ele “não dê aula”, que
ele “largue” ou “solte” - o termo é indicativo de que ali todos parecem presos) - mais cedo,
enfim, que ele deixe as coisas rolarem sem stress. Os professores, sobrecarregados, indo
40
Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
de uma escola a outra, enfrentando alunos desmotivados e ou despreparados tendem a
exigir o mínimo. O resultado é constatado nas avaliações do MEC: muitos saem do Ensino
Médio, e, após, onze ou mais anos de escolaridade, têm dificuldade para escrever alguns
poucos parágrafos e interpretar pequenos textos de jornal ou do livro didático.
As concepções de Geografia
Há ainda um predomínio da Geografia mnemônica, meramente informativa na sua
versão empobrecida. Um somatório de informações, sem uma teoria geral que ligue os
fatos discutidos entre si e, salvo exceções, sem ligação dos assuntos vistos com a vida dos
alunos.
Os conceitos, sejam mais gerais – espaço, natureza, sociedade, lugar, paisagem,
região –, seja os mais específicos – ligados aos assuntos específicos vistos durante o ano
- parecem dados ou subentendidos a priori, compreendidos pelo simples fato de serem
citados. Não há construção destes conceitos, menos comum ainda seu questionamento, a
meu ver um papel muito rico do professor. Acredito que seja papel fundamental do professor
de Geografia que ele, ao citar os conceitos, procure questioná-los, relativizá-los, mostrando
que eles podem ter leituras distintas, e até contrárias, já que são conceitos construídos, e,
como tal, passíveis de controvérsia. E essa controvérsia é a riqueza, é ponto de partida
para o avanço do conhecimento. Então, mais importante do que dizer “natureza é ...”
acredito que seja tarefa do professor alertar que esta palavra foi/vai mudando de significado
ao longo do tempo e em espaços diferentes. Exemplo: hoje a mata virgem é patrimônio a
ser preservado. Para imigrantes do século XIX, chegando ao RS, era um obstáculo a ser
removido.
É bastante comum inexistir a noção de sociedade, entendida aqui como seres humanos
que tem características específicas que fazem toda a diferença ter estas características
(gênero, etnia, classe social, nacionalidade, religião, poder aquisitivo, grau de instrução,
etc.) quando as pessoas estão co-habitando um dado espaço. Discutir a influência do
espaço na constituição/construção da sociedade, e vice-versa, parece fundamental para
trazermos o interesse dos alunos para nossas aulas.
Sobre o conceito de sociedade prevalece a idéia de ‘população’ enquanto um grupo,
um bando que está em cima de um espaço, de um palco. Aliás, por incrível que pareça a
palavra espaço e suas categorias correlatas – região, lugar, paisagem, território – são
relativamente ausentes do discurso de nós professores. O espaço parece um a priori, que
não cabe discutir, quando é palavra chave para questionarmos os conteúdos de Geografia.
Os professores falam do mundo, dos lugares “como eles são”, com a certeza de que se
falamos de algo estamos decifrando sua essência. “O Brasil é assim”, “os brasileiros são
assado” soa como a chave das descobertas. Há muita certeza e pouco espaço para a
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KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
dúvida: “será que o Brasil é (só) assim?”
A contradição entre a concepção falada (nas entrevistas com os professores), acerca
da Geografia, e a construída na prática, com os alunos, mais duradoura e sistematicamente
através das aulas, via provas, trabalhos e as exposições orais.
Na fala – fora da sala de aula, longe dos alunos - as concepções de quase todos os
professores acompanhados são bem articuladas, progressistas e concatenadas, tanto do
ponto de vista pedagógico, como do epistemológico. A Geografia dita tradicional é muito
bem criticada nas suas fragilidades. Uma geografia diferenciada, sem necessariamente ser
chamada de “crítica”, é defendida consensualmente. Mas, a situação fica bem menos
consensual e organizada na hora de construir tal proposta em sala de aula. A um discurso
relativamente coeso e progressista é muito comum corresponder uma prática bem mais
desinteressante e conservadora.
Com certeza não basta ter bons conhecimentos específicos de Geografia (Geografia
Agrária, Urbana, Cartografia, Geografia Física em geral, etc). Quando somos professores,
sobretudo do Ensino Fundamental e Médio, o desafio é dar uma organicidade a estas
informações, para que elas sejam compreendidas pelo aluno e façam sentido à vida dele.
Que as aulas de Geografia façam sentido para os alunos sem, no entanto, a ilusão de que
o que se fala em aula seja necessariamente útil imediatamente aos alunos. Que supere a
idéia de que a Geografia é um somatório de informações acerca da natureza, dos lugares
e dos povos que habitam a Terra, ou seja, que fala de tudo e todos. Falta-nos, geralmente
uma visão que ligue, mas sem cimentar nem congelar, os fatos e dados vistos nas aulas.
Parece que temos uma Geografia Fast Food. É rápida! Em minutos, fala de muitas
coisas, mas pouco se aprofunda. Chama a atenção! Seus temas são atuais e estão na
mídia! No entanto, a longo prazo, fica pouco para o aluno. Há pouca articulação dos
conhecimentos trabalhados. Ficamos ‘cheios’, mas pouco alimentados. Voltamos a idéia
do pastel de vento: o conteúdo parece frágil.
Desejo que se consiga construir para e com os alunos a idéia de que a Geografia é
muito mais do que uma disciplina escolar. Que vá além da Geografia Fast Food. Que se
consiga desenvolver nos alunos o desejo de saber. Uma prática pedagógica com maior
embasamento teórico, com pedagogias alicerçadas em propostas mais reflexivas e
consistentes que torne a Geografia mais saborosa, desenvolva no aluno o apetite em querer
mais, em saber mais. A Geografia é feita desde que os seres humanos estão neste planeta,
pois é impossível sobreviver sem se valer da natureza, e, neste contato os espaços são
apropriados, construídos e ressignificados. E este processo de fazer-se humano, fazer-se
civilizado implica fazer Geografia. Os humanos se fazem humanos na história, na sua
passagem por este planeta e que esta história se dá no contato com a natureza, implica em
modificar e apropriar-se do espaço. Geografia e civilização se confundem. Humanizar-se
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Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007
implica em geografar, marcar a Terra. Civilizar-se demanda geografizar, contatar e
transformar a natureza. Transformando a natureza transformamo-nos, fazemo-nos
humanos. Não estamos dizendo que a Geografia é anterior ou mais importante do que as
outras disciplinas escolares. No entanto, é impossível falar de geografia sem filosofar
sobre nossa existência.
Quase todos, geógrafos ou não, associam Geografia a mapas. Mas, mais uma vez
os professores são traídos pela projeção idealista de acharem que seus alunos sabem onde
estão os lugares citados – e são muitos – nas aulas ou nos textos. A ausência de mapas,
mesmo quando os assuntos tratados são os próprios mapas é uma constante. Há professores
que não usam mapas. Ponto. O professor parece ficar demasiado confiante que suas aulas
são por demais claras. A ilusão de muitos de nós: a Geografia fala como é o mundo. Basta
falar dele para que os alunos entendam tudo com clareza.
Além da quase inexistência dos mapas, há também muito pouco uso de outros
materiais visuais. Fotos, imagens, charges são relativamente raras. Desperdiça-se um
recurso fundamental para a Geografia, qual seja, a visão. Não que a simples visão de uma
imagem vá mostrar como são as coisas, mas é um bom ponto de partida para se buscar
sentidos além do imediatamente perceptível pelos alunos.
Chama a atenção o uso dos textos. Via de regra não se fazia leitura coletiva e em
voz alta dos textos em sala de aula. Os textos eram apenas distribuídos sob um genérico
“agora vocês leiam”. Sensato. Todos sabem ler. Mas, e se não há ambiente para a leitura,
isto é, um mínimo de silêncio? Então, mesmo os que tentassem fazê-lo, tinham dificuldade
para ler. Tal prática vai matando o desejo do aluno em saber mais. A Geografia pode
contribuir para que o aluno entenda, com um mínimo de lógica, o mundo em que vive. A
Geografia ocupa-os, mas de forma pouco reflexiva. Esta lógica um tanto mecânica,
prevalece muitas vezes, até quando a tarefa é diferente e instigante. Por exemplo, quando
o professor solicita que os alunos criem, num papel pardo, uma cidade ideal. Como as
explicações foram muito rápidas e de caráter técnico (arruamento, curvas de nível,
hidrografia, etc.) faltou-lhes embasamento para a elaboração da tarefa, sem dúvida, de
alta complexidade. O resultado foi um tempo desproporcionalmente alto gasto na elaboração
destes ítens de uma forma automatizada (desenhando, pintando) em detrimento da parte
cognitiva (o que é uma cidade ideal? O que ela tem de diferente da cidade em que nós
vivemos?). Portanto, o desafio é fazer da Geografia algo que possa contribuir no
planejamento e reflexão dos espaços em que vivemos. Faltou contextualizar a tarefa,
‘questionar’ o conteúdo. Não basta que os alunos “gostem” da tarefa (uma tarefa que soou
como Educação Artística, muitos alunos ainda gostam de colorir mapas), mas sim que
eles complexifiquem sua visão de mundo auxiliados pelas categorias da Geografia.
43
KAERCHER, N. A.
A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO...
Nosso desafio é despertar a fome pela Geografia e pelo conhecer
Priorizar um ensino de Geografia que estabeleça relações entre Geografia e outras
áreas do conhecimento, que estimule a capacidade de reflexão e expressão dos alunos e
que contribua para pensarmos nossa existência e nosso mundo/entorno parecem desafios,
utopias e obstáculos que podem nos motivar à docência de forma apaixonada e apaixonante.
Escolher brincar de amor com a Geografia e seduzir o aluno para ir conosco a lugares
nunca dantes navegados. Fazer da Geografia uma ponte que conecte o nosso lugar, o
nosso lar com o mundo, com os outros lugares.
Deus ao mar perigos deu, mas nele espelhou o céu, ensinou-nos Fernando Pessoa.
Navegar nestas águas da busca do conhecimento na companhia dos alunos, de
forma dialogada e provocativa parecem belas utopias a serem perseguidas por nós,
educadores.
Aos meus alunos, futuros professores, eu digo: levem seus alunos para longe dos
nossos estreitos horizontes. De meus alunos pouco quero: apenas a sua alma!
Bom trabalho, boa viagem.
Referências
CARVALHO, José Sérgio Fonseca. Construtivismo: uma pedagogia esquecida da escola.
Porto Alegre: Artmed, 2001. 132p.
HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. São Paulo: Editora da UNESP,
1998. 189p.
KAERCHER, Nestor A. A geografia escolar na prática docente: a utopia e os obstáculos
epistemológicos da Geografia Crítica. São Paulo: Dep. de Geografia, Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2004. (Tese de
Doutorado, 363p.)
Recebido para publicação dia 10/04/07
Aceito para publicação dia 07/05/07
44
ENSINO DE GEOGRAFIA,
MÍDIA E PRODUÇÃO DE
SENTIDOS*
GEOGRAPHY TEACHING, MEDIA
AND PRODUCTION OF SENSES
ENSEÑANZA DE LA
GEOGRAFÍA, MEDIOS DE
COMUNICACIÓN Y PRODUCCIÓN
DE SENTIDOS
IARA GUIMARÃES
Eseba - Universidade Federal
de Uberlândia
Correio Eletrônico:
[email protected]
Resumo: O presente trabalho analisa as relações entre o ensino
de Geografia e a mídia no atual mundo globalizado. A mídia
apresenta-se, atualmente, como um importante lugar de produção
de discursos e de circulação de saberes sobre o mundo. De modo
simultâneo e instantâneo, sabemos o que acontece no mundo e
nos deparamos, constantemente, com a elaboração de discursos
sobre qual é a nossa tarefa diante da premente necessidade de
conhecer e decifrar este nosso mundo globalizado. No campo do
ensino de Geografia, essa nova relação que se configura entre o
cidadão e o mundo, influenciada pela mídia, apresenta
repercussões importantes uma vez que, como disciplina escolar, a
Geografia tem o objetivo de tornar o mundo sensível e
compreensível aos alunos, proporcionando-lhes o reconhecimento
e a análise da experiência humana na construção do espaço
geográfico.
Palavras chaves: Ensino de Geografia; Mundo globalizado; Mídia;
Produção de sentidos.
Abstract: The present work analyzes the relationship between
the teaching of Geography and the media in present globalized
world. The media is nowadays an important place of discourse
production and world knowledge circulation. In a simultaneous
and immediate way, we know what is happening in the world and
we are constantly faced with the elaboration of discourses about
which should be our duty in relation to the necessity of knowing
and deciphering our globalizing world. In the field of Geography
teaching, this new relationship which is configured between the
citizen and the world, influenced by the media, presents important
repercussions once, as a school discipline, Geography has the
objective to make the world sensitive and understandable to the
students, providing them with the recognition and the analysis of
the human experience in the construction of the geographical space.
Keywords: Geography teaching; Global world; Media; Production
of senses
Resumen: El presente trabajo analiza las relaciones entre enseñaza
de la Geografía y los medios de comunicación en el mundo
globalizado actual. Los medios de comunicación se presentan como
un importante lugar de producción de discursos y de circulación
de conocimientos sobre el mundo. De modo simultaneo e
instantáneo, sabemos lo que acontece en el mundo y nos
enfrentamos, constantemente, con la elaboración de discursos sobre
cual es nuestra tarea delante de la imperiosa necesidad de conocer
y descifrar nuestro mundo globalizado. En el campo de la enseñaza
de la Geografía, esta nueva relación entre el ciudadano y el mundo,
influenciada por los medios de comunicación, muestra importantes
repercusiones, ya que como materia escolar, la Geografía tiene el
objetivo de tornar el mundo sensible y comprensible a los
estudiantes, proporcionándoles el conocimiento y el análisis de la
experiencia humana en la construcción del espacio geográfico.
Palabras clave: Enseñanza de la Geografía; Mundo globalizado;
Medios de comunicación; Producción de sentidos.
* Este texto faz parte da tese de doutorado
defendida pela autora. (“Sobre os sentidos
de ensinar e compreender o mundo –
discurso jornalístico e ensino de
Geografia”. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2006.)
Terra Livre
Presidente Prudente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 45-66
Jan-Jun/2007
45
GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
Introdução
Para a Geografia, entender, explorar e descobrir o mundo é uma tarefa assumida
como desafio, propósito e pretensão.
Desde sempre, a geografia tem sua identidade associada à aventura das
explorações. Descobridores, viajantes, cosmógrafos são, por isso, os legítimos
antecessores dos geógrafos acadêmicos surgidos no final do século XIX. A
partir dessa época, em que pouco restava para ser ‘descoberto’, a aventura das
explorações não cessou, mas mudou profundamente o seu sentido. ‘Os novos
mundos’ da atualidade não são mais constituídos por terras nunca visitadas ou
por trilhas nunca percorridas. Hoje, as explorações geográficas consistem em
verdadeiras metáforas das antigas. Os novos mundos são parte do nosso
cotidiano, as descobertas são novas formas de olhar, de relacionar, de conceber;
as viagens contemporâneas são constituídas pela interiorização em novos
percursos temáticos. Neste sentido, a Terra incógnita não cessa de ser
redescoberta. (CASTRO et al, 1997, p. 7)
Podemos indagar: como explorar o mundo de hoje? Como ajudar os alunos a
organizar explorações geográficas se os “novos mundos” já fazem parte do seu cotidiano?
Como estabelecer o roteiro, o percurso para concretizar as viagens contemporâneas? Viajar
para onde? Qual o sentido da viagem? Por que ser descobridor, viajante e vivenciar as
aventuras de explorar esse novo mundo?
Atualmente “somos” e “estamos” em um mundo no qual o processo de globalização tem
ganhado cada vez mais materialidade. Nesse processo, a sociedade se mundializa, movendose rumo à constituição de um novo modo de vida, no qual a relação com o tempo e o
espaço se reorganiza. Os fluxos de informação rápidos, interligando os diferentes lugares,
representam um fator constitutivo desse processo de globalização que, em consonância
com outros fatores, contribui para uma alteração significativa na forma de viver e perceber
o lugar e o mundo.
Por um lado, a globalização é acompanhada de transformações científicas e
tecnológicas, do desenvolvimento dos meios de comunicação e da informação, que
possibilitaram a convivência simultânea e instantânea com os acontecimentos locais e
distantes, permitindo que espaços longínquos se façam presentes nas vivências cotidianas
dos cidadãos. Por outro lado, o espaço global expõe marcas da segregação, da guerra, da
disseminação do terrorismo, da violência urbana, dos problemas ecológicos, da fome e da
exclusão social de bilhões de pessoas.
A complexidade de compreensão desse espaço globalizado aumentou,
consideravelmente, para o cidadão comum. Esse fato sinaliza, para o ensino de Geografia,
a emergência de novas questões e desafios. Nesse contexto, é preciso pensar na nova
dinâmica espacial que se anuncia, pondo em evidência como devemos nos posicionar
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diante do desafio da explicação do mundo e da nossa relação com o mundo. Isso implica,
também, pensar no compromisso com a construção de um ensino crítico, comprometido
com a formação para a cidadania e revelador do mundo.
No presente texto discutimos algumas repercussões do processo de globalização e,
particularmente, das imagens e vozes da mídia sobre o mundo globalizado para as práticas
escolares e o ensino de Geografia.
Os desafios atuais do ensino de Geografia
Podemos constatar que o desafio de compreender as transformações da realidade,
do ponto de vista espacial, não se mostra apenas ao cidadão comum e para o ensino de
Geografia. Decifrar esse novo contexto tem representado, também, um grande desafio
para a ciência geográfica, pois exige, fundamentalmente, pensar em novas teorias, em
novos instrumentos metodológicos e em considerar atentamente a perspectiva de que a
ciência é uma construção, fruto do seu tempo. De acordo com Souza (1999),
Os geógrafos têm diante de si um duplo desafio: o primeiro é aquele de
efetivamente compreender o que é o espaço geográfico, esta mediação entre o
mundo e o lugar, para em seguida produzir uma geografia que seja rigorosa na
compreensão das formas, dos processos, das estruturas, das funções, sem abdicar
das condições históricas da sua produção. (SOUZA, 1999, p 362)
As discussões e interpretações produzidas pela ciência geográfica têm repercussões
importantes no campo do ensino de Geografia. Entretanto, é necessário levar em conta
que a Geografia acadêmica e a escolar não são idênticas, possuindo percursos históricos
particulares e dinâmicas próprias que precisam ser considerados. Portanto, é preciso avaliar
a relação entre conhecimento científico e escolar, suas aproximações e distanciamentos.
Nesse aspecto, reside um ponto importante para a discussão sobre as concepções teóricometodológicas do ensino de Geografia, de que tratamos neste trabalho.
As pesquisas no campo educacional, hoje, indicam que o conhecimento escolar
possui peculiaridades. Isso resulta em admitir que o conhecimento geográfico produzido
na academia é diferente do conhecimento escolar, pois este é resultado de um processo de
produção específico que conta com outras formas de conhecimentos engendrados em outras
instâncias. Nessa análise, é necessário considerar que o processo de transposição didática
significa tornar um conhecimento científico e cultural ensinável e aprendível. Isso faz com
que o conhecimento científico sofra expressivas e profundas transformações quando chega
aos estudantes, originando aí um novo tipo de conhecimento.
Na perspectiva da história das disciplinas escolares, a Geografia, assim como as
outras disciplinas presentes no currículo escolar, é uma construção histórica permeada
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GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
por interesses, tendências e embates presentes em um determinado contexto social. No
caso da Geografia, desde o seu princípio, ocorreu forte vinculação com o poder dos EstadosNações emergentes a quem interessava, política e economicamente, a formação de crianças
e jovens impregnados pela ideologia nacionalista.
A presença dos temas geográficos na prática de escolarização e a criação e
estruturação da Geografia como disciplina escolar, é muito anterior a sua institucionalização
como disciplina acadêmica. Deve-se destacar, inclusive, que foi a sua presença nas escolas
primárias e secundárias, na Europa, no século XIX, e a necessidade de formar professores
de Geografia para ministrá-las que favoreceram a sua institucionalização como ciência.
Privilegiando a análise da natureza, sem maiores preocupações com as relações
sociais e/ou mesmo com as relações entre sociedade e natureza, a Geografia se desenvolveu
como disciplina escolar. A chamada Geografia Tradicional, de cunho positivista,
caracterizou-se por empreender uma análise de modo compartimentado e estanque, por
meio de um esquema que se iniciava pela abordagem das bases naturais, seguindo-se dos
estudos relativos à população e finalizando, com a abordagem da economia.
As práticas escolares foram profundamente influenciadas por essa forma de pensar
e fazer geografia, criando uma tradição didática com forte predominância do
enciclopedismo, do ensino mnemônico e que ignorava o caráter político da Geografia.
Trabalhava-se um grande volume de dados, informações e descrições de modo
descontextualizado, sem uma análise que permitisse aos alunos compreender os temas de
forma significativa. Nesse sentido, tinham méritos os alunos com maior facilidade e
predisposição para memorizar conhecimentos.
Essa Geografia passou a ser objeto de profundos questionamentos no final da década
de 1970, período em que adquiriu força o movimento de renovação da Geografia brasileira.
Levantou-se como questão o potencial teórico e metodológico da Geografia, produzida,
até então, para analisar a realidade em constate processo de transformação. Apresenta-se
como tarefa fundamental da Geografia acadêmica e escolar elaborar uma teoria e construir
uma prática que fosse capaz de analisar criticamente a realidade e contribuir para o processo
de transformação dessa realidade.
Sob a influência das teorias marxistas, a Geografia crítica que se firmava naquele
momento colocou como frente de contestação à Geografia tradicional, hegemônica até
então, o seguinte questionamento: para que serve a Geografia? O clássico livro de Yves
Lacoste “A Geografia - isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra”, divulgado no
Brasil, a partir de 1976, questionou as relações da Geografia com o poder militar e com a
elite dominante (“a Geografia dos estados maiores”) e a produção ideológica do que o
autor denominou de “Geografia dos professores”, de caráter despolitizado, acrítico e
desinteressante, que procurava mascarar a importância estratégica dos conhecimentos
geográficos.
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Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
Esse movimento procurou repensar a relação sociedade/natureza, as implicações
de poder no espaço e o papel político da Geografia e dos geógrafos, que passaram a ter
como papel o engajamento nas lutas sociais pelas transformações da realidade. Nesse
sentido, a Geografia crítica promoveu mudanças expressivas na compreensão do papel
dessa ciência.
Carlos e Damiani (1999), fazendo um balanço do que significou esse movimento
de renovação para a Geografia, nas décadas de 1980 e 1990, esclarecem-nos que
os fenômenos físicos e humanos tendem a não ser tratados em separado,
como apenas distintos. A Geografia passa, com a negação do
positivismo em geografia, pela negação da geografia como geografia
física, posteriormente, pela superação desse descrédito e a leitura e
incorporação de conhecimento das ciências naturais e humanas para
decifrar o fenômeno geográfico, ainda não sem dificuldades. A questão
ambiental hoje renova o sentido possível da relação entre as áreas da
geografia humana e geografia física. (CARLOS e DAMIANI, 1999,
p. 92)
Entretanto, hoje, já decorridos mais de 20 anos do processo de renovação por que
passou a Geografia, é possível rever o alcance desse movimento na prática docente e, por
conseguinte, na Geografia ensinada na escola. Podemos identificar que as discussões teóricas
e as propostas de ensino resultantes do movimento de renovação da Geografia estão
chegando às escolas de uma forma lenta e, em muitos contextos, ainda são pouco visíveis.
A abrangência e a profundidade dessas propostas vêm ocorrendo em tempos diversos e
com diferentes repercussões no ensino fundamental e médio. Contudo, apesar da morosidade
do processo, mudanças podem ser sentidas tanto nas propostas de ensino quanto na prática
do professor de Geografia.
Verifica-se que algumas idéias têm ganhado força nas propostas atuais da Geografia
escolar:
Ø O estudo da natureza no ensino de Geografia não pode ser negligenciado, pois é da
maior importância para a compreensão das questões que envolvem a vida e a realidade
do aluno. O importante é relacionar os sistemas sociais e naturais sempre que possível,
integrar os elementos naturais entre si e com a ocupação humana, sem pretender
fundir os conteúdos sociais e naturais. Isso significa admitir que, nem sempre, é possível
tratar a natureza sob o ponto de vista da dinâmica natural em interação com as relações
sociais, fato que em si não causa qualquer tipo de prejuízo aos objetivos da Geografia
escolar. Segundo Vesentini (1995),
a idéia de nunca se separar o social do natural é fantasiosa, sem nexo do ponto
de vista científico. Existe o momento de separar e o de unir, o momento de
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GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
isolar um elemento para melhor estudá-lo e o de relacioná-lo com outros fatores,
da mesma forma que tanto a análise como a síntese são imprescindíveis ao
avanço do conhecimento. (VESENTINI, 1995, p. 5 )
Ø A possibilidade de superar o ensino reprodutor, mnemônico e desinteressado da realidade
e dos interesses dos alunos, que marca a trajetória da Geografia escolar. As propostas
atuais de ensino em sua grande maioria reforçam a idéia de que tanto os professores
como os alunos são sujeitos ativos e produtores de conhecimentos. Desse modo, o
professor, à medida que seleciona o que vai ensinar e organiza suas atividades, faz
traduções, realiza interpretações e, nesse processo, produz novos conhecimentos, não
exercendo o papel de mero reprodutor do conhecimento cientificamente produzido.
Processo semelhante ocorre com os alunos. Ao se apropriarem dos conhecimentos
trabalhados pelos professores, eles os reorganizam, gerando novos conhecimentos.
Nessa medida, o ensino deve viabilizar atividades que possibilitam aos alunos o
questionamento da realidade e dos diferentes objetos de conhecimento. O professor,
ao propor atividades desafiadoras, motiva a participação ativa do aluno por meio da
pesquisa, da resolução de problemas, da busca de novas respostas e do desenvolvimento
do pensamento crítico e autônomo.
Ø Os conhecimentos e as experiências dos alunos devem ser evidenciados. Nesse sentido,
mostra-se fundamental resgatar a Geografia do cotidiano ao considerar a vida do
aluno, as suas experiências individuais e coletivas. Ao conciliar ação e conhecimento,
as questões do espaço vivido do aluno, em suas conexões e interações com o espaço
mais amplo, devem ser objeto de debates e estudos. O resgate e a valorização das
vivências espaciais das crianças e jovens representa um referencial da maior importância
para o ensinar e aprender Geografia.
Ø O ensino de Geografia deve ser trabalhado pelo professor por meio da utilização de
diferentes linguagens que favoreçam aos alunos produzir e expressar idéias, opiniões,
sentimentos e conhecimentos sobre o mundo. A literatura, o cinema, o teatro, a música,
a televisão, a fotografia, os textos informativos, os gráficos e mapas, são linguagens
que devem estar presentes na Geografia escolar. Dentre as múltiplas linguagens do
ensino de Geografia, merece destaque o trabalho com a cartografia, que precisa estar
presente durante todo o percurso escolar dos alunos. Para que eles tenham domínio da
linguagem cartográfica, é fundamental a experiência como mapeador e também como
leitor de mapas já construídos. Ou seja, os alunos têm que, em um estágio inicial,
aprender a construir mapas, para que possam tornar-se leitores de mapas, interpretando
de modo mais significativo o que esses documentos comunicam.
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Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
Ø O ensino de Geografia tem como objetivo contribuir para que o aluno possa, de forma
autônoma, desenvolver o raciocínio geográfico, compreendendo as novas dinâmicas
que se impõem ao espaço geográfico, fruto da sociedade ao longo do processo histórico.
Para isso, é preciso que os alunos dominem conceitos básicos de que esse campo de
conhecimento dispõe para explicar o espaço geográfico. Assim, a seleção de conceitos
geográficos básicos tem sido uma referência importante para a organização de propostas
curriculares para o ensino de Geografia e para a orientação do trabalho com os
conteúdos geográficos em sala de aula.
A tarefa de conhecer o campo teórico que a ciência geográfica tem produzido ao
longo de seu percurso histórico mostra-se da maior importância para o professor. Dominar
o campo conceitual e a produção acadêmica da Geografia amplia as possibilidades de os
docentes sistematizarem de uma forma mais rica os conhecimentos escolares. No entanto,
torna-se evidente que a idéia de que basta dominar os conteúdos geográficos para ser um
bom professor já não é mais aceita atualmente. Isso implica repensar o papel e as interações
entre a didática, a Pedagogia e a Geografia. O contexto social de hoje mostra-nos a
necessidade de repensar os procedimentos metodológicos no ensino. Tal fato remete-nos,
também, para o significado das interações entre os conhecimentos pedagógicos e os
conhecimentos da disciplina no processo de formação inicial e contínua do professor de
Geografia.
A ação pedagógica do professor não pode prescindir de um entendimento teórico
aliado ao metodológico. Nesse aspecto, a parceria/colaboração entre a universidade e a
escola de ensino básico possui um papel fundamental. São necessárias a divulgação e a
reflexão sobre o conhecimento produzido na academia, relacionando as preocupações e
propostas emergentes com as indagações e as necessidades dos professores. Isso é um
percurso importante para a chamada prática refletida. É necessário que os professores
tenham a oportunidade de dialogar com as teorias e com os arcabouços metodológicos,
compreendendo o conjunto de questões e os princípios explicativos presentes na discussão
teórico-prática da Geografia.
Aprender e ensinar em tempos de globalização
Em um texto intitulado “Os deficientes cívicos”, Milton Santos (2002) aborda a
relação entre globalização e educação e, particularmente, as conseqüências que o processo
de globalização, como se manifesta atualmente, tem trazido a idéia de um projeto
educacional para o país. O autor assinala que o papel da educação, para a formação das
gerações presentes e futuras, é, fundamentalmente, atender, ao mesmo tempo, ao interesse
social e ao interesse dos indivíduos. Nesse sentido, o autor mostra que, na sociedade
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GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
democrática, os pilares do sistema educacional devem ser
o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário
(com garantias de que a educação contribua para eliminar desigualdades),
progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro).
Daí os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (esta
última palavra sendo sinônima de ausência de visões particularistas e segmentadas
do mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos
integrais e indivíduos fortes. (SANTOS, 2002,p.150)
Esses princípios fundamentais da educação foram construídos por meio de um
longo processo histórico de constituição da idéia de democracia, convivência civilizada,
cidadania e solidariedade social. Representam o resultado das conquistas sociais
evidenciadas em diferentes países (sobretudo os europeus), sendo que o pano de fundo que
sustenta esses princípios é a noção de que a dinâmica social não será excludente e de que
todos os cidadãos de um país terão assegurado o direito à educação.
Entretanto, em tempos de globalização, como ficam os objetivos da educação?
Como se percebe a questão de “para que a educação?” Que conseqüências o processo de
globalização tem trazido para o trabalho na escola? Milton Santos nos diz que a
globalização, tal como se apresenta e organiza o mundo de hoje, funda-se em novos
princípios e em outros sistemas de referência, “em que noções clássicas, como a democracia,
a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing
político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto
são outros os valores da nova ética, fundada em um discurso enganoso, mas avassalador”
(SANTOS, 2002, p. 150).
O processo de globalização tem repercutido de forma desfavorável no sistema
educacional e tem representado uma perda significativa dos ideais de educação universal,
igualitária, de qualidade e guiada para a formação da cidadania. As demandas da
globalização econômica, política e cultural têm implantado novos referenciais para os
objetivos educacionais, dentre os quais, podemos destacar:
Ø A disseminação de um pensamento pedagógico voltado ao gerencialismo, ao controle
e à implantação de inovações de cima para baixo, sem a participação e o envolvimento
daqueles que realmente executam as propostas educacionais e constroem a escola e as
práticas pedagógicas.
Ø A privatização, como tendência mais eficaz para a educação e a deterioração do sistema
educacional público, que passa a ter uma imagem social degradada, fortemente
associada à ineficácia.
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Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
Sob um viés marcadamente economicista, a globalização tem atingido de forma
eminente os propósitos da educação e, em nosso país em particular, tem contribuído para
a deterioração do sistema educacional público. Nesse contexto, é possível prever que,
como nos diz Santos (2002, p. 151), “escola deixará de ser o lugar de formação de
verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos”. Entretanto esse não
é um caminho único e definitivo, é uma construção que está sendo historicamente tecida
pelas forças do mercado e pelo modelo de globalização vigente. Sendo um processo histórico,
possui brechas que nos autorizam a pensar e propor uma outra percepção sobre a realidade
que evidencie as possibilidades e objetivos que valham a pena ser perseguidos. A educação
não pode furtar-se ao contexto da globalização, mas, dentro deste contexto, é possível
pensar em outras formas de orientação, em outros caminhos possíveis e desejáveis,
retomando a idéia de utopia e projeto.
Quando nos propomos a analisar as conseqüências da globalização na educação,
é possível, apesar de todos os aspectos desfavoráveis assinalados anteriormente, verificar
que esse processo traz também novas e importantes implicações culturais para a prática
de ensino. Tais implicações podem levar a escola a construir um projeto novo, mais aberto
e crítico em relação ao mundo interconectado e complexo, uma escola com horizontes
mais amplos. Segundo Sacristán (2002, p. 93), “do ponto de vista da cultura, a contraditória
globalização tem outras importantes derivações para o pensamento e para as práticas
educativas que alteram pressupostos básicos com os quais vínhamos operando, não
necessariamente de caráter negativo”.
Uma implicação importante posta à educação, pelo processo de globalização, diz
respeito à discussão sobre a maneira como o ensino e a aprendizagem devem se orientar:
ou por uma abordagem que privilegie a experiência direta, o entorno dos alunos, ou através
de uma abordagem que privilegia a globalização dos conteúdos e a formação dos indivíduos
por conteúdos culturais dos “outros”. Essa é uma discussão rica, pois coloca-nos diante
de um desafio da atualidade: como educar em um contexto histórico marcado pelo
encurtamento das distâncias, pelas novas percepções e experiências com o espaço e o
tempo, pelos novos significados do que é próximo e distante? Que pedagogia propor para
a compreensão do mundo globalizado e complexo em que vivemos? Como deve orientarse a ação dos educadores nesse contexto?
Significar a prática pedagógica por meio das experiências concretas dos alunos,
da sua realidade e do seu entorno constitui-se em uma proposta amplamente divulgada no
contexto educacional brasileiro. Para Paulo Freire (1996), essa é a premissa básica para
a atuação do professor e para a formação dos alunos. Em um trecho ilustrativo Freire nos
conta a seguinte história:
Certa vez, numa escola da rede municipal de São Paulo que realizava uma
reunião de quatro dias com professores de dez escolas da área para planejar em
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GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
comum as atividades pedagógicas, visitei uma sala em que se expunham
fotografias das redondezas da escola. Fotografia de ruas enlameada, de ruas
bem posta também. Fotografias de recantos feios que sugeriam tristeza e
dificuldades. Fotografias de corpos andando com dificuldade, lentamente,
alquebrados, de caras desfeitas, de olhar vago. Um pouco atrás de mim, dois
professores faziam comentários em torno do que lhes tocava mais de perto. De
repente, um deles afirmou: ‘Há dez anos ensino nesta escola. Jamais conheci
nada de sua redondeza além das ruas que lhe dão acesso. Agora, ao ver essa
exposição de fotografias que nos revelam um pouco de seu contexto, me
convenço de quão precária deve ter sido a minha tarefa formadora durante
todos estes anos. Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contexto
geográfico, social, dos educandos?’ (FREIRE, 1996, p. 30)
Ensinar e aprender com base na experiência direta significa abrir os nossos sentidos
para observar e perceber o meio circundante, o espaço vivido. Para isso, é preciso entrar
em contato com esse nosso mundo particular e interrogá-lo. Esse contato direto com o
mundo exterior é da maior importância para o desenvolvimento de percepções e
interpretações sobre o mundo e a vida, sendo que é a partir desse contato que o indivíduo
vai construindo um conjunto de significações pessoais sobre o mundo e dando um certo
sentido à vida, elaborando, afinal, o seu mundo interior.
Entretanto, é importante destacar que a experiência direta, que propicia o
conhecimento e a significação do entorno, depende dos outros, do contato com os outros.
Daí, a função da escola, da família, do grupo de convívio, dos vizinhos. É nesse sentido
que Paulo Freire, no trecho anterior, chama-nos a atenção para a importância do professor
e do papel significativo que tem a desempenhar nesse processo, questionando como esse
profissional pode ensinar se não conhece e não está aberto ao contexto geográfico e social
dos alunos. Isso denota que a nossa percepção e a significação do mundo circundante são
profundamente influenciadas pelo contato que temos com os outros que, de um modo ou
de outro, vão nos auxiliar e interferir na maneira como olhamos para o mundo, como o
percebemos e cujo significado reconstruímos. Deste modo, o indivíduo vivencia de maneira
compartilhada a experiência de compreensão do mundo próximo. O que os outros pensam,
dizem, expressam, em que acreditam também influencia na nossa maneira de compreender
o mundo.
Além da experiência pessoal de conhecer o entorno ser compartilhada, é notável o
fato de que, para olhar a realidade, é preciso dispor de instrumentos para interpretá-la, ou
seja, o mundo precisa ser decodificado, pois a simples aparência do mundo não nos revela
o que ele é. Existem outras realidades, outros acontecimentos e fatos por detrás daquilo
que nossos olhos conseguem captar. Por exemplo, a existência de um supermercado, dos
produtos que lá existem para ser comprados pelos consumidores subentende e envolve
inúmeras outras realidades escondidas, mas existentes e concretas, que são a base para a
existência e o funcionamento daquele supermercado. Deste modo, para compreender o
54
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
mundo cotidiano, é preciso pensar de maneira relacional na existência de outros mundos,
de outras realidades, muitas vezes, distantes e diferentes da nossa.
Esse processo de compreensão do mundo por meio da experiência direta é da
maior importância para o educando. A escola, nesse processo, tem sido cobrada e criticada
por que, nem sempre, propicia esse contato com o mundo cotidiano, por criar um mundo
de referência particular para o aluno e não permitir o contato e a relação do que se ensina
dentro da escola com os conteúdos do mundo vivido do aluno. Paulo Freire, por exemplo,
expressa de maneira enfática uma crítica a essa maneira da escola portar-se diante da
experiência direta dos alunos. Segundo o autor, na maioria das vezes, na prática pedagógica
desenvolvida na escola, ler palavras não quer dizer ler o mundo, ou seja, as “palavras da
escola” são diferentes das “palavras do mundo da experiência”.
O que é que eu quero dizer com dicotomia entre ler as palavras e ler o mundo?
Minha impressão é que a escola está aumentando a distância entre as palavras
que lemos e o mundo em que vivemos. Nessa dicotomia, o mundo da leitura é
só o mundo do processo de escolarização, um mundo fechado, isolado do mundo
onde vivemos experiência sobre as quais não lemos. Ao ler palavras, a escola
se torna um lugar especial que nos ensina a ler apenas as “palavras da escola”,
e não as “palavras da realidade”. O outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo
da vida, o mundo no qual os eventos estão muito vivos, o mundo das lutas, o
mundo da discriminação e da crise econômica (todas essas coisas estão aí),
não tem contato algum com os alunos na escola através das palavras que a
escola exige que eles leiam. Você pode pensar nessa dicotomia como uma espécie
de “cultura do silêncio” imposta aos estudantes. A leitura da escola mantém
silêncio a respeito do mundo da experiência, e o mundo da experiência é
silenciado sem seus textos críticos próprios. (FREIRE, 1986, p. 164)
Sacristán (2002) sugere que, por mais que seja importante essa aproximação da
escola com o mundo dos educandos e que essa prática deva ser incentivada no contexto da
escola, a educação escolarizada não pode se limitar a esse propósito. Esse autor vê na
escola um potencial singular em relação à possibilidade de tornar possível e acessível o
acesso a um mundo não abrangido pela experiência dos educandos. Para Sacristán (2002),
a riqueza da ação educativa escolar está em explorar com os alunos o mundo estranho,
desconhecido que, por meio das experiências pessoais no mundo próximo, ele não teria
condições de obter. Assim, deve-se compreender a escola como uma força de extensão
cultural universalizadora e globalizadora, que tem a finalidade de colocar os indivíduos
em contato com os “outros”, em outros tempos e espaços. O autor justifica a sua crítica às
propostas educativas que imprimem grande peso à exploração dos vínculos da escola e
das práticas pedagógicas com a experiência direta dos alunos, mostrando que,
em primeiro lugar, o âmbito do que se pode experimentar diretamente no espaço
e no tempo escolares é limitado. A escola é um lugar em que cabem poucas
55
GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
experiências diretas sobre o mundo em geral, por mais que queiramos aproximála da vida e tirá-la dos muros em que se encerrou. Como instituição, construiu
um ambiente onde se podem adquirir experiências vitais. Nele, podem ser
provocadas inúmeras vivências diretas (desde trazer um animalzinho para ser
observado e mantido, criar uma pequena planta, fazer experiência de laboratório,
observar o céu e dialogar com a autoridade local). Deveriam ser oferecidas
com mais freqüência oportunidades de obter experiências diretas em contato
com as coisas, as pessoas, o meio geográfico, os lugares históricos, as atividades
humanas, etc., saindo dos recintos escolares. Contudo, o espaço-tempo escolar
se limitaria muito se servisse basicamente para proporcionar experiências
diretas. Em segundo lugar, a educação é um meio de proporcionar os materiais
para compreender os aspectos implícitos do mundo a partir dos quais teremos
a experiência direta. Em um mundo complexo, onde poucas coisas e fenômenos
são evidentes por si mesmos, a primeira incumbência ilustradora da educação
consiste em ajudar a decodificar o imediato, que remete a outros processos e a
outras realidades, aproveitando a bagagem cultural disponível. A grande
potencialidade da educação reside em aproximar os sujeitos de muitas outras
experiências vicárias tidas por outros em diferentes tempos e lugares, de modo
que possam mediar as próprias e as alheias revividas. Não ver dessa forma nos
situaria em um horizonte muito limitado e pobre para as instituições
educacionais. (SACRISTÁN, 2002, p. 38)
A posição do autor remete-nos para um repensar de algumas idéias advindas das
abordagens construtivistas, já amplamente debatidas e, de certo modo, arraigadas nas
propostas curriculares e nas propostas pedagógicas mais amplas, que imputam as condições
e as premissas para uma prática pedagógica valorosa na escola. De uma maneira geral,
essas propostas trazem como princípio básico o fato de que a aprendizagem, para ser
significativa, deve estar alicerçada na realidade concreta do aluno e de que cabe à escola
promover e viabilizar esse encontro entre os conteúdos escolares, as experiências e a
realidade dos educandos. Como vimos, o autor não nega a importância desse encontro, ou
dessa aproximação, mas ele relativiza a idéia de que a aprendizagem só tenha sentido
mediante a relação direta entre a prática pedagógica e a realidade concreta dos alunos.
Para Sacristán (2002), o papel da escola frente aos desafios do mundo globalizado
é o de abrir horizontes, estender a cultura, globalizar conteúdos, conhecer experiências
alheias, transpor o local e o próximo e proporcionar aos alunos ir além de onde estão.
Interroga-se
que outra função desempenha a instituição escolar na cultura, se não a de
prover ‘materiais culturais alheios’ para aqueles que não os tem à sua disposição?
Que sentido teria a escola se limitasse a mostrar o que já está disponível de
maneira espontânea no meio em que se vive? (SACRISTÁN, 2002, p. 95)
Nessa visão, a condição globalizada do mundo exige a construção de novos
56
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
parâmetros e projetos para a educação escolarizada. Isso mostra que a escola precisa
compreender o novo contexto emergente e se dispor a usar de forma crítica as oportunidades
desse processo de globalização, que envolve a vida em sociedade e as experiências
cotidianas dos cidadãos. Para isso, é preciso ver as oportunidades e as brechas da
globalização para a construção de uma prática pedagógica que permita aos educandos
compreender o mundo em que vivem.
Nesse sentido, Edgar Morin, em diferentes obras publicadas nos últimos anos,
defende que a compreensão do mundo atual e dos novos horizontes da vida contemporânea,
profundamente influenciados pela globalização, deva se dar a partir de uma reforma do
pensamento e da maneira como tradicionalmente a humanidade tratou o conhecimento e o
ensino. Esse autor defende a idéia da “complexidade do pensamento” e coloca em questão
a necessidade de repensar os princípios para um conhecimento pertinente, que questione
as certezas absolutas, a capacidade de formular uma lei eterna e de pensar em ordens
absolutas. Dessa forma, o conhecimento complexo recupera a idéia de incerteza, de
impossibilidade de atingir certezas e de evitar contradições no processo de conhecimento
do mundo.
Para o autor,
a palavra complexus significa ‘o que está ligado, o que está tecido’. E é
esse tecido que é preciso conceber. (...) Como a complexidade reconhece
a parcela inevitável de desordem e de eventualidade em todas as coisas,
ela reconhece a parcela inevitável de incerteza no conhecimento. É o fim
do saber absoluto e total. A complexidade repousa ao mesmo tempo sobre
o caráter de ‘tecido’ e sobre a incerteza. Eis dois desafios de importância
capital. (MORIN, 2002, p. 564)
Este autor critica o ensino escolar fragmentado em disciplinas separadas, que
não permite estabelecer o vínculo entre o todo e as partes. Assim, o conhecimento sobre o
mundo complexo em que vivemos deve apreender os objetos em seu contexto e seu conjunto
o que pressupõe a religação dos saberes. Para Morin (2000, p. 14), uma das finalidades
da educação é “promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e
fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais.”
Desse modo, diante das mudanças substanciais advindas do processo de
globalização, o grande desafio da educação é desenvolver um conhecimento do acontecer
global, do mundo complexo e incerto em que vivemos. Nessa empreitada, a escola precisa
rever a sua missão de educar e formar pessoas, construindo uma visão crítica sobre o
mundo. Nas palavras de Delors (1998, p. 89), “à educação cabe fornecer, de algum
modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a
57
GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
bússola que permita navegar através dele.”
Ensino de Geografia, mídia e produção de sentidos
Vivemos em uma época marcada pela onipresença da mídia1 , pela abundância de
produtos audiovisuais, pela profusão de um mercado que procura utilizar todas as brechas
e possibilidades para promover a publicidade e direcionar o consumo de bens materiais e
simbólicos. Nesse contexto, parece oportuno propor algumas questões que nos levem a
refletir sobre como estamos construindo nossas experiências, como a mídia tem resignificado as nossas experiências com o espaço e o tempo e as repercussões que isso traz
para a escola e, particularmente, para o ensino de Geografia.
Os meios de comunicação possuem um papel dos mais importantes na vida
cotidiana dos cidadãos, especialmente, em relação à percepção e à construção de novos
sentidos de espaço e tempo. Esse fato impõe novas questões à Geografia e a sua maneira
de conhecer e produzir explicações sobre o mundo. O trabalho do geógrafo também é
profundamente afetado e merece ser redimensionado, para que possa ter maior relevância
para a sociedade, e cumprir a tarefa essencial que envolve esse ofício: a construção de
conhecimentos sobre o mundo.
Na sociedade contemporânea, a idéia de espaço envolve, primordialmente, o
encurtamento das distâncias, o planetário, o mundial. A mídia faz circular uma percepção
geográfica de que o espaço-mundo está disponível para o cidadão comum de forma
instantânea. Tem-se a impressão de que a mídia está a todo tempo construindo pontes
sobre o espaço e criando uma ambiência pela qual tudo pode ser visto, conhecido e
divulgado por intermédio dos fatos e das notícias. No caso do tempo, percebe-se a
disseminação generalizada da idéia de presente, do agora, do instante, do momento. Sarlo
(2000, p. 179) chega a afirmar que nos “movemos no tempo em saltos de zapping, sem
que a memória (com sua lentidão e sua densidade) estabeleça as conexões entre o que
aconteceu e o que está acontecendo”. Para a autora, ao enfatizar o presente, a mídia faznos esquecer a história, os laços que ligam o presente e o passado e, desse modo, “o
passado não pesa sobre nós, tornou-se tão leve que nos impede de imaginar a continuidade
de nossa própria história” (SARLO, 2000, p. 179).
A mídia e as tecnologias da informação têm um papel fundamental na circulação
1
Utilizamos o termo mídia no sentido de meios de comunicação de massa, chamado por alguns autores como
mass-media. De acordo com Ficher (1996, p. 28), podemos utilizar o termo mídia para nos referir aos diferentes
meios e suas produções: rádio, jornal, revista, vídeo, televisão, cinema e todos os veículos massivos de
comunicação, incluindo aí a comunicação que hoje se faz através da Internet.
58
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
de saberes sobre o mundo, e isso não pode ser desprezado, pois provoca alterações
importantes no trabalho do geógrafo, especialmente, aqueles que se dedicam ao ensino da
Geografia. Lacoste (1981) argumenta que existe a
difusão, pelos mass-media, de uma gama incessantemente mais numerosa de
informações, de imagens, de clichês, de noções de argumentação, que são de
fato Geografia. Por que, hoje em dia, não há mais somente a Geografia dos
professores, mas aquela que vincula a televisão, o cinema, os cartazes, os
jornais... Geografia em migalhas, confusa, misturada com tudo o que dizem
os mass-media, mas, de qualquer maneira, Geografia que, através da repetição
e da infinita diversidade de suas imagens-mensagens, oferece certa
representação do mundo atual. (LACOSTE, 1981, p. 231)
A disseminação dos saberes geográficos pode ser vista nas diferentes mídias.
Nunca houve tantas publicações envolvendo a descrição de paisagens e lugares que se
intitulam “publicações geográficas”. As imagens cartográficas proliferam-se nos mais
diferentes meios: jornais, revistas, televisão etc. Mapas rodoviários e turísticos são
amplamente disseminados e vendidos para os cidadãos. Almanaques e enciclopédias estão
cada vez mais presentes na vida cotidiana, inclusive, agora, através da Internet ou dos
programas de multimídia. Na Televisão, verifica-se a existência de programas destinados
a explorar características específicas do espaço geográfico, fazendo um levantamento de
tudo o que consideram com sendo “a Geografia do lugar abordado”, que pode ser a
China, a savana africana, o deserto australiano, o Pólo Norte, ou a vida selvagem da
Amazônia. Existem, também, canais, através da TV por assinatura, que se dedicam
especialmente a essa temática.
Desse modo, pode-se observar o crescente interesse pela Geografia no âmbito da
mídia. Esse fato possibilita-nos as seguintes indagações: sobre qual geografia fala a mídia?
Que características ela tem? O que aborda e enfatiza?
Pereira (1995, p. 68) afirma que,
a popularidade da concepção de Geografia como a da descrição dos fenômenos
sobretudo físicos e paisagísticos, pode ser atestada pela proliferação de algumas
revistas, auto denominadas como “geográficas”, que apenas mostram paisagens
muito bem ilustradas que se prestariam a uma análise geográfica mais
aprofundada, mas que ali recebem um tratamento meramente descritivo.
Outras publicações, como, por exemplo, o Almanaque Abril, apresentam como
assuntos referentes à Geografia os itens ‘relevo, vegetação, clima, ecologia,
hidrografia, plataforma continental e ilhas oceânicas, e a presença brasileira
na Antártica.’ É a isso que se reduz a Geografia?
Podemos perceber que a mídia tem divulgado para amplas camadas da população
uma idéia de Geografia voltada essencialmente para a descrição, na qual se enfatizam os
aspectos físicos e os dados gerais da população. Para Pereira (1995, p. 68), isso cria “um
59
GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
imaginário muito mais popular do que se imagina, que considera geográficas as descrições
paisagísticas povoadas de vegetações, morros, rios, climas e eventualmente até algumas
populações exóticas (por serem típicas do lugar).”
Nessa perspectiva, Lacoste (1981) chama-nos a atenção para o fato de que, por
mais que a Geografia da mídia procure ser atraente para agradar ao público, ela apresenta
semelhanças marcantes com aquela Geografia tradicional, enciclopédica e cansativa
desenvolvida na escola, pelos professores. Para o autor, a Geografia da mídia é muito
parecida com a velha Geografia dos professores.
Aparentemente, esta geografia dos media, que recorre a meios variados para
agradar, comover ou surpreender, apresenta-se de modo muito diferente da
geografia dos professores, de didatismo freqüentemente cansativo. De fato,
porém, elas são mais semelhantes do que parecem: certas associações de idéias,
certos tipos de raciocínios estabelecidos duravelmente na idade escolar,
reaparecem na abordagem do cineasta ou do jornalista, e esses clichês são
reforçados pela ação dos media. Nunca se venderam tanto quanto hoje
enciclopédias geográficas, embora elas difiram pouco dos manuais escolares
modernos... (LACOSTE, 1981, p. 232)
Nunca a demanda foi tão grande pelo saber geográfico sobre o mundo presentes
em livros, revistas, filmes, CDs. As publicações destinadas ao turismo merecem uma
atenção especial na atualidade. Nos jornais, é cada vez mais freqüente a presença dos
chamados cadernos de turismo. Na televisão, são bastante comuns os programas destinados
a apresentar um lugar, enfatizando, particularmente, o seu interesse turístico, a chamada
potencialidade turística. Existe um grande número de publicações de revistas com o enfoque
para o turismo. Nelas, as belas paisagens, o conhecimento da particularidade da vida
local, os pontos turísticos, os fatos exóticos dos lugares são amplamente explorados, por
meio de textos e imagens que procuram fazer uma descrição pormenorizada do que o
lugar-retrato tem a oferecer ao turista, um “inventário geográfico” do lugar. Esse inventário
segue um receituário simples, é preciso mostrar o belo, o espetacular, o que chama a
atenção do leitor, utilizando-se das regras do espetáculo que, por sua vez, é marca das
produções midiáticas, de um modo geral.
As produções midiáticas para o turismo nos levam à discussão do que se tem
chamado, no âmbito da Geografia, de consumo do espaço. Vende-se a aspiração, a busca
idealizada de espaços para o lazer, espaços visuais, enfim, espaços de desejo. Essa idéia
é fomentada por um volumoso esquema de marketing voltado para o mercado de massa,
que promove o consumo dos lugares de praia, de montanha, de lugares ecológicos, de
lugares do mundo rural. Para Lacoste (1981, p. 232), “a ideologia dos lazeres (turismo,
esportes de inverno, mar, montanha) faz da Geografia preocupação de conhecimento dos
diferentes aspectos do mundo, uma das mais importantes formas do fenômeno de consumo
de massa.”
60
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
Carlos (1999) mostra-nos que as estratégias de marketing criam representações
que chegam a ser, literalmente, sem sentido, no afã de promover o consumo de determinados
lugares. A autora cita um exemplo curioso,
O ano novo em Time Square, Nova York, é o exemplo mais claro do poder da
mídia em fabricar representações; mas aqui ela vai mais longe, pois consegue
vender “o nada”. Por volta das 10 horas do dia 31 de dezembro, a massa de
quase um milhão de pessoas começa a se acotovelar nas avenidas Sétima e
Oitava – em áreas pré determinadas pela polícia de Nova York, que coloca
cavaletes para sinalizar as áreas que podem ser ocupadas que desembocam
em Times Square, depois da festa. Nesta praça, apertada e de tamanho
insignificante, há uma bola e um locutor que vai anunciando os minutos que
faltam para o ano novo. O interessante é que não se vê absolutamente nada: a
multidão e o espaço exíguo não permitem. Também não há muito que se ver,
é só saber que se está num lugar em que a mídia define como “o lugar” para se
estar na noite do dia 31 de dezembro em Nova York. (CARLOS, 1999, p. 69)
A mídia impressa e televisiva divulga para o público os detalhes do evento,
enfatizando o quanto é marcante. É preciso mostrar o espetáculo, descrever a sua força,
gerar audiência. O marketing, por sua vez, também confere um sentido especial à
experiência de estar na Time Square, na passagem de ano, que tem pouca relação com o
prazer de estar e vivenciar o espaço. O sentido está na força do espetáculo, no
direcionamento dado pela mídia sobre quais espaços é preciso conhecer e que experiências
vivenciar. Esse exemplo revela-nos a que ponto chega a poderosa mídia para produzir
espaço-mercadoria e mobilizar milhões de turistas de todo o mundo. Situação semelhante
acontece nas praias mais badaladas do litoral brasileiro que reúne um enorme contingente
de pessoas para ver o espetáculo de fogos, que duram em média de cinco a quinze minutos.
A Geografia, na mídia, torna-se espetáculo. A representação das paisagens serve
não apenas para vender revistas, livros, jornais, cartões postais e lugares de lazer, mas
também automóveis, cigarros, refrigerantes e inúmeros outros produtos. Essa Geografia,
amplamente disseminada pela mídia por meio de imagens, textos e peças publicitárias,
serve a um mercado com propósitos definidos e atinge toda a humanidade, uma humanidade
que vive em uma época na qual se tem pressa para pensar, ler, ver e consumir. Como
atesta Lacoste (1981, p. 232), “esta impregnação da cultura social pelas imagens e pelos
elementos cada vez mais numerosos de um saber geográfico é, historicamente, um fenômeno
novo”.
A mídia tem um papel socializador dos mais importantes na formação dos sujeitos.
Deste modo, por mais que se possa criticar a maneira como as mídias fazem a apropriação
do saber geográfico, o caráter mercadológico e a tendência de criação de espetáculo,
presentes nas manifestações midiáticas, não é possível desconsiderar que ela também
pode desenvolver o gosto pela Geografia e pela construção de conhecimentos sobre o
61
GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
espaço geográfico. Nessa perspectiva, Milton Santos (2000), pensando na maneira como
a mídia apresenta o mundo para o cidadão, argumenta que
a informação mundializada permite a visão, mesmo em flashes, de ocorrências
distantes. O conhecimento dos outros lugares, mesmo superficial e incompleto,
aguça a curiosidade. Ele é certamente um subproduto de uma informação geral
enviesada, mas, se for ajudado por um conhecimento sistêmico do acontecer global,
autoriza a visão da história como uma situação e um processo, ambos críticos.
(SANTOS, 2000, p.166)
Tirar proveito, de maneira crítica, da relação da mídia com o saber geográfico,
dos inúmeros materiais que estão em circulação e que mostram, mesmo que de maneira
pouco aprofundada, o espaço mundial é uma tarefa das mais importantes para o ensino
de Geografia e imprescindível ao professor que trabalha em um contexto marcado pelo
peso da mídia na vida cotidiana. Nesse contexto, é possível visualizar a contribuição do
professor de Geografia: trabalhando com materiais produzidos pela mídia, esse profissional
poderá contribuir para a formação de sujeitos que compreendam os mecanismos que
fazem funcionar determinados processos de significação no contexto atual, caracterizado
pela intensa circulação de sentidos.
Quando nos propomos a pensar a relação entre a mídia e as práticas educativas
escolares, é de fundamental importância adotarmos uma postura crítica que considere as
brechas para a ação e intervenção dos sujeitos. Para isso, é preciso compreender as redes
de discursos que circulam na mídia numa perspectiva por meio da qual os enunciadores
(aqueles que fazem circular determinadas idéias e concepções de mundo) não são totalmente
hegemônicos e nem os receptores/enunciatários (aqueles que as recebem, interpretam,
concordam ou discordam), totalmente passivos. Segundo Castells (1999, p. 498) rede é
“um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta.
Concretamente, o que o nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos”. Quando
pensamos no funcionamento discursivo da mídia e nas redes de discursos que aí se
constituem, verificamos que seus nós possuem significados próprios, que precisam ser
identificados e compreendidos na escola.
Analisar uma determinada rede discursiva implica subverter um esquema
explicativo amplamente utilizado nos setores educacionais e na área de comunicação,
para analisar e pesquisar o alcance e o poder da mídia. Como nos lembra França (2002,
p. 60), “a comunicação veio sendo estudada e compreendida de forma quase hegemônica,
não como rede, mas como vetor; como um fluxo linear de informações entre um emissor
(E) e um receptor (R”).
As experiências culturais e a maneira como a mídia se apresenta, neste início de
século, criam a necessidade de uma maior complexidade no tratamento do processo de
62
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
comunicação. Nessa perspectiva, a Análise do Discurso, opção teórica que adotamos
nesta pesquisa, questiona as concepções que entendem a comunicação como um processo
linear em que existe um emissor forte e um receptor fraco e passivo. Essa crítica permitenos remeter a análise feita pela Escola de Frankfurt (notadamente por T. Adorno e M.
Horkheimer)2 sobre o poder da indústria cultural e por J. Baudrillard3 sobre a “sociedade
da simulação ou do simulacro”, que mediante abordagens diferentes sobre os contrapontos
entre os produtos culturais de massa e os consumidores de bens simbólicos, apresentam
em comum o fato de reduzir os homens à condição de receptores passivos frente a um
mundo dominado por uma poderosa mídia. Para França (2002, p. 61), “do ponto de vista
da comunicação trata-se do mesmo esquema: um emissor (dominador e todo poderoso)
produzindo mensagens para um receptor (dominado, passivo”).
Consideramos que a situação atual, em que o processo de globalização atinge a
vida cotidiana do cidadão e que a comunicação tem se tornado um novo credo, exige
explicações mais complexas sobre as relações entre os sujeitos e os sentidos que a mídia
produz e põe em circulação. Assim,
à luz das Teorias do Discurso, não se compreende a mídia, qualquer que seja
a tecnologia adotada, como um “veículo”, pelo simples fato de que a
transmissão de informação não é senão uma das funções da linguagem e que,
quando esta se dá, não se trata de um mero transporte, mas de uma elaboração
conjunta dos participantes do ato de comunicação. (...) Na realidade, tem-se
um circuito de interatividade em que não deixa de pesar, necessariamente, o
jogo de forças a que estiveram submetidos os participantes do evento
enunciativo que se desenrola. (MOSCA, 2002, p, 14)
A imensa circulação de sentidos promovida pelos meios de comunicação não
pode ser comparada a de nenhuma outra época da história humana. Viver e desenvolverse neste contexto sócio-cultural tem apresentado aos cidadãos questões desafiadoras,
abrangendo e impondo novas urgências e posturas. Verificamos, também, que o trabalho
da escola em torno da produção de sentidos sobre a complexidade do mundo e o turbilhão
2
Os trabalhos teóricos desenvolvidos por esses autores influenciaram um número expressivo de estudos no
campo da comunicação. Em linhas gerais, esses trabalhos analisam a atuação dos meios de comunicação de
massa como forma mercadológica e industrializada de produção cultural. Adorno e Horckheimer, ao elaborar o
conceito de “indústria cultural”, procuraram ressaltar as fortes ligações existentes entre a produção material e a
produção simbólica, além de mostrar que a cultura de massas tem uma história fortemente ligada à indústria e à
constituição da sociedade de consumo. Assim, todo o aparato de produção cultural e a razão instrumental são
usados para retificar os homens que ficariam à margem de um processo de esclarecimento e de emancipação.
3
Jean Baudrillard “nos fala da criação, em nossa cultura, de uma espetacularização do cotidiano, operada pelas
imagens da mídia, com a conseqüente produção de uma hiper-realidade sem sentido, diferente da concreta, que
estaria sendo transformada em algo banal. As massas, segundo esse autor, repeliram o sentido, se ligariam
irremediavelmente ao espetáculo e seriam indiferentes a qualquer processo de conscientização”. (FICHER,
1996, p. 16)
63
GUIMARÃES, I.
ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO...
de imagens e textos que circulam por intermédio de diferentes suportes midiáticos, tem se
tornado uma tarefa desafiadora. Para Perrenoud (2001, p. 73), “muitas vezes, a escola
caracteriza-se por uma aceleração constante. Em geral, não há tempo para questionar
tudo o que está sendo feito, para construir sentido, ou isso só acontece quando não há
outro remédio, quando a crise ameaça ou eclode”. Diante desse quadro, devemos refletir
sobre o sentido dos saberes, da experiência escolar e da aprendizagem para os alunos.
Se observarmos a maneira como os meios de comunicação e informação foram
tradicionalmente tratados no âmbito da escola, e pelos especialistas da educação, já é
possível perceber uma mudança significativa de enfoque. De uma abordagem marcada
pela resistência à mídia e de caráter moralista, passou-se para uma abordagem mais
aberta. Pode-se verificar, hoje, certo consenso no contexto educacional de que a escola
não se pode furtar da análise e do uso das produções midiáticas no processo de
aprendizagem. Para Belloni (2002, p. 34),
educar para a mídia define bem uma nova necessidade de ensinar os meios, fazer deles
objetos de estudo e, ao mesmo tempo, instrumentos de comunicação e educação. Essa
dupla dimensão da apropriação de qualquer “tecnologia da mente” – objeto de estudo
e ferramenta pedagógica a serviço de uma pedagogia renovada – é indispensável e
parte integrante da formação para a cidadania e, portanto, dever da instituição escolar.
Entretanto é preciso reconhecer os enormes desafios que essa tarefa implica para a
escola desarmada, empobrecida e com poder simbólico e material cada vez mais reduzidos
que temos hoje no sistema público de educação em nosso país. Os próprios Parâmetros
Nacionais Curriculares elaborados pelo Ministério da Educação fazem o diagnóstico de
que, na perspectiva dos jovens que freqüentam a escola,
o conhecimento escolar – salvo as habilidades de expressão oral, leitura, escrita
e cálculo – em si parece sem função: nem prepara para o mercado de trabalho,
nem auxilia a compreender o mundo. O saber difundido na escola, em geral, é
visto como um amontoado de conteúdos, com pouca relação com a realidade
em que vivem, não despertando interesse, nem oferecendo referências culturais.
Uma vez que o conhecimento escolar não ajuda a compreender o mundo, o
sentido do estudo encontra-se apenas na continuidade dos estudos, tendo em
vista a obtenção do diploma (que nem sempre é alcançada). (BRASIL, 1998,
p. 124)
De maneira geral, os jovens, que vivenciam os atuais desafios da sociedade,
desejam uma nova escola. Uma escola menos maçante e mais aberta ao que efetivamente
motiva e inspira a juventude hoje. Para Perrenoud (2001, p. 34), sem conflitos não há
aprendizagem, e a escola está predestinada “a viver com conflitos de valores, de métodos,
de teorias, de relação com o saber, de poder. Ela trabalha para superar todos eles, sabendo,
porém, que surgirão outros [...]”
64
Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007
Considerações finais
Em meio à crise vivenciada na escola, parece-nos fundamental a valorização de
um trabalho pedagógico que possibilite a construção de sentidos e que garanta espaçotempo para o exercício da reflexão, dando prioridade ao sentido em vez da progressão
acelerada dos programas das disciplinas. Isso exige investimento na escola e novas
perspectivas para a carreira, o processo de formação e a prática docente. Para além de
qualquer otimismo em torno da sociedade técnico-científica e informacional, é preciso
considerar os enormes limites materiais e simbólicos da escola em explorar e tratar
devidamente a produção de sentidos da mídia. Não podemos, contudo, diante desse contexto,
assumir uma crítica comodista, como se não pudesse existir nada de diferente nas
experiências escolares dos alunos. Acreditar no ideal da construção de uma escola atuante
e crítica significa não recuar diante da tarefa de pensar em projetos e desejos. Segundo
Sacristán (2002, p. 9), “a utopia continua dando sentido à vida e à educação, e a partir
dela dotamos de sentido e avaliamos o mundo que nos rodeia”.
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Recebido para publicação dia 10 de Abril de 2007
Aceito para publicação dia 16 de Junho de 2007
66
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA
ERA DAS
TECNOLOGIAS
INFORMACIONAIS*
SPATIAL THINKING IN THE AGE
OF INFORMATIONAL
TECHNOLOGIES
EL RACIOCINIO ESPACIAL EN LA
ERA DE LAS TECNOLOGÍAS
INFORMACIONALES
VALDENILDO PEDRO DA
SILVA
Professor do Departamento de
Recursos Naturais do Centro
Federal de Educação
Tecnológica do Rio Grande do
Norte e do Programa de
Pós-Graduação em Geografia
da UFRN
Av. Senador Salgado Filho,
1559, Tirol
CEP 59015-000, Natal, RN
[email protected]
* Este texto constitui parte
modificada da tese de doutoramento,
desenvolvida na Pós-Graduação em
Geografia da UFRJ, sob a orientação
do Profº. Dr. Cláudio A. G. Egler.
Terra Livre
Resumo: No mundo contemporâneo, ou, mais precisamente, nesta
era da informação instantânea e simultânea, o raciocínio geográfico
tem se destacado e, simultaneamente, se alterado por meio de novos
aspectos sociais e tecnológicos. O presente estudo foi realizado com
dezenove docentes integrantes de vários cursos de formação de
professor de geografia de instituições públicas e privadas de diversas
regiões do Brasil. Esses docentes têm utilizado as novas tecnologias
no ensino de Geografia, seja pesquisando e/ou produzindo trabalhos.
Diante disso, perseguimos o estudo na busca de se responder a
seguinte indagação: em que medida a utilização das novas tecnologias
favorece o raciocínio espacial? As tecnologias atuais, como veículos
de informações, não têm a finalidade de desenvolver o “saber pensar
o espaço” ou de realizar o “raciocínio espacial”, mas mesmo sem
essa finalidade as pessoas aprendem geografia, pensam com a
presença dessas tecnologias. O ensino de Geografia contribuiu para
a formação de diversas pessoas por meio do desenvolvimento do
raciocínio espacial realizado em duas diferentes escalas, do local ao
global, mostrando articulações entre os diversos níveis de abstração,
desde o espaço do trabalho até sua inserção em uma sociedade que
se internacionaliza de maneira acelerada.
Palavras chave: Raciocínio espacial; Novas tecnologias; Ensino de
Geografia.
Abstract: In the contemporary world, characterized by instantaneous
and simultaneous information, the geographic thought has been
modified by new social and technological aspects. This paper deals
with a research carried out with nineteen teachers who took part in
various teachers’ formation courses in different public and private
institutions throughout Brazil. These teachers have been using these
new technologies in their teaching practice. The objective of this study
was to answer the following question: How does the use of new
technologies help thinking about space? The contemporary media
technologies, as a means of information, do not have the intention to
develop a way of “knowing how to think about space” or to help
“spatial thinking”, although even without this goal people still learn
geography and think with these technologies in mind. The teaching
of geography has contributed to the formation of many people by
means of developing spatial thinking accomplished in two different
scales, from local to global, showing links among the different levels
of abstraction, from the work space up to its insertion into a society
which internationalizes itself quickly.
Keywords: Spatial thinking; New technologies; Geography education.
Resumen: En el mundo contemporáneo o más precisamente, en esta
era de la información instantánea y simultánea, el raciocinio geográfico
se destaca y en forma paralela se altera por medio de los nuevos
aspectos sociales y tecnológicos. El presente estudio ha sido realizado
con diecinueve docentes integrantes de varios cursos de formación
de profesor de geografía pertenecientes a instituciones públicas y
particulares de diversas regiones de Brasil. Estos docentes han
utilizado las nuevas tecnologías en la enseñanza de la geografía, sea
investigando y/o produciendo trabajos. Ante ello, realizamos este
estudio buscando responder a la siguiente pregunta: ¿en qué medida
la utilización de las nuevas tecnologías favorece al raciocinio espacial?
Las tecnologías actuales, como vehículos de información, no tienen
la finalidad de desarrollar el “saber pensar el espacio” o de realizar el
“raciocinio espacial”, mas incluso sin esta finalidad las personas
aprenden geografía, piensan ante la presencia de estas tecnologías.
La enseñanza de la geografía ha contribuido a la formación de diversas
personas por medio del desarrollo del raciocinio espacial realizado
en dos diferentes escalas, del local al global, mostrando articulaciones
entre los diversos niveles de abstracción, desde el espacio del trabajo
hasta su inserción en una sociedad que se internacionaliza de manera
acelerada.
Palabras clave: Raciocinio espacial; Nuevas tecnologías; Enseñanza
de la Geografía.
Presidente Prudente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 67-90
Jan-Jun/2007
67
SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
Introdução
O trabalho em questão foi produzido no cerne das contradições que permeiam a
Geografia contemporânea. E uma das dimensões que vêm afetando essa ciência e disciplina
tem sido a atual aceleração do mundo, resultante de transformações técnico-científicas
recentes, e que vem suscitando novas discussões, as quais, direta e indiretamente, estão
relacionadas à Ciência Geográfica e, por conseguinte, ao ensino e o raciocínio geográfico.
Nesta contemporaneidade temos cada vez mais nos deparado não somente com uma
geografia dos professores, mas também com uma geografia veiculada pela televisão, pelo
cinema, pelo computador e pela Internet... Uma “Geografia em migalhas”, que não pode
ser descurada por nós, geógrafos-educadores, como nos tem alertado Lacoste (1974).
Para ele, “a geografia dos mass media manifesta e constrói, por uma sucessão de imagens,
raciocínios que, por não serem explícitos, nem por isso deixam de ser poderosamente
sugeridos” (LACOSTE, 1974, p. 232)..
Hoje sabemos que uma das tendências da humanidade está voltada para a criação
de objetos técnicos, cada vez mais complexos, que permitem transcender os limites do
corpo e da mente humana, desde as pedras, as facas do paleolítico até a Internet no
presente século. Entre todas essas tecnologias, merecem particular atenção aquelas que
propiciam a representação e a transmissão da informação e, por esse motivo, interpelam
diretamente a mente humana e o raciocínio, como, por exemplo, as inscrições monumentais
dos sumérios (na antigüidade) e as mensagens do correio eletrônico (na modernidade).
No mundo contemporâneo, ou, mais precisamente, nesta era da informação
instantânea e simultânea, o raciocínio geográfico tem se revalorizado e, simultaneamente,
se alterado por meio de novos aspectos sociais e tecnológicos. É por esse motivo que no
centro de nossas atuais preocupações encontram-se as relações — interfaces — entre as
novas tecnologias e o raciocínio espacial. Mas em que consiste essa relação? E quais são
as possibilidades e limites dessa interface? Para responder a esses questionamentos,
inquirimos dezenove professores de diversas instituições de ensino superior do Brasil e
que atuam na área de geografia com diferentes disciplinas em cursos de formação de
professor de geografia1 .
De antemão, sabemos que as novas tecnologias vêm exercendo uma certa influência
sobre a vida social, quer em condições mais simples quer nas mais complexas, em
1
Perseguindo princípios qualitativos, ou, mais precisamente, o princípio da intencionalidade ou da
representatividade qualitativa (THIOLLENT, 1994, p. 62), foram inquiridos – por meio da Internet – 19
docentes integrantes de vários cursos de formação de professor de geografia de instituições públicas e privadas
de diversas regiões do País. Esses professores sistematicamente têm utilizado as novas tecnologias e/ou
pesquisado e produzido trabalhos a respeito delas no ensino de geografia. Na análise em tela, os instrumentais
de investigação foram organizados numa ordem numérica por meio da seqüência dos algarismos arábicos (1,
2, 3...), como forma de preservar o anonimato dos pontos de vista e das opiniões dos sujeitos deste estudo.
68
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
praticamente todas as dimensões socioespaciais da humanidade. Elas vêm reinando e são
hegemônicas nesse período tecnológico atual por meio de características como a
interatividade e a conectividade (em rede) e envolvem cada vez mais pessoas e territórios
humanos. Hoje, conectar-se é sinônimo de interagir e compartilhar no coletivo. Significa,
também, saber onde acessar bases de dados on-line (em tempo real), obter informações
geográficas onde quer que elas estejam e em qualquer momento e contactar com pessoas
que se encontram em outras paragens, por exemplo. Enfim, é saber como buscar
informações que se transformarão, em seguida, em conhecimentos geográficos.
Neste período de aceleração contemporânea, aprende-se cada vez mais geografia
com o uso das técnicas deste tempo. Pode ser que seja uma geografia fragmentada, do
senso comum, descontextualizada ou sem caráter científico, e que só terá significatividade
social quando submetida à crítica, à reflexão. Mas é verdade que, na atualidade, estamos
cada vez mais diante de milhares de páginas on-line de geografia à nossa disposição;
muitas dessas páginas são gratuitas e nos oferecem mapas, imagens espaciais, textos e
hipertextos geográficos. Por exemplo, quando estávamos refletindo sobre as idéias a serem
postas neste estudo, fizemos uma pausa e acessando o Google2 encontramos 54.300 sites
com temáticas que versam sobre “Novas Tecnologias e Geografia”. Depois disso, fizemos
uma outra entrada sob o título “Novas Tecnologias e Ensino de Geografia” e a resposta
foi a existência de 35.800 sites possíveis de acesso a informações relacionadas com o
tema em foco. Além desse sistema técnico que abre possibilidades de acesso à informação
geográfica, temos a televisão que cada vez mais tem veiculado som, imagem e texto em
tempo real e que vem sendo utilizada para desenvolver o pensar, o aprender e o ensinar
geográficos. Mas é verdade, também, que existem muitos limites para o acesso às
informações disponíveis nesta era informacional. E essas limitações perpassam por questões
de ordem socioeconômica, técnica e cultural, além de questões didáticas, pois muitos
espaços educacionais estão distantes do acesso às técnicas informacionais.
Na atualidade, cada vez mais, o número de atividades socioespaciais que não estão
relacionadas de alguma forma com as novas tecnologias – principalmente com a televisão,
o computador e a Internet, em situações convergentes – e/ou com outros avanços
tecnológicos é menor. Com a geografia e a sua finalidade precípua, que é a de desenvolver
o raciocínio espacial, não tem sido diferente, pois os novos avanços tecnológicos vêm
redimensionando o tratamento da informação geográfica, a interpretação e a produção
desse conhecimento, ampliando o leque de possibilidades ou de integração entre o saber
geográfico e as novas tecnologias:
Desde buscar la incorporación de un recurso de apoyo/complemento a la
2
O Google usa técnicas sofisticadas de identificação exata de textos para encontrar páginas que sejam tanto
importantes como relevantes para uma determinada consulta. http://www.google.com.br.
69
SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
formación presencial que tiene lugar en la aula, hasta su utilización para impartir
formación exclusivamente on-line (e-learning), passando por la opción
intermedia de la formación semipresencial o mista (ÁLVAREZ; GONZÁLEZ,
2003, p. 198).
Como enfatizou Oliveira (2003, p. 139-0), ao resenhar o livro “O ensino da geografia
diante das novas demandas sociais”, as novas tecnologias vêm adquirindo algumas
dimensões importantes para o ensino, que são a de intercambiar e trocar informações e
materiais de modo ágil e eficaz, o que facilita a interação professor-aluno e aluno-aluno;
além de melhorar os processos de ensino e aprendizagem, devido à mediação que as
tecnologias proporcionam na construção do conhecimento, gerando novas possibilidades
de interação com outras linguagens.
A respeito disso, Callai (2001, p. 16) assevera-nos que “outras leituras para o
ensino da Geografia despertam-nos variadas interpretações, e dizem respeito inclusive à
possibilidade de novos instrumentais para fazer a leitura do espaço”. Essa autora nos faz
ver que ler o espaço é um dos nossos principais objetivos. E ao fazer isso, estamos realizando
a análise geográfica, que nada mais é que o pensar o espaço geográfico em que se vive de
maneira relacional com outros espaços, ou seja, significa desenvolver raciocínios
geográficos. Aliando-se a esse contexto, pensamos aqui numa outra forma de linguagem
que vem do campo da cultura humana ou dos caminhos da arte. Ciência e arte se confluindo
e abrindo-se a várias outras interpretações. Pode-se dizer que a tecnologia está se
relacionando com a arte e possibilitando outras interpretações ou estimulando outros
raciocínios espaciais. Vejamos aqui um pouco dessa relação, tomando por base a canção
Parabolicamará de Gilberto Gil (1994).
