Terra Livre Geografia e Ensino associação dos geográfos brasileiros 1 Associação dos Geógrafos Brasileiros Diretoria Executiva Nacional Gestão 2006/2008 Presidente Edvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS) Vice Presidente Manoel Calaça (AGB - Goiânia/GO) Primeiro Secretário Jones Dari Goettert (AGB - Dourados/MS) Segundo Secretário Zeno Soares Crocetti (AGB - Curitiba/PR) Primeiro Tesoureiro Alexandre Bergamin Vieira (AGB - Presidente Prudente/SP) Segundo Tesoureiro Victor A. de Souza Junior (AGB - João Pessoa/PB) Coordenação de Publicações Antonio Thomaz Junior (AGB - Presidente Prudente /SP) Ana Paula Maia Jansen (AGB - Rio Branco/AC) José Alves (AGB - Rio Branco/AC) José Messias Bastos (AGB - Florianópolis/SC) Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB - Salvador/BA) Representação junto ao Sistema CONFEA/CREA Titular: Rodrigo Martins dos Santos (AGB - São Paulo/SP) Suplente: Cristiano Silva da Rocha (AGB - Porto Alegre/RS) Representação junto ao Conselho das Cidades Arlete Moyses Rodrigues (AGB - São Paulo/SP) Correio eletrônico: [email protected] Página na internet: http://www.agb.org.br 2 ISSN 0102-8030 Terra Livre Publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros ANO 23 – Vol. 1 NÚMERO 28 Terra L iv re P resid e nt e P ru d e nt e A n o 2 3 , v . 1 , n . 2 8 p. 1 -2 8 8 Jan -Ju n/ 2 0 0 7 3 TERRA LIVRE Conselho Editorial Jorge Montenegro Gómez (UFPR) Adauto de Oliveira Souza (UFGD) José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha) Ailton Luchiari (USP) Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon) Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS) Alexandrina da Luz (UFS) Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão) Ângela Massumi Katuta (UEL) Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP) Maria Franco García (UFPB) Antonio Carlos Vitte (UNICAMP) Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília) Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente) Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo) Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP) Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP) Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB) Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente) Ricardo Antunes (UNICAMP) Rogério Haesbaert da Costa (UFF) Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP) Selma Simões de Castro (UFG) Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS) Douglas Santos (PUC/SP) Silvio Simione da Silva (UFAC) Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente) Valéria De Marcos (USP) Horácio Capel Sáez (Universidade de Barcelona/Espanha) Virgínia Elisabeta Etges (UNISC) João Cleps Júnior (UFU) Xosé Santos Solla (Universidade de Santiago de Compostela/ João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon) Espanha) Colaboradores Alexandre Bergamin Vieira (UNESP - Presidente Prudente/SP) Karina Furini da Ponte (UFAC - Rio Branco/AC) Editor responsável e editoração: José Alves (UFAC - Rio Branco/AC) Co-Editor: Antonio Thomaz Júnior Formatação eletrônica: Alexandre Aldo Neves (UNESP – Presidente Prudente /SP) Revisão de Espanhol: Jorge Montenegro Gómez (UFRP - Curitiba/PR) Revisão de Inglês: Jarbas Francisco Alves Capa Motivo: Muitas Nações, um mundo. I Concurso Local de Cartografia para Crianças / UFAC Autora: Thais Barros de Souza (Profª. Jane Fran. 4ª série/Ensino Fundamental, Colégio Meta – Rio Branco/AC.) Arte: Gilson Kleber Lomba Tiragem: 1.000 Impressão: Copy Set (Av. Cel. José Soares Marcondes, n. 798, Presidente Prudente-SP - [email protected]) Endereço para Correspondência: Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN) Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geografia e História - Cidade Universitária CEP: 05508-900 - São Paulo / SP - Brasil - Tel. (0xx11) 3091 - 3758 ou Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo / SP e-mail: [email protected] Ficha Catalográfica Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986. São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico 1992/93 – 11/12 (editada em 1996) 1994/95/96 – interrompida 1986 – ano 1, v. 1 1997 – n. 13 1987 – n. 2 1998 – interrompida 1988 – n. 3, n. 4, n. 5 1999 – n. 14 1989 – n. 6 2000 – n. 15 1990 – n. 7 2001 – n. 16, n. 17 10. Geografia – Periódicos 2002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 19 10. AGB. Diretoria Nacional 2003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 21 2004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 23 1991 – n. 8, n. 9 2005 – Ano 21, v.1, n. 24 1992 – N. 10 2005 – Ano 21, v. 2, n. 25 Revista Indexada em Geodados 2006 – Ano 22, v. 1, n. 26 www.geodados.uem.br 2006 – Ano 22, v. 2, n. 27 ISSN 0102-8030 2007 – Ano 23, v. 1, n. 28 Solicita-se permuta / Se solicita intercambio / We ask for echange 4 CDU – 91 (05) Sumário EDITORIAL ARTIGOS MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) HOMEM DO NORDESTE JONES DARI GOETTERT 15-26 A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO COMENDO PASTEL DE VENTO NUM FAST FOOD? NESTOR ANDRÉ KAERCHER 27-44 ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS IARA GUIMARÃES 45-66 O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA DAS TECNOLOGIAS INFORMACIONAIS VALDENILDO PEDRO DA SILVA 67-90 LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO BRASIL COMPARATIVO DE SABERES DOCENTES NO HELENA COPETTI CALLAI LANA DE SOUZA CAVALCANTI SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR 91-108 O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE: A ESCOLA NORMAL DA PARAHYBA NO INÍCIO DO SÉCULO XX CARLOS AUGUSTO DE AMORIM CARDOSO 109-128 O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DOS DESCOMPASSOS ENTRE A FORMAÇÃO DOCENTE E AS ORIENTAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MARIA CLEONICE B. BRAGA 129-148 ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO PARA O LICENCIANDO EM PEDAGOGIA MARCEA ANDRADE SALES 149-162 5 ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE A GEOGRAFIA PAUTADA NO FORMAÇÃOPROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA INVESTIGATIVA ANA MARIA RADAELLI DA SILVA JUÇARA SPINELLI 163-176 A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA IDEOLOGIA NACIONAL ROGATA SOARES DEL GÁUDIO ROSALINA BATISTA BRAGA 177-196 A IDEOLOGIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA DURANTE O REGIME MILITAR NO BRASIL EDINHO CARLOS KUNZLER CARMEN REJANE FLORES WIZNIEWSKY 197-220 A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO AS SUAS PRÁTICAS E LINGUAGENS ÂNGELA MASSUMI KATUTA 221-238 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO POSSIBILIDADE DE UNIFICAR SABERES GRAÇA APARECIDA CICILLINI SANDRA RODRIGUES BRAGA VALTER MACHADO DA FONSECA 239-256 RESENHA SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS E ESPAÇOS SOCIAIS : EDUCAÇÃO, GEOGRAFIA, INTERDISCIPLINARIDADE CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES 259-261 NORMAS NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 264-270 COMPÊNDIO COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 6 273-287 Summary/Sumario FOREWORD/EDITORIAL ARTICLES/ ARTÍCULOS MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (LAND AND) THE MAN FROM THE NORTHEAST MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TIERRA Y) HOMBRE DEL NORDESTE JONES DARI GOETTERT 15- 26 SCHOOL GEOGRAPHY: A GIANT WITH CLAY FEET EATING AIR FILLED FRIED PASTRY AT A FAST FOOD RESTAURANT? LA GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PIES DE BARRO COMIENDO EMPANADAS DE AIRE EN UN “FAST-FOOD”? NESTOR ANDRÉ KAERCHER 27- 44 GEOGRAPHY TEACHING, MEDIA AND PRODUCTION OF SENSES ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA, MEDIOS DE COMUNICACIÓN Y PRODUCCIÓN DE SENTIDOS IARA GUIMARÃES 45-66 SPATIAL THINKING IN THE AGE OF INFORMATIONAL TECHNOLOGIES EL RACIOCINIO ESPACIAL EN LA ERA DE LAS TECNOLOGÍAS INFORMACIONALES VALDENILDO PEDRO DA SILVA 67-90 PLACE AND URBAN CULTURE: A COMPARATIVE STUDY OF TEACHERS’ KNOWLEDGE IN BRAZIL LUGAR Y CULTURA URBANA: UN ESTUDIO COMPARATIVO DE LOS SABERES DOCENTES EN BRASIL HELENA COPETTI CALLAI LANA DE SOUZA CAVALCANTI SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR 91-108 THE PLACE OF THE SCHOOL IN THE CITY: THE NORMAL SCHOOL OF PARAHYBA IN THE BEGINNING OF THE 20TH CENTURY EL LUGAR DE LA ESCUELA EN LA CIUDAD LA ESCUELA NORMAL DE PARAHYBA A INICIOS DEL SIGLO XX CARLOS AUGUSTO DE AMORIM CARDOSO 109-128 THE TEACHING OF GEOGRAPHY IN THE INITIAL GRADES OF BASIC EDUCATION: AN ANALYSIS OF THE DISHARMONY BETWEEN TEACHING FORMATION AND PUBLIC POLICIES RECOMMENDATIONS LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA EN LAS SERIES INICIALES DE LA EDUCACIÓN BÁSICA: UN ANÁLISIS DE LA DISONANCIA ENTRE LA FORMACIÓN DOCENTE Y LAS RECOMENDACIONES DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS MARIA CLEONICE B. BRAGA 129-148 STUDIES IN GEOGRAPHY: A CHALLENGE TO PEDAGOGY GRADUATES ESTUDIOS EN GEOGRAFÍA: UN DESAFÍO PARA EL LICENCIADO EN PEDAGOGÍA MARCEA ANDRADE SALES 149-162 7 TEACHING AND RESEARCH: REFLECTING UPON PROFESSIONAL FORMATION IN GEOGRAPHY GUIDED BY THE DEVELOPMENT OF AN INVESTIGATIVE COMPETENCE ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN: REFLEXIONANDO SOBRE LA FORMACIÓN DEL PROFESIONAL EN GEOGRAFÍA CON BASE EN EL DESARROLLO DE LA COMPETENCIA INVESTIGATIVA ANA MARIA RADAELLI DA SILVA JUÇARA SPINELLI 163-176 GEOGRAPHY, EDUCATION AND THE CONSTRUCTION OF NATIONAL IDEOLOGY LA GEOGRAFÍA, LA EDUCACIÓN Y LA CONSTRUCCIÓN DE LA IDEOLOGÍA NACIONAL ROGATA SOARES DEL GÁUDIO ROSALINA BATISTA BRAGA 177-196 IDEOLOGY IN GEOGRAPHY TEXTBOOKS DURING THE PERIOD OF MILITARY REGIME IN BRAZIL LA IDEOLOGÍA EN LOS LIBROS DIDÁCTICOS DE GEOGRAFÍA DURANTE EL GOBIERNO MILITAR EN BRASIL EDINHO CARLOS KUNZLER CARMEN REJANE FLORES WIZNIEWSKY 197-220 THE TEACHING EDUCATION: RE-THINKING THEIR PRACTICES AND LANGUAGES LA EDUCACIÓN DOCENTE: (RE)PENSANDO SUS PRÁCTICAS Y LENGUAJE ÂNGELA MASSUMI KATUTA 221-238 THE ENVIRONMENTAL EDUCATION AS A POSSIBILITY TO UNIFY KNOWLEDGE LA