Antes mundo era pequeno
Porque terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Por que terra é pequena
Do tamanho da antena parabolicamará
Ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará
Antes longe era distante
Perto só quando dava
Quando muito ali defronte
E o horizonte acabava
Hoje lá atrás dos montes
Dende casa, camará
Ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
De avião o tempo de uma saudade
Pela onda luminosa
70
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
Leva o tempo de um raio
Tempo que levava Rosa
Pra arrumar o balaio
Quando sentia que o balaio ia
Escorregar, ê, volta do mundo, camará
Ê, mundo dá volta, camará
Animados com essa canção, podemos dizer que ela expressa o alongamento e a tão
decantada compressão do tempo-espaço que ora vivenciamos e que resulta da difusão da
inovação tecnológica atual, além do que pode evidenciar algumas relações entre técnicas
e arte nesta era contemporânea e de amplo predomínio de novas tecnologias informacionais.
Por meio dessa música, podemos, sobretudo, apreender as relações entre as novas
tecnologias e o desenvolvimento da análise geográfica, bem como desenvolver uma leitura
do mundo atual utilizando outros tipos de linguagem.
Com as novas tecnologias – pensemos, por exemplo, no uso da Internet, nos sistemas
de informação geográfica, na televisão e nos demais multimídias – teremos muito a colaborar
no desenvolvimento da qualidade da aprendizagem de conhecimentos geográficos. Essas
tecnologias, se usadas adequadamente e com inteligência, têm grande potencial para
contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento humano. Com elas se
podem criar, a partir da integração de sistemas clássicos, condições novas de tratamento,
de transmissão de acesso e de uso das informações transmitidas até o momento
contemporâneo pelos suportes clássicos da escrita, das imagens, do som ou da fala. E,
como dizem os autores Cesar Coll e Eduardo Martí (2004), essas condições conferem às
novas tecnologias características específicas, especialmente como a de mediadoras do
funcionamento psicológico das pessoas que as utilizam.
Em certa medida, essas tecnologias contribuem para alterar as maneiras de se
relacionar, representar e apreender o conhecimento do espaço geográfico, pois elas estão
presentes com maior intensidade no nosso cotidiano. Elas têm propiciado um certo
encantamento, em virtude dos meios de simulações e animações impregnadas, que às
vezes servem para ocultar os seus desafios ou as suas limitações, o que, a nosso ver,
constitui um problema fundamental.
No entanto, não temos dúvidas de que as novas tecnologias se constituem, hoje,
grandes mediadoras entre nós e as realidades geográficas. Nosso conhecimento do mundo,
desde as situações que povoam nosso dia-a-dia até aquelas que se dão a quilômetro de
distância de nós, está mediado por esses meios. Por isso, ao tratarmos de mediação,
consideramos fundamental falar um pouco da questão do conhecimento, pois como já
afirmamos, não há conhecimento, nem mesmo no âmbito da Geografia, sem mediação. Ou
seja, em certa medida é possível se ter novas interfaces entre as novas técnicas e tecnologias
com o pensar, fazer e ensinar geográficos neste mundo atual de preponderância da
informação. Mas é verdade, também, que isso não se constitui num mérito exclusivo das
71
SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
técnicas e/ou tecnologias desse contexto atual. As técnicas modernas, consideradas em um
sentido abrangente, sempre estiveram presentes e se constituem centralidade no
conhecimento espacial. Elas são, no dizer de Santos (1996), um conjunto de meios
instrumentais e sociais, por meio do qual o homem constrói e pode analisar o seu espaço
vivencial e pode analisá-lo. Para alguns autores, como Lacoste (1989), as tecnologias
modernas têm possibilitado, estimulado e contribuído, no decorrer dos últimos tempos,
para o desenvolvimento do raciocínio geográfico ou espacial. No entanto, convém ressaltar
que “conocer el software o los componentes del ordenador no nos garatizan que sea efectiva
la comprensión geográfica [...] Es necesario ir más allá y aplicar estos conocimientos
adecuadamente” (TORRES, 2003, p. 141).
Novas tecnologias e raciocínio espacial: mas o que isso tem a ver?
As recentes tecnologias vêm dinamizando os processos de aprender e ensinar
Geografia em face dos atuais mecanismos de facilidade, velocidade, instantaneidade e
simultaneidade que estão encarnados nas tecnologias da informação e comunicação, ou
simplesmente nas novas tecnologias, como são comumente conhecidas.
O mundo contemporâneo tem sido marcado pela aceleração espaço-temporal, pela
onipresença da informação em dimensões globais e que vem afetando sobremaneira os
modos de pensar sobre o mundo atual. E o raciocínio geográfico? Como ele vem
acontecendo? A priori, podemos dizer que o raciocínio geográfico ou espacial ocorre numa
situação complexa que envolve não somente a presença de técnicas e tecnologias, mas
uma articulação teórico-metodológica. Em outras palavras:
Considero que a formação do profissional de Geografia exige que ele aprenda
a desenvolver raciocínios espaciais para dar conta de aprender a fazer a análise
geográfica. E nesta perspectiva o importante é construir um referencial teórico
e metodológico para saber fazer a análise geográfica. É nisto que deve estar a
preocupação central. O instrumental tecnológico apenas potencializa as
possibilidades de aprendizagem, mas não a garantem sozinho (depoimento do
professor n. 10).
Nesse sentido, é um equívoco pensar que o uso das novas tecnologias por si só
contribua para o desenvolvimento do pensamento geográfico. Sabemos que o raciocínio
espacial não resulta tão-somente da presença das técnicas e, em especial, das novas
tecnologias no âmbito do ensino e na pesquisa geográfica. Para que o “saber pensar o
espaço geográfico” seja efetivado é necessário que se considerem as categorias e os
conceitos científicos básicos à construção do conhecimento e do raciocínio geográficos. É
importante, sobretudo, que contemplemos os conceitos e as diversas categorias geográficas
existentes, como, por exemplo, os conceitos fundantes de lugar, região, território, paisagem,
72
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
espaço, redes, escalas geográficas..., além de categorias como tempo, distância, localizaçãodistribuição, seletividade, conectividade, acessibilidade etc. Cabe ressaltar que, na
atualidade, essas categorias e conceitos geográficos têm assumido cada vez mais novas
dimensões e significados para a construção do conhecimento geográfico. Como afirmam
Silva e Ferreira (2000, p. 100),
A Educação Geográfica deve permitir aos alunos aprender a aplicar conceitos
(espaço, lugar, região, território, ambiente, localização, escala geográfica,
mobilidade, interação e movimento), levando ao desenvolvimento de um
conjunto de competências que lhes permitam saber observar e pensar o espaço
e serem capazes de actuar no meio.
Além disso, é fundamental que se conheça a epistemologia da ciência geográfica,
seus referenciais teórico-metodológicos importantes à decodificação da “análise dos espaços
[...] capazes de dar conta de interpretar a realidade da sociedade em que vivemos a partir
da análise espacial, quer dizer, com um olhar espacial” (CALLAI, 2003, p. 58). Segundo
Cavalcanti (2002), a formação do raciocínio espacial está além da simples localização do
espaço. Para ela, é fundamental que se entendam as determinações e implicações dessas
localizações, sendo necessário que se tenham referenciais teórico-metodológicos. Esses
são conceitos que permitem, no âmago da Geografia, localizar e dar significatividade aos
lugares, pensar nessa significação, já que propiciam a leitura do mundo do ponto de vista
geográfico.
Também estamos de acordo com o professor Milton Santos (1996, p. 61) quando
afirma que a Geografia necessita elaborar um sistema intelectual ou um pensamento
geográfico que permita, analiticamente, abordar as realidades geográficas por intermédio
de “um sistema de conceitos [...] que dê conta do todo e das partes em sua interação”. Para
esse autor, a Geografia, no período atual, tem como finalidade principal a análise do
“conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação que formam o espaço”
(SANTOS, 1996, p. 51). Como se pode perceber, o referido autor tem utilizado, no curso
dos últimos tempos, categorias analíticas universais para compreender a
multidimensionalidade do espaço geográfico ou a démarche geográfica. Vejamos que para
pensar sobre o espaço humano, o professor Milton Santos forjou as categorias de “objeto
e ação”, as quais têm se tornado orientadoras na análise geográfica atual, bem como se
desdobrado numa série de outras categorias e conceitos como forma-aparência, formaconteúdo, eventos, horizontalidade, verticalidade, dentre outros.
Por seu turno, Yves Lacoste já assinalava em seu A geografia, isso serve, em primeiro
lugar, para fazer a guerra, que o raciocínio geográfico deveria se basear em diversas
situações geográficas, considerando algumas categorias analíticas (1989). Para esse autor,
o raciocínio geográfico pauta-se principalmente no “saber pensar o espaço” e este ocorre
por intermédio dos usos de categorias científicas e de diferentes escalas geográficas –
73
SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
global, nacional, regional, local... – em que cada vez mais se tem o auxílio do progresso
científico-tecnológico de cada época, que vem desde as imagens de satélite até os
computadores e a Internet, por exemplo, na atualidade. Ainda segundo o autor em foco, os
progressos das ciências e das técnicas, mais recentemente, têm permitido levantar mais
informações dos fenômenos e mesmo de sua evolução em tempo real. Talvez seja por isso
que ele tenha dito que as recentes representações geográficas atingem um extraordinário
grau de precisão e de rapidez graças às novas técnicas implementadas e em implementação.
Casado (2003), em recente discussão sobre o ensino de geografia frente às novas
demandas sociais, relatou que
La Geografía tanto desde un punto de vista didáctico como investigador,
participa cada vez más de las innovaciones y avances tecnológicos (sitemas y
redes informáticos, teledetección, cartografía, sistemas de información
territorial, soporte vídeo, multimedia,...) medios que ofrecen unas oportunidades
enormes para conecer el território (CASADO, 2003, p. 68).
O que entendemos nós, quanto ao papel da Geografia e do seu ensino na sociedade
tecnológica atual? O que é importante e como fazer com o ensino da ciência geográfica,
nesse período de grande domínio (ou maîtrise, numa visão francesa) das novas tecnologias?
Segundo Pontuschka (apud CALLAI, 2003, p. 59-60),
A geografia assim como as demais ciências humanas e sociais têm na escola o
compromisso de contribuir para formar o homem inteiro, discurso lido em
muitos momentos mas muito difícil de realizar na prática do espaço social
denominado escola. [...] O conhecimento geográfico abre ao jovem a
possibilidade de pensar o homem por inteiro em sua dimensão humana, aberto
ao imprevisto, aberto ao novo com força ou poder para resistir na realidade da
qual é participante (mimeo, destaques da autora).
Por outro lado, Cavalcanti (1998, p. 25) pontua que,
Para cumprir os objetivos do ensino de Geografia, sintetizados na idéia de
desenvolvimento do raciocínio geográfico, é preciso que se selecionem e se
organizem os conteúdos que sejam significativos e socialmente relevantes. A
leitura do mundo do ponto de vista de sua espacialidade demanda a apropriação,
pelos alunos, de um conjunto de instrumentos conceituais de interpretação e
de questionamentos da realidade sócio-espacial (Destaque nosso).
Portanto, para que possamos ler a paisagem, ler o mundo atual em que vivemos, o
nosso espaço construído é fundamental que utilizemos os conceitos básicos da ciência
geográfica, os seus aportes teóricos e os instrumentais técnicos e sociais que a era da
informação está a nos oferecer. Eis uma atividade que devemos realizar fazendo uso da
técnica de nossa época. Por meio de imagens de satélites, da televisão, dos computadores
74
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
e da Internet conseguimos fazer um zoom da nossa realidade socioespacial, já que cada
vez mais estamos tendo possibilidades de manipular dados, informações e imagens
diversificadas e instantâneas no processo de conhecimento e análise do espaço geográfico.
Esse conjunto indissociável de fixos e fluxos, como propõe Santos (1996), está presente
em nossas vidas, em níveis distintos e em níveis multiescalares.
Atualmente, tornou-se cada vez mais possível acessar e ver informações sobre o
mundo em nossas casas, no trabalho e nos locais de estudo, por meio de imagens, sons e
escritos, numa situação de simultaneidade e instantaneidade em que os pontos mais
diminutos da nossa vida aparecem nas “novas telas” dessa era informacional. As “novas
telas” não apenas transmitem conteúdos e valores suscetíveis de incidir nos conhecimentos
e nas atividades individuais e coletivas, como também estão contribuindo para criar novas
relações socioespaciais tornando-se, no dizer de Coll e Martí (2004), potentes mediadoras
no processo de conhecimento e socialização contemporânea. Para esses autores, como
potentes mediadores semióticos, sua utilização modifica a maneira de memorizar, de
pensar, de raciocinar, de relacionar-se e também de aprender e ensinar. Na Geografia,
isso tem sido possível, pois cada vez mais as “novas telas” da era da informação oferecem
possibilidades de se visualizar as mais diversas realidades geográficas em situações
multiescalares.
Tendo em pauta esses considerandos, partimos do pressuposto de que no atual
contexto socioespacial, o desenvolvimento do pensamento e do raciocínio espaciais está
cada vez mais intermediado pelos novos meios e instrumentais técnicos da era
informacional. Hoje é possível aprender e ensinar com a tecnologia da informação e
comunicação. O que, a nosso ver, não equivale a uma alfabetização tecnológica, como já
nos referimos anteriormente, nem tampouco aprender e apreender a tecnologia em si
mesma, mas aprender e ensinar com a tecnologia da informação e comunicação como um
elemento ou um meio que visa facilitar o processo de conhecimento e aprendizagem
geográficos. Assim, pelo visto, um dos conceitos básicos para se pensar a relação entre
novas tecnologias e raciocínio espacial é o de mediação. Por meio deste, podemos trazer
à lume as possíveis interfaces existentes entre as novas tecnologias e o desenvolvimento
do pensamento e/ou do raciocínio espacial.
Para alguns autores – como, por exemplo, Vygotsky (1994)3 , Coll e Martí (2004),
Martín-Barbero (2003) – de áreas de conhecimentos distintas, os efeitos da interface e/ou
da mediação de instrumentos e signos na formação do pensamento e do conhecimento
humanos tornaram-se mais intensos. Num ponto de convergência, esses autores concordam
que as técnicas (expressão usada em um sentido amplo) ou as novas tecnologias constituem
importantes instrumentais mediadores nas relações sociais e entre o sujeito e o objeto de
conhecimento.
A mediação tem sido uma noção importante na teoria de Vygotsky, haja vista que
75
SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
esta é a ação em que “a relação do homem com o mundo não é uma ação direta, mas uma
relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito
e o mundo” em que vive (OLIVEIRA, 1993, p. 24). A respeito disso, as palavras de
Kenski (2003, p. 21) são esclarecedoras: “o homem transita culturalmente mediado pelas
tecnologias que lhe são contemporâneas. Elas transformam suas maneiras de pensar,
sentir, agir. Mudam também suas formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos”.
Laymert Santos, em sua obra Politizar as novas tecnologias, diz que a nossa experiência
no mundo atual é altamente mediada por novas tecnologias e que o ritmo dessa experiência
é cada vez mais modulado pela aceleração tecnológica (SANTOS, 2003).
Portanto, as novas tecnologias, como um produto social, vêm na atualidade
interagindo com todas as dimensões socioespaciais. A interface tecnológica atual é uma
realidade e, por conseguinte, constitui-se num mediador cognitivo. Essa mediação é criada
por meio de uma ação global com múltiplos agentes na manipulação da informação. Nos
dizeres de Lemos (2005, p. 4), “a evolução dos media digitais e das respectivas interfaces,
que vai proporcionar a febre da interatividade informática, pode nos ajudar a melhor
compreender a influência das novas tecnologias e a importância da noção de interatividade
para a ‘cibercultura contemporânea’4 ”. Ainda, segundo ele, com as novas tecnologias, o
imaginário é tomado por uma fascinação mágica, justamente por escapar de nossa escala
de compreensão espaço-temporal. Por isso o uso de metáforas como forma de interface.
O imaginário atual, aqui, como mediador entre o homem e a técnica. É a interface
que possibilita a interatividade entre as novas tecnologias e o raciocínio no momento da
construção do conhecimento (LEMOS, 2005). Assim sendo, podemos afirmar que essa é
uma palavra que tem se tornado de uso mais freqüente no curso dos últimos tempos. Ela
é hoje em dia uma palavra de ordem do mundo das novas tecnologias, transformando a
interação e a interatividade dos seres humanos e a própria construção do pensamento e do
conhecimento do homem.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Greenfield (1998), em seu livro O
3
Em sua obra A formação social da mente Vygotsky (1994) assinala que o uso de instrumentos e signos
compartilham de algumas carcaterísticas importantes, ou seja, ambos envolvem uma atividade mediada. Para
ele, os signos são orientados internamente, maneira de mobilizar a influência psicológica para o domínio do
próprio indivíduo; enquanto que os instrumentos são orientados externamente, visando ao domínio da natureza.
Por outro lado, salientamos que embora o autor mencionado tenha centrado seus esforços sobre o estudo da
criança, limitá-lo ao desenvolvimento infantil seria um enorme erro, pois seus estudos se dirigiam
fundamentalmente para o desvendar de processos humanos mais complexos (destaques nosso). Por seu turno,
Coll e Martí (2004) dizem que as NTIC não são o único nem serão os primeiros recursos semióticos criados
pelos homens, mas não há dúvida de que essas tecnologias vêm se constituindo mediadores e modificadores
na maneira de memorizar, de pensar, de relacionar-se e também de aprender. Para esses autores, as novas
tecnologias abrem novas e interessantes possibilidades de conhecimentos e de aprendizagem. Para MartínBarbero (2003, p..20 ), “a tecnologia é hoje o ‘grande mediador’ entre as pessoas e o mundo, quando o que a
tecnologia medeia hoje, de modo mais intenso e acelerado”.
4
O autor discute essa temática em sua tese de doutoramento, que versou sobre “cibercultura e sociabilidade”,
desenvolvida na Universidade de Sorbone/Paris, em 1995. Ele define o termo em destaque como sendo uma
simbiose entre a socialidade contemporânea e as novas tecnologias, construindo uma nova cultura que se
apropria da tecnologia e redunda num novo estilo de vida social deste período histórico atual (LEMOS, 2000).
76
Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
desenvolvimento do raciocínio na era eletrônica, procurou comparar as formas de
verbalização e identificar as interfaces que os atuais meios eletrônicos podem, ou não,
desenvolver nas mentes das pessoas em nível de formação e informação, tanto dentro
como fora dos ambientes educacionais. A autora tem por preocupação maior desvendar
as relações entre linguagem e pensamento, ou seja, a relação entre os meios eletrônicos e
o desenvolvimento do pensamento. Segundo a autora, se adequadamente bem utilizados,
os meios eletrônicos, sem exceção, podem mediar diversas oportunidades para a
aprendizagem e o desenvolvimento do raciocínio.
Lévy (1993), ao desenvolver uma ontologia da palavra interface, diz que ela possui
sempre pontas livres prontas a se enlaçar, ganchos próprios para se prender em módulos
sensoriais ou cognitivos. Cada vez mais, nesta época atual, pensar, aprender e conhecer
acontecem por meio da mediação técnica, que muitas vezes isso pode ocorrer dentro ou
fora das instâncias educacionais formais. Para ele, o que mais o seduz não é a possibilidade
de utilizar as novas tecnologias, – ou inteligentes como ele assim chama – para realizar
pesquisas, mas o seu interesse está em refletir no modo como o uso dessas tecnologias
transforma a própria maneira de pesquisar. O referido autor, ao invés de confinar a noção
de interface ao domínio da informática, trabalha na análise de todas as tecnologias
intelectuais, dizendo, por exemplo, que o livro – uma tecnologia de todos os tempos – que
seguramos em nossas mãos tem se constituído numa rede de interfaces. Ultimamente,
muitos analistas têm comentado que as novas tecnologias têm se tornado uma ferramenta
ou um meio pedagógico da moda e com um certo poder de persuasão e de contestação ao
mesmo tempo, uma vez que elas contêm e reforçam determinados tipos de informação,
modos de pensar e modos de perceber.
No entanto, Dieuzeide (1994) alerta-nos contra os modismos, lembrando que a
introdução de novas tecnologias no campo da educação e do ensino deve estar orientada
para uma melhoria da qualidade e da eficácia do sistema, priorizando os objetivos
educacionais, e não simplesmente as características técnicas, sem esquecer, entretanto, a
grande influência global destas “ferramentas intelectuais” na sociedade contemporânea:
“não é o objeto que conta, mas o poder que ele confere. A ferramenta está no centro da
história do homem desde suas origens. Relação circular no coração da pedagogia: o
homem fabrica a ferramenta e em retorno a ferramenta modela o homem” (DIEUZEIDE,
1994, p. 18, destaques do autor).
Marquès (2000, p. 240), ao estudar as funções e limitações das novas tecnologias,
adverte que
La incorporación de las TIC favorece procesos de reelaboración y apropiacón
crítica del conocimiento, en la línea de una construcción colaborativa del
conocimiento. Asimismo, el uso de las TIC hace que el profesorado sea más
receptivo a los cambios en la metodología y en el rol docente: orientación y
asesoramiento, dinamización de grupos, motivación de los estudiantes, diseño
77
SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
y gestión de entornos de aprendizaje, creación de recursos, evaluación
formativa, etc.
O uso das novas tecnologias no estudo do espaço geográfico pode ser um recurso
pedagógico fundamental para o desenvolvimento da análise geográfica. Ao longo dos
tempos, esse conhecimento tem se dado de qualquer forma por meio da interface (ou
Links) da técnica de cada época. Essa, compreendida com um complexo de materialidade
e intencionalidade, revela-se, assim, como mediação necessária na constituição do espaço
geográfico. Por meio da técnica, podemos dar conta, por um lado, do global que caracteriza
o mundo e, por outro lado, do local, do particular, ou seja, daquilo que existe realmente e
se materializa num dado ponto do Planeta. Dessa forma, fica claro que as realidades
geográficas não se explicam por si mesmas, mas somente no ínterim de uma lógica que
envolve as relações globais mediadas por objetos e sistemas técnicos (SANTOS, 1994).
Nesse sentido, podemos afirmar que a análise espacial tem sido conduzida através
da mediação entre diferentes códigos, partes diferentes de objetos reais, virtuais, de
simulações e especulações necessárias à correção de possíveis erros, construindo um novo
pensamento, um novo saber. Ao longo dos tempos, como dizem Garcia e López (2003, p.
210),
La Geografia, que tradicionalmente ha incorporado como recurso didáctico
aquellos instrumentos técnicos vigentes em cada época, desde el mapa y el
globo terráqueo, hasta el moderno ordenador, pasando por toda una serie de
herramientas visuales y audiovisuales, encuentra en Internet un apoyo de gran
valor educativo para la enseñanza de esta disciplina.
As reflexões de Martínez e Cano (2003, p. 238) sinalizam para a importância da
Internet no ensino e na aprendizagem da Geografia. Eles dizem que neste período da
sociedade do conhecimento é fundamental que se considere a principal ferramenta deste
novo milênio, a Internet, como um suporte didático. Esses autores listam uma série de
possibilidades dessa ferramenta, destacando-a principalmente como um meio de “búsqueda
de información sobre un contenido concreto y procesamiento de lo indagado”. Para eles,
as novas tecnologias oferecem importantes oportunidades para desenvolver as capacidades
de comunicação, análises, resolução de problemas, gestão e recuperação da informação.
Segundo Pilar Comes (2002, p. 50), em seu artigo Geografía escolar y tecnología
de la información y el conocimiento,
La geografía escolar es una de las disciplinas que mayores cambios tendrá que observar
para adaptarse a la sociedad red, de entornos multimedia, de multiidentidades, y de
realidades multiescalares del siglo XXI. Los profundos cambios en los entornos
sociales y tecnológicos afectan las representaciones sociales-espaciales de los alumnos,
así como al contenido de los programas de la geografía escolar, a las estrategias
didácticas, a la propia concepción y función del conocimiento escolar.
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Conforme as palavras de Callai (2003, p. 69), neste mundo atual, “para estudar a
geografia do mundo cada vez tem-se maior volume de conteúdos disponibilizados pelas
informações que são oferecidos nos livros didáticos, nos meios de comunicação, e cada
vez mais com maior intensidade, acessadas na Internet”.
Atualmente, “la tecnología no sólo debe ayudar al alumno a aprender, sino a
desarrollar un pensamiento crítico (análisis, evaluación y conexión) creativo (elaborar,
sintetizar e imaginar) y completo (deseñar, resolver y tomar decisiones)” sobre o espaço
geográfico, como pontuou Patiño (2003, p. 10). Esse autor diz que quando as novas
tecnologias são corretamente empregadas, estimulam a aprendizagem no ensino de
Geografia, podendo contribuir com a compreensão dos conceitos geográficos e, por
conseguinte, com o desenvolvimento do pensamento geográfico. Esse pensamento é
corroborado por George (1994, p. 10) quando nos afirma que a aceleração contemporânea
traz importantes efeitos à sociedade, e que não se trata apenas do surgimento de novos
métodos de conhecimento da diversidade global, mas de uma nova animação das relações
em todas as escalas, em que “cada elemento do puzzle mundial [é] de agora em diante,
atingido, se não animado, pelos efeitos e os contra-efeitos de relações a um só tempo
imediatas e planetárias”.
A escala geográfica em tempos de aceleração contemporânea
Atualmente, para que se possa desenvolver o raciocínio espacial é fundamental que
se contemple, também, a noção de escala geográfica, pois em virtude da aceleração
contemporânea, as informações e os conhecimentos têm se difundido mais intensamente,
contribuindo para que se alterem as escalas de análise e de atuação dos eventos e fenômenos
geográficos. Capel (2004, p. 2) afirma que o
uso del espacio y del tiempo se modifica profundamente. Uno y otro se encogen,
se comprimen. La proximidad y la distancia adquieren sentidos nuevos. Es
posible la presencia simultánea en varios espacios, la localización fisica en un
punto y el contacto simultáneo con otros alejados, en los que se está telepresente
a través de las conexiones técnicas: podremos estar en todas partes al mismo
tiempo.
Nesta contemporaneidade, a divulgação de imagens espaciais por intermédio dos
meios de comunicação e informação, sem dúvida, tem contribuído para que tenham os
contatos reais e virtuais com espaços mais distantes, o que anteriormente só era possível
muitas vezes por representações cartográficas ou por impresso. Pilar Comes tem
comentando em seus estudos sobre as novas tecnologias no ensino de geografia que
La television, el cine y los otros soportes de la información visual masiva han
ayudado a difundir imágenes espaciales fotográficas, esquemáticas, de fácil
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O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
lectura, que han servido para ampliar los horizontes espaciales de nuestros
alumnos. Además se observa una integración de los componentes del sistema
tecnológico en sus representaciones (COMES, 2002, p. 50).
Parece-nos que o alargamento do espaço convive concomitantemente com o seu
encurtamento, pois fronteiras passam a não separar mais, e a informação traz tudo ou
quase tudo para muito perto de nós. Cada vez temos mais dados e informações para
conhecer e analisar o espaço geográfico. Por isso, por intermédio das novas tecnologias,
ou precisamente das “novas telas” em difusão, os eventos e os fenômenos socioespaciais
se apresentam mais freqüentes diante de nós, geógrafos e cidadãos, em dimensões globais
e locais. Nesse ponto, a escala tem se constituído num instrumento fundamental para a
organização das informações do mundo atual.
Com a aceleração contemporânea, o local cada vez mais contém o global, mas o
global também contém o local. Giddens, numa tentativa de conceituar essa era atual,
propõe que esta possa ser definida como a intensificação das relações humanas em escala
global, que se articula de tal forma que acontecimentos locais são modelados por eventos
que ocorrem a milhares de distância e vice-versa (1991). O efeito disso está presente em
nossas vidas cotidianas e em nossas concepções diárias de espaço e tempo, pois as novas
tecnologias têm permitido que
seamos más móviles y que tengamos acesso a más información. Dicho de otro
modo, el mundo se encoge no sólo porque sea más fácil y más barato viajar
sino porque tenemos, gracias a las imágenes visuales generadas por los medios
de comunicación, una idea del mundo sin tener que desplazarnos gracias a las
representaciones del mundo que proporciona la televisión en sus informativos,
series de ficción, documentales... incluso de los conflictos bélicos tal como la
cobertura informativa en directo de la guerra del golfo de 1991 se encargó de
demostrar (ROVIRA, 2002, p. 223).
A partir dessa compreensão, podemos afirmar que se estampa diante de nós uma
verdadeira dialética do global-local, que alguns autores – como Robertson (1996) e Castells
(2002) – passaram a chamar de glocalidade. Isso significa dizer que, tomando de empréstimo
as palavras de Santos (1996, p. 273), “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma
razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. Assim sendo, tem-se em
tela uma nova ordem mundial em que a informação passa a redimensionar a vida humana
em vários níveis de análise mutltiescalar.
Com as inovações tecnológicas, não dá mais para apreendermos o mundo atual se
não considerarmos os fenômenos como sendo diferentes porque são compreendidos em
diferentes níveis de análise. Segundo Bauer (apud SHEPPARD; MCMASTER, 2004),
“as society faces a new world order that reflects the increasing tension and simultaneity
between local and global forces, it is essential to lay the foundations toward a comprehensive
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‘theory of scale’”. Portanto, neste período histórico atual, pensar em escalas geográficas
é uma maneira eficaz de ordenar o conhecimento do espaço multidimensional em que
vivemos, bem como é uma maneira de racionalizar nossas decisões quanto ao presente e o
futuro. Esses são recortes temporais que estarão cada vez mais eivados de informações
galopantes veiculadas em dimensões globais, levando-se à lógica da globalização atual, o
que demonstra com mais freqüência uma diversidade de níveis escalares atuando ao mesmo
tempo e num mesmo espaço.
Partilhamos das idéias daqueles que dizem que a escala geográfica não é uma simples
questão técnica. Isso significa dizer que qualquer evento ou fenômeno geográficos, em
observação e em estudo, requer que se considere uma escala de análise que não se limite
simplesmente a uma visão geométrica (ou meramente cartográfica) como tem perdurado
com intensidade no âmago da Geografia e principalmente no cerne do seu ensino. Isso
implica, como assinala Roger Batlori (2002), que seja dada uma “comprensión etimológica
del concepto, el reconocimiento de la importancia de la escala en la elaboración del discurso
geográfico”.
Castro (1995), ao discutir o problema da escala, nesse período de aceleração espaçotemporal, apresenta os limites impostos a esse conceito na Geografia pelo raciocínio
analógico com a cartografia. Refletindo sobre a escala como uma estratégia de aproximação
do real, a autora em destaque recorre às reflexões realizadas em outros campos do
conhecimento, que também enfrentam o problema da grande variação de tamanho de
fenômenos e objetos. Esse seu estudo indica as possibilidades de utilização da perspectiva
da escala na prática do ensino e da pesquisa geográfica, sugerindo novos contornos para
expressar a representação dos diferentes modos de percepção e de concepção da realidade
geográfica. Diante disso, podemos dizer que, nesse tempo de predomínio das novas
tecnologias – com uma maior difusão da televisão, do computador e da Internet, por
exemplo –, a noção de escala se faz necessária, pois cada vez mais as realidades geográficas
que estão distantes se tornam muito mais próximas, possibilitando diferentes jogos de
escalas ou de caminhos geográficos, pois, quando estamos diante dessas “novas telas” ou
conectados a elas, nos encontramos num local que ao mesmo tempo pode se tornar global,
regional, nacional ou globalizado no mundo, e mais, em tempo real (HAESBAERT, 2004).
Por meio dessas “novas telas”, podemos ver o mundo numa situação de interação com
outras realidades geográficas, logo nos obrigando a raciocinar numa instantaneidade e
velocidade inimagináveis e de modo multiescalar.
Nas palavras de Castro (1995, p. 121), “o problema do tamanho é, na realidade,
intrínseco à análise espacial e os recortes escolhidos são aqueles dos fenômenos que são
privilegiados por ela. Na Geografia humana os recortes utilizados têm sido o lugar (e seus
diversos desdobramentos – cidade, bairro, rua, aldeia etc.), a região, a nação e o mundo”.
Segundo essa autora, mais importante do que saber como as coisas mudam com o tamanho,
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SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
é saber com exatidão o que muda e como muda, já que estamos diante de grandes mudanças
espaço-temporais resultantes de transformações técnico-científicas-informacionais. Nesse
sentido, cabe ressaltar que quando a escala muda, a dimensão de apreensão do fenômeno
muda também, por isso ser fundamental tê-la como uma estratégia de apreensão e abordagem
do mundo real ou das distintas realidades geográficas, neste mundo acelerado.
Sabemos que, hoje, diante da instantaneidade e simultaneidade das informações e
comunicações, é fundamental que se considerem novas conceptualizações de escalas
geográficas num prisma relacional, de vez que as realidades geográficas em dimensões
globais se disseminam com maior intensidade sobre os lugares geográficos por meio de
ações e objetos técnicos globais. Talvez seja por isso que Martím-Barbero tenha dito que
o global é o espaço novo produzido pela globalização e pela inovação tecnológica, que
dependem dele para sua permanente expansão.
Em suma, cada vez mais no âmbito do ensino, da extensão e da pesquisa em Geografia
têm-se utilizado as novas tecnologias. Os usos de imagens de satélite com a ajuda de
aparelhos de GPS, de computador e da Internet e de outros recursos multimidiáticos têm
se tornado mais freqüentes nas salas de aula de geografia – mesmo que em proporções
desiguais, conforme nos disseram, em entrevistas, os sujeitos desta pesquisa. Mas, não há
dúvida de que esses meios tecnológicos, quando articulados aos conteúdos, conceitos e
fundamentos teórico-metodológicos da ciência geográfica, têm se tornado fundamentais
ao desenvolvimento do raciocínio espacial, reafirmando que a interface entre novas
tecnologias e raciocínio espacial tem muito a ver com a Geografia contemporânea.
Possíveis interfaces entre as novas tecnologias e o raciocínio espacial
Essa discussão precedente é corroborada, em certa medida, pelos depoimentos dos
professores que foram inquiridos para esta pesquisa. Partindo de relatos de alguns
professores de Geografia, de distintos cursos superiores do País, procuramos apreender
as possíveis interfaces ou mediações existentes entre as novas tecnologias e o
desenvolvimento do raciocínio espacial. Ou seja, buscamos nos depoimentos desses
professores elementos que explicassem essas relações, de vez que nos últimos tempos o
raciocínio geográfico tem se mostrado “repleto de tencionamentos, pois lida com as
contradições sociais existentes, e que estão em constante processo de (re)elaborações”
(CASTROGIOVANNI, 2001, p. 15), em virtude dos recentes processos de aceleração
espaço-temporal. Para esse autor, o fazer pedagógico de Geografia nos dias atuais deve
acontecer por meio das técnicas e das tecnologias disponíveis, sem tomá-las como um fim
em si mesmas, mas como possibilidades de ferramentas da prática educativa, além de ser
necessário considerar as diferentes teorias, para dar conta da análise espacial.
Para desenvolver “o pensamento sobre o espaço geográfico”, os professores
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pesquisados têm de algum modo utilizado algumas das ferramentas desta temporalidade.
As suas práticas pedagógicas cotidianas têm sido permeadas ou interfaceadas pelas
tecnologias da informação e comunicação. Se a televisão se constituiu na ferramenta mais
utilizada por eles, conforme dissemos anteriormente, isso não quer dizer que o computador
e a Internet não estivessem sendo utilizados e não tenham dado suas contribuições para a
análise espacial. Isso veio à tona quando perguntamos a esses professores se, na opinião
deles, o uso das novas tecnologias interferia no desenvolvimento do raciocínio geográfico
ou na maneira de se pensar sobre o espaço. A maior parte desses professores (57,8%)
respondeu positivamente, dizendo que as novas técnicas informacionais aceleram e ampliam
as maneiras de pensar o espaço geográfico, enquanto que, para 26,3% dos inquiridos, essa
interferência ocorria em termos, pois era necessária, também uma integração com os
conteúdos e métodos da Geografia, bem como de uma relação professor-aluno, alunoaluno. Por seu turno, para 15,8% dos investigados, as novas tecnologias não interferiam
de modo algum no desenvolvimento do raciocínio geográfico. Mas o interessante disso é
que muitos desses professores, que afirmaram negativamente sobre a interferência das
novas tecnologias no processo de leitura espacial, disseram que essas tecnologias poderiam
contribuir para a criação de novas estratégias de ensino, aprendizagem e auto-formação.
Pelo visto esses professores, contraditoriamente, também, acreditam nas possibilidades
que as novas tecnologias podem, ou não, oferecer ao desenvolvimento do pensamento
geográfico.
Acreditamos que é verdade que as novas tecnologias – sobretudo a confluência
entre a televisão, o computador e a Internet, por exemplo – não objetivam ensinar e aprender
o conhecimento geográfico, mas é também verdade que nós e os nossos alunos aprendemos
muito, e de maneira diversificada, com o uso desses instrumentais, principalmente
aprendemos a ler o nosso espaço vivencial e aprendemos sobre os espaços mais longínquos,
que se tornam visíveis por meio de imagens e textos não-lineares encontrados no ciberespaço,
na Internet ou em outras mídias. Assim, os espaços geográficos parecem se tornar mais
próximos e distantes ao mesmo tempo por meio dessas tecnologias informacionais.
Os fragmentos que apresentamos em seguida, embora sejam longos, merecem ser
conferidos, pois eles evidenciam algumas experiências com o uso das tecnologias atuais.
Vejam que entre as possíveis interfaces que as novas tecnologias podem oferecer à ciência
geográfica e ao desenvolvimento do raciocínio geográfico nas várias modalidades de ensino
dessa área de conhecimento estão, segundo os depoimentos dos professores, em:
“Hoje utilizo muito os computadores, mas uso também o vídeo, a música, o
retroprojetor, pois as aulas se tornam mais dinâmicas, menos cansativas e a
participação dos alunos é maior. Essas tecnologias tornam todos os espaços
mais próximos, permitindo assim melhor compreender as transformações
desenvolvidas pelo homem” (depoimento do professor n. 4).
“Eu adoto as novas tecnologias, pois elas possibilitam uma nova visão da
83
SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
dimensão espaço-tempo, o que é fundamental para o desenvolvimento do
raciocínio geográfico” (depoimento do professor n. 15).
“Utilizo com freqüência em minhas aulas a televisão e o vídeo para assistir
filmes, palestras, entrevistas, projeções de imagens e disponibilizo o meu
material didático via Internet. Isso para mim amplia as conexões e leva a pensar
sobre outras formas de conceber o espaço, por exemplo o virtual” (depoimento
do professor n. 11).
“Ultimamente tenho usado principalmente os softwares de cartografia, como
GIS, Autocad e outros que melhoram a leitura do espaço, possibilitam a visão
de diferentes perspectivas, facilitam as simulações de escalas, símbolos,
projeções” (depoimento do professor n. 2);
“Somente o fato de mais e mais dados estarem disponíveis já amplia
possibilidades de correlações. Nesse sentido, há a interferência. Contudo, o
instrumento intelectual, o raciocínio propriamente não está na tecnologia, mas
no desenvolvimento de capacidades de abstração, de lógica, de cognição. As
novas tecnologias interferem na medida em que dão velocidade a testes de
hipóteses e fornecem volume de dados e informações que potencialmente
aprofundariam a análise geográfica” (depoimento do professor n. 17).
“Uso diversos programas de televisão a fim de exemplificar ou problematizar
algumas questões de estudo em sala de aula; peço para os alunos fazerem
levantamentos de dados em diferentes canais e períodos. Levo alguns programas
de computador para que os alunos possam usá-los e avaliá-los quanto à
possibilidade de seu uso na sala de aula, peço para fazerem levantamento de
informações de e em sites; faço também levantamentos de dados pela net e
peço para os alunos fazerem também [...] E digo: interfere ou não dependendo
do uso que for realizado com essas tecnologias, pois seu uso não pode nada se
desconsideramos seus usuários, os sujeitos da aprendizagem [...] O raciocínio
e análise geográficos dependem muito de debates e exercícios de análise [...]
Há que ter cuidado ao refletir sobre as [novas tecnologias] pois elas podem ser
fetichizadas ou reificadas” (depoimento do professo n. 19).
“Na sala de aula, disponho hoje de ferramentas que me permitem planejar e
realizar com muito mais rapidez e eficácia todas as aulas e atividades teóricopráticas com meus alunos, estou me referindo principalmente à união entre
televisão, computador e Internet” (depoimento do professor n. 13).
Esses depoimentos mostram um pouco do uso das novas tecnologias nos cursos de
formação de professores de geografia, bem como as maneiras como essas tecnologias vêm
mediando o processo de ensino e aprendizagem geográficos. Como se pode ver, as novas
tecnologias tem sido utilizadas como uma ferramenta pedagógica, seja para disponibilizar
os textos geográficos básicos e complementares, para manter contatos via meio eletrônico
(e-mail), realizar trabalho em grupo, seja como mera ilustração, mas o objetivo maior tem
se voltado sobretudo para tornar mais dinâmico, atrativo e interativo o pensar, o fazer e o
ensinar geográficos. Há quem diga que a grande tecnologia da humanidade não são os
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Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007
objetos ou as máquinas, mas o conhecimento. Diante disso, podemos dizer a tecnologia
informacional não se constitui na grande coisa da Geografia, mas numa possibilidade de
usarmos para construir um conhecimento geográfico inovador e antenado com o tempo
atual.
Entendemos que as aprendizagens ocorrem em um processo que é social e que é
histórico, logo é nesta perspectiva que são construídos os raciocínios geográficos. Para
que estes ocorram é fundamental que se considerem as variadas possibilidades de
aprendizagem que o mundo em que vivemos está a nos oferecer. Por meio da Geografia,
podemos desenvolver certas habilidades que, com o passar do tempo, vão se tornando
fundamentais para conseguir e manejar determinados instrumentos tecnológicos. Segundo
Callai (2001, p. 18), o que precisamos fazer para a realização de uma leitura espacial é
“saber buscar as informações e os dados, conseguir organizá-los e entender o que dizem.
Saber ler tabelas, decodificar os gráficos, compreender o que seja um banco de dados,
trabalhar com o SIG (Sistema de Informações Geográficas)”.
Em outros termos, expressa essa autora:
É neste contexto que podemos inserir o trabalho com o computador e seus
adereços, outros equipamentos eletrônicos, vídeo, máquinas fotográficas, TV,
gravadores, GPS, etc. São todos e outros mais também instrumentos que nos
permitem fazer as coletas e a organização dos dados para ao sistematizá-los,
poder conhecer melhor as informações que nos possibilitam compreender a
realidade [geográfica]. E a partir deles construir bancos de dados, organizar,
produzir e compreender os Sistemas de Informações Geográficas. E mais, saber
ler cartas topográficas, fotografias aéreas, os mapas em suas mais variadas
escalas (CALLAI, 2001, p. 18).
A nosso ver, isso não se traduz em mais uma nova Geografia. São, na verdade,
outras ou novas possibilidades de se realizar a leitura espacial. E não é a aula de Geografia
que tem que ser desconsiderada para ensinar o uso desses instrumentais, mas é uma
possibilidade que, interfaceando-se com as técnicas modernas, pode contribuir para o
ensinar e o aprender melhor a geografia do mundo contemporâneo.
Segundo Callai (2001), partindo-se do pressuposto de que não adianta somente
passar informações (porque estudar Geografia é muito mais do que isso, e que os métodos
de trabalho precisam estar adequados aos tempos que vivemos) é que se torna imprescindível
a incorporação das novas tecnologias no ensino de Geografia. Para ela, de nada adiantam
essas tecnologias para melhorar o ensino dessa ciência se não tivermos referenciais mais
sólidos para fazer as análises geográficas.
Acrescentamos a isso o fato de que a chave para avaliar o alcance e os usos
educacionais das novas tecnologias no ensino de Geografia pode estar nos três elementos
do triângulo interativo – professor, aluno e conteúdo –, como propõem Coll e Martí
(2004), e de maneira muito particular em sua incidência sobre as relações e as interações
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SILVA, V. P. DA
O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
que se estabelecem entre esses três elementos. Em outros termos, a chave está em analisar
como e até que ponto os diferentes usos das novas tecnologias podem influenciar tanto nos
processos de construção de significados e de atribuições de sentido que os sujeitos (professor
e aluno) realizam no transcurso das atividades de ensino e aprendizagem, como também
os mecanismos de influência educacional que facilitam, promovem e apóiam esses processos
construtivos.
Sabemos que as novas tecnologias, na medida em que atuam como fator de coesão
tanto nas pequenas localidades quanto nas de grande complexidade social e cultural – por
exemplo, os grandes centros urbanos –, são produtores de significados e, por conseguinte,
participam do processo de construção e da leitura das realidades socioespaciais em todas
as suas manifestações. Essas tecnologias chegam no limiar deste século com um dos mais
influentes fatores de circulação de idéias na sociedade da informação. E a Geografia,
como vimos anteriormente, propõe-se estudar o espaço geográfico, sendo que, para realizar
esse estudo, ela necessita de conceitos, definições, pressupostos teórico-metodológicos,
técnica e tecnologia.
Como diz Castells (2002), na era da informação, a tecnologia não determina a
sociedade, modela-a. Nem tampouco a sociedade determina a inovação tecnológica, utilizaa. Isso significa dizer que não dá mais para ficarmos alheios às ordens técnicas atuais. As
técnicas contemporâneas constituem um bom caminho para a explicação do espaço
geográfico, como afirma Santos (1996). Elas contribuem para que pensemos a geografia
como uma filosofia das técnicas, uma vez que as transformações socioespaciais e culturais
estão cada vez mais interdependentes da ação técnica. E, assim sendo, para que se
compreenda o espaço em que estamos imersos, é fundamental que entendamos as relações
com o tempo, pois cada período histórico tem sido portador de técnicas e tecnologias que
permitem ações, acontecimentos e teleologias. As ações de nosso tempo atual interatuam
e criam espaços geográficos diferentes, reais e virtuais, corroborando com a assertiva de
Kant (apud SANTOS, 1996) de que os objetos mudam e propõem diferentes geografias
em diferentes momentos.
Isso não significa dizer que temos uma nova Geografia, porque temos novas
tecnologias. Temos, sim, uma teia complexa do mundo cada vez mais ligado por redes
técnicas informacionais que conectam espaços e pessoas – mas deixam muitos desligados/
desconectados ou nos limites do viver contemporâneo – numa velocidade e aceleração
impensadas há poucos anos, mas que impõem um novo papel à Geografia e ao seu ensino.
As tecnologias atuais, veiculadoras de informações, não têm a finalidade de
5
Esse programa foi promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e pela Fundação Roberto
Marinho, por meio de teleaulas e módulos adquiridos em bancas de jornais ou livrarias.
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desenvolver o “saber pensar o espaço” ou de realizar o “raciocínio espacial”, mas mesmo
sem essa finalidade as pessoas aprendem Geografia, pensam com a presença dessas
tecnologias. Vejam, por exemplo, a experiência do programa Telecurso 20005 ,
especificamente o da área de Geografia, que, procurando qualificar as pessoas sem
escolaridades nos níveis da educação básica (principalmente jovens e adultos trabalhadores),
utilizou módulos instrucionais (ou teleséries) e aulas televisivas com a finalidade de estimular
o desenvolvimento do raciocínio geográfico. As aulas do Telecurso 2000 eram ministradas
a distância por meio de um veículo dinâmico e de massa como o é a televisão (ou por meio
de teleaulas). Por meio dessa tecnologia, o pensamento geográfico foi difundido para milhares
de pessoas pelo País afora. O ensino de Geografia contribuiu para a formação de diversas
pessoas por meio do desenvolvimento do raciocínio espacial realizado em duas diferentes
escalas, do local ao global, mostrando articulações entre os diversos níveis de abstração,
desde o espaço do trabalho até sua inserção em uma sociedade que globaliza de maneira
acelerada.
Por meio das novas tecnologias, podemos obter imagens em escalas diferentes,
realizar interações e interatividade entre pessoas, trocar informações; podem servir também
de espaços de consulta de informações, e com o computador e a Internet, conseguir ter
acesso às informações conjugadas entre som, imagem e texto. Pilar Comes expõe algumas
estratégias didáticas para trabalhar o pensamento geográfico utilizando as novas tecnologias:
En el caso de la enseñanza del espacio geográfico y a través de Internet podemos
acceder a miles de páginas que nos ofrecen, muchas de ellas gratuitamente,
mapas e imágenes espaciales que podemos utilizar en el aula. Pero este gran
recurso potencial adolece aún de graves limitaciones. Algunas de estas
limitaciones están relacionadas con las de la propia red [...], pero entendemos
que otras limitaciones están relacionadas con cuestiones que tienen su
implicación didáctica (COMES, 2002, p. 51).
As novas tecnologias no ensino de geografia contribuem para ampliar o potencial
educativo de alunos e professores, permitindo que esses sujeitos tenham acesso à informação
a partir de sua própria busca, capacidade de observação e interesse. É indiscutível que as
tecnologias modernas, quando corretamente empregadas, estimulam o ensino e a
aprendizagem de Geografia, mas suas possibilidades e limitações precisam ser questionadas
para que não as tomemos como um fetiche.
A título de conclusão
A tecnologia sem conteúdos e conceitos geográficos não tem sentido algum. É certo
que as possibilidades de aprender e ensinar Geografia, hoje, são estimuladas pela
proliferação de informações mais acessíveis. Mas também é evidente que as desigualdades
87
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O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA...
no acesso às novas tecnologias podem aumentar ainda mais as dificuldades reais de acesso
à informação e ao conhecimento geográfico que já têm atualmente os segmentos menos
favorecidos. O caso da Internet é exemplar, pois sendo, em princípio, um recurso altamente
descentralizado, democrático e sem fronteiras, na verdade é apenas para aqueles que podem
ter fácil acesso a ele, para os “plugados na rede”.
Considerando os depoimentos dos sujeitos deste estudo, podemos dizer que é muito
provável que as novas tecnologias aprofundem as divisões já existentes entre grupos de
pessoas em sua relação com o conhecimento e a aprendizagem. Daí a necessidade de que
as possibilidades e os limites das novas tecnologias estejam sempre em pauta. Nessa
sociedade, os aparatos tecnológicos têm se constituído em novos meios de informação e
comunicação que mobilizam novos modos perceptivos e reorganizadores da prática
cotidiana e da experiência socioespacial. Computadores, videogames, telefones celulares,
TV a cabo e toda a parafernália técnica que nos cerca e nos constitui vão transformando
de maneira rápida as estruturas de pensamento e de significação. E nesse meio ambiente
novíssimo (ecologia cognitiva? ciberespaço? cibercultura? sociedade da informação? da
imagem? do saber?), as instituições de ensino e muitas disciplinas, como por exemplo, a
Geografia, encontram-se nos limites da sociedade informacional, muitas vezes fixada na
oralidade e nos meios impressos e lineares como os textos escritos. As tecnologias
informacionais ainda se encontram pouco presentes nos cursos de formação do professor
de geografia, conforme aponta o resultado da pesquisa. Mas mesmo que em proporções
mínimas e limitadas, as novas tecnologias podem e devem ser postas em questão em aulas
de cursos de graduação, pós-graduação e na educação básica, no sentido de ampliar sua
inserção nos meios educativos. Com as tecnologias modernas, é possível aprender a
aprender, a trabalhar em grupo, a raciocinar em diferentes escalas geográficas.
Em vez de considerar as novas tecnologias como inimigas a ser exorcizadas, é
fundamental que as consideremos como meios que podem ajudar a desenvolver ou estimular
o pensamento geográfico. Conforme já dissemos anteriormente, as novas tecnologias estão
presentes em nossas vidas quer queiramos ou não. Cabe a nós estudiosos utilizá-las, estudálas, questionando suas possibilidades e limitações para o desenvolvimento do conhecimento
ou do raciocínio espacial.
Em suma, podemos dizer que as novas tecnologias não têm compromisso com a
construção do conhecimento geográfico. Esse compromisso compete à ciência geográfica
e aos geógrafos nos momentos de construção do raciocínio espacial. Mas é verdade também
que os profissionais de geografia quando utilizam as novas tecnologias aprendem com
elas. Talvez seja uma “Geografia em migalhas”, como nos tem alertado Lacoste (1974, p.
231), que precisa ser melhor questionada e explicitada, mas é possível perceber que existe
uma certa interface entre as novas tecnologias e o desenvolvimento do pensamento
geográfico nesta era informacional.
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Recebido para publicação dia 02 de Abril de 2007
Aceito para publicação dia 17 de Maio de 2007
90
LUGAR E CULTURA
URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO DE SABERES
DOCENTES NO
BRASIL
PLACE AND URBAN CULTURE: A
COMPARATIVE STUDY OF
TEACHERS’ KNOWLEDGE IN
BRAZIL
LUGAR Y CULTURA URBANA: UN
ESTUDIO COMPARATIVO DE LOS
SABERES DOCENTES EN BRASIL
HELENA COPETTI CALLAI
[email protected]
LANA DE SOUZA
CAVALCANTI
[email protected]
SONIA MARIA VANZELLA
CASTELLAR
[email protected]
Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa sobre Lugar e
Cultura Urbana: os saberes dos professores de Geografia no
Brasil, investigação de caráter interinstitucional que aborda o
tema a partir de um estudo comparativo entre as cidades de
Goiânia (GO), Ijuí (RS) e São Paulo (SP). O objetivo deste
estudo é caracterizar e analisar as concepções dos professores
a respeito da cidade e da sua cultura, considerando a
possibilidade da cidade ser entendida em função da dinâmica
do território. Os dados foram obtidos através de entrevistas,
observações de aulas e questionários respondidos por
professores de Geografia.
Palavras-Chave: Saberes dos professores; Lugar; Cultura
urbana; Educação geográfica.
Abstract: This article is part of a research about Place and
Urban Culture: the knowledge of Geography teachers in
Brazil, an interinstitutional investigation which approaches the
theme from the results of a comparative study focusing on the
cities of Goiânia (GO), Ijuí (RS) and São Paulo (SP). The
objective of this study is to outline and to analyze the teachers’
conceptions about the city and its culture, considering the
possibility for the city to be understood from the dynamic of
the territory. The data came from interviews, class observations
and questionnaires answered by geography teachers.
Keywords: Teachers’ knowledge; Place; Urban culture;
Geographical education.
Resumen: Este articulo es parte de una investigación
interinstitucional, a respecto de “Lugar y Cultura Urbana: los
saberes de los profesores de Geografía en Brasil”, tratando el
tema desde un estudio comparativo entre la ciudad de Ijuí(RS),
Goiania(GO) y São Paulo(SP). El objetivo del estudio es
caracterizar y analizar las concepciones de los profesores a
respecto de la ciudad y de su cultura, considerando la posibilidad
de que la ciudad sea entendida en función de la dinamica de su
territorio. Los datos resultan de entrevistas, observaciones y
encuestas hechas a los profesores.
Palabras clave: Saberes de los profesores; Lugar; Cultura
urbana; Educación geográfica
Terra Livre
Presidente Prudente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 91-108
Jan-Jun/2007
91
CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
Esse artigo apresenta algumas análises a respeito de um estudo sobre os saberes
docentes em relação ao conceito de cidade e o ensino de temas relacionados à cidade e ao
lugar de vivência. A preocupação referente a essa questão advém das experiências das
pesquisadoras, envolvidas com a área do ensino de Geografia, que tem evidenciado
dificuldades de uma integração maior entre as teorias elaboradas no âmbito da pesquisa
acadêmica e a prática realizada pelos professores dessa matéria de ensino.
Trata-se de um estudo sobre saberes de professores de Geografia no Brasil que
visa, pela comparação entre três cidades brasileiras –Ijuí-RS, Goiânia-GO e São PauloSP-1 , conhecer saberes e práticas docentes desses professores à respeito de sua cidade.
Essas cidades têm suas especificidades, como todas e quaisquer outras, mas em sua dinâmica
expressam um modo de vida e elementos da espacialidade que são comuns às cidades
brasileiras e mundiais contemporâneas.
Pressupostos para investigar o ensino de cidade
Partimos do entendimento inicial de que é importante conhecer os professores de
Geografia, seus saberes e sua percepção sobre o lugar em que vivem e onde vivem seus
alunos, entendendo que esses professores são portadores de uma cultura que sintetiza sua
experiência vivida no local e sua formação acadêmica e profissional. Ao centrar o estudo
no conceito de cidade e referenciá-lo como lugar em que o professor vive e trabalha, assim
como seus alunos, entendemos ser possível estabelecer as bases para a compreensão de
aspectos significativos da realidade do ensino e aprendizagem de Geografia no Brasil.
Nas últimas décadas, os geógrafos pesquisadores no campo do ensino e
especificamente da metodologia do ensino de Geografia no Brasil têm procurado produzir
teorias e práticas voltadas para as tarefas sociais que essa área profissional deve cumprir.
Investiu-se bastante nesses anos em pesquisas sobre o ensino e a metodologia de ensino de
Geografia. Foram feitos diagnósticos, colheram-se depoimentos, foram analisados materiais,
elaboradas propostas. Nesse contexto as autoras deste artigo têm contribuído com trabalhos
específicos sobre essa questão, predominantemente voltados às problemáticas da formação
do professor e da metodologia do ensino de Geografia2 .
Como resultante desse investimento é possível constatar a intensidade destas
discussões e o interesse de professores da educação básica a respeito do assunto. U m a
das recomendações que resultam dessas investigações é a de se considerar o cotidiano, o
espaço vivido dos sujeitos do processo de ensino, como referência concreta para o
encaminhamento da prática do ensino de Geografia. Isto posto, é fundamental entender as
1
A pesquisa realizada é coordenada na cidade de Ijuí, por Helena C. Callai, da Unijuí, em
Goiânia, por Lana de S. Cavalcanti, da UFG e em São Paulo, por Sônia M. V. Castellar, da USP.
2
Dentre eles, podem-se destacar: Callai (2001, 2003a, 2003b); Castellar (1999, 2003, 2005),
Cavalcanti (1998, 1999, 2001, 2002 a).
92
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
concepções do professor, como um dos sujeitos do ensino, sobre esse cotidiano, sobre esse
espaço vivido e compreender como essas percepções podem e têm ajudado na formulação
das suas propostas de ensino. Para compreender o lugar de vivência e a relação que o
professor estabelece com ele, tomou-se como foco a cidade.
A cidade é aqui considerada como tema do ensino porque, em primeiro lugar, é a
referência básica para a vida cotidiana da maior parte das pessoas. Ela é local de moradia
de um grande contingente populacional; nela se produz e se decide a produção de uma
grande parte de mercadorias e de serviços; nela circulam pessoas e bens; nela, também, se
produz um modo de vida (LEFEBVRE, 1991; CARLOS, 1992). Todo esse movimento
mostra que na cidade estão materializadas, por um lado, a dinâmica do capital e, por
outro, a dinâmica da sociedade; ambas se expressam contraditoriamente na prática cotidiana
dos cidadãos.
A cidade é uma expressão da complexidade e da diversidade da experiência dos
diferentes grupos que a habitam. Seu arranjo vai sendo produzido para que cada habitante
possa viver o cotidiano, compartilhando desejos, necessidades, problemas com os outros
habitantes. Ela é, nesse sentido, espaço da vida coletiva, espaço público. Para viabilizar
essa vida coletiva, seus gestores contam com vários agentes educativos (órgãos de
planejamento, agências de segurança, de trânsito e ambientais, escolas, ONGs). Mas, a
cidade é, em si mesma, um espaço educativo. A cidade é educadora: ela educa, ela forma
valores, comportamentos, ela informa com seu arranjo espacial, com seus sinais, com
suas imagens, com sua escrita (BERNET, 1987). Ela também é um conteúdo a ser
apreendido por seus habitantes. É no exercício da cidadania, e no espaço cotidiano da
cidade, que seus habitantes podem se reconhecer como agentes possuidores de direitos e
deveres nesse processo de produção.
Dessa discussão teórica, surgiram questões mais específicas para a pesquisa
realizada e apresentada nesse artigo: em que medida os cidadãos têm tido nas cidades
brasileiras o direito de viver, de circular por suas cidades e seus lugares, de consumir seus
lugares e de consumir nesses lugares? Em que medida os jovens cidadãos têm tido
conhecimento de sua cidade, de seus problemas, de seus projetos, e de suas possibilidades?
Até que ponto a escola, por meio do ensino de Geografia, tem contribuído para que esse
conhecimento ocorra, trabalhando sistematicamente com o tema da cidade, por meio de
veiculação de conteúdos das cidades onde vivem seus alunos e das cidades brasileiras em
geral; da promoção de atividades que propiciem o contato mais direto dos alunos com
lugares da cidade?
Pode-se discutir estas questões na perspectiva de que representem a alternativa a
um desenvolvimento pleno da cidadania sem, no entanto, deixar de considerar que vivemos
num mundo que é extremamente contraditório. Mesmo em um lugar cheio de semelhanças,
com as marcas de identidade explicitadas, não é raro encontrar grupos com interesses
diversos. E aquilo que parecia homogêneo se mostra bem diferenciado, exigindo atenção
para com a diversidade, porque estão mascaradas as diferenças. Cada lugar pode ter
93
CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
marcadamente uma ou outra característica comum, mas é importante destacar as
singularidades.
Reconhecer que existem potencialidades no lugar e que as pessoas tem capacidades,
muitas vezes para além do que lhes é exigido e até permitido, já é um passo na busca de
construção de um lugar solidário para a vida de todos que ali vivem. Mas, acima de tudo,
é muito importante ter a compreensão do que está acontecendo, seja no lugar, seja no
mundo. Essa busca gera necessariamente um processo de aprendizagem, com significado,
para cada um e para o conjunto da sociedade. E nestas análises consideramos que este
lugar é a cidade. A cidade em que cada um vive, onde esta localizada a escola, onde as
pessoas e o capital circulam, na qual se constrói a idéia de urbanidade.
O foco no lugar e na cidade remete à escala social de análise que, ao ser considerada,
relativiza as verdades e as ações das pessoas, no sentido de compreender as nuances
contraditórias da realidade em que vivemos. Um estudo sobre o que é esse lugar e qual a
“força do lugar” (SANTOS, 1996) pode ser um desafio, também, para professores e
estudantes. É desafiador porque pensar o lugar de vivência, ou a cidade, implica
compreender o sentido de identidade e de pertencimento, considerando, portanto, o fenômeno
urbano em escala local.
O lugar é o território apropriado, que demonstra em si, através de rugosidades, a
história das vidas que ali foram e estão sendo vividas. Dessa forma, o lugar é o resultado
das relações, das histórias em diferentes tempos, porém gera necessidades, exige definições,
impõe limites e apresenta possibilidades. Não se trata de determinismos físicos ou naturais,
como por muito tempo se considerou na base das civilizações, mas do reconhecimento de
que o lugar adquire um poder, que é político e que pode dar os contornos para a ação
humana. Então, todos são responsáveis pela construção e são capazes de deixar suas
marcas nos espaços vividos.
Nessa linha de raciocínio, a escola apresenta uma grande capacidade para enfrentar
o desafio de compreender o lugar, tanto do ponto de vista da produção e organização
espacial quanto das mobilizações dos grupos sociais.
A escola e a cidade educadora: uma abordagem da pesquisa
Entendemos que a escola é uma das instâncias da formação da cidadania e a partir
dela pode-se estabelecer, por meio do ensino da Geografia, a discussão sobre se a cidade
educa e se os estudantes e os demais moradores cuidam da cidade, no seu entorno doméstico,
nos seus locais de convívio. E também, da mesma forma, se a cidade acolhe os cidadãos e
se estes a respeitam ao interferirem na sua produção do espaço urbano.
A nossa intenção, portanto, ao fazer este estudo foi a de apreendermos elementos
da cultura urbana de professores de Geografia a partir de sua vivência em espaços urbanos
diferentes, no entendimento de que o professor é agente do processo de ensino e
94
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
aprendizagem, portador de uma cultura que lhe permitiu conhecer e analisar espaços urbanos
numa perspectiva de totalidade.
A análise de elementos da cultura urbana dos professores de Geografia contribui
para uma melhor compreensão dos processos didáticos que ocorrem no espaço escolar,
que é síntese de culturas e que deve ser assim considerado, subsidiando nesse sentido a
reflexão sobre caminhos de formação inicial e continuada de professores.
Entendemos que o professor deve ter, em sua formação inicial, um grau de discussão
teórica que lhe permita compreender as categorias geográficas e as formas como ocorrem
a apropriação dos conceitos e a aprendizagem do aluno. Caso contrário, a formação inicial
já começa debilitada, pois, caso o professor não tenha clareza sobre a dimensão dos seus
saberes, não conceba a construção de conceitos e a aprendizagem significativa como
determinantes no processo, como fazê-lo romper com a prática tradicional? E como se
farão as mudanças no ensino de Geografia? Nesse sentido, ao verificar dados e informações
de professores dessas três cidades, foi possível constatar como são tratados temas específicos
da Geografia, que se caracterizam como questões significativas para o estudo da cidade e
dos problemas urbanos no mundo atual.
Essa pesquisa permitiu, também, analisar a situação de aprendizagem e a
compreensão que os professores têm dos conceitos geográficos e cartográficos.
Consideramos que os conteúdos da Geografia escolar deveriam ser trabalhados na
perspectiva das mudanças conceituais – dos conceitos de senso comum para conceitos
científicos -, levando o professor a mediar o processo do aluno de passar de um estado de
menor conhecimento para um estado de maior conhecimento. Para que o professor possa
repensar sua prática - e fazer mudanças concretas - com esse propósito é preciso descobrir
outros padrões de aprendizagem, a partir de uma rede de significados. No entanto, não há
fórmulas prontas e acabadas; existem, sim, possibilidades de se ter êxitos saindo do
imobilismo, atuando na perspectiva de utilizar estratégias diversificadas ao abordar
conteúdos na busca de novas situações de aprendizagem.
Durante a pesquisa nos deparamos com duas questões que estão interligadas:
uma é a construção conceitual das crianças sobre as cidades em que vivem; a outra é como
o professor desenvolve o seu trabalho e como ocorre o seu processo de construção conceitual
para que possa orientar seus alunos.
A partir dessas questões buscamos analisar, através de entrevistas, o perfil de
professores de Geografia em relação aos aspectos da sua formação, das condições de
trabalho e de seus saberes e práticas relacionadas ao tema da cidade. A análise de dados
coletados será apresentada sinteticamente nos tópicos seguintes do texto3 .
Os professores de Geografia e o ensino de cidade
3
Os relatórios das pesquisas de cada cidade, com a metodologia descrita e a apresentação de todos os dados
levantados estão disponíveis nos laboratórios das Instituições a que pertencem cada uma das investigadoras.
95
CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
No contexto da pesquisa realizada nas três cidades brasileiras, dentre as várias
questões investigadas destacamos aqueles aspectos que consideramos pertinentes para
exposição nesse artigo. Também julgamos significativo demonstrar esses aspectos a partir
das singularidades que conseguimos captar em cada grupo de professores, em cada uma
das cidades.
A – O caso de Ijuí-RS
No contexto de entrevistas, os professores responderam como entendem a cidade.
Suas respostas podem ser agrupadas em três segmentos:
1º. Aquele que trata das questões físicas do espaço e considera a cidade como um
lugar onde se apresentam aspectos materiais, na maioria das vezes aparentes, que demarcam
o urbano. Foram citadas idéias como: meio urbano; centro urbano; a zona urbana do
município; o local onde situam-se o centro e os bairros; zona urbana de um município;
o espaço delimitado pelos limites urbanos; sede do município, onde estão as atividades
essencialmente urbanas; um espaço urbanizado com características próprias; um
aglomerado de edifícios, moradias, etc.
2º. Aquele que entende a cidade como um lugar fisicamente delimitado que acolhe
uma população com atividade econômica diferenciada. Foram citados elementos como: o
meio urbano é o espaço constituído pela cidade, que se dedica às atividades secundarias
e terciárias; é um aglomerado físico onde se encontram serviços, onde se manifesta a
vida das pessoas; uma área densamente povoada onde se concentram os principais
serviços e produtos necessários à sobrevivência da população.
3º. Aquele que incorpora em suas respostas a noção de poder e das relações sócioespaciais. Alguns elementos foram citados, como: local urbano de relações de produção;
centro de relações de pessoas de outras áreas, em busca de bens e de serviços,
comercialização e muitas outras atividades.
Numa questão da entrevista que refere a como ensinam geografia urbana e quais
são seus objetivos ao ensinar, pode-se considerar quatro grupos de respostas:
Grupo 1 – as respostas estão centradas na questão do estudo do lugar, do meio em
que vivem os estudantes, indicando, no entanto, que os estudos são realizados de forma
linear e descritiva. Algumas referências dadas à postura de entendimento da realidade em
que vivem permitem pensar que, ao nível da intenção, está presente uma postura de
engajamento nos problemas da vida cotidiana. Algumas respostas foram: conhecer o meio
ambiente, o lugar onde mora; relacionar os temas abordados à realidade cotidiana;
desenvolver uma postura ativa e comprometida com a busca de soluções; conhecer,
analisar, interpretar, relacionar o teu comportamento com o espaço coletivo.
Grupo 2 – nesse grupo pode-se constatar a intenção de se dar ênfase à cidadania,
sugerindo o posicionamento do aluno como sujeito que produz o seu espaço e que tem um
96
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
papel a realizar na sociedade em que vive. Foram citadas: que o educando perceba-se
como membro integrante e agente das transformações; sensibilizar o aluno ao olhar
geográfico, ou seja, ao olhar critico para ações que levem à construção de um espaço
público justo e com qualidade de vida; que o aluno consiga perceber a importância da
cidade para o cidadão se constituir verdadeiramente participante buscando a qualidade
de vida e interagindo “nesse espaço urbano”.
Grupo 3 – as respostas nos remetem ao enfoque metodológico, por considerarem
a escala de análise, a diferenciação dos espaços geográficos, a dimensão de espaço e
tempo, e a interligação das ações humanas com a produção do espaço. Foram citadas: que
o aluno consiga fazer associações do espaço em que vive e o mundo que o cerca; é
compreender o espaço, como as pessoas se relacionam nesse espaço, as suas necessidades,
desejos, etc. - que o aluno tenha a capacidade de observar, analisar, interpretar e criticar
a realidade.
Grupo 4 – refere-se às questões especificamente do conteúdo da Geografia urbana,
com poucas citações. São professores que demonstram entender que a questão urbana vai
além do estudo da cidade local, onde vivem os alunos. Foram citados: que os alunos
saibam pelo menos diferenciar urbano do rural; compreender a dinâmica das cidades,
identificar as características do processo de utilização e entender que esse envolve
modificações sociais, econômicas e territoriais.
Noutra questão ao serem perguntados sobre o que consideram ser os principais
problemas urbanos em Ijuí, apontam as questões de: - Desemprego: a falta de indústrias
para criar empregos; os migrantes vêm buscar emprego e caem na marginalidade; os altos
índices de pobreza e a conseqüência dessa situação gerando violência e roubos. Da mesma
forma, são identificados os problemas decorrentes de um crescimento urbano desorganizado;
as periferias desorganizadas e a falta de creches. - Segurança pública: problema que se
faz presente de modo muito acentuado em todos os lugares. Como primeira referência
nesse conjunto é apresentada a falta de um quadro de efetivos de policiais mais amplos, a
violência pessoal, a violência no trânsito, o roubo e o assalto. - A questão habitacional:
habitação, especulação imobiliária, moradia, descuido com as ruas nos bairros, que pode
ser interligada com a estrutura arquitetônica, e aliada ao problema da consciência dos
usuários, da falta de conscientização com os problemas. - Aspectos ambientais que se
caracterizam pelo saneamento: falta de tratamento de esgoto, saneamento básico reduzido
ou inexistente em bairros menos favorecidos, falta de uma estação de tratamento de esgoto,
falta de rede de esgoto; em relação ao lixo: a falta de reciclagem e a coleta seletiva; já a
poluição ambiental envolve a poluição sonora e a visual. - Trânsito: o problema do
congestionamento; aspectos de transporte na área urbana, com carga e descarga que é
prejudicial ao ambiente; transporte urbano precário, agregado às ruas com má sinalização,
com falta de iluminação pública, falta de cuidados na manutenção das vias públicas.
Como se observa nesse elenco de problemas urbanos apresentados pelos professores
97
CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
os temas recorrentes são as problemáticas que têm como conseqüência a ausência do
poder público na organização do espaço urbano, atribuindo aos gestores toda a
responsabilidade. Pode-se talvez constatar a dissonância com a postura de desenvolver a
cidadania expressa noutros momentos, em que conclama aos sujeitos serem agentes efetivos
na produção do espaço.
B - O caso de Goiânia-Go
A respeito de saberes geográficos, investigou-se, junto aos professores, suas
concepções sobre lugar e cidade. Quanto ao conceito de lugar, 21,6% o compreendem
como uma parte determinada do espaço terrestre, com definições como: “porção do espaço
terrestre conhecida por um nome”, “qualquer espaço que ocupamos é um lugar”, ou
com definições que destacam aspectos mais subjetivos para se referir ao conceito: “é o
referencial espacial da intimidade das emoções”, “espaço especial carregado de valores”.
Mas, um componente mais subjetivo nas definições de lugar aparece mais explicitamente
em 27,5% das respostas, que indicam o conceito de lugar como espaço vivido, com
definições que expressam a compreensão de que lugar é um local de vivência das pessoas:
“é o espaço onde o indivíduo vive”; “é uma porção do espaço que você conhece e tem
algum contato”. Um outro grupo de respostas (21,6%) traz definições mais genéricas,
ora apontando para uma compreensão de lugar como associado à afetividade, à identidade,
à produção de cultura, a um modo de vida; ora ao específico, à escala, ao tamanho. Pela
variedade de respostas, pode-se inferir que há uma associação bastante forte de lugar com
o vivido localmente pelas pessoas, ficando menos perceptível a compreensão de suas relações
contraditórias e das determinações desse local com processos e fenômenos definidos e
vividos globalmente.
Quanto ao conceito de cidade, a maioria dos professores (53%) apresentou definições
que fazem referência à paisagem, ou seja, privilegiando a forma e a disposição dos objetos,
as pessoas e seus movimentos: “concentração de pessoas, habitações”,“é um aglomerado
de pessoas, onde existe uma organização política e também é munido de infra-estruturas”.
Em outro grupo (15,5%), a cidade foi definida pelas relações que são nela e com ela
estabelecidas: “é o espaço criado e recriado em que o ser humano desenvolve suas
atividades”, “palco de atividades relacionadas à indústria, moradia, lazer, comércio,
enfim, atividades que se referem ao urbano”. Foi possível detectar ainda um outro grupo
(8%) com definições que apresentam elementos, simultaneamente, dos dois tipos anteriores:
“é um espaço onde há um aglomerado de pessoas procurando vários tipos de serviço, é
onde as atividades econômicas estão aglomeradas”. Um quarto grupo (8%) apresenta
uma definição da cidade como palco de contradições, onde há um confronto entre o capital
e a cidade: “espaço construído pelos cidadãos, porém de controle e dominação do
capital”; “é o lugar do conflito, da manifestação das contradições, etc”.
Pelos dados obtidos percebe-se que predomina um conceito de cidade ligado à sua
98
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
expressão formal, à sua paisagem, ou às atividades que nela se realizam. Além disso,
percebe-se que, ainda que alguns professores levantem aspectos mais estruturais da dinâmica
da cidade, os elementos contraditórios, as determinações mais globais, e mais estruturais
da sociedade ainda são pouco presentes nas definições dos professores.
Sobre o espaço urbano de Goiânia é possível perceber a coincidência de alguns
elementos de análise, que foram interpretados como sociais, ambientais e de planejamento/
crescimento urbano. Quanto ao primeiro aspecto, muito presente nos depoimentos, os
professores o destacam para análises positivas do espaço, como: espaço sem exagero de
conflito ou para análises negativas, como: é um espaço cheio de contrastes, de muitos
problemas ambientais e sociais. Em relação aos problemas ambientais, predominam as
respostas em que os professores apontam elementos negativos, como: precisa ser
revitalizado. Por causa de problemas ambientais. O maior número de respostas faz
referência ao tema do crescimento urbano desordenado e do planejamento, ou falta de
planejamento, com argumentos como: crescimento desordenado associado principalmente
à ação política, uma cidade planejada. Urbanizada, arborizada, o espaço urbano da
cidade não foi todo planejado, houve um crescimento muito rápido sem as devidas
infra-estruturas como saneamento básico, segurança, saúde e educação.
Percebe-se que, diferentemente das respostas quanto ao conceito de cidade, aqui os
professores destacam, um pouco mais, aspectos mais estruturais para fazer análise de um
espaço específico, que é Goiânia, ainda que expressando uma idéia de que os problemas
vivenciados pela sociedade, neste espaço urbano, têm sua raiz na falta de planejamento, e,
sendo assim, sua solução é de ordem técnica.
Sobre os principais problemas urbanos de Goiânia, a conclusão é que entre os
principais estão: transporte e trânsito; problemas ambientais e habitação. O destaque aos
problemas de transporte e trânsito permite inferir que, para os professores, o deslocamento
cotidiano no espaço intraurbano constitui-se como um fator de extrema importância ao se
analisar uma cidade, e os dados parecem revelar que atualmente este é o problema “número
um” quando se fala em cidade de Goiânia, e que, infere-se, trata-se de um serviço que os
gestores não têm oferecido satisfatoriamente. Sabe-se que esse é um problema a ser
ressaltado na maior parte das metrópoles e nas grandes cidades brasileiras, porém a
freqüência com que ele aparece aqui evidencia sua importância para o caso de Goiânia.
Pelo que foi evidenciado anteriormente, sobre os dados coletados quanto ao espaço
urbano de Goiânia, pode-se dizer que os saberes dos professores vão ao encontro do que a
pesquisa científica tem mostrado: como um espaço planejado, mas que sofreu um
crescimento urbano intenso, desordenado, o que acarretou muito dos problemas que nele
são vivenciados, entre os quais o das desigualdades sociais, o da segregação socioespacial.
Portanto, os elementos que foram levantados pelos professores parecem, até o momento,
bastante pertinentes e importantes para a análise do urbano em Goiânia, ainda que requeiram
aprofundamento para tornarem-se instrumentos relevantes para os alunos, para o
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CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
desenvolvimento de seu pensamento espacial, para o exercício de sua cidadania.
C- O caso de São Paulo-SP
Analisando as respostas dos professores em relação ao que pensam sobre os conceitos
de lugar, de cidade e quais são os principais problemas urbanos obtivemos respostas com
ênfase na cultura de senso comum. Quando os professores afirmam nos questionários
qual a concepção de lugar, a maioria faz comentário como, por exemplo: onde cada
indivíduo ocupa; qualquer espaço da superfície; envolve relações sociais; algo que está
próximo. Essas respostas indicam que o conceito, ou seja, a idéia formada se fundamenta
em informações cotidianas e não em bases teórico-metodológicas. Esses dados nos permitem
inferir que há falta de análise teórica em relação ao que vem a ser o conceito de lugar para
eles. Na análise dos questionários observamos que o padrão das respostas considera alguns
aspectos estruturais quanto ao conceito de cidade, para eles o conceito de cidade é: “cidade
é um lugar urbanizado; onde encontramos recursos; local das atividades; transformado
de forma que tem problemas urbanos; onde moro..”. Essas são algumas respostas que
também evidenciam um senso comum, linearidade e superficialidade, ou seja, demonstram
falta de fundamentação teórica para explicar o que é conceitualmente cidade.
Ao tratarmos dos problemas urbanos os professores destacaram os aspectos negativos
em relação à cidade, que ficaram claros nos conteúdo das respostas, nas quais foi possível
perceber a contradição de algumas delas em torno dos destaques dados aos fenômenos
urbanos interpretados como sócio-ambientais e de falta planejamento urbano. Os professores
destacaram em suas análises sobre o espaço urbano de São Paulo questões como: “é uma
cidade com muita violência, com problemas ambientais e sociais”, “que tem falta de
saneamento básico e infra-estrutura”; “com desigualdade social”; “com enchentes e
problemas de trânsito”; “falta de moradia e mal planejada”. Em relação aos problemas
ambientais, predominam as respostas em que os professores apontam elementos negativos,
como: “poluição atmosférica, enchentes e falta de vegetação”; “grande fluxo de pessoas,
veículos, um pouco desordenada”. O maior número de respostas faz referência ao tema
do crescimento urbano desordenado e falta de planejamento, com argumentos como:
“crescimento desordenado associado principalmente à ação política”; “crescimento
muito rápido sem as devidas infra-estruturas, como saneamento básico, segurança,
saúde e educação”. Não houve nenhuma resposta que abordasse aspectos positivos em
relação à cidade. É importante destacar que para além dos problemas urbanos, em sala de
aula, devemos tratar as questões urbanas também do ponto de vista teórico-metodológico,
ou seja, separar as concepções de cidadãos das concepções teóricas do professor de
geografia. Isso significa ter clareza dos conceitos geográficos.
A observação dos dados permite concluir que alguns problemas urbanos tais como
transporte, problemas ambientais e falta de habitação são os que se destacam nas respostas
do grupo de professores. No entanto, a associação dos problemas trânsito e transporte,
100
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
que somados permitem inferir que, para os professores, o deslocamento cotidiano no espaço
intraurbano constitui-se em fator de extrema importância ao se analisar uma cidade, e os
dados parecem revelar que atualmente este é o problema sério para quem vive no município
de São Paulo, é um serviço que a administração pública não dá conta de resolver
satisfatoriamente.
Sabe-se que esse é um problema a ser ressaltado na maior parte das metrópoles e
nas cidades brasileiras de porte médio, porém, a freqüência com que ele aparece aqui
evidencia um destaque para essa questão em São Paulo. Além do mais, esse destaque
ainda é maior quando se observa que os problemas ambientais que foram agrupados nos
remetem as questões diversas, como: a poluição das águas, a poluição sonora, o lixo, a
poluição dos mananciais, a impermeabilização do solo, a ocupação de áreas de risco,
as ilhas de calor nos centos urbanos, a falta de equipamentos de saúde e de lazer também
aparece dentre os problemas urbanos.
O que se constata é que os saberes dos professores ainda estão fundamentados em
aspectos genéricos em relação à compreensão conceitual, levando em consideração apenas
informações empíricas do cotidiano, mas sem uma análise mais articulada entre os
fenômenos urbanos e as discussões teóricas Leva-se em consideração que a falta de
planejamento é o problema, que houve um crescimento urbano intenso, desordenado,
gerando inúmeros problemas vivenciados pela população. Aspectos como desigualdades
sociais, segregação socioespacial, exclusão cultural em função da falta de políticas públicas,
não foram citados por nenhum dos entrevistados.
Nesse sentido, apesar de que os elementos citados pelos professores sejam pertinentes
e importantes para a análise do urbano em São Paulo, e que possam tornar-se instrumentos
relevantes para os alunos, ainda são superficiais, pois não há articulação entre o
embasamento teórico e os fenômenos do cotidiano, para que se estimule, entre outras
habilidades, o desenvolvimento do pensamento espacial.
Dificuldades reconhecidas pelos professores de Geografia para trabalhar com temas
da cidade
Um dos problemas destacados pelos professores, em relação ao trabalho docente
com o tema da cidade, é a falta de material ou de acesso a materiais específicos sobre as
cidades. No entanto, é preciso alertar para o fato de que o material pode ser construído a
partir dos dados da realidade vivenciada por eles mesmos. Considerar, pois, a própria
realidade cotidiana como um laboratório, a partir do qual se articula a outras escalas de
análise, é um desafio constante nas ações de formação docente. Pode-se, então, utilizar
conceitos que permitam encaminhar o estudo desta realidade de modo a não permanecer
na descrição de paisagens e/ou situações, realizando análises mais contextualizadas do
mundo globalizado.
Nas respostas dos professores de Ijuí sobre que materiais utilizam para preparar
101
CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
suas aulas de Geografia urbana está expressa a interpretação anterior, que o estudo do
urbano e da cidade é para eles apenas o estudo do lugar. Nas respostas destacamos às
possibilidades locais, seja de material, de estudos de campo, de entrevistas com pessoas,
de visitas, conforme indicam as citações a seguir: documentos, visitas ao museu, viagens
de estudo, visitas a bairros, museus, área rural, pesquisa em material bibliográfico do
município, pesquisa bibliográfica em geral, estudo da realidade dos alunos, pesquisa
sobre a cidade, olhar a paisagem local, descrever paisagens, meios de comunicação
escrita e falada, urbanistas e Lei Orgânica.
No caso dos professores de Goiânia, os dados revelam que a grande dificuldade de
acesso a materiais de investigação geográfica sobre essa cidade é um dos grandes obstáculos
a um trabalho docente mais consistente com essa temática. Com efeito, os dados evidenciam
uma incipiente relação entre Escolas e Universidade, particularmente no âmbito do IESA/
UFG. Segundo afirmaram em entrevista, eles, apesar de trabalharem o tema cidade em
suas aulas e de fazerem leituras sobre a cidade de Goiânia, não têm como fonte dessas
leituras os estudos realizados pelas instituições de ensino superior. Já em São Paulo também
há dificuldade em se ter acesso a materiais produzidos pelas instituições públicas e privadas.
Uma reclamação por parte dos professores é que por falta de divulgação ou acesso acabam
desconhecendo os livros, os documentos e os mapas produzidos sobre a cidade.
As respostas dadas pelos professores das três cidades são próximas em relação ao
que gostariam de ter acesso; muitos afirmaram a importância de se ter diferentes tipos de
mapas, outros disseram que sentem necessidade de acesso aos dados pesquisados pelo
IBGE e outros órgãos regionais.
Além das dificuldades apresentadas, merece ainda destaque a questão do livro
didático e do seu uso pelo professor. Segundo declararam em entrevistas, os professores
entendem que os livros abordam problemas urbanos como a degradação ambiental/poluição,
transporte/trânsito, segurança/violência, que são para a maioria deles problemas relevantes
nas grandes cidades brasileiras. No entanto, muitos depoimentos sobre o conteúdo e o
modo como utilizam o livro didático destacam o fato de que a realidade urbana analisada
no livro tem como referência básica as grandes metrópoles brasileiras, principalmente da
Região Sudeste, e não cidades como Goiânia, e que, assim, eles necessitam “adaptar” os
temas tratados à realidade do aluno. Ressalta-se a mesma constatação de parte dos
professores de Ijuí, em relação ao ensino da cidade, em que precisam trabalhar com
informações “da cidade grande”, o que é agravado quando se percebe que existem muitas
cidades pequenas e medias, no território brasileiro.
A inexistência de material didático para o estudo da cidade tem sido, portanto,
salientado como motivador das dificuldades que existem para tratar do assunto. Na realidade
é pequena a produção existente em todos os lugares, especialmente pelo fato de não ser
economicamente rentável produzir um livro que terá uma venda restrita no caso, por
exemplo, de cidades pequenas e mesmo de cidades médias.
102
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
Reafirmação da relevância do ensino da cidade
Os dados levantados na pesquisa revelam dificuldades para um trabalho efetivo
com a temática da cidade no ensino de Geografia em escolas da rede pública. Mas, eles
também indicam caminhos para a superação dessas dificuldades. É possível destacar, por
exemplo, dois aspectos, com o intuito de reafirmar a pertinência de investimentos da
pesquisa nesta linha. O primeiro deles está relacionado à abertura dos professores de
Geografia para trabalharem com temas da cidade, por entenderem sua complexidade e por
considerarem que ela faz parte do mundo vivido pelos alunos e por eles próprios. O segundo
diz respeito à necessidade de estreitamento das relações entre Universidade e escolas de
ensino básico, ou mais especificamente, entre Cursos de Geografia e práticas de ensino de
Geografia no ensino básico, particularmente quanto ao conhecimento e ao debate sobre
temas urbanos.
O primeiro aspecto está ligado aos saberes docentes sobre a temática estudada, o
que aqui está sendo tomado como elemento da cultura urbana4 . Os depoimentos e as
práticas dos professores sujeitos da pesquisa revelam sua consciência de que é preciso
trabalhar com a realidade do aluno, com o mundo cotidiano do qual ele participa e de que
as cidades estudadas são espaços urbanos em constante e acelerada expansão, que
apresentam problemas de ordenamento territorial, muitas vezes atribuído à falta de
planejamento. Essas questões colocam responsabilidades para os formadores de professores
de Geografia, em cursos de formação inicial e continuada, de propiciar oportunidades ao
professor de discutir aspectos relevantes do espaço urbano e de conhecer fatos e fenômenos
da dinâmica do espaço intra-urbano das cidades na atualidade e em seu processo histórico.
Quanto ao segundo aspecto, é preciso destacar que as investigações geográficas, no
âmbito da academia, têm evidenciado, nas cidades estudadas, como partes de um país da
América Latina, em seu contexto de extrema desigualdade social e elevada concentração
de renda, ambos aspectos expressos em seu arranjo espacial interno. Como processos
correlatos a esse contexto ocorrem: um processo de expansão intensa e rápida de sua
malha urbana, acarretando em contrastes na paisagem entre áreas valorizadas e áreas
pobres; uma verticalização intensa; uma fragmentação do território; uma devastação
ambiental aliada a um comprometimento da qualidade de vida na cidade. O estudo das
três cidades se colocado em uma escala global estão inseridas em um mundo capitalista,
cujo modelo do capital destaca a flexibilidade e a tecnificação no processo produtivo,
portanto há problemas que são os mesmos em proporções menores ou maiores e que
4
Entende-se cultura como uma teia de significados tecida pelo homem. Seu estudo significa compreender como
esses significados são produzidos, percebidos e interpretados, e como eles atuam no processo de identificação do
homem com seu grupo social e com o seu ambiente. Esse conceito está em íntima relação com o de identidade
do sujeito, entendendo esta identidade como aberta, provisória, histórica, contraditória (GEERTZ, 1989 e HALL,
1997).
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CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
podem ser conectadas a uma rede global. Essa realidade coloca Ijuí, Goiânia e São Paulo,
inseridas, como afirmam Blanco e Gurevich (2002), em redes de relações funcionais, em
múltiplas escalas de análises.
Por outro lado, mas em profunda articulação com os aspectos abordados
anteriormente, as pesquisas acadêmicas têm também revelado essas cidades em seus
elementos “imateriais” (BLANCO e GUREVICH, 2002), um conjunto variado de símbolos,
representações, idéias, tecnologias. Abordando os agentes da produção cotidiana desses
espaços - sujeitos locais e globais, sujeitos que tem participação efetiva na gestão, na
economia, mas também sujeitos que vivem cotidianamente a cidade, a consomem, a
produzem – os estudos evidenciam aspectos culturais, maneiras pelas quais as pessoas
(inclusive professores e alunos de Geografia) entendem seu ambiente e suas ações nesse
ambiente, quais as percepções que tem do mesmo, como o simbolizam, que significados
dão a eles.
Todos esses são elementos destacados na investigação geográfica e tomados como
importantes na composição dos saberes docentes sobre a cidade, são necessários, portanto,
para compor a Geografia urbana escolar. Trata-se de ter como referência a cidade,
articulando algumas áreas do conhecimento, ampliando sua compreensão pelo aluno. E
destacar, no currículo de Geografia, a cidade e a cultura urbana como tema de projeto
educativo significa compreender a sua função, a sua gênese e o processo histórico no qual
foi produzida, como conteúdo formativo e ao mesmo tempo como um método de análise
dos fenômenos e das relações que os estruturam. Fazer da cidade um objeto de educação
geográfica busca, portanto, superar a superficialidade conceitual e estabelecer uma relação
mais eficaz entre o saber formal e o informal sobre a espacialidade cotidiana.
Desse modo, os alunos podem descobrir que a cidade é mais do que uma decodificação
das informações que ela revela na sua aparência. A cidade passa a ser entendida pela
dinâmica do território, o que requer o uso de escalas de análise que estabelecem o nível de
interpretação do que se investiga e das escalas cartográficas para se localizar nos mapas
os fenômenos geográficos.
Ao se estudar as cidades observam-se as áreas comerciais, o centro histórico, as
áreas residenciais, as formas de ocupação regular e irregular, constatam-se a exclusão
social expressa e materializada na exclusão geográfica. Desse modo, ao investigar o espaço
o aluno pode compreender o valor da cidade, estabelecer sentido ao lugar de vivência e ao
sítio a partir de relatos ou histórias dos moradores, pode ainda, caracterizar a paisagem
observando a complexidade dos elementos locais, incluindo as culturas locais e singulares,
contextualizadas em diferentes perspectivas: econômicas, sociais, ambientais e culturais.
Essa compreensão da cidade e do espaço urbano permite a construção de um eixo
temático de análise: cidade e cultura. Nesse caso destaca-se o eixo aprender a cidade que
significa aprender que ela não é estática, mas dinâmica, para a qual fluem, por exemplo,
informações e cultura. Nessa perspectiva torna-se relevante compreender a cidade como
um lugar que abriga, produz e reproduz culturas, como modo de vida materializado
104
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
cotidianamente.
Também se destaca aprender com a cidade, que significa facilitar e socializar o
processo de aprendizagem com o recurso da cidade, porque os alunos poderão articular os
conceitos científicos em redes de significados, e em diferentes áreas de conhecimento
escolar. Desse modo os alunos poderão elaborar roteiros a partir da observação do cotidiano,
fazer leituras de cartas e mapas, além de organizar instrumentos de pesquisas para descobrir,
ampliar seus conhecimentos e analisar as várias cidades e itinerários que existem em uma
cidade. Nesse sentido, cabe perguntar: como criar um pensamento pedagógico que torne a
cidade o fenômeno e o local onde se materializa a educação geográfica? Nesse contexto,
Bernet (1993) corrobora com essa análise ao afirmar:
La escuela-ciudad constituye también una estrategia pedagógica de tipo
propedéutico para formar al ciudadano adulto. Así, Piaget, comentando
favorablemente el self-government, escribía: ‘Más que imponerse a los niños um
estudio completamente verbal de las instituciones de su país y de sus deberes
ciudadanos, está efetivamente muy indicado aprovechar los tanteos del nino en la
constitución de la ciudad escolar para informale sobre el mecanismo de la ciudad
adulta’ (BERNET, 1993, p. 194).
Compreender a cidade nessa dimensão pedagógica é reconhecê-la como um
meio em que a escola está inserida; a cidade não terá o papel de substituir a escola
na formação educativa do aluno, ela é o objeto de estudo que dinamizará a prática
docente e tornará a Geografia mais significativa. A Geografia escolar, portanto,
contribui, desse modo, para que os alunos reconheçam a ação social e cultural de
diferentes lugares. A vida em sociedade é dinâmica e o espaço geográfico expressa
as diferentes contradições, como as que ocorrem em relação aos ritmos estabelecidos pelas inovações no campo da informação e da técnica e as alterações no
comportamento e na cultura da população dos diferentes lugares. Além disso,
devemos considerar a dimensão temporal na cidade: observam-se diversos elementos em que o tempo pode ser percebido, tanto no que se refere ao cotidiano
quanto na natureza, pois o modelado do relevo, as avenidas e ruas, as indústrias e
os campos, por exemplo, revelam em suas formas, simultaneamente, o passado e
o presente. Todas as dimensões presentes na cidade resultam do processo de produção e de organização do espaço geográfico, analisado a partir das relações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais. No eespaço geográfico encontramos objetos técnicos, transformados ou não; nele há relações simbólicas e
afetivas, que revelam as tradições e os costumes.
Nesse contexto, ao observar os elementos que compõem o espaço vivido, o aluno
perceberá a dinâmica das relações sociais presentes na organização e produção desse
espaço, bem como o significado do processo de construção de sua identidade individual e
coletiva. Nesse sentido, o estudo da Geografia auxilia na formação do conceito de identidade, expresso de diferentes formas: na consciência de que somos sujeitos da história;
nas relações com lugares vividos (incluindo as relações de produção); nos costumes que
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LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
resgatam a nossa memória social; na identificação e comparação entre valores e períodos
que explicam a nossa identidade cultural.
Dessa forma, o olhar geográfico do aluno pode ser estimulado ao comparar diferentes lugares e escalas de análises, possibilitando superar a falsa dicotomia existente entre o
local e o global, superando o senso comum na ordenação concêntrica dos conteúdos geográficos, que acaba gerando um discurso descritivo do espaço geográfico. Nesse caso,
destacamos a importância de se estabelecer relações entre essas escalas, criando condições para que o aluno ordene os espaços estudados, comparando os fenômenos geográficos, ampliando a idéia de escala.
Essa idéia se reforça, com as assertivas de alguns autores, como Callai (2003) e
Batllori (2002, p. 11), que chamam a atenção sobre a importância de se eleger uma escala
de análise e em seguida outra, para que o aluno consiga explicar o processo de generalização dos elementos e fenômenos de uma área, porque em função da escala pode-se perder
a noção de conjunto ou de detalhes do que está se estudando.
A interpretação dos fenômenos geográficos ganha significado quando o aluno entende a diversidade da maneira como se dá a organização dos lugares, quando compreende
o conceito de território. Por isso reafirmamos que a leitura de mapas e a elaboração de
mapas cognitivos são imprescindíveis para a compreensão do discurso geográfico.
Destacamos, ainda, que não se trata de ensinar a cidade de modo tradicional, apenas definindo lugar e sociedade local. É preciso ter em conta todos os aspectos que estabelecem a organização da cidade, as relações entre os diferentes lugares, a cultura dos grupos sociais, a economia e o processo histórico que operam em múltiplas escalas.
Trata-se de criar espaços de encontros e análises junto com os membros das comunidades, que despertem a curiosidade para o saber e que superem as práticas pedagógicas
que reproduzem esquemas rígidos de aprendizagem. Todas as cidades educam, à medida
que a relação do sujeito, do habitante, com esse espaço, é de interação ativa e dialética, e
suas ações, seu comportamento e seus valores são formados e se realizam com base nessa
interação.
Porém falar em cidade educadora no contexto do ensino de Geografia significa
destacar a possibilidade de, pela mediação da escola e do trabalho escolar com a Geografia,
viabilizar esse projeto, objetivando com essa mediação a formação de cidadãos que
conheçam, de fato, a cidade em que vivem, que compreendam os lugares como locais
produzidos segundo projetos sociais e políticos determinados e que, sendo assim, sua
participação nessa produção é viável, desejável e pode contribuir para que seja garantida
nela a melhor vida coletiva possível. O desafio que se coloca então é como interligar os
aspectos teóricos, os resultados empíricos da pesquisa realizada nas três cidades e os
encaminhamentos pedagógicos num contexto da geografia escolar. Neste sentido é
fundamental discutir os currículos da formação do professor, aprofundar a discussão sobre
cidade educadora e articular a essas questões a produção de metodologias que permitam
avançar no ensino da Geografia. Isso tudo, por entendermos que esta é uma disciplina
106
Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007
escolar capaz de contribuir na formação dos jovens do século XXI.
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107
CALLAI, H. C. ET AL
LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO
COMPARATIVO...
Recebido para publicação dia 05 de Abril de 2007
Aceito para publicação dia 18 de Maio de 2007
108
O LUGAR DA ESCOLA NA
CIDADE: A ESCOLA NORMAL
DA PARAHYBA NO INÍCIO DO
SÉCULO
XX*
THE PLACE OF THE SCHOOL IN
THE CITY:
THE NORMAL SCHOOL OF
PARAHYBA IN THE BEGINNING OF
THE 20TH CENTURY
EL LUGAR DE LA ESCUELA EN LA
CIUDAD
LA ESCUELA NORMAL DE
PARAHYBA A INICIOS DEL SIGLO
XX
Carlos Augusto de
Amorim Cardoso
UFPB
[email protected]
* Trabalho parcialmente financiado
pelo CNPq. Agradeço os comentários/
indicações dos pareceristas, que
proporcionaram uma essencial revisão
do artigo.
Terra Livre
Resumo: O artigo procurou analisar, através das ações dos
administradores públicos e da construção do edifício da Escola Normal,
o processo de modernização da cidade da Parahyba do Norte, atual
cidade de João Pessoa. As ações que auxiliaram a compreensão desse
processo vinculam-se às noções de urbanidade, de disciplina, de bem
estar, de higiene e de educação moral. O surgimento de cadeiras especiais
na Escola Normal, a instalação de um Serviço de Higiene e as reformas
da instrução são aspectos que denotam a vida urbana na escola. O texto
foi produzido como resultado da coleta de artigos e reportagens da
Revista Era Nova e do Jornal O Educador, no Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano e de documentos oficiais (atas, relatórios, leis)
da Assembléia Legislativa e do Arquivo Histórico da Fundação Espaço
Cultural do Estado - FUNESC. O artigo conclui que, para definir o
lugar da escola na cidade, um lugar para a Escola Normal, será
necessário compreender o conjunto de forças sociais, os mecanismos
de sobrevalorização do espaço e do valor do solo, bem como os rituais
simbólicos das representações da monumentalidade para avaliar as
significativas diferenças dos lugares na cidade.
Palavras-chaves: Modernidade; Didática urbana; Escola; Ensino de
geografia; História da educação.
Abstract: In this paper we discuss the modernization process of the
town of Parahyba do Norte. We focus on the public administrations
actions and the construction of the building of the Normal School. We
used the notions of urbanity, discipline, welfare, hygiene and moral
education to really help us to understand that process. Special subjects
in the Normal School, a hygiene service and the reforms of the instruction
are aspects which show urban life in the school. This text is a result of
our research on papers and articles of Nova Era Magazine and O
Educador Journal, in the Historical and Geographical Institute, and
official documents of the Legislative Assembly and Historical File of
the Fundação Espaço Cultural do Estado–FUNESC. The paper
concluded that we need to understand the social forces, the mechanisms
of space overvalue and the value of the land, and the symbolic
representations of monumentality to define the place of the school in
the town, a place to the Normal School.
Keywords: Modernity; Urban didactic; School; Geography teaching;
History of education.
Resumen: El artículo procuró analizar, a través de las acciones de los
administradores públicos y de la construcción del edificio de la Escuela
Normal, el proceso de modernización de la ciudad de Parahyba do Norte,
actual ciudad de João Pessoa. Las acciones que auxiliaron la
comprensión de este proceso se relacionan con las nociones de
urbanidad, de disciplina, de bienestar, de higiene y de educación moral. La creación de asignaturas especiales, el establecimiento de un
Servicio de Higiene y las reformas de la instrucción son aspectos que
muestran la vida urbana en la escuela. El texto se construyó mediante
la recopilación de artículos y reportajes de la Revista Era Nova y del
Periódico O Educador, en el Instituto Histórico y Geográfico Paraibano,
y de documentos oficiales (actas, notas, leyes) de la Asamblea Legislativa
y del Archivo Histórico de la Fundación Espacio Cultural del Estado –
FUNESC. El artículo llegó a la conclusión de que para definir el lugar
de la escuela en la ciudad, un lugar para la Escuela Normal, será
necesario comprender el conjunto de fuerzas sociales, los mecanismos
de supervaloración del espacio y del valor del suelo, así como los rituales
simbólicos de la representación de la monumentalidad para evaluar las
diferencias significativas de los lugares en la ciudad.
Palabras clave: Modernidad; Didáctica urbana; Escuela; Enseñanza
de la geografía; Historia de la educación.
Presid ente Prud ente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 109-128
Jan-Ju n/ 2007
109
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
Quando se trata de crianças, brigar e se amar parecem ir sempre juntos (P. Kropotkin)
Para Pedro e André
Introdução
O texto ora apresentado resulta da pesquisa Escola e Modernidade na Paraíba
(1910-1930)1 , que teve como objetivo central analisar e compreender a relação entre as
reformas (educacionais e urbanas) e remodelações que se passaram na cidade da Parahyba
do Norte, atual João Pessoa e na Escola Normal da Parahyba no período de 1910 à 1930.
Através da coleta e da identificação dos dados nos arquivos da Assembléia
Legislativa (documentos, atas e leis), no Instituto Histórico e Geográfico Parahybano
(material cartográfico, fotográfico, jornalístico e de revistas), no Arquivo Histórico da
Fundação Espaço Cultural do Estado - FUNESC (relatórios, documentos e jornais) e no
Endereço Eletrônico http://www.crl.edu/content/brazil/pari.htm (mensagens dos Presidentes
da Província à Assembléia Legislativa), foi possível reconhecer os conteúdos das ações
dos administradores públicos e da dinâmica social. As análises dos documentos e das
fontes permitiram examinar parte da morfologia da cidade, a localização de prédios
escolares, a política da instrução e do higienismo. Nesse texto ora apresentado, tentamos
demonstrar as reflexões, as sínteses provisórias das relações da escola, e em especial da
Escola Normal com a cidade.
A Parahyba do Norte no contexto da modernização brasileira
Qual a cidade antiga brasileira não conheceu a sua Rua Direita, a Rua do Colégio?
Da Alfândega? ou Do Comércio? Na cidade da Parahyba tal demarcação está presente,
denunciando as atividades que ali aconteciam. Esta plasticidade é uma das características
das cidades brasileiras.
A partir da primeira metade do século XIX, a transferência da sede do governo
português para o Brasil, a abertura dos portos e a independência foram conjuntos de
acontecimentos que são imprescindíveis para analisar os núcleos urbanos.
Tais aspectos são condições preliminares para que as capitais de províncias, quase
todas no litoral, tornem-se centros político-administrativos importantes, dando nova vida
aos núcleos urbanos. A intenção de criar uma elite capaz de governar o país acarreta a
fundação de algumas faculdades (no Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Salvador), o que
estimula a vida urbana. Decerto que a capital da Parahyba, como centro políticoadministrativo desde a sua fundação (a Parahyba do Norte já nasce cidade em 1585), já
1
A pesquisa contou com a participação de Tamara Dayse Bomfim de Aguiar e Tâmara Antas Siqueira, bolsistas
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico da e da Universidade Federal da Paraíba - PIBIC/CNPq/UFPB.
110
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
exercia tal função na província. Contudo, é certo também que o Lyceu Parahybano é
criado por Lei provincial em 1836, após a independência. Tais fatores são importantes
para compreender que numa cidade extraordinariamente insignificante do ponto de vista
urbano, fosse possível criar um “espírito escolar”.
É certo também que a abolição, as redes de transportes e a imigração não foram
suficientes para alterar a orientação da economia, mas a cidade, centraliza as criações,
cria tudo. “Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade isto é sem relações”
(LEFEBVRE, 1999, p. 111).
O crescimento da cidade da Parahyba, desde o século XVI, acontece à serviço das
relações internacionais e do processo de colonização. Concentra suas atividades econômicas
nas grandes propriedades exportadoras e está imersa numa estrutura de base agrária, com
“poucos inputs de urbanização”. Os impulsos para o progresso, principiados no início do
século XX no governo João Machado (1908-1912), estenderam-se até os anos trinta,
passando pelos governos de tradições liberais e oligárquicas: Castro Pinto (1912-1916),
Camilo de Hollanda (1916-1920) e Solón de Lucena (1920-1924), sustentáculos da política
2
de Epitácio Pessoa . Nesse período destacam-se as primeiras implementações de porte no
que diz respeito à equipamentos urbanos e à modernização: abastecimento d’água (1911),
iluminação elétrica (1914) e sistema de transportes de bondes (1914).
Não resta dúvida que a Escola Normal, criada no final do século XIX (1884), está
no interior desse processo de estímulo ao crescimento urbano, progresso e modernização,
procurando o seu espaço na cidade e consolidando-se 30 anos depois.
No governo de João Machado e governos consecutivos de Castro Pinto, Camilo
de Holanda e Sólon de Lucena, a urbanização que passava a cidade da Parahyba estava
firmada na capacidade do poder público de dotá-la de um aspecto limpo, com iluminação,
com alinhamento de ruas, em condições salutares e com espaços públicos. No final da
década de 1910 e início da década de 1920 do século XX, as noções do higienismo
intensificam-se e os espaços passam a ser pensados como finalidade, com ordem política
e social3 .
Monarcha (1999), em “A Escola Normal de São Paulo e a Reforma Urbana” busca
especificar a maneira que uma certa concepção funcional de cidade obedece à racionalidade
“moderna” dos administradores da Província de São Paulo. À semelhança de outras
províncias, nas décadas de 1910-20 do século XX, a cidade Parahyba do Norte começa a
perder pouco a pouco o seu aspecto colonial e passa a ser dotada de manifestações modernas.
Cabe lembrar que a função educativa de bem estar e higiene e as noções do espírito
2
Deputado à Assembléia Nacional Constituinte (1890-91), deputado federal (1891-93) e ministro da Justiça e
Negócios Interiores (1898-1901), procurador da República (1902-05), ministro do Supremo Tribunal Federal
(1902-12), senador pela Paraíba (1912-19), assumiu a presidência do País em 1919.
3
Segundo Abreu (1996), desde o final do século XVIII, o pensamento higienista já havia penetrado no Brasil.
No início com pouca repercussão, as idéias higienistas foram ganhando força com a institucionalização do
ensino médico no país.
111
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
cosmopolita derivam das reformas urbanas. A cidade redefine as relações de poder no
espaço urbano que se modifica e por sua vez modifica a escola: a cidade colonial se vê
cada vez mais distante e os espaços públicos, ruas, praças e escolas da cidade moderna
cada dia mais presente.
As reformas urbanas e as reformas educacionais encetam um novo viver-fazer dentro
da cidade e nas novas relações que se estabelecem; a sociedade começa a exigir uma
cidade moderna onde impere o modo de vida urbano. Assim, na morfologia urbana dos
dois primeiros séculos de existência de Brasil, eram os edifícios religiosos as construções
que se destacavam. Isso se deu em cidades como Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Belém,
São Luiz e Olinda ou em São Paulo. Nesta última, o Pátio do Colégio é o início da cidade
na visão dos Jesuítas.
A cidade da Parahyba do Norte apresentava-se de forma análoga àquelas. Terceira
cidade mais antiga do país, as edificações religiosas grafaram a sua morfologia. Nos
tempos iniciais de sua formação territorial, as edificações religiosas grafaram uma cruz,
símbolo do cristianismo, que exprimia a disposição da ocupação dos templos na cidade:
na “cabeça” da cruz, ao Norte, a Ordem dos Franciscanos; aos “pés” da cruz, ao Sul, a
Ordem do Jesuítas; no “braço esquerdo”, a Oeste, a Ordem dos Beneditinos e a Leste, no
“braço direito” da cruz, a Ordem dos Carmelitas.
No que diz respeito às renovações pedagógicas Kulesza (2005) nos brinda com
uma arguta análise das ações no campo educacional:
No seu clássico estudo histórico sobre o ensino na Paraíba, José Baptista de
Mello, para louvar a renovação empreendida no governo Castro Pinto
(1912–1916), modernidade que faria com que seu nome viesse a designar
anos depois o primeiro aeroporto do Estado, ressalta suas ações no campo
educacional. ‘Para iniciar, comissionou o Professor Francisco Xavier Junior,
Diretor da Instrução, para, no sul do país, estudar os mais adiantados
processos de ensino, a fim de adaptá-los entre nós’, afirma Mello pondo em
evidência o desejo modernizador daquele Presidente do Estado (1996, p. 81).
Esse trânsito pelo que constituía então o eixo norte-sul, vinha se
intensificando desde o início do século XX com a paulatina concentração da
economia no território que hoje compõe a região Sudeste (KULESZA, 2005,
p. 1).
A existência material de um novo espaço urbano que se pretende mais amplo e
como fator de estímulo para as noções de progresso, de modernidade e de modernização,
também estão realçadas nos estudos históricos sobre a expansão dos grupos escolares na
Paraíba:
A ‘instrução generalizada’, como fator de ‘progresso’, foi sistematicamente defendida
pela elite paraibana e esteve condicionada à difusão dos ideais positivistas, implantados
no Brasil desde meados do século XIX (...) predominando a convicção de que ampliando
a oferta de instrução pública esta propiciaria a ordem e o progresso que, para muitos,
tratava-se de ‘questão da sobrevivência nacional’ (PINHEIRO, 2001, p.130).
112
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
Do mesmo modo, em estudos históricos sobre as tramas, os encontros e desencontros
da cidade com a modernidade, verifica-se a existência das noções de progresso e de
civilização:
Na Parahyba do Norte, a influência européia foi absorvida e, embora não tenha
experimentado reformas modernizantes tão intensas quanto no Rio de Janeiro,
não deixou de haver a tentativa de alinhamento dos padrões de civilização,
progresso e desenvolvimento europeu. A atuação dos Presidentes de Estado e
Prefeitos da Capital demonstrava uma certa obsessão em construir uma cidade
esteticamente moderna (ARAÚJO, 2001, p. 62).
Em similar diapasão, Nunes (1994) afirma que a escola reinventa a cidade através
do paradigma de moderno, delineado no Brasil em fins do século XIX e início do século
XX na cidade do Rio de Janeiro, propiciando que a escola seja um centro de ressonância
e amplificação da vontade de mudar:
Uma nova leitura do urbano era paulatinamente construída pelo esforço
ideologizador de toda uma geração de educadores. (...) Havia uma cultura
urbana em processo acelerado de transformação a ser decifrada e cabia à
escola ensinar hábitos que ajudassem as crianças mais pobres a interpretar
a realidade (NUNES, 1994, p. 197).
Dessa maneira, a cidade e a escola tornam-se efetivos locais onde a cultura se
transforma e onde se afirma a língua nacional e a identidade racional. Para as sociedades
européias, os progressos da Ordem Pública já são sentidos nos séculos XVII e XVIII,
onde, em cada cidade, ao se identificar os crescimentos demográficos constantes, são
traçadas técnicas de ensino de alfabetização e de instrução. Tais técnicas utilizam-se da
leitura dos estandartes, cartazes e placas de ruas para instruir os pobres em história, artes,
pesos e medidas e profissões. A rua torna-se uma escola, um teatro de pedagogização
recreativa que objetiva reforçar a nação, favorecendo uma leitura urbana de múltiplas
formas. As cidades e as escolas, deste ponto de vista, passam a ser o lugar do movimento
dialético das “necessidades, desejos e prazeres” (CAMBI, 2001).
Na Parahyba, o século XIX pouco difere dos séculos anteriores, embora indique o
início do desprestígio da aristocracia rural (LEWIN, 1993). A lentidão das transformações
mantinha a cidade “pequena, antiquada, carente de diversos equipamentos urbanos” e
“chama atenção sua paisagem natural e peculiaridades de umas poucas edificações”.
(AGUIAR e MELLO, 1989, p. 75). A cidade expandiu-se mas conserva boa parte da
fisionomia do campo. Assim, do ponto de vista dos ideários da República, a Parahyba “ao
final do século XIX, era uma região em decadência econômica e política e não se distinguia
pela pujança do movimento republicano” (CARVALHO, 1990, p. 67).
No entanto, no século XX, as implementações modernas e uma série de residências
113
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
são construídas: casarões, templos religiosos, escolas e as sedes de órgãos públicos irão
compor os maiores destaques das edificações da cidade.
Diante disso, a cidade da Parahyba e seus atores sociais irão construir a concepção
de manutenção da ordem oligárquica ao mesmo tempo em que propugnam as necessárias
reformas instrucionais indicadas pelo atualismo republicano, induzindo à emoção cívica
para produzir frutos didáticos na nova ordem. Nesse sentido, a escola reúne os instrumentais
essenciais que podem transmitir as noções de cidade moderna e de urbanização como
fatores necessários para a construção de uma vida urbana.
Os estudos sobre o desenvolvimento da escolarização na Primeira República,
centrados na organização da escola pública de São Paulo (NAGLE, 2001; MONARCHA,
1999), não têm conseguido reproduzir seus resultados quando aplicados às realidades
regionais. O descompasso entre a urbanização e a industrialização nessas regiões, tornou
mais complexas as relações entre educação e sociedade. O processo de constituição de um
mercado nacional centrado no Sudeste, em plena vigência do federalismo, expunha
contradições que afetavam a emergência de uma escola destinada simplesmente a preparar
para a “ordem e o progresso”. A desigual distribuição geográfica da mudança nas relações
de produção propiciada pela moderna indústria, confrontava-se com os objetivos de uma
educação nacional sob a égide do Estado.
No âmbito do ensino, em especial o da Geografia, os nexos da modernização
republicana explicitavam os lemas da inspiração evolucionista e positivista. Podemos
recordar a importância do ensino da Geografia naqueles anos do início do século XX. No
início de janeiro do ano de 1913, o governo da Parahyba recebe a letra e a música do hino
da bandeira nacional. Os versos de Olavo Bilac são distribuídos para as escolas locais
para serem ouvidos, juntamente com o hino da independência, o da Republica e o da
Parahyba e serem tocados “em dias determinados de cada mez”. Cânticos patrióticos
entoados em “côros infantis organisados pelas escolas publicas” e ao som da “musica
marcial pelas escolas primarias de ambos os sexos, em edifícios apropriados como exercícios
de canto coral e educação cívica”. O diretor da instrução pública, Dr. Xavier Júnior, é o
encarregado de agendar as “patrióticas visitas” do Presidente do Estado Castro Pinto às
escolas. Na ocasião da saudação dos “símbolos sagrados da nossa nacionalidade” honras
serão dadas “ao governo genuinamente republicano, altruisticamente emprehendedor e
amigo, que quer fazer do povo parahybano, uma nobre força, trabalhando pacificamente
pela Republica e pela Pátria!” (A UNIÃO, 1913).
Essas noções de pátria e de nação já eram objetos de observação do ensino de
geografia no alvorecer da República. José Veríssimo (1985), em seu clássico Educação
Nacional, no capítulo intitulado Geografia Pátria e a Educação Nacional, propugnava
um ensino de geografia voltado para o enaltecimento da nação e da pátria. Este movimento
exprime uma filosofia da educação que instrumentalizará a cultura brasileira até
aproximadamente os anos de 1930. José Veríssimo, como um dos expoentes máximos
desta filosofia e republicano de primeira hora, propugnava a educação leiga, inspirada
114
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
nos grandes interesses humanos e na experiência da ciência universal, revelando sua
anuência a uma filosofia evolucionista e positivista. A crítica que este autor formula à
educação - e à geografia em particular - em fins do século XIX, diz que o sistema geral de
instrução não merece o nome de educação nacional, pois
em todos os ramos é apenas um acervo de matérias sem nexo e lógica, e estranho
completamente a qualquer concepção elevada de Pátria (...) Nas escolas, a
Geografia é uma nomenclatura de nomes europeus principalmente; a Geografia
pátria, quase impossível de estudar pela ausência completa dos elementos
indispensáveis, resume-se a uma árida denominação (VERÍSSIMO, 1985, pp.
53-54).
Percebe-se, assim, que a noção do autor d’Educação Nacional estava baseada na
busca da formação da idéia de pátria, de nacionalidade, da identidade brasileira e do
princípio federativo. O seu estudo avalia o ensino da geografia de sua época como
“lamentável” e feito por uma “decoração bestial e a recitação ininteligente da lição
decorada”, cheio de lacunas no que diz respeito a materiais com mapas, cartas e globos.
Sobre os nossos livros exclama que são
mal pensados e mal escritos, carecem inteiramente de valor pedagógico. (...)
limitam-se à enumeração seca das cidades, à indicação do bispado a que pertencem,
à divisão judicial, ao número de representantes, calando completamente as notícias
muito mais úteis sobre o clima, a configuração física, o regime das águas, os
produtos e as zonas de produção (VERÍSSIMO, 1985, p. 94).
Na verdade, Veríssimo deseja uma geografia da sua terra, que deveria ser melhor
conhecida em seus aspectos pitorescos e paisagísticos. É portanto deste modo que no
capítulo que trata da geografia, no livro mencionado, reivindica, no interior do seu projeto
de nação, um brasileiro para nos dar a “nossa geografia”:
O que sabemos da geografia da nossa Pátria, das feições características do seu
solo, dos seus habitantes de outras zonas que não são nossas, sabêmo-los pelos
estrangeiros. Foram os Castelnaus, os Saint-Hilaires, os Eschweges, os Martius,
os Burtons, os Agassiz, os Bates, os Wallaces, os New-Wieds, os Hartts e os Steinens
que nos ensinaram a geografia da nossa Pátria. (...) Que desamor profundo do
País está este fato a revelar! Entretanto, o conhecimento do País em todos os seus
aspectos, que todos se podem resumir em - geográfico e histórico - é a base de todo
o patriotismo esclarecido e evidente. Por isso, a geografia do País, inteligentemente
compreendida e ensinada, é por assim dizer a base de toda a educação nacional
bem dirigida (VERÍSSIMO, 1985, p. 96).
Esse modelo de ensino de geografia se multiplica, rechaçando os métodos que não
fossem estritamente geográficos e massificando os conhecimentos escolares nos currículos
das escolas brasileiras em todos os níveis dos sistemas educacionais. É neste modelo que
a excursão geográfica surge como um método ativo, sugerindo que o principal objetivo do
115
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
ensino da geografia deve ser aquele que educa os “sentimentos do belo e da pátria”
Esses princípios republicanos se farão presentes em muitos conteúdos escolares.
No período de 1910-1930, as escolas secundárias e de formação de professoras utilizaram
materiais didáticos que reproduziam aqueles princípios. Podemos citar: “Lições de Língua
Materna” de Francisco Xavier Filho publicado em 1907, “Pontos de História do Brasil”
de Eudésia Vieira, “Geografia Elementar adaptada às Escolas Publicas Primarias” de
Tancredo do Amaral e “Escola Pittoresca” de Carlos D. Fernandes, para ficarmos nos
livros adotados na Escola Normal e nas escolas primárias paraibanas.
A cidade e a escola na modernidade: a Escola Normal da Parahyba
A relação da cidade com a escola tem o espírito do tempo. A forma da cidade, em
cada época, responde ao espírito do tempo dela mesma. A cidade pode ser analisada na
modernidade como local onde se desenrolam as atividades e manifestações de seus
habitantes; onde se registram os sentimentos de identidade coletiva, as percepções subjetivas
e experienciais. Esta importante perspectiva seria uma maneira de fixar a cidade no campo
educativo; e relevante porque os ordenamentos e a disciplinarização urbanas estão situados
no mesmo projeto de modernização do ensino e da cidade, pelo menos é o que nos ensina
o grupo modernista GATEPAC (MOSER, 1933, p. 28).
Mas, ainda que a modernização – e os modernistas - esteja assentada na cidade,
as décadas de 1910-1930 do século XX não eram apenas construções de escolas grandiosas,
tais como a da Escola Normal da Parahyba. Eram tempos de escolas isoladas; como a da
“D. Diná Carneiro Monteiro”, “D. Zinha”, “D. Maria Araújo”, “D. Dulce Aragão” na
Parahyba (BRITO, 1989). Tempos e espaços que se combinam com a escola da “D.
Olímpia” e do “Professor Teófilo”, na cidade do Rio de Janeiro (NUNES, 1994).
Todavia, enfatizar a formação de um sistema escolar para a formação de professores
seria a conexão apropriada dos modernizadores da cidade do período republicando de
1910 à 1930. Através das transformações e das investidas dos administradores públicos e
da sociedade, a cidade da Parahyba configura-se como célula de progresso e crescimento.
Sendo assim, a escola e a educação compartilham com a cidade o caráter disciplinador de
que se necessita para construir o progresso, provendo-a de infra-estrutura de serviços.
Durante tal período, urbanizar era sinônimo de sanear, embelezar e iluminar.
Segundo Trajano Filho (1999), a “abertura da Avenida João Machado, durante a
administração do presidente da província João Machado (1908–1912), que indicava o
crescimento da cidade em direção as Trincheiras4 no início da década de 1910, pode ser
considerada como o marco inicial dessas reformas”. (TRAJANO FILHO, 1999, p. 4).
Do mesmo modo que cabia sobretudo ao Estado a formação de um sistema escolar
4
A rua das Trincheiras era a principal ligação rodoviária da cidade de Parahyba do Norte com a cidade do Recife.
116
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
e a construção de edifícios para a educação e para a cultura, o calçamento das ruas, os
alargamentos para passagens de carroças e de automóveis, a colocação de postes de
iluminação pública e a criação de linhas de bondes ligando os subúrbios ao centro da
cidade, tornaram-se parte muito importante dos investimentos do Estado para atribuir
qualidade ao novo mundo urbano. Um documento do órgão responsável pelas finanças da
Província nos revela o interesse da administração num conjunto modernizações:
Contrato que faz o Estado para execução e exploração dos serviços de iluminação
pública e particular, distribuição de força eletro motora, e eletrificação das
linhas de bondes desta capital... (...). A iluminação compreende as praças e
ruas e terá início ao anoitecer, terminando ao amanhecer; (...). Os
concessionários ficarão obrigados a eletrificar as linhas de bondes atualmente
existentes entre a Praça Álvaro Machado, Tambiá e Trincheiras e, fazer o tráfego
da ferrovia de Tambaú por tração elétrica, a vapor ou por meio de automóveis
(FUNESC, 1910).
Uma década depois, a revista de costumes Era Nova, reproduz a mensagem de fim
de ano do Prefeito do município, Guedes Pereira, que, num tom futurista5 , diz:
A cidade, sob seus influxos ganha novos encantos, perde pouco a pouco o seu
saturno aspecto colonial e adquire foros de uma formosa e bem cuidada
metrópole. Enquanto isso novas avenidas são abertas, em aprazíveis localizações
para o alargamento de nossas ruas. As finanças da municipalidade tem sido
organizadas com o irroprochavel (sic!) critério, que constitui o traço
predominante do espírito progressista do conceituado político paraibano
(PEREIRA, 1923a, p. 13).
Em maio do mesmo ano, na mesma revista, em nota intitulada “as bellezas da
cidade”, enaltece os jardins e as praças da cidade:
Uma das maiores bellezas da nossa capital e que logo encantam os nossos
visitantes, são os nossos jardins públicos. (...) A Parahyba já ganhou mesmo os
foros de “cidade dos jardins”. (...) esses logradouros públicos que constituem
a mais bella ornamentação da nossa urbs. (...) sempre perfeitamente conservados
e attrahentes os nossos jardins, o da praça commendador Felizardo, o da Praça
Venancio Neiva e o da Pedro Americo. (...) os dois primeiros, com as suas
esbeltas e farfalhantes palmeiras, com os seus ficus copados, com os seus
extensos tapêtes de relva, (...) emprestam a maior esthetica a nossa capital,
deixando em quem nos visita a impressão de que a Parahyba é toda um grande
e encantado jardim (PERREIRA, 1923b, p.5).
Apesar dos ideais reformadores dos seus diversos administradores, a cidade da
5
O futurismo é um movimento modernista surgido por volta de 1909 e atribuído a sua criação ao artista italiano
Filippo Tommaso Marinetti. Baseia-se numa concepção dinâmica da vida e no combate o culto do passado e da
tradição.
117
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
Parahyba do Norte e a sociedade paraibana possuíam um ritmo lento em relação a outras
cidades brasileiras. Se no período de 1910 à 1930 há uma preocupação no remodelamento
e no embelezamento da cidade e engendravam-se as noções de modernidade, a inclusão de
impostos, tais como o da décima urbana6 , alinhamentos das casas nos limites da rua,
calçamento, saneamento entre outras modificações que foram decorrentes das reformas, a
cidade e sociedade ainda se encontram intimamente ligado a uma cultura oligárquica rural,
conservadora e tradicional (MAIA, 2000).
As contradições eram de várias ordens. A institucionalização da Escola Normal da
Parahyba dá-se no Império, assemelhando-se à Escola Normal do Rio de Janeiro. A lei Nº
761, sancionada pelo presidente José Ayres do Nascimento em 7 de dezembro de 1883,
transformou o Liceu Paraibano numa escola normal de dois graus, sendo o primeiro grau
compreendido pelo ensino elementar destinado à formação de professor e o segundo grau
destinado a um conhecimento mais prático e com um maior desenvolvimento das cadeiras
do primeiro grau. Tal Lei foi regulamentada em 30 de junho de 1884 e a Escola Normal de
primeiro grau solenemente instalada em abril de 1885 (KULESZA et. all, 1998).
Ainda no tocante às reformas escolares, o segundo governo de Álvaro de Machado
(1905) inicia um conjunto de reformas educacionais, que a par do desenvolvimento do
ensino no Rio de Janeiro procura pelo menos no papel atualizar o ensino no Estado. É
desse período o restabelecimento do decreto de criação da Escola Normal, revogando a
Lei Nº 761 que criara a escola normal de dois sexos.
No governo Camilo de Hollanda (1916 a 1920), as noções de modernidade se
engendravam de tal forma que seu mandato se diferenciava pela realização de inúmeras
obras públicas, dentre elas o prédio da Escola Normal.
A construção de prédios de imponência e significação urbana é vista como uma
forma de olhar a função educativa da cidade. Dessa maneira, a construção do prédio da
Escola Normal contrastava com a deficiência da cidade em termos de infra-estrutura urbana,
apesar da difusão e da propaganda das reformas na cidade e na educação. O Jornal O
Educador, órgão do professorado primário, comunicava as condições das escolas da cidade
da Parahyba daqueles anos com o título “A deficiência de luz nas escolas noturnas”. O
semanário solicita atenção do diretor geral da instrução pública, através do conhecimento
de que
as casas de ensino na sua maioria, são prédios impróprios e com serias
dificuldades. A falta de luz adequada as escolas proporciona graves
conseqüências. Muitos professores levam de casa candieiros a querosene para
poderem exercer suas atividades, como os alunos, com dificuldades para ler e
escrever, ascendem velas nas carteiras (EDUCADOR, 1922b).
6
Imposto do Estado em prol do melhoramento da cidade. Existiam benefícios, como a sua isenção, aos
prédios construídos em favor da execução de melhoramentos da cidade. As escolas privadas e as escolas
isoladas reivindicavam o benefício de isenção.
118
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
Soma-se a isso as investidas oficiais na área de transporte e comunicação, além
das intensivas campanhas de higienização e purificação do espaço urbano, realizadas em
nome da chamada “Revolução Sanitária” e inspiradas nas novas descobertas da área de
microbiologia. Era necessário “desodorizar” a urbis, em nome das novas exigências estéticas
e científicas da sociedade positivista do tempo. As escolas entram no ritmo das reformas e
a instrução promove e reforça os vínculos com a vida urbana, criando cadeiras especiais
de higiene na escola. Na administração do Estado, é criada a Repartição de Hygiene, com
a função de vacinação e revacinação do mal da varíola. Mesmo órgão responsável por
fiscalizar nas escolas o cumprimento do “tríplice escopo da educação do homem –
desenvolver a inteligência, formar o coração e avigorar o corpo” (LEAL, 1906).
O conjunto de regras e códigos (no ano de 1911 é criado a Polícia Sanitária para
a intimação e visitas domiciliares) que a cidade passa a possuir reforça a vida urbana. A
escola e a Escola Normal em particular passam a ser reconhecidas como uma instituição
social que contribui com a reorganização do espaço territorial da cidade. A década de
1910 será a primeira consolidação das duas mais importantes escolas da cidade da Parahyba
do Norte: a Escola Normal e o Lyceu Paraibano. São criados os regulamentos e são
instalados os edifícios mediante construção ou reformas e, a profissão de professores
recebe suas primeiras regulamentações gerais. Dirigiremos nossa atenção ao processo de
instalação definitiva da Escola Normal na cidade.
A ESCOLA NORMAL PROCURA O SEU LUGAR NA CIDADE
O início das reformas educacionais republicanas na Parahyba se dá com o que se
convencionou chamar de “Alvarismo” no governo. É na administração de Álvaro Machado
em seu primeiro mandato (1892-1896) que é criada, por decreto Nº 7 de 4 de fevereiro de
1893, uma Escola Normal para ambos os sexos, em substituição ao antigo Externato
Normal, só destinado ao sexo feminino. No seu segundo mandato (1904-1908) ele
restabelece o decreto nº 7 de 1893, com as modificações aconselhadas pela experiência. É
provável que a experiência a que se refere o Presidente da Província seja a de que uma
escola normal para ambos os sexos não tenha tido o sucesso esperado. Pois em mensagem
oficial presente no Relatório do ano de 1905, estabelece a substituição do pessoal docente
de instrução primária por normalistas, concedendo regalias e “vencimentos compensadores
da honrosa profissão do magistério”, que valoriza o título de normalista. A mensagem
termina com a expectativa de que “traçado esse rumo e seguido sem desfalecimentos
teremos em breve tempo elevado à altura a que tem direito a instrucção primária nosso
Estado” (MACHADO, 1905).
Diante das expectativas de modernização da escola, da formação de professoras e
do acolhimento pelo Estado da profissão de professor, a escola passa a ter um papel
destacado na cidade. Para tal destaque é necessário encontrar um lugar para a escola. É
desta forma, portanto, que a escola passa a se deslocar na cidade de acordo com as
119
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
configurações urbanas; movimenta-se no sentido de melhor adequar-se ao espaço e ao
conjunto da sociedade nos seus vários aspectos simbólicos e sociais.
A geografia nos auxilia para exemplificar estas configurações no espaço urbano da
cidade. Podemos traçar uma breve chorographia-chronologia do percurso da Escola
Normal na cidade da Parahyba do Norte até a sua fixação em edifício próprio: a) 18851905 - no 1º andar do Lyceu Parahybano, ao lado da Igreja da Conceição dos Militares; b)
1905-1909 - na antiga residência presidencial e antigo Palacete da Instrução Pública,
atual Biblioteca pública na Rua Nova - atual General Osório; c) 1909-1911 no térreo do
Palácio da Redenção, enquanto espera reforma no prédio do Palacete da Instrução Pública;
d) 1911-1919 – na antiga Residência Presidencial e antigo Palacete da Instrução Pública,
atual Biblioteca pública; e) 1919-1939 - no Prédio da Escola Normal, hoje ocupado pelo
Tribunal de Justiça do Estado e f) 1939 aos dias atuais no Instituto de Educação, junto ao
atual prédio do Lyceu Paraibano.
Inicialmente no primeiro andar do prédio do Lyceu Parahybano (Foto 01), a Escola
Normal posteriormente localizou-se na atual Rua General Osório - antiga Rua Nova (Foto
02). Foi desalojada em 1909 para reconstrução do prédio, pois na visão dos responsáveis
pela instrução, a escola encontrava-se em “prédio inadequado, sem acomodações precisas,
sem mobiliário apropriado e destituídos de condições de higiene” (MACHADO, 1911),
passando as aulas a funcionar em um período curto de tempo nas dependências do Palácio
do Governo, vizinho ao Lyceu Parahybano. Em junho de 1911 retorna ao seu prédio da
Rua General Osório em solenidade de inauguração qualificada como um momento
“concorrido por um grande número de famílias e pessoas graúdas” (LEAL, 1906), só
saindo de lá em 1919, para o prédio da Praça Comendador Felizardo Leite.
FOTO 1
Lyceu Parahybano, atual Faculdade de Direito. Fonte: PARAHYBA, 1936.
Durante a passagem da Escola Normal para o Palácio do Governo em 1909, o
prédio da Rua General Osório passou por reformulações gerais, sendo destruído quase
todo e ficando só as paredes mestras. Reconstruído e ampliado, chegou a desapropriar
uma casa e um terreno vizinho para a instalação do grupo escolar modelo anexo. As
escolas modelos eram uma das exigências para que as alunas se tornassem mestres de
120
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
acordo com as prescrições de um ensino ativo.
A escola também passou por melhoramentos internos, sendo dotada de aparelhos de
ensino e mobiliário “decente e adequado” adquiridos em uma fábrica especializada de
Nova York. Foram realizadas melhorias nas condições higiênicas, substituindo as fossas
fixas pelos aparelhos sanitários e seguindo os preceitos da rigorosa higiene (MACHADO,
1911).
FOTO 2
Antiga Escola Normal na década de 1910, atual Biblioteca Pública do Estado.
Fonte: CUNHA, 1940.
No decorrer do trajeto da Escola Normal na cidade foi se constituindo um conjunto
de debates entre administradores públicos, arquitetos, professores, pedagogos e intelectuais,
no sentido de proporcionar para a Escola Normal um lugar apropriado. O Presidente
Castro Pinto, em mensagem à Assembléia Legislativa no ano de 1913, compreende que o
edifício da Escola Normal da Rua Nova (atual rua General Osório) não correspondia mais
a seus fins. Acata a sugestão do então Diretor da Instrução Pública, Dr. Francisco Xavier
Junior, de desapropriar um prédio vizinho à escola para a construção da Escola Modelo,
mas afirma que esta seria de caráter provisório. Segundo ele, mais sensato seria
emprehndermos a construcção de um edifício próprio, capaz de preencher todas as
necessidades dessa instituição, com escolas modelos e jardins de infância annexos, onde
se instaurasse simultaneamente o primeiro grupo escolar estabelecido pelos moldes paulistas
(PINTO, 1913).
Esse debate sobre um novo prédio para a Escola Normal se prolonga durante os
anos seguintes. Em 1917, dois anos antes da sua inauguração, os desenhos e os planos do
edifício e da fachada do projeto arquitetônico de Octavio Freire foram mostrados ao então
Presidente da Província, Camillo de Hollanda. Tal acontecimento suscitou exaltações na
imprensa local:
Trata-se de um bello edifício de estylo neo-dorico, appropriado com muito
engenho aos fins pedagógicos pelo talento architectural do sr. dr. Octavio Freire.
Os desenhos da fachada, feitos a aquarella afiguram-se-nos irreprehensiveis,
pela nitidez e segurança de traço com que estão concluídos. (...) A nossa
impressão dos desenhos da fachada e dos planos foi o melhor possível. (...) O
121
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
futuro edifício da escola Normal há de fazer honra ao governo de do sr. dr.
Camillo de Hollanda, ficando como um eloqüente attestado da evolução da
architectura na Parahyba, nestes ultimos tempos (A UNIÃO, 1917).
Para os administradores, um estilo neo-dórico e universitário caracterizava a utilidade
e o embelezamento da cidade e o edifício da Escola Normal vinha a atender às aspirações
e às exigências postas pela crescente urbanização. Pois, podemos verificar este pragmático
plano na “Exposição de motivos” apresentada por Camillo de Hollanda, na passagem de
seu governo para o governo de Sólon de Lucena:
Visando o duplo aspecto – o de sua utilidade e de embellesamento da capital,
tratamos logo da construção de vários edifícios públicos, começando pelo da
Escola Normal, defficientemente alojada. Esse edifício, cujas linhas sóbrias
condizem precisamente com as de um estabelecimento do seu gênero, obedece
ao estylo universitário, abragendo uma superfície de 892 metro quadrados,
com dous pavimentos. (...) O edifício está provido de mobiliário novo e
adequado, afora quadros, globos, mapas, ardósias e tudo mais imprescindível
ao confôrto e hygiene de um estabelecimento dessa natureza (LUCENA, 1920).
À exemplo de outras cidades brasileiras, o edifício da Escola Normal da Parahyba
é resultado de um debate de estilos, acompanhando as manifestações de estilos implantados
noutras Escolas Normais noutras regiões; cada cidade assume uma funcionalidade e
adequação de acordo com as necessidades locais e os poderes constituídos aplicam como
parâmetros as concepções organizativas de que a sociedade precisa para se apropriar do
urbanismo.
A Escola Normal instalada em 1919 na Praça Comendador Felizardo, segue as
normas vigentes dos moldes escolares da época, com “prescrições higiênicas e pedagógicas,
que condizem com a iluminação, ventilação e asseio das aulas e compartimentos” (A
UNIÃO, 1917). O projeto arquitetônico da escola procura adaptar-se às condições do
lugar, em acomodá-la ao clima tropical, com a inserção de janelas que propiciem uma
renovação constante do ar e a disposição da iluminação, sem tirar a harmonia do estilo
neo-dórico (Foto 3).
De acordo com o projeto, o prédio vinha atender três aspectos básicos de uma
edificação escolar: estética, técnica e salubridade. A Comissão nomeada para avaliar o
projeto, composta pelos membros: Dr. Matheus de Oliveira, arquitetos Hermenegildo Di
Lascio e Pascoal Fiorilli, Dr. José de Azevedo Maia inspetor sanitário escolar, e Dr. José
Fructuoso Dantas professor de pedagogia da Escola Normal, dá parecer sob os pontos de
vistas técnico, higiênico e pedagógico da planta daquele edifício:
Todo o edifício está, a rigor, estylizado com a beleza e majestade do dórico
moderno. Obedeceu a um plano consciencioso e artisticamente elaborado de
par com a techinica. A simples visão agrada e se define, tal é a correção e boa
medida de suas linhas. Não terá os excessos de ornamentação nem tão pouco a
polychromia que tanto mal nos faz a vista e ao espírito, estroplondo-nos o
senso esthetico; talvez, por isso, a alguém possa desagradar. (...) É bem de
122
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
ver-se, elle o elaborou, não só tendo em vista dotar esta cidade de uma bella
obra arquitetônica, mas de resolver com o maior critério pedagógico a disposição
interior a semelhança dos melhores estabelecimentos congêneres. Assim, a
futura Escola Normal será dotada de um systema de ventilação consoante as
prescrições da hygiene escolar precisamente tropical. (...) O local foi
acertadamente escolhido e está, parece-me, fadado a enfaixar as melhores obras,
fazendo ângulo com dous lindos jardins que concorrerão grandemente para
aumentar o arejamento (A UNIÃO, 1917).
FOTO 3
Escola Normal, atual Palácio da Justiça do Estado na antiga Praça Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa
(1930). Fonte: Rodriguez, s/d.
Abrangendo uma superfície de oitocentos e noventa dois metros quadrados, o prédio
da Escola Normal na Praça Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa, compõe-se de dois
pavimentos, um superior e um inferior, onde se pode encontrar salas com capacidade para
60 à 120 alunos, laboratório de física, química, salão de desenho, biblioteca, salão de
honra, sala para trabalhos de agulha, salão para história natural (composta com uma sala
para o museu escolar e um vestuário), vestuário, lavabo e porão, que era habitável. A
monumentalidade atendia à promoção de uma ampliação no ensino, com o ensino
profissionalizante e a obtenção de laboratórios de química e física.
As modificações surgidas posteriormente, alterando aqui e ali a planta do edifício,
devia-se à uma certa obsessão pedagógica, tão em voga, por parte dos gestores e educadores
de acompanhar as mudanças para acomodar a escola a um modelo que privilegie as
condições técnicas, pedagógicas e estéticas que favoreçam a “modernidade”.
Desta forma, o projeto da Escola Normal privilegiou a relação do espaço externo
com o espaço interno. As salas de aulas do andar térreo tinham uma disposição que davam
a uma galeria que propiciava uma constante ventilação e uma fiscalização completa da
diretoria. De acordo com os ideais republicanos não bastava um ensino voltado só para o
intelecto, era preciso também um ensino cívico mediante culto à bandeira nacional, cânticos
e hinos patrióticos que se intermediava na cidade pela mocidade escolar, conforme vimos
123
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
nas prescrições de Veríssimo (1985) e nas reportagens dos jornais da época. A escola é
uma estrutura material onde se coloca o escudo pátrio, a bandeira nacional e os pavilhões
nacionais, hasteando-os no início das aulas e recolhendo no final.
A Escola Normal, uma das grandes instituições escolares do ensino secundário,
fazia com que quase todas as moças fossem à procura de um curso que levassem a uma
profissionalização. Esta busca e a esperança no magistério, segundo Kulesza et. all. (1998),
era porque “as meninas menos favorecidas da sociedade viam no magistério a oportunidade
de assumirem uma profissão”. E, aos olhos da maioria da sociedade da época, era a
profissão mais adequada. Adequada no sentido de se ter no sexo feminino a representação
do papel social e educativo atribuído à mãe; ou seja, caberia à mulher dar a educação
necessária às crianças do ensino primário.
Para as moças que não podiam ter uma profissionalização e nem serem mentes
ativas na sociedade, deveriam dedicar-se à aspectos de uma preparação para serem donas
de casa, conforme suas vocações ao lar. Em mensagem, Sólon de Lucena (1921) explicita
bem como incomodava a educação feminina voltada para o intelectual, bem como para a
vida no urbano:
Esta preparação especializada forma-lhes, unilateralmente, a mentalidade: crêalhes bem fundadas esperanças no ganhar a vida por meio da profissão que
abraçaram: habitua-as à existência rumorosa e agitada das ruas; desacostumaas aos labores medíocres do lar e, prepara-lhes, por sua vez a desillusão que as
assalta quando, à mingua de colocação, vêem o quanto de tempo e energias
consumiram inutilmente (LUCENA, 1923).
A vida na escola, os hábitos corriqueiros das normalistas e as delimitações do espaço
escolar eram acentuadamente reflexo e réplica da vida urbana. Cabia à escola lidar com a
política higienizadora, bem como com as novas práxis salutares e de higiene no âmbito
educativo, lançando as normas e princípios da modernização e sua medida no conjunto
social. A Escola Normal, pela sua própria concepção propedêutica, e por ser uma escola
exclusivamente feminina, faz com que as meninas e damas se aprimorassem em atividades
caseiras e se profissionalizassem. Essa diferença de sexo na divisão das atividades foi
observada pelo Jornal O Educador quando
sugere a ampliação de dois tipos de conhecimento ensinados nas instituições,
separando-os quanto ao sexo. Para as mulheres podemos ensinar, confecções,
bordados, rendas feitas de roupas, flores, chapéus, pintura, decoração, arte
culinária, datilografia, fotografia etc. . Para os homens um número mais de
atividades e um ensino mais técnico: mecânica, ferraria, marcenaria,
eletrotécnica, decoração, química etc. (EDUCADOR, 1921).
É possível, assim, sugerir que este espaço da cidade ou o da escola em especial
seja machista. Ao analisar a relação cidade-escola podemos levantar o debate sobre alguns
argumentos de especial relevância para um estudo desta natureza: a) a distinção entre
124
Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007
conflitos relativos à reprodução de idéias e os que dizem respeito ao consumo das idéias
(ou mesmo de sua aplicação); b) os fatores que mediam e/ou controlam os conflitos sociais;
c) a direção da atenção para as diferenciadas fontes urbanas de poder público; d) a
intervenção do Estado como componente territorial, campo de análise da geografia urbana
local, nacional e mundial; e, e) a incorporação das noções de gênero, patriarcado, oligarquia
e uma sucessão de fragmentações do conhecimento na história: prendas domésticas,
trabalhos manuais, economia doméstica, cursos comerciais etc. .
À maneira de conclusão
Ao supor a construção de um espaço machista na cidade no início do século XX,
verifica-se que o lugar das mulheres na cidade, e de resto das professoras normalistas, é
uma reinterpretação do papel do trabalho doméstico e feminino no contexto das cidades na
modernidade. O espaço escolar, em seu desenvolvimento interno, é um reflexo do espaço
segmentado da cidade em processo de modernização. Do patriarcalismo herda-se o ritual
e o simbólico, contrastado com as contradições da clausura e da ostentação das instituições
escolares. Exemplo singular é o romance A Normalista, de Adolfo Caminha. Ambientado
em Fortaleza, estado do Ceará, no fim do século XIX, que mostra parte substancial do
provincianismo das elites e dos subprodutos do coronelismo.
A Escola Normal, como espaço que possui salas de conferências, gabinetes, salas
de aula com separação entre meninos e meninas “representam diferentes formas retóricas
de comunicação, além de cobrir determinadas funções” (FRAGO, 1998, p. 39).
Frago (1998), ao examinar as Instruciones sobre arquitetura escolar que a Direção
de Ensino Primário da Espanha publicou em 1912, afirma que as construções arquitetônicas
e o lugar ao qual as escolas são submetidas, bem como igrejas, templos e espaços públicos,
expressavam “a função estética e simbólica que os edifícios escolares podiam desempenhar
na educação da infância e de toda a comunidade”, acrescentando que a “solidez das
instituições era equivalente à solidez de seus muros”. (FRAGO, 1998, p. 35-7).
Em pesquisa recente, Capel (2005) destaca a importância e a especificidade dos
estabelecimentos escolares que pedagogos e arquitetos em Espanha atribuíam aos edifícios
escolares desde meados do século XIX, manifestando os ideais sobre a construção de
edifícios escolares:
Su hermosura había de ser ‘sencilla, sin profusión de adornos’ ya que estos
edificios debían ser baratos. (…) El exterior había de ser sencillo, ya que a
estos edificios ‘la circunspección y seriedad los embellece, como también el
emplear en ventanas y rejas materiales sólidos y robustos que correspondan
con la demás decoración’. Al mismo tiempo se elaboraron normas para que las
puertas de entrada estuvieran claramente indicadas, sin muchas escaleras para
los más pequeños, ventanas amplias que proporcionasen luz a las aulas, y los
más altas posibles respecto al piso de la calle, para no quedar expuestas a las
miradas del publico y no se interrumpiesen las tareas (CAPEL, 2005, p. 3912).
125
CARDOSO, C. A. DE A.
O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE...
O referido autor prossegue demonstrando que a cidade como sede da ciência e da
cultura sempre concentrou equipamentos educativos e culturais, adquirindo mais ou menos
importância em função da conformação das mentes e das atitudes.
Na Parahyba do Norte, com o crescimento da cidade e as modernizações advindas
do processo de urbanização, um sistema escolar vai sendo paulatinamente instalado e
escolas vão sendo inauguradas mediante grandes festividades e grandes solenidades. Nestas
solenidades, em geral, são onde se ressaltam as doações de pessoas ilustres da oligarquia
local, como podemos notar quando da “inauguração do prédio escolar Izabel Maria das
Neves, que ocupa um prédio na capital doado pelo cel. Alípio Dias Machado que deu a
escola o nome de sua mãe. (...) situado na avenida João Machado (EDUCADOR, 1921).
Nesta intrincada relação, é necessário anotar que a Décima Urbana transfigura-se
e é aprovada a Lei 544 de 1921, que “permite aos particulares construir prédios para
escolas com a completa inserção de impostos e a garantia de 1% de rendimentos mensais
sobre a quantia orçada”(EDUCADOR, 1922).
Grosso modo, como se pode ver através dos tempos, em continuidades e
descontinuidades, os espaços públicos e as instituições se modificam, se produzem e se
reproduzem na dinâmica da cidade. A localização da escola e suas relações com o espaço
urbano responde à padrões culturais e pedagógicos que as crianças e os jovens internalizam
e aprendem. Luz, ventilação e asseio são elementos mecânicos que ganharam importância
no século XIX e que se relacionam com o higienismo e com a industrialização. Na Parahyba
do Norte, esta relação está mais articulada ao higienismo do que com a industrialização,
com o republicanismo oligarca e com o positivismo científico. A escola como produto de
cada tempo, caminha na cidade em busca permanente de seu lugar: itinerância, fixação e
estabilidade.
O que procuramos evidenciar é que para definir o lugar da escola na cidade, um
lugar para a Escola Normal, será necessário compreender o conjunto de forças sociais, os
mecanismos de sobrevalorização do espaço e do valor do solo, bem como os rituais
simbólicos das representações da monumentalidade para avaliar as significativas diferenças
dos lugares na cidade. Cabe verificar que a maneira como a escola se fixa na cidade é
única, singular. A sua extensão implica na sua identificação enquanto configuração
geográfica de um fixo no espaço, um prático-inerte. Ao fazer uma geografia histórica da
localização podemos demonstrar as relações de interesses das instruções pedagógicas. Ou
seja, a escola como lugar, pressupõe uma mobilidade das idéias e dos alunos na cidade
que, em maior ou menor grau, contrapõe-se à idéia de um lugar do ensino como estável e
fixo.
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Recebido para publicação dia 05/04/07
Aceito para publicação dia 20/08/07
128
O ENSINO DE GEOGRAFIA
NAS SÉRIES INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA ANÁLISE DOS
DESCOMPASSOS ENTRE A
FORMAÇÃO DOCENTE E AS
ORIENTAÇÕES DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS*
THE TEACHING OF GEOGRAPHY
IN THE INITIAL GRADES OF BASIC
EDUCATION : AN ANALYSIS OF THE
DISHARMONY BETWEEN
TEACHING FORMATION AND
PUBLIC POLICIES
RECOMMENDATIONS
LA ENSEÑANZA DE LA
GEOGRAFÍA EN LAS SERIES
INICIALES DE LA EDUCACIÓN
BÁSICA : UN ANÁLISIS DE LA
DISONANCIA ENTRE LA
FORMACIÓN DOCENTE Y LAS
RECOMENDACIONES DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS
MARIA CLEONICE B.
BRAGA
Profª Adjunta da Universidade
Estadual de Feira de Santana
[email protected]
* O presente texto se constitui (com
poucas alterações) num dos capítulos
da tese de doutorado da autora
intitulada “Aprender e Ensinar
Geografia: a visão dos egressos do
curso de Geografia da UEFS
(Universidade Estadual de Feira de
Santana)”. São Carlos: EDUFSCar,
2006.
Terra Livre
Resumo: O presente artigo tem como preocupação central o ensino
de Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental tomando como
parâmetro as demandas formativas dos docentes postas pelas políticas
educacionais a partir da década de 90 do século passado. O objetivo
é analisar as possibilidades dos professores desse nível de ensino para
desenvolverem uma Geografia Crítica considerando suas formações
para o trabalho com a referida disciplina. A referida reflexão exigiu
uma incursão em alguns estudos sobre os Parâmetros Curriculares
Nacionais, bem como a realização de uma breve revisão pelos
fundamentos da ciência geográfica e sua relação com o ensino, revisão
essa que resultou no estabelecimento de uma classificação das atuais
tendências do ensino de Geografia em dois grupos: as Geografias
Instituídas e as Geografias Instituintes.
Palavras-chaves: Ensino de geografia; Séries iniciais; Formação
docente; Políticas públicas; Ensino instituído e Ensino instituinte.
Abstract: The present article has as a central concern the teaching
of geography in the initial grades of basic education taking as
parameter the formative demands to the teachers imposed by the
educational policies from the decade of 1990 of the last century. The
objective is to analyze the possibilities for the teachers of this level of
education to develop a Critical Geography considering their
formations to work with the related discipline. Such reflection
demanded an incursion in some studies on the National Curricular
Parameters, as well as the accomplishment of one brief revision for
the fundaments of geographic science and its relation with education,
which resulted in the establishment of a classification of the current
trends of the teaching of Geography in two groups: Instituted
Geographies and Instituting Geographies.
Keywords: Teaching of Geography; Initial grades; Teaching
formation; Public policies; Instituted and Instituting teaching.
Resumen: El actual artículo tiene como preocupación central la
educación de la geografía en las series iniciales de la educación básica que toma como parámetro las demandas formativas de los
profesores impuestas por la política educativa a partir de la década de
90 del siglo pasado. El objetivo es analizar las posibilidades de los
profesores de este nivel de la educación para desarrollar una geografía
crítica, considerando sus formaciones para el trabajo con la citada
disciplina. Esta reflexión exigió una incursión en algunos estudios
sobre los parámetros básicos del plan de estudios nacionales, así como
la realización de una breve revisión de los fundamentos de la ciencia
geográfica y de su relación con la enseñanza, revisión que dio lugar
al establecimiento de una clasificación de las tendencias actuales de
la educación de la geografía en dos grupos: las Geografías Instituidas
y las Geografías Instituyentes.
Palabras claves: Enseñanza de la geografía; Series iniciales;
Formación del profesorado; Políticas públicas; Enseñanza instituida
y enseñanza instituyente.
Presid en te Pru d en te
An o 23, v. 1, n. 28
p. 129-148
Jan-Ju n /2007
129
BRAGA, M. C. B.
INICIAIS...
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
Introdução
Os avanços capitalistas das últimas décadas do século XX vêm comandando uma
série de transformações, (re)adaptações, nas esferas econômicas, sociais, políticas, culturais,
no mundo e, em especial, nos países da América Latina. A difusão dos ideais neoliberais
foi e continua sendo necessária para garantir sua expansão e consolidação de forma
harmônica e a escola, enquanto responsável pela educação formal da sociedade, incluindo
importantes aspectos da formação para o trabalho, tem sido tratada como instituição de
grande relevância nesse processo. Isto não significa que ela (a escola) absorva, incorpore
e desenvolva essa função (de difusora da ideologia neoliberal) de forma simples e
harmônica. Seu caráter social lhe confere uma complexidade de interesses que são plurais
e contraditórios. Ao mesmo tempo em que desenvolve a função de reproduzir os interesses
hegemônicos ela também pode apresentar resistência a eles. Parafraseando Pérez Gómez
(2000), a escola possui espaços de relativa autonomia que podem ser usados para combater
a tendência conservadora de reprodução dos interesses das classes dominantes.
O Estado, apesar de ter o seu papel redimensionado frente ao avanço transnacional
do capital, se mantêm como estrutura política responsável pela criação das condições
necessárias para a implantação e movimentação desse capital nos mais variados territórios
(SANTOS, 2003). No Brasil, a aliança do Estado com o neoliberalismo tem sido
evidenciada pela criação de incentivos vultuosos a empresas estrangeiras que pleiteiam a
instalação de filiais no nosso espaço, pela privatização de empresas estatais, pela
flexibilização de direitos dos trabalhadores, pela redução dos investimentos na área social
e pela liberdade controlada do processo educacional.
É nesse contexto de expansão das políticas neoliberais e das formas como as mesmas
vêm influenciando a organização do espaço brasileiro em todos os seus aspectos e sentidos,
inclusive no educacional, que procuro analisar o ensino de Geografia desenvolvido no
nosso país nas últimas décadas, em especial o ensino nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. A referida análise tomou por base referências teóricas produzidas nas últimas
décadas, a experiência da autora como docente de cursos de Pedagogias voltados para a
formação de alunos que já atuam como professores nas séries iniciais na Universidade
Estadual de Feira de Santana, Ba (UEFS) e em pesquisa realizada na mesma instituição
nos anos de 2000 e 2001 intitulada “A problemática da alfabetização geográfica nas
séries iniciais”.
A participação do Estado no direcionamento do ensino de Geografia nas séries iniciais:
breves considerações
A atuação do Estado na área de educação pode ser analisada por vários vieses.
Aqui, limito-me a destacar essa influência no direcionamento do processo de ensino básico.
130
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
A esse respeito vale a pena retroceder um pouco no tempo para entender o contexto
em que são criados os atuais Parâmetros Curriculares Nacionais. Segundo Spósito (2002),
durante a década de 70 do século XX ocorreu a universalização do ensino. Com o
crescimento rápido da população brasileira, cresce, também rapidamente, a demanda por
mais escolas e mais professores, principalmente para as séries iniciais do ensino
fundamental. E “[...] sem uma proporcional qualificação dos seus recursos humanos,
aviltados pelo rebaixamento dos salários, tornou-se imperiosa a necessidade de um currículo
mínimo que orientasse a ação docente no ensino fundamental e médio” (p. 298). (Destaque
da autora).
É nesse contexto que o governo passa a investir mais sistematicamente na elaboração
de documentos oficiais para servir de apoio para a grande massa de professores leigos e
semileigos que ingressavam na profissão docente. Portanto, desde essa década, os
documentos oficiais passaram “a orientar a formulação dos projetos pedagógicos escolares,
os planos de ensino, as práticas educacionais e a elaboração dos materiais pedagógicos de
apoio, sobretudo o livro didático.” (SPÓSITO, 2002, p. 24)
Na década seguinte do referido século, anos 1980, deu-se o fim do regime militar e,
concomitantemente iniciou-se um período considerado de abertura política, de maior
liberdade de pensamento e expressão, enfim, de maior democracia. Na educação, foi época
de bastante efervescência teórico-prática, de questionamentos sobre os rumos seguidos
até aquele momento pelas diversas áreas de ensino e sobre os caminhos que poderiam ser
trilhados dali em diante. Muitas secretarias de educação estaduais promoveram, em convênio
com as universidades, grandes encontros, onde professores refletiam, estudavam,
elaboravam os novos rumos do ensino em seus municípios. Foi um período de progresso,
com um claro processo de descentralização política e de formulação de currículos básicos
para o ensino fundamental e médio (ACRE, 2004; SPÓSITO, 2002).