EDUCACIÓN AMBIENTAL COMO POSIBILIDAD DE LA UNIFICACIÓN DE LOS CONOCIMIENTOS GRAÇA APARECIDA CICILLINI SANDRA RODRIGUES BRAGA VALTER MACHADO DA FONSECA 239-256 REVIEW/RESEÑA TO KNOW AND PRACTICAL IN THE CONSTRUCTION OF CITIZENS AND SOCIAL SPACES: EDUCATION, GEOGRAPHY, INTERDISCIPLINARIDADE SABERES Y PRÁCTICO EN LA CONSTRUCCIÓN DE CIUDADANOS Y DE ESPACIOS SOCIALES : EDUCACIÓN, GEOGRAFÍA, INTERDISCIPLINARIDADE CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES 259-261 NORMAS SUBMISSION GUINDELINESA NORMAS PARA PUBLICACIÓN 264-270 COMPÊNDIO COMPENDIUM OF THE PREVIUS NUMBERS COMPENDIO DE NÚMEROS ANTERIORES 8 273-287 EDITORIAL É com imenso prazer que a Coordenação de Publicações da revista Terra Livre apresenta à comunidade geográfica e demais interessados o número 28 que tem como dossiê temático Geografia e Ensino. Pensar fazer a Geografia neste início de milênio é uma tarefa árdua e complexa, mas também prazerosa e acima de tudo necessária, seja pela dinâmica avassaladora com que a lógica do capital atua sobre os mais variados territórios, lugares e regiões, sejam pelas conseqüências que seu processo de acumulação/reprodução gera a esses espaços e a seus sujeitos. E se estamos partindo do pressuposto de que tais sujeitos devam se posicionar, não só no campo das idéias, mas também na práxis cotidiana, mais necessário ainda se torna compreender quais agentes e processos atuam na produção e reprodução das mais variadas dinâmicas sociais e espaciais. Essa difícil tarefa não pode ser realizada ou almejada a não ser com o imprescindível papel que a educação ocupa na sociedade brasileira atual. E para contribuir com esta reflexão, a Geografia e seu ensino são essenciais. Assim, a partir do I Concurso Local de Cartografia para Crianças, realizado durante a XX Semana de Geografia da Universidade Federal do Acre (Maio de 2007), selecionamos para a capa o desenho de uma criança da 4ª série do Ensino Fundamental de uma das escolas participantes do encontro, que procurou retratar o tema “Muitas nações, um mundo”, no qual há a essência de um sujeito em construção que percebe um mundo diverso, com suas particularidades, mas também com seus problemas e desigualdades. É com esse intuito que convidamos todos os interessados para a leitura das reflexões materializadas neste número da Terra Livre. Reflexões de diversas temáticas e preocupações teórico-metodológicas acerca do ensino de Geografia. Iniciamos com um texto em homenagem ao inesquecível professor Manuel Correa de Andrade, apresentado no VI Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor, realizado em Uberlândia/MG, que objetiva demonstrar algumas preocupações de um dos mais importantes geógrafos brasileiros. Mestre que se preocupou com a construção e compreensão da Geografia brasileira, que apesar da sua ausência, muito ainda tem a nos ensinar. Na seqüência, deparamo-nos com análises referentes às práticas docentes da geografia escolar, às relações entre o ensino de geografia e a mídia, ao raciocínio espacial na era das tecnologias informacionais, ao conceito de cidade e lugar no ensino, à formação e o ensino 9 de geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental, bem como à relação entre ensino e pesquisa na formação docente. Outras reflexões são dedicadas à ideologia presente no ensino de geografia e nos livros didáticos no período militar, à educação docente - suas práticas e linguagens, e à questão da educação ambiental no processo educativo. Como se evidencia, buscou-se fazer deste número, especial sobre ensino, um volume de preocupações diversas, mas que apesar de plural tenha um objetivo comum, ou seja: fazer da geografia e do seu ensino um instrumento de reflexão e ação sobre a realidade da educação e da sociedade brasileira. Esperamos que o leitor desfrute das contribuições presentes e que possa a partir das mesmas continuar pensando e agindo em prol de um ensino da Geografia atuante e em movimento. OS EDITORES 10 FOREWORD It is with a great pleasure that the Coordination of Publications of the magazine Terra Livre presents to the geographical community and others that might be interested, the 28th issue which has as a theme Geography and Teaching. To think about doing Geography in this beginning of millennium is an arduous and complex task, but it is also a pleasant and above all necessary one, either for the overpowering dynamics with which the logic of the capital acts upon the most varied territories, places and regions, or for the consequences that its accumulation/reproduction process generates to these spaces and their characters. And presuming that such characters might take positions, not only in the field of ideas, but also in the daily praxis, it becomes even more necessary to understand which agents and processes act in the production and reproduction of the most varied social and space dynamics. This difficult task cannot be accomplished or desired but only with the indispensable role that education occupies in the current Brazilian society. And to contribute with this reflection, Geography and its teaching are essential. This way, from the First Local Contest of Cartography for Children, taken place during the 20th Week of Geography of the Federal University of Acre (May 2007), we selected for the cover the drawing of a child from the 4th grade of Primary School of one of the schools taking part in the event, which tried to portray the theme “Many nations, one world”, in which there is the essence of a character in construction who notices a diverse world, with its particularities, but also with its problems and inequalities. It is with this intention that we invite anyone who may be interested to read the reflections materialized in this issue of Terra Livre. Reflections of several themes and theoretical-methodological concerns on the teaching of Geography. We begin with a text in honor to the unforgettable teacher Manuel Corrêa de Andrade, presented in the 6th National Meeting of Geography Teaching - Fala Professor, taken place in Uberlândia/MG, which aims at demonstrating some concerns of one of the most important Brazilian geographers. A teacher who worried about the construction and understanding of the Brazilian Geography, and in spite of his absence, he still has a lot to teach us. Following that, we find analyses regarding the educational practices of the school geography, the relationships between the teaching of geography and the media, the space thinking in the age of informational technologies, the concept of city and place in teaching, the formation and the teaching of geography in the initial grades of Basic Education, as well as the relationship between teaching and research in the teachers’ formation. Other reflections are dedicated to the present ideology in the teaching of geography and in the textbooks in the military period, to the teachers’ education - its practices and languages, and to the issue of environmental education in the educational process. As it is demonstrated, we tried to make this issue, especially on teaching, a volume 11 of several concerns, but one with a common objective despite being plural, that is: to make geography and its teaching a reflection instrument and action about the reality of education and the Brazilian society. We hope that the reader enjoys the present contributions and that they, from these contributions, can continue thinking and acting on behalf of an active and moving teaching of Geography. THE EDITORS 12 ARTIGOS 13 14 MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) HOMEM DO NORDESTE* MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (LAND AND) THE MAN FROM THE NORTHEAST MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TIERRA Y) HOMBRE DEL NORDESTE JONES DARI GOETTERT Professor Adjunto do Curso de Geografia – FCH – UFGD 1º Secretário da DEN – AGB Rua João Rosa Góes, n. 1761 Caixa Postal 322 – CEP: 79825-070 Dourados – MS [email protected] * Texto da AGB em homenagem ao professor Manuel Correia de Andrade, escrita e pronunciada pelo professor Jones Dari Goettert durante o VI Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor –, realizado em Uberlândia, Minas Gerais, de 23 a 27 de julho de 2007. Terra Livre Resumo: Manuel Correia de Andrade, incansavelmente, fez da vida o trabalho em compreender “a terra e o homem no Nordeste”. Manuel Correia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejou pela vida, pela ciência, por mulheres e homens, em diálogo contínuo com a teoria e com as gentes do litoral, do agreste e do sertão, que “mourejam a terra”. Embalado pelo compromisso intelectual e social, Manuel Correia de Andrade fez-se terra, fez-se homem, fez-se corpo, fez-se espaço e fez-se tempo. Espaço(s) e tempo (s) de um Nordeste múltiplo, diverso, marcado por séculos de mando “controlado por uma oligarquia que procura trazer vantagens para ela própria”, mas que, por outro lado, em uma amálgama de terra e gentes do trabalho, protagoniza “a ação de movimentos como o MST, a Contag e a Pastoral da Terra”, “fazendo renascer o slogan de Francisco Julião, de 1960, de que “a reforma agrária seria feita na lei ou na marra”! “Tudo no mundo”, em vinte e dois de junho de 2007, se fechou para os olhos de Manuel Correia de Andrade. Mas, como que por uma “geografia da alma”, seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livros e centenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes. De seu Nordeste que lutou para que fosse um lugar melhor, uma terra sem males. Palavras-chave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Terra; Homem. Abstract: Manuel Correia de Andrade made his life into a quest to understand “the land and the man from the Northeast”. Manuel Correia de Andrade, known as Correinha by the rural workers, constantly worked for life, science, men and women without resting, in a constant sharing of ideas between theory and the beach people, not to mention the “Agreste” and the hinterland ones who toiled the land. Taken by an