Mas esse foi um período curto. Já na década de 90 do mesmo século, o governo,
agora civil, retomou o comando das políticas curriculares com a proposição dos PCNs.
Desde então, o ensino básico (fundamental e médio) que substituiu os antigos ensinos de
1º e 2º Graus, tem como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais.
A cada disciplina foram dedicados parâmetros gerais para servir de orientação para
o ensino. Os rumos apontados para a disciplina Geografia, nos PCNs, na visão dos críticos
educacionais da referida área, são bem mais que rumos, considerando a precária formação
e condição de trabalho dos professores, principalmente os das séries iniciais. Frente a essa
realidade, em vez de tomá-los como parâmetros, os professores, por falta de conhecimento
para compreendê-los em profundidade, tendem a adotá-los de forma superficial e, até
mesmo, equivocada, o que pode vir a ter conseqüências várias como, por exemplo, a
prática de um ensino tendencioso porque acrítico, desenvolvido com base numa dependência
técno-burocrática (do livro didático, de condições precárias de trabalho etc.) e não numa
131
BRAGA, M. C. B.
INICIAIS...
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
efetiva assunção esclarecida da sua postura teórico-metodológica.
Entretanto, a efervescência de discussões, críticas e propostas acerca do ensino de
Geografia, desencadeadas, também1 , pelo lançamento dos PCNs, é bastante positiva, pois
é um processo que tem alimentado o debate na área e, pela diversidade teórica nele presente,
tem trazido contribuições bastante plurais que estão promovendo, no mínimo, inquietações
naqueles que são os responsáveis diretos pelo desenvolvimento da disciplina, os professores.
Isso significa que, ao falar de ensino de Geografia, há dois movimentos a considerar: o
ensino desenvolvido de fato nas escolas (que não é uno), aqui denominados ensinos
instituídos, e os ensinos instituintes, representados pelas propostas ou tendências teóricometodológicas que, na atualidade, combatem o ensino tradicional e que lutam para se
tornarem instituídos.
Em outras palavras, os ensinos instituídos são formados pelo conjunto das práticas
já desenvolvidas com os alunos; aqueles que conseguiram sair da condição de projeto ou
proposta pedagógica e se estabelecer enquanto prática. A luta por esse estabelecimento é
que caracteriza os ensinos instituintes, luta essa que é dinâmica e histórica. Em cada
momento histórico existiu e existirá ensino(s) instituído(s) e instituintes, os primeiros
estabelecidos e os últimos tentando se estabelecer.
Na prática, essa divisão entre ensinos instituídos e instituintes não é algo identificável
empiricamente, facilmente percebível no exercício docente, até porque eles coexistem em
maior ou menor grau. O ensino tradicional de Geografia, predominantemente desenvolvido
nas séries iniciais do Ensino Fundamental (aqui tratado como o instituído), convive com
alguns traços das propostas instituintes, sejam as oficiais (como os PCNs, que apresentam
uma visão mais humanista e que se autodenominam ecléticas do ponto de vista teórico
filosófico), sejam as não-oficiais (que apresentam uma visão mais crítica da Geografia,
fundamentadas em referenciais marxistas e neo-marxistas).
O ensino de Geografia nas últimas décadas: caracterização e fundamentos (onde os
instituintes começam a serem instituídos)
Ao se falar em ensino de Geografia no Brasil, faz-se referência, geralmente, a duas
grandes tendências: as tradicionais e as “atuais tendências”, que por sua vez são mais
conhecidas na literatura geográfica como Geografias críticas.
De uma forma geral, não existem muitas polêmicas quanto às características do
ensino tradicional de Geografia e nem quanto às suas funções políticas e ideológicas no
1
Na verdade, o movimento de crítica ao ensino de Geografia já vinha sendo construído nas
universidades, desde a década de 80.
132
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
nosso meio teórico. Embora também esteja adotando o uso do referido termo, considero
importante o desenvolvimento de estudos que questionem e investiguem com mais
profundidade a pseudo homogeneidade metodológica com que o ensino tradicional é, em
geral, mostrado. Afinal, se entendemos o ensino como uma atividade que envolve sujeitos
sociais (alunos e professores), é importante atentarmos para o seu caráter plural e
contraditório. Ou seja, tanto pode reproduzir interesses hegemônicos (como o fez!), quanto
pode combatê-los, contestá-los. Entretanto, devido à insuficiência de tempo e de espaço
para a realização de uma investigação no interior desse recorte me contento em apresentar
alguns traços do que já foi produzido para construir um perfil (bastante sintético) do que
tem se convencionado a chamar de ensino tradicional de Geografia.
Carvalho (1998) chama a atenção para a função ou o papel político da Geografia,
através da forte relação entre o seu surgimento como disciplina no final do século XIX, a
formação dos Estados nacionais e a emergência do capitalismo industrial na Europa.
Segundo a autora, nesse contexto a Geografia tornou-se uma disciplina importantíssima.
E indaga:
Qual além dela (Geografia) deteria melhor escopo teórico – metodológico
para cientificamente auxiliar na criação e no fortalecimento do
sentimento nacionalista, tão necessário para a consolidação dos estados
nacionais? (E mais): a idéia de país deveria vir a fazer parte do
imaginário coletivo, e nesse sentido a escola e a Geografia foram muito
eficientes. É a Geografia que vai veicular conceitos importantes como o
de país, apresentado basicamente no seu aspecto territorial e como se
tudo fosse eterno. (CARVALHO, 1998, p.29)
Com relação à criação do sentimento nacionalista vale lembrar que os recém-criados
Estados-nações “necessitavam” envolver as populações em torno de ideais comuns, de
sentimentos comuns em relação aos espaços que acabavam de serem reunidos para formar
os novos Estados. Nesse sentido, a escola foi um dos instrumentos fundamentais na
divulgação desses ideais e formação dos valores nacionalistas. A participação da Geografia
como disciplina foi importante para inculcar o sentimento patriótico através do ensino de
um espaço homogêneo, delimitado territorialmente, despolitizado nos seus diversos aspectos
(sociais, políticos, físicos, culturais). Se, por exemplo, o Hemisfério Norte é mais
desenvolvido do que o Sul as causas são naturais, não políticas.
As referidas relações da Geografia disciplina com a formação dos Estados nacionais
e com o desenvolvimento do capitalismo industrial, é que justificaram o surgimento da
disciplina antes mesmo da criação oficial da ciência. Esse caminho inverso trilhado pela
Geografia só corrobora a importância que o estado conferia à sua presença nos currículos
das então nascentes escolas públicas. Portanto, é preciso não esquecer que a Geografia
133
BRAGA, M. C. B.
INICIAIS...
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
sempre desempenhou um papel educativo-político, como, no mais, o saber escolar em
geral.
As relações entre o contexto político e econômico da Europa no final do século XIX
e o surgimento da disciplina Geografia também dão sentido a algumas das principais
marcas do ensino tradicional ressaltadas em trabalhos de vários geógrafos brasileiros
(VESENTINI, 1992, 2004; CARVALHO, 1998, PEREIRA, 1989 entre outros): prioridade
dada aos estudos de aspectos físicos do espaço e da localização (de aspectos naturais,
capitais, países etc.), em detrimento dos aspectos sociais; tratamento isolado dos elementos
do espaço ou o estudo dos elementos da Terra separados em diversas “gavetas”;
desarticulação dos conteúdos com a vida dos alunos e o ensino do espaço como uma
ordenação natural.
Essa breve retrospectiva pela história do ensino de Geografia foram feitas pela
influência que esse modelo de ensino europeu exerceu no desenvolvimento da disciplina
no nosso país, principalmente na primeira metade do século XX. Apesar da diferença de
contexto sócio–econômico, a Geografia desenvolvida nas escolas fundamentais do Brasil
foi, predominantemente, a tradicional até algumas décadas atrás. Portanto, as características
apontadas anteriormente como sendo típicas do ensino tradicional de Geografia, são aceitas
como traços do ensino da referida disciplina no país.
Embora ainda hoje continue presente nas escolas brasileiras, o ensino tradicional
tem enfrentado sérias críticas e começado a conviver com outras tendências geográficas
que podem ser classificadas em duas vertentes: a Nova Geografia, que teve suas origens
após a Segunda Guerra Mundial, e as Geografias Críticas, mais atuais.
O movimento de combate à Geografia Tradicional começou na academia
(OLIVEIRA, 1994; CAVALCANTI, 1998)2 , já a partir de meados do século XX, com
questionamentos sobre os fundamentos da ciência; depois acabou por envolver também a
disciplina, que já há algum tempo vinha sendo questionada sobre sua relevância ou função
na sociedade.
Inicialmente questionava-se a Geografia ciência com base nos critérios da ciência
moderna. Defendia-se a busca da cientificidade, a superação do empirismo presente nos
estudos geográficos clássicos e a utilização dos novos instrumentos de trabalho colocados
à disposição da pesquisa, graças ao progresso tecnológico. Essa busca resultou no
surgimento da Nova Geografia, tendência sustentada no neopositivismo3 que também
ficou conhecida como Geografia Quantitativa pelo fato de utilizar sobremaneira a
Matemática e a Estatística como recursos de análise e de construção de modelos para os
estudos geográficos.
2
J. W. Vesentini (2004) discordou, em trabalho recente, desta hipótese. Segundo ele, os movimentos
de renovação da Geografia tiveram os professores de ensino fundamental e médio como pioneiros.
3
Doutrina que se notabilizou por aprimorar o positivismo através da recuperação das discussões acerca
do que é ou não cientifico a partir do uso da linguagem matemática (SPOSITO, 2004).
134
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
O uso da matemática e da estatística e a aplicação de modelos teóricos aos quais a
realidade deveria se submeter é o que de mais marcante a disciplina Geografia aproveitou
da corrente teórica denominada Nova Geografia. Os elementos do espaço passaram a
ocupar os livros didáticos acompanhados de muitas tabelas, gráficos, percentuais, enfim,
números. Essas características deveriam conferir a cientificidade tão almejada pela
Geografia, pela exatidão dos dados, pelo controle na aplicação dos modelos e pelo rigor
teórico.
Pedagogicamente, o ensino de Geografia continuou embasado na concepção de
ensino centrada no professor que, por sua vez, é responsável apenas pelo repasse dos
conteúdos, já que a produção do conhecimento ensinado é responsabilidade da academia,
dos pesquisadores. Aprender, nessa perspectiva, continua sendo sinônimo de decorar
(VESENTINI, 1994; KAERCHER, 2003; STRAFORINI, 2004).
Em outras palavras, a Nova Geografia parece ter tido pouca influência na forma
como os processos de ensinar e aprender eram tratados, principalmente no ensino
fundamental4 . Segundo Vesentini (1994), a Nova Geografia não foi criada para a escola,
mas para as grandes empresas públicas e privadas que necessitavam se reorganizar
espacialmente visando à reprodução dos seus capitais. Pontuschka (1999) também concorda,
mas ressalta que naquele período (de regime militar) medidas ligadas à política educacional
do país
[...] levaram para as escolas livros com saberes geográficos extremamente
empobrecidos em conteúdos escolares, desvinculados da realidade então vivida
e descaracterizados pelas propostas de estudos sociais, introduzidos pela Lei
5692/71, sendo muitos os livros que realizavam colocações de cunho altamente
ideológico, valorizando as grandes obras dos militares como as hidrelétricas e
as chamadas rodovias de integração [...]. (PONTUSCHKA, 1999, p.121)
Ou seja, até pode ser que a Nova Geografia não tenha sido pensada, inicialmente,
para o ensino, mas ela foi usada, sim, para divulgar a ideologia dos governos militares
brasileiros.
A desvalorização da Geografia como disciplina (que foi anexada à História quando
da criação dos Estudos Sociais) e os questionamentos sobre o seu papel na formação do
cidadão se intensificam a partir de 1960. As funções para as quais a Geografia havia sido
criada já não eram mais tão importantes. O contexto havia mudado. As fronteiras, os
limites dos Estados nacionais eram cada vez mais tênues, o processo de globalização
econômica enfraquecera-os; os ideais burgueses respaldados nos ideais iluministas haviam
sido desmascarados; o capitalismo começava a viver sua Terceira Revolução (técnico–
científica) e a ciência moderna vivia o seu limiar (alguns teóricos até já anunciam sua
4
Nas universidades ainda houve inserções dos estudos relacionados ao desenvolvimento tecnológico, como as
fotografias aéreas, o geoprocessamento de dados, dentre outros.
135
BRAGA, M. C. B.
INICIAIS...
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
superação) (VESENTINI, 1994).
Em síntese, as funções que haviam justificado a sua criação como disciplina escolar
difusora dos ideais burgueses já não existiam mais e, por outro lado, os críticos do ensino
tradicional de Geografia alegavam sua total falta de importância como disciplina escolar,
o que justificava as iniciativas de construção de novas propostas para o ensino da referida
disciplina (CARVALHO, 1998).
A partir da década de 70 do século XX ganham espaço as Geografias Críticas, cuja
denominação se deveu à forma crítica como foram tratadas tanto a Geografia Tradicional
clássica, quanto a também considerada tradicional Nova Geografia. Segundo Oliva (1999,
p. 34), “A Geografia brasileira vem convivendo com impulsos renovadores há pelo menos
vinte anos”. São impulsos que se traduzem em novas propostas teóricas de explicação do
mundo e que partem do pressuposto de que são as transformações sociais do nosso espaçotempo que estão exigindo da ciência geográfica, posturas teórico-metodológicas que
consigam mostrar a realidade espacial para além da sua aparência.
Para Pontuschka (1999, p.125), algumas dessas novas tendências que começaram
a se destacar no meio acadêmico e que ficaram conhecidas como Geografias Críticas,
“[...] têm como elemento unificador o materialismo histórico como método de investigação
da realidade, buscando superar os diferentes dualismos que a Geografia sempre teve desde
que se constituiu em um corpo sistematizado de conhecimento.”
Ou seja, na visão da autora, apenas algumas dentre as várias tendências da Geografia
que se reuniram no movimento de crítica à Geografia Tradicional possuíam esse elo comum,
o materialismo histórico.
Vesentini (1994, p. 36) vai mais além afirmando que as fontes de inspiração teórica
das Geografias Críticas “[...] vão desde o marxismo (especialmente o do próprio Marx),
até o anarquismo (onde se recupera autores como Elisée Réclus e Piotr Kropotkin) passando
por autores como Michel Foucault, Cornélius Castoriades, Henri Lefrèbvre e outros.”
Como vemos, Vesentini (1994) apresenta uma origem plural das Geografias
classificadas como críticas. Para ele, todas as Geografias, marxistas e não-marxistas que
surgiram ou re-surgiram combatendo a corrente Tradicional, passaram a integrar o grupo
das Geografias Críticas. Já para Gardenal (apud CARVALHO, 1998, p. 46), a Geografia
atual possui três “movimentos de ponta” que ele classificou como sendo: “Geografias
interdisciplinares dialético–marxistas; Geografias interdisciplinares dialético–
fenomenológico–existencialistas; Geografias transdisciplinares multiformes articuladas
embrionariamente via paradigmas da complexidade [...].”
O que parece é que, desde o início, os teóricos perceberam a existência de tendências
ou propostas diferentes reunidas em torno do conceito de Geografia Crítica. Cada vez
mais se firma a compreensão de que as propostas de renovação da Geografia que ganharam
vulto a partir da década de 70 do século passado formaram um movimento bastante
136
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
heterogêneo do ponto de vista teórico e metodológico, o que vem demandando um olhar
mais crítico sobre o uso indiscriminado do conceito em pauta.
Na verdade, o uso comum do adjetivo “crítica” parece ser, numa certa acepção,
pertinente para todas as Geografias que se manifestaram contrárias às práticas e concepções
tradicionais dessa ciência e do seu ensino. E essa é a única razão pela qual optei por
utilizar o conceito de Geografia Crítica como uma denominação geral que designa todas
as atuais tendências teórico-metodológicas instituintes presentes na Geografia e no seu
ensino. Entretanto, também considero que existem outros referenciais, que não apenas o
dialético marxista sustentando esse movimento de renovação da Geografia e que, por isso,
o conceito Geografias Críticas precisa de divisões internas, tal como afirmou Gardenal
(apud CARVALHO, 1998). Ou seja, para usar o termo Geografia Crítica preciso do
procedimento classificatório para identificar quais são essas tendências que estão reunidas
sob esse rótulo.
Ciente dessa necessidade e também ciente do risco de limitação, de empobrecimento,
que representa qualquer tipo de classificação é que classifico as tendências instituintes do
ensino de Geografia a partir de duas grandes perspectivas: Geografia Crítica Marxista
(GeoCM) e Geografia Crítica Humanista (GeoCH).
Apesar dos vários desdobramentos que sabemos serem ramificações dessas matrizes,
pode-se afirmar que foram elas, as Geografias Críticas Marxistas e Humanistas que, nas
décadas de 80 e 90 do século passado, impulsionaram o que ficou conhecido como
movimento de renovação da Geografia. Em comum, as mesmas possuem o posicionamento
teórico permanentemente crítico em relação às correntes Tradicionais5 , consideradas
obsoletas quando se pensa nas necessidades dos novos tempos.
Como podem ser caracterizadas essas duas tendências Críticas? Quem são os seus
principais expoentes? Como e qual deveria ser o ensino de Geografia, nas suas perspectivas?
E finalmente, quais são as influências e perspectivas dessas tendências da Geografia no
ensino fundamental, principalmente nas séries iniciais, que se constituem na preocupação
mais específica do presente trabalho? É o que apresentarei a seguir. Apenas ressalto que,
pela grande quantidade de propostas e também pela grande repetição de idéias, o que
tentei foi elaborar uma síntese das que, no meu entendimento, melhor as caracterizam.
A Geografia Crítica Marxista (GeoCM) é formada por todas as propostas que
utilizam como referencial teórico o marxismo. Alguns nomes se destacam na construção
dessa tendência no ensino, como o de Milton Santos e o de Ariovaldo Umbelino de Oliveira,
considerados pioneiros desse processo. A obra “Para onde vai o ensino de Geografia” da
Editora Contexto (1994), organizada por Oliveira é uma referência bibliográfica em cursos
e concursos para professores em todo o Brasil e expressa a natureza pluralista das GeoCM.
5
O uso do termo no plural se justifica pela existência de diversas Geografias embasadas nos mesmos
preceitos teóricos, mas com métodos de análises diferentes. Ex: Geografia Clássica, Nova Geografia,
Geografia Comportamentalista, entre outras.
137
BRAGA, M. C. B.
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS...
Milton Santos, por seu turno, é um pensador que se sobressaiu nos estudos e produções
acerca da construção de uma Geografia Crítica de base dialética marxista. Algumas de
suas obras (1990, 1994, 1999) são marcos na história da construção do que está sendo
denominado de GeoCM.
A Geografia Crítica Humanística (GeoCH) é constituída pelas tendências com
visões mais fenomenológicas, que buscam apreender o espaço geográfico a partir da sua
própria manifestação que é, para o sujeito conhecedor, “plena de sentido”. Nessa
perspectiva, o espaço vivido ou o lugar é referência central de análise. No ensino, a expressão
maior da tendência geográfica Crítica Humanista aparece na relevância que tem sido dada
ao estudo do lugar, como espaço “revelador das práticas sociais” (SPOSITO, 2004). Os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (BRASIL, 1997) defendem o
conhecimento do espaço a partir da “subjetividade do imaginário” e das dimensões
“singulares” da relação do homem com a sociedade.
Vale ressaltar que essas duas grandes tendências (GeoCM e GeoCH) não se
encontram tão claramente definidas nos trabalhos e práticas dos geógrafos, sejam
professores ou técnicos. No ensino, então, é comum perceber o entrelaçamento de ambas.
Uma das características presentes nas propostas Críticas, principalmente na
GeoCM, é “[...] o fato de explicitarem as possibilidades da Geografia e da prática de
ensino de cumprirem papéis politicamente voltados para os interesses das classes populares.”
(CAVALCANTI, 1998, p. 20)
A crença de que não existe ciência e nem ensino neutro fez florescer muitos trabalhos
que, de forma clara ou implícita, defendem uma prática que tenha por objetivo a construção
de um mundo menos injusto, mais igualitário. Callai e Callai (1998, p. 65), por exemplo,
afirmam que:
[...] Ao invés de conhecer e descrever para se adaptar, se ajustar, devemos
procurar entender o espaço como resultado de uma dinâmica e, então, dar
condições ao aluno para que se situe nesse processo. Deve-se reconhecer que é
possível construir o espaço, e que a forma como ele se apresenta, no momento
atual, é o resultado da história de quem vive nele e como vive.”
Também Vesentini (1994, p.36) defende uma “[...] Geografia que concebe o espaço
geográfico como espaço social, construído, pleno de lutas e conflitos sociais [...] No ensino,
ela preocupa-se com o senso crítico do educando e não em arrolar fatos para que ele
memorize”.
Esta é mais uma característica das tendências instituintes, tanto da GeoCM, quanto
da GeoCH: a crítica e o combate ao ensino como sinônimo de repasse de conteúdos e de
aprendizagem como simples memorização. O ensino construtivista, onde o conhecimento
é elaborado a partir da participação ativa do aluno, orientado ou mediado pelo professor,
é mais uma característica comum. Essa concepção é responsável pela postura metodológica
138
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
de valorização do saber do aluno e, por conseguinte, do seu lugar no processo de construção
dos conhecimentos trabalhados pelas escolas. Isso fica patente nesses pensamentos
textualizados:
O ensino de Geografia no século XXI, portanto, deve ensinar - ou melhor,
deixar o aluno descobrir, o mundo em que vivemos. (VESENTINI, 1995, p.
10)
O conteúdo da Geografia [...] é o material necessário para que o aluno construa
o seu conhecimento, aprenda a pensar. Aprender a pensar significa elaborar, a
partir do senso comum, do conhecimento produzido pela humanidade e do
confronto com os outros saberes [...], o seu conhecimento. (CALLAI, 2000,
p.92).
[...] O ensino de Geografia, assim, não se deve pautar pela descrição e
enumeração de dados, priorizando apenas aqueles visíveis e observáveis na
sua aparência [...]. Ao contrário, o ensino deve propiciar ao aluno a compreensão
do espaço geográfico na sua concretude, nas suas contradições. (CAVALCANTI,
1998, p. 20).
Com relação ao conteúdo a ser ensinado pela Geografia, também existem novidades.
Alguns autores consideram que antes de se pensar em ensinar qualquer conteúdo é
imprescindível para o professor saber o que é e para que serve a Geografia. Em outras
palavras, pensar o conteúdo a ser ensinado não pode estar desvinculado de pensar que
cidadão queremos ajudar a formar, para qual sociedade. De acordo com Kaercher (2002,
p. 224), “sem saber o que queremos com nossa ciência, não há aluno que vá nos ouvir
interessadamente”. Eu acrescento ainda: sem saber os objetivos de ensinar Geografia
acabamos por praticar o ensino Tradicional no seu formato apolítico, por não se preocupar
com qualquer tipo de mudança e que, portanto, pode se tornar hegemônico.
O espaço vivido, entendido a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas,
vem sendo muito valorizado por ambas as tendências críticas da Geografia. Na visão de
Kaercher (1998, p. 13), “[..] a Geografia existe desde sempre; e nós a fazemos diariamente.
(È importante) romper então com aquela visão de que Geografia é algo que só veremos em
aulas de Geografia”. Assim sendo, a aula de Geografia passa a ser defendida como espaço
onde o aluno têm a oportunidade de discutir, analisar, compreender melhor o mundo em
que vivem, os seus espaços de convivência, de sobrevivência, de lazer etc.
Aliás, o espaço ganha status de categoria principal da ciência e da disciplina. O que
muda são as formas de interpretação da sua ordenação. A Geografia Crítica Marxista
prioriza a explicação da ordenação espacial da realidade, que existe objetivamente, a
partir de fatores econômicos e políticos; sua fundamentação marxista também é responsável
pela relevância dada à questão do entendimento do espaço para a sua transformação.
Já na perspectiva humanística o espaço é visto muito mais como lugar, como realidade
139
BRAGA, M. C. B.
INICIAIS...
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
subjetiva, ou seja, “[...] como espaço que se torna familiar ao indivíduo, é o espaço do
vivido do experienciado” (CAVALCANTI, 1998, p. 89). Embora as explicações ligadas a
fatores econômicos e políticos também estejam presentes como viés de análise, elas adquirem
uma leitura mais subjetivista, que está associada à relação do indivíduo com o lugar.
Enfim, em se tratando de referenciais teóricos são muitas as propostas de mudanças,
tanto nos conteúdos quanto no tratamento dos mesmos. A pluralidade epistemológica é um
aspecto que está posto como desafio para os pesquisadores interessados em entender mais
aprofundadamente essas diferenças presentes nas atuais tendências do ensino de Geografia.
No ensino de Geografia esses movimentos de oposição à Geografia Tradicional e de
construção das Geografias Críticas também começam a se manifestar, inicialmente nas
universidades e depois, com bem menos vigor, nas escolas básicas (VLACH, 1995).
Ou seja, essa discussão mais teórica sobre o ensino de Geografia, as diversas
tendências que se destacaram, por que se destacaram, as posições teóricas mais recentes,
nem sempre está presente no cotidiano dos professores de Geografia, licenciados em cursos
de nível superior e que militam na escola básica de 5a. à 8a. séries do Ensino Fundamental
e no Ensino Médio. Se essas análises permeiam as conversas dos professores que formam
esses profissionais docentes, nem sempre são feitas nos cursos de formação básica. Se
isso é assim, nesse nível de formação e em cursos da área específica de Geografia, que se
dirá sobre os cursos de formação e sobre a atuação dos professores das séries iniciais do
Ensino Fundamental? Essa é a discussão que comporá o próximo item.
Os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental e o ensino de Geografia
Falar de formação de professores para ensinar Geografia nas séries iniciais do
Ensino Fundamental é uma tarefa difícil. Isto porque essa é uma discussão que não tem
sido muito visada pelos pesquisadores, talvez pela própria complexidade que é encontrar
soluções para o problema da locação dos conteúdos das áreas específicas na formação
desses docentes. Nos cursos destinados à formação desses professores (Magistério e
Pedagogia) não têm sido contemplados dois aspectos fundamentais para o desempenho de
suas funções frente à disciplina: o “o que” e “como” ensinar Geografia.
Essa característica da maioria dos cursos de formação de Pedagogia de não
contemplar a aprendizagem dos conteúdos curriculares a serem ensinados nas séries iniciais,
mas apenas as suas metodologias, é um dos fatores que contribui para que a discussão não
se coloque nos âmbitos universitários. É também, talvez, um dos motivos pelos quais os
professores dessas séries nem sempre ensinem esses conteúdos e priorizem a leitura, a
escrita e a matemática.
Com isso, os professores das séries iniciais permanecem bastante distanciados das
discussões teóricas e propostas mais recentes para o ensino da Geografia. Suas
aprendizagens da disciplina foram construídas, em geral, a partir do ensino que tiveram
140
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
como alunos do ensino básico e da disciplina de Didática ou Ensino de Geografia, feitas
no curso de Magistério e, no caso dos que possuem formação superior, de Pedagogia.
As mudanças na prática de ensino desses professores são ainda mais sutis do que as
dos professores das demais séries do Ensino Fundamental e Médio, podendo, mesmo,
serem denominadas de preocupações ou inquietações, apenas. A principal delas, no meu
entendimento, é a insatisfação com o ensino desenvolvido associada à frustração de não
saber como praticá-lo de forma diferente.
Minha experiência junto a esses professores me induz a afirmar que nos últimos
anos eles têm tido conhecimento do surgimento de muitas “idéias” norteadoras de como
ensinar Geografia: através de livros, artigos, dos PCNs, de cursos etc. Essas são as formas
através das quais as Geografias Críticas vêm sendo apresentadas aos professores
polivalentes. Esses contatos, bastante superficiais na maioria dos casos, aliados à
insatisfação para com a prática de ensino desenvolvida, são responsáveis pela inquietação
de uma parcela dos docentes com relação ao ensino que praticam. Eles sabem da existência
de outras “formas” de ensinar Geografia, diferentes da que eles ensinam (quando ensinam!).
Mas seus conhecimentos sobre elas são muito incipientes (ou mesmo inexistente) para que
as coloquem em prática com autonomia e segurança. Na visão de Marcelo García (1999),
essa inquietação é uma característica positiva, pois um dos fatores determinantes no
processo de mudança na prática docente é a autoconsciência da fragilidade do ensino
desenvolvido.
Na ausência de uma fundamentação clara e segura de como ensinar uma Geografia
Crítica os professores optam, geralmente ou por permanecerem ensinando a Geografia
que aprenderam quando alunos, mesmo que insatisfeitos, ou por mesclarem esse ensino
com algumas práticas por eles traduzidas das atuais tendências. O problema dessas
interpretações é, novamente, a falta de embasamento teórico específico, que “constitui um
dos principais inibidores do trabalho dos professores que atuam nessa fase do ensino,
determinando, assim, o exercício de uma prática em que os conteúdos são ensinados sem
uma articulação com os objetivos maiores da disciplina” (BRAGA E SILVA, 2001, p.
123).
Ou seja, mesmo querendo mudar, os professores se ressentem com suas formações
que, via de regra, enaltecem os conhecimentos pedagógicos e didáticos em detrimento dos
específicos da matéria. Em função disso, e também da inexistência de uma formação
continuada que possa minimizar essa carência, suas tentativas de praticar um ensino de
Geografia de mais qualidade, menos estático, acaba se constituindo apenas num ensino
diferente, que suprime algumas características da abordagem considerada tradicional,
mas que ainda está longe de se constituir num ensino crítico.
Todavia, os tipos de conteúdos ensinados sofreram algumas alterações. Em geral,
não se pautam mais, apenas, em nomenclaturas dos aspectos geográficos (naturais)
considerados importantes e em dados matemáticos dos aspectos populacionais e econômicos;
141
BRAGA, M. C. B.
INICIAIS...
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
agora já são ressaltados aspectos da vivência cotidiana do aluno, como por exemplo, o
bairro, a escola, o município, a cidade, a comunidade etc. Em outras palavras, os conteúdos
já não exclusivamente aqueles mostrados em fotografias nos livros didáticos, mas também
os aspectos espaciais mais próximos das crianças.
Os livros didáticos, fortes direcionadores do ensino, também sofreram algumas
transformações em relação aos tipos de conteúdos abordados. Alguns deles já incentivam
os docentes a incluírem aspectos do espaço mais próximo do aluno, da escola, do bairro
etc. Os manuais do professor oferecem orientações de como os conteúdos devem ser tratados
e através deles é possível perceber que o aluno está sendo mais requisitado a mostrar o que
sabe sobre o espaço geográfico. Ou seja, tanto pelos livros didáticos, quanto pela descrição
que os professores fazem de suas aulas é possível visualizar uma pequena mudança na
relação do aluno frente aos conteúdos de aprendizagem. Estes já não são mais tão artificiais,
tão alheios aos alunos quanto o eram. Mas o que isso pode significar? Essa é uma questão
que precisa ser mais aprofundada para que se possa afirmar seu verdadeiro sentido.
Apesar de adotar como conteúdo os espaços de vivência do aluno (a família, o
bairro, a cidade...) os professores parecem não ter clareza do para quê (finalidade) e do
como esses espaços devem ser ensinados. Ou seja, por falta de referencial teórico e
metodológico, as tentativas de realizar um trabalho crítico acaba se tornando, no mais das
vezes, num mero estudo de paisagem, ou seja, do visível, do exposto à visão de todos. A
paisagem, segundo Santos (1999), é a forma congelada do espaço geográfico, num dado
momento. Entendê-la pressupõe descongelá-la, ir além dela, buscar sua(s) função(ões)
para a sociedade que a mantém. E isso só é possível fazer com o mínimo de conhecimento
acerca das bases teóricas e metodológicas que constituem a disciplina.
Em síntese, é difícil falar do ensino de Geografia praticado nas séries iniciais,
quando o objetivo é caracterizá-lo a partir do surgimento das atuais tendências ou propostas
instituintes. As pesquisas são bastante escassas, o que dificulta ainda mais o trabalho. As
propostas instituintes oficiais ou as diretrizes governamentais para o ensino de Geografia
(PCNs), chegaram às escolas ainda no final da década de 90 do século passado. Nesse
material já é defendida uma concepção de Geografia
[...] que não seja apenas centrada na descrição empírica das paisagens, tampouco
pautada exclusivamente na interpretação política e econômica do mundo; (mas)
que trabalhe tanto as relações socioculturais da paisagem como os elementos
físicos e biológicos que dela fazem parte, investigando as múltiplas interações
entre eles estabelecidas na constituição de um espaço: o espaço geográfico.
(BRASIL, 1997, p. 106)
Como vemos, a concepção dos PCNs expressa nessa citação é bastante eclética,
dando margem para o ensino do espaço geográfico tanto numa perspectiva GeoCM, quanto
na GeoCH. Se alguma dessas concepções de Geografia está ou não sendo perseguida,
142
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
como isso está sendo feito, até onde esse processo já caminhou, são questionamentos que
ainda estão postos e que precisam ser contemplados pelos pesquisadores, a fim de que
tenhamos mais sustentação para falarmos de qual(is) ensinos de Geografia está(ão) sendo
praticado(s) nas séries iniciais do ensino fundamental.
Frente a isso, as colocações que faço sobre o ensino de Geografia nas séries iniciais
do Ensino Fundamental são resultantes, em grande medida, da minha própria experiência
profissional, o que só serve para aumentar o desejo de conhecer melhor e de forma mais
profunda essa realidade.
No nível da reflexão, entretanto, alguns teóricos da área (PONTUSHCKA, 1999;
SPOSITO, 1999; OLIVEIRA, 1999) têm se debruçado sobre os PCNs de Geografia e
realizando análises bastante críticas dos mesmos, apesar de não negarem os avanços que
eles representam. Essas críticas são direcionadas para vários elementos componentes das
diretrizes: concepção de Geografia, grau de complexidade das orientações metodológicas
frente à formação dos docentes, vinculação aos interesses políticos internacionais, dentre
outros.
As críticas aos PCNs de Geografia para o ensino fundamental são originadas, dentre
outras razões, do descontentamento de uma parcela de geógrafos com os rumos teóricos
assumidos (às vezes, implicitamente) pelas referidas diretrizes, bem como a forma
centralizada como se deu sua elaboração que, segundo eles, desconsideram o trabalho que
já vinha acontecendo em alguns estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Acre etc.) de
construção de propostas curriculares participativas e inovadoras, cujos fundamentos eram
marxistas. Para esse grupo, aqui tratado como defensor do ensino instituinte não oficial,
embora os PCNs se autodenominem ecléticos (permitirem interpretações teóricas bastante
plurais), sua análise revela que em vários trechos do seu texto são feitas defesas de
abordagens teóricas que valorizam as dimensões subjetivas, individuais, dos sujeitos, em
detrimento das explicações socioeconômicas (SPOSITO, 1999).
A falta de correspondência entre as suas propostas e a realidade dos professores
que atuam na maioria das nossas escolas é outra acusação que pesa sobre as diretrizes
oficiais para o ensino de Geografia. Na visão de Pontuschka (1999, p. 16) o texto dos
PCNs, de natureza eclética, construído por geógrafos de pensamento teórico diversos, é
acessível apenas a uma
[...] minoria de professores bem-formados, que com maior ou menor intensidade,
já conhecem a bibliografia geográfica mais atualizada e acompanham a trajetória
percorrida pela ciência geográfica em suas diferentes vertentes e também seu
ensino como disciplina escolar nas últimas décadas. O texto é teórico demais
para o professor que ainda utiliza o livro didático como a sua única ou principal
bibliografia.
A autora está se referindo aos professores de Geografia das séries finais do ensino
143
BRAGA, M. C. B.
INICIAIS...
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
fundamental que, com muito mais freqüência, possuem uma licenciatura nessa área ou em
Estudos Sociais. Ou seja, mesmo que de forma deficiente, esses professores já estiveram
em contato por três ou quatro anos com os conteúdos geográficos. Pensando nesse público,
é que ela considera os PCNs da Geografia complexos demais. Então me reporto para a
realidade do nosso ensino das séries iniciais, onde a maioria dos professores possui o
curso de Magistério em nível médio e uma minoria tem formação em Pedagogia ou Normal
Superior. O conhecimento do conteúdo específico dessa disciplina, da sua teoria, do seu
ensino, oferecido nessas formações é mínimo ou mesmo ausente.
Eu me recordo, nesse momento, de algumas turmas de alunos de Licenciatura em
Geografia da UEFS, que, chegando à disciplina Metodologia do Ensino, demonstravam
carências teóricas básicas como o domínio de categorias conceituais, dentre as quais sempre
aparecia a de território. E isso acontecia após três anos de formação superior onde os
conteúdos curriculares são quase unicamente específicos.
No caso dos professores das séries iniciais que têm apenas o curso de Magistério,
essa formação específica fica limitada a uma Didática da Geografia, cujo objetivo é ensinar
as formas como os conteúdos podem ser trabalhados junto às crianças. Como é possível
que em cursos destinados a formar professores possa haver tamanha indiferença para com
essa contradição? Como se aprende a ensinar o que é e como são construídos os territórios
e as regiões geográficas quando não se sabe o que são e nem como os mesmos são formados?
Essas questões não serão respondidas nesse trabalho, mas revelam uma das preocupações
que deu origem a ele.
Por outro lado, os currículos dos cursos superiores continuam cometendo a mesma
falha. No caso específico da licenciatura Pedagogia: Séries Iniciais do Ensino
Fundamental da UEFS foi ofertada, no último ano do curso, a disciplina Ensino de
Geografia, com uma carga horária de 90 horas anuais. Pela ementa da disciplina6 , percebese uma preocupação em suprir em parte essa carência teórica associando conteúdo com
possibilidades de tratamento didático. Apenas a título de exemplo, consta na ementa
“Correntes do pensamento geográfico: características e influências no ensino da Geografia
brasileira”, o que demonstra a intenção de que fosse abarcado na disciplina um mínimo de
teoria acerca das suas principais tendências teóricas. Mesmo assim convém ressaltar que
90 horas7 é um tempo bastante reduzido para se trabalhar conteúdo específico (inclusive
a teoria da ciência) e metodologia do ensino. E isso representou um grande avanço frente
ao currículo do curso de Pedagogia da UEFS que contempla uma única disciplina,
Fundamentos do Ensino de Geografia, cuja carga horária era de 60 horas!
Analisando os PCNs de Geografia destinados ao ensino das séries iniciais é possível
6
Vale esclarecer que fui uma das professoras a participar da construção da referida ementa.
A carga horária total foi aumentada para 150 horas, a partir de 2002, distribuídas em duas disciplinas de 75
horas cada.
7
144
Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007
entender a preocupação expressa por Pontuschka (1999) com o nível de exigência teórica
dos mesmos. Vejamos alguns trechos do texto do referido documento:
Embora o espaço geográfico deva ser o objeto central de estudo, as categorias
paisagem, território e lugar devem ser abordadas, principalmente nos ciclos
iniciais, quando se mostram mais acessíveis aos alunos [...] (BRASIL, 1997,
p.10).
O território é uma categoria importante quando se estuda sua conceitualização
ligada à formação econômica e social de uma nação. Nesse sentido, é o trabalho
social que qualifica o espaço, gerando o território [...] (BRASIL, 1997, p.10).
Para estudar essa categoria (território) é necessário que os alunos compreendam
que os limites territoriais são variáveis e dependem do fenômeno geográfico
analisado. [...] Além disso, compreender o que é território implica também
compreender a complexidade da convivência em um mesmo espaço, nem sempre
harmônica, de diversidades de tendências, idéias, crenças, sistemas de
pensamento e tradições de diferentes povos e etnias (BRASIL, 1997, p.111).
Esses são apenas alguns poucos dos muitos exemplos de momentos em que o texto
dos PCNs dá mostras de que os conhecimentos teóricos específicos exigidos para que um
professor siga suas orientações estão muito além do que é oferecido nas nossas formações.
Assim, a carência de uma formação consistente para a docência da disciplina faz com que
muitos professores das séries iniciais desenvolvam um ensino com significado bastante
restrito, onde os conteúdos são trabalhados de forma mecânica, técnica, isolados dos
contextos sociais dos alunos (BRAGA e SILVA, 2001).
Diante dessa realidade é precisamos questionar a formação dos professores de
Geografia das séries iniciais frente aos currículos oficiais e pensarmos no que, de fato, é
possível (e desejável) ser contemplado em suas trajetórias formativas a fim de que os
mesmos possam proporcionar às crianças o desenvolvimento de capacidades que lhes
permitam apreender a realidade a partir do seu viés espacial, pois como disse Cavalcanti
(1998, p. 24), “[...] se tem a convicção de que a prática da cidadania, sobretudo nessa
virada de século, requer uma consciência espacial”. Portanto, o ensino de Geografia tem
um papel importante na formação das crianças e adolescentes da atualidade, que vivem
numa realidade complexa, conflituosa, contraditória e injusta. É sua função provê-los de
conhecimentos que lhes permitam compreender essa realidade (espacial) para poderem
exercer verdadeiramente suas cidadanias. E essa consciência espacial é responsabilidade
da escola e, em especial, dos professores de Geografia.
Considero que a contribuição maior que esse estudo deixa para os leitores é a
reflexão acerca da estrutura curricular dos cursos que formam professores para as séries
iniciais e da importância do trabalho dos professores formadores que ensinam as didáticas
específicas (da Geografia, da História, da Matemática etc). Como aliar conteúdos
145
BRAGA, M. C. B.
O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES
INICIAIS...
específicos e didáticos na formação desses docentes? É possível (e viável) incluir nas
grades curriculares desses alunos disciplinas de conteúdos específicos? Quando defendo o
aumento da carga horária das disciplinas em pauta defendo um trabalho que procure
reunir, partindo dos conhecimentos e experiências desses alunos, o conteúdo específico ao
didático ou o como ao o que. Essa relação poderia contribuir não apenas para uma
otimização maior do tempo dedicado a essas disciplinas, mas também para munir o professor
de saberes fundamentais para sua prática, os didáticos e os dos conteúdos específicos.
Considerações finais
O ensino de Geografia tem recebido um aumento considerável das atenções dos
pesquisadores nas últimas décadas. São vários os trabalhos que tem se dedicado a tratar
do tema, sejam propondo formas de abordagens dos conteúdos (CASTROGIOVANNI,
2000, 1998; CALLAI e CALLAI, 1998), sejam discutindo teorias e defendendo
posicionamentos metodológicos críticos (CALLAI, 2000; CAVALCANTI, 2002, 1998;
KAERCHER, 2000). Entretanto, ainda são poucos os que têm se voltado para o ensino
nas séries iniciais, principalmente quando se trata de enfocar a questão da formação do
docente que aí atua.
O presente trabalho buscou mostrar um pouco dessa carência.
As análises acerca da formação dos professores que atuam nas séries iniciais e do
ensino que desenvolvem apontam para a grande discrepância existente entre as orientações
presentes nas políticas governamentais (PCNs) e as suas reais formações teóricas e
metodológicas para ensinar Geografia. Por um lado o governo espalha pelas escolas de
todo país orientações curriculares para o ensino nessas séries, orientações essas que
demandam conhecimentos específicos e didáticos que a maioria dos docentes não possuem.
Por outro lado, a formação desses docentes para ensinar Geografia ainda continua muito
tênue, mesmo quando se dá em nível superior (BRAGA, 2006).
Frente a esse quadro urge a necessidade de estudos que diagnostiquem a situação
do ensino e da aprendizagem de Geografia nas séries iniciais e que possam assim, servirem
de base para reflexões e possíveis orientações curriculares que, de fato, venham contribuir
para a melhoria da formação dos docentes, condição imprescindível para o aumento da
qualidade do processo de aprendizagens das crianças, qualidade essa entendida como
compreensão da realidade espacial para além do visível, da sua mera descrição e
representação.
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Recebido para publicação dia 16 de Abril de 2007
Aceito para publicação dia 20 de Julho de 2007
148
ESTUDOS EM GEOGRAFIA:
UM DESAFIO PARA O
LICENCIANDO EM
PEDAGOGIA
STUDIES IN GEOGRAPHY: A
CHALLENGE TO PEDAGOGY
GRADUATES
ESTUDIOS EN GEOGRAFÍA: UN
DESAFÍO PARA EL LICENCIADO EN
PEDAGOGÍA
MARCEA ANDRADE SALES
Professora Assistente da
Universidade do Estado da
Bahia – Departamento de
Educação/Campus I, Salvador/
BA
Universidade do Estado da
Bahia – DEDC/Campus I
[email protected]
Resumo: O ensino na Licenciatura em Geografia para futuros
professores nos dá a possibilidade de rever e reeditar os modelos de
ensino que vivenciamos em nossa própria formação docente (inicial
e continuada). Trabalhar com esta ciência em outro campo do saber,
como a Educação, certamente, amplia e diversifica muito a nossa ação
docente com estes futuros professores que têm seu campo de trabalho
atividades com crianças. Com as reformas curriculares vivenciadas
do ano de 2000 para cá, a Geografia ingressou, também, nos cursos
de Pedagogia, o que tornou imperioso pensar o ensino desta ciência
nas séries iniciais. Chegamos, então, a duas áreas do conhecimento –
Geografia e Pedagogia – , amalgamadas pela Educação. Por entender
as especificidades da formação do professor da 1ª a 4ª série (Ensino
Fundamental), este texto tem o foco no estudante licenciado e discute
a necessária relação que deve existir entre a Geografia e a Pedagogia
para o ensino dialogado e multireferenciado nestes campos de
conhecimento.
Palavras-Chave: Geografia; Formação docente; Currículo; Educação
geográfica; Pedagogia.
Abstract: The teaching in the Geography Degree courses gives us
the opportunity to review and to re-edit the teaching methods which
we experienced during our formation process as teachers (initial and
continuous). To work with this discipline in a different knowledge
field, such as education, certainly amplifies and diversifies a lot our
practice with these future teachers whose work focus will be primary
school. Since latest educational curriculum reforms, in 2000,
Geography has been put as an official discipline in Pedagogy courses,
which made it imperious for us to rethink our teaching practices at
Primary school level. Following these ideas we came to the two
sciences – Geography and Pedagogy – linked by Education. The
present work focuses on graduate students and discusses the necessary
relation of Geography and Pedagogy for a dialogic and multireferenced teaching within these knowledge fields.
Keywords: Geography; Teachers Formation; Curriculum;
Geographical Education; Pedagogy.
Resumen: La enseñanza en la Licenciatura en Geografía para futuros profesores nos da la posibilidad de rever y reeditar los modelos de
enseñanza que vivimos en nuestra propia formación docente (inicial
y continuada). Trabajar con esta ciencia en otro campo del saber, como
la Educación, seguramente, amplía y diversifica mucho nuestra acción
docente con estos futuros profesores que tienen como su campo de
trabajo actividades con niños. Con las reformas curriculares experimentadas desde 2000 hasta hoy, la Geografía ingresó, también, en los
cursos de Pedagogía, lo que volvió imperioso repensar la enseñanza
de esta ciencia en las series iniciales. Llegamos, entonces, a dos áreas
del conocimiento – Geografía y Pedagogía –, amalgamadas por la
Educación. Buscando comprender las especificidades de la formación
del profesor de la 1ª a la 4ª serie (Enseñanza Fundamental), este texto
tiene el foco en el estudiante licenciado y discute la necesaria relación
que debe haber entre la Geografía y la Pedagogía para la enseñanza
dialogada y multireferenciada en estos campos de conocimiento.
Palabras clave: Geografía; Formación docente; Currículo; Educación
geográfica; Pedagogía.
T e r r a L iv r e
P r e si d e n te P r u d e n te
An o 23, v. 1, n . 28
p . 1 4 9 -1 6 2
Jan -Ju n / 2 0 0 7
149
SALES, M. A.
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
O ensino da Geografia
O início dos meus trabalhos acadêmicos se deu na Licenciatura em Geografia1 ,
quando passei a desenvolver atividades de ensino e pesquisa com futuros professores.
Hoje, ao dar continuidade a este trabalho no ensino na Licenciatura em Pedagogia2 me
vejo diante de um grande desafio: repensar o ensino da Geografia para os professores das
séries iniciais do ensino fundamental. Com a crise paradigmática que tem tipificado a
contemporaneidade temos assistido a algumas reformas curriculares nos cursos de
Licenciatura, do ano de 2000 para cá. Reformas estas que buscam romper com o modelo
dicotomizado e hierarquizado da escola moderna. Vivemos, neste momento, algumas
experiências docentes que têm valorizado o diálogo entre os vários campos do saber e os
atores que vêm desenvolvendo trabalhos com a Geografia, e estes, por sua vez, têm tentado
cumprir o ideal de uma ciência humana, ou pelo menos, uma ciência feita para e pelas
sociedades.
É grande o repertório de discussões que tematiza a formação do professor de
Geografia (em seus vários segmentos), e podemos potencializar esta discussão ao
colocarmos em foco o Licenciado em Pedagogia que, muitas vezes, não tem os
conhecimentos mínimos para o ensino daquela ciência em sua formação inicial. O resultado
desta prática é um ensino caricaturado em atividades curriculares que, muitas vezes,
esvaziam os conteúdos próprios da Geografia, além de reforçar a memorização destes
conteúdos, no geral, descontextualizado da vida docente.
O ensino na Licenciatura em Pedagogia
Para iniciar minha reflexão neste texto, começo destacando o processo de construção
do conhecimento profissional pelos professores da 1ª a 4ª série. Assim, alguns
questionamentos se apresentam para o debate:
·
·
·
o que caracteriza o conhecimento do professor das séries iniciais?
quais as especificidades que este nível de escolaridade pressupõe?
qual a natureza da formação profissional desse professor?
Monodocência, práticas curriculares interdisciplinares e auto-implicação são
aspectos destacados por Iria Brzenzinski (2001) ao se referir ao professor deste seguimento
da educação. A autora destaca que a práxis social deste professor, no geral, é marcada
pela preservação de uma herança cultural na qual ele é o principal agente interventor na
1
Universidade Católica do Salvador (1997-2000), Universidade do Estado da Bahia / Campus V (2001-2005) e
Faculdades Jorge Amado (2003-2006).
2
Universidade Federal da Bahia (2000-2006) e Universidade do Estado da Bahia / Departamento de Educação
- Campus I (2005 aos dias atuais).
150
Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007
preparação e na qualificação de novas gerações. É neste momento, quando a criança
inicia seu período escolar, que o professor precisa estar atento para a construção de um
conhecimento intrapessoal que integre e dê sentido à presença da criança na escola. Assim,
os atores da educação na 1ª a 4ª série – professores e estudantes - têm sua relação marcada
por laços afetivos e interatividade, para a construção de conexão entre o cotidiano intra e
extra-escolar.
Para Schulman (in CASTRO e CARNOY, 1997, p. 46) a dimensão do conhecimento
do professor é marcada por alguns aspectos:
·
·
·
·
·
conhecimento do conteúdo da própria disciplina, tornando-o compreensível;
conhecimento do currículo – programa e ferramentas de trabalho;
conhecimento pedagógico geral – planejamento, avaliação...;
conhecimento dos estudantes e suas características (contexto escolar);
conhecimento dos fundamentos – objetivos, fins e valores educacionais.
E quando esse professor é um educador da infância? Que contorno tem esta
dimensão? Nos últimos anos a principal alteração social que afetou os cuidados com as
crianças foi o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho que, passando a
trabalhar fora de casa, contribuiu para que alguns aspectos da educação sofressem
alterações:
·
·
·
maior número de crianças com menos de três anos na Escola;
aumento da exigência quanto ao preparo profissional do professor;
demanda de maior integração entre a Escola e a família
Eis alguns destaques que têm contribuído para o debate sobre a formação do
licenciado em Pedagogia3 , e que, ao mesmo tempo em que o integra no campo da educação,
especificam suas atividades a partir dos trabalhos desenvolvidos com estudantes nas
primeiras fases de aprendizagem.
Nos primeiros anos de vida a aprendizagem é mais rápida e intensa. As crianças
são naturalmente curiosas e essa “chama” deve ser mantida para que promova seu bem
estar, sua exploração e descoberta ativa, autônoma e criativa. Por outro lado, o que o
professor observa na criança decorre das suas próprias concepções e postura de vida.
Cada criança, na complexidade do ser humano, carrega seu “mistério”, o que faz com que
o acompanhamento do seu desenvolvimento seja inquietante.
O conhecimento de uma criança é constituído pela sua apropriação e por suas
próprias idéias que se desenvolvem para a coerência. Acompanhá-la em seu desenvolvimento
3
Historicamente, este profissional foi chamado de pedagogo, mas as Diretrizes Curriculares para o Curso de
Licenciatura em Pedagogia, editadas em 2006, enfatizam o trabalho deste profissional como licenciado e não
mais técnico, como tínhamos em alguns currículos até o início do ano 2000.
151
SALES, M. A.
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
exige um olhar teórico-reflexivo sobre seu contexto sócio-cultural e manifestações
decorrentes do caráter evolutivo do seu pensamento. Significa respeitá-la em sua
individualidade e em suas sucessivas e gradativas conquistas e conhecimentos (que deveria
ser em todas as áreas).
Os cursos de Licenciatura em Pedagogia ainda privilegiam (ou priorizam) esta
perspectiva e, talvez, por isto, seus currículos estejam recheados de atividades que
promovem a reflexão e a teoria sobre o desenvolvimento cognitivo do estudante nesta fase
de ensino. Porém, ainda é possível observar uma grande lacuna para o diálogo da Didática
com outros campos do conhecimento e seus respectivos (e específicos) objetos de estudo
para uma leitura e análise mais ampla.
Como uma criança descobre e conquista o mundo? E seu domínio da língua? Que
apropriações ela vai construindo com o espaço dentro do seu cotidiano?
Ao buscar compreender a criança, o professor deve redimensionar o seu fazer a
partir do mundo infantil descoberto e ressignificado, contribuindo para a qualidade da sua
interação. Por isso, é preciso atentar que, nesta fase, nem sempre, compreendem-se os
conceitos usados pelos adultos, já que a possibilidade desta compreensão de conceitos
necessários à aprendizagem é inerente ao nível de desenvolvimento de cada um.
O ensino da Geografia para a criança
Se a criança nem sempre compreende os conceitos usados – incluindo-se, aí, àqueles
veiculados na Escola -, como trabalhar conceitos relativos à noção de espaço, por exemplo.
Passini (2002) em seu livro O espaço geográfico: ensino e representações, afirma que é
preciso considerar três aspectos:
1. A construção da noção de espaço pela criança por meio de um processo
psicosocial no qual ela elabora conceitos espaciais através de sua ação e interação em seu
meio.
A criança tem uma visão Sincrética do mundo, tendo os objetos e espaços que
ocupa como indissociáveis. A posição do objeto é dada em função do todo e a ação percebe
esse todo e não cada parte. Assim, até os seis anos a localização e o deslocamento são
definidos a partir das referências (posição) da própria criança. Sabemos que pela sua
psicogênese a noção de espaço vai sendo apreendida a partir do Espaço Vivido, acumulando
o Espaço Percebido, até realizar a idéia de Espaço Concebido. É preciso esclarecer que
estas não são fases estanques, mas cumulativas e que integram o processo de construção
da noção de espaço.
A idéia apresentada por Passini converge com os estudos de Piaget sobre os estágios
de desenvolvimento da criança – Sensório Motor, Pré-Operatório e Operações Concretas
e Formais. Assim, a criança, desde sua afetividade egocêntrica até o início da sua autonomia
e formação da sua personalidade, vai elaborando conceitos, preparando-se para sua inserção
e adaptação ao mundo adulto.
152
Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007
2. O aprendizado espacial no contexto sociocultural como instrumento necessário
à vida das pessoas para uma visão consciente e critica do seu espaço social.
A exploração do espaço, desde o nascimento, ocorre com as experiências que a
criança realiza no seu entorno. Em sua memória corporal são registradas as referências
laterais e as partes do corpo que servirão de base para seus referenciais corporais.
A solução de problemas pela criança se inicia quando surgem os sentimentos
primitivos – gostar ou não gostar, por exemplo. Quando tem início seu comportamento
social, ela já é capaz de ter pensamentos pré-lógicos (expressão cunhada por Piaget). A
partir da manifestação da sua vontade e do início da sua autonomia, a solução de problemas
concretos torna-se possível.
Assim, a base cognitiva sobre o qual se delineia a exploração do espaço, depende
de funções motoras e da percepção do espaço imediato, pois a consciência está diretamente
relacionada ao amadurecimento do sistema nervoso e da representação que a criança faz
de si e do mundo em relação a ela.
3. O preparo para o domínio espacial, assim como o da língua, do pensamento
lógico e científico, das habilidades artísticas e da educação corporal.
O estudante das séries iniciais deve entrar em contato com as diversas concepções
e visões de ensino da Geografia para elaborar e construir conceitos de forma significativa.
Deve, ainda, começar a entender o espaço geográfico como estrutura da sociedade e
considerar que as relações sociais produzem um conteúdo territorial, preparando-se para
ser sujeito das suas ações.
Há de se favorecer a observação da realidade, não como mera identificação de
elementos, mas com o necessário levantamento de dados, classificação, comprovação e
representação espacial. E para domínio do espaço é necessária a tomada de consciência
do espaço corporal. Vê-se lançado, então, o desafio para o ensino da Geografia nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, rompendo com o modelo que priorize a descrição e a
memorização dos seus temas e conteúdos.
A questão que nos acompanha está exatamente na formação docente deste professor,
nas primeiras séries. O conhecimento geográfico que ele traz ao ingressar na Licenciatura
é àquele adquirido no Ensino Médio e, o geral, reduz este campo como mais uma disciplina
que adota memorização de dados – lugares, populações, aspectos físicos de uma dada
paisagem etc. Já que é esta Geografia que o (futuro) professor das séries iniciais conhece,
conseqüentemente vai ser esta mesma Geografia que ele vai (conseguir) ensinar para seus
estudantes.
Uma possível ruptura deste modelo de ensino descritivo e descontextualizado tem
sido o trabalho com a disciplina Referenciais Teórico-Metodológicos da Geografia4 , quando
temos discutido o ensino da Geografia nas escolas de Ensino Fundamental e Médio e na
Educação de Jovens e Adultos, deslocando-o para o campo da ciência - uma ciência
4
Disciplina que passou a integrar o currículo da Licenciatura em Pedagogia nos cursos oferecidos a partir de
2001, no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia –Campus I.
153
SALES, M. A.
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
eminentemente humana.
Uma educação geográfica para a formação pedagógica
A criança delineia suas impressões e percepções referentes ao domínio espacial
desde os primeiros meses de vida. Mas, no sentido geográfico, este domínio refere-se a sua
organização e a concepção de espaço. Daí a necessidade de enfatizar, mais uma vez que,
também em um curso de Licenciatura em Pedagogia, a Geografia deve ser uma ciência
voltada para a análise da realidade social e observação das suas configurações espaciais.
Neste sentido, a organização social do espaço, considerando a relação sociedade e
natureza feita através do trabalho, é um ato social que leva à construção de espaços
diferenciados, o que redunda no desenvolvimento do domínio espacial que é realizado pelo
homem desde sua infância.
O bebê ao sentar amplia seu campo de visão, sua percepção dos objetos e seu
deslocamento, podendo virar-se numa amplitude de 180º. A continuidade desse processo –
do engatinhar ao andar – influencia na sua evolução motora, assim como no seu
desenvolvimento físico e psicológico. Assim, a criança sempre reconstrói seu próprio espaço,
pois está voltada para o espaço externo a partir das suas próprias dimensões e da sua
capacidade de percebê-la, com sua imaginação transformadora.
O desenvolvimento da noção espacial precede a escola, mas é nela onde ocorre a
aprendizagem espacial voltada para a compreensão das formas pela qual a sociedade
organiza seu espaço. E a apreensão do espaço é possível através da representação gráfica
e com linguagem própria: a cartografia.
A criança entre os cinco e sete anos toma gradativa consciência do seu corpo com
suas partes. Nesse momento passa a ter a possibilidade de, aos poucos, projetar objetos e
pessoas. É quando as relações espaciais topológicas elementares são “construídas”,
estabelecendo espaço próximo e usando referências elementares – dentro/fora, perto/longe...
Assim, a partir da construção da noção de espaço a criança começa a dar conta que
o juízo que ela faz da localização, através das suas referências espaciais, muitas vezes não
confere com o que acontece.
A partir do próprio corpo (referência para localização) a criança começa a perceber
que pode usar outros referenciais espaciais e, após os sete anos, ela passa a conservar a
posição dos objetos e a alterar o ponto de vista, construindo relações espaciais projetivas.
Isso ocorre juntamente com o surgimento noção de localização que situam os objetos em
relação aos outros. Por isso, o trabalho com a orientação, localização, e representação
deve partir do espaço próximo para o distante, abordando o primeiro em relação com
outras instâncias espacialmente distantes. Ou seja, a realidade deve ser o ponto de partida
e de chegada par o desenvolvimento do trabalho docente.
Mas a herança da escola-fábrica em suas relações verticalizadas, na transmissão
bipolar do conhecimento – professor para estudante -, na valorização do ordenamento dos
154
Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007
espaços escolares, ainda tem dificultado uma abordagem contextualizada e centrada no
cotidiano tanto das professoras5 , quanto das suas crianças nas séries iniciais, o que nos
leva a um dos conflitos atuais da Educação: demandas contemporâneas, mas soluções
modernas para nosso estar na Escola.
A educação na contemporaneidade
Ao vivermos um tempo de acelerações a educação básica não escapou das suas
repercussões. A organização escolar foi questionada, as vias da formação docente vêm
sendo redefinidas e o currículo repensado pelos atores da educação. Na correnteza dessas
mudanças percebemos a demanda de uma maior atenção para as metodologias de ensino,
um equilíbrio entre os saberes docentes e as competências necessárias a uma educação
para este século. É necessário, ainda, investir em um pensamento aberto, produtivo e
criativo para por em suspensão uma ordem estabelecida e suas verdades que se pretendem
definitivas.
No entanto, as modificações na educação escolar passam, prioritariamente, pelos
professores e pelos seus papéis, já que eles, em última instância, são os que interpretam os
modelos de gestão, a organização da escola, o currículo, dentre outros aspectos que
compõem o cotidiano escolar.
(Mas) O professor é um sujeito de um tempo determinado, de uma sociedade concreta,
que vive as contradições e as incertezas deste mesmo tempo e sociedade. É um indivíduo,
com uma história de vida ligada a um estrato social, a uma família, num meio com tudo
isso interferindo no desempenho do seu papel. Por isso, é necessário colocar este professor,
desde a sua formação inicial, em contato com a dinâmica da escola básica, aproximando
sua formação da experiência profissional e valorizando sua individualidade.
Mesmo que ainda presenciemos a tentativa da manutenção de uma ordem, que
redunda em um ensino que mantém algumas tradições, tem sido voz corrente as reflexões
sobre os equívocos da unificação curricular.
Nas sociedades primitivas a educação era uma tarefa coletiva – os adultos
apresentavam às crianças e aos jovens códigos e valores do grupo. Entretanto, à medida
que as sociedades ficaram mais complexas, a educação sofreu uma setorização e passou
a ser trabalho de especialistas. Podemos ressaltar, aqui, duas características que a sociedade
moderna deixou para a educação formal:
·
·
unificação: pouca atenção prestada à diversidade cultural dos estudantes;
repetição: extensão exagerada e desarticulação dos conteúdos.
5
O Curso de Pedagogia tem a maioria da sua população feminina e, consequentemente, a ocupação dos
cargos e funções na escola também. Por isto, optei em adotar o gênero feminino ao referir às professoras deste
segmento de ensino no texto.
155
SALES, M. A.
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
Para problematizar o binarismo que ainda encontramos na nossa educação, penso
ser necessário tencionar algumas questões para uma discussão sobre a educação básica.
Isso não significa dizer que se trata de caracterizar o ensino como ”tradicional” ou “crítico”,
como querem alguns, mas entender a necessária multiplicidade das questões que envolvem
o ato de ensinar. Um exemplo deste tensionamento pode ser o debate sobre para quem
ensinar – uma camada da sociedade ou todas as pessoas que a compõem?
Ao propor o exercício de extrapolar o binarismo do pensamento moderno é preciso
destacar que esta questão não se reduz à composição demográfica da escola, mas destacar
a necessidade de uma mudança na sua cultura original, somada à reflexão sobre sua
matriz curricular. Se condicionarmos o ensino ao mundo do trabalho fica difícil não incorrer
na massificação da educação básica e, conseqüentemente, reforçar os dois aspectos
ressaltados anteriormente: a unificação e a repetição do ensino.
É necessário apostar em outras perspectivas que já podem ser consideradas realidade,
como a relação de co-produção entre o professor e seus alunos. Daí a urgência de um
currículo que valorize as diferentes possibilidades da formação docente e que insira o
professor em uma cultura científica e tecnológica dessa nossa contemporaneidade.
As metodologias de ensino também precisam valorizar a experimentação do ensino
em todo o processo da formação inicial e continuada do professor, assim como garantir sua
heterogeneidade sociocultural. O viés da articulação da escola com o mundo do trabalho
pode contribuir para superar o condicionamento da primeira a este, passando a valorizar
os componentes da profissionalização docente e garantindo a integração entre a teoria e a
formação geral do professor: prática profissionalizante estreitada pela cultura tecnológica.
Outro aspecto que demanda nossa atenção é a reorganização da escola. Nela é
necessário que seja garantido que o docente seja visto como um centro de recursos educativos
postos à disposição dos educandos para que, como nos indicou Paulo Freire, “a educação,
qualquer que seja ela é sempre uma teoria do conhecimento colocada em prática”. (FREIRE,
1999, p.25)
Contribuições da Geografia para a formação do licenciando em Pedagogia
A Geografia apresenta-se como uma possibilidade para o alargamento do horizonte
do conhecimento ao apresentar oportunidades concretas para o estudante-licenciado se
instrumentalizar para a aquisição do saber geográfico. Ou seja, oportunizar formas de
expressão através de leituras analíticas e compreensivas e a ampliação do conhecimento
específico desta área. Uma das grandes questões que preocupam os professores, de modo
geral, engloba duas dificuldades no seu cotidiano:
· O que ensinar? Identificar o que é realmente significativo para o estudante, o que
vai auxiliá-lo a situar-se no seu meio social, conhecendo e interpretando os fenômenos
sociais, políticos e econômicos que regem a sociedade, são algumas reflexões possíveis
156
Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007
para essa questão. É preciso ter clareza da realidade educacional brasileira, das suas
tendências no contexto atual, das perspectivas e necessidades que derivam desta realidade,
e como isso reflete no nosso dia-a-dia como educadores na(s) nossa(s) escola(s). Para
Veiga-Neto (2007, p. 25), “o educador precisa emancipar-se a si mesmo, para que sua
atividade docente seja um ato de emancipação e não de embrutecimento”. Assim, é
necessário explicitar o que significa assumir algumas posturas em relação ao trabalho em
educação de modo geral e, em particular, à prática em sala de aula.
· Como ensinar? Oportunizar um tipo de ensino que permita ao educando construir
seu próprio conhecimento, procurando desenvolver metodologias participativas e que
promovam a co-produção é outro aspecto a ser destacado.
A visão que o professor tem do mundo, do homem e da sociedade tem influência
decisiva no seu trabalho pedagógico. Diante da realidade educacional, inserida no contexto
socioeconômico e político, é imperativo que o professor se posicione politicamente. A
visão e a concepção sobre educação e sociedade refletirão na opção metodológica que
conduz o trabalho pedagógico – verticalizado, ou não.
A definição por uma metodologia de ensino é orientada pela compreensão e
interpretação da realidade, concretizada por uma prática docente em uma dada disciplina.
Esta concepção teórica irá orientar a ação pedagógica em seus diversos aspectos: relação
professor-estudante, seleção dos conteúdos e sua abordagem, procedimentos didáticos,
avaliação, dentre outros.
É importante que o conteúdo educativo atinja maior significação, e isso irá ocorrer
quando o professor conhecer a realidade de que seus educandos fazem parte. A partir do
conhecimento desta realidade, relacionada ao ambiente de trabalho do professor, é que
haverá uma melhor adequação ao caminho metodológico a empreender.
Sabemos da heterogeneidade da nossa realidade educacional. Na escola encontramos
diferentes demandas intelectuais, afetivas e sociais. O conhecimento dessa realidade precisa
ser considerado para a condução da ação docente em sala de aula. Muitas vezes a divisão
do trabalho na educação contribuiu para alienar o professor da sua interação diária com
os estudantes no desenvolvimento do seu trabalho. A aproximação do conhecimento mútuo
– aluno e professor – pode favorecer uma relação mais dialogada e a valorização de
opiniões e posições diferentes, superando o modelo de relação verticalizada, com poder
centralizado no professor.
Com o conhecimento da realidade em que está inserida a escola onde trabalha o
professor viabiliza uma melhor organização das atividades pedagógicas que promovam
níveis mais elaborados de conhecimento e habilidades intelectuais dos seus educandos.
Assim, uma das preocupações do educador deve ser a de propiciar meios para que o
educando desenvolva uma boa comunicação para o aprofundamento dos seus
conhecimentos, considerando as experiências e os conhecimentos individuais, historicamente
construídos. Ou seja, o que está posto para o ensino da Geografia é a compreensão do
157
SALES, M. A.
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
indivíduo como parte da sociedade e agente ativo na construção do espaço. O professor
pode iniciar este debate nas séries iniciais, favorecendo a compreensão dos espaços em
que vivemos para nossa intervenção. Note que esta perspectiva de ensino está na contra
mão da Geografia Tradicional que, historicamente, primou pela descrição e memorização
dos seus conteúdos e que ainda está presente nos currículos da educação básica. A
abordagem de ensino, defendida aqui, reconhece a Geografia como campo de conhecimento
das ciências sociais e tem a sociedade como o centro das suas discussões.
É preciso tomar como condição necessária para o ensino da Geografia a discussão
e elaboração de pressupostos teóricos que norteiam nosso trabalho, relacionando-os à
realidade em que vivemos e desenvolvendo um trabalho de assunção de agente construtor
desta realidade. Por fim, é preciso criar condições para que nossos educandos possam
conhecer o espaço e ter instrumentos para saber-se atuante na construção deste. Entender
que o lugar que está ocupando socialmente pode ser uma das conseqüências do modo em
que os homens se relacionam entre si, é um possível ponto de partida para que nossos
estudantes assumam o lugar de construtor do espaço.
O Conceito de Espaço na Educação Infantil e sua percepção pela criança...
As concepções que temos de mundo são historicamente construídas e, além de
sofrerem constantes modificações, não se apresentam homogeneamente no tempo e no
espaço. Assim, ao considerarmos a idéia de criança é preciso saber o contexto sóciocultural a que estamos nos referindo. Em uma sociedade algumas crianças podem assumir
responsabilidades dentro do grupo que faz parte, que vão ser diferentes das crianças de
alguns grupos de outras sociedades. Em uma mesma cidade, dependendo da classe social
a qual pertence, a criança pode enfrentar adversidades com o trabalho infantil ou ter os
cuidados e proteção necessária ao seu desenvolvimento. Exatamente por ser um sujeito
social e histórico, ela faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma
sociedade.
Por possuir uma natureza singular, se caracteriza como um ser que sente e pensa o
mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelece com as pessoas e com o
meio em que vive, desde seu nascimento, a criança revela seu esforço para compreender o
mundo em que vive e, ao brincar, explicita as condições de vida a que está submetida. Na
construção do conhecimento ela utiliza diferentes linguagens e exerce sua capacidade de
formular hipóteses originais sobre o que pretende desvendar. Por isso, ela constrói o
conhecimento a partir das interações com as pessoas e com o meio.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam alguns objetivos para a Educação Infantil
dos quais destaco um “Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendose cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e
valorizando atitudes que contribuam para sua conservação.” (BRASIL, 1998, p.63)
158
Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007
O conceito de espaço na educação infantil e sua percepção pela criança é uma
abordagem que tangencia o próprio ensino do saber geográfico neste segmento da educação.
É preciso atentar que as particularidades de cada proposta curricular devem estar vinculadas
às características socioculturais da comunidade na qual a Escola esteja inserida.
Sabemos que, ao nascer, o bebê está em um estado de fusão com a mãe, não
diferenciando seu próprio corpo e limites. Aos poucos vai adquirindo consciência dos
limites do seu corpo e as conseqüências de seus movimentos. Isto porque desde o nascimento,
as crianças se orientam, prioritariamente, para o outro. A criança vai construindo a noção
de espaço a partir das suas relações espaciais e da psicogênese dessa noção.
O Espaço Vivido é aprendido por brincadeiras que a criança explora, com seu
próprio corpo, as dimensões e as relações espaciais. É preciso ajudá-la a lateralizar-se, ou
seja, tomar consciência do predomínio lateral em seu corpo (direita ou esquerda). Assim,
a análise do espaço é apreendida pela criança a partir das suas experiências com seu
próprio corpo.
A fase do Espaço Percebido não precisa mais ser experimentada fisicamente. Piaget
(apud WADSWORTH 1995, p.82) nos indica que o pensamento intuitivo (construído dos
quatro aos sete anos) assenta-se sobre a aparência do fenômeno – o que a criança percebe
ou parece estar acontecendo. Nesta fase, a criança passa a lembrar os percursos que faz
não sendo mais necessário percorrê-los. Segundo Passini (2002), é nesse momento que
começa a Geografia para ela e o professor deve proporá atividades que desenvolvam
conceitos e noções de espaço.
No terceiro estágio, Espaço Concebido, a criança já estabelece relações espaciais
entre os elementos a partir da representação, ou seja, pode ter uma idéia sobre a área,
mesmo sem conhecê-la. Nesta fase ela já consegue pensar cientificamente, buscando
soluções lógicas para os problemas.
Em síntese, dos cinco aos oito anos a criança distingue direita e esquerda, mas
ainda não consegue projetar, pois, como nos indica Passini, exige descentralização
(passagem do egocentrismo infantil para um enfoque mais objetivo da realidade) e
reversibilidade (caminho de ida e volta). Dos oito aos onze anos já é capaz de distinguir a
direita e a esquerda de alguém, de frente para ela, pois o domínio da conservação (referencial
para que a ação seja revertida). Porém, só após os onze anos a criança é capaz de situar
objetos, independente da sua própria posição ou do seu corpo.
Assim, a criança vai construindo seu saber – retendo parte(s) do que lhe é ensinado
ao integrá-los, à sua maneira, nos esquemas de pensamento e ação. E o professor é sujeito
fundamental para mediar esse processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, as pessoas que
convivem com a criança, medeiam seus contatos com o mundo, e nestas relações suas
características vão sendo construídas, e o professor das séries inicias precisa ter essa
noção. É preciso estar atento às perguntas feitas por elas, o modo pela qual elas desenvolvem
seu aprendizado e se interam do meio social e natural em que vivem. Por isso, o trabalho
docente deve estar voltado para a ampliação das experiências trazidas pelas crianças para
159
SALES, M. A.
ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO...
o espaço da sala de aula.
Geografia, Pedagogia e outros diálogos necessários
Não poderia finalizar este texto sem apontar algumas questões imperativas para o
ensino da Geografia na contemporaneidade. Assim, não é uma conclusão, mas a proposta
de novos começos que partam das demandas que se apresentam à Educação neste novo
século.
No processo de contínuas mudanças em que vivemos, e a partir do requinte
tecnológico, as transformações podem ocorrer de maneira mais acelerada, ou não. Dessa
forma, a escola é impelida a participar dessas transformações sem que fique à margem do
crescimento de uma sociedade. Cabe, então, à escola, potencializar o educando em seu
processo de ensino e aprendizagem para seu crescimento intelectual.
É necessário que seja desenvolvido, ainda nas primeiras séries, um processo de
alfabetização de forma integral, buscando realizar a possibilidade e o desejo de ler o
mundo. Daí que a necessária contextualização do saber geográfico na sua emergência
histórica vem atribuir ao fazer pedagógico o caráter de veículo para a interpretação do
real, no qual os vários campos do conhecimento sistemático sejam instrumentos de
decodificação desse real e privilegie o enfoque interdisciplinar.
Partindo do seu objeto de estudo, o ensino da Geografia deve conceber o espaço
geográfico como produto social construído na relação da sociedade com a natureza, tendo
o trabalho com elemento viabilizador dessa construção.
No entanto, o modo de fazer, pensar e ensinar uma ciência tem estreita relação com
as demandas históricas. O saber geográfico existe desde a Pré-História, quando os homens
apenas marcavam os caminhos e projetavam seus desenhos em pinturas rupestres,
elaborando só primeiros mapas. Dessa forma, há um entendimento de que o saber geográfico
antecede a escrita, considerando, também, a transmissão de informações geográficas
passadas de geração para geração.
No Brasil, a Geografia vem convivendo com impulsos renovadores desde a
redemocratização do país, e estes impulsos têm atingido o ensino na/da escola básica. O
espaço geográfico era apreendido, prioritariamente, por metodologias descritivas, mas a
partir dos anos 1980 passou a ser debatido como elemento que compõe o quadro social,
tendo valor explicativo dessa realidade. Para tal abordagem, foi necessário que a Geografia
restabelecesse o diálogo rompido com outras ciências sociais no período da influência
militar no ensino nacional, ressignificando o valor educativo desta área do conhecimento.
Ao discutirmos o valor educativo do ensino da Geografia na Contemporaneidade
defrontaremos, conseqüentemente, com a problemática da formação do professor, tanto
nos diversos campos do conhecimento, quanto nos vários segmentos da educação. É
necessário retemperar o discurso em cada sala de aula com outras perspectivas teóricas
daquilo que estamos debatendo com nossos estudantes e superar o inventário que
160
Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007
tradicionalmente é feito nas aulas da escola básica. Ou seja, é preciso empreender um
esforço intelectual com a leitura dos diversos autores que pensam/escrevem a Geografia e
demais áreas. O professor, na veiculação do saber geográfico, deve estar atento às
contribuições do conjunto dos saberes, (re)organizando seu discurso conceitual para
acompanhar e participar do fluxo de mudanças, e possibilitar que seu educando compreenda
e atue na sociedade da qual faz parte. Assim, o estudante das séries iniciais pode entrar em
contato com diferentes concepções e visões dos temas tratados pela Geografia, construindo
conhecimento de forma significativa e, principalmente, considerando que as relações sociais
possuem um conteúdo territorial. Esta é uma das grandes contribuições que podemos
identificar para que o saber geográfico seja contextualizado na sua emergência histórica e
na realidade da criança da educação básica. É, também, uma soma para o trabalho do
professor das séries iniciais do Ensino Fundamental no sentido de contribuir para um
trabalho que privilegie o diálogo entre os diversos campos do conhecimento, para que ele
cumpra do desafio de amalgamar a sua formação inicial na Licenciatura em Pedagogia
com os saberes da Geografia no campo da Educação.
É preciso, então, repensar permanentemente a educação em seus domínios
epistemológicos e políticos, o que pode apontar para o começo da descolonização de um
pensamento que insiste em preceder a nossa prática docente. Além disto, as experiências
modificadoras da/na prática docente precisam ganhar relevo para que a sala de aula seja
cada vez mais espaço de aprendizagem, não com modelos estabelecidos a priori, mas
como possibilidades coletivas em que construímos este processo.
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Recebido para publicação dia 20 de Julho de 2007
Aceito para publicação dia 28 de Agosto de 2007
162
ENSINO E PESQUISA:
REFLETINDO SOBRE A
FORMAÇÃOPROFISSIONAL
EM
GEOGRAFIA PAUTADA
NO DESENVOLVIMENTO DA
COMPETÊNCIA
INVESTIGATIVA
TEACHING AND RESEARCH:
REFLECTING UPON PROFESSIONAL
FORMATION IN G EOGRAPHY
GUIDED BY THE DEVELOPMENT OF
AN INVESTIGATIVE COMPETENCE
ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN:
REFLEXIONANDO SOBRE LA
FORMACIÓN DEL PROFESIONAL EN
GEOGRAFÍA CON BASE EN EL
DESARROLLO DE LA COMPETENCIA
INVESTIGATIVA
ANA MARIA RADAELLI DA SILVA
[email protected]
JUÇARA SPINELLI
[email protected]
ICEG/Universidade de Passo
Fundo - UPF
T erra Livre
Resumo: O propósito deste texto é socializar reflexões sobre a
experiência que vem sendo construída em decorrência dos
procedimentos adotados nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa
e Seminários de Pesquisa em Geografia da Universidade de Passo
Fundo - UPF, bem como levantar idéias que possam subsidiar o debate
acerca da iniciação científica, via de regra, demarcada pela elaboração
de trabalhos de conclusão de curso no ensino superior. Para tal,
apresentam-se, inicialmente, referências teóricas que orientam a
metodologia da pesquisa e discute-se o ensinar a pesquisar;
posteriormente, destaca-se como vem sendo trabalhado o ensino na
direção da iniciação investigativa, demonstrando-se o processo
construído ao longo do Curso, na UPF e, ao final, analisa-se a
articulação dos trabalhos elaborados a partir dessas disciplinas, tanto
ao currículo acadêmico quanto à consolidação das linhas de pesquisa
do Curso.
Palavras-chave: Ensino e pesquisa; Metodologia da pesquisa; Curso
de Geografia – UPF; Modalidade licenciatura; Modalidade
bacharelado.
Abstract: The purpose of this study is to socialize the reflections
about the experience which is being built in consequence to the
procedures adopted in the disciplines of Research Methodology and
Seminars of Research in Geography of the University of Passo Fundo,
UPF, as well as to raise ideas which can subsidize the debate regarding
scientific initiation, as a rule, determined by the elaboration of final
projects in graduation courses. Therefore, at first, we present
theoretical references that direct the research methodology and we
discuss the teaching to research. Subsequently, we highlight how
the teaching in the direction of the investigative initiation has been
worked, demonstrating the process built throughout the course, at
UPF and, finally, we analyze the articulation of developed studies
from these subjects in the academic curriculum as well as in the
consolidation of research lines of the course.
Keywords: Teaching and research-UPF; Research methodology;
Geography course; Dgree; Bachelors degree.
Resumen: El objetivo de este trabajo es socializar la experiencia que
se ha venido construyendo como resultado de los procedimientos
adoptados en las disciplinas de Metodología de la Investigación y
Seminarios de Investigación en Geografía, en la Universidad de Passo
Fundo (UPF), así como plantear ideas que permitan encauzar el debate
sobre la iniciación científica, por lo general, delimitada por la
elaboración de trabajos de final de carrera en la enseñanza de nivel
superior. Para ello, se presentan inicialmente referencias teóricas que
orientan la metodología de la investigación y se discute el enseñar a
investigar, posteriormente, se destaca cómo se ha venido trabajando
la enseñanza en la dirección de la iniciación investigativa, y se
demuestra el proceso construido a lo largo de la carrera, en la UPF.
Para terminar, se analiza la articulación de los trabajos elaborados a
partir de esas disciplinas, tanto al currículo académico como a la
consolidación de las líneas de investigación de la carrera.
Palabras clave: Enseñanza e investigación; Metodología de la
investigación; Carrera de Geografía – UPF; Modalidad
licenciatura; Modalidad bachillerato.
Presid en te Pru d ente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 163-176
Jan -Ju n/ 2007
163
SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J.
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
Introdução
Do pressuposto de que pesquisar é um imperativo para os profissionais de educação,
bem como uma atividade implícita e explícita a todo o processo de formação, decorre o
interesse de iniciar um debate acerca dos procedimentos adotados no processo de ensino
da iniciação à pesquisa em Geografia. Assim, o presente trabalho objetiva socializar
reflexões sobre o trabalho que se realiza nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa,
Seminários de Pesquisa em Geografia I, II e III e Trabalho de Conclusão de Curso, bem
como possibilitar um debate acerca da iniciação científica, via de regra, demarcada pela
elaboração de projetos cujos referenciais e levantamentos tornam-se trabalhos finais de
curso no ensino superior. Para tal, apresenta-se o caso do Curso de Geografia da
Universidade de Passo Fundo - UPF, o qual congrega as modalidades licenciatura e
bacharelado, tendo sido avaliado e recomendado pelo Ministério de Educação em 2006.
As reflexões que norteiam a questão ensinar a pesquisar, apresentam-se,
inicialmente, pela exposição de um breve quadro referencial teórico que aborda metodologias
de pesquisa e discute o ensinar a pesquisar. Nesse horizonte, denotam-se os desafios de
mobilizar os acadêmicos para a elaboração de projetos de pesquisa de uma área que
atende ao processo formativo em nível de licenciatura e/ou bacharelado, desenvolvendo
habilidades de pesquisar e “questionar” o conhecimento. Esses desafios têm, por um lado,
a preocupação de tornar os acadêmicos aptos para incorporar permanentemente o
desenvolvimento científico e tecnológico, tanto como uma prática inerente ao processo de
formação, quanto à própria prática profissional. Por outro lado, buscar apoio do uso da
pesquisa no ensino tem sido o principal viés dado ao Curso no âmbito da licenciatura e, no
âmbito do bacharelado, a investigação em temas emergentes e/ou recorrentes tem sido
uma prática, em especial nos estágios curriculares e/ou profissionalizantes.
Socializar como vem sendo trabalhado o ensino na direção da iniciação investigativa,
demonstrando-se o processo construtivo ao longo do Curso de Geografia da UPF
compreende o segundo tópico do presente artigo. Sua relevância está calcada no
fortalecimento buscado, ao longo do currículo do Curso, em pedagogicamente permitir
avanços nos diversos campos que compõem o conhecimento geográfico de forma a
promover: a) leituras de temas específicos, b) captura de informações por meio de recursos
tradicionais ou eletrônicos, c) análises geoespaciais, d) utilização de recursos cartográficos
e geotecnologias aplicadas ou aplicáveis ao campo de pesquisa e como instrumentos
essenciais ao ensino e à pesquisa em Geografia, e) seminários por linhas de pesquisa,
entre outros.
A criação e a consolidação das linhas de pesquisa, no Curso, vêm sendo promovidas,
de um lado, pela execução de projetos institucionais e interinstitucionais por parte dos
docentes do Curso e de áreas afins, com participação de alunos bolsistas e, de outro, por
trabalhos construídos nas diversas disciplinas. As linhas de pesquisa, até o momento
consolidadas, intitulam-se: Relação Sociedade-Natureza e Impactos Ambientais, Processo
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de Transformações Territoriais no Rio Grande do Sul, Processos de Desenvolvimento
Regional, bem como, Geografia, Ciência e Ensino. Destaca-se que as iniciativas para a
consolidação dessas linhas de pesquisa, embora constantes, cuja participação dos
acadêmicos tem sido considerada de fundamental importância, têm se revelado como um
desafio aos discentes em formação investigativa, quer pela responsabilidade que acaba
sendo imposta ao sentirem a necessidade de enquadrar seu projeto em uma dessas linhas,
quer pela necessidade dos docentes orientadores, em alguns momentos, de acabarem
transitando por linhas de pesquisa distintas de seus projetos institucionalizados. Estas e
outras inquietações são debatidas no terceiro tópico do artigo, junto à socialização do
resultado de experiências de ensino na pesquisa geográfica.
Ensinar a pesquisar: desafios e considerações iniciais
Dentre as inúmeras preocupações que permeiam o ensinar a pesquisar, a experiência
docente junto ao Curso de Geografia da UPF tem salientado, em primeiro lugar, a dificuldade
que os alunos têm em definir a temática a ser investigada e elaborar o próprio projeto e,
em segundo lugar, o método e a(s) técnica(s) de pesquisa a serem perseguidas na execução
do projeto.
Com relação ao primeiro ponto, ao longo das vezes em que a disciplina de
Metodologia da Pesquisa em Geografia foi ministrada, foi sendo aperfeiçoado o processo
de integração interdisciplinar, ou seja, foi sendo incentivado que os professores das diversas
disciplinas ilustrassem suas aulas com projetos e pesquisas em andamento ou já realizadas
em sua área de atuação, apresentando resultados parciais e/ou finais. Com isso, observouse o despertar do interesse por realizar trabalhos semelhantes e novas possibilidades nas
temáticas em questão por parte dos alunos e, na medida em que as disciplinas ocorrem,
fortalece-se a atenção para possíveis avanços no conhecimento nos diversos campos da
Geografia. Quanto à elaboração dos projetos de pesquisa, definidas as temáticas, adotouse o critério de perseguir uma orientação normativa instituída pela própria Universidade1 ,
seguindo um roteiro norteador para projetos e trabalhos científicos e o procedimento de
metodologia científica conforme as normativas estabelecidas pela Associação Brasileira
de Normas Técnicas – ABNT.
Cumpridas as etapas anteriores, de definição da temática e da elaboração do corpo
básico-estrutural do projeto, o desfio subseqüente refere-se ao método científico e as técnicas
de pesquisa a serem adotados. Na prática pedagógica, esse desafio torna-se mais
contundente, tendo em vista que, por se constituir em um momento de iniciação à pesquisa,
os próprios conceitos de ciência, de metodologia e de conhecimento ainda precisam ser
compreendidos ou retrabalhados. Nesse contexto, compartilham-se as considerações de
1
São orientações que compõem a obra de RAUBER, J. J. e SOARES, M. Apresentação de Trabalhos
Científicos: Normas e Orientações Práticas, EDUPF.
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ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
Gerardi e Silva (1981, p.3) quando tratam das perspectivas para trabalhar a metodologia
científica e a pesquisa em Geografia:
Entendemos por ciência um método de estudo, ou seja, um processo no qual se
constrói, passo a passo, um modelo da realidade, supervisionado e manejável.
Esta realidade pode envolver somente fenômenos naturais ou humanos, ou
ainda, uma combinação dos dois.
O estabelecimento do método científico de estudo, portanto, é considerado tão
fundamental quanto a escolha da temática e a elaboração estrutural do projeto de pesquisa,
até porque a ciência ressalta-se como um produto do conhecimento científico. Assim,
dentre os diversos conceitos de método científico, adotou-se, para efeitos deste artigo, o de
Abbagnano (1970, p. 640) para o qual se trata de um “procedimento de investigação
ordenado, repetível e auto-corrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos”.
De uma maneira geral, em Geografia trabalha-se mais comumente com um dos três
métodos científicos: o indutivo, o dedutivo e o dialético. Esses métodos são apresentados
e debatidos desde o primeiro nível do Curso, nas disciplinas de Introdução à Filosofia da
Ciência e Iniciação ao Estudo Acadêmico e vão sendo retrabalhados nos semestres
posteriores, em disciplinas afins.
O método indutivo preconiza que a investigação parta de questões particulares até
chegar a conclusões generalizadas ou universais, ou seja, dos fatos às leis. Segundo Lakatos
e Marconi (1990, p. 85) “o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo
conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se baseiam”.
O método dedutivo é aquele que procede do geral para o particular, do princípio
para a conseqüência, percorrendo níveis de abstração da observação de um fenômeno
geral, buscando particularizá-lo, o que pressupõe uma operação mental em busca da
conclusão. Inicialmente, o raciocínio dedutivo foi desenvolvido por Aristóteles (384-322
a.C.) na Antigüidade Clássica, também denominado silogismo, um raciocínio dedutivo
formal, e foi revigorado por Descartes (1596-1650) em um momento de busca da construção
de uma nova ciência, através da adoção de uma atitude de dúvida metódica e do
racionalismo, tomando o conhecimento procedente de uma verdade a priori (1969).
O método dialético foi sendo estabelecido com base nas leis da dialética, um
procedimento que supõe a prática do diálogo. No início do século XIX, Friedrich Hegel
(1770-1831) apresenta a dialética como um movimento histórico do espírito em direção à
autoconsciência e, portanto, um processo movido pela contradição. Karl Marx (18181883) e Friederich Engels (1820-1895) aceitam, mas reformam o conceito hegeliano de
dialética, utilizando a mesma forma, mas introduzindo um novo conteúdo. Essa nova
dialética é chamada de materialista e analisa o tempo histórico sob a ótica dos processos
econômicos e sociais que ocorreram em dados períodos ou modos de produção.
Para a Geografia é um procedimento que enriquece o estudo dos fenômenos, uma
vez que pressupõe que eles sejam analisados levando em conta o seu dinamismo, revelando-
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os no contexto em que ocorrem, explicando-os como um movimento e apresentando suas
contradições.
Abordados os métodos, parte-se para as técnicas de pesquisa, via de regra,
trabalhadas no âmbito dos tipos de pesquisa, ou seja, da pesquisa bibliográfica, da pesquisa
qualitativa e da pesquisa quantitativa.
A pesquisa bibliográfica, de cunho teórico, tem o intuito de ser “dedicada a reconstruir
teoria, conceitos, idéias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos,
aprimorar fundamentos teóricos” (DEMO, 2000, p. 20). Embora não implique em imediata
intervenção na realidade, a pesquisa teórica não deixa de ser importante, pois seu papel é
decisivo na criação de condições para a intervenção. Nas palavras de Demo, “o
conhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenho
lógico, argumentação diversificada, capacidade explicativa” (1994, p. 36). Em termos de
técnicas, a pesquisa bibliográfica é feita a partir de documentos tais como livros, periódicos,
livros virtuais, cd-rom, internet, revistas, jornais, entre outros.
A pesquisa qualitativa diz respeito ao estudo de temas no seu cenário natural,
buscando interpretá-los em termos do seu significado assumido pelos indivíduos; para
isso, usa uma abordagem holística, que preserva a complexidade do comportamento humano
(GREENHALGH e TAYLOR, 1997). As principais técnicas utilizadas em pesquisas
qualitativas são realizadas através de diários de campo, observação participante, entrevista
individual (formais, informais, estruturadas, não-estruturadas), entrevista familiar,
entrevista em grupo, etc. Para a realização de tais procedimentos, utilizam-se instrumentos
como imagens: vídeo, fotografias, coleta de narrativas e histórias de vida, análise de material
escrito/impresso, entre os diversos recursos.
A pesquisa quantitativa é um método de pesquisa que utiliza técnicas estatísticas.
Normalmente implica a construção de inquéritos por questionário e elaboração de bancos
de dados e informações geográficas. Dada a complexidade dos fenômenos geográficos,
normalmente, é realizada através de técnicas de amostragem.
Aliado ao processo pedagógico de âmbito teórico, ensinar a pesquisar induz,
também, a um conjunto de procedimentos de ordem prática. Proporcionar a concretização
da relação teoria-prática no (re)conhecimento de temas pertinentes a serem investigados
revela-se como mais um desafio no campo do fazer geográfico, que coloca em confronto,
para os acadêmicos, o contato da realidade apreendida pela leitura com o contato com a
realidade vivida na execução da pesquisa. Esses procedimentos são expressos no item
seguinte com base no plano pedagógico do Curso de Geografia da UPF.
A pesquisa na Universidade de Passo Fundo e no Curso de Geografia
A Universidade de Passo Fundo é uma instituição comunitária e, por seu caráter,
considerada de ensino público não-estatal. Esse caráter induz que a convergência entre as
três funções básicas da universidade, ensino-pesquisa-extensão, é o indiscutível caminho
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J.
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
para a qualificação institucional bem como para o fortalecimento da formação acadêmica
enquanto compromisso com a produção e socialização do saber.
Em que pese a obviedade dessa idéia, por inúmeras questões que vão da capacitação
dos profissionais ao desempenho dos acadêmicos, permeadas pelas estratégias de gestão,
vive-se uma realidade marcada pela permanência da desarticulação e fragmentação nocivas
à qualificação do processo de formação profissional. Essa situação, não raro, é comum às
instituições/entidades de ensino superior de cunho privado, cuja preocupação maior é a
formação em caráter de urgência e até de emergência, garantindo a circulação de capital,
entenda-se, de alunos, muitas vezes induzindo ao desrespeito a essa tríplice função. Nas
instituições comunitárias, historicamente, essa tríplice função tem sido respeitada, muito
embora a concorrência gerada pela instalação de muitas entidades de ensino superior
acabe, por vezes, ferindo o pleno funcionamento institucional.
Não é intenção desse texto, entretanto, questionar se a instituição está cumprindo
suas determinações estatutárias de oferecer ensino, pesquisa e extensão para ser fiel ao
perfil identitário que consta nos seus documentos ou se a gestão financeira/contábil se
impõe no estabelecimento/manutenção das deploráveis fronteiras entre docência, pesquisa
e extensão às demandas da comunidade.
Importa, na verdade, é ter consciência desse contexto restritivo, não como forma de
desestímulo, mas de revigoramento das intencionalidades expressas no Projeto PolíticoPedagógico do Curso de Geografia/20012 e, na medida das possibilidades, argumentar
para o convencimento daqueles que não se renderam, ainda, à inquestionável relação entre
ensino-pesquisa e ao reconhecimento de que ambos contribuem para a qualificação das
práticas extensionistas.
Corroboram nesse sentido Damiani e Carlos (1999, p. 99), para as quais
A universidade, a nosso ver, se constrói, fundamentalmente, no cotidiano da
pesquisa – sem a qual não há ensino comprometido com a formação do cidadão
-, o que aponta o único caminho viável à produção/reprodução de um
conhecimento crítico e original, que marca o sentido da universidade e dá
substância ao trabalho acadêmico [...].
É uma idéia que contribui para a confirmação ou validação da proposta que baseia
esse texto. Constituído por uma matriz curricular que compreende uma carga horária de
3.410 horas/aula teórico-práticas, distribuídas em oito semestres letivos, incluindo-se as
atividades complementares (técnico-científico e culturais), o Curso de Geografia –
Licenciatura e Bacharelado – da UPF apresenta uma estrutura curricular que incentiva
atividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias desde o primeiro nível.
Os itens que seguem buscam elucidar tal situação em ambas as modalidades.
2
Por conta do legalismo, decisões verticalizadas forçaram a separação das modalidades licenciatura e
bacharelado, em 2005, permitindo a oferta de dois cursos, dos quais apenas a licenciatura se mantém. A
última turma do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado ingressou em 2004.
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A relação ensino-pesquisa na perspectiva da formação docente
O exercício do conhecimento é o caminho para a formação do cidadão. Na Geografia,
o desafio é o conhecimento do mundo, da realidade e de suas contradições, o que exige um
esforço para explicá-las, bem como para explicar as próprias relações com o mundo.
Para Carlos e Oliveira (1999, p. 141), “a pesquisa é ela própria um desafio e
representa concretamente a possibilidade de descoberta de nossa condição no mundo”,
enquanto um exercício livre, criativo, consciente em busca de respostas ao inquietante
momento que se vive, no terreno dinâmico do acontecer, das criações e das transformações
que conformam o mundo atual.
Na formação profissional em Geografia, diante das imensas possibilidades que seu
objeto, o espaço geográfico, oferece para investigação, é inequívoca a necessidade de
serem desenvolvidas as bases teóricas e metodológicas que conduzam a uma conceituação
sólida da ciência e da respectiva instrumentalização para a sua prática.
Especificamente no que diz respeito à formação para a prática docente, defende-se
a idéia do fortalecimento da base científica e filosófica da Geografia como possibilidade
de conferir ao ensino um caráter crítico e criativo, capaz de problematizar e propor soluções
para as questões do conteúdo teórico e da respectiva dimensão social que se revela no
espaço vivencial. Para tanto, essa formação deve ser sustentada pela pesquisa, uma vez
que o espaço precisa ser discutido, pensado.
A categoria central da dialética marxista, a práxis, é referência epistemológica da
discussão sobre a construção do conhecimento na perspectiva da superação da dicotomia
entre teoria e prática que a pesquisa possibilita.
Gonçalves (1994, p. 477) esclarece que
A práxis concebida como pensamento e ação, atividade objetiva,
transformadora do mundo natural e social, que consubstancia a criação,
a produção e a transformação, sedimentadas na unidade entre saber e
fazer, teoria e prática, ação e reflexão.
Em consonância com esta idéia, tem-se a preocupação de agregar ao desenvolvimento
teórico das disciplinas de formação pedagógica, experiências que sejam avaliadas à luz da
teoria, como fundamento de sua reelaboração, às quais são destinados créditos específicos
na grade curricular do Curso.
Aqui fica evidente o compromisso de articular ensino e pesquisa, em qualquer nível
(preservadas as suas dimensões) para instrumentalizar o aluno-professor no seu próprio
processo investigativo/criativo, a fim de que incorpore a metodologia da transposição do
saber acadêmico para o terreno da prática profissional.
O trabalho docente, impregnado de intencionalidade, visa à formação humana por
meio de conteúdos e habilidades, de pensamento e ação, o que implica escolhas, valores,
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J.
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
compromissos éticos e que significa dizer, também, que o compromisso do professor é
ensinar, é formar.
Trabalhar o conhecimento no processo formativo dos alunos significa proceder à
mediação entre os significados do saber no mundo atual e aqueles dos contextos nos quais
foram produzidos. Além de explicitar os nexos, significa contribuir com seu saber, seus
valores, suas experiências para melhorar também a qualidade social da escolarização
paralelamente ao compromisso com o seu desenvolvimento intelectual.
Argumenta-se que, na formação para a docência, a pesquisa seja estimulada e
praticada como compromisso de construção das competências profissionais, visando o
exercício docente pautado na mediação de investigações criativas tendo a afetividade e
sensibilidade como propulsores da promoção, da mobilização, da motivação para a construção
do conhecimento dos alunos.
Busca-se apoio na perspectiva de um ensino socioconstrutivista da Geografia para
encaminhar as atividades que visem às respectivas competências. O lugar é a disciplina de
Metodologia e Prática de Ensino que desenvolve os referenciais teóricos para esclarecer e
sustentar as atividades práticas, em contato com a realidade escolar, entre as quais as que
são dinamizadas pelos trabalhos de campo.
A concretização efetiva dessa relação, ensino-pesquisa, na formação profissional
docente, é potencializada especialmente pelos TCCs que são propostos e desenvolvidos
em torno da linha de pesquisa Geografia, Ciência e Ensino.
Em estudo anterior, Silva e Fioreze expressam que
Paralelamente ao domínio do conteúdo da ciência geográfica, como requisito
primordial para desempenho do exercício da docência em Geografia, e
paralelamente também ao suporte técnico, didático e pedagógico, é
imprescindível que os cursos superiores de formação de professores
proporcionem uma ampla e crítica visão epistemológica e histórica da mesma,
para que o ensino da geografia seja também um ensino sobre a Geografia.
(2000, p. 9-10)
Estas idéias justificam a definição da linha de pesquisa que abriga projetos de
pesquisa do Curso bem como TCCs, uma das opções a que aderem alunos que têm mais
afinidade com a habilitação licenciatura.
Os trabalhos que se têm orientado convergem para uma reflexão sobre Geografia
enquanto ciência e enquanto disciplina escolar, cada qual com seus recortes temporais e
temáticos.
Dessa reflexão decorrem análises sobre o estado da arte no ensino fundamental, ou
no ensino médio; ou sobre o conteúdo dos livros didáticos em relação às orientações teóricometodológicas da Geografia; ou sobre a abordagem didática de temas como os da
Geopolítica; outros foram propostos e desenvolvidos com a finalidade de desvendar o
papel educativo da Geografia em relação ao ambiente; outras incursões foram feitas no
âmbito de propostas curriculares de escolas, de municípios da região, além daqueles que
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Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007
elegeram a utilização de recursos, como o da música ou da literatura, para discutir as
possibilidades do ensino renovado da Geografia.
Importa destacar uma significativa contribuição aos estudos de Geografia no Rio
Grande do Sul, o trabalho “Boletim Gaúcho de Geografia: a produção do saber e da
ciência geográfica na Associação de Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre”, de Eva
Joelma Pires de Souza, orientada por Zélia Guareschi Fioreze, realizado no semestre
2005/2, cuja análise faz um mapeamento da produção geográfica da entidade agebeana no
estado.
Importa dizer, também, que é um aprendizado pleno de significados para orientadores/
orientandos, um desafio e uma possibilidade de desvendar as múltiplas realidades e,
sobretudo, a tomada de consciência sobre elas e sobre as condições de enfrentamento.
A relação ensino-pesquisa na perspectiva da formação do bacharel em Geografia
Pelo que já foi exposto, fica claro que o Curso apresenta uma estrutura curricular
que incentiva atividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias em todos
os seus semestres letivos, cujas atividades são consubstanciadas, em um primeiro momento,
pelas disciplinas comuns às duas modalidades e que permitem uma iniciação ao
conhecimento filosófico/científico/técnico/pedagógico. Em um segundo momento, pelos
estágios curriculares do bacharelado, os quais compreendem cinco estágios de cunho
acadêmico e dois estágios de cunho profissionalizante, o que vem a reforçar a idéia do
exercício do conhecimento como um caminho para a formação cidadã, das realidades/
diversidades e suas relações com o mundo.
Nessa perspectiva, desde o primeiro nível do Curso realizam-se atividades que
envolvem o ensinar a pesquisar. No primeiro nível, o estágio curricular I é voltado à
representação cartográfica, buscando congregar as disciplinas específicas de Geografia, é
confeccionada uma maquete do município, da região ou do estado. Esse procedimento
exige do corpo discente, um empenho em pesquisar as características do local a ser
representado. Vinculado à disciplina de Cartografia Básica e Temática, exploram-se
referenciais de cartografia, além de conteúdos que elucidem os temas a serem lançados
sobre o mapa-base proposto, sendo priorizado o rigor cartográfico, tendo, na representação
cartográfica e na elaboração de um texto explicativo, o resultado de um processo
investigativo que ocorre durante a disciplina.
No segundo nível, a pesquisa é incentivada no estágio curricular II, através do qual
é realizado um trabalho de campo pelo Rio Grande do Sul. Para tal, novamente a pesquisa
e o levantamento de dados, de informações e de materiais cartográficos é um processo
fundamental que antecede o trabalho de observação e investigação acerca dos
macrocompartimentos geomorfológicos do estado e de sua caracterização geográfica como
um todo.
O trabalho de campo consiste, segundo Silva (2002), na prática andante de fazer
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SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J.
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
Geografia, ou seja, uma forma de aproximação da teoria com a prática e uma possibilidade
de ação reflexiva na interface da teoria e da prática educacional. Assim, esse Estágio
constitui-se num momento integrador, além de ser um núcleo estratégico fundamental
para garantir que se efetive uma nova forma de profissionalização desde o início do Curso.
Os estágios curriculares III e IV, realizados nos respectivos níveis, congregam a
prática de pesquisa em Geografia Física, através de atividades que permitem a iniciação
investigativa em Geologia, Geomorfologia, Climatologia, Hidrografia e Biogeografia.
O Estágio Curricular III tem abrangência local, ou seja, desenvolve-se
preferencialmente nas proximidades do campus central da Universidade, tendo como escala
máxima, o município de Passo Fundo. Compreende as mais variadas metodologias de
identificação dos elementos físicos, tais como componentes de uma bacia hidrográfica e
seu comportamento, elementos climatológicos por interpretação de cartas sinóticas; tipos
e constituição de rochas e de solos, entre outros. Nesse estágio, os alunos, realizam
observações e coleta de informações geográficas, como medidas de áreas e superfícies,
obtenção de coordenadas através de GPS (Global Positioning System), entre outras. O
produto final constitui-se na elaboração do relatório técnico o qual é subsidiado pela
pesquisa em fontes e materiais teóricos e balizado pelas análises resultantes do trabalho
de campo.
Já o Estágio Curricular IV, que contempla atividades de Biogeografia é
preferencialmente realizado em áreas de valor ambiental, sendo normalmente definidas
áreas próximas do entorno da Universidade, e que possam servir de estudo nas referidas
temáticas. O trabalho se constitui em um pequeno inventário que identifica e analisa os
impactos socioambientais decorrentes de alterações no meio físico, em especial nas
formações vegetais, via de regra, inerentes ao processo capitalista de produção agropecuária,
tendo em vista que a região transformou-se, ao longo dos últimos anos, de típica de mata
Araucária ou Floresta Ombrófila Mista - tendo ainda espécies como erva-mate, cedro,
canela, angico, entre outras - para de produção extensiva da soja e do trigo. As pesquisas
desenvolvidas nesse estágio revestem-se de um caráter interdisciplinar importante dentro
do próprio Curso, bem como com áreas afins. Tal fato é denotado na análise crítica expressa
nos relatórios técnicos que são igualmente subsidiados por um referencial teórico e por
observações de campo.
No quinto nível, o estágio curricular V refere-se à prática de pesquisa em Geografia
Humana e, como nos estágios anteriores, promove a iniciação científica em temas refletidos
em relação à comunidade na qual se busca levantar dados quanto às variáveis
socioeconômicas, através da aplicação de um instrumento de pesquisa (questionário e/ou
entrevista), cujas informações sistematizadas e os dados coletados, são apresentados em
tabelas, gráficos e cartogramas. Essa investigação possibilita concretizar a relação teoriaprática e desenvolve competências investigativas.
Nos níveis VI e VII são realizados os estágios profissionalizantes, em órgãos e/ou
entidades públicas, privadas ou não governamentais. O primeiro refere-se à prática de
172
Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007
planejamento ambiental, sendo realizado no município de Passo Fundo e o segundo, de
planejamento urbano e regional, realizado nos municípios de procedência dos alunos.
Ambos constituem momentos de extrema importância para os acadêmicos do Curso, uma
vez que é o contato mais direto com o campo profissional do bacharel, através do qual
pode demonstrar o seu preparo no que concerne a um amplo conhecimento teórico que
subsidie as atividades práticas e as iniciativas de gestão.
Por essa descrição sumarizada, acredita-se que o processo de iniciação científica
ocorre de forma paulatina e concomitante ao desenvolvimento da grade curricular.
A convergência
Paralelamente à estrutura curricular para a promoção formativa de ambas as
modalidades no mesmo Curso, buscou-se atribuir uma carga horária relativamente elevada,
dada a consideração da relevância da pesquisa ao profissional de Geografia, em disciplinas
específicas à iniciação científica. Nesse sentido, a partir do quinto nível é realizada a
disciplina de Metodologia da Pesquisa em Geografia, a qual, além das teorias e métodos
em Geografia, trabalha especificamente as normativas e passos para a elaboração do
projeto de pesquisa, o qual deverá constituir-se no Trabalho de Conclusão de Curso TCC (nível VIII). Após a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Geografia, seguem-se
quatro disciplinas complementares: Seminário de Pesquisa I, Seminário de Pesquisa II,
Trabalho de Conclusão de Curso e Seminário de Pesquisa III.
No Seminário de Pesquisa I são realizados ajustes no projeto, tanto nos aspectos
teórico-conceituais, quanto nos de métodos e técnicas para a investigação. A finalização
da disciplina é demarcada por um seminário geral com todos os professores envolvidos no
Curso. Nesse momento, os projetos são apresentados pelos alunos e é aberto espaço para
sugestões, recomendações e considerações por parte dos professores participantes do
seminário. Também, nesse momento, é feita uma discussão no sentido de identificar os
potenciais orientadores, sendo constituída uma ficha que formaliza o pedido de orientação
à coordenação do Curso.
O Seminário de Pesquisa II concerne em um ensaio acerca da revisão da literatura
do TCC. Na perspectiva de um ensaio, o produto final é um artigo teórico que compreenderá
a base do referencial bibliográfico para o trabalho final.
A disciplina Trabalho de Conclusão de Curso refere-se à execução da pesquisa a
partir do projeto confeccionado em Metodologia da Pesquisa e dos ajustes e referencial
teórico produzidos nos seminários. Cabe salientar que como o Curso habilita para a
licenciatura e o bacharelado, os TCCs podem ser específicos sobre ensino de Geografia,
pesquisas aplicadas às atividades do geógrafo bacharel ou, ainda, contemplar temas que
proporcionem avanços no conhecimento geográfico, quer no âmbito estritamente teórico,
quer em procedimentos ou práticas que envolvam o saber geográfico. Todos os trabalhos
devem ser inéditos e constituem-se em um banco de referências junto ao Laboratório de
173
SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J.
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
Geografia. O processo avaliativo do TCC constitui-se de uma apresentação do trabalho
pelo acadêmico a uma banca, com seção aberta ao público, composta pelo orientador e
mais dois professores do Curso e/ou de áreas afins à temática em estudo. Após a explanação
oral do aluno, a banca composta pelos professores tece considerações, realiza a argüição
e elabora os pareceres avaliativos.
A disciplina de Seminário de Pesquisa III consiste na entrega da versão final do
TCC e no debate de limitações, dificuldades e avanços no conhecimento e no processo
formativos após a defesa do TCC. Em geral, é um momento em que o acadêmico manifesta
suas inquietações e satisfações, revelando-se como de suma importância para avaliar o
ensinar a pesquisar ao longo de todo o Curso realizado.
Para uma melhor visualização da pesquisa no Curso de Geografia da UPF, o quadro
seguinte demonstra a matriz curricular, com especial destaque às disciplinas específicas
voltadas ao ensino da pesquisa (Quadro 1).
SEMESTRE
Nível I
Nível II
Nível III
Nível IV
DISCIPLINAS
Introdução Astronomia Estatística Geografia
de
Aplicada à
Física I
à Filosofia
da Ciência Orientação Geografia
Cartografia Iniciação
Básica e ao Estudo
Temática Acadêmico
Estágio
Curricular I
Antropologi Climatologi História do Geografia Sensoriame Estágio
Pensamento Física II
n-to
a
a
Cultural
Geral
Geográfico
Remoto Curricular II
Aplicado à
Geografia
Tópicos
Especiais I
Geografia Domínios
Teoria e
Geografia Geoproces- Estágio
da
Climáticos
samento
População do Mundo Organização Física III
Curricular
do Espaço
III
História
Sociologia Biogeografia Construção Ciência,
do
Tecnologia Econômica
Território e Sociedade e Formação
Tópicos
Especiais II
Estágio
Fonte: Adaptado do Plano Pedagógico do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado, 2001.
Socializando experiências de ensino na pesquisa
No Curso de Geografia da UPF, Licenciatura e Bacharelado, desde seu início, em
2001, foram produzidos, com aprovação, 73 Trabalhos de Conclusão de Curso. A primeira
turma concluiu o curso no final de 2004 sendo que deste ano em diante, muitos alunos
174
Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007
formados têm contribuído com seus relatos de experiências acadêmicas e profissionais
para a formação de novos acadêmicos, em jornadas de pesquisa e mostras de iniciação
científica.
A construção/consolidação das linhas de pesquisa tem sido fortalecida pelos
importantes trabalhos realizados por alunos do curso. Nessa perspectiva, 17 trabalhos,
representando 23,3% dos TCCs concluídos, são da linha de pesquisa Relação SociedadeNatureza e Impactos Ambientais. Por sua vez, a linha de pesquisa intitulada Processos de
Transformações Territoriais no Rio Grande do Sul foi contemplada com a maioria dos
trabalhos, ou seja, 47 trabalhos (64,3%). A esse respeito interpreta-se a interdisciplinaridade
e a abrangência das linhas, o que permite a confecção de trabalhos de conclusão que
articulem temas pertinentes à formação do profissional de Geografia, seja na especialidade
licenciatura ou bacharelado. Por outro lado, apenas dois trabalhos, representando 2,8%
inserem-se na linha de pesquisa Processos de Desenvolvimento Regional, evidenciando
seu caráter ainda incipiente e que denota a necessidade de um maior envolvimento docente
e discente em aperfeiçoar a articulação entre as três dimensões do macro projeto institucional
que envolve ensino, pesquisa e extensão, na busca da consolidação da área. Por fim, sete
trabalhos, representando 9,6%, inserem-se na linha de pesquisa Geografia, Ciência e Ensino,
caracterizando o anseio de muitos acadêmicos em qualificar sua atuação na área específica
da licenciatura, de forma a contribuir com o pensar e agir para a promoção da melhoria do
ensino de Geografia em nível escolar, seja em instituições públicas ou privadas.
Importa ressalvar que a realização de trabalhos de conclusão de curso é uma prática
consolidada no Curso de Geografia, também para a modalidade específica de licenciatura,
anterior ao projeto em questão, como para a mesma modalidade que foi implantada em
2005.
Manifesta-se assim, a expectativa de promover a pesquisa como forma de
qualificação das atividades docentes, desenvolvendo o gosto e as competências para serem
realizadas, também, nas escolas.
Em estudo anteriormente realizado, Silva (2002, p. 237) faz referência à preocupação
com a constatação de “uma certa obsolescência colada à desmotivação” que permeia entre
profissionais docentes de Geografia, e que se traduz no fato de que
[...] é mais nítido um formalismo externo ao ato de ensinar do que a expressão
objetiva do subjetivo de seus agentes, tanto do professor como do próprio aluno.
Salvo situações especiais, uma aula verdadeiramente como um processo de
investigação, construção e comunicação de conhecimento não existe na atual
estrutura dos sistemas municipais e estadual de educação, nem é visível nas
propostas das escolas e nos planejamentos dos professores.
A preocupação de incentivar a pesquisa em educação responde, justamente, ao
apelo da situação verificada.
Ensinar a pesquisar: um desiderato que não se conclui aqui
175
SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J.
ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE...
A sumarização das idéias adjacentes ao desafio de ensinar a pesquisar,
possibilitaram um exercício de auto-avaliação que vem a ser, também, uma questão de
conscientização. A tomada de consciência, paralela e concomitante à reflexão realizada,
permite dizer que o intento de provocar ações investigativas, de incentivar a imersão na
realidade, de descobrir e sustentar “verdades”, de criar condições para fazer escolhas, é o
nosso desiderato.
As autoras, ancoradas nas suas experiências, defendem que formar profissionais
críticos e reflexivos pressupõe o desenvolvimento da competência investigativa.
Argumenta-se em favor do compromisso institucional de garantir o espaço da
pesquisa no interior do Curso e de incentivar a inserção dos docentes para consolidar
grupos de pesquisa e para promover novas investigações em cada uma das linhas de
pesquisa como condição para o fortalecimento das investigações acadêmicas.
É imperativo dar relevância à articulação do trinômio ensino-pesquisa-extensão no
processo formativo e no estimulo aos futuros profissionais para uma atuação engajada
nos processos de renovação da Geografia. Um desiderato que continua...
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/www.agbpa.com.br/TCCBoletimGauchodeGeografia.pdf>, acesso em 17/05/2007
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO. Plano Pedagógico do Curso de Geografia – Licenciatura
e Bacharelado, 2001.
Recebido para publicação dia 10 de Abril de 2007
Aceito para publicação dia 18 de Maio de 2007
176
A GEOGRAFIA, A
EDUCAÇÃO E A
CONSTRUÇÃO DA
IDEOLOGIA NACIONAL*
GEOGRAPHY, EDUCATION AND
THE CONSTRUCTION OF NATIONAL
IDEOLOGY
LA GEOGRAFÍA, LA EDUCACIÓN Y
LA CONSTRUCCIÓN DE LA
IDEOLOGÍA NACIONAL
ROGATA SOARES DEL
GÁUDIO
[email protected]
ROSALINA BATISTA BRAGA
[email protected]
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
MINAS GERAIS
*
Este texto é parte de minha tese de
doutorado Concepções de nação e
estado nacional dos docentes de
geografia – Belo Horizonte no final
do segundo milênio, defendida em
2006 junto ao Programa de Pós
Graduação em Educação, FaE/
UFMG , sob a orientação da Prof.a
Dr.a Rosalina Batista Braga.
Terra Livre
Resumo: Este texto procura discutir os resultados de uma pesquisa de
doutorado centrada em dois aspectos: um relacionado à formação
docente e outro ao ensino de Geografia. No primeiro, discutimos a
constituição dos saberes docentes; no segundo, abordamos a
centralidade do ensino de geografia para a construção da ideologia
nacional no Brasil. Constatamos que os saberes docentes são
multifacetados, o que é confirmado pela literatura sobre o tema.
Dedicamos especial atenção ao modo de raciocinar do professor: sua
capacidade de articular conteúdos e conceitos e estabelecer nexos
explicativos e relações, em suma, atribuir sentido e significado ao que
ensinam. Esse processo parece ter grande importância na construção
do conhecimento escolar e é essencial na definição do que é considerado
um bom docente em Geografia. Em relação à centralidade do ensino
de Geografia para a construção da ideologia nacional verificamos que
a mesma se constitui a partir da referência à natureza e extensão
territorial brasileiras, “nosso povo pacífico e ordeiro” e a partir da
utilização intensiva do termo país, termo híbrido cujo sentido é
construído na e a partir da escola básica, e que permanece bastante
impreciso no campo das Ciências Humanas.
Palavras-chave: Ensino; Geografia; Saberes docentes; Ideologia
nacional; País.
Abstract: This text discusses the results of a doctoral research from
two perspectives: teacher professional development and geography
pedagogical practices. The former will discuss teacher’s knowledge
the latter will address the centrality which underlies the geography
instructional practices in order to make up for a national ideology in
Brazil. When it comes to teacher’s knowledge we realized, that it is
multifaceted, which has already been confirmed by the specialized
literature. We realized that it is necessary to give some special attention
to the so called teacher’s way of thinking: the capacity to articulate
contents and concepts setting up explaining patterns so as to establish
an explanatory nexus of relations so to attribute sense and meaning to
what is to be studied. This process seems to be essential in the
construction of the school knowledge and to the definition of what is
considered a good geography teacher. Concerning the centrality of
the geography teaching for the construction of a national ideology, we
verified that it stems from concepts such as “our” nature and territorial
extension, “our pacific people” and the term “country”, a “hybrid”
term whose meaning is constructed from and within high school;
however this term is quite uncertain in the field of the human sciences.
Keywords: Teaching; Geography; Teacher’s knowledge; National
ideology; “Country”.
Resumen: Este texto busca discutir los resultados de una investigación
de doctorado con relación a dos aspectos asociados a la formación
docente y a la enseñanza de geografía. En el primero, discutiremos la
constitución de los conocimientos docentes, en el segundo, la
centralidad de la enseñanza de la geografía para la construcción de la
ideología nacional en Brasil. Con relación a los conocimientos docentes, constatamos que son de múltiples facetas, lo que es confirmado
por la literatura sobre el tema. Hay que dedicar especial atención a lo
que denominamos “modo de raciocinar del profesor”: su capacidad
para articular contenidos y conceptos y establecer nexos explicativos,
en suma, atribuir sentido y significado a lo que enseñan. Ese proceso
parece esencial en la definición de lo que es considerado un buen docente en geografía. Con relación a la centralidad de la enseñanza de
geografía para la construcción de la ideología nacional verificamos
que ésta se realiza a partir de la referencia a “nuestra” naturaleza y
extensión territorial, “nuestro pueblo pacífico y disciplinado” y a partir de la utilización intensiva del término “país”, término “híbrido”
cuyo sentido se construye en la y a partir de la escuela básica, sin
embargo, muy impreciso en el campo de las Ciencias Humanas.
Palabras clave: Enseñanza; Geografía; Conocimientos docentes;
Ideología nacional; “País”.
Presidente Prudente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 177-196
Jan-Jun/2007
177
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
Introdução
A Geografia como disciplina escolar está presente nos currículos desde o século
XIX. No entanto, poucas vezes nos dedicamos a tentar compreender a perenidade do
ensino de Geografia na escola básica. Menos ainda, procuramos investigar a associação
entre a Geografia, enquanto disciplina escolar, e a construção da ideologia nacional.
Partimos da hipótese de que a abordagem, na Geografia Escolar da “natureza
exuberante” e da “enorme extensão territorial” do Brasil têm tido uma participação efetiva
na (re)produção daquela ideologia.
Apontaremos algumas possibilidades desses vínculos tendo por referência uma
pesquisa realizada junto a 14 docentes de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte.
Essa pesquisa, inscrita no campo da teoria crítica, procurou compreender os vínculos
entre o ensino da Geografia e a constituição da ideologia nacional a partir da análise do
conteúdo e do discurso dos docentes pesquisados.
Constituição dos saberes docentes
Muitos estudiosos têm analisado a constituição dos saberes que conferem
alteridade à profissão do professor. Segundo Marguerite Altet (2001), professores
profissionais seriam aqueles cuja formação lhes permitiu desenvolver e
aprimorar uma série de competências específicas e especializadas, cujas origens
repousam em construções sociais, originadas das ciências (disciplinares) e da
prática (o ato de ensinar) criando conhecimento simultâneo e específico durante
e após seu desenrolar.
De acordo com a autora, houve um aumento da especificidade da profissão do
professor à medida que esta se particularizava e, ao mesmo tempo, era socialmente
instituída. Assim para Altet (2001, p. 28), o professor, na perspectiva atual seria, antes de
tudo, “um profissional da articulação do processo ensino-aprendizagem em uma
determinada situação, um profissional da interação das significações partilhadas”. Desse
modo, as competências destes profissionais corresponderiam “ao conjunto formado por
conhecimentos, savoir-faire e posturas, mas também as ações e atitudes necessárias ao
exercício da profissão de professor”. E justamente por isso, tais competências são “de
ordem cognitiva, afetiva, conativa e prática”.
Diversos autores (CHARLIER, 2001; TARDIF, 2002, PAQUAY e WAGNER,
2001), apontam a composição plural dos saberes dos professores, ancorados nos saberes
teóricos, nos saberes práticos, naqueles sobre a prática e naqueles da prática.
Há um desdobramento e uma ampliação dos saberes teóricos, que não se limitam
apenas ao campo disciplinar específico, mas abrangem os saberes culturais implicados no
processo de ensino-aprendizagem, portanto, parecem resvalar nos valores e sentidos da
escolarização para as diferentes sociedades. Em relação aos saberes práticos, há aqueles
sobre a prática (relacionados ao desenvolvimento da própria pedagogia) e aqueles que se
178
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
originam diretamente da relação professores/alunos nas diferentes disciplinas e escolas.
Identificamos os saberes docentes como plurais, construídos ao longo de toda a
vida escolar e não escolar do professor, oriundos tanto dos saberes acadêmicos, do senso
comum, da prática e sobre a prática, estando inscritos numa temporalidade e espacialidade
específicas.
Outra questão importante é que a formação específica confere uma identidade ao
docente: “Sou professor de ...”. Por estarmos no campo de uma disciplina específica, o
fato de se privilegiar os conhecimentos disciplinares aparecerá como componente essencial
de sua identidade profissional.
Em nossa pesquisa, nos deparamos também com uma outra questão que se relaciona
à identidade do professor, alguém capaz de ensinar não apenas o conteúdo, mas,
principalmente, um modo de raciocinar com base nesse conteúdo – e de preferência, segundo
a referência do saber considerado culto e institucionalizado, ou seja, aquele saber
socialmente reconhecido e valorizado.
Esse professor, que desenvolveu habilidades pessoais de estabelecer inter-relações
entre elementos e fenômenos, possui uma visão integradora de seu conteúdo e raciocínio
interdisciplinar e consegue articular isso com seus alunos, independentemente, inclusive,
de seu conteúdo específico. Eles conferem sentido às informações sendo capazes de associar
categorias e conceitos em prol de uma análise e explicação dos fenômenos abordados.
Provavelmente, isso auxilia os alunos a compreenderem e apreenderem o
conhecimento não só específico da disciplina, mas também de outras áreas do conhecimento
humano. Ensinar esse modo de raciocinar pode significar ensinar um modo de articular
conhecimento, útil para qualquer área e qualquer empreendimento futuro que esses alunos
venham a desenvolver. O trecho de uma entrevista, a seguir, demonstra esse raciocínio:
Eu gosto de ver os meninos construindo um pensamento, entendendo o processo
de, a dinâmica, a formação do espaço, assim, o espaço físico. Eu acho
interessante [...] O cenário nosso é pré-cambriano e a gente faz o mundo
moderno nesse cenário. Como ele vai se re-significando. (PROFESSOR
PEROBA1 ).
Em suma, esses professores são capazes de construir sentido para os fatos e
informações porque eles conseguem articulá-los e explicitar essa articulação em suas
aulas. Eles são capazes de articular seu pensamento, integrar seu raciocínio aos diversos
campos do conhecimento, conectar os conteúdos e informações, como no exemplo a seguir:
Não tem jeito de você falar do Oriente Médio sem falar da questão religiosa
também. E não tem jeito de você falar dos problemas sociais de uma América
Latina sem falar de colonização, sem falar de exploração da economia. Então
transitam essas três relações ao mesmo tempo. [...] Então, a matéria é trabalhada
1
Todos os professores entrevistados em nossa pesquisa receberam pseudônimos de árvores. Essa
escolha foi ao acaso, uma vez que não era propósito identifica-los, nem às escolas em que atuam.
179
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
de forma tão contextualizada, mas tão contextualizada que os meninos já entram
[...] Ontem mesmo eu dei uma aula interessantíssima. Aí eu comecei no quadro
a passar; eles falaram “puxar o gancho, né professor”. Eu falei “puxar o gancho”.
(PROFESSOR PINHEIRO)
Na medida em que, sub-repticiamente, os professores ensinam um modo de
raciocinar, eles permitem aos alunos articularem conteúdos e conceitos, estabelecerem
nexos, pontes e relações.
Partimos, então, do pressuposto que é o modo de raciocinar dos professores,
articulando categorias, conceitos e conteúdos, que faz a grande diferença no processo de
aprendizado dos alunos. Isso significa ensinar uma maneira de pensar, mais que ensinar
os conteúdos. Dessa forma, a idéia de “puxar o gancho” significa ensinar os alunos a
articularem os diferentes conteúdos, a integrarem diferentes partes, desenvolvendo o
processo de integração do conhecimento. De outro modo, utilizando outra linguagem, na
entrevista a seguir identificamos o mesmo processo:
Fiz duas disciplinas de metodologia [no mestrado em Educação, na FaE].
Aprendi muito de metodologia. (...) Uso [em sala de aula] em que sentido: na
medida em que eu consigo fazer a metacognição da metodologia de pesquisa,
eu consigo criar estratégias de transmissão de conhecimento a partir disso.
(PROFESSOR CASTANHEIRA)
Logo, se não se ensina aos estudantes como estabelecer nexos, correlações, ou seja,
como construir sentido para seus saberes, pode-se até ensinar o mesmo conteúdo, mas ele
carecerá de sentido, nexo e significação. Desse modo, estudantes que não aprenderam a
desenvolver essas habilidades podem mesmo possuir diplomas, mas talvez sejam menos
preparados para enfrentar processos seletivos como os vestibulares mais concorridos e,
mais tarde, se tornarem líderes ou formadores de opinião. Ou ainda, para lidarem com a
prática social em outra perspectiva.
Se os alunos não se apropriam desse modo específico de raciocinar, eles têm grande
chance de, mesmo terminando a escolaridade básica, manterem-se excluídos do acesso
efetivo não apenas às informações, mas também às conexões entre elas, ou seja, manteremse afastados do conhecimento científico e dos mecanismos sociais de sua produção e
divulgação. O conhecimento integrado, articulado, pode ser crítico no sentido real da
palavra e não no sentido estreito de ser “do contra”. Ter uma apropriação crítica do
conhecimento pode significar ter mais chances de ser criativo, para “o bem ou para o
mal”.
Essa constatação é reforçada pelo trecho a seguir, parte da entrevista concedida por
Milton Santos a Odete Seabra, José Correa Leite e Mônica de Carvalho:
Sou da penúltima turma que se formou bacharel em ciências e letras. [...] E o
que se dava nesses cinco anos? Havia, por exemplo, a geografia humana, que
aparecia no segundo ano. Muita coisa que hoje nós damos, em parte, na pósgraduação era ensinado no ginásio. [...] Tínhamos, então, física, química,
180
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
história natural, etc., e professores que eram professores de faculdade. [...] Nos
dois anos de preparação para a faculdade, líamos Charles Gide, um grande
economista francês, uma espécie de papa para a formação escolar no Brasil.
Tínhamos uma formação confluente, porque víamos esses grandes autores
através de diversos prismas. Era como um mundo próprio [...]. Não havia
televisão, éramos ensinados a não gostar de futebol, sobretudo gente como eu,
que tinha origem visivelmente inferior, e que as famílias preparavam para as
funções de mando. A educação que me foi dada não foi a de obedecer, foi para
me preparar para fazer parte dos que iam mandar. Todas as atividades ditas
populares eram desaconselhadas, de forma não explícita, na produção do homem
da elite, do bacharel. E o que é o bacharel? É um sujeito que pode ser advogado,
promotor, juiz, jornalista, político, diretor de hospital. Isto é o bacharel. E que
aprende a falar, o que era uma característica do mando e da política, saber
fazer frases, saber amarrar uma idéia com a outra. (SEABRA, LEITE e
CARVALHO, 2000, p. 75/76)
Portanto, há algo que diferencia esse “bom professor”, que, geralmente, acaba por
lecionar em escolas onde estudam os filhos das elites, pelo menos a elite cultural, aqueles
que ocuparão posições de mando, e que, para tanto, precisam aprender a amarrar uma
idéia com a outra. Tais professores possuem também essa capacidade de “amarrar idéias”
e acreditamos que é isso que eles ensinam, mais que o conteúdo em si.
Desse modo, um “bom professor” é aquele que consegue conferir sentido ao conteúdo
ensinado. E mais do que isso, consegue ensinar aos alunos, não apenas essa articulação de
conteúdos, mas também um processo de como fazer isso (por meio da explicitação do
modo como ele, professor, raciocina).
O ensino de Geografia e a construção da ideologia nacional
A partir de nossa pesquisa, compreendemos que grande parte da construção da
ideologia nacional no Brasil passa, sobretudo, pelo ensino de Geografia. Afirmamos isso
com base na perenidade, no ensino dessa disciplina escolar, de temas como o destaque
atribuído à “nossa extensão territorial,”, à exuberância de “nossa natureza” e, somente
depois, à discussão acerca da constituição do povo.
Por ideologia nacional compreendemos uma “representação ideológica de uma
comunidade de iguais que expressa/oculta relações de dominação de classe.” (ALMEIDA,
1995, p.20-28).
A ideologia nacional constitui os sujeitos como abstração na medida em que, de
acordo com Vlach (1991, p.120) , “coloca em cena a própria lógica do capital, que pode
ser sistematizada pelo princípio da identidade, que para tornar igual o que é desigual,
recorre à abstração”.
Assim, sujeitos – seres humanos concretos, vivendo suas vidas concretas – são
abstraídos pelo uso recorrente dos termos povo e população e identificados a um território
precisamente limitado e soberano, em suma, nacional - o “país”.
Logo, os componentes intrínsecos da ideologia nacional passam a corresponder a
181
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
um povo abstrato e igual, associado a um território que adquire concretude com a sua
representação cartográfica, a exaltação de sua natureza e beleza, o levantamento e
apropriação de seus recursos e potenciais.
Segundo Almeida (1995), a ideologia nacional possui uma dimensão universalista
(“a representação dos agentes enquanto proprietários”) e uma dimensão particularista, na
medida em que
A nação não se apresenta apenas sobre a base de um igualitarismo específico;
mas o articula à referência a uma comunidade singular. É na afirmação desta
singularidade que a representação de um território precisamente delimitado,
com o qual a comunidade dos nacionais mantém um vínculo profundo, adquire
uma importância primordial. (ALMEIDA, 1995, p. 35/36)
Desse modo, o território precisamente demarcado e apropriado, além de
historicamente associado a determinado povo se constitui em um dos marcos materiais da
ideologia nacional. Portanto, espera-se que estados nacionais “possuam” um território
demarcado e “um povo”, sobre o qual determinado Estado exerça soberania, e que seja
reconhecido como tal pelos demais estados nacionais, pois,
se, no que diz respeito às relações de produção, o espaço é o espaço do capital,
o que se configura no âmbito da estrutura do estado capitalista é a constituição
de um território nacional, estreitamente ligada à representação de uma
espacialidade singular e homogênea e, ao mesmo tempo, reduto exclusivo de
uma comunidade peculiar de cidadãos. (ALMEIDA, 1995, p. 39-40)
Dessa forma, o território exclusivo de uma comunidade de cidadãos, uma outra
abstração, torna-se pré-requisito para a instituição da soberania nacional. Em relação à
constituição de uma variante da ideologia nacional brasileira – o nacionalismo patriótico
(VLACH, 1988) – o território é mais que um mero vínculo. Na realidade, o território, sua
natureza, exuberância, belezas e riquezas tornam-se o ator, o motivo por excelência da
construção da identidade e do orgulho nacional. Tal processo, no Brasil, associa-se
inicialmente, ao movimento romântico e sua exaltação da terra e do índio; passa,
posteriormente, pela literatura dos “viajantes europeus” (SCHWARCZ, 2003) e desemboca
naquilo que nos interessa mais de perto: o ensino de Geografia. Afinal, de acordo com José
Murilo de Carvalho,
A história nacional parece ser algo estranho para muitos brasileiros, como se
eles não tivessem nada a ver com ela. O orgulho pela natureza poderia ser
interpretado como um indício da alienação dos brasileiros pela sua própria
história. (CARVALHO, 2003, p. 404)
Segundo o autor, essa associação entre nacionalidade e território tem sua raiz no
mito edênico, que integra, por sua vez, natureza e extensão territorial à idéia de paraíso
que, na tradição luso-brasileira, “tinha um caráter puramente natural”.
182
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
Um aspecto do mito edênico tem a ver com o tamanho do país. O Brasil é lindo
e rico, mas também grande, enorme, um país continental. [...] O Barão W.L. von
Eschwege [...] observou que os brasileiros costumavam falar utilizando hipérboles:
“tudo no Brasil deve ser grande, a natureza deve ser diferente, mais gigantesca e
mais maravilhosa do que em outros países.” Nós sempre queremos ter “o maior
do mundo”. O Rio Amazonas é o maior rio, a Floresta Amazônica é a maior
floresta tropical, Iguaçu é a maior e mais bonita catarata, o carnaval é o maior
espetáculo da Terra, nosso time de futebol é o melhor do mundo, e assim por
diante. (CARVALHO, 2003, p.406)
Ora, em geral, em que conteúdos escolares foram e são tratados, durante decênios
decorados, informações sobre a imensidão do Brasil e as benesses de sua natureza, senão
nas aulas de Geografia? Em que conteúdo escolar se canoniza “nossa” forma e extensão
territorial, com base, por exemplo, nos mapas políticos em pequena escala? Qual conteúdo
escolar contribui para nossa identificação como “iguais”, a despeito das diferenças regionais
e de classe? Que conteúdo escolar discute as “singularidades” do Brasil no contexto
mundial?
É preciso destacar que, em relação ao mito edênico e sua construção acerca da
natureza brasileira há, pelo menos, duas percepções dominantes. Uma que afirma ser a
natureza brasileira edênica, e o Brasil, “um paraíso terreal”. Outra, associada muitas
vezes à construção discursiva das primeiras missões jesuítas sobre o Brasil, que afirma
ser este um “lugar abandonado por Deus”, um lugar “infernal”. Se ambas se confrontam
na constituição do imaginário e na literatura, por que perdura mais a primeira percepção
que a segunda? Porque acreditamos que ela auxilia a construir uma imagem nacional
positiva mediante dois fatores: de um lado, a quase ausência de “heróis políticos nacionais”
e de um “passado histórico mítico”; de outro, a relativa ausência do povo, já que, durante
séculos, e mesmo durante nossa independência, a sociedade encontrava-se cindida entre
senhores e escravos.
Acreditamos ainda que, mesmo a percepção da natureza infernal auxilia a construir
nossa identidade, na medida em que se torna – a natureza, e não a sociedade – a grande
vilã e causa de nossas mazelas econômicas e sociais. Desistoriciza-se e naturaliza-se, com
a percepção da natureza infernal, processos econômicos, políticos e sociais, enquanto o
paraíso terreal fornece uma imagem positiva e esperançosa para o porvir desta sociedade.
Desse modo, assinalamos que o ensino de Geografia, no Brasil, constitui uma fonte
primordial de (re)construção e reiteração da ideologia nacional2 na medida em que, nas
palavras de Chauí,
Na escola, todos nós aprendemos o significado da bandeira brasileira: o
retângulo verde simboliza nossas matas e riquezas florestais, o losango amarelo
simboliza nosso ouro e nossas riquezas minerais, o círculo azul estrelado
simboliza nosso céu, onde brilha o Cruzeiro do Sul, indicando que nascemos
abençoados por Deus, e a faixa branca simboliza o que somos: um povo ordeiro
2
Para outros estados nacionais, como a França, por exemplo, parece-nos que o ensino de história
exerceu um papel mais central. A esse respeito, consultar THIESSE, 1995, 1997.
183
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
em progresso. Sabemos por isso que o Brasil é “um gigante pela própria
natureza”, que nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais flores e
nossos mares são mais verdes. Aprendemos que por nossa terra passa o maior
rio do mundo e existe a maior floresta tropical do planeta, que somos um país
continental cortado pela linha do Equador e pelo Trópico de Capricórnio, o
que nos faz um país de contrastes regionais cuja riqueza natural e cultural é
inigualável. Aprendemos que somos um “dom de Deus e da natureza” porque
nossa terra desconhece catástrofes naturais (ciclones, furacões, desertos,
nevascas, terremotos) e que “aqui, em se plantando tudo dá”. (2000, p. 5)
Em qual disciplina escolar aprendemos a definir, diferenciar e especificar o Brasil
da forma descrita por Chauí, senão na Geografia? Onde estão nossos mitos fundadores3
via História? Eles próprios parecem apoiar-se na exuberância de “nossa” paisagem.
Neste caso, é pertinente reproduzir um pequeno trecho de Rocha Pita, considerado
o primeiro historiador brasileiro, presente no texto de Chauí:
Em nenhum outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela
a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem raios tão dourados, nem os
reflexos noturnos tão brilhantes; as estrelas são mais benignas e se mostram
sempre alegres [...] as águas são mais puras; é enfim o Brasil Terreal Paraíso
descoberto, onde têm nascimento e curso os maiores rios; domina salutífero o
clima; influem benignos astros e respiram auras suavíssimas, que o fazem
fértil e povoado de inumeráveis habitadores. (ROCHA PITA, apud CHAUÍ,
2000, p. 6).
Será preciso exemplo mais cabal da centralidade do discurso geográfico para a
construção da “nossa” ideologia nacional? A Geografia Escolar, ao trabalhar diretamente
com a construção de uma espécie de retrato do Brasil4 – em que se destacam sua extensão,
suas riquezas minerais e naturais, suas belezas tropicais, seu povo “pacífico e ordeiro” –
muito tem contribuído para a manutenção da ideologia nacional. Mais que isso. Afirmamos
que certa vertente do discurso geográfico sobre “nosso” território e “nossa” natureza são
as principais fontes de criação e perpetuação da ideologia nacional, na quase ausência de
“mitos fundadores” oriundos da História (CARVALHO, 2005a, 2005b; CHAUÍ, 2000;
MORAES, 2000, 2002; OLVEIRA, 2000; SCHWACZ, 2003).
Saberes docentes, ideologia nacional e o híbrido “país”
O termo país destacou-se a partir de nossa pesquisa empírica. A ênfase neste vocábulo
ficou evidente durante as entrevistas com os professores. Esses, ao serem indagados sobre
suas concepções sobre nações e estados nacionais, em algum momento utilizavam este
3
Para Chauí (2000, p. 9), um mito fundador “é aquele que não cessa de encontrar novos meios
para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece
ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.”
4
Reconhecemos que outros elementos compõem essa construção (como a literatura e o ensino de
história). No entanto, estamos enfatizando o ensino de geografia porque nos parece que, no
processo de sua constituição enquanto disciplina escolar no Brasil, essa função coube
fundamentalmente a essa disciplina.
184
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
vocábulo, tanto para se referirem às nações, quanto aos estados nacionais. Isso nos despertou
para seus possíveis sentidos e significados ou para a ausência deles.
Por adaptar-se a qualquer contexto e escala, o termo país pode ser usado ora com o
sentido de nação, ora de estado nacional, ora ainda, como terra/pátria amada. País é um
termo tão corriqueiro, tão intensamente agregado a nosso vocabulário, que sequer
pressupomos que ele careça de qualquer definição. Antes, ao contrário: pensamos de
antemão, que, ao utilizarmos o termo país, estabelecemos com nossos interlocutores uma
comunidade de sentido que dispensa qualquer explicação – explicar o que entendemos por
país seria até mesmo uma tautologia. Afinal, supomos que todos saibam o que este vocábulo
significa e o que ele denota, precisamente.
A partir dessa constatação, passamos a buscar o conceito de país. Optamos por,
primeiro, pesquisar seu significado em dicionários de língua portuguesa5 . Verificamos
que o sentido que os dicionários de português atribuem ao vocábulo país são derivados de
seu sentido etimológico, ou seja, “país natal, solo natal”.
Nos diferentes dicionários de etimologia que consultamos, país é associado a “lugar
de nascimento,” “terra natal,” “burgo/aldeia,” “nação,” “estado,” “região,” “solo natal”.
Todavia, nos dicionários de português a própria escala do vocábulo é modificada:
de lugar de nascimento (específico, o burgo, o “lugar”), país torna-se a “pátria”, território
e comunidade nacional abstratos cuja identidade partilhamos com nossos conterrâneos,
mesmo que não os conheçamos.
O sentido de “burgo”, ou de “lugar de nascimento” perde-se ou é substituído por
outro, aquele que denota, agora, “nossa nacionalidade”, não mais, necessariamente, a
“terra de nossos pais” – lugar de nascimento -, mas a “nossa” própria terra – o território
pátrio.
Procuramos, a partir de então, o significado de país em obras de referência mais
gerais, como o Dicionário de Política, organizado por Bobbio (2000). Esperávamos que
esse termo estivesse definido no campo da ciência política, o que não se verificou. O
referido dicionário apresenta diversos outros verbetes muito utilizados no campo das ciências
sociais, mas nenhuma referência a país. Pesquisamos ainda na L´enciclopédia della
Geografia - publicada pelo Istituto Geográfico De Agostini, em 1996, em Novara, Itália
- e também não encontramos uma definição para país (ou paesi).
Pesquisamos ainda o sentido de país nos dicionários de etimologia, filosofia,
sociologia e antropologia. Porém, somente encontramos definição para país nos diferentes
dicionários de etimologia, nada sendo encontrado em dicionários de filosofia, política,
antropologia e sociologia.
Resolvemos, então, buscar o sentido de pays e paysage em dicionários de francês.
O Larousse (1998) apresenta pays como pessoa do mesmo vilarejo, da mesma região. Por
5
Até porque alguns professores apontaram os dicionários como fonte de pesquisa para suas
aulas.
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GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
exemplo, se uma pessoa está fora do Brasil e encontra um brasileiro, usa ou pode usar a
expressão “encontrar o país”. País associa-se à pessoa e origem, ou melhor, ao lugar de
origem de certa pessoa. Desse modo, país articula certa familiaridade entre pessoa e terra.
Assim, apesar de esses termos serem bastante comuns, praticamente não encontramos
uma definição precisa deles na área das ciências sociais – ou uma primeira aproximação
com o vocábulo, possibilitada por obras introdutórias ou gerais como dicionários
específicos.
Procuramos então, compreender como os professores entrevistados definem país.
Qual o sentido que esta palavra tem para eles? Qual seu significado? A que associam esse
vocábulo: a nação, a estado nacional ou a ambos, indistintamente?
Como pode ser observado nos trechos destacados a seguir, país manifesta-se nas
concepções dos professores de forma híbrida, desprovido de um sentido político imediato,
variando de acordo com o processo de formação de cada um – em alguns momentos, o
termo é relembrado da formação básica de alguns docentes. Ele é corriqueiro, falado sem
que sequer se tenha pensado em seu significado, quase como um “ato falho”, ou algo tão
comum, que não se observa enquanto se fala, ou seja, não se pronuncia com cuidado, mas
como uma palavra que flui, escapa no diálogo, e que pressupõe compreensão imediata
pelo outro.
Não estou lembrado. Eu usei o termo país? Passou despercebido. (risos) Eu
deveria ter usado nação então. Se usava, usava sempre como sinônimo. Mas,
aí o sentido de país qual que seria? [...] Parte física, território formado, fechado,
com [...] um povo [...] digamos, suas [...] características peculiares próprias,
que é diferente de outros, que tem autonomia, que tem leis, que tem [...] um
destino, que tem [...] uma formação mais diferenciada do outro próximo, da
nação próxima. Dessa forma. (PROFESSOR FIGUEIRA)
O uso do termo “país” é tão automático, que o professor sequer tem consciência de
ter utilizado em sua entrevista. “País” passar a existir como sinônimo de nação e parece
referir-se, neste caso, à paisagem, entendida como aquilo que se vê, ao território (aspectos
conferidos pelos mapas políticos em pequena escala), ao povo e à soberania. De acordo
com Almeida (2005)6 , “país se adequa a qualquer quadro político-territorial, em qualquer
contexto, seja nação, estado nacional e em qualquer estágio de construção, até por ser um
termo relativamente neutro”, portanto destituído de uma conotação política. Por isso,
consideramos o termo país como híbrido, ou, como ressalta Chauí (2000), um semióforo7
e acreditamos que sua utilização é outro elemento que contribui para a construção da
ideologia nacional, na medida em que ele carece de precisão conceitual, sendo intensamente
6
Essas observações foram obtidas diretamente do autor, durante a realização de uma mesa-redonda
promovida pelo V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais, realizado de 26 a 29 de julho de
2005, em Belo Horizonte - MG.
7
Semióforo “é um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outra
coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim, por sua força simbólica. [...] Um semióforo
é fecundo porque dele não cessam de brotar efeitos de significação” (CHAUÍ, 2000, p.11/12) .
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utilizado tanto na linguagem coloquial, quanto nos manuais didáticos e mesmo, em livros
de caráter mais acadêmico.
Observe-se a esse respeito, a entrevista a seguir:
Eu [...] eh, quando a gente fala país eles [os alunos] têm a noção de Brasil, que
seria um território de poder, com presidente, nem que seja um mínimo, você
vai criar, é um espaço que tem presidente, que tem, eh [...], tem deputados, tem
senadores. [...] Acho que é um espaço delimitado com leis [...]. Um grande
território que tem ali uma lei que determina, todos que estão ali dentro ali tem
que se submeter àquela lei. [...]. Porque quando a gente está estudando na
faculdade a gente não ouve muito falar país. Você quase não ouve. É tudo
estado-nação. O que é estado-nação? É país. [...] Estado com E maiúsculo é
país, estado com E minúsculo é Minas Gerais. [...] Eu não consigo diferenciar
país e estado-nação não. [...] Todos são sinônimos. [...] Eu não consigo
diferenciar (PROFESSOR MOGNO)
A observação anterior de Almeida é crucial, acrescida, neste caso, das questões
políticas, territoriais e escalares apontadas por Vlach e Haesbaert (2005)8 . Para Vlach,
“país se refere ao mapa, à forma geométrica e permite abstrair o político, pois, utilizandose este termo, não se faz a discussão política da sociedade que ali vive”; para Haesbaert
“país é criado com a modernidade, a exclusividade de um único país, associando-se neste
caso, à questão da escala.” 9 País, portanto, seria uma palavra que significa
concomitantemente tudo e nada. Um termo que se supõe de compreensão imediata, de
consenso geral, utilizado em qualquer escala (territorial e temporal), e ao mesmo tempo,
desprovido de sentido e significado político; por isso, tão comum, corriqueiro, fácil,
intangível e pleno de sentidos.
Observamos o quanto, na escola básica, o vocábulo país é comum. Talvez porque
ao utilizar esse termo se esvazie a carga política dos vocábulos nações e estados nacionais
e possibilite aos docentes, fugirem ao tema sobre o qual parecem sentir-se inseguros, uma
vez que afirmaram carecer de formação mais específica para trabalhar estes conceitos,
principalmente na graduação. É possível ainda, que essa “fuga da política” esteja associada
a certa herança da Geografia moderna ou tradicional a se perpetuar na escola básica.
Por que falamos em herança? Porque um dos grandes autores e divulgadores da
Geografia, principalmente a escolar, no Brasil, - Aroldo de Azevedo -, em 1955 escreveu
um texto no Boletim Paulista de Geografia em que afirmava a necessidade de se fazer da
Geografia uma ciência “neutra”, que se distanciasse da senda política, sobretudo aquela
associada à geopolítica alemã, que resvalou no nazismo e nos horrores da II Guerra Mundial.
Nesse texto, ele afirma, inclusive, que escreve sobre geografia política e geopolítica com
certo “temor”, mas o faz por considerar importante discutir e “alertar os jovens geógrafos
8
Referimos à participação e às observações de Vânia Vlach, Rogério Haesbaert e Lúcio Flávio
de Almeida na mesma mesa-redonda, no evento já citado.
9
E aqui constatamos outro hibridismo: originalmente, “país” associava-se à grande escala (o
lugar de nascimento); atualmente, refere-se ao estado nacional ou à nação, mas tanto em um
como em outro, a escala agora é pequena.
187
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
acerca desta senda tão instável”. Assim, o ensino e a pesquisa de Geografia deveriam
primar pela neutralidade científica, tão “cara aos franceses”, afastando-se das “influências
instáveis da geopolítica alemã”, que levou o mundo ao desastre da II Guerra Mundial
(AZEVEDO, 1955).
É possível que esse recurso ao termo país seja uma tentativa de afastamento da
“instabilidade da geopolítica”, de afirmação da “neutralidade” da Geografia, de uma
“despolitização do discurso geográfico” – mas não exclusivo dele em se tratando do vocábulo
país. É provável ainda que esteja relacionado à forte influência da Geografia francesa
sobre a constituição da Geografia brasileira (afinal, o termo pays é de origem e uso francês).
Em contrapartida, será que esse termo não teria sua origem no senso comum, tendose perpetuado na escola básica? Nesse caso, a utilização e mais, a constituição de uma
comunidade de sentido para país não poderia ser uma produção derivada diretamente da
escola básica e que se estende até a produção acadêmica?
O professor Pinheiro, por exemplo, associa país a limites e fronteiras: Eu vejo a
diferença, país delimitado espacialmente. País, Brasil com uma fronteira. Tem um limite.
Isso é país. (PROFESSOR PINHEIRO)
País associado a fronteiras e, novamente, aos mapas políticos em pequena escala,
que lhes conferem existência e materialidade no cenário de outras nações. Daí parece que
há uma gradação entre os termos país, nação e estado nacional. País implica delimitação,
materialidade simbólica nos mapas políticos em pequena escala; nação, por sua vez, remete
à idéia de identidade, e estado nacional refere-se à posição daquele grupo, daquela
organização no cenário mundial, ou seja, estado nacional seria um estágio de negociação/
arranjos/acordos/disputas no cenário internacional.
Assim, país seria um estado soberano. [...] Porque eu penso que um é o território.
[...] E dentro desse território vem todas as formações econômicas. (PROFESSOR
LARANJEIRA)
Ora país é o território, ora é um estado soberano. Assim, mais uma vez, dentro do
vocábulo país cabe qualquer coisa, qualquer definição.
A transcrição a seguir, fornece um exemplo do que chamamos de hibridismo entre
os termos nações, estados nacionais e país. Nela, aparecem lembranças da formação ginasial
e secundária do professor,10 as quais ele utiliza, ainda que não conscientemente, para
definir, diferenciar e mesmo, aproximar os termos nação, estado nacional, país, pátria. A
memória, neste caso, retrata sua formação básica ocorrida durante a ditadura militar e os
símbolos e rituais utilizados para construir a ideologia nacional – a pátria amada, o
futebol, a língua, a religião.
País [...], por exemplo, Alice no País das Maravilhas. Até... até Alice tem um
país. [...] Eh, por exemplo, a Guiana Francesa pode-se dizer que é um país.
10
Conforme Tardif (2002), a formação não se “fecha” no tempo da graduação, mas abre-se para
o passado e para o porvir.
188
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
Agora, politicamente, ela é uma, um departamento de ultra-mar da França.
[...] Então, por exemplo, uma área que não é independente politicamente, que
não é reconhecida pela comunidade internacional como um estado nação, ele
pode ser um país, entendeu? [...]. A pátria. Pátria é aquela coisa do coração e
tudo. [...] Aí, tem lá, futebol. [...]. A língua, eh, os valores nacionais pra eles
[os alunos], o que é importante pra eles no Brasil, o que eles acham importante.
Nação. [...] Você se acha, você acha que futebol é uma referência sua pra
conceituar nação. Porque é um valor, eh, cultural bem forte. A língua. [...] Do
país. O país, aí já não é mais aquele conceito, [...] que ele não tem soberania.
Não. País, normalmente, é usado genericamente como estado nacional,
entendeu? [...] O exemplo de países que não têm soberania política,
reconhecimento e digo pra eles um país que é vinculado a outro, por exemplo.
A Chechênia é um país. [...] A Chechênia tem fronteiras delimitadas. É um
país, mas não tem soberania. [...] Mas pro brasileiro país é a coisa mais confusa.
Então, eu explico dessa forma. “Meu país”. Aí, é uma coisa que parece que é
mais de coração, sabe, está ligada ao futebol, à nação, mas uma nação sem
soberania. [...] Pátria já, acho que nos remete a uma questão mais, eh, emotiva,
vamos dizer. Eh, me parece que é uma coisa de chão mesmo, sabe. [...] Pátria,
eu acho que foi na escola primária, que a gente ficava no pátio, tocava o hino
nacional e hasteava a bandeira. A gente punha a mão assim, sabe. [...] O país
parece que confunde um pouco com pátria, sabe. Na faculdade, eh, eu fui
entender, lendo e estudando, eu queria saber se tinha alguma diferença. E nada
mencionava. “País se diferencia disso aqui”. Um dia eu li.[...] O país, pode ser
um país, eh, qualquer lugar pode ser um país, eu posso considerar país, eh, por
exemplo, o estado nacional, desculpa, a nação de um grupo étnico é considerado
um país. [...] Deixa eu ver, [...] se não me engano no Almanaque Abril. Não
tenho certeza. (PROFESSOR JATOBÁ)
Assim, país refere-se à pátria, remete ao coração, à língua e à religião, e pode ser
usado para referir-se ainda às nações que não têm soberania, apesar de terem fronteiras
delimitadas (o exemplo, no caso, é a Chechênia). A construção dos conceitos de pátria,
país, nação, estado nacional parece oriunda de sua prática e por ela norteada e inclui outro
sujeito em sua entrevista e construção, os alunos, que se tornam os referenciais de seu
diálogo conosco. Embora ausentes de fato, eles estão presentes de direito e constituem o
marco deste professor para construir sua argumentação. No trecho, os alunos aparecem
quase como sujeitos ocultos, para os quais se dirigem a ação e o discurso construído pelo
professor.
Outra questão que muito nos chamou atenção foi a particularidade e a identidade
de e em ter um país (para ele, até Alice tem um país), ou seja, todos têm um país, uma
origem, vêm de algum lugar - neste caso, país parece assumir sua designação inicial: lugar
de origem de alguém.
O hibridismo da palavra é ressaltado, na medida em que tanto a Guiana Francesa,
quanto a Chechênia e o Brasil são exemplos de “país” (País eu posso denominar qualquer,
eh, eu posso criar um país pra mim, entendeu). E há ainda, a generalização do discurso:
mas pro brasileiro, país é a coisa mais confusa. Em suma, o professor, no momento em
que organiza suas respostas, percebe e generaliza a confusão em torno do que seria o
termo. Isso que ele percebe – que para o brasileiro, país é uma coisa confusa – a nosso
ver é uma realidade, e não apenas circunscrita ao ensino de Geografia.
Outro professor aponta que país é tudo, o estado e a nação. E associa nação a algo
189
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
além do limite territorial, a questão cultural e de pertencimento, embora não tenha utilizado
esses termos.