intellectual and social commitment, Manuel Correia de Andrade made himself land, made himself man, made himself space and time. Time(s) and space(s) of a multiple, diverse Northeast which was marked by centuries of ordering “controlled by an oligarchy that tried to take full advantage for itself”. On the other hand, however, this Northeast in an amalgam of land and workers that takes part in “movement actions such as the MST, the CONTAG and the PASTORAL DA TERRA”, “bringing back to life Francisco Julião’s slogan (1960) in which he mentions, “the agrarian reform is to be done either according to the law or to men’s will”! “Everything in the world”, on June 22nd, 2007, closed their eyes to Manuel Correia de Andrade. But, based on a “soul geography”, his eyes seem to look at us through his route, his books and hundreds of articles, through his conversations, his land and his people. Everything in the world seems to look at us through his Northeast which fought in order to be a better place, a blessed land. Keywords: Manuel Correia de Andrade; Northeast; Land; Man. Resumen: Manuel Correia de Andrade hizo de su vida una busca incansable para comprender “la tierra y el hombre del Nordeste”. Manuel Correia de Andrade, el Correinha de los trabajadores rurales, trabajó sin descanso por la vida, por la ciencia, por las mujeres y los hombres, en un diálogo continuo con la teoría y las personas del litoral, del “agreste” y del “sertão”, que también “trabajan la tierra sin descanso”. Por su compromiso intelectual y social, Manuel Correia de Andrade se hizo tierra, se hizo hombre, se hizo cuerpo, se hizo espacio y se hizo tiempo. Espacio(s) y tiempo(s) de un Nordeste múltiple, variado, marcado por siglos de mando “controlado por una oligarquía que intenta obtener beneficios para si misma”, pero que, por otro lado, en un amalgama de tierra y personas trabajadoras, protagoniza “la acción de movimientos como el MST, la CONTAG y la Pastoral de la Tierra”, “haciendo renacer el slogan de Francisco Julião, de 1960, de que “la reforma agraria seria hecha por la ley o por la fuerza”! “Todo en el mundo”, el veintidós de junio de 2007, se cerró para los ojos de Manuel Correia de Andrade. Pero como por una “geografía de la alma”, sus ojos parecen mirarnos a través de su trayectoria, de sus libros y de centenas de artículos, de sus charlas, de su tierra y de su gente. De su Nordeste, por el que luchó para que fuera un lugar mejor, una tierra sin males. Palabras clave: Manuel Correia de Andrade; Nordeste; Tierra; Hombre. Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 15-26 Jan-Jun/2007 15 GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E)... Esta não é uma biografia de Manuel Correia de Oliveira Andrade1 . Não é, igualmente, uma análise de sua produção, de sua vasta produção. É, singelamente, um olhar sobre um homem no nordeste, do nordeste, para o nordeste. Manuel Correia de Andrade. Correinha. Em especial, um olhar sobre “A terra e o homem no Nordeste”, de 1963, acompanhado de “A terra e o homem no Nordeste, hoje”, de 2003. Um olhar, enfim, sobre olhares de um homem sobre uma terra; de um nome próprio que, como escreveu Pierre Bourdieu, “é o atestado visível da identidade do seu portador através dos tempos e dos espaços sociais, o fundamento da unidade de suas sucessivas manifestações” (BOURDIEU, 1998, p. 187). Por entre a terra e as gentes do Nordeste, foi se fazendo o geógrafo e historiador Manuel Correia de Andrade. Terra no plural: terras. Nordestes. Gentes deles. Nordeste. Manuel Correia de Andrade, em 1963, ano da primeira edição de “A terra e o homem no nordeste”, já colocava que a região “é apontada ora como a área das secas, que desde a época colonial fazem convergir para a região, no momento da crise, as atenções e as verbas dos governos; ora como área dos grandes canaviais que enriquecem meia dúzia em detrimento da maioria da população; ora como área essencialmente subdesenvolvida devido à baixa renda per capita dos seus habitantes ou, então, como a região das revoluções libertárias de que fala o poeta Manuel Bandeira em seu poema “Evocação do Recife”” (ANDRADE, 1980, p. 9). Nordeste, nordestes. Como Terra, como Homem, como representação. Como “parte do imaginário social”, “é também um espaço de disputa e de poder, base para essa representação que é apropriada e reelaborada, tanto pela classe dominante como por grupos que se mobilizam para defender seus interesses territoriais. Ambos constroem, a partir dela, um conjunto de idéias e conceitos que são reassimilados coletivamente como identidade”, salientou Iná Elias de Castro (2005, p. 193). Também como representação, o Nordeste de Manuel Correia de Andrade se faz pelo de Manuel Bandeira, que fala das “revoluções libertárias”. Manuel fala com Manuel. Manuel ouve Manuel. Evoca a terra, a gente. Manuel que anuncia, representa, canta. Evocação do Recife Recife Não a Veneza americana Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais Não o Recife dos Mascates 1 Para aspectos maiores relativos à biografia de Manuel Correia de Andrade, ver ARAÚJO, Rita de Cássia Barbosa de (org.); BERNARDES, Denis; FERNANDES, Eliane Moury. O fio e a trama: depoimento de Manuel Correia de Andrade. Recife: UFPE; Editora Universitária, 2002, e GASPAR, Lúcia (coord.); PODEUS, Raquel Batista; SILVA, Rosi Cristina da. Manuel Correira de Andrade: cronologia e bibliografia. Recife: UFPE; Editora Universitária, 1996. 16 Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007 Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois - Recife das revoluções libertárias Mas o Recife sem história nem literatura Recife sem mais nada Recife da minha infância [...] A gente brincava no meio da rua Os meninos gritavam: Coelho sai! Não sai! [...] De repente nos longos da noite um sino Uma pessoa grande dizia: Fogo em Santo Antônio! [...] - Capiberibe [...] Foi o meu primeiro alumbramento Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras [...] A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusíada A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem Terras que não sabia onde ficavam [...] Manuel Bandeira canta a poesia. Manuel Correia de Andrade canta tempos e espaços em prosa acadêmica. Manuel e Manuel, em tempos diferentes vivendo uma mesma Recife. Para Correia de Andrade a infância, as ruas, as praças, as escolas, as universidades e a antiga livraria Livro 7. Nascido em Vicência, pernambucano e nordestino, Manuel Correia de Andrade foi se misturando a Manuel Bandeira, fazendo a Geografia também com pedaços de poesia. Participante do movimento literário modernista, Manuel Bandeira, e muitas e muitos outros, deixam para Manuel Correia de Andrade a Semana da Arte Moderna, de 1922, mesmo ano da fundação do Partido Comunista do Brasil. E é no mesmo ano, em 1922, que nasce Manuel Correia de Andrade. O Nordeste 17 GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E)... ainda não era o Nordeste. Brasília ainda não era a capital. A Marcha para Oeste ainda se encontrava no leste. Mas Getúlio Vargas já levantava o chapéu no Rio Grande do Sul e olhava de canto de olho para a capital. Arthur Bernardes, esse, não seria deposto. E outro Andrade, Mário, na mesma década já dava o recado: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”, em “Macunaíma”. Manuel, nascido em engenho de açúcar, o Engenho Jundiá, a mais de cem quilômetros de Recife, “numa família relativamente abastada”, como mesmo conta, desde cedo conviveu com “trabalhadores rurais, numa certa intimidade que há no campo”: “Eu ficava chocado porque aqueles meninos da minha idade não iriam ter oportunidades na vida, e eu, filho de um senhor de engenho, iria. Isso me causava um impacto muito grande. Por que uns tinham e outros não tinham direito?”. “E depois cheguei a conclusão, por meio de leituras, que a questão agrária era o problema fundamental do Brasil” (ANDRADE, 2000). A questão agrária: ali, a terra e o homem no Nordeste. Queria fazer Ciências Sociais. Fez Direito primeiro e Licenciatura em História e Geografia depois, “sempre indeciso entre uma e outra”: “Então, eu não sei se me consideraria geógrafo ou historiador. Também porque acho que a geografia, ao analisar o espaço, vê os marcos que existem naquele espaço. Mas esses marcos não foram feitos hoje, são o resultado de uma evolução histórica [...]. É por isso que a história e geografia se interpenetram nas minhas preocupações”, disse Manuel (ANDRADE, 2000). Parece nos dizer ser o espaço a “acumulação desigual de tempos”, que “em cada sistema há uma combinação de variáveis em escalas diferentes, mas também de “idades” diferentes”, como escreveu Milton Santos (2002). Manuel Correia de Andrade, ainda estudante, virou comunista. Comunista, vira Correinha. “Apesar de ser filho de senhor de engenho, Manuel Correia torna-se membro do Partido Comunista aos vinte anos de idade. Por essa razão, os trabalhadores rurais passam a chamá-lo de Correinha e nele confiam” (VAINSENCHER, 2007). “Eu era católico muito fervoroso até os 15, 16 anos. E deixei a Igreja quando um missionário me criticou porque eu lia Renan. Aí eu pensei: entre Renan e a Igreja, fico com Renan. E caminhei para a esquerda”. “Entrei no PC e militei uns seis ou sete meses. Um dia, cheguei numa reunião da célula do PC com o livro de Trotski, Minha Vida, debaixo do braço. Foi um escândalo. Um líder comunista disse “você vai deixar esse livro aqui, você não pode carregá-lo”. “Posso, eu comprei”. “Você é trotskista?” “Não, nunca fui. Mas admiro Trotski, ele escreve muito bem”. “Mas ele é inimigo da classe operária”. Eu disse: “Você acha? Mas eu não sou operário! Eu sou da burguesia açucareira”. Havia muita gente da burguesia que era do PC. Aí ele disse “então, você tem de escolher entre Trotski e o PC”. Eu dei a mesma resposta que havia dado entre Renan e a Igreja. “Fico com Trotski”. E fui embora” (ANDRADE, 2000). Duas escolhas: um caminho. Do engenho à participação mais direta nas lutas dos trabalhadores, em especial