Quando eu falo país é o conjunto de tudo. Dentro de país tem estado nacional,
tem a nação. Vamos pensar por exemplo, lá nos [...] nos curdos. Eles não estão
tentando transformar o seu estado? Eles não tem um estado. Não tem país. O
país daquele grupo ali não tem. Então, o país... dentro do país tem o estado,
tem o povo, aí vai ter governo, vai ter. Então, país é tudo. As fronteiras. Não
porque o estado para mim, o país tem o limite físico, territorial. A nação já não
tem. Ela vai além. [...] Tem um país, que é todo, conjunto todo, territorial,
recursos naturais e tal. A nação é mais composta pelo povo e o estado nacional,
no meu ponto de vista, é o que administra isso tudo. (PROFESSOR IPÊ).
País, então, é uma associação entre povo, estado e governo, portanto, implica limites
territoriais, soberania, afinidades culturais (identidade comum?) e fronteiras não apenas
demarcadas, mas reconhecidas e associadas à soberania política. Ademais, país aproximase da idéia de “chão” e da definição encontrada nos dicionários de francês e etimologia,
portanto, de seu sentido original, como o lugar de origem de alguém.
Nesta outra transcrição, mais um exemplo do hibridismo desse termo, tão comum e
tão desconhecido, ao mesmo tempo senso comum, despolitização, sentido para algo que
não se precisa o que seja.
Eu acho que dentro da concepção que você tem hoje de país, você tem que ter
um povo organizado com o estado. Aí você teria o país. É. Aí você tem que ter
[...] vamos dizer assim, você tem que ter esse território, esse limite, que as
pessoas estão vivendo ali, um poder constituído, uma nação. Se bem que tem
país também que tem várias nações. Difícil isso.[...] (P.) Nas suas aulas você
usa o quê? Eu falo em país. Mas, quando você vai pra trabalhar os conflitos
você acaba entrando na nação e no estado. Porque uma boa parte desses conflitos
aí, eles estão em cima disso, está em cima de, de território, de formação de
estado. (PROFESSOR JUAZEIRO)
Povo organizado, limites, território, poder constituído. País associa-se, neste caso,
à idéia genérica de estado nacional, fugindo de sua proximidade com pátria – porque não
se falou em emoção – e de nação, porque se considera um território soberano e com
Estado próprio. Assim, nas aulas usa-se novamente o termo país e sua aparente
neutralidade, apesar de este designar para o professor, o estado nacional. A nação e o
estado nacional aparecem como sujeitos quando se trabalha a temática referente aos
conflitos, pois que estes colocam em pauta, tais definições. Desse modo, será que se não
se tivesse que trabalhar conflitos, seria colocada em questão a discussão dos sentidos das
nações e estados nacionais?
O professor demonstra ainda, seu modo de raciocinar ao responder a essa questão.
Ele vai aos poucos, procurando definições, buscando delimitar o campo, os conceitos e
categorias. Uma marca de texto que pode demonstrar essa busca pelo raciocínio: difícil
isso, depois de ter procurado dar uma resposta bastante didática – novamente os alunos
aparecem como sujeitos ocultos do discurso. Outro aspecto: fala-se em nação e estado
190
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
nacional diante do tema conflitos. Será que, então, essa temática não é discutida para
Brasil? Por que será que se usa mais país para se referir ao Brasil? Almeida (2005) supõe
que isso seja uma decorrência do processo de construção inerente à nação brasileira,
inicialmente marcada por uma base econômica fundada no trabalho escravo. “Assim,
seria um termo mais fácil de usar, pois não é possível falar em ‘nação brasileira’ por
exemplo, no período escravista.”11 Mesmo quando se procura conferir um sentido mais
geopolitizado a esta palavra, ela acaba por significar tudo e nada e remeter, ainda que
indiretamente, à soberania, este marco dos estados nacionais modernos, como na transcrição
a seguir.
Minha noção de geopolítica acho que, não sei se eu estou ampliando ela muito
aqui, mas acho que trata dessa relação de como você vai pensar a, essa questão
da organização do território. Como que esse território está interagindo com o
que está em volta ou dentro dele mesmo. [...] Vou usar o caso do Brasil, por
interesse político, por interesse econômico ou por, teria a questão militar, por
exemplo. [...] Será que o Brasil está tomando uma atitude meio [...] digamos
assim, arrogante com relação aos vizinhos ou aos aviões que entram pela sua
fronteira? [...] Até, eh, [...] eles usam muito essa idéia que vem na mídia mesmo.
Eu acho que a mídia constrói muito essa questão geopolítica também, assim,
de [...] de passar algumas informações, mas sem estar discutindo muito o
assunto. (PROFESSOR JACARANDÁ)
Observa-se, na entrevista, a consideração do território, quase como um sujeito ou
como sujeitos em interação, abstraindo-se as sociedades. Assim, as interações geopolíticas
ocorrem entre o “país-sujeito” Brasil com outros “países-sujeitos”. Destaca-se ainda a
idéia da soberania e das fronteiras demarcando e diferenciando o interno do externo,
conferindo uma identidade e, ao mesmo tempo, desprovido de um sentido mais político,
como argumentaram Vlach e Almeida. A idéia de país, para este docente, teria uma origem
clara: a mídia. Mas, não seria a própria escola básica a fonte de origem ou de manutenção,
divulgação, vulgarização desta palavra? O contato permanente com ela – nos livros e nas
aulas de Geografia, mas não exclusivamente nelas -, faz com que seja incorporada tão
profundamente ao nosso vocabulário que, em geral, não pensamos sobre seus sentidos e
significados. Assim, ela se torna tão irrelevante que não é trabalhada com uma precisão
conceitual maior.
Neste ponto, com base nas pesquisas realizadas, é possível fazer três constatações
a respeito da grande difusão do termo “país”: uma refere-se ao uso constante dele pela
Geografia francesa e sua incorporação pela brasileira; outra, ao fato de o uso do termo ser
tão comum, que parece não haver necessidade de nenhuma precisão conceitual, de nenhuma
definição. Por fim, cabe argumentar que este vocábulo tem sua manutenção, atribuição de
sentidos e significados estreitamente vinculado à escola básica. Aventamos a possibilidade,
inclusive, de ser a escola básica o local de produção de sentido e significado para a palavra
11
Mesa-Redonda durante o V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais.
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“país”, disseminando-se, a partir dela, para toda a sociedade, num processo de construção
e reconstrução de significados, ou, como afirma Therborn (1987, p.21, tradução nossa),
permitindo que “os seres humanos se constituam como membros conscientes do mundo
sócio-histórico”. Ou ainda, permitindo que se construa a “interpelação”, considerando-se
que esta seja “uma ilustração, um exemplo adaptado a um modo específico de exposição,
suficientemente ‘concreta’ para ser reconhecida, mas abstrata o bastante para ser pensável
e pensada, dando origem a um conhecimento.” (PÊCHEUX, 1996, p.149).
Para Michel Pêcheux (1996, p. 146/147), “o teatro da interpelação” permite a
ligação do “sujeito perante a lei”, apresenta esse vínculo como se “o teatro da consciência
- eu vejo, eu falo, etc - fosse observado dos bastidores” e designa, pela discrepância da
formulação “indivíduo/sujeito, o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado a existir”. Logo,
o importante é o significante, isto é, aquilo que representa o sujeito da interpelação/
identificação. No caso do termo “país”, ele próprio se transforma em significante/sujeito,
traduzindo para outros sujeitos - dessa vez concretos, os “nacionais” - o que significa
pertencer a um território ou constituir uma nação/estado nacional.
Assim, a construção da ideologia nacional em vez de ser colocada em discussão, é
subsumida no uso contínuo do termo “país”, que permite seu encaixe, justamente por sua
imprecisão e sua abrangência, em qualquer escala temporal, territorial e política.
E se estamos no campo da ideologia nacional, para a qual o termo “país” tanto
confere um sentido, quanto oculta o movimento, é preciso considerar também, com Therborn
(1987, p. 65, tradução nossa), que as ideologias,
não funcionam como idéias ou interpelações imateriais. Sempre são produzidas,
transmitidas e recebidas em situações sociais concretas, materialmente
circunscritas, e com base em meios e práticas de comunicação especiais, cuja
especificidade material pesa sobre a eficácia da ideologia em questão.
As escolas funcionam, nesse sentido, como locais onde os professores têm
legitimidade para falar, e no caso dos professores de Geografia, para falar das nações,
estados nacionais, pátrias e “países”. Este termo torna-se corriqueiro e como tal, seu
sentido é (re)produzido. É transmitido em escolas, meios de comunicação, diálogos pessoais,
copas do mundo, corridas automobilísticas. É recebido e transformado continuamente em
situações sociais concretas do cotidiano, eivado por essas vivências, trocas e diálogos.
Ou, como afirma Bakhtin (1997), entra no domínio da ideologia aquilo que tem
valor social. E país tem valor social, tanto, que sequer precisa ser definido, pois se considera,
em geral, que esse vocábulo esteja sempre subentendido, e como tal, integre o conhecimento
humano geral.
Considerações finais
Nossa pesquisa realizou-se com base nas entrevistas com professores de Geografia,
192
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
indicados por sete escolas entre públicas e privadas de Belo Horizonte. A amostra foi
qualitativa e os professores entrevistados possuem legitimidade em seus locais de trabalho,
estão inseridos em um processo de formação contínua, demonstraram refletir em e sobre
sua prática escolar e todos são considerados bons professores de Geografia nas instituições
em que lecionam.
Bons professores – segundo os critérios encontrados em nossa pesquisa – foram
definidos como aqueles que articulam conteúdos e saberes distintos, ensinam essa habilidade
de articulação a seus alunos e são capazes de conferir sentido àquilo que ensinam.
Observamos ainda uma relação circular entre a escola básica e a academia: as
disciplinas escolares vão constituindo um corpus próprio e quase autônomo em relação às
disciplinas acadêmicas, embora guardem uma relação de profunda interação com elas,
uma validando e justificando a existência, permanência, necessidade e atualidade da outra,
dialeticamente.
Se considerarmos, portanto, que esta relação é dialética, ela encontra-se imbricada
em validações e contradições. Se há uma “certa desconsideração” pelos acadêmicos, do
saber escolar, os professores da escola básica consideram, muitas vezes, que o conhecimento
acadêmico carece de objetivação, por ser “muito teórico”.
Na institucionalização da História e Geografia como disciplinas escolares na Europa,
construiu-se uma certa subordinação desta àquela. Na França e Alemanha, a Geografia
subordina-se à História e ambas são criadas para constituir os nacionais. No Brasil, por
suas especificidades, ocorre o contrário, ou seja, é a Geografia que fornece os principais
elementos de construção dos “grandes mitos formadores nacionais”.
Portanto, em relação ao Brasil, acreditamos que a subordinação da Geografia à
História deve ser relativizada. Isso deve ocorrer, sobretudo, quando consideramos a
construção da ideologia nacional. Aí é a Geografia, mais que a História, que fornece os
elementos para a construção de nossa ideologia nacional, tais como aspectos referentes à
nossa extensão territorial, miscigenação, a grandiosidade de nossa natureza face à relativa
ausência de “mitos fundadores nacionais”.
Desde o “descobrimento”, o que conferiu singularidade a esta terra na percepção
do europeu ibérico foi sua natureza exuberante, “rica em águas”, pródiga, um verdadeiro
“jardim do Éden”.
A esse “jardim do Éden” associa-se um superlativo que procura traduzir/refletir/
refratar a grandeza brasileira: ser um dos “países” de maior extensão territorial do mundo,
e mais, com expressiva população, essencialmente mestiça e pacífica.
É preciso considerar, no entanto, que se de um lado, constrói-se esse mito da natureza
edênica, de outro, a natureza é percebida como um entrave, um empecilho ao
desenvolvimento nacional. Essas duas percepções conflitantes da natureza tanto produziram
e produzem discursos de “orgulho nacional”, quanto de justificativa para nosso “atraso”
social e econômico. Se de um lado, a nossa natureza “pródiga” constitui positivamente
nossa imagem, de outro, nossa natureza “infernal” permite-nos justificar, pela via do
193
GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B.
A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO...
natural, as nossas mazelas.
As duas perspectivas desnaturalizam o homem e naturalizam as sociedades,
possibilitando, desse modo, que se construam discursos pertinentes à constituição dos
brasileiros, uma vez que se ignora a sociedade, cindida pelo escravismo no período colonial
e por profundas desigualdades sociais na atualidade. O recurso à natureza, seja edênica
ou infernal, permite que se constitua o Brasil e os brasileiros, criando um vínculo profundo
entre os nacionais a despeito de suas desigualdades efetivas.
A Geografia Escolar, ao trabalhar diretamente com a construção de uma espécie de
“retrato do Brasil” muito tem contribuído para a manutenção da ideologia nacional. Frente
à “neutralidade” da Geografia, povo torna-se população, território transmuta-se em terra,
poder em estado, e este estado pode reservar-se a função de mediador das lutas sociais
incluindo, evidentemente, as lutas por terras e território.
Acreditamos também que, no Brasil, a Geografia Escolar reproduz com maior
intensidade a ideologia nacional, justamente por negar-se a discuti-la. Na medida em que
nos furtamos à discussão sobre a construção de “nosso” território, em que reproduzimos,
ainda que com críticas, a prodigalidade da natureza brasileira, em que continuamos a
trabalhar nossas fronteiras descontextualizadas de seu processo de construção, em que
continuamos a descrever nossa população como ordeira e pacífica, reinventamos/
vivificamos nossos mitos fundadores geográficos.
Por isso consideramos o termo país um “semióforo”, algo que se pressupõe ser do
entendimento comum, que remete a alguma coisa situada fora de si mesma, que por isso,
constitui-se como signo e cujo valor reside em sua força simbólica.
Pertencer a um país constitui-se assim, em uma faceta de nossa subjetividade.
Notamos que professores, obras de referência e livros didáticos utilizam de modo recorrente
esse vocábulo, que tudo e nada fala a respeito de ser um “nacional”, mas que, ao mesmo
tempo, estabelece um sentido comum de pertencimento, ainda que pouco definido.
Este termo, ao mesmo tempo significando tudo e nada, talvez permita esvaziar a
carga política e ideológica presente nos termos nações e estados nacionais. Talvez permita
falar em “nação brasileira” sem que esta, necessariamente, exista. E talvez possibilite a
todos que o utilizam, fugir das discussões suscitadas pelas nações, estados nacionais como
termos carregados de vários sentidos históricos e ideológicos.
Assim, mantém-se, de certo modo, uma das funções historicamente atribuídas à
Geografia na escola desde sua institucionalização no século XIX: constituir a identidade
nacional.
Por isso, podemos considerar que a Geografia foi e continua a ser agente de produção
e reprodução da ideologia nacional. E isso parece ser um aspecto inerente à escola básica,
uma vez que os professores entrevistados afirmaram não terem discutido essas questões
durante sua formação na graduação. É importante ressaltar o quanto foi recorrente os
entrevistados afirmarem não se lembrar de disciplinas, no curso de Geografia, que
colocassem em discussão os conceitos de nação e estado nacional. Muitos afirmaram que,
194
Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007
na graduação, pressupunha-se que os discentes tivessem esses conceitos. Eles, hoje, fazem
o mesmo com seus alunos na escola básica: pressupõem que os alunos já construíram esses
conceitos. Se os alunos da escola básica não os têm, os docentes acreditam que, em algum
momento, esses conceitos serão construídos nas aulas de História. Desse modo, a Geografia,
enquanto disciplina escolar, e seus professores, continuam a constituir os “brasileiros”,
ainda que sem ter clareza quanto a isso.
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- Entrevistas com 14 docentes da escola básica de Belo Horizonte - MG
Recebido para publicação dia 20 de Maio de 2007
Aceito para publicação dia 08 de Junho de 2007
196
A IDEOLOGIA NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA
DURANTE O REGIME
MILITAR NO
BRASIL
IDEOLOGY IN GEOGRAPHY
TEXTBOOKS DURING THE PERIOD
OF MILITARY REGIME IN BRAZIL
LA IDEOLOGÍA EN LOS LIBROS
DIDÁCTICOS DE GEOGRAFÍA
DURANTE EL GOBIERNO
MILITAR EN BRASIL
EDINHO CARLOS
KUNZLER
[email protected]
CARMEN REJANE FLORES
WIZNIEWSKY
[email protected]
Profª Adjunta Departamento
de Geociências - UFSM
Terra Livre
Resumo: A ditadura militar no Brasil (1964 – 1985) foi reflexo das
políticas internacionais postas em prática após a Segunda Guerra
Mundial pelo governo dos Estados Unidos, com a finalidade de exercer
um controle ideológico e econômico sobre seus parceiros e como forma
de controle ao perigo socialista. O Brasil, assim como em outros países
da América Latina, passou por anos de ditadura que influenciaram em
grande parcela a estrutura política, social e econômica, assim como o
sistema de ensino. Isto é resultado da interferência dos acordos
unilaterais que tinham real interesse em manter assegurado o controle
ideológico do Estado, bem como difundir a nova face do capitalismo e
a modernização que se desenvolveu no campo e na cidade. Nesse
contexto, este trabalho pretende analisar o período da ditadura militar,
assim como a forma que o livro didático foi utilizado pelo Estado para
difundir sua ideologia, durante aquele momento da história do Brasil.
Palavras-chave: Política; Ensino; Geografia; Llivro didático;
Ideologia.
Abstract: The military dictatorship in Brazil (1964 – 1985) was a
reflex of the international policies practiced after the Second World
War by the government of the United States, with the purpose to
exercise an economic and ideological control on their partners and as a
form of avoiding the Socialist Regime. Brazil, like other Latin-American
countries, experienced years of dictatorship which influenced at most
the social, economic and political structure, even the educational system.
It is reflected on the interference of the unilateral agreements which
had as a real interest to assure the ideological control of the State, and
also to spread the new face of the capitalism, modernization –
industrialization/urbanization – that was developed in the countryside
and in the city. In this context, this work intends to analyze the period
of the military dictatorship, as well as the form with which the textbook
was used by the State to spread out its ideology, during that moment in
the history of Brazil.
Keywords: Politic; Teaching; Geography; Textbook; Ideology.
Resumen: La dictadura militar en Brasil (1964 – 1985), fue el reflejo
de las políticas internacionales puestas en práctica después de la
Segunda Guerra Mundial por el gobierno de los Estados Unidos, con
la finalidad de ejercer un control ideológico y económico sobre sus
compañeros y como forma de control del peligro socialista. Brasil, así
como otros países de América Latina, pasó por años de dictadura, que
influenciaron de forma importante la estructura política, social y
económica, así como el sistema de enseñanza. Eso es resultado de la
interferencia de los acuerdos unilaterales que tuvieron verdadero interés
en asegurar el control ideológico del Estado, así como en difundir el
nuevo lado del capitalismo y la modernización que se desarrolló en el
campo y en la ciudad. En ese contexto, este trabajo tiene como objetivo
investigar el periodo de la dictadura militar, así como la forma con que
los libros didácticos fueron utilizados por el Estado para irradiar su
ideología durante aquel momento de la historia brasileña.
Palabras clave: Política; Enseñanza; Geografía; Libro didáctico;
Ideología
Presidente Prudente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 197-220
Jan-Jun/2007
197
KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F.
GEOGRAFIA...
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
Introdução
A educação, no Brasil, tem sofrido muitos reveses durante sua história. A começar
pela catequização dos nossos índios a partir da qual sua cultura era desprezada em
detrimento à cultura européia, fortemente embasada na fé cristã. O livro didático, que foi
criado com o intuito de ser um instrumento de auxílio ao professor na sala de aula, em
muitos casos, passou a ser a “bíblia” da sala de aula. Mais ainda, como o governo,
historicamente, procura estabelecer parâmetros curriculares comuns em todo país, tem
encontrado nos livros didáticos um importante instrumento meio de praticar esta “paridade”
educacional.
Nota-se que até hoje, mais de vinte anos depois da redemocratização, o Estado
brasileiro tem exercido esse papel na educação de suas crianças e jovens. E durante o
período militar, o que sabemos sobre as políticas públicas para a educação e, mais
especificamente, para os livros didáticos?
Normalmente quando é feita alguma menção ao período militar, os termos que
ouvimos ou que lemos mais freqüentemente são: repressão, tortura, perseguição e
desaparecimento geralmente vinculados aos danos físicos e morais causados às pessoas,
às organizações democráticas e aos meios de comunicação. Mas pouco se tem falado
sobre a maneira que os militares administraram o país e seus reflexos na sociedade brasileira.
Com sua ascensão ao poder, os militares passam a se instrumentalizar para a aplicação de
seu projeto de Estado à sociedade brasileira. Esses instrumentos, denominados aparelhos
do Estado, são os meios legais pelos quais o homem organiza sua sociedade, ou seja,
para garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação de
dominação e subordinação econômica, política e ideológica, a classe dominante
utiliza-se do Estado, que nada mais é que um instrumento de repressão
assegurador do seu domínio” (NOSELLA, 1978, p. 21).
Portanto, a escola, como uma instituição de abrangência nacional e de caráter central
na formação e instrução da população, passou por transformações para que contemplasse
as reformas implantadas pelos militares. Assim, Nosella (1978, p. 27) diz que o papel da
escola é “[...] cumprir sua função de instrumento de inculcação da ideologia da classe
dominante à classe dominada.”
Pode-se então perceber que a política centralizadora do período militar atacou em
muitas frentes, e o livro didático, como o mais importante instrumento de ensino empregado
nas salas de aula brasileiras (dada a precariedade das condições de trabalho do professores
e os graves contrastes e problemas sociais presentes na vida dos alunos), também fez
parte do ‘pacote’ de mudanças que alicerçaram o período. Esta reflexão fundamenta o
tema do presente trabalho, trazendo uma análise de livros didáticos produzidos durante o
período da Ditadura Militar (1964 – 1985), como forma de compreender suas abordagens
no que se refere a determinados aspectos que se relacionam ao momento que passava
198
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
nosso país.
Com isso, tem-se como objetivo, de forma geral, demonstrar como foi tratada a
educação no Brasil durante o regime militar e, especificamente, demonstrar quais foram
as políticas públicas elaboradas para reger as atividades educacionais durante o referido
momento, como essas políticas atingiram os livros didáticos de geografia e construir um
referencial teórico com vistas a ampliar a visão que se tem sobre o assunto, ainda tão
pouco explorado, sobretudo, no Brasil. Para desenvolver a pesquisa, foi adotada uma
metodologia qualitativa, a partir da análise descritiva de livros didáticos do referido período,
levando, desta maneira, à compreensão do tema proposto.
Os livros analisados são de autores expressivos do período e trata-se de obras que
fizeram parte da leva de livros disponibilizados às escolas de acordo com o tratado assinado
em janeiro de 1967. A partir da análise dos livros selecionados, foi possível traçar uma
linha-padrão de apresentação e abordagem da geografia e, mais precisamente, em temas e
assuntos sobre o Brasil.
Sobre o cenário político e econômico internacional e brasileiro após a Segunda Guerra
Mundial
O mundo, após a Segunda Guerra Mundial, viu despertar um novo embate entre
nações. De um lado da “trincheira”, no hemisfério ocidental liderado pelos Estados Unidos
da América (EUA), ergueu-se o bloco capitalista, dito Primeiro Mundo, com uma economia
liberal voltada aos interesses do mercado e do capital, onde a interferência do Estado na
economia do país era mínima. No hemisfério oriental, liderado pela União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), ergueu-se o bloco de economia planificada e centrada no
interesse coletivo representado pelo Estado (conhecido como Segundo Mundo), sendo o
centro das decisões na capital da Rússia, Moscou.
Durante este período, a América Latina permanecia como uma região cujas
possibilidades de avanço do socialismo eram reais. Seria muito perigoso para os Estados
Unidos, e de certa forma essencial para o capitalismo, que a América Latina fosse integrada
ideologicamente e economicamente aos vizinhos do norte do continente. Porém, segundo
Katchaturov (1980), essa mudança de visão, e atitude dos governos norte-americanos
para com a América Latina não se deu de uma hora para outra, mas foi sendo construída
com o passar dos anos (especialmente do final do século XIX até a metade do século XX),
sendo fortemente apoiada por doutrinas criadas e “aprimoradas” por sucessivos governos.
Assim, o governo de Washington parte em busca de aliados nos países da América
Latina para que se leve até esses países o modelo adotado por ele e seus seguidores. E
encontrou nesses países a insatisfação crescente da classe burguesa com o avanço do
proletariado em seu “território”, associado ao risco de uma eminente revolução das classes
ascendentes embasada nos ideais marxistas, o que o levou a apoiar a burguesia nos golpes
de Estado para a (re)tomada do poder e a consolidação de sua hegemonia no continente
199
KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F.
GEOGRAFIA...
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
americano. Dentre os instrumentos e os direitos que os Estados Unidos dispunham e teriam
a liberdade de adotar, caso fosse necessário, em benefício próprio para a aplicação de suas
doutrinas, estavam a intervenção armada nos países, anexações de territórios e até a
derrubada de governos constitucionais, definida por Katchaturov (1980, p. 19) como a
concretização de uma “[...] ‘política preventiva’, proclamada pelos EUA e que tentava
fundamentar o ‘direito’ de intromissão nos assuntos dos países latino-americanos com a
‘anarquia’ reinante e as ‘transformações políticas indesejáveis’.”
Foi assim com a derrubada do governo civil e constitucional do Brasil em abril de
1964, com a deposição do governo da então Guiana Inglesa em dezembro do mesmo ano
e com a intervenção armada na República Dominicana em abril de 1965. Todos estes
golpes foram alicerçados pela Doutrina Johnson, que segundo Katchaturov (1981, p. 25)
“afirmava o direito dos EUA à intromissão nos assuntos internos dos países da América
Latina e que estes não permitiriam o surgimento de uma segunda Cuba”. Já através da
política do Presidente Nixon denominada por “colaboração entre iguais” conduzida pelo
presidente estadunidense Nixon, foram depostos os governos da Bolívia em 1971, do
Uruguai e do Chile em 1973. E em 24 de março de 1976 é deposto o governo peronista da
Argentina, estando neste momento as relações internacionais dos Estados Unidos regidas
pela política do “novo diálogo”.
No Brasil, o golpe que levou os militares ao poder central em 31 de março de 1964,
pode ser encarado como a revolução da grande burguesia contra o proletariado. Os militares
representavam, portanto, a classe que historicamente ocupava os palácios do poder central.
Esta classe (formada pela burguesia monopolista e financeira, associada com setores de
classe média, da Igreja, militares, policiais, latifundiários, burocratas e tecnocratas) planejou
e pôs em prática o golpe de Estado com o claro objetivo de cercear o avanço da classe
operária e do campesinato, que estavam conseguindo formar classes conscientes e ativas
perante a sociedade brasileira da época, segundo Ianni (1981).
Este avanço da consciência política, econômica e ideológica de uma classe
“subalterna” ocorria justamente porque os detentores do poder até então nada tinham feito
para reprimi-lo. Muito pelo contrário, tudo isso aconteceu justamente porque a classe
burguesa “permitiu” esse avanço do proletariado sem que meios legais tivessem sido criados
por governos anteriores para restringir qualquer ameaça de revolução social. Assim,
juntamente com a força do capital monopolista internacional, no país concretizou-se a
“vitória da opção do capitalismo dependente” (IANNI, 1981, p. 197), frente às outras
possibilidades do período, “o capitalismo nacional, o socialismo por via pacífica ou por
via revolucionária”.
Para frear o avanço da classe operária e campesina na sociedade e na política, tão
logo tomaram o poder, os “conservadores” buscaram ampliar os direitos e o poder do
Estado sobre a sociedade sob a bandeira do planejamento estatal de desenvolvimento do
país. Este planejamento elaborado pelo poder central era difundido como sendo a única
forma de se fazer o país avançar sem que houvesse qualquer tipo de discriminação e
200
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distorção de aplicação de investimentos nos setores estratégicos. Não obstante, a ideologia
difundida pelo governo e inclusive amparada por sociólogos, tanto brasileiros, quanto
estrangeiros, era de que o planejamento por si só era uma “técnica neutra1 ”, segundo nos
diz Ianni (1981). E, para pôr em prática as políticas públicas planejadas para o Brasil
potência, logo os “novos” governantes passaram a usar o poder e a força do Estado para
garantir e legitimar o seu governo e a “[...] reprodução das relações de produção, o que
significa garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação de dominação
e subordinação econômica, política e ideológica.” (NOSELLA, 1978, p. 21)
Aqui vale ressaltar que a política de investimentos executada pelos Estados Unidos
na América Latina fez com que cada dólar investido rendesse entre quatro e cinco dólares
de lucro líquido para os investidores, segundo Katchaturov (1980). Contudo, para o sucesso
desse projeto, era indispensável suprir a necessidade de mão-de-obra que novo modelo
produtivo planejado para o país, suas novas demandas e as novas tecnologias exigiriam,
sendo por isso elaboradas alterações consideráveis nas políticas do Estado. Essas novas
demandas de mão-de-obra, tecnologias e relações trabalhistas, exigidas pela nova fase de
desenvolvimento do país, acarretariam em aspectos que poderiam culminar muito além do
simples objetivo de dinamizar a produção. Como efeito, essas novas dinâmicas, fatalmente
seriam instrumentos de inclusão e exclusão social e assim servindo como um mecanismo
de manipulação de massas, empregado com o objetivo de assegurar a manutenção de
poder por parte da classe dominante sobre a classe trabalhadora.
Sem dúvida, a habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a
tecnologia e, em especial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivas
em cada período histórico, traça seu destino a ponto de podermos dizer que,
embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia
(ou a sua falta) incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bem
como os usos que as sociedades, sempre em um processo conflituoso, decidem
dar ao seu potencial tecnológico (CASTELLS, 2005, p. 44-45).
O governo do período foi também muito hábil em adotar discursos que ratificassem
a exatidão do caminho que estava sendo trilhado. O sentimento do verdeamarelismo2 , de
que nos fala Marilena Chauí (2000), passou de discurso de legitimidade do sistema colonial
brasileiro para uma “questão nacional”, onde, segundo a autora, a luta de classes passa a
ser incorporada no discurso, mas é, ao mesmo tempo, neutralizada por uma ação paternal
do Estado e pela suposta colaboração entre capital e trabalho. Esse mesmo sentimento
1
Em IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital (1981), são apresentadas quatro citações de
importantes autores do período: Roberto de Oliveira Campos, Antônio Delfim Netto, João Paulo
dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen. Os quatro autores são unânimes em afirmar que a
“técnica de planejar” é um instrumento livre de interesses políticos e que só o planejamento pode
garantir exatidão das tomadas de decisões governamentais.
2
Segundo Marilena Chauí em Brasil, mito fundador e sociedade autoritária (2000), o
verdeamarelismo surgiu como um sentimento elaborado no curso dos anos pela classe dominante
brasileira como imagem celebrativa do “país essencialmente agrário”, tendo sua construção
coincidindo com o período em que o “princípio da nacionalidade” era definido pela extensão do
território e pela densidade demográfica, visando legitimar o que restara do sistema colonial e a
hegemonia dos proprietários de terra.
201
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GEOGRAFIA...
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
verde-amarelo, que com a superação do sistema agrário-exportador do país por um sistema
de industrialização interna, havia de certa forma perdido seu foco, foi revitalizado, reforçado
e incorporado nos anos da ditadura e do Brasil Grande. Ele serviu como um movimento
de unidade da nação que visava a sua transformação em potência política e econômica e
que privilegiaria o tripé tradição, família e propriedade, evidentemente trazendo à tona o
domínio de uma classe historicamente favorecida sobre os indivíduos das classes
desfavorecidas.
Para assegurar a vitória do modelo que se propunha ao país era necessário não
apenas garantir a supremacia de uma classe em relação à outra. Era necessário que as
condições de dominação fossem reproduzidas. E se a repressão pela violência física e
moral, pela censura, ou pela omissão dos verdadeiros planos e atos do governo serviram,
num primeiro momento, para desfazer qualquer “ameaça” de revolução ao novo sistema,
para assegurar, no futuro, a reprodução do modelo econômico de dominação e exclusão
através das novas gerações, o mais importante instrumento que o Estado brasileiro pôde
usar foi a educação, atingida pelo transbordamento dos planos e programas governamentais
para todos os campos da economia e da sociedade, de acordo com Ianni (1981).
Como se pode notar, os passos traçados e seguidos pelo Governo Militar visavam
não apenas tomar o poder para si, mas muito mais que isso, visavam usar o poder do
Estado para garantir que o modelo econômico que o país adotara a partir dos anos 50 e
mais incisivamente no início dos anos 60 não fosse suplantado por outro modelo em caso
de uma “revolução” das classes proletárias. Portanto, todo o planejamento para o
desenvolvimento do país alardeado pelo “novo governo” já havia sido pensado e detalhado
antes do Golpe de 1964, cabendo aos governantes do período a aplicação das políticas
necessárias à “perpetuação” do capitalismo (periférico e dependente) no Brasil sob a
alegação e propaganda do projeto Brasil Potência.
As políticas educacionais no período da ditadura militar
Durante o período do regime militar a educação foi um dos campos mais atingidos
por reformas que visassem sua adaptação para atender às demandas do projeto de
desenvolvimento nacional baseado na abertura econômica e no aporte do capital estrangeiro.
Assim, segundo Frigotto (1995, p. 18), “[...] a educação no Brasil, nas décadas de 60 e
70, foi reduzida pelo economicismo, a mero fator de produção – capital humano”. As
diferenças estariam então, não apenas sendo mantidas, mas também ampliadas, na medida
em que a grande massa de estudantes das escolas públicas teria sua “formação” destinada
a suprir as necessidades do mercado e os professores, a ferramenta de execução de tal
objetivo. Assim, a instituição da escola pública deixou de ser um ambiente destinado ao
crescimento pessoal e social e foi, deliberadamente, transformado pelo poder central em
uma “fábrica” de trabalhadores alienados e completamente dependentes das “vontades”
do capital ou da “bondade” do governo.
202
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
Esta combinação entre fortalecimento do Estado e do capitalismo, no Brasil,
apresentou conseqüências como o sucateamento das escolas públicas, os baixos salários
dos profissionais, a qualidade do ensino visivelmente inferior em relação às instituições
privadas (embora existam exceções). E, principalmente, a incapacidade da escola em
fazer com que os alunos desenvolvam o seu senso crítico e participativo, restando-lhes
apenas a resignação com sua situação e a expectativa da ajuda paternal dos governos.
Esta ajuda paternal dos governos, nada mais era que um mecanismo de fortalecimento do
Estado, que, conforme palavras de Castells (2005, p. 53) “[...] visava a maximização do
poder para impor seus objetivos sobre um número maior de sujeitos e nos níveis mais
profundos de seu consciente”.
Vale ressaltar que todos os ideais pelos quais se balizaram os administradores foram
“importados” junto com o capital e os investimentos necessários para o “desenvolvimento”
do país. O próprio ideal de progresso e o conceito de desenvolvimento chegaram aqui já
elaborados e definidos, como diz Buarque (1993). Coube ao governo ditatorial implantálo e criar as condições para que o “progresso e o desenvolvimento” pudessem levar o país
à condição de potência continental, o que de fato não ocorreu e contribuiu apenas para
fortalecer ainda mais a classe dominante, em detrimento das reais necessidades da sociedade
do país. Assim,
ao importarem as necessidades e os meios para atingir o modelo de
desenvolvimento dos países ricos, os subdesenvolvidos endividaram-se,
violentaram suas culturas, depredaram seus recursos, concentraram a renda,
utilizaram regimes autoritários, segregaram suas sociedades, na ânsia de
atingirem o nirvana do progresso” (BUARQUE, 1993, p. 59).
Vê-se, então, que o ideal de desenvolvimento do país permeou o discurso dos
governantes (que estavam cumprindo os objetivos da classe dominante) e que este somente
seria possível mantendo-se a ordem. Porém, a maneira como as políticas foram conduzidas
pelo governo tratava com clara distinção de classes a sociedade, inclusive nas escolas, nas
suas metas e nos seus objetivos. A maneira como a educação foi conduzida no país durante
o período do regime militar, obviamente serviu aos interesses traçados pelo Estado,
dominado pelas elites e alinhado ao grande capital e dependente da assinatura de tratados
internacionais.
Em 1966-68, o Governos dos Marechais Castello Branco e Costa e Silva
assinaram acordos com o Governo dos Estados Unidos, no sentido de planejarem
cooperativamente a ‘modernização’ do sistema brasileiro de ensino. A execução
dos acordos ficou a cargo do Ministério da Educação e Cultura (MEC),
representando o Brasil, e Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento
Internacional (USAID), representando os Estados Unidos. (IANNI, 1981, p.
19-20).
Não é a toa que os governos militares tenham elaborado vastas reformas no sistema
de ensino do país. E também não é de se estranhar o fato destas reformas terem sido
203
KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F.
GEOGRAFIA...
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
elaboradas a partir de tratados e acordos assinados em conjunto com o governo
estadunidense. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968 foram firmados doze acordos MECUSAID. O ápice destas reformas foram as Leis 5.540/68 e 5.692/71 e, enquanto a primeira
tratava do Ensino Superior, a segunda se encarregava de reestruturar os Ensinos Básico e
Médio. A base prevista na reformulação do Ensino Superior era a departamentalização
dos cursos superiores, enquanto as reformas nos níveis inferiores do ensino estabeleceram
a instituição do Ensino Profissionalizante.
Se por um lado os técnicos do governo elaboravam os estudos que culminariam nas
reformas cujo princípio norteador era a despolitização da escola, por outro lado estas
reformas foram extremamente eficientes em transformar a educação em uma prática
“imobilizadora e ocultadora de verdades”, segundo palavras de Freire (2002). A
possibilidade de atribuição deste papel à educação serviu ao governo ditatorial como um
meio muito eficiente para minar a capacidade de reação das classes operárias e,
especialmente, garantir em longo prazo o “abastecimento” das fábricas com mão-de-obra
barata e dificultar o acesso das classes proletárias às camadas superiores da sociedade.
Esse processo comandou toda a estrutura de dominação ideológica da classe burguesa
sobre a classe proletária.
Parece evidente, então, que os estrategistas do governo brasileiro, apoiados pelos
técnicos e pela “experiência” dos Estados Unidos, tinham plena consciência de onde poderia
chegar o processo de reformulação do ensino no país. Soma-se a isso o processo de inversão
de capital, abordado por Romanelli (1997), nesta etapa de “colaboração” do país do
norte, vê-se que o eixo principal da Reforma do Ensino não seria exatamente a demanda
social do ensino e do sistema de ensino. É muito mais plausível supor que a grande
norteadora deste processo foi a dominação ideológica com vistas à intensificação do modelo
econômico acolhido pelo país através dos representantes da burguesia no poder central.
A ideologia e o livro didático de geografia
O golpe civil-militar foi fortemente marcado pela elaboração de políticas baseadas
em planos estratégicos desenvolvidos por técnicos do governo brasileiro, apoiados por
técnicos e “pessoal gabaritado” do governo dos Estados Unidos. Estes planos e projetos
para o país, ao contrário do que alardeavam os teóricos do governo não eram técnicas
neutras de administração, mas sim instrumentos de legalização da política de dominação
praticada pelo governo ditatorial. Este ideal atendia aos interesses do governo norteamericano, bem como a necessidade cada vez maior do capital internacional e de seus
representantes em difundir o modelo econômico, produtivo e consumista, e o anseio de
retomada das rédeas do país por parte da grande burguesia nacional. As reformas no
ensino foram tratadas como sendo necessárias para “despolitizar” o sistema brasileiro
através da neutralidade dos planos e programas, fazendo da educação uma atividade
“neutra”, o que, segundo Freire (2002), pode ser considerado um erro que implica em uma
204
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
visão defeituosa da história.
Com o argumento de despolitizar o ensino brasileiro, através da “neutralidade” das
reformas planejadas, e formar trabalhadores, incute-se a idéia de que o sistema de ensino
brasileiro era, até então, ineficiente e não cumpridor dos reais interesses do povo e do país.
Este “erro” apontado na abordagem da escola e que precisaria ser revertido à virtude do
“acerto”, no entanto, extrapola o campo da qualidade do ensino. Na verdade, este foi o
discurso utilizado pela classe dominante para fazer do sistema oficial de ensino do país
um grande sistema de reprodução da sua ideologia, que, de acordo com Marilena Chauí
(2000), não pode explicitar sua própria origem, pois, se o fizesse, tornaria explícita a
divisão social de classes, perdendo sua razão em ocultar a realidade.
Adiciona-se a questão proposta por Maturana (1998), a educação serve para que(?),
em que o autor traz como resposta para o questionamento proposto, que a educação serve,
necessariamente, a um fim determinado por alguém, e teremos uma visão mais clara de
como o momento político vivido no Brasil afetou o sistema de ensino. E no caso do país,
a educação, assim como os demais setores estratégicos controlados pelo governo ditatorial,
deveria servir para atender às necessidades e os interesses da nação. No entanto, a
consciência de “Estado/nação” e o sentimento de “nacionalismo” também são instrumentos
de dominação e manipulação de massas. Estado que “[...] aparece como realização do
interesse geral [...], mas, na realidade, ele é a forma pela qual os interesses da parte mais
forte e poderosa da sociedade (a classe dos proprietários) ganha a aparência de interesses
de toda sociedade [...]” (CHAUÍ, 2001, p. 65). A idéia de Estado legalmente constituído,
legítimo e soberano e suas instituições são, portanto, uma grande máquina de um grupo
reduzido de pessoas que historicamente tiveram a seu dispor as possibilidades de efetuar
seu domínio econômico, político e ideológico sobre o grupo maior e a criação de meios e
condições para a reprodução do modelo de exclusão da grande classe proletária.
As reformas do Ensino Superior e do Ensino Médio levaram, definitivamente, para
dentro das salas de aula esta estrutura de separação de classes. O enlace desta reforma do
ensino com as teorias pedagógicas mais recentes do período agradou em cheio a comunidade
escolar e o momento econômico que o país atravessava, pois apenas reafirmava o acerto
do “planejamento governamental”. O tecnicismo pedagógico, de que nos fala Ghiraldelli
(1994) foi a corrente pedagógica dominante no período, tida como a pedagogia oficial e
base bibliográfica para os concursos do magistério e foi decisivo para a adoção do modelo
bancário de ensino, denunciado por Freire (1987). Esta concepção, norteada pelos princípios
de racionalidade, eficiência e produtividade (conceitos estes “importados” do modelo
produtivo implantado nas indústrias e adaptados à sala de aula com a “colaboração” dos
técnicos dos Estados Unidos) enfrentou ainda a concorrência de outras teorias “não-oficiais”,
sendo, neste caso, dada ênfase apenas ao sistema oficial.
Assim, é possível citar o que Brabant (2003) chama de enciclopeditismo da
geografia. O discurso essencialmente descritivo da disciplina encontra, segundo o autor,
as suas raízes na geografia militar, em que se faz o inventário dos dados úteis e das
205
KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F.
GEOGRAFIA...
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
potencialidades que possam ser usadas no futuro. Este tipo de tratamento dispensado à
disciplina leva à ênfase na geografia física e ao conhecimento dito “de gaveta” (oriundo da
concepção bancária de ensino, de Paulo Freire). Neste contexto as ligações e as relações
entre homem-natureza e homem-homem deixam de ser as principais balizadoras da
disciplina e assumem um papel de importância secundária. Ao mudar o foco da disciplina
e centralizá-la em variáveis predominantemente estatísticas e “despolitizar o ensino” (ou
seja, subtrair da sala de aula e das disciplinas qualquer parâmetro passível de discussão),
os planejadores fizeram, então, com que a geografia assumisse o papel de disciplina
enciclopeditista, limitando-a unicamente à função de expositora de dados e informações.
Era o enciclopeditismo fazendo uso do que Paulo Freire chama de concepção bancária do
ensino e todas as suas conseqüências para o desenvolvimento crítico, tanto de alunos,
quanto de professores.
Para tanto, o pressuposto que norteou as reformas no sistema de ensino e a adoção
destes novos parâmetros, especialmente para a disciplina de Geografia durante o Regime
Militar, foi o Neopositivismo. Este pressuposto teórico-metodológico trouxe para o ensino
do Brasil um modelo que, segundo Tonini (2003) foi construído como uma ferramenta
para intervenção espacial que possibilitasse o atendimento aos interesses estadunidenses
pelo mundo. Esse pressuposto perfazia perfeitamente às disposições que as reformas
propunham ao ensino. O tecnicismo pedagógico teve, então, uma base amplamente
estruturada em conceitos e técnicas matemáticas de abordagem, o que foi decisivo para a
transformação da geografia numa “ciência enciclopédica”, com as verdades prontas para
ser “depositadas” pelos professores no intelecto dos alunos. Assim, segundo Vesentini
(2004) a escola poderia atuar na adaptação das pessoas.
Esta é a geografia que, segundo Vesentini (2003) teria por função difundir a ideologia
da Pátria, tornar sua construção histórica como algo “natural” e dar ênfase à Terra em
detrimento à sociedade, tornando a natureza como o ser maior que domina nosso planeta,
acima da sociedade de qualquer dicotomia que esta possa apresentar, segundo Faria (1994).
Neste contexto, o livro didático de geografia poderia muito bem ser um instrumento capaz
de “avalizar” e “legalizar” todas estas ponderações. Em um país com recursos econômicos
limitados e que acabara de assinar um contrato de cooperação com um país de maiores
possibilidades financeiras e “técnicas” para edição, publicação, impressão e distribuição
de mais de 50 milhões de exemplares de livros didáticos, logo o livro didático passou da
condição de instrumento de auxílio a instrumento balizador da prática de ensino. No âmbito
das reformas estabelecidas, vale descrever o acordo MEC-SNEL-USAID, assinado em 6
de janeiro de 1967, que diz respeito diretamente ao tema do presente artigo, o livro didático:
Por esse acordo, seriam colocados, no prazo de 3 anos, a contar de 1967, 51
milhões de livros nas escolas. Ao MEC e o SNEL incumbiriam apenas
responsabilidades de execução, mas, aos técnicos da USAID, todo o controle,
desde os detalhes técnicos de fabricação do livro, até os detalhes de maior
importância como: elaboração, ilustração, editoração e distribuição de livros,
além da orientação das editoras brasileiras no processo de compra de direitos
206
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
autorais de editores não-brasileiros, vale dizer, americanos (ROMANELLI,
1997, p. 213).
É plausível, portanto, considerar que o avanço norte-americano só ocorreu no Brasil,
desta forma, porque encontrou adeptos de sua política que, juntamente com a “colaboração”
do país do norte, vislumbraram a possibilidade de agregar riqueza e poder ao seu domínio
sob a bandeira do projeto Brasil Potência. Desta maneira, segundo Freitag (1987 apud
SCHÄFFER, 1998, p. 135), os acordos MEC/USAID visavam substituir o modelo francês,
tido como improdutivo e excessivamente politizante, pelo modelo anglo-saxônico, mais
eficaz e mais capaz de uma participação efetiva no desenvolvimento, uma vez que era um
modelo voltado quase que exclusivamente às necessidades das empresas. E como afirma
Spósito (2006, p. 298), “[...] o crescimento populacional brasileiro, o aumento de demanda
pela escola pública e a ampliação da rede oficial de ensino [...], sem uma proporcional
qualificação de seus recursos humanos [...]” foram fatores decisivos e que muito
contribuíram para a validação das reformas previstas na LDB de 1971 e na “padronização”
do sistema público de ensino e de seus instrumentos de apoio, especialmente o livro didático.
Claramente, esta delimitação para a disciplina empunhava também uma limitação nas
atividades do professor e na capacidade de percepção e formação do aluno, uma vez que
ambos “estavam envolvidos num processo dialético de dominação [...] e não participavam
do processo de produção do ensino” (OLIVEIRA, 2003, p. 28).
Em suma, toda estruturação política e econômica planejada para o país e para o seu
futuro, embora tenha contado com a “colaboração” de técnicos e do governo dos Estados
Unidos, foi célebre em ocultar seus reais interesses. E é por este sentido, o de ocultar a
verdade sobre os verdadeiros motivos das “reformas que o país necessitava” para
transformar-se numa potência continental (e até mundial), que pode-se acreditar que tais
mudanças não seriam aceitas se fossem de fato explicitadas. Para tanto, a educação seria
o instrumento ideal para a “ocultação” da verdade e contribuiria para formar o contingente
de mão-de-obra barata para as fábricas, sob igualdades de condições através da
padronização do sistema de ensino e de seus instrumentos, especialmente o livro didático.
Os livros didáticos de geografia elaborados durante o período do regime militar
Baseado no que fora exposto anteriormente, veremos como a teoria envolvida no
referencial aproxima-se do exercício prático, ou seja, da sua aplicação no material de
“contato” entre o mundo real (o vivido pelo aluno e pelo professor) e o mundo apresentado
no material didático. Para tanto, foram analisados os seguintes livros didáticos3 :
3
Para sistematizar e simplificar o trabalho, a relação dos livros analisados encontra-se nessa
apresentação de maneira resumida. A enumeração feita será empregada no decorrer das
observações e análise com o mesmo objetivo. O referencial completo encontra-se junto às
referências bibliográficas. Foram analisados, nos livros relacionados, aspectos como:
caracterização geral das obras; as relações políticas; Estado, Pátria, Nação e progresso; povo e
cultura; as relações entre o campo e a cidade e as atividades propostas.
207
KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F.
GEOGRAFIA...
1.
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
AZEVEDO, Aroldo de. Terra brasileira. 42. ed., 1968;
2.
RODRIGUES, David Márcio Santos. Geografia do Brasil: curso ginasial 4.
ed., 1971. Volume 1;
3.
RODRIGUES, David Márcio Santos. Geografia: o mundo atual. 3. ed., 1971;
4.
BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: estudos sociais, 1º grau,
5ª série. 10. ed., 1975;
5.
BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: as regiões brasileiras, 1º
grau. 15. ed., 1981. Volume 2;
6.
BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: geografia geral e do Brasil,
1º grau. 10. ed., 1984. Volume 1. Caderno de atividades;
7.
BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: as Américas. 3. ed., 1984.
Livro de atividades.
A) Caracterização dos livros didáticos analisados
A apresentação gráfica das obras analisadas levou em consideração os aspectos
relativos à forma como tais obras apresentam seu conteúdo, a linguagem adotada e o
emprego de imagens. Primeiramente, vale ressaltar o que nos expõe Romanelli (1997)
sobre o acordo MEC-SNEL-USAID, de 6 de janeiro de 1967. Tratava da cooperação
para publicações técnicas, científicas e educacionais, cujo controle dos detalhes técnicos
da fabricação dos livros, bem como elaboração, ilustração, editoração e distribuição estavam
a cargo dos técnicos norte-americanos. Neste quesito é possível verificar certas semelhanças
entre as obras, embora de autores e anos distintos.
Primeiramente, todas as obras relacionadas chamam a atenção pela linguagem
adotada, basicamente formada por frases curtas e de sentido positivo, geralmente de
exaltação do país em todos os seus aspectos, com raras inferências sobre os assuntos
negativos, já na seqüência superados ou em vias de superação graças à ação do governo.
Este modelo de abordagem também alerta para sua superficialidade. Não se tem maiores
explicações plausíveis sobre a origem dos problemas. Vê-se, contudo, que existe um
apontamento de quais são os problemas e que estes, geralmente, são decorrentes de causas
naturais e/ou do “atraso” das pessoas e das técnicas (e mesmo do país).
Porém, ao mesmo tempo em que as causas naturais são apontadas como responsáveis
pelo atraso e pelo subdesenvolvimento do país, são tidas também como a base para a
solução destes problemas. E o combustível apresentado como solução destes problemas
são o planejamento e ação do governo. Ocorre, portanto, uma exaltação exacerbada das
virtudes do Brasil. Todas as obras são exímias em apresentar nossas maravilhas naturais,
inclusive com ilustrações destas maravilhas e observações sobre a importância dos recursos
naturais para o desenvolvimento do país. É interessante também a apresentação da “orelha”
das capas dos livros de David Márcio, com a reprodução de uma foto do Palácio do
Planalto, juntamente com o seguinte dizer: “Conheça o Brasil. Cresça com ele”.
208
Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007
Saltam à vista e à percepção a maneira de apresentar os problemas, suas causas e
a ação do governo para solucioná-los. A linguagem usada beira a linguagem infantil,
porém, com ênfase e segurança no que se está afirmando. Não existem dúvidas e, se por
acaso existissem, seriam imediatamente rechaçadas, como ocorre em Beltrame (1981, p.
61): “Será que o nordeste não poderia fazer do sol um grande aliado? Pois fique sabendo
que já existe um projeto em estudo, visando aproveitar não só a energia solar, mas também
a energia eólica, isto é, o vento”.
Esta “simplicidade” na linguagem adotada faz parte, segundo a referida autora, na
apresentação de seus livros, de “[...] um manual didaticamente novo [...], onde ao texto
acessível constitui o resultado de uma pesquisa de vocabulário ao nível do adolescente
[...], testada em mais de mil alunos de diferentes camadas sócio-econômicas, sendo a
tarefa concluída apenas quando os resultados foram satisfatórios”. Outra questão que se
apresenta muito claramente é a exaltação do sentimento patriótico, do verdeamarelismo
que nos fala Marilena Chauí.
Nestas páginas de síntese, tentamos esboçar um retrato geográfico de nosso
país. Seu quadro natural – planaltos e planícies, ao contato com as águas do
Atlântico, sob um clima predominantemente tropical, por entre rios de todos
os tamanhos, a caminhar através de florestas e campos. Sua população – que
cresce à média de dois milhões cada ano, composta de gente de todos os matizes,
[...] a realizar lenta e admiravelmente a ocupação do solo, fortalecendo-se como
Estado e como Nação (AZEVEDO, 1968, ‘Ao leitor’).
O caráter tecnicista fica explícito nesta condição, uma vez que a maneira como os
assuntos são abordados não permitem que os alunos desenvolvam uma concepção crítica
da sua realidade, ou pior, não permitem (ou limitam) qualquer possibilidade do professor
desenvolver uma atividade de maneira a desenvolver um sentido mais apurado nos alunos.
É o conhecimento de gaveta de que fala Paulo Freire. É a simplicidade aparente do mundo
que cerca os alunos e professores. Enfim, é o “Brasil gigante pela própria natureza”
caminhando rumo ao seu futuro de país do futuro.
B) As relações políticas nos livros didáticos analisados
Pode-se observar nos livros didáticos analisados um forte apelo à importância do
Estado valorizador da grandeza da Pátria, assim como sua responsabilidade única (uma
vez que o povo é tido como “apolítico”) de atuar como planejador (político e econômico).
Desta maneira, a ação do Estado é decisiva para fortalecer seu caráter paternalista e,
sobretudo, agir de forma absolutista e definidora da direção do desenvolvimento sócioeconômico de forma “segura”, representando os interesses da parte mais forte da sociedade
sob a máscara do interesse de todos, segundo Chauí (2001).
Enfim, o Brasil, como muitas outras nações do mundo, deve lutar contra o
subdesenvolvimento. Cada nação procura tornar-se desenvolvida atendendo a
suas características próprias. O Brasil precisa descobrir depressa a melhor forma
para lutar pelo bem-estar de seu povo. A aplicação dos projetos organizados
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GEOGRAFIA...
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
pelo Ministério do Planejamento, começa a fornecer resultados satisfatórios.
Caminhamos em busca do desenvolvimento (RODRIGUES, 1971, p. 15).
As relações políticas, portanto, são as formas pelas quais os diferentes grupos,
organizados ideologicamente entre si, interagem através de diálogos e discussões orientadas
e balizadas por uma estrutura de leis (o que dá legalidade às relações, embora muitas
vezes critique-se sua legitimidade). Assim, nos livros didáticos analisados, não existe o
diálogo entre o governo (ou os representantes do Estado que, teoricamente, é o representante
do povo) e a população. O que existe é uma “conversa unilateral”. Ou seja, o governo fala
(planejamento) e o povo escuta (ação). Este fenômeno ocorre em toda atividade dentro do
território brasileiro. Contudo, em relação aos países vizinhos, é interessante destacar o
papel do país apontado pelos autores: o de líder no desenvolvimento e integração na América
Latina e de independente perante os países europeus, os colonizadores.
Compreender, portanto, que o Brasil faz parte de uma grande família de nações
– onde cada uma deve manter sua independência – é a melhor maneira de
praticar o nacionalismo moderno. Nosso nacionalismo deve ser o de procurar
soluções brasileiras para problemas brasileiros, sem nos esquecermos do auxílio
que outras nações ou conjunto de nações podem prestar quando se dispõem a
ajudar verdadeiramente o Brasil (RODRIGUES, 1971, p. 8).
Porém, o modelo de desenvolvimento em si já implica em copiar algo, pois o conceito
de país desenvolvido e, conseqüentemente, de país subdesenvolvido, como diz Buarque
(1993) já é importado. Desta maneira, os livros didáticos serviam como folhetins
propagandísticos do governo e ocultavam muitos aspectos importantes. A frase “[...] somente
agora a América Latina encontrou sua vocação para independência econômica [...]”
(RODRIGUES, 1971, p. 23) é um exemplo de omissão e descaso com a história, ao omitir
completamente e não apenas nesta frase, os regimes opressores comandados pelos Estados
Unidos em países deste continente.
Ao mesmo tempo, os livros apresentavam as relações entre o Brasil e demais países
como sendo algo positivo, especialmente porque é esta “cooperação” que vai ajudar o país
no seu projeto de ser uma potência e assim poder atuar como líder da América Latina.
Como se pode ver, existe uma ingenuidade ao passar a idéia da cooperação de países
verdadeiramente interessados em ajudar o Brasil e que, estes países, formam uma grande
família. Como se não existissem interesses de outras nações e como se todas as nações
estivessem interessadas no “desenvolvimento” do Brasil.
C) Estado, pátria, nação e progresso
Estes três conceitos (Estado, pátria e nação), embora tenham significados
ligeiramente diferentes, são amplamente divulgados e utilizados com a finalidade de atrelar
uma identificação ideológica das pessoas para com o território onde vivem. O sentimento
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do verdeamarelismo foi reeditado pelo governo militar e foi amplamente divulgado sob a
ótica do amor à pátria visando incorporar o povo (de corpo e alma) ao “seu” projeto. E a
grande bandeira que os governantes empunhavam era a do progresso, a ser conseguido às
custas de trabalho, desenvolvimento, aplicação e dedicação de todos.
A ênfase nas virtudes naturais do país, o amor à Pátria e à terra natal são virtudes
sempre visíveis. O Brasil, em suma, aparece nestas obras como uma potência mundial
esperando por acontecer. Um local onde todas as qualidades e possibilidades estão presentes,
por natureza. Faltava apenas a cabeça astuciosa do governo e a mão do trabalhador para
transformar isso tudo em progresso.
Esta evocação das virtudes do país e o chamado do povo para a participação efetiva
no desenvolvimento, fazem parte da retomada do nacionalismo, em baixa após a crise dos
governos populistas anteriores ao Golpe de 1964 (CHAUÍ, 2000) e, concomitante a este
movimento, uma chamada à necessidade de superação do modelo agrário-exportador por
um modelo de industrialização do país. Assim, ao “surgimento” do Brasil (dom de Deus e
da Natureza) é imprescindível a ação do Estado para sua modernização, segundo Chauí
(2000). Portanto, enquanto as obras analisadas chamam a atenção para a necessidade do
Brasil explorar seus recursos, as mesmas mascaram quem são os exploradores e os
explorados.
É este o discurso onde a luta de classes aparece mascarada. Se todos trabalharem,
todos progredirão. Ou, se ocorrerem discrepâncias, estas se darão com o tempo e por
razões naturais. Chama atenção a frase de abertura do capítulo 10 – indústria e comércio
– do livro 4 de Zoraide Beltrame (1975). A autora, sintetizando os temas estudados até
então, introduz ao novo assunto com a seguinte interrogação, “[...] você está vendo como
tudo caminha naturalmente (?)”, numa clara alusão à evolução natural das técnicas e da
sociedade, deslocando o homem da condição de sujeito da história à condição de objeto
histórico. É a subordinação total ao meio, a mais clara visão determinista.
É este o papel apresentado aos alunos pelos livros analisados, o de se bem explorar
as riquezas naturais para a construção do país-potência. Assim, os livros didáticos apontam,
em suas entrelinhas, o povo como o responsável pelo atraso econômico do país, sendo
necessária a intervenção e o controle da mão forte do Estado para reverter esta situação.
Este país “gigante pela própria natureza” precisava, então, para atingir seu objetivo, de
um povo que o amasse e o exaltasse e trabalhasse por ele. Desta forma, questões como
Estado, Pátria e Nação, embora levemente abordados em seus significados, eram sempre
tratados como motivo de orgulho: “Agora você poderia perguntar: o que é Pátria? A Pátria
é o país em que nascemos. É a terra onde vivemos, com seus rios, suas florestas, seus
mares, seu céu, sua beleza, sua cor, suas riquezas e o jeito do seu povo (BELTRAME,
1981, p. 11)”. Segue-se a este pequeno diálogo e exemplo do que é pátria, um trecho do
poema Pátria, de Carlos Barbosa, exaltando-a “[...] como de todos, de direito à idéia, à
palavra; é o céu, o solo, o povo, a tradição, o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei
e da liberdade”.
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GEOGRAFIA...
A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
Como se pode ver o discurso amplamente difundido pelo governo militar em prol da
“unidade da nação” pregava o amor à pátria como condição para a construção de um
Estado forte. Assim sendo, o Brasil é um país de infindáveis recursos, naturais e humanos,
pronto para ser explorado através da “ajuda bem intencionada” dos parceiros estrangeiros,
aqui demonstrada na obra de Rodrigues (1971, p. 50): “Além do Brasil, somente a
Venezuela, Chile e Peru possuem grandes recursos em exploração [...]”. Mais incrível era
a “colaboração bem intencionada” dos outros países neste processo: “[...] em todos estes
países, as principais jazidas são controladas pela Bethlehem Steel e pela United States
Steel; somente o México tem procurado manter uma posição mais reservada.”
É incrível como as diferenças entre o discurso nacionalista de construção de uma
potência econômica e o ato consumado oposto ao discurso passam por cima de fatos como
o citado acima sem nenhuma explicação plausível para o motivo de tamanha discrepância
entre discurso e realidade. E assim, o aluno que teve acesso a estas fontes cai numa roda
onde ele é constantemente jogado de um lado para outro. Por certo é esta a ajuda para
resolver problemas somente quando o país não tiver competência que o aluno perceberá:
nossos recursos naturais são muitos e são bons; não sabemos explorá-los, logo nossos
amigos irão nos ajudar a explorar estes recursos para que nosso país se desenvolva. E este
papel dos livros revela que somente a ação paternal do governo pode desenvolver o país,
uma vez que a força do povo se dá pela importância do braço do trabalhador e não através
da sua consciência política, visto que esta encontrava-se, assim como a geografia (e a
escola), submetida aos “caprichos” do capital e de seus representantes mascarados. Nesta
perspectiva, nada é mais explícito que sua condição de disciplina enciclopédica, onde sua
função é desviada a mostrar a capital de “[...] enormes palácios flutuando entre jardins e
de aparecimento quase mágico” (BELTRAME, 1981, p. 133). É assim que a geografia
funciona como alienadora e como difusora da ideologia do Estado forte.
D) Povo e cultura
“A população de um país deve ser cuidada como o maior de seus recursos naturais”
(BELTRAME, 1975, p. 146). É desta maneira que a população e especialmente os alunos
foram tratados: como recursos naturais. E como a base do desenvolvimento era a
“exploração inteligente” dos recursos naturais, se percebe que o caminho trilhado não foi
selecionado “ao acaso”. Como bem escreveu Paulo Freire, a educação pode servir “tanto
para desnudar a realidade, quanto para mascará-la” e, se considerarmos que o “progresso”
do país foi planejado, então a “neutralidade”, quer seja das técnicas de planejamento, quer
seja da educação, definitivamente se desfazem, ou pior, assumem seu verdadeiro rosto
perante a realidade omitida e negada: a de base discursiva para a construção de “mentiras
que parecem verdades4 ”.
4
Título do livro de Marisa Bonazzi e Umberto Eco que trata sobre ideologia, dos preconceitos
e anacronismos contidos nos livros didáticos utilizados nas escolas italianas (1980).
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[...] poderemos reconhecer, naqueles textos, o instrumento mais adequado de
uma sociedade autoritária e repressiva, que tende a formar súditos, povo
solitário, integrante de qualquer categoria, seres de uma única dimensão [...].
A mistificação da realidade não é feita através de uma leitura, seja mesmo
ideológica e falsamente otimista da sociedade industrial avançada, mas passando
através dos restos rançosos de uma sociedade pré-industrial e agreste que não
tem relação alguma com a vida moderna (ECO & BONAZZI, 1980, p. 16).
Contudo, esta nova fase de desenvolvimento levaria consigo também um povo do
qual faziam parte o negro, o branco, o índio e seus descendentes. E nos livros analisados,
são unânimes em apostar na “unidade do povo apesar dos vários matizes que o formam”.
Apesar desta exaltação da variedade étnica das pessoas que compõem a sociedade, pouco
é apresentado sobre os problemas de exclusão a que são submetidos os “não-brancos”.
Exemplo: “O ‘barranqueiro’ do rio São Francisco é um dos tipos humanos do interior
brasileiro. Vivendo às margens do grande rio, luta contra a pobreza do meio”
(RODRIGUES, 1971, p. 85). Neste caso o “meio” é pobre, portanto, o homem que habita
o “meio pobre”, conseqüentemente, será pobre. Não há qualquer texto ou frase explicando
como o “barranqueiro” foi parar na pobreza do meio; ou, se aquele meio é pobre e existe
um “meio rico”, porque ele está sofrendo e lutando com o “meio pobre”.
É importante destacar a condição do índio brasileiro. Segundo Azevedo (1968),
estes são brasileiros semelhantes aos povos europeus pré-históricos e que precisam ser
assimilados pela civilização, sob pena de desaparecerem totalmente. Resumidamente, o
que é nativo desta terra precisa ser reconduzido a uma condição superior para que possa
integrar o “mundo desenvolvido”. É assim com os recursos naturais, é assim com as
pessoas. Esta socialização do nativo brasileiro viria a agregar conteúdo ao discurso do
período, de abandono da base agropastoril da economia brasileira em detrimento ao
desenvolvimento atrelado à industrialização. E, de acordo com a exposição, o índio era a
representação do que de mais arcaico poderia existir entre os “vários matizes” que formam
a população. E este atraso não combinaria, em hipótese alguma com o progresso. O negro,
por sua vez, além de aparecer ainda como ligado ao período da escravidão é, mesmo que
de forma indireta, tido como inferior por questões culturais ou naturais. Estas diferenças
“vieram” para o Brasil junto com os representantes das etnias africanas trazidos para cá,
na condição de escravos.
Os Sudaneses, originários da Guiné, era mais altos, de feições mais finas e
mais cultos [...]. Os Bantos, mais rudes e mais atrasados, vieram principalmente
de Angola [...]. Tais diferenças podem explicar a posição modesta ocupada
pela maioria dos brasileiros de cor negra [...]. Várias gerações de brasileiros
receberam forte influência da mãe-preta, que gozou de muito prestígio nas
casas senhoriais do passado. O Brasil orgulha-se de possuir muitos negros na
galeria de seus homens notáveis (AZEVEDO, 1968, p. 76).
Além do mais, como é possível verificar na última citação, existe um real
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A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
mascaramento da condição do negro ao afirmar que os estes são diferentes entre si e que
tal diferença é culpada pela sua posição modesta na sociedade brasileira. Ou seja, os
negros estariam para África assim como os índios para o Brasil; são pessoas naturalmente
inferiores e esta “mediocridade existencial” se reflete no “meio”. O mesmo “meio” pobre
que acolheu o barranqueiro.
No entanto, a verdadeira exaltação se dá à condição de país predominantemente
católico e livre de problemas originados por “choques culturais”, como ocorrem, de acordo
com os livros, em outros países.
No meio de tantas diferenças, o Brasil possui dois fortes elementos que
asseguram sua unidade: a religião e a língua, a par da força de seu passado
histórico, que os brasileiros de todas as origens consideram um só. [...] Não
existe aglomerado urbano que não possua seu templo católico. [...] Outro
importante elemento unificador do povo brasileiro é a língua portuguesa, por
todos falada em toda extensão do país. Atualmente, os 70 milhões de brasileiros
aparecem, no Mundo, como o mais poderoso núcleo de habitantes a falar essa
língua (AZEVEDO, 1968, p. 81).
Ademais, nota-se que a participação do negro na formação do povo brasileiro não
é tão saudada quanto à do europeu. A cultura negra presente em hábitos, culinária e
vocabulário não é admirada como é a cultura cristão-ocidental. Assim como não se diz
que “o Brasil tem orgulho dos seus brancos” porque este orgulho já está claro ao aluno,
afinal o país foi “descoberto”, colonizado e é administrado por brancos. O discurso da
unidade precisava, portanto, abraçar também os historicamente renegados, perseguidos e
explorados negros e índios e introduzi-los na marcha pelo progresso.
E) Campo e cidade
As “mentiras que parecem verdades”, terminologia referida anteriormente, também
estão presentes nas abordagens que se referem ao campo e à cidade. Geralmente o campo
é tido como atrasado e grande responsável pelos problemas do país. Já a cidade aparece
como fruto da modernidade, da evolução e da ação planejadora que visa desenvolver o
Brasil. Esta visão, da qual os livros analisados estão impregnados, é fruto da tentativa de
dissociar a imagem do país da sua formação essencialmente agrária. Assim, cito uma
síntese do tratamento dispensado ao meio rural.
A paisagem agrária domina nossas regiões porque nossas estruturas
permanecem atrasadas e para vencê-las dependemos de um planejamento
eficiente e a longo prazo; a técnica agrícola brasileira ainda emprega métodos
antigos e de baixo rendimento; tal forma de aproveitamento agrícola, aliada ao
sistema latifundiário, caracteriza um país mal e irregularmente povoado como
o nosso (RODRIGUES, 1971, p. 99).
Esta exposição (apenas uma dentre várias possíveis) torna visível a abordagem do
campo, denunciando-o como dono de uma estrutura agrária arcaica e conservadora, a
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medida que se observa explícitas as grandes propriedades como a única forma de
manifestação produtiva no campo, enquanto a agricultura familiar é apresentada como
atrasada e incapaz de satisfazer as necessidades econômicas e do povo. Desta forma,
somente a intervenção do governo poderia desenvolver as técnicas agrícolas, uma vez que
os homens do campo, por si só, não eram capazes de se aperfeiçoarem. E este
aperfeiçoamento se daria a partir do instante que os produtos da industrialização chegassem
às propriedades rurais.
A cidade, por sua vez, é vista a partir destas referências como um ambiente oriundo
da própria evolução natural, pois à medida que crescem abandonam a agricultura e se
dedicam à indústria. Esta “evolução natural” da cidade, de acordo com os livros analisados,
leva consigo os ex-agricultores, expropriados de suas antigas propriedades, mas admitidos
nas empresas. Esta condição faria com que a mão-de-obra disponível fosse bem recebida
na indústria e, assim, melhoraria de vida. Verifica-se, ainda, a diferença de abordagem
dispensada ao campo e à cidade quando se confronta a maneira como é avaliada a ocupação
da terra no campo, classificando as propriedades de acordo com o desperdício de terra
(BELTRAME, 1975), enquanto não existe qualquer classificação relativa à cidade de
acordo com sua poluição ambiental.
Além das “diferenças de tratamento” dispensadas ao campo e à cidade, ainda é
possível notar a imagem do trabalhador rural ainda ligada a traços do período da escravidão,
onde o atraso da atividade agrícola é representado pelas figuras do “senhor”, latifundiário
herdeiro e remanescente do período colonial, explorador do trabalho do homem negro,
maltrapilho e descendente dos escravos. As condições de trabalho destes homens denunciam
o atraso da agricultura brasileira.
Sob a ótica do regime, portanto, a cidade é o fruto do trabalho realizado pelo governo.
É a imagem do progresso. O campo, por sua vez é o que de mais atrasado existe no país.
Nem mesmo as relações entre as pessoas se dão no mesmo nível que ocorrem na cidade.
Isto é fruto de um atraso histórico, das técnicas atrasadas e do descompasso com o
desenvolvimento natural do homem, enquanto a cidade e o processo de industrialização
venceram até mesmo a subordinação aos países colonizadores.
Esta evolução natural das exigências humanas, normais aos países que se
alfabetizaram gradativamente, passou a solicitar dos órgãos governamentais
uma série de medidas, visando integrar o homem do campo no desenvolvimento
econômico, social e político de seu país. Iniciaram-se, então, séries de estudos
pelos órgãos de planejamento, buscando não apenas reduzir grandes extensões
latifundiárias pertencentes em sua maioria a poucos proprietários, mas mobilizar
uma assistência técnica, sanitária, educacional e moral ao homem do campo
(RODRIGUES, 1971, p. 47 – 48).
Obviamente, a citação fala de um processo inicial de reforma agrária (até hoje não
realizada). O interessante são os pontos a serem atingidos por esta “reforma”, como
“assistência moral”. Ora, se o homem do campo necessita de uma assistência moral, logo
o aluno poderia concluir que ele não é digno de sua atividade nem de sua existência. A
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crítica freqüente ao latifúndio, não é apenas justificada pela sua (baixa) produção,
mas também porque a reforma agrária é exigida como um passo fundamental a ser dado
pelo país.
Outro ponto importante no que tange a “necessidade de reformular o campo para
adequá-lo à nova fase do país” é o que Marilena Chauí (2000) chama de “superação do
modelo agrário-exportador por um modelo de industrialização”. A classe urbana buscava,
portanto, atrelar a imagem do país à modernidade, à industrialização, à cidade e não mais
ao campo e à agricultura. Enquanto o meio urbano passava por uma revolução, o campo
deveria se modernizar acompanhando o ritmo de desenvolvimento urbano, ou seja, deveria
fazer uso das técnicas modernas de produção e deflagrar a “Revolução Verde”. E assim
como o índio e o negro foram elementos a serem incorporados pela modernização e pelo
progresso do país, o agricultor, fosse praticante de uma agricultura familiar ou latifundiário,
era encarado como alguém “estranho ao sistema” e que deveria ser integrado ao novo
Brasil e à construção da nova potência.
F) As atividades de fixação
Acompanhando as reformas elaboradas para o sistema de ensino e a “modernização”
das técnicas didático-pedagógicas, as atividades propostas pelos livros analisados também
acompanharam tal evolução. Embora os livros 1 e 4 não tragam sugestões de atividades,
as demais obras analisadas trazem uma série de exercícios propostos, sendo inclusive,
duas destas (6 e 7) exclusivamente dedicadas às atividades.
Como já fora mencionado anteriormente, a autora destas obras faz uma alusão à
facilidade de resolução dos exercícios propostos. Esta simplicidade visava satisfazer às
capacidades do aluno, despertar seu interesse e fixar mais eficazmente (e até de maneira
divertida) os conteúdos da disciplina. Contudo, atrás do aparente baixo nível de dificuldade
de execução destas atividades, esconde-se a sua superficialidade de abordagem e total
parcialidade ao evitar, desta maneira, que o aluno possa exercitar seu senso crítico. Os
exercícios (ou atividades) propostos são, portanto, plenamente desenvolvidos no sentido
de reprimir a real compreensão de mundo do aluno. Estão mais para passa-tempo que
propriamente para exercícios didáticos. Integram a lista sugestões de atividades como:
como montar uma bússola, juntar letras dispersas em quadrinhos para formar o nome das
duas grandes potências, palavras cruzadas, caça-palavras, entre outros.
Ora, como é possível desenvolver o senso crítico do aluno resolvendo palavras
cruzadas ou caça-palavras? Mas é possível sim, fixar o conteúdo através deste tipo de
exercício, uma vez que o conteúdo a ser fixado é tão vago quanto a atividade e ainda é
possível distraí-lo e desenvolver seu lado prático produzindo uma bússola artesanalmente.
Claro que não existe problema em se resolver palavras-cruzada, caça-palavras, ou
fazer uma bússola. O problema consiste em retirar as poucas possibilidades que os alunos
das classes subalternas têm para crescerem como seres humanos (sociais e políticos),
para incutir-lhes uma falsa idéia de que a escola moderna “ensina divertindo”. Porém, da
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forma como está exposto, nota-se claramente que a concepção bancária do ensino a que se
referia Paulo Freire fazia uso de outras artimanhas que não apenas despejar e repetir
conteúdos de maneira desconexa sobre os alunos. Fazia uso de elementos que muito
contribuíam para acobertar o verdadeiro foco da educação e que, como atividades didáticas,
eram um bom passa-tempo.
Considerações finais
Na sua “inovadora proposta” de despolitização do ensino, as reformas tiraram da
escola (e das disciplinas estudadas em sala de aula) a sua capacidade de ensinar os alunos
a pensarem e, em troca, não construiu nada que pudesse satisfazer e suprimir seu caráter
acrítico. Hoje se percebe o caráter cada vez mais excludente de uma sociedade que prima
pelo aperfeiçoamento técnico-científico constante, onde as relações humanas de produção
material e histórica são cada vez mais dinâmicas e mais difíceis de se ver e perceber.
Porém, o caráter tecnicista implantado e ainda arraigado na escola e na geografia não
permite que se vislumbre como possa se dar esta “abertura mental” para a realidade. Não
restam dúvidas que, apesar da restrita quantidade de obras e autores analisados, as
semelhanças existentes entre estes são próximas demais para se tratarem de simples
coincidências. Como bem disse Paulo Freire, a educação não é, não foi, nem pode ser
neutra. Ela sim, interessa a alguém e cumpre os objetivos definidos por este “alguém”
(MATURANA, 1998). Se o objetivo do período era difundir a ideologia do Estado forte,
da construção do Brasil Potência, então a educação, a geografia, seriam utilizadas, como
de fato foram, para tal fim. O da manipulação ideológica para se atender aos planos
traçados.
Umberto Eco e Marisa Bonazzi, no livro “Mentiras que parecem verdades” (1980)
fazem uma análise da ideologia, dos preconceitos e anacronismos contidos nos livros
didáticos utilizados nas escolas italianas, elaboram uma concepção sobre tais obras que
pode muito bem ser transposta para o material aqui analisado: “[...] são um instrumento
adequado de uma sociedade autoritária, falsamente otimista, porém com restos rançosos
de um período pré-industrial”. É uma sociedade semelhante a esta, denunciada pelos autores
europeus, que foi a grande responsável pelo Golpe Militar de 1964, que conduziu as
políticas de planejamento para a construção do Brasil Potência e que transformou o sistema
de ensino num mecanismo de dominação e reprodução de exclusão social.
Sendo assim, torna-se cada vez mais esclarecedor o âmago das reformas do ensino.
Esclarece-se de que maneira a concepção bancária do ensino (FREIRE, 1987) foi utilizada
e como o enciclopeditismo da geografia (BRABANT, 2003), aliada ao caráter neopositivista
de tais reformas (TONINI, 2003), foram amplamente úteis para a difusão e inculcação da
ideologia que dominava o país naquele momento. Melhor explicando, segundo Vesentini
(2003), destinada a difundir a ideologia da Pátria e tornar a construção histórica como
algo natural. Ora, ademais de passagens dos livros didáticos analisados, apresentadas e
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A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE
discutidas, que insistentemente apontam os processos históricos como sendo naturais
(logicamente uma idéia contraditória, pois se existe história a ser contada é porque existe
o homem a mudar seu curso constantemente), ainda é possível deparar com a seguinte
frase, que acompanha uma foto panorâmica de Brasília no livro 5: “Seu aparecimento é
quase mágico. Em 1956 não havia nada no local. Em 1960 já havia surgido essa maravilhosa
cidade”.