como advogado para sindicatos, e na amizade com Francisco Julião, um “revolucionário 18 Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007 missionário” e “meio romântico”. Segundo Manuel Correia de Andrade, Armando Monteiro Filho comparava Francisco Julião a Joaquim Nabuco: “Eram aristocratas, vindos do engenho, e que dedicaram a vida às causas populares” (ANDRADE, 2000). Engenhos: casas grandes no Nordeste. E senzalas. “A sociedade colonial no Brasil, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar, não em grupos a esmo e instáveis; em casasgrandes de taipa ou de pedra e cal, não em palhoças de aventureiros”. [...] “Terra e homem estavam em estado bruto”. [...] “É ilusão supor-se a sociedade colonial, na sua maioria, uma sociedade de gente bem-alimentada. Quanto à quantidade, eram-no em geral os extremos: os brancos das casas-grandes e os negros das senzalas. Os grandes proprietários de terras e os pretos seus escravos. Estes porque precisavam de comida que desse para os fazer suportar o duro trabalho da bagaceira”, escreveu Gilberto Freyre (2000, p. 91, 97 e 105). Era (é) este o Brasil. Era (é) este o Nordeste. Manuel conhece Caio Prado Júnior e a partir dali foi surgindo “A terra e o homem no Nordeste”: “escrevi o livro porque o Caio tinha um projeto de contratar cinco geógrafos, cada um para escrever sobre uma região. Então, me entregou o Nordeste” (ANDRADE, 2000). Um Nordeste que, para Caio Prado Júnior, também trazia a marca de séculos de latifúndio, monocultura e escravidão (PRADO Jr., 1998). Mas, no que foi sendo e veio a ser definido por Nordeste, os contrastes e as contradições foram se juntando pelas leituras e diálogos de Manuel Correia de Andrade. Um Nordeste em que “ninguém ousaria admitir a exclusividade da ação de um elemento na elaboração dos quadros paisagísticos”, fazendo com que “em cada região se nota que um elemento se sobressai, levando o homem prático que moureja na terra a citá-lo, sempre que quer distinguir as várias áreas que compõem o mosaico regional” (ANDRADE, 1980, p. 11). O homem Manuel intelectual observa e “moureja” o “homem prático”. Como uma “Geografia [que] a gente aprende no pé” – de posseiros do Bico do Papagaio, registrado por Oliveira (1991, p. 144). Um Nordeste “dividido”, no período colonial, entre a cana-de-açúcar e o gado, em sintonia com Gilberto Freyre. Gilberto: outro pernambucano, outro nordestino. Um Nordeste feito de nordestes: Litoral e Mata, Agreste, Sertão e Litoral Norte, Meio-Norte e Guiana Maranhense (ANDRADE, 1980, p. 13). Nordestes de uma população, na década de nascimento de Manuel Correia de Andrade, de aproximadamente 22 milhões de habitantes, chegando no final do século a aproximadamente 50 milhões, com quase 70% vivendo nas cidades. Antes, em 1960, a maioria viva no campo, com dois habitantes no meio rural para cada morador das cidades. Do campo à cidade, como salientava o colega historiador Sérgio Buarque de Holanda, também o “velho engenho” dava lugar à “usina moderna”: O desaparecimento do velho engenho, engolido pela usina moderna, a queda 19 GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ... do prestígio do antigo sistema agrário e a ascensão de um novo tipo de senhores de empresas concebidas à maneira de estabelecimentos industriais urbanos indicam bem claramente em que rumo se faz essa evolução. [...] A urbanização contínua, progressiva, avassaladora, fenômeno social de que as instituições republicanas deviam representar a forma exterior complementar, destruiu esse esteio rural, que fazia a força do regime decaído sem lograr substituí-lo, até agora, por nada de novo (HOLANDA, 1995, p. 176). De brasis e de nordestes que se faziam do rural ao urbano, do tudo de antes “por nada de novo”. Manuel Correia de Andrade, em análises têmporo-espaciais, atentava para as continuidades e descontinuidades. Na terra do campo e da cidade, a população distribuída desigualmente enquanto a concentração fundiária tinha – e tem – seu domínio manifestado pela “proteção dispensada pelos órgãos governamentais à grande lavoura – à cana-de-açúcar, ao café, ao cacau, etc. – e ao completo desprezo às lavouras de subsistência ou “lavouras de pobre””: “As primeiras têm crédito fácil, garantia de preços mínimos, assistência de estações experimentais, comercialização organizada etc., enquanto as segundas são abandonados ao crédito fornecido por agiotas, às tremendas oscilações de preços entre a safra e a entre-safra e à ganância dos intermediários” (ANDRADE, 1980, p. 45). Hoje, talvez Manuel Correia de Andrade completaria: e, por isso, muitos destes últimos, das “lavouras de pobres”, seguiram para as cidades, para o sul ou Amazônia, muitas e muitos sem-terra e semteto, enquanto os primeiros viraram heróis do Brasil. Não por acaso que o que se come na mesa nossa cada dia, como A mandioca, o feijão e as fruteiras largamente consumidas por ricos e pobres nunca fizeram sombra à cana-de-açúcar. [...] Enquanto a fabricação do açúcar evoluiu desde o engenho de bois até as grandes usinas que moem anualmente mais de 500.000 sacos de açúcar, a casa de farinha continua muitas vezes a ser movida a força humana (ANDRADE, 1980, p. 85). Manuel, Manuel: que geografia dos contrastes e das contradições nos mostrou. E nos mostra. Cana-de-açúcar, gado e cacau de um lado e gente de outro. O colega Darcy Ribeiro salientava: Com o gado e com os bodes crescia a vaqueirada, multiplicando-se à toa pelas fazendas, incapaz de absorver lucrativamente a tanta gente nas lides pastoris, pouco exigente de mão-de-obra. Assim é que os currais se fizeram criatórios de gado, de bode e de gente: os bois para vender, os bodes para consumir, os homens para emigrar. [...] Os sertões se fizeram, desse modo, um vasto reservatório de força de trabalho barata, passando a viver, em parte, das contribuições remetidas pelos sertanejos emigrados para sustento de suas famílias. O grave, porém, é que emigram precisamente aqueles poucos sertanejos 20 Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007 que conseguem alcançar a idade madura, com maior vigor físico, tendendo a fixar-se nas zonas mais ricas do Sul aqueles nos quais a paupérrima sociedade de origem investiu o suficiente para alfabetizar e capacitar para o trabalho. Desse modo, o elemento humano mais vigoroso, mais eficiente e mais combativo é roubado à região, no momento preciso em que deveria ressarcir o seu custo social (RIBEIRO, 1995, p. 345 e 347). Hoje, parte do açúcar virou álcool: quem o produz todas e todos sabemos, como os muitos nordestinos em migração sazonal para Ribeirão Preto e arredores; quem consome, já é parte de uma história (ou uma de geografia) desigual: capitais privados (e “públicos”) investem em usinas de álcool. O álcool que parece virar, abruptamente, o “ópio do povo”. Para Manuel Correia de Andrade, ainda em 1963, A expansão das grandes empresas em empreendimentos fundiários – não é justo considera-los agrícolas – é justificada pela facilidade de aquisição de terras a baixo preço, pela facilidade de obtenção de recursos governamentais para aplicação dos projetos, pela elevada valorização das terras em um país em processo de crescimento inflacionário acelerado e pela utilização de mãode-obra barata, às vezes até em regime de semi-escravidão. (ANDRADE, 1980, p. 231). A valorização das terras persiste, Manuel. O “crescimento inflacionário” foi contido por um ministro-presidente sociólogo. A “utilização de mão-de-obra barata” e até em “regime de escravidão”, ainda é um desafio a ser combatido. Do campo para as cidades, eis o movimento acelerado da população nordestina antes e depois de 1963: “À proporção que o processo usineiro evolui, a área cultivada com cana vai aumentando e os proprietários não só restringem os sítios dos moradores, tirandolhes as áreas mais favoráveis, como exigem dos mesmos cinco ou seis dias de serviço por semana nos seus canaviais, o que impede os trabalhadores de cuidarem dos seus roçados. Vai então se processando gradativamente a proletarização da massa camponesa” (ANDRADE, 1980, p. 107). O açúcar e o álcool vão aumentando e a comida vai escasseando: do sertão ao litoral, já escrevia Manuel Correia de Andrade, “O charque e o bacalhau, comida cotidiana desde a época da escravidão, subiram tanto de preço que hoje figuram apenas nas mesas das casas ricas e remediadas” (ANDRADE, 1980, p. 114). Com outro pernambucano, Manuel foi vendo e sentindo suas gentes, junto com Josué de Castro. A fome, sim, a fome. A geografia e a geopolítica da fome, no Nordeste, no Brasil e no mundo: “Josué demonstrou que os problemas econômicos são mais importantes como causas da fome do que os problemas físicos. E que por isso no Nordeste úmido – que era mais rico –, a fome era epidêmica, e no Nordeste seco era endêmica” (ANDRADE, 2000). A fome, a exploração e a dominação, o mando e a expulsão, nos anos 1940-1960, 21 GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ... produziram o “agravamento contínuo da crise, as dificuldades de vida cada dia maiores, [que] levaram os trabalhadores rurais a atitudes de revolta, de desespero, como ocorreu no já famoso Engenho Galiléia”, dando origem, através da “Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco”, às Ligas Camponesas. E Francisco Julião bradava: “Não vemos inimigos no soldado, no padre, no estudante, no industrial, no comunista; o inimigo é o latifundiário”, citava Manuel Correia de Andrade (1980, p. 252 e 254). Um homem do Nordeste, Francisco Julião, que procura despertar as massas a fim de que elas participem da solução dos seus problemas, evitando que uma solução de cúpula, imposta de cima para baixo, venha modificar a estrutura agrária brasileira sem consultar os interesses do homem do campo. Acha que a experiência e as reivindicações dos que mourejam a terra têm de ser levadas em conta ao se fazer uma lei agrária” (ANDRADE, 1980, p. 256). Não, Francisco Julião não era apenas um advogado ou um deputado... Era um “romancista”, como escreveu Manuel Correia de Andrade. Um “romancista” de metáforas fortes: o “pedaço de terra que se dá ao trabalhador rural é como o galho de embaúba que se joga a quem se está afogando em um rio” (Francisco Julião apud ANDRADE, 1980, p. 258). Diferente da SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –, Francisco Julião, com a reforma agrária, “pretende beneficiar não uma pequena parte da massa rural trabalhadora, mas de uma forma ou de outra, a todos os que mourejam a terra” (ANDRADE, 1980, p. 258). Assim, termina Manuel Correia de Andrade, em A terra e o homem no Nordeste”, de 1963, “que no Nordeste a sorte está lançada e que os paliativos de uma política de colonização a longo prazo, concebida tecnicamente em gabinete, sem consultar os interesses dos que mourejam a terra dificilmente contribuirão para minorar a situação dos trabalhadores sem terras e solucionar a tremenda crise em que se debatem. Os preços dos gêneros de primeira necessidade são altos, sobem cada vez mais, enquanto os salários continuam inferiores ao mínimo. A miséria levou o trabalhador rural a tomar conhecimento de sua força, a não esperar pelos doutores, a exigir os seus direitos. Passou o medo dos proprietários e dos feitores e organizados por políticos de esquerda como Julião, ou por sacerdotes católicos como Antônio Melo, passam os trabalhadores rurais a exigir maior compensação pelo seu trabalho. Agitamse, esperneiam, são perseguidos, reagem a cota correspondente à sua participação na produção, desejam melhores dias. [...] Daí concluímos [continua Manuel Correia de Andrade], que estamos vivendo em um período crítico: ou as reivindicações populares justas são atendidas e dá-se ao homem do campo condições de vida compatíveis com a dignidade humana ou a revolução prevista pelo Governador Aluísio Alves será inevitável e a estrutura fundiária arcaica que aí temos ruirá, arrastando em sua queda tudo que nela se apóia. Sua situação 22 Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007 é tão difícil, suas condições são tão precárias que a essa altura ninguém a defende, todos a atacam desde os comunistas até os católicos, divergindo apenas pela maneira mais ou menos rápida, mais ou menos radical de como planejam destruí-la. Assim a velha estrutura montada pelos portugueses no século XVI e que foi se modificando pouco a pouco nos quatro séculos de nossa evolução histórica, acha-se hoje frente ao maior impacto com que se deparou, impacto mais sério, acreditamos, que o enfrentado nos fins do século XIX com a abolição” (ANDRADE, 1980, p. 262-263). “Políticas de colonização” oficiais, construídas em “gabinete” e por “doutores”, viraram passado. O golpe militar veio em 1964 e as Ligas Camponesas seguiram o caminho de muitas e muitos militantes, na clandestinidade e na morte. Nem as condições de vida compatíveis com a dignidade humana no campo foram criadas nem a revolução aconteceu: a estrutura agrária “montada pelos portugueses” não ruiu... Mas os camponeses ainda esperneiam, lutando por melhores dias. Passaram-se vinte e um anos de ditadura militar. Vieram as “Diretas Já”, a “redemocratização”, primeiro dois presidentes nordestinos, os “caras pintadas” e um dos presidentes impedido de continuar na presidência. Depois um presidente mineiro, um sociólogo e mais um nordestino. Homens do, sobre e no Nordeste. Dos nordestes. Próximos e distantes. Em 2003, quarenta anos depois do lançamento de “A terra e homem no Nordeste”, Manuel Correia de Andrade, em Recife, profere a conferência “A terra e o homem no Nordeste, hoje” (ANDRADE, 2003). Quatro décadas depois, um homem do Nordeste relê “A terra e o homem no Nordeste”. Antes, em 1963, a publicação como contribuição para um Brasil das “reformas de base”, com “reformas que pudessem modificar as suas estruturas econômicas e sociais, libertando-o do que se chamava, então, de subdesenvolvimento” (ANDRADE, 2003, p. 193). Um livro considerado “não-científico” por geógrafos brasileiros “porque não se destinava a propósitos acadêmicos, e, sim, a registrar e analisar um longo processo histórico”; e, considerado, pela ditadura militar, de “cunho subversivo”! (VAINSENCHER, 2007). De qual Nordeste nos fala, hoje, Manuel Correia de Andrade? Manuel pensa o Nordeste a partir da sub-divisão já apontada em 1963: Litoral e Mata, Agreste, Sertão e Litoral Norte, Meio-Norte e Guiana Maranhense. Algumas mudanças ressaltadas por ele entre o antes e o agora: no Litoral e Mata, a área “de cultura da cana-de-açúcar passou a ser disputada pela expansão urbana e muitas usinas foram fechadas em bairros de grandes cidades, formando áreas de periferia de pobreza muito intensa”. E traz, em referência, novamente a Geografia da Fome de Josué de Castro. Paralelamente, o avanço do turismo “provocando uma série de transtornos ao desenvolvimento [da região]” (ANDRADE, 2003, p. 195). Ali, também, no Litoral e Mata, é “aquela [região] em que há mais forte reivindicação de terras e maior atuação de movimentos como os do MST, da Contag e da 23 GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ... Pastoral da Terra, que dão margem a uma expressiva desapropriação de terras”, “pondo em risco o domínio e o poder da velha açucocracia de que falava Tobias Barreto”. Manuel Correia de Andrade, como em 1963, salienta ainda a necessidade de “uma reforma massiva e de uma transformação na agricultura, com o desenvolvimento de propriedades familiares e uma produção para o mercado interno” (ANDRADE, 2003, p. 196). Em áreas da Caatinga, dentre outras características, “as empresas produtoras de ração se expandiram, conquistando os espaços que se abriram com o desenvolvimento das ferrovias e das rodovias. Daí a expansão da produção de pastagens para o gado e a expulsão dos trabalhadores sem terra para as cidades da região e do litoral, agravando o problema social e fazendo decair a qualidade de vida das mesmas” (ANDRADE, 2003, p. 196197). No Sertão, desde o tempo em que os “indígenas flagelados [davam] os próprios filhos aos proprietários do litoral para libertá-los da morte pela fome”, no desaparecimento das “oficinas” de charque no final do século XVIII, na migração de sertanejos para a Amazônia nas últimas décadas do século XIX e primeiras do XX, na importação de camelos da África do Norte até as políticas de irrigação para combate da “indústria da seca” nas últimas décadas... Desde os tempos em que “projetos mirabolantes e faraônicos, como o da transposição das águas do São Francisco para os altos cursos dos rios Jaguaribe, no Ceará, e Piranhas-Açu, na Paraíba”. Que tudo não atenda, sempre, “apenas aos cálculos matemáticos e às elaborações de econometria” (ANDRADE, 2003, p. 197-198). No Meio-Norte, “área de transição do Nordeste para a Amazônia e o CentroOeste”, o avanço da cultura da soja, a ampliação da cultura de arroz de sequeiro e a exploração de minérios: “Este crescimento econômico e a expansão do povoamento foram feitos com grandes danos ecológicos e sociais, [...] o desalojamento de populações indígenas, com massacres como em Barra do Corda, e dos caboclos que vieram do Sertão, há décadas, e que plantavam lavouras itinerantes e formavam pequenos povoados, verdadeiramente desconhecidos dos órgãos oficiais”. E, na Guiana Maranhense, que “foi sendo ocupada por pecuaristas vindos da Bahia e do Sudeste”, foi ignorado o povoamento primitivo (ANDRADE, 2003, 198-200). Assim, os “grandes problemas atuais do Nordeste” parecem se reproduzir desde os tempos da colonização. E pouco adianta crescer economicamente sem desenvolvimento, reafirmando o que Celso Furtado, o homem da SUDENE, afirmava: se assim não for, tudo pode não passar do “mito do desenvolvimento econômico” (FURTADO, 1996). Na outra ponta da mesma “rede” onde se balança o tempo e o espaço nordestinos, o poder político continua “controlado por uma oligarquia que procura trazer vantagens para ela própria”. Persiste a concentração da propriedade da terra, o que tem provocado, em luta e em contraposição, novamente reafirma, “a ação de movimentos como o MST, a Contag e a Pastoral da Terra”, “fazendo renascer o slogan de Francisco Julião, de 1960, de que “a reforma agrária seria feita na lei ou na marra”. “Muitas reformas agrárias”, dizia Manuel 24 Terra Livre - n. 28 (1): 15-26, 2007 Correia de Andrade, porque “não existe um Brasil, mas vários brasis. As aspirações dos sem-terra do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que são essencialmente pequenos proprietários, podem ser muito diferentes das aspirações dos trabalhadores rurais assalariados do Nordeste, ou dos extrativistas da Amazônia” (ANDRADE, 2000). “Muitas reformas agrárias” a partir da luta das e dos trabalhadores, porque já não é mais possível nem pensar na espera da “bondade” dos “de cima”. Pois, como salientou Manuel Correia de Andrade, “Uma das frases mais demagógicas que já ouvi na história do Brasil foi de Pedro II, que disse que venderia a última jóia da coroa, mas o nordestino não morreria de fome nem de sede! Só que nunca se fez uma política permanente para atender a população nordestina” (ANDRADE, 2000). E Dom Pedro II não vendeu a última e nem a primeira jóia. Ninguém vendeu. Adianta, então, a espera? Nas cidades o desemprego e a concentração urbana com o êxodo rural, provocando o crescimento exponencial da população, “quase sempre desempregada, doente e faminta, dando margem ainda a que moléstias epidêmicas, consideradas extintas no início do século XX, tornem-se novamente freqüentes no século XXI”. Por outro lado, Manuel Correia de Andrade, em 2003, salientava a importância do “fortalecimento do ensino” e da “melhoria das condições de saúde”. O “desenvolvimento de uma política ambiental” e a dinamização do “crescimento da produção por pessoa ocupada”. “Enfim, este é, em linhas gerais, o Nordeste em que vivemos neste início do século XXI” (ANDRADE, 2003, p. 200-202). Nordeste, nordestes, eis os desafios de uma terra e de suas gentes. Terra e homem, homem e terra. A natureza que se humaniza em homens e mulheres, fazendo-se litoral, agreste e sertão, misturando-se ao mar, reinventando modos de ser e de fazer, mesmo que em “vidas secas” ou em “searas vermelhas”2 . Fazendo-se geografia como cotidiano no trabalho, na mobilidade para as cidades, para o Sul ou para a Amazônia. A construção, em Manuel Correia de Andrade, da geografia como ciência da sociedade (ANDRADE, 1987). No dia vinte e dois de junho de 2007, oitenta e quatro anos depois de seu nascimento, em Recife, Manuel Correia de Andrade fez-se silêncio. Em mais de oito décadas, pelo Direito, História e Geografia, pelo Brasil e pelo mundo, mas principalmente pelo Nordeste, Manuel Correia de Andrade, o Correinha dos trabalhadores rurais, mourejou pela vida, pela ciência, pela terra, por mulheres e homens, em trabalho contínuo, sem descanso e constantemente. Fez-se terra. Fez-se homem. Fez-se corpo. Fez-se espaço. Por geografias de Brasil, do Nordeste físico e humano, de Pernambuco, da pecuária no agreste, da “guerra dos cabanos”, da “Setembrizada” e da “Novembrada”, das polarizações e desenvolvimento, do planejamento regional, do imperialismo e da fragmentação do espaço, dos italianos no Nordeste, das relações entre Brasil e África... E quando perguntado se havia escrito um livro sobre a contribuição da SUDENE, 2 Alusão, respectivamente, a “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, e a “Seara vermelha”, de Jorge Amado. 