E assim como a capital tem “um aparecimento quase mágico”, a “descoberta” e a
formação do Brasil são consideradas, sob este ponto de vista, ações que extrapolam as
simples possibilidades e interferências humanas. Tal maneira de apresentar os fatos suprime
da sua responsabilidade a ação humana (e conseqüentemente dos seus interesses
econômicos) e a sua capacidade de intervir no espaço, de alterar os processos (naturais ou
não) e de usar os recursos disponíveis (o homem usando o próprio homem) sob a alegação
do progresso e desenvolvimento de um Estado. Desta forma, pelo bem do Estado, que é a
representação da submissão de muitos em nome do “interesse coletivo”, e condicionando
as alterações previstas pelo projeto Brasil Potência à evolução natural, tem-se a real
dimensão dos recursos e meios utilizados para o exercício do processo de dominação
ideológica da classe dominante sobre a classe dominada.
Portanto, assim como Paulo Freire (2002) afirma que a educação não pode ser
neutra, deve-se olhar para os livros didáticos de geografia elaborados, distribuídos e
utilizados naquele período como os mais “bem desenvolvidos” instrumentos de alienação,
submissão e reprodução de dominação. O que insinua o termo “arregale os olhos para
ver”, não significa que quem olhe tenha que compreender o que está acontecendo; precisa
apenas olhar, admirar e exaltar as maravilhas do país e da “obra divina” operando perante
seus olhos.
Deste modo, vê-se nestas análises o caráter enciclopeditista ao qual foi reduzida a
geografia, rebaixando-a a mera função de disciplina ilustradora de fatos e fenômenos que
poderiam, num futuro próximo, serem apropriados e convertidos de benefícios naturais à
vantagens econômicas e, assim, contribuírem para o progresso do país. Os textos de simples
compreensão, as frases otimistas, a tentativa de superar a formação agrária do Brasil são
constantes que seguem a linha da propaganda do governo e da classe que este representava;
mostra a tendência em urbanizar e industrializar o país e torná-lo desenvolvido seguindo
um conceito de desenvolvimento importado juntamente com o capital e o modelo, ainda
que cobrasse a negação do seu passado histórico.
A escola, ainda hoje, é tida como incapaz de cumprir seu principal objetivo. O de
transformar alunos em cidadãos. A geografia, por sua vez, ainda é considerada uma
disciplina superficial, atrelada aos vícios oriundos da maneira como fora tratada, limitada
simplesmente a responder questões como “o que há em tal lugar (?)”, ou “qual é a capital
deste país (?)”. Não é esta a geografia que a sociedade precisa. E a escola dificilmente se
tornará um ambiente atraente e em sintonia com o constante dinamismo de uma sociedade
pautada por parâmetros cada vez mais carentes de uma identidade local, em detrimento ao
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avanço da “aldeia global”, se mantiver arraigada em suas entranhas uma geografia que já
nasceu condenada à morte. Não como ciência, mas sim como representante de um ranço
de um país de formação colonial, mas que nega seu passado (que continua presente) e que
não vê que toda mudança parte da aceitação e do aprendizado existente da relação entre
erros e acertos.
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Recebido para publicação dia 09 de Maio de 2007
Aceito para publicação dia 14 de Junho de 2007
220
A EDUCAÇÃO DOCENTE:
(RE)PENSANDO AS SUAS
PRÁTICAS E LINGUAGENS
THE TEACHING EDUCATION: RETHINKING THEIR PRACTICES AND
LANGUAGES
LA EDUCACIÓN DOCENTE:
(RE)PENSANDO SUS PRÁCTICAS Y
LENGUAJE
Ângela Massumi
Katuta
Professora Adjunta do
Departamento de Geociências, na
disciplina de Prática de Ensino e
Estágio Supervisionado –
Universidade Estadual de
Londrina/PR
UEL – Campus Universitário;
Centro de Ciências Exatas;
Departamento de Geociências;
Rodovia Celso Garcia Cid (PR 445)
km 380; Caixa Postal 6001,
Londrina/PR; CEP 86051-970.
E-mail: [email protected]
Resumo: Inicialmente, reflito sobre a necessidade da assunção do
inacabamento humano como fundamento das práticas educativas formais
e não formais. Este entendimento permite pensar a educação docente, as
práticas educativas e as linguagens em um contexto formativo amplo, o
que permite romper com as concepções tecnicistas em educação (modelo
da racionalidade técnica), atualmente assumidas em muitos cursos de
formação docente. Em seguida, reflito sobre o caráter triádico das
linguagens – estruturas estruturadas, estruturas estruturantes e
instrumentos de dominação –, e a necessidade da ruptura com uma postura
realista em relação às mesmas, dado que se constituem em expressões
das práxis humanas com o Outro (mundo, ambiência, pessoas) em um
determinado modo de produção e, ao mesmo tempo, auxiliam a constituílas em diferentes contextos sociais e espaço-temporais. Por fim, demonstro
que o repensar e a (re)apropriação das linguagens nas aulas de geografia
devem se realizar em um contexto de transformação epistemológica da
prática docente. Esta deveria acolher a multiplicidade das geografias
vividas-enunciadas pelos sujeitos, isso porque o conhecimento se realiza
em incessantes e infinitos movimentos do pensamento.
Palavras-chave: Ensino de geografia; Inacabamento humano; Formação
docente; Caráter triádico das linguagens; Transformação epistemológica.
Abstract: I initially approach the necessity for the assumption of human
unfinishedness as the basis for formal and non formal educational
practices. Such understanding allows the thinking over teachers’
education, educational practices and languages in a broader formative
context, thus enabling the accomplishment of rupture with technicist
conceptions in education (technical rationality model), presently followed
by many teachers’ formation courses. Then, I present a brief reflection
upon the triadic character of languages – structured structures, structuring
structures and instruments of domination -, and on the necessity of
breaking with a realistic attitude towards them, as they consist of
expressions of human praxis with the Other (world, environment, people)
within a certain production mode and, at the same time, help constituting
them in different social and spatial-temporal contexts. Finally, I show
that re-thinking and re-appropriation of languages in geography classes
should be accomplished in a context of epistemological transformation
of teaching practice. Such practice should welcome the multiplicity of
geographies lived-enunciated by diverse subjects, because the knowledge
is realized by incessant and infinite movements of thinking.
Keywords: Geography teaching; Unfinishedness of human being;
Teachers’ formation; Triadic character of languages; Epistemological
transformation.
Resumen: Inicialmente, reflexiono acerca de la necesidad de asumir la
incompletud humana como fundamento de las prácticas educativas formales y
no formales. Este entendimiento permite pensar a la educación docente, las
prácticas educativas y los lenguajes en un contexto formativo amplio, lo que
permite romper con las concepciones tecnicistas en educación (modelo de la
racionalidad técnica), actualmente asumidas en muchos cursos de formación
docente. A continuación, reflexiono sobre el carácter triádico de los lenguajes –
estructuras estructuradas, estructuras estructurantes y instrumentos de
dominación -, y la necesidad de ruptura con una postura realista en relación a
las mismas, dado que se constituyen en expresiones de las praxis humanas con
lo Otro (mundo, ambiente, personas) en un determinado modo de producción
y, al mismo tiempo, auxilian a constituirlas en diferentes contextos sociales y
espacio-temporales. Por fin, demuestro que el repensar y la (re)apropiación de
los lenguajes en las clases de geografía deben realizarse en un contexto de
transformación epistemológica de la práctica docente. Ésta debería recoger la
multiplicidad de las geografías vividas-enunciadas por los sujetos, eso
porque el conocimiento se realiza en incesantes e infinitos movimientos
del pensamiento.
Palabras clave: Enseñanza de geografía; Incompletud humana;
Formación docente; Carácter triádico de lenguajes; Transformación
epistemológica.
T erra Livre
Presid en te Pru d en te
An o 23, v. 1, n . 28
p . 221-238
Jan -Ju n / 2007
221
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
A educação docente: o inacabamento do ser humano como fundamento das práticas
educativas
“[...] Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da
experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e
homens o inacabamento se tornou consciente.” (FREIRE, 1996, p. 50).
A formação docente sempre foi um campo de disputas, expressão dos históricos
enfrentamentos dos diferentes grupos sociais que se posicionaram e, ainda hoje se
posicionam politicamente em relação a esta questão. Dessa maneira, para refletir sobre a
formação docente no Brasil, a conjuntura na qual a mesma foi formulada deve ser resgatada
porque pode nos auxiliar a compreender essa esfera da ação humana como um campo de
tensões em que distintos projetos societários e de formação docente são defendidos.
O contexto político no qual a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB
nº 9394/96) foi aprovado é rapidamente descrito por Pereira (1999, p. 11) da seguinte
maneira:
Na época, particularmente na América Latina, respirava-se uma atmosfera
hegemônica de políticas neoliberais, de interesse do capital financeiro, impostas
por intermédio de agências como Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional (FMI) que procuravam promover a reforma do Estado [...].
A reforma do Estado à qual o autor se refere, no contexto das políticas neoliberais,
configurou um Estado máximo para as classes sociais hegemônicas e, por conseguinte,
ocorreu a minimização dos seus papéis junto às classes sociais menos privilegiadas. Dessa
maneira, as leis e a lógica do mercado, passam a predominar em todas as áreas, inclusive
na educação que, na atual conjuntura, tem sido alvo de disputas de muitos grupos
corporativos que têm se aproveitado das crescentes demandas por cursos superiores e
técnico-profissionais.
Para Bourdieu (1998, p. 83) “[...] O que está em questão é o papel do Estado [...],
particularmente na proteção dos direitos sociais, o papel do Estado social, único capaz de
contrabalançar os mecanismos implacáveis da economia abandonada a si própria.” Eis o
que as reformas promovidas mundialmente pelo conjunto dos Estados nacionais e
instituições financeiras têm colocado em xeque. É no contexto das políticas neoliberais
que tem ocorrido a diminuição, encurtamento e mesmo eliminação dos direitos arduamente
conquistados pelos movimentos sociais.
A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 (LDB) foi elaborada no contexto da reforma
neoliberal do Estado, fato este que explica, em grande em parte, a sua face conservadora1 .
1
Sobre este assunto ver o livro organizado por Iria Brzezinski (org.) intitulado LDB interpretada:
diversos olhares se entrecruzam (1997). Nele existe um conjunto de textos que analisam a Lei
sob diferentes aspectos que podem auxiliar o leitor a se situar no debate.
222
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
Os elementos progressistas que nela se encontram resultam da participação da sociedade
civil e dos movimentos sociais organizados que, em conjunto, garantiram algumas
modificações no substitutivo Darcy Ribeiro. Daí sua polifonia, especificamente, no que se
refere à formação docente (Título VI - Dos Profissionais da Educação). De acordo com a
análise de Pereira (1999, p. 110):
[...] Nela convivem termos e expressões que contêm idéias inconciliáveis, como,
de um lado, ‘programas de formação pedagógica para portadores de diplomas
de educação superior’, ‘institutos superiores de educação’, ‘normal superior’,
e, de outro, ‘profissionais da educação’ e ‘base comum nacional’.
Segundo o mesmo autor, além da LDB 9394/96, que aponta para uma determinada
política de formação docente, é preciso considerar que nesta também influem as condições
materiais de realização do trabalho docente, especificamente, o aviltamento salarial e a
precariedade do trabalho escolar, elementos estes que concorrem para a desvalorização
social da profissão e dos seus profissionais, além de desmotivar a busca pelo aprimoramento
profissional. Um outro elemento essencial para o entendimento da atual situação da
formação docente é a necessidade do atendimento de uma demanda crescente por
profissionais da educação, sem uma mobilização financeira correspondente, no atual
contexto de diminuição dos investimentos sociais. Em outro artigo intitulado A
Universidade, a Avaliação e a Prática de Ensino (KATUTA, 2003, p. 424) indiquei que,
não por acaso, no contexto do neoliberalismo:
Os investimentos na sociedade são denominados ideologicamente, na atual
conjuntura, como gastos. E portanto, como tendem a ser algo ruim ou pernicioso
para a economia, devem ser socializados, diminuídos ou extirpados. Esta visão
economicista da realidade subsidia a elevação de todos os índices reveladores
da baixa qualidade de vida em que vive a maioria do povo brasileiro.
É a partir da veiculação dos entendimentos ora explicitados que, na perspectiva da
formação docente, se justificam a transformação dos portadores de diplomas de ensino
superior em professores mediante a realização de estudos de complementação pedagógica,
a adoção da capacitação em serviço e das experiências docentes anteriores como capazes
de habilitar o professor que, nesta perspectiva, acaba por tornar-se um profissional cuja
identidade tende a se tornar difusa.
Vale ressaltar aqui, o questionamento feito por Bourdieu (2001, p. 85): “Como não
enxergar que a lógica do lucro, sobretudo a curto prazo, é a estrita negação da cultura, que
supõe investimentos a fundos perdidos, fadados a retornos incertos e não raro póstumos?”.
Em outras palavras: como não enxergar que a lógica do lucro, aplicada à educação, nega
a face emancipadora e revolucionária dos processos educativos, pelo fato destes implicarem
em investimentos de capital financeiro e cultural cujo retorno, além de incerto, se realiza,
223
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
em geral, no médio e longo prazo?
Assim, foi no contexto explicitado anteriormente que se criou um campo de tensões
entre um modelo formativo da Racionalidade Técnica que tende a se perpetuar em função
da conjuntura política e econômica nacional e internacional e, um outro que, fundado em
uma racionalidade prática (Modelo da Racionalidade Prática) e resultante da práxis dos
atores sociais, concebe o professor como um profissional autônomo, que reflete, toma
decisões e cria, isso porque a ação pedagógica é vista como um “[...] fenômeno complexo,
instável e carregado de incertezas e conflitos de valores.” (PEREIRA, 1999, p. 113)
O modelo de racionalidade técnica pode ser caracterizado como aquele em que:
[...] o professor é visto como um técnico, um especialista que aplica com rigor,
na sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento científico e
do conhecimento pedagógico. Portanto, para formar esse profissional, é
necessário um conjunto de disciplinas científicas e outro de disciplinas
pedagógicas, que vão fornecer as bases para sua ação. (PEREIRA, 1999, p.
111-112).
Veja-se que no contexto deste modelo formativo a teoria e a prática, o pensamento
e a ação constituem-se em atividades que se realizam em separado, não possuindo relações
orgânicas entre si. Opera-se assim, uma separação epistemológico-territorial entre o locus
do pensamento (cursos de formação docente) e aquele da ação (escola). É importante
ressaltar ainda que a despeito da ampliação da carga horária do estágio supervisionado
nos cursos de licenciatura que previa, dentre outros, a maior vinculação entre local de
estágio e de formação, em função da pouca valorização da formação de professores em
face do bacharelado, da política de contratação docente nas Instituições de Ensino Superior
tanto públicas quanto privadas, a tendência atual parece ser a da manutenção desta
separação. O posicionamento ora apresentado pode parecer pessimista, contudo, o objetivo
é chamar a atenção para a necessidade de políticas que intensifiquem a relação entre a
formação inicial e a continuada, entre as licenciaturas e o ensino básico, isso se o objetivo
efetivamente for o de aproximação das duas instâncias formativas.
É no contexto do modelo da racionalidade prática que o inacabamento do ser humano
como fundamento das práticas educativas formais e não formais deve ser assumido. Não
se trata, portanto, de afirmar que os docentes são mal formados ou despreparados para a
realização do trabalho em sala de aula, ou para o lidar com outras linguagens que não as
comumente usadas (escrita e matemática) no Ensino Básico.
Trata-se de compreender que, com o processo de globalização, ocorreu uma
intensificação das relações econômicas, sociais, culturais, científicas e políticas de tal
monta e, em um curto espaço de tempo que, o discurso geográfico hegemônico presente
nos livros didáticos, bem como suas linguagens – escrita e cartográfica –, embora
importantes, tiveram explicitados com maior força suas limitações na apreensão,
representação e compreensão do que Lacoste (2004, p. 22-23) denomina de multiplicidade
de interações. São estas que nos dão a sensação de que a Terra encolheu, pois “[...] com
224
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
seis bilhões de pessoas, ela está muito mais ‘cheia’ do que antigamente e [...], entre todos
os países, se multiplicam interações de todo tipo, tanto no plano econômico e financeiro
quanto no político e científico.”
Em outras palavras, as transformações recentes das interações humanas – em
quantidade e em qualidade –, possibilitadas pelo desenvolvimento do meio técnico científico
e informacional, alteraram de tal forma a realidade objetiva que as práticas pedagógicas e
as linguagens, tradicionalmente empregadas no ensino formal da geografia, acabaram por
se tornar ainda mais limitadoras da possibilidade de entendimento das espacialidades
hodiernamente engendradas. Por quê?
Porque a geografia ainda hoje veiculada pela escola funda-se no discurso da
identidade, da homogeneidade dos espaços em função da
“[...] assunção, pela escola de massas, das ontologias e epistemologias
hegemônicas fundadas na metafísica - separação entre o sujeito e o objeto, o
espaço e o tempo, entre sujeito, espaço e tempo, a sociedade e a natureza, a
dimensão individual e social etc. - [...]”. (KATUTA, 2004, p. 244).
Eis o processo por meio do qual os educadores, a disciplina de geografia e suas
linguagens auxiliam no processo de (re)produção das relações de produção, dado que,
quando da eliminação da diferença, contribuem para a construção do que Deleuze e Guattari
(2002) denominam de subjetividade capitalista.
O que fazer então? Ao meu ver, Marx e Engels (1977, p. 12) em A Ideologia Alemã
explicitam um entendimento que, não por acaso, escapou ao modelo da racionalidade
técnica. Isso porque o fundamento desta última é metafísico, ou seja, separa o que é
ligado. Assim, o pensamento pedagógico tecnicista constitui-se separadamente da prática
educativa, dado que é construído a despeito do local, contexto social e histórico de sua
realização.
A doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educação
esquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio
educador deve ser educado. [...] A coincidência da modificação das
circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio pode ser
apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária
(LEFEBVRE, 1991, p. 53).
O capitalismo, em escala planetária, alterou o valor e o trabalho por meio da
dissolução, substituição e (re)criação de relações que o mesmo estabelece com as
populações. As circunstâncias de sua realização foram, portanto, alteradas:
‘O capitalismo não subordinou apenas a si próprio sectores exteriores e
anteriores: produziu sectores novos transformando o que pré-existia, revolvendo
de cabo a rabo as organizações existentes.’ (LEFEBVRE apud MOREIRA,
1999, p. 54). [...] Polissemias do valor, abrindo para a surgência, até então
estancada, de todas as diferenças: sociais [...], de corpo [...], de gênero [...], de
alteridade [...], de multiculturalismo [...] Diferenças do ente. Do homem como
225
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
condição da adaequatio do ser e dos entes. (MOREIRA, 1999, p. 54)
No contexto do entendimento ora assumido, com a alteração das circunstâncias de
realização da (re)produção do capital, portanto, com a reinvenção (polissemização) do
trabalho – “[...] do valor-trabalho, do mundo do trabalho, e assim, dos sujeitos do trabalho.”
(MOREIRA, 1999, p. 54) – ocorre a polissemização do espaço.
Como entender esse espaço, ontologicamente fundado na diferença, por meio de
práticas e linguagens centradas no discurso da identidade? Acreditando ser isso impossível,
defendo aqui uma necessária transformação epistemológica da prática docente que permitiria
ampliar o rol de linguagens usadas no ensino da geografia.
Em minha tese de doutoramento defendo que a ruptura entre a geografia dos grupos
hegemônicos que tem tido freqüente assento na sala de aula e, aquela realizada
cotidianamente pelos sujeitos, engendra o processo de “estrangeirização” ou alienação
dos alunos. Isso porque a primeira permite, sobretudo por meio da produção da ignorância
quanto ao entendimento da organização do espaço, a (re)produção do mesmo pelo capital.
Trata-se, pois, de assumir o inacabamento humano e, conseqüentemente, do educador.
Compreendo que é nesta perspectiva que se pode constituir práticas pedagógicas em
geografia que objetivem a apreensão, (re)apresentação e compreensão de um espaço
compreendido enquanto coabitação tensa da diferença e da unidade (MOREIRA, 1999, p.
55). Como fazer isso? Por meio da apropriação das mais diversas linguagens que apresentam
o espaço em sua identidade e diferença, em sua homogeneidade e heterogeneidade.
Aqui, vale a pena resgatar Lacoste que nos chama a atenção para a necessidade de
(re)significarmos o grapheim da Geografia (Geo = Terra, grapheim = escrever, desenhar)
no atual contexto:
Tal como eu a concebo, a geografia [...] significa, é claro, representar
a Terra e principalmente representar tudo o que acontece nela. Não
se trata apenas de representar nos mapas as terras e mares, as
configurações espaciais particulares de todos os tipos de fenômenos.
Creio que é preciso também levar em conta as idéias, as
representações que cada um de nós pode fazer daquilo que se passa
na superfície do globo. É possível, portanto, reapresentar
representações – não se trata de um pleonasmo –, e isso torna-se
tanto mais necessário quanto, com o desenvolvimento da democracia
e com a influência cada vez mais considerável da mídia,
representações subjetivas e impregnadas de parcialidade decidem
em grande parte as opções e os temores da opinião pública.
Particularmente, é esse o caso quando se trata da globalização. (Grifo
nosso). (LACOSTE, 2004, p. 21).
Em que pese o fato de que as representações subjetivas são tecidas na tensão dialética
entre o individual e o social, é possível afirmar que o autor explicita o que deve ganhar
espaço em sala de aula, na perspectiva de um ensino de geografia que aponte para a
democratização das interações econômicas, sociais, culturais, científicas, políticas, entre
226
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
outras: as representações geográficas dos diferentes sujeitos.
Segundo Elias (1994, p. 100):
[...] os indivíduos não são livres de proferir todos os sons lingüísticos que
desejam. Para serem compreendidos, precisam de usar a mesma língua que os
membros do seu grupo utilizam. Assim, uma língua tem um grau de autonomia
em relação a qualquer indivíduo que fala. No entanto, ela existe somente se for
falada por seres humanos.
Dessa maneira, verifica-se a necessidade da interação dialética entre as
representações e linguagens utilizadas cotidianamente pelos alunos com aquelas
disseminadas pela escola. É por meio desta interação que ocorre a (re)construção de
conhecimentos, representações e linguagens do sujeito cognoscente que deve ser
compreendido em sua dimensão triádica. Lefebvre explicita adequadamente esta dimensão
(biológica e social e individual) no processo cognitivo:
[...] O ‘mundo’ chega a esse ‘eu’, que sou eu, por dois caminhos: a história
inteira, o passado o tempo biológico e social – e a biografia individual, o tempo
singular. Por um lado, um infinito, uma ordem longínqua. Por outro, uma
ordem próxima, o finito, minha finitude. Minha ‘presença’. Não seria essa
dupla determinação do ‘meu’ ‘ser humano’, de minha ‘subjetividade’?
(LEFEBVRE, 1991, p. 23-24).
Com base no exposto pode-se afirmar que é preciso trazer para o chão da escola,
para o território da educação formal a dimensão das singularidades e particularidades por
meio das quais o conhecimento se realiza quando do processo de sua generalização. Partir
do singular, do particular para o geral, por meio de abstrações, supõe assumir que o
conhecimento somente se realiza neste movimento infinito:
É assim que avança o conhecimento, que não é uma revelação num dado
instante, nem mesmo uma marcha linear e simples da ignorância ao
conhecimento, mas uma estrada cheia de complicados meandros, que
acompanha os acidentes do terreno sobre o qual ela passa e que, por vezes,
deve voltar atrás. É apenas uma estrada, um caminho que passa através da
natureza; mas como diz Hegel numa fórmula singular e profunda, é um caminho
que se faz a si mesmo. (LEFEBVRE, 1991, p. 49).
Se, como defende Lefebvre (1991, p. 287) “[...] Antes de elevar-se ao nível teórico,
todo conhecimento começa pela experiência, pela prática.”2 , faz-se necessário, para
compreender os espaços polissêmicos, engendrados por sujeitos também polissêmicos,
apreendê-los por meio das representações e linguagens que, por meio da abstração, ou de
aproximações possíveis do objeto permitam a realização do conhecimento aqui
2
“[...] é precisamente a modificação da natureza pelo homem – e não a natureza enquanto tal,
tomada isoladamente – que é o fundamento próximo e essencial do pensamento humano; foi
na medida em que o homem aprendeu a modificar a natureza que seu pensamento cresceu.”
(LEFEBVRE, 1991, p. 245).
227
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
compreendido como:
[...] o processo pelo qual o pensamento se aproxima infinita e eternamente do
objeto. O reflexo da natureza no pensamento humano não deve ser compreendido
de modo morto, de modo abstrato, sem movimento, sem contradições, mas sim
no processo eterno do movimento, do nascimento das contradições e de sua
resolução... [E Lênin observa:] A idéia tem em si a oposição mais violenta [...]
O homem cria eternamente essa oposição do pensamento e do objeto e a supera
eternamente. (LEFEBVRE, 1991, p. 287).
Na perspectiva da problemática que vimos abordando, trata-se de (re)pensar
as práticas docentes com as linguagens pois “[...] tudo o que pode fazer é
aproximar-se eternamente dessa totalidade, criando abstrações, conceitos, leis,
uma figuração científica do universo, etc.” (LEFEBVRE, 1991, p. 276).
As linguagens como práxis humana: estruturas estruturantes, estruturas estruturadas
e instrumentos de dominação
“Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda assim,
trata-se de um terreno que não pode ser chamado de ‘natural’ no sentido usual
da palavra: não basta colocar dois homo sapiens quaisquer para que os signos
se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente
organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema
de signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar,
mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e
social.” (BAKHTIN, 1997, p. 35).
A relação que os educadores possuem com as linguagens e, especificamente, os da
geografia tende, via de regra, para o naturalismo. Em outras palavras, os mesmos acreditam
que inexistem diferenças entre o pensamento e fala, sendo esta última expressão direta do
primeiro. Some-se a esta compreensão a crença de que, independentemente dos grupos
sociais, as conexões entre pensamento e fala são idênticas em todos os grupos humanos.
Verifica-se que, subjacente a tais entendimentos, reside a crença de que os significados das
palavras não se alteram social e espaço-temporalmente.
O entendimento ora explicitado tem como fundamento a crença na “[...] possibilidade
do estabelecimento de leis gerais e generalizações à luz das regularidades, cujos fundamentos
metateóricos são as idéias de ordem e de estabilidade do mundo e a de que o passado se
repete no futuro, característico do pensamento científico moderno.” (SANTOS, B. 2000,
apud KATUTA, 2004, p. 141). Os estudos e debates ligados às questões referentes à
linguagem expressam estes entendimentos e são também expressões dos mesmos.
Em sala de aula, estas crenças se explicitam na prática pedagógica do professor
quando, ao usar determinadas linguagens (cartográfica, escrita, fílmica, gráfica, fotográfica,
musical, entre outras), este lida com as mesmas como se fossem reproduções do real e não
suas apresentações ou versões sempre elaboradas na perspectiva de cada um de seus
produtores. É importante esclarecer que estou empregando a palavra realismo na perspectiva
228
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
do uso que, em geral, os educadores fazem das linguagens. Para uma parte significativa
dos referidos sujeitos sociais as linguagens representam a realidade de maneira fidedigna.
Esse habitus3 realista com relação às linguagens torna-se um obstáculo epistemológico
ao professor e, portanto, aos alunos que, em geral, acabam por aprender e, dessa maneira,
passam a manter a mesma relação que os seus mestres com o objeto ora em foco. Neste
contexto de uso das linguagens, o caráter triádico das mesmas fica oculto, sendo então
desconsiderado, em grande parte em função do tipo de relações que esses grupos sociais
com elas mantém.
Destaco que estou partindo do pressuposto que o professor ensina muito mais do
que conhecimentos e conceitos. Um conjunto de habitus também é ensinado na escola,
apesar de o mesmo também ser aprendido no âmbito da educação não formal. Para Bourdieu
(1997, p. 42):
Os ‘sujeitos’ são, de fato, agentes que atuam e que sabem, dotados de um senso
prático [...], de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e
divisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivas
duradouras (que são essencialmente produto da incorporação de estruturas
objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a
resposta adequada. O habitus é uma espécie de senso prático do que se deve
fazer em dada situação.
As linguagens, na perspectiva esboçada, tornam-se entes com vida própria, cuja
função é representar o real tão fidedignamente quanto possível. É neste contexto que os
mapas são usados para “mostrar como são os lugares ou para concretizá-los”, que filmes
ou documentários são exibidos para mostrar a realidade de determinados grupos sociais,
fatos ou territórios, ou como era um determinado sujeito, que letras de canções são usadas
a fim de mostrar como são os lugares, fatos e pessoas, que poesias e prosas são utilizadas
como meros complementos descritivos do real. Tais práticas deslocam as linguagens de
seus contextos de realização, tornando-as neutras, livres de quaisquer determinações sociais
e políticas. Esta compreensão constitui-se em um núcleo gerador de compreensões
equivocadas acerca do real, daí seu caráter de obstáculo epistemológico.
Os entendimentos esboçados desconsideram o fato de que as linguagens são,
concomitantemente:
- estruturas que permitem a estruturação de nossos pensamentos (estruturas
estruturantes), ou seja, uma parte deles ganha expressão por meio das linguagens;
- estruturas produzidas social e espaço-temporalmente pelos mais diversos grupos
humanos (estruturas estruturadas). Nascemos em uma comunidade lingüística e
compartilhamos-disseminamos, para além dos léxicos, símbolos e signos produzidos pela
mesma, inclusive, seus habitus lingüísticos e cognitivos;
- instrumentos de dominação, ou seja, dependendo do uso que delas se faz, podem
3
Expressão esclarecida nos parágrafos que seguem.
229
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
estar a serviço da dominação de determinados grupos sociais por outros. É preciso salientar
que as linguagens não possuem poder de dominação em si e per si, são os seres humanos
que, por meio delas, estabelecem relações sociais de dominação.
A característica triádica das linguagens deve ser trabalhada na escola e, sobretudo,
nos cursos de formação de professores porque auxiliaria no equacionamento dos obstáculos
epistemológicos engendrados em função de uma postura realista que, por não ser
problematizada nos processos formativos são ainda hoje lugares comuns. Eis um dos
papéis fundamentais da escola em uma sociedade em que os processos comunicativos e,
conseqüentemente, as linguagens atingiram um patamar de desenvolvimento, especialização,
uso e disseminação sem precedentes na história da humanidade.
Educar os alunos para entenderem as diferentes linguagens e seus sujeitos
enunciadores, explicitando seu caráter triádico, constitui-se, nos dias de hoje, em uma
condição fundamental para que os mesmos possam conquistar sua autonomia de pensamento
no atual contexto do desenvolvimento do capital. Atualmente, a velocidade e diversidade
de meios para disseminação das informações, dos conhecimentos, dos processos
comunicativos tornaram-se centrais ao processo de sustentação e (re)produção do
capitalismo em sua face globalizada. Por isso, já dizia Paulo Freire (1996, p. 123-124):
“Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de
conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua
comunicabilidade.”
As linguagens, como todo e qualquer produto humano, são expressões das relações
dos grupos sociais que as criaram e, ao mesmo tempo, auxiliam em sua (re)produção. Por
isso, pode-se afirmar que as mesmas constituem-se também em práxis humanas, daí
auxiliarem, dependendo do uso que delas for feito, na (re)produção do espaço para e do
capital. É o que demonstro no item que segue.
O repensar e a (re)apropriação das linguagens enquanto expressão da transformação
das práticas docentes: assunção da multiplicidade dos sujeitos enunciadores e suas
geografias
“O desrespeito à leitura de mundo do educando revela o gosto elitista, portanto
antidemocrático, do educador que, desta forma, não escutando o educando,
com ele não fala. Nele deposita seus comunicados. Há algo ainda de real
importância a ser discutido na reflexão sobre a recusa ou respeito à leitura de
mundo do educando por parte do educador. A leitura de mundo revela,
evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se
constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio
processo de assimilação da inteligência do mundo.” (FREIRE, 1996, p. 123).
Considerando o caráter triádico das linguagens e a maneira realista com que, via de
regra, os educadores com elas se relacionam, entendo que o repensar e a (re)apropriação
das linguagens pelos sujeitos sociais em questão deve ser antecedida de uma transformação
de suas práticas pedagógicas ancorada, obviamente, em uma necessária transformação
230
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
epistemológica.
Com isso, não estou querendo afirmar que a transformação da prática pedagógica
docente deve ser antecedida pelas teorias. Ao contrário, é o trabalho realizado em sala de
aula com as diferentes linguagens que irão demandar determinados conhecimentos e
transformações epistemológicas que, por sua vez, auxiliarão a fundar uma prática docente
que considere a prática e a teoria como duas faces da mesma moeda. Isto já bem observou
Lefebvre (1991, p. 49-50):
[...] o conhecimento é prático. Antes de elevar-se ao nível teórico, todo
conhecimento começa pela experiência, pela prática. Tão-somente a prática
nos põe em contato com as realidades objetivas. [...] Em segundo lugar, o
conhecimento humano é social. Na vida social, descobrimos outros seres
semelhantes a nós; eles agem sobre nós, nós agimos sobre eles e com eles.
Estabelecendo com eles relações cada vez mais ricas e complexas,
desenvolvemos nossa vida individual; conhecemos tanto eles quanto nós
mesmos. [...] o conhecimento humano tem um caráter histórico. [...] Há que
partir da ignorância, seguir um longo e difícil caminho, antes de chegar ao
conhecimento. O que é verdadeiro para o indivíduo é igualmente verdadeiro
para a humanidade inteira: o imenso labor do pensamento humano consiste
num esforço secular para passar da ignorância ao conhecimento. A verdade
não está feita previamente; não é revelada integralmente num momento
predestinado. Na ciência, tal como no esporte, por exemplo, todo novo resultado
supõe um longo treinamento; e todo novo desempenho, todo melhoramento de
resultados, são obtidos de modo metódico.
É na lida cotidiana docente com as diferentes linguagens que os desafios inerentes à
sua (re)apropriação e repensar comparecerão. Daí a necessidade de o professor ter uma
postura investigativa com relação à própria prática pedagógica, caso contrário, suas ações
em sala de aula correm o sério risco de se tornarem difusas ou empobrecidas na medida
em que acabam por se encerrarem em si. Isto pode ocorrer quando o uso das linguagens se
realiza de maneira aleatória, apenas para tornar a aula menos maçante ou cansativa.
Pereira (1999, p. 118) define o educador investigador da seguinte maneira: “[...] um
profissional dotado de uma postura interrogativa e que se revele um pesquisador de sua
própria ação docente.”
Vale a pena alertar para o fato de que, inerente à prática descrita, existe uma
crença de que são as metodologias ou as linguagens usadas pelo educador que têm o poder
de transformar as suas aulas. O equívoco desta postura tem como fundamento a fetichização
e reificação das metodologias e linguagens. Em outras palavras, deposita-se uma crença
no objeto, dotando-o de características mágicas e esquece-se do fato de que o determinante
nesta questão é a relação que os sujeitos irão estabelecer com as mesmas.
O que se quer aqui evidenciar é que o repensar e a (re)apropriação das linguagens
devem ser realizados a partir do trabalho em sala de aula que, por sua própria característica,
como afirmei anteriormente, é um fenômeno complexo, instável, eivado de incertezas e de
conflitos culturais, de valores, de entendimentos de mundo, entre outros. E, enquanto tal,
231
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
deve ser constantemente debatido em fóruns educacionais mais amplos. Trata-se de assumir,
portanto, que os saberes sobre as linguagens aplicados à sala de aula devem ser construídos
coletiva e cotidianamente na lida do trabalho educativo.
Se, como já apontava Freire (1996, p. 123-124), a tarefa maior da escola, portanto,
dos professores é o trabalho com a inteligibilidade e comunicabilidade das coisas do e no
mundo, é preciso que se assuma que as linguagens constituem-se em elementos importantes
para que o objetivo maior da educação formal se realize.
Luria (1988, p. 51-52) em suas pesquisas verificou que pessoas sem instrução
usam a linguagem em sua função mnemotécnica (de memorização) “[...] apenas para
ajudá-las a relembrar e reunir os componentes da situação prática mais do que para permitir
que formulem abstrações ou generalizações.” Este uso aponta para uma concepção de
linguagem realista enquanto reprodução exata do real, relação que também os povos
primitivos nutriam com ela.
Pessoas instruídas ou com algum grau de instrução utilizam a palavra para codificar
objetos em esquemas conceituais, daí serem capazes de executar um pensamento lógico
mais complexo. Eis o foco do trabalho do professor.
Ao lidar com diferentes linguagens o educador deve compreender que se tratam de
distintos modos de semiotização, dentre os quais inexiste a possibilidade de julgar uns
como sendo melhores que outros. A escolha dos tipos de linguagens por meio das quais o
professor trabalhará os conteúdos irá depender de seus objetivos pedagógicos.
Cada linguagem nos permite construir uma rede de coordenadas semióticas – redes
de significados e significações, que nos localizam e orientam em nossas ações. Assim,
cada uma captura aspectos do real permitindo a sua racionalização. Daí Wittgenstein
(1995, p. 375) afirmar que uma forma de expressão inapropriada conduz à confusão e à
imobilidade:
<<Assim uma pessoa que não aprendeu uma linguagem não pode ter certas
recordações?>> Certamente – não pode ter recordações verbais, não pode
verbalizar desejos ou medos, etc. E recordações, etc., verbais não são apenas as
representações coçadas das experiências realmente vividas: pois não é a
linguagem também uma vivência? (WITTGENSTEIN, 1995, p. 486).
No caso específico do ensino da geografia com quais linguagens trabalhar? Será
que existem umas mais propícias que outras? Se, como afirma Lefebvre (1991, p. 34) as
linguagens têm uma origem tópica, ou seja, se originaram a partir das ações que os grupos
humanos estabeleceram no meio ambiente e entre si, pode-se afirmar que todas elas podem
ser utilizadas, desde que o professor tenha clareza de seus objetivos pedagógicos.
No começo era o Topos. E o Topos indicava o mundo, pois era lugar; não
estava em Deus, não era Deus, pois Deus não tem lugar e jamais o teve. E o
Topos era o Logos, mas o Logos não era Deus, pois era o que tem lugar. O
Topos, na verdade, era poucas coisas: a marca, a re-marca. Para marcar, houve
traços dos animais e de seus percursos; depois sinais: um seixo, uma árvore,
232
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
um galho quebrado, um cairn4 . As primeiras inscrições, os primeiros escritos.
Por pouco que fosse, o Topos já era o ‘homem’. Assim como o sílex seguro pela
mão, como a vara erguida com boa ou má intenção. Ou a primeira palavra: o
Topos era o Verbo; e algo mais: a ação, ‘Am Anfang war die Tat’ [No princípio
era a ação, traduzido por Douglas Santos (1997)]. E algo menos: o lugar, dito
e marcado, fixado. Assim, o Verbo não se fez carne, mas lugar e não-lugar.
(LEFEBVRE, 1991, p. 34).
Para Ostrower (1998, p. 173) o pensamento e a imaginação nas pessoas realizamse mediante imagens de espaço. Em outras palavras, estas imagens são o fundamento de
nosso pensamento e imaginação. Daí a importância do uso das diferentes linguagens no
ensino da geografia, estas viabilizam a produção de representações e imagens do espaço,
sejam elas cartográficas, escritas, ou artísticas em geral.
Parafraseando as sábias palavras de Lefebvre (1991, p. 34):
No começo era o Topos, que era e ainda é ou são “as coisas no mundo” e as
“coisas do mundo” e que nele têm lugar. Coisas olhadas, sentidas, tocadas,
discernidas do não-eu, marcadas, vistas, usadas, nominadas, denominadas,
dominadas porque necessárias na e para a ação, para a sobrevivência humana,
e hoje, para a produção de excedentes por muitos para o usufruto de poucos.
Das relações dialéticas engendradas entre o topos e as ações humanas surge a
linguagem, estrutura estruturante e estruturada, coroamento do domínio relativo
dos seres humanos em relação aos outros elementos da natureza. (KATUTA,
2004, p. 224-225).
É preciso salientar que existe uma linguagem específica que não pode ser
desconsiderada no processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos geográficos: a
linguagem cartográfica. Este meio de comunicação permite apreender as espacializações
dos fenômenos, bem como possibilita pensar em explicações para as mesmas em diferentes
níveis escalares. Contudo, apenas esta linguagem não dá conta da polissemia dos fenômenos
geográficos, pois diversos são os grupos sociais bem como as suas geografias. Há que,
como afirma Moreira (1999, p. 54), polissemizar a diferença, instituir a dialética da
identidade-diferença na geografia. Para tanto há que: “[...] rever o modo de ser representação
[...], num outro que combine heterogêneo e homogêneo sem que a diferença desapareça na
homogeneidade-identidade por um ardil formal da razão.”
É preciso então:
[...] dialogizar a dupla direção do olhar: da identidade para a diferença, da
diferença para a identidade. De reatar a dialética das significações múltiplas,
do significado que também é significante, da identidade que também é diferença,
da ausência que também é presença, do homogêneo que também é heterogêneo.
(MOREIRA, 1999, p. 55).
4
Amontoado de pedras na forma de cone, feito por diferentes grupos humanos para indicar
lugares conhecidos , marcos ou mesmo uma tumba. Grifo da autora.
233
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
É interessante notar que o entendimento de Moreira (1999) acerca da representação
está muito próximo da concepção que Lefebvre (1983) explicita em sua obra: La presencia
y la ausencia: contribucion a la teoria de las representaciones. Ao enfatizarem o
movimento no processo de conhecimento, identificam a necessidade da dialetização dos
significados que também são significantes (grade da linguagem), das identidades que são
também diferenças, da ausência que é presença, do homogêneo que é também heterogêneo:
“[...] el espacio así concebido se define como juego de las ausencias y las presencias,
representadas por la alternancia de las sombras y de las claridades, de lo luminoso y de lo
nocturno. Los ‘objectos’ en el espacio simulan la aparición y la desaparición más profundas
de las presencias.”5 (Lefebvre, 1983, p. 261).
Inexiste linguagem que dê conta das múltiplas determinações das espacialidades
humanas, elas não se sobrepõem, antes se justapõem formando um mosaico passível de
ser capturado por nossa racionalidade em distintas espaço temporalidades, por meio das
mais diversas linguagens. Estou assumindo e apontando aqui a importância de uma
geografia que parta de uma ontologia do objeto que tenha como fundamento a dialética da
identidade-diferença: “[...] Um objeto qualquer é o mesmo e, não obstante, jamais é o
mesmo: pequeno ou grande, conforme se afaste ou se aproxime, e rico de aspectos diversos.”
(LEFEBVRE, 1991, p. 69).
“Cada época deve esforçar-se por organizar, sistematizar numa ‘síntese’, o conjunto
dos conhecimentos sobre a natureza. Mas nenhuma dessas sínteses pode se pretender
definitiva.” (Lefebvre, 1991, p. 67). Isso porque inexistem verdades absolutas,
transcendentais. A racionalidade opera a partir do caos sob a forma de uma síntese
organizadora que varia de acordo com o modo de produção e as relações sociais entre os
diferentes sujeitos. Contudo, nunca devemos nos esquecer que a ação com e no mundo,
com os objetos antecede toda e qualquer racionalidade: “[...] Esse trabalho de organização
é, inicialmente, um trabalho prático. O mundo humano organizado, o mundo da percepção,
dos objetos determinados, é produto do trabalho e não produto do ‘espírito’.” (Lefebvre,
1991, p. 69).
Nem identidade que promova o estancamento do discurso geográfico acerca do
mundo na homogeneidade do objeto e, muito menos, diversidade que estanque na
imediaticidade do sensível, do percebido. Em outras palavras, não se trata de defender o
discurso generalista e abstrato da velha fórmula geográfica N-H-E (natureza, homem,
economia). Moreira (1993, p. I) faz contundentes críticas àquele ensino da geografia que
reduz as espacialidades à fórmula colocada que pode ser explicitada da seguinte maneira:
“[...] Primeiro descrevemos a natureza, depois a população e por fim a economia. Às
vezes alternamos a ordem seqüencial.” Esta é a fórmula geográfica utilizada na maioria
das salas de aulas, e que, não por acaso, podemos ver seus registros em uma parte
5
“O espaço assim concebido se define como jogo das ausências e presenças, representadas pela
alternância das sombras e claridades, do luminoso e do noturno. Os ‘objetos’ no espaço simulam
a aparição e o desaparecimento mais profundo das presenças.” (Tradução da autora).
234
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
significativa dos livros didáticos de geografia.
Também não se quer aqui defender as práticas pedagógicas que valorizam apenas a
dimensão da percepção e da sensibilidade dos saberes geográficos cotidianos dos alunos,
pois, como afirma Lefebvre (1991, p. 111) o sensível: “[...] não representa mais que uma
apreensão global, confusa, não analisada e ‘sincrética’ (como diz a psicologia) do real
concreto. Por conseguinte, permanece abstrata.”
Eis o divisor de águas entre epistemologias da geografia que ora estancam no discurso
da generalidade, ora no da singularidade e uma outra que se funda no movimento do entre
estas instâncias ou momentos distintos do conhecimento. As duas primeiras têm como
fundamento a abstração, dado que estancam o movimento do conhecimento ora num pólo
ora noutro.
Assim, o que efetivamente caracteriza o conhecimento é o movimento que vai do
singular, do particular até chegar ao geral para, incessante e infinitamente, retornar ao
singular e assim por diante. Lefebvre denomina este movimento de ritmo do conhecimento
que descreve da seguinte maneira:
Parte do concreto, global e confusamente apreendido na percepção sensível, e
que se apresenta, portanto, sob esse aspecto, como primeiro grau de abstração;
caminha através da análise, da separação dos aspectos e dos elementos reais do
conjunto, através, portanto, do entendimento, de seus objetos distintos e de
seus pontos de vista abstratos, unilaterais; e, mediante o aprofundamento do
conteúdo e da pesquisa racional, dirige-se no sentido da compreensão do
conjunto e da apreensão do individual na totalidade: no sentido da verdade
concreta e universal. (LEFEBVRE, 1991, p. 116).
É a perspectiva de que o conhecimento se realiza no movimento de passagem do
singular, para o particular a fim de chegar ao plano da generalidade, que pode permitir
uma transformação epistemológica necessária para o repensar e a (re)apropriação das
linguagens, enquanto expressões do fenomênico em múltiplas escalas. Em outras palavras,
ao conceber o conhecimento enquanto movimento que parte do singular, passa pelo
particular para chegar ao geral, abre-se espaço nas aulas para as geografias vividas pelos
alunos – emergência do espaço da diferença!, bem como para outras linguagens enquanto
meios de registro das múltiplas espacialidades criadas e vivenciadas por outros grupos ou
classes sociais.
As letras das canções, as poesias, as prosas, as pinturas, as histórias em quadrinhos,
os filmes, as telenovelas, entre outros, apresentam as espacialidades vivenciadas pelos
diferentes grupos sociais. São formas de registro das geografias de cada um de nós, daí a
importância das mesmas serem repensadas e (re)apropriadas pelos professores da disciplina
em questão.
Via de regra, essas linguagens abordam as singularidades das espacialidades
vivenciadas pelos sujeitos, por isso, seu uso no primeiro movimento do conhecimento é
plenamente justificável, contudo, não pode nele estancar. É neste contexto que o discurso
235
KATUTA, A. M.
A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO...
da particularidade e da generalidade tornam-se relevantes, porque se realizam enquanto
ponto de chegada provisória do pensamento que se movimenta da diferença para a identidade
e desta para a diferença.
Resgata-se, nessa perspectiva, o respeito defendido por Paulo Freire (1996) à leitura
de mundo do educando que, nesta relação pedagógica, deixa de ser mero depositário dos
conhecimentos do professor. O aluno torna-se, juntamente com o educador, um dos sujeitos
enunciadores dos saberes geográficos6 que vivencia cotidianamente.
Finalizo a presente reflexão com um sábio alerta do pedagogo:
[...] Respeitar a leitura de mundo, do educando não é também um jogo tático
com que o educador ou educadora procura tornar-se simpático ao educando. É
a maneira correta que tem o educador de, com o educando e não sobre ele,
tentar a superação de uma maneira mais ingênua por outra mais crítica de
inteligir o mundo. Respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-la
como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo
geral, e da humana, de modo especial, como um dos impulsos fundantes da
produção de conhecimento. É preciso que, ao respeitar a leitura do mundo do
educando para ir mais além dela, o educador deixe claro que a curiosidade
fundamental à inteligibilidade do mundo é histórica e se dá na história, se
aperfeiçoa, muda qualitativamente, se faz metodicamente rigorosa. E a
curiosidade assim metodicamente rigorizada faz achados cada vez mais exatos.
No fundo, o educador que respeita a leitura do mundo do educando, reconhece
a historicidade do saber, o caráter histórico da curiosidade, assume a humildade
criticam própria da posição verdadeiramente científica. (FREIRE, 1996, p.
122-123).
Eis a transformação epistemológica que deve ser o fundamento do repensar e da
(re)apropriação das linguagens nas aulas de geografia. Resgatar a multiplicidade dos
sujeitos enunciadores dos saberes geográficos, portanto, de suas geografias deve nortear o
uso de toda e qualquer linguagem na referida disciplina.
Conclusões
Com base no exposto, compreendemos que a educação do docente de geografia
deve ser repensada, principalmente no que se refere às relações que o mesmo mantém com
a cartografia em particular e, de modo mais ampliado, com as outras linguagens. Não se
trata aqui de acusar os docentes da referida disciplina de ter uma relação simplista com
este instrumento do pensamento. Trata-se antes de assumir, por um lado, o inacabamento
do ser humano enquanto fundamento das práticas educativas em todos os níveis e
modalidades de ensino e, por outro, a inesgotabilidade do processo de construção de
conhecimentos, sendo as linguagens elementos fundamentais para que este último ocorra.
6
Aqui geografia está sendo entendida em um amplo sentido, ou seja, como o conjunto das
relações que o sujeito estabelece com o espaço e o grupo social com quem convive.
236
Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007
Assim, quanto mais linguagens se utilizam e dominam, mais ampla tende a ser a
compreensão do mundo pelos sujeitos, isso porque cada uma delas apresenta o real a
partir das especificidades de sua sintaxe, de seu modo de dizer sobre as coisas do e no
mundo.
A ampliação do conjunto de linguagens utilizadas nas aulas de geografia é
fundamental para que a análise do mesmo fenômeno em múltiplas escalas ocorra. Assim,
um mesmo tema, ao ser apresentado em um mapa, em uma foto ou pintura, em uma
crônica ou letra de canção, é passível de ser compreendido nas várias escalas em que
ocorre. Dessa maneira, acaba por congregar um conjunto de características que passariam
desapercebidas em entendimentos mais simplistas, reduzidos a apenas uma escala de análise,
fundado na homogeneidade. Como conseqüência destas múltiplas apreensões, pode-se
afirmar que é também por meio do uso de várias linguagens que a ontologia dos objetos
estudados pela geografia ganha maior amplitude, também porque enunciada por diferentes
sujeitos. É neste contexto de uso de linguagens que a multiplicidade dos sujeitos enunciadores
ganha espaço nas aulas de geografia, cria-se, portanto, a possibilidade da compreensão
dos lugares por meio de um olhar que se situa entre a diferença e a homogeneidade, entre
a singularidade e a generalidade, entre o concreto e o abstrato, é exatamente neste movimento
que se constroem os conhecimentos dos arranjos espaciais.
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Recebido para publicação dia 10/04/07
Aceito para publicação dia 25/06/07
238
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
COMO POSSIBILIDADE
DE UNIFICAR SABERES
THE ENVIRONMENTAL
EDUCATION AS A POSSIBILITY TO
UNIFY KNOWLEDGE
LA EDUCACIÓN AMBIENTAL COMO
POSIBILIDAD DE LA UNIFICACIÓN
DE LOS CONOCIMIENTOS
Resumo: A crise ambiental descortina a crise civilizacional do
Ocidente, de seu projeto de natureza e de seu projeto de homem. Tal
projeto externaliza-se na fragmentação dos saberes e na prática
escolar que afasta educandos e educadores da natureza, dos
problemas e questões da vida cotidiana. Este trabalho discorre sobre
a importância da construção de um modelo curricular, fundado na
relação homem-natureza e em uma concepção interdisciplinar dessa
relação. A Educação Ambiental não deve ser enxergada como mais
uma disciplina (obrigatória por lei), mas deve ser assumida como
um conhecimento, que unifique conteúdos e dê à escola um novo
sentido, uma nova razão de ser, re-introduzindo educadores e
educandos numa relação harmônica com a Terra.
Palavras-chave:
Natureza;
Interdisciplinaridade; Currículo.
VALTER MACHADO DA
FONSECA
Sociedade;
Escola;
Doutoranda em Geografia –
IG-UFU/CNPq
Abstract: The environmental crisis reveals the crisis of ocidental
civilization, of its nature project and its project of mankind. Such
project is externalized in the fragmentation of knowledge and in the
teaching practice which separates teachers and students from nature,
problems and matters of everyday life. This work discusses the
importance for the construction of a curriculum model, based on the
relation between nature-man and an interdiciplinary conception of
this relation. The Environmental Education does not have to be seen
as another discipline (obrigatory by law), but it should be assumed
as knowledge, which unifies contents and give the school a new
sense, a new reason for existing, reintroducing teachers and students
in a harmonic relationship with the Earth.
[email protected]
Keywords: Nature; Society; School; Interdisciplinarity; Curriculum.
Geógrafo e mestre em
Educação – FACED-UFU
[email protected]
SANDRA RODRIGUES
BRAGA
GRAÇA APARECIDA
CICILLINI
Profa. Dra. FACED/UFU
[email protected]
Resumen: La crisis ambiental muestra la crisis de la civilización
occidental, de su proyecto de naturaleza y de su proyecto de hombre.
Tal proyecto se explicita en la fragmentación de los conocimientos
y en la práctica de la enseñanza que separa a los educandos y a los
educadores de la naturaleza, de los problemas y de las cuestiones
de la vida cotidiana. Este trabajo discursa acerca de la importancia
de la construcción de un modelo curricular, fundado en la relación
hombre-naturaleza y en un concepto interdisciplinario de esta
relación. La Educación Ambiental no tiene que ser percibida como
una disciplina a más (obligatoria por ley), sino que debe ser asumida
como un conocimiento que unifica contenidos y concede a la escuela
una nueva dirección, una nueva razón de ser, reintroduciendo a
educadores y educandos en una relación armónica con la Tierra.
Palabras clave: Naturaleza;
Interdisciplinaridad; Currículo.
Terra Livre
Presidente Prudente
Ano 23, v. 1, n. 28
p. 239-256
Sociedad;
Escuela;
Jan-Jun/2007
239
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
Introdução
Ao final do século XVIII, o advento da revolução industrial inaugurou um ciclo de
inovações tecnológicas que deixou como legado um violento impacto sobre a biomassa, os
bens naturais e a atmosfera. Esses efeitos, ignorados nos “anos dourados” do desenvolvimento, apenas nas últimas décadas do século XX seriam apresentados como a problemática ambiental, um conjunto amorfo de fatores que englobam a poluição e degradação do
meio, a crise de recursos naturais, energéticos e de alimentos.
Nesse momento, “a promessa da dominação da natureza, e do seu uso para o benefício comum da humanidade” revelou-se uma fraude, ao mesmo tempo em que se desvelou-se sua condução à “uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais,
à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio”, como aponta Boaventura de Souza Santos (2001, p. 56).
Tal problemática ambiental surgiu “como uma crise de civilização, questionando a
racionalidade econômica e tecnológica dominantes”. Essa crise foi “percebida como resultado da pressão exercida pelo crescimento da população sobre os limitados recursos do
planeta”, quando se tratava de um “efeito da acumulação de capital e da maximização da
taxa de lucro a curto prazo”, responsáveis por “padrões tecnológicos de uso e ritmos de
exploração da natureza, bem como forma de consumo”, que esgotam as reservas naturais,
“degradando a fertilidade dos solos e afetando as condições de regeneração dos ecossistemas
naturais.” (LEFF, 2002, p. 59)
Esta degradação do natural não atingiu (nem atinge) todos os homens indistintamente. De fato, como nos lembra Theodor Adorno (1982), a humanidade, tomada em seu
caráter genérico, não passa de uma construção ideológica que escamoteia as gritantes
diferenças de poder social entre os homens. Tal degradação não é linear, simples e contínua, envolvendo elementos contraditórios ligados ao jogo de poder entre dominantes e
dominados ao longo da história humana.
Efetivamente, a consideração da problemática ambiental obriga à iluminação das
esferas social e política, posto que é, fundamentalmente, fruto de uma crise da civilização
ocidental urbano-industrial. Já em 1975, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – manifestou-se, por intermédio da Carta de
Belgrado, em prol de “uma nova ética global, capaz de promover a erradicação da pobreza,
da fome, do analfabetismo, da poluição, da exploração e dominação humana”, censurando
“o desenvolvimento de uma nação às custas de outra, acentuando a premência de formas
de desenvolvimento que beneficiassem toda a humanidade” (DIAS, 1992, p.26). Estava
dado o tom em que seriam pronunciados a posteriori os discursos oficiais sobre o tema.
Tais discursos trabalham, ambiquamente, com o fato de que o ambiente, palco e
motivação dos conflitos, possui elementos perceptíveis e “imperceptíveis”. Os primeiros
dizem respeito aos ecossistemas naturais e aos modificados pela ação do “sujeito” (o
homem) sobre o “objeto” (a natureza): os elementos bióticos e abióticos, os ecossistemas
240
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
naturais e seu frágil equilíbrio, o espaço urbano, a concentração de capital, as diversas
formas de poluição, a expansão da fronteira agrícola, dentre outros. Os elementos
“imperceptíveis” da natureza são resultado das disputas sobre os territórios: a supremacia
dos dominantes sobre os dominados; a expansão do abismo entre ricos e miseráveis; a
concentração da riqueza material no hemisfério norte; a segregação sócio-espacial e as
nefastas conseqüências da racionalidade técnica e científica.
Santos (2001, p. 58) lembra-nos:
Como é que a ciência moderna, em vez de erradicar os riscos, as opacidades,
as violências e as ignorâncias, que dantes eram associados à pré-modernidade,
está de facto a recriá-los numa forma hipermoderna? O risco é actualmente o
da destruição maciça através da guerra ou do desastre ecológico; a opacidade é
actualmente a opacidade dos nexos de causalidade entre as ações e as suas
conseqüências; a violência continua a ser a velha violência da guerra, da fome,
da injustiça, agora associada à nova violência da hubris industrial relativamente
aos sistemas ecológicos e à violência simbólica que as redes mundias da
comunicação de massa exercem sobre as suas audiências cativas. Por último, a
ignorância é actualmente a ignorância de uma necessidade (o utopismo
automático da tecnologia) que se manifesta com o culminar do livre exercício
da vontade (a oportunidade de criar escolhas potencialmente infinitas).
É nesse contexto de emergência de questões – demandatárias de urgentes respostas
– que, em meados dos anos 1970, a Educação Ambiental (doravante denominada EA)
emerge como “resposta à crise na própria educação; [...] que prioriza o racional, que
compartimenta os saberes e que estimula a competição entre indivíduos e grupos” (PÁDUA,
2002, p. 55), em uma iniciativa que a fortiori demanda um trabalho interdisciplinar e a
superação da fragmentação de saberes.
A transmissão fragmentada do saber
A crise ambiental foi atribuída ao processo histórico que, a um só tempo, construiu
a revolução industrial e a ciência moderna. Lugar de destaque nessa evolução ocupa a
distinção entre as ciências, com o concomitante fracionamento do saber e a
compartimentalização da realidade em campos disciplinares confinados, tendo por fito
otimizar a eficácia da ciência em prol da produção. Nessa conjuntura, iniciou-se, como
nos informa Enrique Leff (2002, p. 60), “a busca por um método capaz de reintegrar esses
conhecimentos dispersos num campo unificado do saber” e a análise da questão ambiental
emergiu como tema demandante de “uma visão sistêmica e um pensamento holístico”.
O tecnicismo, que surgiu como exigência das revoluções industriais, ganhou a
hegemonia da educação formal. A transmissão e reprodução do conhecimento isolaram/
isolam educadores e educandos dos seus problemas concretos, isentando-os de participar
da relação homem-natureza. A compartimentação dos conteúdos, a verticalização curricular
e o ensino cada vez mais elitizado, igualmente, colocaram-nos cada vez mais distantes do
seu meio.
241
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
A fragmentação disciplinar e as dificuldades da prática pedagógica constituem, na
atualidade, os principais óbices à abordagem da temática ambiental, de modo transversal
e interdisciplinar. Trabalhar a interdisciplinaridade da temática ambiental implica revelar
a rede de conflitos e interesses que a criaram, partindo da realidade local para, em
seguida, tratar das questões ambientais mais amplas. É mister compreender que as
ciências, cada uma delas, constituíram processos metodológicos de investigação científica
próprios e que o ambiente não pode se constituir em mais um segmento da ciência, mas
deve preencher as rachaduras da compartimentação dos conteúdos disciplinares.
A problemática ambiental é herdeira direta da concepção de que o homem, por ser
capaz de raciocinar, adquirir, produzir e organizar conhecimentos, está acima da natureza
e das leis que regem o planeta e o mantêm em equilíbrio.
A maioria das pessoas, sobretudo aquelas que não estudaram as ciências
biológicas, manifesta muito freqüentemente uma tendência a situar o homem
em confronto com a natureza, ou mesmo em oposição a ela. Segundo sejam
essas pessoas otimistas ou pessimistas, vêem elas o homem como o rei da
natureza ou a sua vítima (FRIEDEL, 1921 apud BRANCO, 1988, p. 6).
Esta maneira de pensar e compreender a relação homem-natureza, expressa pelo
filósofo francês, alimenta a crença de que o ser humano pode reinar sobre todos os recursos
naturais, explorando-os desordenadamente, sem se preocupar com as conseqüências de
sua exploração. Henri Lefebvre (1979, p.233-234) compartilha essa avaliação:
O sujeito - o homem - separa-se da natureza graças a seu poder sobre ela, a
seus instrumentos, a seu entendimento e a seu poder de abstração. Porém,
quanto mais ele se separa da natureza, tanto mais penetra profundamente na
natureza, por meio de seu conhecimento e de sua ação. O “subjetivo”, humano,
contém assim – no coração de seu próprio movimento – o carecimento, a
necessidade da natureza. Na ação produtora e no conhecimento, ele resolve
incessantemente esse conflito, que sempre renasce, entre o sujeito e o objeto
(entre o homem e a natureza). Ele tende para a absoluta identidade (o
conhecimento e a posse completa da natureza). Aqui, sob esse ângulo, a idéia
aparece como unidade do sujeito e do objeto (com o acento posto sobre o objeto),
ou seja, do homem concreto e vivo com a natureza material. Por conseguinte,
a idéia é ao mesmo tempo a idéia do homem e a idéia da natureza (com o
acento posto sobre a natureza, isto é, insistindo sobre a realidade e a prioridade
da natureza).
Incorporado à ciência, este comportamento implica um afastamento do homem da
natureza de que participa. Cada ramo do conhecimento passa a ser pensado separadamente,
como fragmentos desarticulados, desconsiderando o todo e a relação com a natureza. Vale
lembrar, como o faz Leff (2002, p.66):
As ciências não vivem num vazio ideológico. Tanto por sua constituição a
partir das ideologias teóricas e as cosmovisões do mundo que plasmam o terreno
conflitivo das práticas sociais dos homens, como pelas transformações
tecnológicas que se abrem a partir das condições econômicas de aplicação de
242
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
conhecimento, as ciências estão inseridas dentro de processos ideológicos e
discursivos onde se debatem num processo contraditório de conhecimento/
desenvolvimento, do qual derivam sua capacidade cognoscitiva e seu potencial
transformador da realidade. A articulação destes processos de conhecimento
com os processos institucionais, econômicos e políticos que condicionam o
potencial tecnológico e a legitimidade ideológica de suas aplicações está regida
pelo confronto de interesses opostos de classes, grupos sociais, culturas e nações.
Se o conhecimento científico, produzido pelos cientistas, e aquele veiculado na
escola representam “diferentes padrões de produção de conhecimento”, é certo que a escola
realiza “uma espécie de tradução desse conhecimento [científico] ao ser divulgado na
sociedade”, afirma Graça Aparecida Cicillini (2002, p. 39-40), que prossegue:
O conhecimento divulgado na escola é um tipo de conhecimento peculiar. Além
das características próprias de sua produção no ambiente de sala de aula, ele
também é produto da interação com outras formas de conhecimento produzidas
em diferentes instâncias. Existe um conhecimento biológico produzido pela
comunidade científica. Atualmente essa produção ocorre com freqüência tanto
nas instituições universitárias, nos institutos de pesquisa, quanto nas indústrias.
Contudo o domínio desse conhecimento é privilégio de poucos, ou seja, da
comunidade que o produz e de quem utiliza essa produção. Deve-se observar,
porém, que parte desse conhecimento é apropriado pela sociedade. Mas essa
apropriação não ocorre do mesmo modo pelo qual esse conhecimento foi
produzido.
Apropriando-se do conhecimento social, os grupos detentores do poder político e
econômico procuram orientar a escola segundo seus interesses. Eles não desejam discutir
o saber, na perspectiva de uma relação harmônica homem-natureza, contrária à idéia de
“desenvolvimento a qualquer custo” que defendem. Luís Rigal (2000, p. 175) comenta a
implantação desse modelo escolar na América Latina:
A escola da modernidade na América Latina esteve marcada por tal tradição: a
formação de uma cidadania capaz de se somar ao processo social do momento
constituía a meta fundamental da instituição escolar. Transmissora por
excelência de uma cultura homogênea, sem brechas, nem diferenças, aspirava
assim a produzir um tipo de sujeito apto a adaptar-se às exigências políticas e
sociais que a classe dominante perseguia.
Entretanto, como adverte Ciccilini (2002, p. 45), “a escola deve ser considerada
como uma instituição representativa da sociedade [...] não apenas reproduz as ideologias,
mas também apresenta formas de resistência à inculcação ideológica”.
A escola vê-se, então, confrontada com o desafio lançado por educadores e educandos
que defendem uma nova prática pedagógica e um currículo que expresse o abandono da
ideologia e a ação prática de produção do conhecimento a partir da realidade e dos problemas
“cotidianos”. Dada a recorrência do termo “cotidiano” na literatura de EA, cabe aqui um
parêntese sobre as armadilhas que seu emprego comporta.
A Teoria do Cotidiano, exposta por Agnes Heller (1989), afirma que a cotidianidade,
apesar de sua aparente riqueza, quando invade outras esferas da realidade, como a escola,
o faz por já se ter tornado um espaço de alienação. Assim, o trabalho realizado pela
243
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
educação escolar formal deve participar da vida não cotidiana dos indivíduos, já que a
cotidianidade, por seus caracteres de espontaneidade, pragmatismo, economicismo,
analogia, precedentes, juízo provisório e ultrageneralização, não possibilita a plena
apropriação da cultura humana. A alienação da cotidianidade impede a sua própria
explicitação. A superação da consciência espontânea, do senso comum, em favor
de uma consciência crítica, supõe a unidade teoria-prática.
Tais armadilhas não têm implicações apenas teóricas, mas implicações práticopedagógicas bastante precisas, que redundam na pauperização do ensino. A inserção
consciente na vida social depende do grau de compreensão e crítica dos mecanismos que
regem as relações sociais, que é mediado pelo conhecimento intelectual e a “socialização
do saber”, facultados pela escola. O desenvolvimento da consciência crítica não se faz
sem uma fundamentação teórica que permita a análise das práticas sociais e vice-versa,
em uma dialética de ação-reflexão-ação. É assim que o comprometimento escolar com a
interação plena educador-educando-natureza, demandante de um novo modelo de escola e
de um novo currículo, exige uma robustez teórico-metodológica que o sustente.
Desse modo, de início, há que se saber o que é, efetivamente, EA e que tipo de
educação queremos.
O que é Educação Ambiental? Que Educação Ambiental?
O conceito de EA foi, inicialmente, definido na Conferência Intergovernamental
sobre a Educação Ambiental, realizada em Tbilisi, Geórgia, ex-república soviética em
1977. A Conferência de Tbilisi propôs uma ação pedagógica orientada para a solução de
problemas ambientais concretos por intermédio de enfoques interdisciplinares e da
participação ativa de cada indivíduo e da coletividade (UNESCO, 1980). Essa Educação
definiu-se, destarte, como resultado de uma reorientação e articulação de diversas disciplinas
e experiências.
Na Conferência de Tbilisi, tentou-se obter um mínimo de uniformidade de
procedimentos, por intermédio da conceituação de meio ambiente e da definição dos
objetivos, características, recomendações e estratégias da EA. O meio ambiente, consoante
às definições de Tbilisi, abrange tanto os recursos naturais do nosso planeta quanto às
instituições e valores historicamente construídos. Esta conceituação explicitou a necessidade
de se incorporarem as dimensões social, ética, cultural, política e econômica, de modo
interdisciplinar/transversal, tanto na resolução dos problemas ambientais, quanto nas
atividades de ensino/pesquisa em EA. Como se constata, para combater a crise ambiental,
reconheceu-se nessa Educação seu elemento crítico e destacou-se a necessidade do homem
recompor suas prioridades.
Nesse contexto, o treinamento de professores e o desenvolvimento de novos recursos
instrucionais e métodos revelaram-se como necessidades prementes ao desenvolvimento
da EA. Foi este o sentido da conceituação de EA, estabelecida pelo Conselho Nacional do
244
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
Meio Ambiente – CONAMA: “um processo de formação e informação, orientado para o
desenvolvimento da consciência crítica sobre as questões ambientais, e de atividades que
levem à participação das comunidades na preservação do equilíbrio ambiental” (CONAMA,
s.d. apud DIAS, 1992, p.31).
Avançando nas distintas conceituações, Nana Medina (1998 p. 69) elabora uma
conceituação de EA que concilia a questão ambiental com a eliminação da pobreza extrema
e a melhoria da qualidade de vida.
Educação Ambiental é o processo que consiste em propiciar às pessoas uma
compreensão crítica e global do ambiente, para elucidar valores e desenvolver
atitudes, que lhes permitam adotar uma posição consciente e participativa a
respeito das questões relacionadas com a conservação e adequada utilização
dos recursos naturais, para melhoria da qualidade de vida e a eliminação da
pobreza extrema e do consumidor desenfreado. (MEDINA, 1998 p. 69)
As várias definições de EA coincidem na afirmação da necessidade de uma visão
holística do real e na abordagem integradora que essa necessariamente demanda. De fato,
a sua introdução na grade curricular promete “conduzir os cidadãos/educandos a uma
conscientização construída, além de possibilitar sua ampliação da visão de mundo, a
superação do antropocentrismo estreito e a educação do homem na sua integridade”, por
meio de “uma prática pedagógica interdisciplinar e transdisciplinar” (PONTES JUNIOR
et al., 2002, p. 88).
Essa inovação educacional propõe-se a formar cidadãos conscientes, capazes de
tomar decisões incidentes sobre a realidade socioambiental, de forma comprometida com
a vida do planeta. Por seu caráter intrinsecamente interdisciplinar, ela valoriza a ação
pedagógica. Por tratar de problemas vividos, e não abstratos, promove a criatividade e a
inovação, em um permanente diálogo entre ensino e aprendizagem, que ocorre tanto em
espaços formais quanto informais.
A EA formal tem por locus a escola, realizando-se na rede de ensino, por meio da
atuação curricular, tendo como referência pedagógica os Parâmetros Curriculares Nacionais
– PCNs (BRASIL, 1998). Já a EA informal se dá por intermédio de campanhas nos meios
de comunicação de massa que objetivam alterar padrões de comportamento danosos à
natureza, difundindo atitudes que levem ao conhecimento e compreensão dos problemas
ambientais e a conseqüente sensibilização para a preservação da natureza.
A EA escolar caracteriza-se como uma inovação educativa que envolve toda a
comunidade escolar e que não pode se configurar como uma nova disciplina. Leff (2002,
p.72) comenta:
O ambiental aparece como um campo de problematização do conhecimento,
que induz um processo desigual de ‘internalização’ de certos princípios, valores
e saberes ‘ambientais’ dentro dos paradigmas tradicionais das ciências. Este
processo tende a gerar especialidades ou disciplinas ambientais, métodos de
análise e diagnóstico, assim como novos instrumentos práticos para normatizar
e planejar o processo de desenvolvimento econômico sobre bases ambientais.
Entretanto, esta orientação ‘interdisciplinar’ referente a objetivos ambientais
245
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
não autoriza a constituição de um novo objeto científico – o ambiente – como
domínio generalizado das relações sociedade – natureza.
A inserção da EA na grade curricular inaugura um processo de ruptura com a
caracterização histórica da escola.
Tradicionalmente, a educação incentiva além da aceitação, a obediência ao
que é transmitido pelo mestre ou indivíduo mais velho e experiente. O resultado
comum é o desenvolvimento de posturas rebeldes, que normalmente se
manifestam de forma agressiva. A passividade é outra postura freqüente:
Indivíduo aceita o que é ensinado, sem questionar. O respeito esperado pelo
professor tradicional ignora a individualidade, a diversidade e a riqueza que
todo indivíduo já traz, por mais simples que seja sua origem. O mestre deveria
incentivar trocas continuamente para que o aluno se sinta valorizado em sua
individualidade, o que facilitaria a construção de processos coletivos de empatia,
respeito e colaboração (PÁDUA, 2002, p. 54).
A contestação ao modus operandi da escola tradicional ocorre porque o entendimento
da EA não se dá apenas no campo teórico, mas pressupõe a abertura para novas idéias, a
capacidade do professor-educador de colocar-se no nível do educando, vivenciando seus
problemas e proporcionando-lhe meios para a construção do conhecimento. Isso significa
romper com os dogmas e “verdades” arraigadas na escola tradicional, abrindo horizontes
para o respeito às liberdades individuais, à inventividade e às potencialidades dos educandos,
na maioria das vezes, sufocadas pela escola.
Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se,
à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em
que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos “conhecimentos
de experiência feitos” com que chegam à escola (FREIRE, 1997, p. 71).
Ao se incorporar a dimensão ambiental no ensino formal, caminha-se para práticas
interdisciplinares que aprofundem o conhecimento das questões ambientais, o que não
necessita ser formalizado em uma disciplina, pois se embasa na interação com todas as
outras disciplinas. Os PCNs (BRASIL, 1998) introduziram a temática ambiental no
currículo do Ensino Fundamental, como tema transversal, que deve perpassar todas as
disciplinas escolares, e a posterior Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA
(BRASIL, 1999) –, estendeu essa política a todos os níveis de ensino.
Os PCNs apontam, como um dos objetivos gerais do ensino fundamental, que os
alunos sejam capazes de perceberem-se integrantes, dependentes e agentes transformadores
do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente
para a melhoria do meio ambiente. Já na PNEA, foram definidos os princípios, objetivos,
as obrigações do governo, empresas, instituições de um modo geral, as modalidades, o
papel do ensino formal e não formal na EA.
O trabalho pedagógico de forma transversal torna o aprendizado mais dinâmico,
explicitando (e alterando) valores e incluindo procedimentos vinculados à rotina de
educadores e educandos. Ainda que as Ciências Naturais, a História e a Geografia surjam
246
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
como tradicionais parceiras da temática ambiental, esta pode e deve abarcar quase todas
as outras disciplinas pela discussão do tema e pela geração de textos e programas de
atividades correlatas.
Seja ou não formal, a EA demanda um enfoque interdisciplinar, uma perspectiva
global e equilibrada, que se acha na cooperação/interação entre todas as disciplinas ou
campos de atuação do tema, sendo importante a abordagem dos seus aspectos sociais,
matemáticos, históricos, geográficos, das línguas, artes e filosofia. Diferentes estratégias
pedagógicas permitem o desenvolvimento de métodos e técnicas de ensino capazes de
dotá-la de um caráter multiplicador.
A prática da EA demanda uma múltipla visão dos fenômenos e uma atuação
catalisadora do conhecimento das questões ambientais. Mas, para trabalhar neste nível,
essa práxis necessita incorporar a crítica das relações na sociedade e desta com a natureza,
voltando-se para a complexidade, absorvendo diferenças em uma busca coletiva de avanços
para os problemas ambientais globais.
Analisadas as distintas conceituações de EA, vale ressaltar as diferentes concepções
de meio ambiente que permeiam os seus projetos e/ou atividades. Essas diferenças podem
caracterizar a EA como um “adestramento ambiental”, como uma educação para a
democracia ou ainda como uma educação “subversiva, que busca a tentativa de implantar
um projeto transformador, traduzido pela inserção da racionalidade ecológica no núcleo
ideológico de nossa sociedade” (LAYRARGUES, 1999, p. 141).
Paula Brügger (1994), ao destacar que EA não é igual ao ensino de ecologia, define
a perspectiva preservacionista como “adestramento ambiental”, pois visa unicamente a
uma mudança de comportamento individual e não de valores societários.
Parte expressiva dos projetos/atividades de EA no Brasil privilegia uma perspectiva
reducionista da temática ambiental, fundamentando-se nos aspectos biológicos do ambiente
e numa concepção preservacionista, que ignora o homem e as relações sociais. A
preponderância dessas abordagens faz-se acompanhar por práticas destituídas de
referenciais teórico-metodológicos e de um questionamento de seus determinantes. Vale
aqui indagar, como o fazem Victor Novicki e Maria Maccariello (2007, p. 1):
A quem interessa defender uma abordagem reducionista (naturalista) da questão
ambiental? Quais interesses procuram ocultar os determinantes sociais, políticos,
éticos, culturais e econômicos da degradação ambiental? Se todo e qualquer
problema ambiental é causado por nosso modo de produzir e consumir
mercadorias (inclusive a natureza) e, dialeticamente, se os efeitos ou custos
ambientais desta degradação afetam os seres humanos de modo desigual e
combinado, segundo seu lugar no modo de produção capitalista, que ideologia
esforça-se em separar artificialmente sociedade e natureza?
Além do naturalismo preservacionista, que se regula pela dicotomia homem-natureza,
encontramos outras propostas demarcadas pelo tecnicismo, que apontam as soluções
técnicas, de manejo e gestão dos recursos naturais, como a solução da crise atual, ignorando
os seus aspectos políticos e econômicos. O privilegiamento da razão técnica repete os
247
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
esquemas de reprodução do capital impulsionadores dessa crise. Em verdade, trata-se de
implementar uma modalidade de consumo perdulária, mas com uma vaga preocupação
ambiental, expressa na fabricação de automóveis menos poluentes (em oposição à criação
de ciclovias ou à melhoria do transporte público) ou em métodos de reciclagem (não de
produtos mais duráveis).
Outra corrente teórica procura sacralizar o meio ambiente, desconsiderando a
dinâmica natural e a ação antrópica. A abordagem do “arcaísmo-naturalista” é pautada na
nostalgia pelo passado, na valorização de ideais perdidos, no discurso do retorno à natureza.
Para os adeptos dessa corrente teórica, a produção humana só tem sentido se garantir e
desenvolver a biodiversidade, daí sua ênfase nas “culturas tradicionais”.
Já a abordagem socioambiental, consoante às indicações da Conferência de Tbilisi,
apresenta “uma visão da realidade bastante crítica, demonstrando que as origens da atual
crise ambiental estão no sistema cultural da sociedade”, sociedade essa “pautada pelo
mercado competitivo como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão de
mundo unidimensional, utilitarista, economicista e a curto prazo da realidade”
(LAYRARGUES, 1999, p.132).