25 GOETTERT, J. D. MANUEL CORREIA DE ANDRADE, CORREINHA: (TERRA E) ... simplesmente respondeu: “Meu caro, eu tenho mais de cem livros publicados! Eu acho que escrevi sobre tudo no mundo!” (ANDRADE, 2000). “Tudo no mundo” talvez seja, para a terra e o homem nordestinos, nada mais, nada menos, que a revelação, a escrita, o companheirismo e a luta de homens – hoje terra – como Correinha, Manuel Correia de Andrade. “Tudo no mundo”, também, naquele dia vinte e dois de junho, se fechou para os olhos de Manuel Correia de Andrade. Os olhos se fecharam. Mas, como que por uma “geografia da alma”, seus olhos parecem nos olhar através de sua trajetória, de seus livros e centenas de artigos, de seus diálogos, de sua terra e por suas gentes. De seu Nordeste, que lutou para que fosse um lugar melhor, uma terra sem males. E, pelos seus olhos, de onde esteve e de onde está, talvez continue a nos olhar, profundamente, nos olhos. E talvez diga: mourejem, mourejem, mourejem... Como o “homem prático que moureja na terra”. A terra do Nordeste. As gentes do Nordeste. Correinhas. Manuel Correia de Andrade. Mourejem, mourejem, mourejem ... Referências ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste. 4. ed. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1980. ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. São Paulo: Atlas, 1987. ANDRADE, Manuel Correia de. O homem do Nordeste. Entrevista realizada por José Correia Leite. Revista Teoria e Debate, São Paulo, N. 45, jul/set 2000. ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste, hoje. Conferência pronunciada na 55ª Reunião Anual da SBPC, em 15 de julho de 2003, em Recife, Pernambuco. (http:// www.sei.ba.gov.br/ publicacoes/publicacoes_sei/bahia analise/sep/pdf/sep_67/ manuel_correia_andrade.pdf [em 05/07/2007]). BANDEIRA, Manuel. Evocação do Recife. (http://www.revista.agulha.nom.br/ manuelbandeira03.html [em 05/07/2007]) BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (orgs.). 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Recebido para publicação dia 28/07/07 Aceito para publicação dia 10/08/07 26 A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO COMENDO PASTEL DE VENTO NUM FAST FOOD? SCHOOL GEOGRAPHY: A GIANT WITH CLAY FEET EATING AIR FILLED FRIED PASTRY AT A FAST FOOD RESTAURANT ? LA GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PIES DE BARRO COMIENDO EMPANADAS DE AIRE EN UN “FAST-FOOD”? NESTOR ANDRÉ KAERCHER Professor da Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio Grande do Sul e-mail: [email protected] Resumo: Com este estudo, busco analisar práticas docentes da geografia escolar – a geografia ensinada no Ensino Fundamental e Médio – observada na ação de dez professores na cidade de Porto Alegre durante os anos de 2002-03. Chamamos a geografia de ‘gigante de pés de barro’, ‘geografia fast food’ e ‘geografia pastel de vento’ quando detectamos alguns obstáculos epistemológicos e pedagógicos na nossa prática docente, produzindo resultados como: professores que não professam; ausência de diálogo efetivo, seja com os alunos, seja com o mundo extra-sala de aula; e a quase ausência de conflito cognitivo, que leva a aprendizagem pouco significativa. Ainda impera uma geografia escolar que se baseia em informações de almanaque - uma revista de variedades. Que concepção de geografia isso constrói no aluno? Que possibilidades temos para uma docência que enfrente estes obstáculos? Viso problematizar uma apropriação empobrecida da teoria construtivista e defender a importância do ‘não’ como elemento pedagógico. Defendo a geografia escolar como uma prática que desperte o desejo de saber no aluno a partir de discussões que pensem a nossa existência cotidiana. Palavras-chave: Ensino de Geografia no Ensino Fundamental e Médio; Formação de professores; Geografia crítica; Epistemologia da prática do professor. Abstract: With this study, we analyze the educational practices of school geography – the geography that is taught in elementary and high schools – observed in the work of ten teachers, in Porto Alegre (the capital city of the southernmost Brazilian state: Rio Grande do Sul), in 2002- 03. We call geography “a giant with clay feet”, “fast food geography” or “air filled fried pastry” when some epistemological and pedagogical obstacles become evident in our teaching practice, producing results such as teachers that do not teach; the absence of an effective dialogue with the students or even with the outside-classroom environment; and the nearly absent cognitive conflict, which leads to a learning of very little significance. The school geography still standing is the one based on almanac information - a variety magazine. What kind of geography conception does this build in the student? What possibilities do we have for a teaching which faces such obstacles? The intention is to challenge an impoverished appropriation of the constructivist theory and to defend the importance of “no” as a pedagogic element. I defend the school geography as a practice that awakens in the student the desire to know from discussions that think about our everyday existence. Keywords: Primary and Secondary Teaching of Geography; Geography teachers training; Critical Geography; Epistemology of the teacher’s practice. Resumen: En esta investigación procuro analizar los trabajos en aula de diez profesores de Geografia en escuelas de la ciudad de Porto Alegre (Estado de Rio Grande do Sul – Brasil) de los niveles primarios y secundarios, observados durante 2002 y 2003. Denomino de ‘gigante de pies de barro’, ‘fast-food’ y ‘empanadas de aire’ a la enseñaza de la geografia en medio de obstáculos epistemológicos y pedagógicos producidos en la acción pedagógica del maestro con resultados tales como: profesores que no “profesan”, ausencia de diálogo efectivo - sea con los alunos o con el mundo afuera del salón de clases - y casi ningún tipo de conflicto cognitivo que nos lleva a un aprendizaje poco significativo. Impera aún en la escuela una enseñanza de la geografia basada en informaciones del tipo almanaque - una revista de variedades. ¿Qué concepción de geografia construye todo eso en el alumno? ¿Qué posibilidades tenemos para una docencia que enfrente estos obstáculos? Intento cuestionar una apropiación empobrecida de la teoria constructivista y defender la importancia del “no” como elemento pedagógico. Defiendo la enseñanza de la geografia en la escuela como una práctica que despierte el deseo de saber en los alumnos a partir de discusiones que consideren nuestra existencia cotidiana. Palabras clave: Enseñanza de la Geografia en la escuela primaria y secundaria; Formación del profesorado; Geografia crítica; Epistemología de la práctica del profesor. Terra Livre Presidente Pru dente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 27-44 Jan-Jun/2007 27 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... Introdução: de onde e porque penso em voz alta O presente texto procura ‘pensar em voz alta’ – justamente porque assim podemos dialogar em grupo - algumas constatações e preocupações que tem me despertado a atenção em função de minha atividade como professor de “Prática de Ensino de Geografia” (Licenciatura de Geografia, curso Noturno, UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul). Comento também muitas observações de sala de aula feitas para a elaboração de minha tese de doutorado. Em função destas atividades, tenho o duplo privilégio – e às vezes susto – de ver muitos futuros professores (os estagiários) em ação e de ouvir relatos de práticas de docentes que os estagiários vão substituir. A Geografia: pés de barro, fast food e pastel de vento Muitos dos professores de Geografia têm uma epistemologia/teoria da Geografia frágil e uma condução/concepção pedagógica que confunde o construtivismo com o laissezfaire. Isso resulta numa visão de Geografia como sinônimo de informações soltas. Se digo que a fragilidade é a da Geografia, corro o risco de “essencializar” como inerente, intrínseca, uma característica da Geografia: a sua pequena consistência teórica. Soa algo como “a Geografia é frágil epistemologicamente”. Já se digo que essa fragilidade, esses pés de barro, são dos seus professores, é algo mais suave, é característica dos professores observados, fruto de uma possível “má formação” individual. Soa algo como “os professores de Geografia estão, no caso, frágeis epistemologicamente”. É mais forte dizer que é uma característica – não exclusiva – da Geografia escolar. Pelo que tenho visto e estudado parece que essa fragilidade é uma característica geral da Geografia escolar que os