Essas diferentes concepções de mundo, educação e homem implicam distintos e
antagônicos projetos educacionais. Se é consensual a constatação da gravidade da crise
socioambiental e da necessidade de intervir sobre ela, os objetivos, princípios e diretrizes
de atuação em EA revelam-se bastante diferenciados em cada uma dessas perspectivas
teóricas. A homogeneização e superficialização do discurso, desconsiderando tais
contradições, apontam no sentido da “cotidianização” dessa Educação e na concomitante
perda do seu caráter crítico.
Contra a tendência preservacionista, que trata a humanidade como deflagradora e
vítima da crise ambiental, a vertente socioambiental identifica sujeitos sociais específicos
com níveis diferenciados de responsabilidade sobre ela. Ao mesmo tempo, ela defende
uma ação pedagógica transformadora/crítica, propiciadora do exercício da cidadania. Nesse
ponto, a ação pedagógica interdisciplinar em EA transmuta-se em ação política, que
desencadeia uma dinâmica de ação-reflexão dos sujeitos sociais que, em suas práticas, na
interação com seus semelhantes, transformam a natureza pelo trabalho e são por ele
transformados.
A Educação Ambiental na trans/inter/multidisciplinaridade
Como toda inovação, a EA demanda tempo e preparo para sua utilização. Exige a
formação permanente dos responsáveis pelas mudanças, a análise da instituição escolar e
o conhecimento das relações intra-escolares e dos diversos sujeitos sociais envolvidos.
Nesse contexto, a escola emerge como espaço de mediação entre o interno e o externo, o
conhecido e o por conhecer.
A introdução da EA no currículo envolve interesses econômicos, políticos e
248
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
ideológicos e demanda debates aprofundados para unificação das razões, conseqüências e
objetivos desta prática pedagógica. Medina (2002, p. 73) afirma:
A escola gerencia e possibilita complexas relações entre pessoas, tanto internas
como externas, com interesses e diversas expectativas, grupos de poder que
definem a micropolítica institucional e relações pessoais conflitivas, diversos
tipos de tensões e grupos de pressão diferenciados que produzem em seu
conjunto a cultura do centro educacional.
Aqui vale ressaltar que a disciplinarização e a fragmentação do conhecimento estão
a serviço da manutenção do stablishment por negarem a educandos e a educadores a
ligação dos saberes e a produção do novo conhecimento. Nesse sentido, Oliveira (2002, p.
61-62) afirma:
A pedagogia moderna, embalada pelo contexto da cientificidade, permitiu a
especialização dos profissionais da educação, a divisão da carga horária, a
especificidade dos materiais didáticos, etc. No currículo disciplinar tudo pode
ser controlado: o que o aluno aprende, como aprende, com que velocidade o
processo acontece e assim por diante. [...] E é nesse contexto que, mais uma
vez, a pedagogia apropria-se do pensar das ciências exatas, que buscavam a religação das fronteiras das ciências.
Para se superar esse quadro deformante, a prática em EA requer o entendimento de
quatro parâmetros fundamentais: transversalidade, transdisciplinaridade,
interdisciplinaridade e multidisciplinaridade.
A transversalidade volta-se contra a formalidade dos conteúdos, fazendo a escola
repensar valores e atitudes, de forma a garantir uma dimensão político-social do trabalho
pedagógico. Rompe-se, destarte, com o confinamento da atuação formal dos educadores e
ampliam-se suas responsabilidades com a formação dos educandos, por intermédio do
trabalho contínuo no decorrer de toda a escolarização.
O ambiente é apenas um dos temas importantes para a formação do educando, mas,
trabalhado de forma transversal, pode articular uma integração maior da comunidade
escolar, colaborando para que o processo pedagógico se torne mais prazeroso e resulte em
ações práticas que venham ao encontro das necessidades da escola, do bairro, do planeta.
Para tanto, há que se traçar metas bem definidas, definir estratégias de ação e estabelecer
o papel de cada um, pois, como ressaltam os PCNs, o tema Meio Ambiente
[...] pode ser mais amplamente trabalhado quando mais se diversificarem e
intensificarem a pesquisa de conhecimentos e a construção do caminho
coletivo de trabalho, se possível com interações diversas dentro da escola e
desta com outros setores da sociedade (BRASIL, 1998, p 192).
A interdisciplinaridade argüi a divisão compartimentada dos conteúdos.
Transversalidade e interdisciplinaridade são termos complementares: enquanto a
transversalidade refere-se à dimensão e à possibilidade da didática estabelecer uma relação
entre assimilar os conhecimentos sistematizados (aprender na e da realidade), a
249
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
interdisciplinaridade constrói uma abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento,
necessária pois
[...] para que os alunos construam a visão da globalidade das questões ambientais
é necessário que cada profissional de ensino, mesmo especialista em determinada
área do conhecimento, seja um dos agentes da interdisciplinaridade que o tema
exige. A riqueza do trabalho será maior se os professores de todas as disciplinas
discutirem e apesar de todo o tipo de dificuldades encontrarem elos para
desenvolver um trabalho conjunto. Essa interdisciplinaridade pode ser buscada
por meio de uma estruturação institucional da escola, ou da organização
curricular, mas requer necessariamente, a procura da superação da visão
fragmentada do conhecimento pelos professores especialistas (BRASIL, 1998,
p 193).
Já a transdisciplinaridade implica que os temas fundamentais para a construção do
conhecimento sejam inerentes a todos os saberes numa perspectiva multidisciplinar. A
visão transdisciplinar é aberta na medida em que ultrapassa o domínio das ciências exatas
por seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas mas também
com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual.
Nesta perspectiva, o ambiente pode constituir-se num tema transversal que cimente
todas as disciplinas e preencha as rachaduras da fragmentação dos conteúdos curriculares.
Considerando que uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no
conhecimento, mas contextualizar, concretizar e globalizar o saber, a educação
transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo
na transmissão dos conhecimentos.
Se, na interdisciplinaridade, os interesses próprios de cada disciplina são preservados,
os princípios da transversalidade e da transdisciplinaridade buscam superar o conceito de
disciplina, por intermédio de um tema/objetivo comum (transversal). Leff (2002, p.72),
porém, alerta-nos:
No entanto, não é fácil abandonar a tendência a pensar o ambiente como um
campo de atração e convergência no conhecimento, de submissão das ciências
ante um projeto integrador. O meio, no final das contas, é uma rede de relações
capaz de agrupar todo o saber em busca de seu objeto, é o plasma onde se
dissolve ou coagula aquele excedente de saber que ultrapassa o campo do
conhecimento científico.
A temática ambiental emerge como importante ferramenta para a revitalização da
escola, no momento em que a educação enfrenta uma série de debates sobre as lacunas
criadas pela “sociedade global”. Finn et al. (1980 p. 187) comentam alguns dos aspectos
desses debates, que, atingindo em cheio a educação, difundem a idéia da “crise”:
Em análises de sistemas educacionais é útil distinguir dois aspectos. Na literatura
disponível esses aspectos estão freqüentemente divorciados, mas na verdade devem
ser vistos em conjunto. O primeiro aspecto é o trabalho das próprias escolas e
faculdades; suas estruturas institucionais, sua disposição de conhecimento, suas
relações pedagógicas, suas culturas e organização informais. Designamos esse
aspecto de trabalho ideológico da própria escola. Mas, em segundo lugar, estes
250
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
aspectos primários são também objeto de definições e práticas mais amplas. Este
debate sobre educação é freqüentemente construído a alguma distância dos
processos que ele pretende descrever. Este debate, contudo, através das políticas,
exerce um efeito real sobre o próprio sistema educacional. Ele também faz parte
de um discurso político geral. Em formas desenvolvidas do Estado democrático
(que pressupõe uma cidadania igual) os debates sobre educação são partes de
uma história de hegemonia; são uma instância regional do processo de solicitação
da anuência dos governados (FINN et al., 1980, p. 187).
Neste contexto, a escola, que difundiu o industrialismo depredador e segmentou o
saber, adota a temática ambiental como virtual preenchedor do vazio da produção de
novos conhecimentos, a partir da criação de um canal de diálogo com a comunidade
externa. Penteado (2000, neste sentido, assevera:
A formação da consciência ambiental de nossa juventude e o desenvolvimento
do exercício de sua cidadania passa pela transformação da escola formadora.
Esta será aquela que formos capazes de construir a partir da consciência
ambiental que temos e das participações escolares que formos capazes de
coordenar no dia-a-dia do nosso trabalho escolar, organizando o processo de
ensino num amplo processo de comunicação escolar (PENTEADO, 2000, .p
164).
Oliveira (2002, p. 66) afirma que, para que isso ocorra,
[...] deve-se ser levada em conta a relação entre a escola e o espaço em que ela
está inserida. Ela deve estar conectada com as questões mais amplas da sociedade
e com os movimentos de defesa da qualidade do ambiente, incorporando-os
com as suas práticas, relacionando-os com seus objetivos.
A EA surge como resposta ao projeto epistemológico positivista e homogeneizador
do mundo, inserindo-se entre as reivindicações por democracia, equidade, justiça,
participação e autonomia, que questionam a concentração do poder do Estado e do mercado.
Eclode, assim, como uma outra racionalidade social, orientada para novos valores e saberes,
além de modos de produção em bases ecológicas e com significados culturais, guiados por
novas formas de organização democrática.
O engajamento do cidadão e a percepção dos problemas ambientais locais são o
primeiro passo para o sucesso das atividades em EA, de acordo com os princípios da
Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1980):
• Consciência - para ajudar os indivíduos e grupos sociais na busca
da progressiva assimilação da consciência necessária dos problemas do
meio ambiente global;
• Conhecimento - para adquirir uma diversidade de experiências e a
compreensão fundamental do meio ambiente e dos problemas que o afetam;
• Comportamento - comprometimento com os valores éticos, tal que
os indivíduos se sintam interessados pelo meio ambiente, participando
assim da proteção e da melhoria ambiental;
·
251
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
•
Habilidades - para adquirir as habilidades necessárias para a correta
identificação e resolução de problemas ambientais;
• Participação - visando a proporcionar a participação ativa nas tarefas
que busquem resolver os problemas ambientais.
Nesta abordagem, é imprescindível sintonizar as diferentes realidades políticas,
econômicas, sociais, culturais e ecológicas da localidade. A EA deve objetivar a construção
de novas relações sociais, econômicas e culturais, relações de respeito às minorias étnicas
e às populações tradicionais, à mulher e a liberdade para edificar alternativas de
desenvolvimento sustentável, respeitando os limites dos ecossistemas.
É mister definir-se o foco de assuntos a serem abordados em EA, de maneira que a
ação pedagógica seja pautada no ensino contextualizado, abordando o tema da questão da
distribuição e do uso dos recursos naturais. Há que se integrar o conhecimento sistematizado
e a realidade dos sujeitos sociais envolvidos, levando à sensibilização, ao comprometimento
e à consciência ambiental, bem como desenvolvendo competências, tais quais a análise,
decisão, planejamento e pesquisa, bases para o pleno exercício da cidadania.
A constituição de um quadro de professores capacitados para formar multiplicadores
em EA tem primordial importância para a criação de subsídios teóricos e metodológicos à
sua inserção curricular. Visa-se, destarte, a uma matriz de problemas sócio-ambientais de
sua região, com o intuito de promover a sua inserção transversal nos currículos.
É comum que a problemática ambiental seja atribuída à “falta de educação” dos
pobres. Focalizando casos isolados, tenta-se jogar o ônus da crise ambiental, gerada pelo
modelo de produção capitalista, nos ombros dessa população. É fundamental alterar esta
visão da realidade que vigora, especialmente, nas escolas públicas da periferia. Tal visão
é produzida pela lógica de reprodução do capital, por seus aspectos políticos, econômicos
e sociais, nos quais estão mergulhados quer educadores quer educandos. Desta forma,
deve levar-se em conta as contradições do modo de produção capitalista.
Formações ideológicas aparecem no terreno da problemática ambiental como
processos de significação que tendem a “naturalizar” os processos políticos de
dominação e ocultar os processos econômicos de exploração provenientes das
relações sociais de produção e das formas de poder que regem o processo de
expansão do capital. Desta maneira, pretende-se explicar e resolver a
problemática ambiental por meio de uma análise funcional da sociedade,
inserida como um subsistema dentro do ecossistema global do planeta (LEFF,
2002, p. 67).
Não se pode exigir qualquer compromisso com a problemática ambiental de uma
população que não vê solução a problemas muito mais graves, que incidem, mesmo, sobre
a relação ensino-aprendizagem. Penteado (1997), igualmente, lança seu olhar sobre essas
questões:
O cidadão comum passa nesta versão como o agente poluidor e destruidor,
como se depreende, por exemplo, de campanhas televisivas de verão voltadas
para a manutenção da limpeza das praias, ou de campanhas publicitárias, ao
252
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
longo do ano, para a venda de produtos supostamente não agressivos à natureza,
como os biodegradáveis. Sem considerar o que de verdadeiro existe em cada
uma dessas óticas, padecem de uma visão epistemológica: a científica, atendose a uma abordagem naturalista da questão, e a cultural, limitando-se a uma
abordagem industrialista. [...] Assim, uma vez desencadeado o processo de
informação a respeito, a resolução da degradação ambiental seria uma
‘decorrência natural’. [...] Quem são os mais significativos agentes poluidores,
pela extensão e abrangência dos estragos? Quais os comportamentos e/ou ações
precisam ser desenvolvidos, e por quem, por que agentes sociais, para reverter
esta situação? (PENTEADO, 1997, p. 9-10)
Neste quadro, é preciso retomar uma prática afetiva em que os sujeitos da prática
educacional assumam-se em sua plenitude.
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as
condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos
com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumirse. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz
de amar. Assumir-se como sujeito por que capaz de reconhecer-se como objeto
(FREIRE, 1997, p. 46).
A prática crítico-educativa, proposta por Paulo Freire (1997), permite inovar a
dinâmica de ensino-aprendizagem, inserindo-a no dia-a-dia dos educandos e da própria
comunidade, em que a escola se insere. A análise crítica da realidade (ambiental), que
transita entre as escalas do global ao local, deve envolver toda a prática em EA.
A perspectiva ambiental deve remeter os alunos à reflexão sobre os problemas
que afetam a sua vida, a de sua comunidade, a de seu país e a do planeta. Para
que essas informações os sensibilizem e provoquem o início de um processo de
mudança de comportamento, é preciso que o aprendizado seja significativo,
isto é, os alunos possam estabelecer ligações entre o que aprendem e a sua
realidade cotidiana, e o que já conhecem (PONTES JUNIOR et al., 2002, p.
88).
É necessário salientar que “todo ser vivo ocupa um nicho dentro da teia da vida”,
apesar de o ser humano ter há muito se distanciado “da natureza e de suas origens
biológicas”, esquecendo-se de que “não vivemos sem a natureza porque ela faz parte, ou
melhor, ela está no âmago do nosso ser” (PÁDUA, 2002, p. 53).
A retomada de uma visão integradora do mundo representa um passo fundamental
no sentido da ruptura com a fragmentação e compartimentação dos conteúdos. Para tanto,
a EA deve ser trabalhada numa relação dialógica entre educadores/educandos e a realidade
da escola e das comunidades circunvizinhas.
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar
a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência
é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que
com a vida? Por que não estabelecer uma necessária digamos “intimidade”
entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social
que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e
ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A
253
FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL...
ética de classe embutida neste caso? Porque, dirá um educador reacionariamente
pragmático, a escola não tem nada a ver com isso. A escola não é partido. Ela
tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam
por si mesmos. (FREIRE, 1997, p. 33-34)
O professor-pesquisador deve estar aberto às relações aprender/ensinar e ensinar/
aprender que envolvem os saberes adquiridos e produzidos pelos educandos, assentados
na realidade, nos costumes, nas contradições, sentimentos e emoções das suas comunidades,
o que leva ao estabelecimento de prioridades, seleção e adequação dos conhecimentos
produzidos na academia à realidade escolar.
Considerações finais
Em meados do século XX, são inegáveis os impactos da ação antrópica sobre o
ambiente, provocando um desequilíbrio sem precedentes nas forças que mantêm em
equilíbrio os ecossistemas terrestres e colocando em risco a existência das espécies e,
dentre elas, a do próprio homem.
A crise ambiental, progressivamente, desvela-se colapso da civilização ocidental
urbano-industrial. Em uma das pontas dessa falência de cunho civilizatório, estão a ciência
moderna, o positivismo, a escola tradicional e a fragmentação/compartimentação dos
conteúdos curriculares por ela adotada. Advém, por conseguinte, dessa gênese a importância
e a necessidade de se incorporar a EA ao currículo escolar.
A escola precisa estar alerta para o estudo aprofundado das questões ambientais,
contribuindo com informações, propondo pesquisas em sala de aula ou fora dela, de tal
maneira que os estudantes possam trabalhar com documentos existentes e produzir novos
que os auxiliem na reflexão e solução de certas questões.
O propósito não é acrescentar uma nova disciplina, mas oferecer informações no
interior de cada uma das disciplinas escolares ou em projetos interdisciplinares, com a
intenção de despertar a consciência dos alunos e professores para uma questão que depende
de cada um de nós, de ações públicas, institucionais e particulares.
Nesse sentido, é relevante o papel dos educadores, no sentido de desenvolver um
projeto didático-pedagógico que englobe a EA em uma perspectiva transversal,
interdisciplinar e multidisciplinar dos conteúdos curriculares. Desta forma, é possível
dar-se um grande passo na construção de uma escola transformadora, solidária e criadora
de sujeitos construtores do conhecimento. Essa Educação pode servir de importante
instrumento que possibilite uma maior integração entre escola e comunidade, construindo,
dessa forma, a elação dialógica entre educadores (as), educandos (as) e comunidade.
A EA deve ser capaz de romper a camisa de força que a mantém aprisionada a
velhos e falsos conceitos, que em última instância visam às reformas nos marcos do capital.
Hoje, existe uma gama de organismos oficiais, organizações não governamentais
ambientalistas, ecologistas e correntes pedagógicas que se reivindicam do debate ambiental.
Os “especialistas” do complexo campo de investigação das temáticas ambientais repetem,
254
Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007
por caminhos diferentes, os mesmos discursos.
Distintamente, a EA pautada por uma abordagem socioambiental/crítica tem por
finalidade a formação política de cidadãos, sua participação ativa na formulação e
implementação de políticas públicas, voltadas para a reversão do quadro de degradação
socioambiental. Trata-se de alterar a relação entre a sociedade e os bens naturais,
contrapondo-se à gramática política autoritária, dominante no Brasil e assumindo o papel
de “Educação Ambiental para a democracia”.
Pensar na degradação ambiental de forma coerente e séria é pensar na complexidade
ambiental, é descartar os discursos superficiais do “politicamente correto”, da “preservação
da ararinha azul, do mico leão dourado ou do boto cor de rosa”, do “ecologicamente
correto” do “tomar consciência de”, pelo contrário, é assumir a (re)flexão epistemológica
sobre a relação natureza-sociedade, é levar às últimas conseqüências este debate. A
problemática ambiental é uma questão política e como tal deve ser tratada.
É na prática social que os indivíduos desenvolvem suas consciências. Aceitação,
resistência, alienação e interação são produtos dessa ação no mundo e das determinações
histórico-sociais. Desta forma, a análise ambiental deve incorporar “coletivismo” e
“individualismo” metodológicos, considerando a articulação dos fenômenos individuais
(crenças íntimas, escolhas etc.) e coletivos (“grupos de interesse”, “classes”, sociedade
etc.). Nessa perspectiva, ao mesmo tempo busca-se reconhecer a especificidade do indivíduo
e não fazer do consenso o resultado de uma interação na qual desaparecem as distinções
entre os mesmos.
É a articulação entre a teoria e o mundo vivido que impede a invasão da escola pela
cotidianidade, que a alienação da sua própria explicitação. Há que se superar a consciência
espontânea, construída no cotidiano, em prol de uma consciência crítica. A escola deve
apropriar-se do cotidiano, mas não ser absorvida por ele, o que pressupõe a unidade
teoria-prática e a robustez teórico-metodológica.
Por outro lado, uma EA pautada por uma abordagem socioambiental/crítica não
pode exigir daqueles colocados à margem da utilização dos recursos naturais, a aceitação
de padrões preestabelecidos por aqueles que se utilizam, a seu bel prazer, dos recursos da
natureza, como forma de mercantilizá-la, colocando-a a serviço da reprodução do capital
e gerando o bem estar para uma pequena parcela da população mundial.
A consciência ambiental pressupõe democracia e participação social e isto envolve
também um trabalho de construção de uma sociedade justa e igualitária. As questões
ambientais integram-se às conquistas sociais pelo direito à qualidade de vida para todos e
não para uma pequena parcela da população. Na abordagem teórica crítica, que assumimos,
a EA significa ação política. Nesse sentido, a construção da relação dialógica escolacomunidade se faz, mais do que necessária, imprescindível.
Referências
ADORNO, Theodor W. La ideología como lenguaje: la jerga de la autenticidad. 6. ed. Tradução
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Recebido para publicação dia 18 Abril de 2007
Aceito para publicação dia 20 de Agosto 2007
256
RESENHA
257
258
Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais:
Educação, Geografia, Interdisciplinaridade
CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES
Doutoranda em Geografia (UFRGS), Professora e Coordenadora do Curso de Geografia
da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
[email protected]
Quando circulamos no espaço da cidade, em ritmo apressado, mais lento, com
cuidados ou de forma indiferente, não nos damos conta da riqueza, da
complexidade, da beleza e dos desafios que se anunciam por meio de um simples
“estar disponível” para perceber que existem outras formas de ser nesses mesmos
territórios. Talvez olhemos os outros como parte de um cenário de coadjuvantes:
nós no centro e sobre os demais nossos preconceitos, nossos poderes, nossas
soberbas. Isso em nome de muitas filiações, quer de ordem acadêmica/científica,
religiosa, política, quer de senso comum cristalizado.
Nilton Bueno Fischer
O livro Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais –
Educação, Geografia e Interdisciplinaridade, publicado em 2006 pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e organizado por Nelson Rego, Jaqueline Moll e Carlos
Aigner, apresenta reflexões e vivências de educadores, geógrafos e profissionais de diversas
áreas (comunicação, psicologia social, artes, etc.) que estabelecem diálogos
interdisciplinares na perspectiva de uma educação inclusiva e emancipadora. A geografia
do local, em vários contextos, está em destaque nessa obra em que o lugar é o centro a
partir do qual podem ser realizadas as diversas ressignificações do mundo vivido.
Em diversos momentos, a leitura dos artigos presentes no livro leva à reflexão
sobre a importância do conhecimento dos sujeitos (como protagonistas do lugar ao qual
estabelecem vínculos de pertencimento) e espaços sociais para a elaboração de práticas
educativas e ações sociais. A riqueza do trabalho está justamente na ênfase que é dada à
noção de lugar e na idéia de uma produção de saberes transformadores da vida cotidiana.
A compreensão do lugar é um dos caminhos para entender a complexidade do
mundo vivido e buscar as articulações entre o local e o global na sociedade contemporânea.
A idéia de complexidade é uma das perspectivas, também presente nessa obra, tratando os
conhecimentos de forma interdisciplinar nas análises de ações educativas, cujos significados
emergem da leitura do lugar. Essa leitura passa pela construção de um circuito interativo
259
PIRES, C. L. Z.
RESENHA: SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO
DE SUJEITOS...
com o lugar através de práticas e saberes (muitas vezes construídas e condicionadas pela
realidade local) que se reconstituem na diversidade das apropriações espaciais.
Muitas passagens do livro conduzem a instigantes reflexões que, com certeza,
fazem o leitor modificar o seu olhar sobre sujeitos concretos que circulam nos espaços da
cidade de Porto Alegre. São sujeitos que falam através de seu silêncio, de suas diferenças
e de sua identidade sobre justiça social e exclusão. As identidades dos sujeitos e dos
lugares se fundem gerando sentimentos de inclusão e exclusão. O estudo do lugar vivido
tem a evidente preocupação de deslocar o centro do olhar do observador para entender o
olhar dos sujeitos numa relação dialógica de construção de saberes, pois o lugar evoca
relações afetivas e subjetivas que podem romper com uma visão fragmentada do espaço.
A relevância da leitura da obra Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e
Espaços Sociais está justamente nessa tentativa de olhar para a complexidade dos lugares
e evitar uma visão fragmentada e reducionista, articulando local e global e demonstrando
explicitamente a subjetividade das observações na relação sujeito e objeto. Na primeira
parte do livro, intitulada Os estabelecidos e os outros: fluxos na construção e representação
de territórios, merecem destaque as análises feitas pelos autores sobre os poderes
estabelecidos, as culturas hegemônicas e as construções simbólicas que constituem
territórios que podem promover processos de inclusão/exclusão. Já a segunda parte,
intitulada Práticas educativas Instauradoras: os sujeitos e seu lugar no mundo, traz
reflexões, relatos de projetos e vivências de práticas educativas que são denominadas de
instauradoras, pois buscam a superação da realidade vivida através de ações
transformadoras do presente.
Pode-se perceber, nas duas partes do livro, a busca por releituras do lugar a partir
de uma geografia vivida que possa iniciar ou fortalecer ações transformadoras para o
exercício da cidadania e, também, a preocupação sempre presente com processos de
segregação que levam à exclusão social. Os textos são apaixonantes tanto em seus relatos
de experiências como nas reflexões que trazem explicitamente a fonte de seus referencias
teóricos, articulando teoria e prática em diferentes níveis de abordagem.
A aceleração contemporânea, possibilitada pelo desenvolvimento da técnica e da
informação desafia as práticas de ensino de geografia, pois na medida em que o mundo
torna-se globalizado, o lugar revela-se em ação imediata, porque nele se encontram as
possibilidades mais próximas para compreensão do sujeito na relação sócio-espacial. O
lugar assume importância fundamental porque ele representa o cotidiano, o localmente
vivido, portanto, objeto de uma razão global. O lugar é uma categoria importante para a
geografia e as ciências sociais, pois reflete a dinâmica das relações globais e a reconstitui
cotidianamente numa interação perene e cada vez mais consolidada através do
desenvolvimento tecnológico e da globalização econômica. No lugar observamos as
260
Terra Livre - n. 28 (1): 259-261, 2007
tessituras territoriais entrelaçadas por diferentes práticas sócio-culturais e apropriações
concretas e simbólicas do espaço.
Nesse sentido, Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e espaços Sociais é
uma leitura indicada para todos que pretendem desenvolver ações educativas que promovam
a cidadania ou que têm interesse em uma geografia atuante e transformadora que tem
como desafio compreender as dinâmicas das relações espaciais a partir do cotidiano que
passa a compor as redes sócio-espaciais e ambientais do mundo contemporâneo.
Bibliografia
FISCHER, Nilton Bueno. Prefácio. In: REGO, Nelson, MOLL Jaqueline e AIGNER,
Carlos. (Org.). Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação,
Geografia, Interdisciplinaridade. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
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NORMAS
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Terra Livre - n. 28 (1): 264-270, 2007
REVISTA TERRA LIVRE
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
Terra Livre é uma publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
que tem por objetivo divulgar matérias concernentes aos temas presentes na formação e
prática dos geógrafos e sua participação na construção da cidadania. Nela são acolhidos
textos sob a forma de artigos, notas, resenhas, comunicações, entre outras, de todos os
que se interessam e participam do conhecimento propiciado pela Geografia, e que estejam
relacionados com as discussões que envolvem as teorias, metodologias e práticas
desenvolvidas e utilizadas nesse processo, assim como com as condições e situações sob
as quais vêm se manifestando e suas perspectivas.
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inglês, espanhol ou francês.
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demonstrou os limites... (1989)”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo
ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (SANTOS, 1985a),
(SANTOS, 1985b).
8. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética de
sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos.
a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação:
Editora, data. Ex.: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária
Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.
b) No caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In:
SOBRENOME, Nome (Org.). Título do livro. Local de publicação: Editora,
265
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
data, página inicial-página final. Ex.: FRANK, Mônica Weber. Análise
geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas - RS.
In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.).
Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora
da Universidade, 2000, p.67-93.
c)
No caso de artigo: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do
periódico, local de publicação, volume do periódico, número do fascículo,
página inicial- página final, mês(es). Ano. Ex.: SEABRA, Manoel F. G.
Geografla(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984.
d) No caso de dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título da dissertação
(tese). Local: Instituição em que foi defendida, data. Número de páginas.
(Categoria, grau e área de concentração). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da.
Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geográfica.
São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana).
9. As ilustrações (figuras, tabelas, desenhos, gráficos, fotografias ...) devem ser enviadas
preferencialmente em arquivos digitais (formatos JPG ou TIF). Caso contrário, adotarse-à suporte de papel branco. Neste caso, as fotografias devem ter suporte brilhante em
preto & branco. As dimensões máximas, incluindo legenda e título, são de 15 cm, no
sentido horizontal da folha, e 23 cm, no seu sentido vertical. Ao(s) autor(es) compete
indicar a disposição preferencial de inserção das ilustrações no texto, utilizando, para
isso, no lugar desejado, a seguinte indicação: [(fig, foto, quadro, tabela, ...) (n0)].
10. Os originais serão apreciados pela Coordenação de Publicações, que poderá aceitar,
recusar ou reapresentar o original ao(s) autor(es) com sugestões de alterações editoriais.
Os artigos serão enviados aos pareceristas, cujos nomes permanecerão em sigilo, omitindose também o(s) nome(s) do(s) autor(es). Os originais não aprovados serão devolvidos
ao(s) autor(es).
11. A Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) se reserva o direito de facultar os
artigos publicados para reprodução em seu sítio ou por meio de cópia xerográfica, com a
devida citação da fonte. Cada trabalho publicado dá direito a dois exemplares a seu(s)
autor(es), no caso de artigo, e um exemplar nos demais casos (notas, resenhas,
comunicações, ...).
12. Os conceitos emitidos nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es),
não implicando, necessariamente, na concordância da Coordenação de Publicações e/ou
do Conselho Editorial.
13. Os trabalhos devem ser enviados à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) Diretoria Executiva Nacional/Coordenação de Publicações - Terra Livre - Av. Prof. Lineu
Prestes, 332 -Edifício Geografia e História - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São
Paulo (SP)-Brasil. e-mail: [email protected]
14. A Coordenação de Publicações está composta com os seguintes companheiros(as):
Antonio Thomaz Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP- [email protected]); Ana
Paula Maia Jansen (AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/Rio
[email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]).
266
Terra Livre - n. 28 (1): 264-270, 2007
TERRA LIVRE
SUBMISSION GUIDELINES
Terra Livre is a semestrial publication from the Association of Brazilian Geographers
(ABG) that aims to divulge present matters and issues concerned with the geographers
formation and practical affairs and with their participation in the construction of citizenship.
This effort receive writings as articles, notes, releases and so, from everybody that are
interested and participate of the knowledge shaped within Geography and that are related
to the theoretical, methodological and practical discussions developed and used in this
process, as far as under the conditions and situations that has been expressed and their
perspectives.
1. All text contributions mailed to this publication must be unpublished and writen in
portuguese, spanish, english or french.
2. Texts must be presented in the minimum extention of 15 and the maximun of 30 sheets,
with margins (right, left, top and bottom) of 3 cm, in white paper, A4 formal (210 x 297
mm), printed in only one side, with no handmaded corrections, mailed in two prinled
copies and one 3 ½ flexible disk copy from (IBM PC compatible). The file formal must be
MS Word, text using Times New Roman font, size 12 and space 1 ½ between lines.
3. Header must have Title (and Sublille if it’s the case) in portuguese, spanish, french and
english. The second line musl have author(s) name(s) and, in the third line, information
about the instilution(s) where they work, as well as their e-mail and postal address.
4. Text must have abstracts in portuguese, spanish, french and english, from 10 to 15
lines, simple space between lines, and five keywords.
5. Text structure must be divided by not-numbered subtitles. It’s recommended that all
texts may have an introduction and a conclusion parts.
6. Footnotes may not be used for bibliographic references. This aspect should be used
only if it’s extremely necessary and each note must be a maximum of three lines long.
7. Long textual citations (more than 3 lines) must be in a different paragraph. When
mentioning ideas or informations along the lext, they must be formatted as (Author last
name, date) or (Aulhor last name, date, page). Example: (OLIVEIRA, 1991) or
(OLIVEIRA, 1991, p. 25). When lhe author’s name is part of the text, only the date must
be parenthesis indicated. Example: “By this respect, Milton Santos showed lhe limits...
(1989).” Different titles from the same author published in the same year must be identified
by a low case letter after the date. Example: (SANTOS, 1985a), (SANTOS, 1985b).
8. Bibliography must be presented in the end of lhe text, in alphabetical order from the last
names of the autors, as in lhe examples:
a) when it’s a book: LASTNAME, Name. Book title. Place of publication:
Editors, date. Example: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária
Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.
b) when it’s a book chapter: LASTNAME, Name. Chapter title. In: LASTNAME,
Name (Org.). Book title. Place of publicalion: Editors, date, fïrst page-last
page. Example: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação
do Parque Municipal de Niterói, Canoas - RS. In: SUERTEGARAY, Dirce.
BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.). Ambiente e lugar no urbano: a
Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93.
c) When it’s an article: LASTNAME, Name. Article litle. Publication title,
place of publication, volume of publication, number of publication, firstpage-
267
SUBMISSION GUIDELINES
last page, month. Year. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografïa(s)? Orientação,
São Paulo, n.5, p.9-17, oul. 1984.
d) When it’s a MSc, DSc or PHD Thesis: LASTNAME, Name. Thesis
title. Place: Institution, date. Number of pages. (Type, degreee and knowledge
field). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em
Fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese,
doutorado em Ciências: Geografia Humana).
9. All images, figures, tables, drawings, graphs, maps and pictures must be mailed attached
as digital files (JPG or TIF formais are accepted). If it’s not in digital format, we prefer
printings in white paper. In this cases, photos must be supported in brilliant papers and
printed in black & white Standard. Maximum size, including legends and titles, are Hight:
15 cm and Width: 23 cm. The authors must indicate the right position to insert the pictures
in the text, indicating as [(fig, photo, chart, table,...) (number)].
10. The original submission materiais will be evaluated by the Coordination of Publications
of ABG, that can accept, refuse or return the original materiais for further editing by the
authors. The text will be sent to the scientific commission members, whose names will not
be divulged, as well as the author’s names that are submiting materiais. The original texts
not approved will be returned to the authors.
11. The Association of Brazilian Geographers reserves the right to publish all approved
articles in it’s internet website, in the regular printed publication and in any other media,
but granting the authors and other sources citation, as well. Each published article allow
two printed volumes to their authors. Other types of contributions (notes, comments etc.)
allows one printed volumes to their authors.
12. The concepts evolved in the contributions are from entire response of their authors,
and are not, necessarily, of agreement from the Publications Coordinator of ABG nor the
scientific commission members.
13. Submissions must be sent to Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) - Diretoria
Executiva Nacional/Coordenação de Publicações - Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes,
332 -Edifício Geografia e História - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo
(SP) - Brasil, e-mail: [email protected]
14. Publishing management is constituted by the fllowing members: Antonio Thomaz
Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP- [email protected]); Ana Paula Maia Jansen
(AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/Rio [email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]).
268
Terra Livre - n. 28 (1): 264-270, 2007
REVISTA TERRA LIVRE
NORMAS PARA PUBLICACIÓN
Terra Livre es una publicación semestral de la Asociación de los Geógrafos Brasileños
(AGB) que tiene por objetivo divulgar matérias concernientes a los temas presentes en la
formación y práctica de los geógrafos y profisionales afins y su participación en la
construcción de Ia ciudadanía. En ella son escogidos textos sobre la forma de artículos,
notas, resenas, comunicaciones, entre otras, de todos los que se interesan y participan del
conocimiento propiciado por la Geografia, y que estén relacionados con las discusiones
que envuelven las teorias, metodologias y prácticas desarrolladas y utilizadas en este
proceso, así como las condiciones y situaciones sobre las cuales se viene manifestando y
sus perspectivas.
1. Todos los textos enviados a esta revista deben ser inéditos y redirigidos en português,
español, inglés o francés.
2. Los textos deben ser presentados con una extensión mínima de 15 y máxima de 30
hojas, con margen (derecha, izquierda, superior e inferior) de 3 cm. En hojas de papel
blanco, formato A-4 (210x297mm), impreso en una sola cara, sin rasgunos y/o
rectificaciones, enviados en dos vias impresas acompanadas de versión en disket (de 3,5")
de computador padrón IBM PC, compuestos en Word para Windows, utilizando la fuente
Times New Roman, tamano 12, espacio 1e ½ .
3. La Sumilla debe contener el título (y subtítulo, si hubiera) en português, espanol y
francês o inglês. En la segunda línea, el/los nombre(s) del/los autor(es), y, en la tercera,
las informaciones referentes a la(s) institución(es) a Ia que pertenece(n), así como el/los
correo(s) electrónico(s) y dirección postal do(s) autor(es).
4. El texto debe ser acompanado de resúmenes en português, espanol y francês o inglês,
con mínimo de 10 e máximo de 15 líneas, en espacio simple, y una relación de 5 palabras
clave que identifiquen el contenido del texto.
5. La estructura del texto debe ser dividida en partes no numeradas y con subtítulos. Es
esencial que contenga introducción y conclusión o consideraciones finales.
6. Las Notas de zócalo no deberán ser usadas para referencias bibliográficas.
Ese recurso puede ser usado cuando sea extremamente necesario y cada nota debe tener en
torno de
3 líneas.
7. Las citaciones textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un párrafo
independiente. Las menciones a ideas y/o informaciones en el transcurrir del texto deben
subordinarse al esquema (Apellido del autor, fecha) o (Apellido del autor, fecha, página).
Por ejemplo.: (OLIVEIRA, 1991) o (OLIVEIRA, 1991, p.25). Si el nombre dei autor este
citado en el texto, se indica solo Ia fecha entre paréntesis. Por .ejemplo.: “A ese respeto,
Milton Santos demostro los limites... (1989)”. Diferentes títulos del mismo autor publicados
en el mismo año deben ser identificados por una letra minúscula después de la fecha. Por
ejemplo: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b).
8. La bibliografia debe ser presentada a finales del trabajo, en orden alfabética de apellido
de/los autor(es), como en los siguientes ejemplos.
a) En el caso de libro: APELLIDO, Nombre. Título de Ia obra. Local de
publicación: Editora, fecha. Por ejemplo.: VALVERDE, Orlando. Estúdios
de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985
b) En el caso de capítulo de libro: APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In:
269
NORMAS PARA PUBLICACIÓN
APELLIDO, Nombre (Org.). Título dei libro. Local de publicación: Editora,
fecha, página inicial-página final. Por ejemplo.: FRANK, Mónica Weber.
Análisis geográfico para implantación dei Parque Municipal de Niterói,
Canoas-RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto
(Org.). Ambiente y lugar en el urbano: La Gran Porto Alegre. Porto Alegre:
Editora de Ia Universidad, 2000, p.67-93
c) En el caso de artículo: APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Título
del periódico, local de publicación, volumen del periódico, número del
fascículo, página inicial- página final, mes(es). Año. Por ejemplo.: SEABRA,
Manuel F. G. Geografía(s) Orientación, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984.
d) En el caso de disertaciones y tesis: APELLIDO, Nombre. Título de la disertación
(tesis). Local: Institución en que fue defendida, fecha. Número de páginas.
(Categoria, grado y área de concentración). Por ejemplo.: SILVA, José
Borzacchiello de la. Movimientos sociales populares en Fortaleza: un abordaje
geográfico. São Paulo: Facultad de Filosofia, Letras y Ciências Humanas de
la Universidad de São Paulo, 1986. 268p. (Tesis, doctorado en Ciências:
Geografia Humana).
9. Las ilustraciones (figuras, cuadros, dibujos, gráficos, fotografias) deben ser enviadas
preferentemente en archivos digitales (formatos JPG o TIF). De lo contrario, se adoptara
el soporte de papel blanco. En este caso, las fotografias deben tener soporte brillante en
negro & blanco. Las dimensiones máximas, incluyendo leyenda y título, son de 15 cm, en
el sentido horizontal de la hoja, y 23 cm, en su sentido vertical, al/los autor(es) compite
indicar la disposición preferente de inserción de las ilustraciones en el texto, utilizando,
para eso, en el lugar deseado, la siguiente indicación: [(figura, foto, cuadro, tabla,...)
(n0)].
10. Los originales serán apreciados por la Coordinación de Publicaciones, que podrá
aceptar, rechazar o reapresentar el original al/los autor(es) con sugerencias de alteraciones
editoriales. Los artículos serán enviados a los revisores, cuyos nombres permanecerán en
sigilo, omitiéndose también el/los nombre(s) del/los autor(es). Los originales no aprobados
serán devueltos al/los autor(es).
11. La Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) se reserva el derecho de facultar
los artículos publicados para reproducción en su sitio o por médio de fotocopia, con a
debida citación de la fuente. Cada trabajo publicado da derecho a dos ejemplares a su(s)
autor(es), en el caso de artículo, y uno ejemplares en los demás casos (notas, resenas,
comunicaciones,...).
12. Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclusiva de/los autor(es),
no implicando, necesariamente, en la concordância de la Coordinación de Publicaciones
y/o del Consejo Editorial.
13. Los trabajos deben ser enviados a la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB)
- Dirección Ejecutiva Nacional/Coordinación de Publicaciones - Terra Livre - Av. Prof.
Lineu Prestes, 332 -Edifício Geografia e Historia - Ciudad Universitária - CEP 05508900 - São Paulo (SP)-Brasil. e-mail: [email protected]
14. La Coordenación de Publicaciones está composta con los seguintes companeros(as):
Antonio Thomaz Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP - [email protected]); Ana
Paula Maia Jansen (AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/Rio
[email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]).
270
COMPÊNDIO
DOS NÚMEROS ANTERIORES
271
272
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
Compêndio dos números anteriores
01) MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em questão. Ano 1, n. 1,
p. 6-19, 1986.
02) THOMAZ JÚNIOR, Antonio. As agroindústrias canavieiras em Jaboticabal e a
territorialização do monopólio. Ano 1, n. 1, p. 20-25, 1986.
03) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Apropriação da renda da terra pelo capital na
citricultura paulista. Ano 1, n. 1, p. 26-38, 1986.
04) VALVERDE, Orlando. A floresta amazônica e o ecodesenvolvimento. Ano 1, n. 1,
p. 39-42, 1986.
05) SALES, W. C. de C., CAPIBARIBE, P. J. A., RAMOS, P., COSTA, M. C. L. da. Os
agrotóxicos e suas implicações socioambientais. Ano 1, n. 1, p. 43-45, 1986.
06) CARVALHO, Marcos Bernardino de. A natureza na Geografia do ensino médio.
Ano 1, n. 1, p. 46-52, 1986.
07) SANTOS, Douglas. Estado nacional e capital monopolista. Ano 1, n. 1, p. 53-61,
1986.
08) CORRÊA, Roberto Lobato. O enfoque locacional na Geografia. Ano 1, n. 1, p. 6266, 1986.
09) PONTES, Beatriz Maria Soares. Uma avaliação da Lei Nacional do Uso do Solo Urbano.
Ano 1, n. 1, p. 67-72, 1986.
10) PLANO DIRETOR DA AGB NACIONAL GESTÃO 85/86. Ano 1, n. 1, p. 73-75,
1986.
11) A AGB e o documento final do projeto diagnóstico e avaliação do ensino de Geografia
no Brasil. Ano 1, n. 1, p. 76-77, 1986.
12) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Reflexões sobre Geografia e Educação: notas
de um debate. n. 2, p. 9-42, jul.1987.
13) VLACH, Vânia Rúbia Farias. Fragmentos para uma discussão: método e conteúdo
no ensino da Geografia de 1° e 2° graus. n. 2, p. 43-58, jul.1987.
14) VESENTINI, José William. O método e a práxis (notas polêmicas sobre Geografia
tradicional e Geografia crítica). n. 2, p.5 9-90, jul.1987.
15) REGO, Nelson. A unidade (divisão) da Geografia e o sentido da prática. n. 2, p. 91114, jul.1987.
16) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Análise dos planos de ensino da Geografia. n. 2, p.
115-127, jul.1987.
17) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Para a construção do espaço geográfico na criança. n. 2,
p. 129-148, jul.1987.
18) VIANA, P.C.G., FOWLER, R.B, ZAPPIA, R.S., MEDEIROS, M.L.M.B.de. Poluição
das águas internas do Paraná por agrotóxico. n. 2, p. 149-154, jul.1987.
19) AB’ SABER, Aziz Nacib. Espaço territorial e proteção ambiental. n. 3, p. 9-31,
mar.1988.
20) GOMES, Horieste. A questão ambiental: idealismo e realismo ecológico. n. 3, p. 3354, mar.1988.
21) BERRÍOS, ROLANDO. Planejamento ambiental no Brasil. n. 3, p. 55-63, mar.1988.
273
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
22) BRAGA, Ricardo Augusto Pessoa. Avaliação de impactos ambientais: uma abordagem
sistêmica. n. 3, p. 65-74, mar.1988.
23) LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. n. 3, p. 75-88,
mar.1988.
24) SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes e SCHÄFFER, Neiva Otero. Análise
ambiental: a atuação do geógrafo para e na sociedade. n. 3, p. 89-103, mar.1988.
25) ESTRADA, Maria Lúcia. Algumas considerações sobre a Geografia e o seu ensino o caso da industralização brasileira. n. 3, p. 105-120, mar.1988.
26) MESQUITA, Zilá. Os “espaços” do espaço brasileiro em fins do século XX n. 4, p. 938, jul.1988.
27) RIBEIRO, Wagner Costa. Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidade
e dinâmica da história humana. n. 4, p. 39-53, jul.1988.
28) SILVA, José Borzacchiello da. Gestão democrática do espaço e participação dos
Geógrafos. n. 4, p. 55-76, jul.1988.
29) REGO, Nelson. A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova Ronda
Alta e o seu significado para o Movimento dos Sem Terra. n. 4, p. 65-76, jul. 1988.
30) VALLEJO, Luiz Renato. Ecodesenvolvimento e o mito do progresso. n. 4, p. 77-87,
jul.1988.
31) VLACH, Vânia Rubia Farias. Rediscutindo a questão acerca do livro didático de
Geografia para o ensino de 1° e 2° graus. n. 4, p. 89-95, jul.1988.
32) SCHÄFFER, Neiva Otero. Os estudos sociais ocupam novamente o espaço... da
discussão. n. 4, p. 97-108, jul.1988.
33) SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica. n. 5, p. 9-20, 1988.
34) SOUZA, Marcelo José Lopes de. “Espaciologia”: uma objeção (crítica aos
prestigiamentos pseudo-críticos do espaço social). n. 5, p. 21-45, 1988.
35) GOMES, Paulo César da Costa e COSTA, Rogério Haesbaert da. O espaço na
modernidade). n. 5, p. 47-67, 1988.
36) SILVA, Mário Cezar Tompes da. O papel do político na construção do espaço dos
homens). n. 5, p. 69-82, 1988.
37) SOUZA Marcos José Nogueira de. Subsídios para uma política conservacionista dos
recursos naturais renováveis do Ceará). n. 5, p. 83-101, 1988.
38) KRENAK, Ailton. Tradição indígena e ocupação sustentável da floresta. n. 6, p. 918, ago.1989.
39) MOREIRA, Ruy. A marcha do capitalismo e a essência econômica da questão agrária
no Brasil. n. 6, p. 19-63, ago.1989.
40) SADER, Regina. Migração e violência: o caso da Pré-Amazônia Maranhense. n. 6, p.
65-76, ago.1989.
41) FAULHABER, Priscila. A terceira margem: índios e ribeirinhos do Solimões. n. 6, p.
77-92, ago.1989.
42) TARELHO, Luiz Carlos. Movimento Sem Terra de Sumaré. Espaço de conscientização
e de luta pela posse da terra. n. 6, p. 93-104, ago.1989.
43) OLIVEIRA, Bernadete de Castro. Reforma agrária para quem? Discutindo o campo
no estado de São Paulo. n. 6, p. 105-114, ago.1989.
274
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
44) BARBOSA, Ycarim Melgaço. O movimento camponês de Trombas e Formoso. n. 6,
p. 115-122, ago.1989.
45) MENDES, Chico. A luta dos povos da floresta. n. 7, p. 9-21, 1990.
46) BARROS, Raimundo. O seringueiro. n. 7, p. 23-42, 1990.
47) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A defesa da natureza começa pela terra. n. 7,
p.4 3-52, 1990.
48) COLTRINARI, Lylian. A Geografia e as mudanças ambientais. n. 7, p. 53-57, 1990.
49) SILVA, Armando Corrêa da. Ponto de vista: o pós-marxismo e o espaço cotidiano. n. 7,
p. 59-62, 1990.
50) COSTA, Rogério Haesbaert da. Filosofia, Geografia e crise da modernidade. n. 7,
p. 63-92, 1990.
51) RIBEIRO, Wagner Costa. Maquiavel: uma abordagem geográfica e (geo)política. n. 7,
p. 3-107, 1990.
52) CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos e GOULART, Lígia Beatriz. Uma contribuição
à reflexão do ensino de geografia: a noção de espacialidade e o estatuto da natureza. n. 7,
p. 109-118, 1990.
53) CORDEIRO, Helena K. Estudo sobre o centro metropolitano de São Paulo. n. 8,
p. 7-33, abr.1991.
54) MAURO, C.A., VITTE, A.C., RAIZARO, D.D., LOZANI, M.C.B., CECCATO, V.A.
Para salvar a bacia do Piracicaba. n. 8, p. 35-66, abr.1991.
55) PAVIANI, Aldo. Impactos ambientais e grandes projetos: desafios para a universidade.
n. 8, p. 67-76, abr.1991.
56) FURIAN Sônia. “A nave espacial terra: para onde vai?” n. 8, p.77-82, abr.1991.
57) ALMEIDA, Rosângela D. de. A propósito da questão teórico-metodológica sobre o
ensino de Geografia. n. 8, p. 83-90, abr.1991.
58) FILHO, Fadel D. Antonio e ALMEIDA, Rosângela D. de. A questão metodológica no
ensino da Geografia: uma experiência. n. 8, p. 91-100, abr.1991.
59) ESCOLAR, M., ESCOLAR, C., PALACIOS, S.Q. Ideologia, didática e
corporativismo: uma alternativa teórico-metodológica para o estudo histórico da Geografia
no ensino primário e secundário. n. 8, p. 101-110, abr.1991.
60) ARAÚJO, Regina e MAGNOLI, Demétrio. Reconstruindo muros: crítica à proposta
curricular de Geografia da CENP-SP. n. 8, p. 111-119, abr.1991.
61) PEREIRA, D., SANTOS, D., CARVALHO, M. de. A Geografia no 1° grau: algumas
reflexões. n. 8, p. 121-131, abr.1991.
62) SOARES, Maria Lúcia de Amorim. A cidade de São Paulo no imaginário infantil
piedadense. n. 8, p. 133-155, abr.1991.
63) MAMIGONIAN, Armen. A AGB e a produção geográfica brasileira: avanços e recuos.
n. 8, p.157-162, abr.1991.
64) SANTOS, Milton. A evolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. n. 9,
p. 7-17, jul.-dez.1991.
65) LIMA, Luiz Cruz. Tecnopólo: uma forma de produzir na modernidade atual. n. 9, p.
19-40, jul.-dez.1991.
66) GUIMARÃES, Raul Borges. A tecnificação da prática médica no Brasil: em busca de
275
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
sua geografização. n. 9, p. 41-55, jul.-dez.1991.
67) PIRES, Hindemburgo Francisco. As metamorfoses tecnológicas do capitalismo no
período atual. n. 9, p. 57-89, jul.-dez.1991.
68) OLIVEIRA, Márcio de. A questão da industrialização no Rio de Janeiro: algumas
reflexões. n. 9, p. 91-101, jul.-dez.1991.
69) HAESBAERT, Rogério. A (des)or-dem mundial, os novos blocos de poder e o sentido
da crise. n. 9, p. 103-127, jul.-dez.1991.
70) SILVA, Armando Corrêa da. Ontologia analítica: teoria e método. n. 9, p. 129-133,
jul.-dez.1991.
71) SILVA, Eunice Isaías da. O espaço: une/separa/une. n. 9, p. 135-141, jul.-dez.1991.
72) ANDRADE, Manuel Correia de. A AGB e o pensamento geográfico no Brasil. n. 9,
p. 143-152, jul.-dez.1991.
73) MORAES, Rubens Borba de. Contribuições para a história do povoamento em São
Paulo até fins do século XVIII. n. 10, p. 11-22, jan.-jul. 1992.
74) AZEVEDO de Aroldo. Vilas e cidades do Brasil colonial. n. 10, p. 23-78, jan.-jul.
1992.
75) PETRONE, Pasquale. Notas sobre o fenômeno urbano no Brasil. n. 10, p. 79-92,
jan.-jul. 1992.
76) CORRÊA, Roberto Lobato. A vida urbana em Alagoas: a importância dos meios de
transporte na sua evolução. n.10, p.93-116, jan.-jul. 1992.
77) VALVERDE, Orlando. Pré-história da AGB carioca. n. 10, p. 117-122, jan.-jul. 1992.
78) SOUZA, Marcelo José Lopes de. Planejamento Integrado de Desenvolvimento:
natureza, validade e limites. n. 10, p. 123-139, jan.-jul. 1992.
79) ANDRADE, Manuel Correia de. América Latina: presente, passado e futuro. n. 10,
p. 140-148, jan.-jul. 1992.
80) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografia política e desenvolvimento sustentável.
n. 11-12, p. 9-76, ago.92-ago.93.
81) RODRIGUES, Arlete Moysés. Espaço, meio ambiente e desenvolvimento: reeleituras
do território. n. 11-12, p. 77-90, ago.92-ago.93.
82) EVASO, A.S., VITIELLO, M.A., JUNIOR, C.B., NOGUEIRA, S.M., RIBEIRO,
W.C. Desenvolvimento sustentável: mito ou realidade? n. 11-12, p.91-101, ago.92-ago.93.
83) DAVIDOVICH, Fany. Política urbana no Brasil, ensaio de um balanço e de perspectiva.
n. 11-12, p. 103-117, ago.92-ago.93.
84) MARTINS, Sérgio. A produção do espaço na fronteira: a acumulação primitiva revisitada.
n. 11-12, p. 119-133, ago.92-ago.93.
85) IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. Os dilemas históricos da questão agrária no Brasil.
n. 11-12, p. 135-151, ago.92-ago.93.
86) FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma agrária e modernização no campo.
n. 11-12, p. 153-175, ago.92-ago.93.
87) ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Ensino de Geografia e a formação do geógrafoeducador. n. 11-12, p. 177-188, ago.92-ago.93.
88) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Licenciandos de Geografia e as representações sobre
o “ser professor”. n. 11-12, p. 189-207, ago.92-ago.93.
276
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
89) VESENTINI, José William. O novo papel da escola e do ensino da Geografia na
época da terceira revolução industrial. n. 11-12, p. 209-224, ago.92-ago.93.
90) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Iniciação às ciências sociais: os grupos, os espaços, os
tempos. n. 11-12, p. 225-236, ago.92-ago.93.
91) RIBEIRO, Wagner Costa. Do lugar ao mundo ou o mundo no lugar? n. 11-12, p. 237242, ago.92-ago.93.
92) PINHEIRO, Antonio Carlos e MASCARIN, Silvia Regina. Problemas sociais da
escola e a contribuição do ensino de Geografia. n. 11-12, p. 243-264, ago.92-ago.93.
93) SILVA, Armando Corrêa da. A contrvérsia modernidade x pós-modernidade. n. 11-12,
p. 265-268, ago.92-ago.93.
94) ROSA, Paulo Roberto de Oliveira. Contextos e circuntâncias: princípio ativo das
categorias. n. 11-12, p. 269-270, ago.92-ago.93.
95) CALLAI, Helena Copetti. O meio ambiente no ensino fundamental. n. 13, p. 9-19,
1997.
96) CAMARGO, L.F. de F., FORTU-NATO, M.R. Marcas de uma política de exclusão
social para a América Latina. n. 13, p. 20-29, 1997.
97) KAERCHER, Nestor André. PCN’s: futebolistas e padres se encontram num Brasil
que não conhecemos. n. 13, p. 30-41, 1997.
98) CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? n. 13,
p. 42-60, 1997.
99) PONTES, Beatriz Maria Soares. Economia e território sob a ótica do estado autoritário
(1964-1970). n. 13, p. 61-90, 1997.
100) SOUSA NETO, Manuel Fernandes de. A ágora e o agora. n. 14, p. 11-21, jan.-jul.
1999.
101) FILHO, Manuel Martins de Santana. Sobre uma leitura alegórica da escola. n. 14,
p. 22-29, jan.-jul. 1999.
102) COUTO, Marcos Antônio Campos e ANTUNES, Charlles da França. A formação do
professor e a relação escola básica-universidade: um projeto de educação. n. 14, p. 30-40,
jan.-jul. 1999.
103) PEREIRA, Diamantino. A dimensão pedagógica na formação do geógrafo. n. 14, p.
41-47, jan.-jul. 1999.
104) CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. A formação de professores e o ensino de
Geografia. n. 14, p. 48-55, jan.-jul. 1999.
105) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia no ensino médio. n. 14, p. 56-89, jan.-jul.
1999.
106) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Interdisciplinaridade: aproximações e fazeres. n. 14,
p. 90-110, jan.-jul. 1990.
107) CAVALCANTI, Lana de Souza. Propostas curriculares de Geografia no ensino:
algumas referências de análise. n. 14, p. 111-128, jan.-jul. 1990.
108) SOUZA NETO, Manoel Fernandes de. A Ciência Geográfica e a construção do Brasil.
n. 15, p. 9-20, 2000.
109) DAMIANI, Amélia Luísa. A metrópole e a indústria: reflexões sobre uma
urbanização crítica. n. 15, p. 21-37, 2000.
277
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
110) SOUZA, Marcelo Lopes de. Os orçamentos participativos e sua espacialidade: uma
agenda de pesquisa. n. 15, p.39-58, 2000.
111) FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento social como categoria geográfica. n. 15,
p. 59-85, 2000.
112) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. O que há de novo no rural brasileiro? n. 15,
p. 87-112, 2000.
113) BRAGA, Rosalina. Formação inicial de professores: uma trajetória com
permanências eivadas por dissensos e impasses. n. 15, p. 113-128, 2000.
114) ROCHA, Genylton Odilon Rego da. Uma breve história da formação do(a)
professor(a) de Geografia do Brasil. n. 15, p. 129-144, 2000.
115) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Geografia, representações sociais e escola pública. n. 15,
p. 145-154, 2000.
116) OLIVEIRA, Márcio Piñon. Geografia, Globalização e cidadania. n. 15, p. 155164, 2000.
117) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. “Navegar é preciso, viver não é preciso”:
estudo sobre o Projeto de Perenização da Hidrovia dos Rios das Mortes: Araguaia e Tocantins. n. 15,
p. 167-213, 2000.
118) VITTE, Antonio Carlos. Considerações sobre a teoria da etchplanação e sua
aplicação nos estudos das formas de relevo nas regiões tropicais quentes e úmidas. n. 16,
p. 11-24, 2001.
119) RAMIRES, Blanca. Krugman y el regresso a los modelos espaciales: ¿La nueva
geografía? n. 16, p. 25 - 38, 2001.
120) FERREIRA, Darlene Ap. de Oliveira. Geografia Agrária no Brasil: periodização e
conceituação. n. 16, p. 39-70, 2001.
121) MAIA, Doralice Sátyro. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. n. 16,
p. 71-98, 2001.
122) SPOSITO, Eliseu. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas
na Geografia contemporânea. n. 16, p. 99-112, 2001.
123) MENDONÇA, Francisco. Geografia socioambiental. n. 16, p. 113-132, 2001.
124) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o Ensino?
n. 16, p. 133-152, 2001.
125) PIRES, Hindenburgo Francisco. “Ethos” e mitos do pensamento único globaltotalitário.
n. 16, p. 153-168, 2001.
126) REGO, Nelson. SUERTEGARAY, Dirce Maria. HEIDRICH, Álvaro. O ensino de
Geografia como uma hermenêutica instauradora. n. 16, p. 169-194, 2001.
126) SUERTEGARAY, Dirce M. Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza
da Geografia Física na Geografia. n. 17, p. 11-24, 2001.
127) OLIVA, Jaime Tadeu. O espaço geográfico como componente social. n. 17, p. 2548, 2001.
128) NETO, João Lima Sant’anna. Por uma Geografia do Clima – antecedentes históricos,
paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. n. 17, p. 4962, 2001.
278
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
129) SEGRELLES, José Antonio. Hacia uma enseñanza comprometida y social de la
Geografía en la universidad. n. 17, p. 63-78, 2001.
130) RIBEIRO, Júlio Cézar; GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma busca
conceitual pelo viés da contextualização histórico-espacial da sociedade. n. 17, p. 79-98,
2001.
131) CIDADE, Lúcia Cony Faria. Visões de mundo, visões da Natureza e a formação de
paradigmas geográficos. n. 17, p. 99-118, 2001.
132) NETO, Manuel Fernandes de Sousa. Geografia nos trópicos: história dos náufragos
de uma Jangada de Pedras. n. 17, p. 119-138, 2001.
133) ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. O espaço geográfico dos remanecentes de antigos
quilombos no Brasil. n. 17, p. 139-154, 2001.
134) GUIMARÃES, Raul Borges. Saúde urbana: velho tema, novas questões. n.17, p.
155-170.
135) CAPEL, Horácio. A Geografia depois dos atentados de 11 de setembro. Ano 18, v.
1, n. 18, p. 11-36.
136) HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda.
Ano 18, v. 1, n. 18, p. 37-46.
137) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Globalização, Estado e culturas crimonosas. Ano 18, v.1,
n. 18, p. 47-62.
138) SEGRELLES, José Antonio. Integração regional e globalização. Uma reflexão sobre
casos do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Área de Livre Comércio das Américas
desde uma perspectiva européia. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 63-74,
139) RIBEIRO, Wagner Costa. Mudanças climáticas, realismo e multilateralismo. Ano
18, v. 1, n. 18, p. 75-84.
140) MANGANO, Stefania. Evolução do conceito da planificação territorial na Itália. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 85-94.
141) STRAFORINI, Rafael. A totalidade do mundo nas primeiras séries do ensino
fundamental: um desafio a ser enfrentado. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 95-114.
142) KEINERT, Tânia M. M., KARRUZ, Ana Paula, KARRUZ, Silvia Maria. Sistemas locais
de informação e a gestão pública da qualidade de vida nas cidades locais. Ano 18, v. 1, n. 18,
p. 115-132.
143) GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar. Dilemas nas (re)estruturações das metrópoles. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 133-142.
144) DINIZ Filho, Luis Lopes. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na Geografia
Econômica: um breve balanço. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 143-160.
145) CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia brasileira, hoje: algumas reflexões. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 161-178.
146) NUNES, Luci Hidalgo. Discussão acerca de mudanças climáticas (notas). Ano 18, v. 1,
n. 18, p. 179-184.
147) MELAZZO, Everaldo Santos. Renda de cidadania: a saída é pela porta (resenha).
Ano 18, v. 1, n. 18, p. 185-186.
148) RAMIREZ, Blanca. Terra Incognitae: el surgimiento de nuevas regiones y territorios
em el marco de la globalización (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 187-190.
279
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões
a partir do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35.
150) CALLE, Angel. Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala y
España. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 37-58.
151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18,
v. 2, n. 19, p. 59-74.
152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos
assentamentos e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94.
153) MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Ano 18, v. 2,
n. 19, p. 95-112.
154) FERNANDES, Bernardo M., DA PONTE, Karina F. As vilas rurais do Estado do
Paraná e as novas ruralidades. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 113-126.
155) SMITH, Neil. Geografia, diferencia y las políticas de escala. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
127-146.
156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e
adaptações – o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162.
157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista:
implicações do aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por completo
parte de si mesma. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176.
158) LEAL, Antonio Cezar, THOMAZ Jr., Antonio, ALVES, Neri, GONÇALVES,
Marcelino A., DIVIESO, Eduardo P., CANTÓIA, Silvia, GOMES, Adriana M.,
GONÇALVES, Sara Maria M. P. S., ROTTA, Valdir E. A reinserção do lixo na sociedade
do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem.
Ano 18, v. 2, n. 19, p. 177-190.
159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2,
n. 19, p. 191-198.
160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 199-212.
161) SILVA, Silvio Simione. A liberdade no “fazer ciência” em Geografia. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 213-228.
162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST.
Ano 18, v. 2, n. 19, p. 229-242.
163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudos
e a retórica do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256.
164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e luta
pela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
257-272.
165) STACCIARINI, José Henrique Rodrigues. Ética, humanidade e ações por cidadania:
280
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 273284.
166) BESSAT, Frédéric. A mudança climática entre ciência, desafios e decisões: olhar
geográfico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 11-26.
167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul:
indução empírica e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49.
168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano da
sociedade: mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63.
169) ZAVATINI, João Afonso. A produção brasileira em climatologia: o tempo e o espaço
nos estudos do ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 65-100.
170) NUNES, Lucí Hidalgo. Repercussões globais, regionais e locais do aquecimento
global. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 101-110.
171) SILVA, Maria Elisa Siqueira, GUETTER, Alexandre K. Mudanças climáticas
regionais observadas no Estado do Paraná. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 111-126.
172) PACIORNIK, Newton. Mudança global do clima: repercussões globais, regionais e
locais. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 127-135.
173) VERÍSSIMO, Maria Elisa Zanella. Algumas considerações sobre o aquecimento
global e suas repercussões. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 137-143.
174) ASSIS, Eleonora Sad de. Métodos preditivos da climatologia como subsídios ao
planejamento urbano: aplicação em conforto térmico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 145-158.
175) FRAGA, Nilson César. Clima, gestão do território e enchentes no Vale do Itajaí-SC.
Ano 19, v. 1, n. 20, p. 159-170.
176) BEJARÁN, R., GARÍN, A. De, SCHWEIGMANN, N. Aplicación de la predicción
meteorológica para el pronóstico de la abundancia potencial del Aedes aegypti en Buenos
Aires. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 171-178.
177) FERREIRA, Maria Eugenia M. Costa. “Doenças tropicais”: o clima e a saúde coletiva.
Alterações climáticas e a ocorrência de malária na área de influência do reservatório de
Itaipu, PR. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 179-191.
178) CONFALONIERI, Ulisses E. C. Variabilidade climática, vulnerabilidade social e
saúde no Brasil. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 193-204.
179) MENDONÇA, Francisco. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica
– notas introdutórias. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 205-221.
180) CLAVAL, Paul. The logic of multilingual cities and their political problems. Ano 19, v. 2,
n. 21, p. 11-23.
181) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.
Ano 19, v. 2, n. 21, p. 25-39.
182) BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia Agrária e responsabilidade social da ciência. Ano
19, v. 2, n. 21, p. 41-53.
281
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
183) GRABOIS, José, CEZAR, Lucia Helena da S., SANTOS, Cátia P. dos, GREGÓRIO Filho,
Gregório. O habitat e a questão social no Noroeste Fluminense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 55-71.
184) ALMEIDA, Rose Aparecida de. O conceito de classe camponesa em questão. Ano 19, v. 2,
n. 21, p. 73-88.
185) FERNANDES, Bernardo M., SILVA, Anderson A., GIRARDI, Eduardo P.
DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra: uma experiência de pesquisa e extensão
no estudo da territorialização da luta pela terra. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 89-112.
186) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e modernidade: as transformações no
campo e o agronegócio no Brasil. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156.
187) BERNARDES, Júlia Adão. Territorialização do capital, trabalho e meio ambiente
em Mato Grosso. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 157-167.
188) ABREU, Silvana de. Racionalização e ideologia: o domínio do capital no
espaço matogrossense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 169-181.
189) OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. A busca do desenvolvimento sustentável na
gestão dos recursos hídricos brasileiros. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 183-192.
190) PASSOS, Messias Modesto dos. A construção da paisagem no Pontal do
Paranapanema – uma apreensão geo-foto-gráfica. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 193-211.
191) MARTINS, César Augusto Ávila. Empresas na pesca e aqüicultura: anotações do
uso do território. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 213-223.
192) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Desterritorialização da violência no capitalismo
globalitário: o caso do Brasil e do Espírito Santo. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 225-240.
193) MORATO, Rúbia G., KAWAKUBO, Fernando S., LUCHIARI, Ailton. Mapeamento
da qualidade de vida em áreas urbanas: conceitos e metodologias. Ano 19, v. 2, n. 21, p.
241-248.
194) HENRIQUE, Wendel. A natureza nos interstícios do social – uma leitura das idéias
de natureza nas obras de Milton Santos. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 249-262.
195) PANCHER, Andréia M. FREITAS, Maria Isabel C. de. Mapeamento do crescimento urbano
em áreas de várzea na passagem do Rio Corumbataí por Rio Claro/SP. Ano 19, v. 2, n. 21,
p. 263-279.
196) SPOSITO, Eliseu Savério. Dinâmica regional e diversificação industrial (Resenha). Ano 19, v.
2, n. 21, p. 281-284.
197) SEABRA, Manoel. Os primeiros anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20,
v. 1, n. 22, p. 13-68.
198) VIEIRA, Alexandre B., PEDON, Nelson R. O papel das comunidades científicas: a
AGB Nacional e a Seção Local de Presidente Prudente/SP. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 71-83.
199) Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Dourados. AGB – Seção Dourados:
memória e história de um processo de construção coletiva. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 85-97.
200) SANTANA, Mário Rubem C., AMORIM, Itamar G. De, GOMES, Denize S. AGB
282
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– Salvador, quase 50 anos de Geografia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 99-112.
201) FONTOURA, Luiz Fernando M., DUTRA, Viviane S. Os 30 anos da Associação
dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre. Ano 20, v. 1, n. 22, p.113-123.
202) CROCETTI, Zeno Soares. AGB: Desejos de transformação. Ano 20, v. 1, n. 22, p.
125-132.
203) CHAVES, Manoel R., MESQUITA, Helena A. da, MENDONÇA, Marcelo R. Inserção,
crítica e intervenção na realidade: a AGB e a Geografia em Catalão – GO. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 133-143.
204) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. AGB-Rio: 68 anos de história. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 145-152.
205) FONSECA, Valter Machado da. A história da AGB – Uberaba (MG) e a perspectiva de
construção de um pólo do pensamento geográfico no Triângulo Mineiro. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 153-160.
206) ROMANCINI, Sônia R., SILVESTRI Magno. Trajetória histórica e perspectivas da
AGB – Seção Local Cuiabá. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 161-168.
207) GOMES, Horieste. Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Goiânia. Ano 20, v. 1,
n. 22, p. 169-176.
208) ANTUNES, Charlles da França. AGB-Niterói: notas de um começo de história. Ano
20, v. 1, n. 22, p. 177-189.
209) Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Bauru. O
trabalho técnico-político-pedagógico da Associação dos Geógrafos Brasileiros na Seção
Local Bauru – AGB/Bauru. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 189-195.
210) RODRIGUES, Arlete Moysés. Contribuição da AGB na construção da Geografia
Brasileira: uma outra Geografia sempre é possível. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 199-209.
211) ANDRADE, Manuel C. De. A AGB – 1961/62 – Um depoimento. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 211-212.
212) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB 1934 – 2004. Ano 20, v. 1, n. 22, p.
213-230.
213) ALVES, William Rosa. A permanente busca do horizonte: a história da AGB-BH. Ano 20,
v. 1, n. 22, p. 231-255.
214) RODRIGUES, Renata M. de A. Estudos de Impacto Ambiental e o perfil do geógrafo.
Ano 20, v. 1, n. 22, p. 237-248.
215) ELIAS, Denise, RODRIGUES, Renata M. de A. Os presidentes da Associação dos
Geógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 251-260.
216) BENKO, Georges. Murano et les verries: um district industriel pas comme les autres.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 15-34.
217) HAESBAERT, Rogério. Precarização, Reclusão e “exclusão” territorial. Ano 20, v.
2, n. 23, p. 35-51.
283
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
218) GOETTERT, Jones Dari. “Lúcia Gramado Kaigang”: como me redescobri na Serra
Gaúcha. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 53-74.
219) REFFATTI, Lucimara Vizzotto, REGO, Nelson. Representações de mundo, geografias
adversas e manejo simbólico – proximações entre clínica psicopedagógica e ensino de Geografia.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 75-85.
220) SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 87-96.
221) LIMA, Luiz C., MONIÉ, Frédéric, BATISTA, Francisca G. A nova geografia econômica
mundial e a emergência de um novo sistema portuário no Estado do Ceará: o Porto do Pecém.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 97-109.
222) KAWAKUBO, Fernando S., MORATO, Rúbia G., CORREIA JUNIOR, Paulo A.,
LUCHIARI, Ailton. Utilização de imagens híbridas geradas a partir da transformação de IHS
e aplicação de segmentação no mapeamento detalhado do uso da terra. Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 111-122.
223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas
de reforma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138.
224) OLIVEIRA, Ivanilton José de. Sustentabilidade de sistemas produtivos agrários em
paisagens do cerrado: uma análise no município de Jataí-GO. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 139-159.
225) GADE, Daniel W. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 163164.
226) CLAVAL, Paul. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 1165-167.
227) CLAVAL, Paul. The nature and scope of Political Geography. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 1328.
228) VLACH, Vânia R. F. Entre a idéia de território e a lógica da rede: desafios para o ensino
de Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 29-41.
229) AUED, Idaleto M.; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de O método de desconstituição
do capital e a Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 43-60.
230) HASSLER, Márcio L. Áreas de proteção ambiental e unidades territoriais de
planejamento na porção leste da região metropolitana de Curitiba. Ano 21, v. 1, n. 24, p.
61-75.
231) MORETTI, Edvaldo C.; LOMBA, Gilson K. Precarização do trabalho e
territorialidade da atividade turística em Bonito-MS. Ano 21, v. 1, n. 24,
p. 77-99.
232) SOUSA, Givaldo V. de; DUTRA JUNIOR, Wagnervalter. O imaginário social e
território no distrito de José Gonçalves – BA. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 101-117.
233) GIL FILHO, Sylvio F. Geografia da religião: o sagrado como representação. Ano 21, v. 1,
n. 24, p. 119-133.
234) SUERTEGARAY, Dirce M. A. ; VERDUM, Roberto ; BELLANCA, Eri T. ; UAGODA,
284
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
Rogério S. Sobre a gênese da arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul. Ano 21, v. 1, n. 24,
p. 135-150.
235) HENRIQUE, Wendel. Proposta de periodização das relações sociedade-natureza:
uma abordagem geográfica de idéias, conceitos e representações. Ano 21, v. 1, n. 24, p.
151-175.
236) PINHEIRO, Antonio C. Tendências teórico-metodológicas e suas influências nas
pesquisas acadêmicas sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 177191.
237) CUSTODIO, Vanderli. Inundações no espaço urbano: as dimensões natural e social
do problema. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 193-210.
238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de los
Riesgos Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230.
239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares
(Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 233-236.
240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries
iniciais (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241.
241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno e
desigualdades socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33.
242) SERPA, Ângelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidade
contemporânea. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 35-48.
243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en Geografía.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 49-65.
244) MARANDOLA JR, Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79.
245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93.
246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira (LondrinaParaná). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110.
247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro - entre o ativismo e a ciência, a
introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2,
n. 25, p. 111-120.
248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricos
no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137.
249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Contribuição
ao debate sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis conseqüências em
relação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 139-155.
250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre a
biodiversidade e singularidade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162.
285
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
251) CHASE, Jacquelyn. Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso
(Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 163-166.
252) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Amazônia e a nova geografia da produção da
soja. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 13-43.
253) SILVA, Sílvio Simione da. Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensão
da diferenciação dos trabalhadores seringueiros do campesinato acreano. Ano 22, v. 1, n. 26,
p. 45-61.
254) CRUZ, Valter do Carmo. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia.
Ano 22, v. 1, n. 26, p. 63-89.
255) NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. A geograficidade dos comandantes de
embarcação no Amazonas. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 91-108.
256) SZLAFSZTEIN, Claudio.; STERR, Horst.; LARA, Rubén. Estratégias e medidas
de proteção contra desastres naturais na zona costeira da região amazônica, Brasil. Ano
22, v. 1, n. 26, p. 109-125.
257) CAMPOS, Agostinho C.; CASTRO, Selma S. de. Unidades de Conservação, a
importância dos parques e o papel da Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 127-141.
258) ROCHA, Genylton O. R. da; AMORAS, Izabel C. R. O ensino de geografia e a
construção de representações sociais sobre a Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 143-164.
259) COSTA, Maria A. F.; RIBEIRO, Willame de O.; TAVARES, Maria G. da C. Entre
a valorização da diversidade humana e a negação da historicidade sócio-espacial: o que
pode o ecoturismo na Amazônia? Ano 22, v. 1, n. 26, p. 165-175.
260) TRINDADE JR, Saint-Clair C. da. Grandes projetos, urbanização do território e
metropolização na Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 177-194.
261) BRITO, Lílian S. A.; COSTA, Léa M. G. Estratégias de desenvolvimento regional
para a Amazônia pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuro. Ano 22, v. 1, n.
26, p. 195-205.
262) SILVA, José Borzacchiello da. La fabrication du Brasil: une grande puissance en
devenir (Resenha). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 209-210.
263) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB-1934-2004 (Depoimento). Ano 22, v. 1,
n. 26, p. 213-221.
264) MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Aziz Nacib Ab’Saber – geógrafo
brasileiro. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 15-30.
265) VITTE, Claudete de Castro Silva. Integração, soberania e território na América do
Sul: um estudo da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional SulAmericana). Ano 22, v. 2, n. 27, p. 31-48.
266) GÓES, Eda; ANDRÉ, Luis André. Violência e fragmentação: dimensões
complementares da realidade paulistana. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 49-68.
267) ANTUNES, Ricardo. Perenidade e superfluidade do trabalho: alguns equívocos sobre
a desconstrução do trabalho. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 71-84.
286
Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007
268) MASSEY, Doreen. Travelling thoughts / Pensamentos itinerantes. Ano 22, v. 2, n.
27, p. 85-92 / 93-100.
269) LINDÓN, Alicia. Os hologramas sócio-espaciais e o constructivismo geográfico.
Ano 22, v. 2, n. 27, p. 101-120.
270) NUNES, João Osvaldo Rodrigues; SANT’ANNA NETO, João Lima;
TOMMASELLI, José Tadeu Garcia; AMORIM, Margarete Cristiane de Costa Trindade;
PERUSI, Maria Cristina. A influência dos métodos científicos na Geografia Física. Ano
22, v. 2, n. 27, p. 121-132.
271) HESPANHOL, Antonio Nivaldo; HESPANHOL, Rosangela Aparecida de Medeiro.
Dinâmica do espaço rural e novas perspectivas de análise das relações campo-cidade no
Brasil. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 133-148.
272) FERREIRA, Maria da Glória Rocha. (Re)organização do espaço a partir da produção
de soja: Balsas-MA. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 149-164.
273) QUEIROZ FILHO, Alfredo Pereira de. Considerações sobre a interatividade na
Cartografia. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 165-184.
274) NUNES, Flaviana Gasparotti. A importância do econômico na Geografia atualmente:
algumas questões para o debate. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 185-196.
275) REOLON, Cleverson Alexsander; SOUZA, Edson Belo Clemente de. Reestruturação
sócio-espacial: as estratégias espaciais de ação adotadas pelas empresas do Paraná. Ano
22, v. 2, n. 27, p. 197-210.
276) FERRAZ, Cláudio Benito O. Geografia de exílio (resenha). Ano 22, v. 2, n. 27, p.
213-216.
287
Título
Preparação de originais
e revisão de textos
Capa
Arte final da capa
Editoração eletrônica
Formato
Tipologia
Papel
Número de páginas
Tiragem
Impressão
288
Geografia e Ensino
José Alves
Thais Barros de Souza
Gilson Kleber Lomba
Alexandre Aldo Neves
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