professores só reproduzem. Digamos que, nós professores, somos uma manifestação, um epifenômeno de algo que é estrutural. É confuso? Afinal, não existe A Geografia, ou Uma Geografia! Concordo, mas seja qual for a corrente epistemológica ou teórica da Geografia, elas pouco se refletiram na Geografia escolar no sentido de construir uma prática reflexiva e consistente! É difícil provar isso, e nem sei se é possível ou útil. Seja a Geografia positivista, seja a Geografia dos teoréticos (neopositivistas), seja a Geografia Radical/crítica, seja qualquer linha, no fundo elas chegaram muito pouco à Geografia Escolar. Ou seja, o debate teórico é muito pouco comum entre os professores do Ensino Fundamental e Médio. O que predomina, hegemonicamente, na Geografia escolar é uma sucessão de informações sobre os lugares da Terra. Tudo cabe como sendo Geografia. Nós, de fato, falamos de tudo nas aulas, mas paradoxalmente, com muita pouca relação às categorias consideradas basilares à Geografia (espaço, território, região, paisagem, lugar, etc). Afinal, porque tais assuntos (países, continentes, povos, com suas características 28 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 naturais e econômicas) são Geografia? Parece que não carecemos justificar porque isso é Geografia, pelo simples fato de que falamos de lugares, de espaços. É uma ciência que não precisa de justificativas, pois ela “fala” por si, basta que ela cite nomes de lugares. A toponímia parece justificar nossa existência. A Geografia se confunde com toponímia, com a topologia. Em outras palavras, o fato da Geografia ter um “objeto” muito ‘concreto’ (o espaço em que vivemos), muito ‘visível’ (os espaços em que vivemos), muito perceptível (todos nós vivemos num ... espaço), qual seja, a Terra toda e tudo mais que nela está (povos, países, paisagens) nos deixa como que deitados em “berço esplêndido”, acomodados. Falar de tudo (todos os lugares) nos enche de assuntos, conteúdos, mas à custa de uma reflexão mais fundamentada. A conseqüência pedagógica mais comum é a prática de sobrecarregar nos conteúdos, sempre tão infindos. Parece uma saída, uma “fuga para frente”. Sempre falta tempo para trabalharmos os conteúdos e assim, raramente, paramos para pensar “porque isso é Geografia!?”, “o que quero ensinar quando ensino Geografia!?”. Corremos com os conteúdos para fugirmos de nossa prática automática. Pedir aos professores justificativas para a existência desta disciplina escolar denominada Geografia pode nos levar a respostas constrangedoras (KAERCHER, 2004, p. 292 e segs). Não podemos nos contentar com o discurso simplificador de que a “Geografia serve para legitimar os Estados Nacionais” ou que a Geografia “serve para legitimar a ação das classes dominantes detentoras do poder econômico e/ou político”. Claro isso foi – e ainda é - válido para o seu berço, no final do século XIX. Mas hoje, salvo alguns nacionalismos - que usam ou não da violência para contrapor-se aos poderes hegemônicos centrais – o mapa-mundi parece estar desenhado. Não, isso não significa que o mundo está pronto, acabado, pacificado. Não, guerras e conflitos com suas tradicionais mudanças do mapa político não deixarão de existir. Mas, não parece haver necessidade de uma disciplina denominada Geografia - de caráter essencialmente ideológico no sentido da ocultação ou manipulação dos “debaixo”, como tradicionalmente a esquerda política acusava a Geografia do ‘status quo’. E, no entanto, ela continua existindo. O seu “núcleo duro” despolitizado permanece: descrição e memorização dos lugares e das pessoas. O espaço parece um suporte, um palco que as pessoas usam. Pouco se reflete sobre qual a influência dos espaços na vida das pessoas. Não estou defendendo a idéia de que Geografia seja algo inútil. Nem sequer útil. Não estou dizendo que ela é progressista ou conservadora. Pode ser os dois. O teor político dela parece ser pouco relevante para a maioria dos alunos. Os alunos, via de regra, não vêem a Geografia como política ou apolítica. Se estes atributos são percebidos, parecem ser percebidos como atributos dos seus professores e não da disciplina. Estou apenas constatando que ela está nos currículos escolares de quase todos os países – não nos interessa aqui os países orientais, pois com eles muito pouco intercambiamos idéias e práticas escolares - talvez e justamente por seu caráter meramente informativo e ilustrativo, 29 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... quase uma revista de variedades que, em vez de falar de gente famosa e/ou rica, fala de lugares diferentes/exóticos. Isso que eu denomino de núcleo duro. Então, ao fim e ao cabo, chata ou “modernosa”, política ou apolítica, revolucionária ou reacionária, lá está esta velha senhora nos currículos. Por inércia? O que observo em muitas de nossas aulas é um edifício teórico muito pobre, quando não sem sentido lógico algum. Um gigante com pés de barro. Não estou defendendo a viabilidade de definirmos “o que é Geografia” ou “os seus corretos objetivos pedagógicos” numa espécie de reunião de conselho de sábios que definiriam tudo de antemão. Isso não é possível, nem desejável, mas uma das coisas que me tensiona, na condição de observador e estudioso da Geografia, é a nossa prática pedagógica-escolar bastante longe de tornar nossos alunos parceiros da reflexão. Por conseguinte, os alunos ficam distantes do que fazemos dentro da sala. Qual o sentido desta disciplina num currículo? A julgar pela prática e pelas respostas dos professores, salvo as exceções, não temos isso nada claro. Até ai, tudo bem. O problema é que não ter isso nem como preocupação. A necessidade de dar aula todos os dias parece auto-justificar a nossa existência. Resumindo: com a desculpa que epistemologia é coisa ‘teórica’ ou ‘filosofia’ nossa prática pedagógica fica pobre e confusa para os alunos. Esses pés de barro (epistemologia pobre, pedagogia confusa) resultam numa Geografia escolar como pastel de vento, Geografia Fast Food. Pastel de vento porque vistoso por fora, recheio pobre. Fast food porque sacia-nos rápido – há muito conteúdo a ver -, mas de forma pouco nutritiva, reflexiva. A Geografia pretende-se ciência, mas não raro limita-se a simples informação, parecendo-se com um telejornal. Muito mais ideologia do que reflexão fundamentada. Ausência de conflito cognitivo, ausência de tensão cognitiva na relação Professor-aluno. Há pouco espaço para o espanto, para o novo, para a surpresa: “não tinha pensado nisso, professor!” Outra raridade nas aulas de Geografia? Ter aula! Qualquer aula! A Geografia exige pouco do cognitivo! Quase não há exposição de alguma linha de raciocínio e sua posterior discussão. O que implica em ouvir o outro e pensar junto. Com isso pouco se pratica a abstração. O professor, parece, não sabe onde quer chegar com o seu dizer. O resultado disso não raro é a dispersão dos alunos. Há um duplo obstáculo. O de concepção de Geografia e o de concepção de Educação/ Pedagogia, que, naturalmente, se imbricam. Em nome de uma educação menos ‘tradicional’, o professor se esconde, quase se anula, não expõe suas idéias. Parte de um pressuposto interessante: fazer os alunos falarem, ouvir suas idéias. Para operacionalizar esta participação ele faz perguntas em profusão. E os alunos falam em profusão. Do que foi perguntado e muito mais. Há uma dispersão excessiva. Não são feitas sínteses parciais, não são organizadas as falas, não há um fio condutor via fala do professor. Resultado: 30 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 janelas (= perguntas do professor) abertas em demasia geram mais turbilhão do que renovação do ar (= nova e organizadas idéias). Reforça a idéia de que Geografia fala de tudo, que tudo ‘é Geografia’, e, portanto, pouco fica como sendo o central para as aulas de Geografia. O espaço, o arranjo, a arrumação e a localização das coisas e das pessoas nos lugares deixam de ser pensadas como hipóteses, como possibilidades, como problemas a serem discutidos em nome da ‘lição de coisas’, em nome da informação pela informação. Pedagogizar ou filosofar a Geografia? Os dois! Na visão de muitos professores há uma ‘condenação’ sem processo: os alunos não sabem, os alunos não fazem, os alunos não querem. Como se essas supostas negatividades nada tivessem a ver com nosso ofício de professor! Se defendo a idéia de uma Geografia que dialogue mais com o cotidiano do aluno não estou propondo um modismo, uma novidade como panacéia para nossa ação didática. Tampouco vamos jogar a criança janela afora com a água suja do banho. Seja qual for sua linha pedagógica ou ‘geográfica’, o conteúdo sempre é central. Se damos aula de Geografia, e os alunos a reconhecem como tal, é justamente pelos conteúdos trabalhados. O que proponho é que, seja qual forem os conteúdos, tenhamos claro os objetivos pedagógicos a serem alcançados. Onde queremos chegar? O espaço não pode estar ausente. Pensar na importância e na influências das coisas estarem neste ou naquele lugar. Isso requer um professor iluminista e iconoclasta. Iluminar novos caminhos, provocar o espanto do aluno (‘não tinha pensado nisso!’), e, também, destruir certezas, convenções e marasmos arraigados sem discussão. Numa metáfora: o professor fornece a escada para o aluno subir em abstração e conhecimento. Mas, logo, retira a escada e diz: “Vão descobrir outros caminhos. Não voltem por aqui, por esta escada, eu a retirei”. Hannoun (1998) fala em ‘suicídio pedagógico’ do mestre. Nossa ação visa um aluno cada vez mais independente do ponto de vista cognitivo. A maior recorrência nas muitas observações de sala de aula é a relativa ausência do professor enquanto sujeito condutor do processo pedagógico. Muitas vezes, há quase uma omissão. O professor esta mais para um gerente burocrata que evita, às vezes sem conseguir, o excesso de barulho, do que alguém que instaura o que considero fundamental: o conflito, a tensão cognitiva entre ele e os alunos; tensão entre o modo de pensar entre o ‘antes’ e o ‘depois’ da explanação do professor. Raras vezes, lembro de um professor dar uma aula, fazer uma explanação, conduzir uma linha de raciocínio. Por cerca de 30 minutos que seja. Sim, houve muitos momentos em que o professor coordenou o processo, deu informações, solicitou tarefas. No se trata de dizer que os professores não cumprem suas tarefas. A hipótese que levanto é que, estas “tarefas de professor”, estão muito rebaixadas, estão muito ligadas ao comportamental e 31 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... cada vez menos ao cognitivo, ao intelectual. Não sei se no passado recente - décadas de 60 e 70 - era diferente, e no quero idealizar uma escola do passado que nunca houve, mas me parece inequivoco que, a partir do final da década de 70 as escolas públicas começaram a perder qualidade com mais força. A intenção não é comparar, o ontem e o hoje, mas constatar que as escolas têm se contentado em realizar um trabalho que está mais para o burocrático do que para o reflexivo. As escolas parecem mais preocupadas em ocupar seus alunos dentro de uma linha mecanicista do que fazê-los desenvolverem seus potenciais cognitivos e criativos de uma forma mais estimulante. A aula expositiva, no sentido mais clássico do termo, ou falando em termos mais pomposos, uma exposição onde se apresenta uma “tese” – por exemplo, a industrialização do Brasil pós 1950 - expondo alguns argumentos e raciocínios que sustentem tais idéias, dando exemplos, mostrando alguns pontos positivos e negativos (antíteses) do que se está falando, e, por fim, fazer um fechamento com algumas conclusões parciais, isso, salvo melhor juízo, foi incomum de ter visto/ouvido. Parece que o professor optou – não sei com que grau de consciência e intencionalidade – por se eximir de dar aula. Ou seja, quero dizer que o professor, via de regra, não professa. Paradoxal. Este ponto é fundamental para entendermos uma queixa muito freqüente que os professores fazem dos seus alunos: eles não sabem defender suas idéias, não sabem escrever seus pontos de vista. Tampouco tem autonomia e vontade para fazerem anotações, perguntas, terem iniciativa para o trabalho em sala. De fato, pelo que pude perceber, seja na minha vida como professor, ou como observador para elaborar a tese, esta dificuldade dos alunos na expressão oral e escrita é notória. Por vezes, quase exasperante tamanha a aridez. Absolutamente corriqueiro, ouvir de alunos em final do Ensino Médio, frases circulares, apenas repetindo o que o texto ou o professor disse. Isso pode alertar a nós, professores, que não podemos ficar apenas nesta óbvia constatação: os alunos não sabem, os alunos não fazem, os alunos não querem, etc. Parece que os definimos sempre pela sua negação, pela sua negatividade, o que eles não fazem para nos ... agradar! Estamos idealizando um aluno que, aliás, nunca tivemos e nunca fomos. Se ele não se encaixa no nosso sonhado perfil, ele nos desencanta. Transferimos o nosso (inconsciente?) desencanto com a profissão para o desencanto com os alunos! O que pode ser até natural, mas tem conseqüências pedagógicas ruins. A toda hora transparecemos, para nossos alunos, que eles não são bons, não estão interessados, não são capazes. Sabemos o quanto o bom relacionamento, e por que não, o incentivo, o elogio, o ânimo são fundamentais para o processo educativo. Risco de minar a vontade deles em saber mais com a nossa linguagem gestual e facial. Cabe dar um passo pequeno, porém significativo: por que os alunos não sabem, não fazem e/ou não querem? Neste ponto de reflexão haveremos de dar um salto epistemológico e pedagógico importante, qual seja, inserirmo-nos como parte integrante neste processo – 32 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 não raro fracassado – educativo. Sendo mais explícito: muitas vezes o aluno não sabe porque não explicamos; não fazem porque não nos entendem; não querem porque nossas tarefas, textos e/ou desafios cognitivos são muito enfadonhos. Tarefa fundante de nosso ofício, conduzir os alunos - o termo pedagogo parece de suma importância e pertinência - para um desenvolvimento cognitivo mais abstrato, mais elaborado parece cada vez mais distante. Nós, professores não professamos, não damos a público nossas idéias, não publicizamos as idéias que a humanidade já organizou. Cabe a nós, professores, torná-las públicas. Não para que nossos alunos reverenciem a nós ou às idéias, mas para que, a partir dessa audição, possa se estabelecer um diálogo num patamar mais elaborado. Agindo de uma forma mais propositiva e sistemática poderíamos evitar uma situação por demais vista: o desejo do professor de um debate, de uma troca de idéias com seus alunos que, no entanto, foram muito pouco municiados para tal atividade. Se queremos o debate que não seja meramente circular, a repetição do que já sabemos e cremos, temos que ajudar os alunos a terem outras visões. E aqui o papel do professor é ímpar e insubstituível: ou ele professa ou ele é apenas um disciplinador/ocupador (recreacionista) de jovens. Do professor que não professa para uma prática de Geografia fast food, telejornal Nas aulas de Geografia fica-se, no geral, num somatório de informações dispersas, sem um grau de encadeamento, seja com a aula anterior ou com a posterior. Como conseqüência os alunos também não necessitam prestar atenção e pensar junto com o professor. Parece não haver processualidade nas explicações. As informações quando aparecem, soam como cacos, pontas. Faz pouca diferença escutar ou não, anotar ou não, perguntar ou não. A geografia escolar parece-se menos comprometida com a ciência, aqui entendida como algo que tem uma certa lógica e regras em buscar as explicações para os fenômenos de que se fala – e mais com lógica de um telejornal que fala dos fatos de forma apressada e pouco reflexiva. As informações são tantas que mais embaralham o aluno do que esclarecem-no. “Menos mal” que para estudar para as provas basta dar uma olhada nos fatos anotados no caderno e rememorá-los. Quando existe o caderno, claro... A memorização ainda é a habilidade mais exigida pela geografia escolar. Justiça seja feita: os alunos não perguntam! Parece não haver o que entender! Retomo, então, a expressão ausência de conflito cognitivo. O confronto de idéias, se existe, permanece num patamar do senso comum. Patamar em que já se estava antes da ação do educador, antes da aula de Geografia. Imaginemos a situação: o professor diz “a”. Alguns alunos dizem o oposto, “não-a”ou “b”. O que é ótimo, pois é uma situação que eu denomino de conflito cognitivo. Mas, via de regra, para minha decepção, ficava nisso. Não havia continuidade, cada um ficava na sua crença. Eu disse crença, algo quase religioso, e não 33 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... opinião argumentada. De fato, havia pouco diálogo. Professor e alunos parecem estar no mesmo espaço (a sala de aula), mas não se comunicam. Claro, há exceções, seja por parte de alguns professores, como de alguns alunos. Mas, é bem superior o número de belas discussões que são levantadas, e ficam natimortas, do que aquelas em que, o fogo inicial provocado pela polêmica, seja dos assuntos em si, seja por parte de opiniões contundentes dos alunos, fica acesso por mais de três minutos. Dizendo em outras palavras: a matériaprima (os assuntos trabalhados) são ricos, mas originam muito mais fumaça do que fogo. Queremos fogo, porque ele gera calor (uma boa discussão), e, luz para iluminar cantos obscuros. Aparente paradoxo: conciliar um professor iluminista e, ao mesmo tempo, um iconoclasta. Iluminista, porque resgata o papel tão imodesto quanto necessário, de falar do banal, do cotidiano, do óbvio, mas mostrando o não-óbvio no óbvio, alertar para pontos não percebidos, relacionar fatos aparentemente desconexos. Apontar pistas ‘talvez o caminho seja por aqui, meninos’, enfim, ser condutor do processo. Iconoclasta, porque a todo mestre cabe destruir ícones (= objetos de culto, portos seguros que não se deve discutir, tradições que se seguem sem questionamentos), alargar os domínios do saber já conquistado evitando que ele se solidifiquem, se cristalizem como verdades inquestionáveis. Iconoclasta que derruba as pontes pelas quais se passou não para desmerecer os que nos antecederam, mas para avançar. Iconoclasta que sabe rir de si, não se levar por demais a sério. “O mundo é longe daqui” é uma boa metáfora que Guimarães Rosa nos ensina em ‘Grande Sertão: Veredas’. Com uma visão pouco clara de Geografia (onde quero chegar com tal assunto? Por que ele é importante para meus alunos?) a aula do professor fica confusa. O professor raramente fala o motivo de se estar estudando o que ... está se estudando. Os assuntos parecem seguir uma lógica sem muita lógica. Está no livro? Dá-se o assunto! E, como no livro didático de Geografia de quase tudo se fala (o que não é por si só um defeito ou demérito) o aluno fica desorientado: o que é Geografia? Por que este assunto é Geografia? Por que este assunto é importante para mim? O aluno não consegue ligar a fala do professor a sua vida, ao seu cotidiano. Pode-se fazer uma brincadeira de caráter “geográfico”: tanto o aluno, quanto o professor, parecem estar perdidos, não sabem onde estão! Reforço a idéia do professor professar suas idéias, pedagogizar a Geografia e, por conseguinte, (tentar) cativar/seduzir seus alunos. O que se quer, sendo professor, com as aulas de Geografia? O que se quer dos nossos alunos? Não estou propondo necessariamente que se resolva, a priori e por decreto, a velha celeuma “o que é Geografia?”, e nem tampouco que exista somente uma resposta, mas parece claro que os professores de Geografia se atrapalham sim com o objeto e com o objetivo de sua disciplina. Essa discussão é tão fundamental quanto pouco feita em nossa graduação! 34 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 O papel do professor na superação dos pés de barro da Geografia Some-se a esse problema (da ontologia?) da Geografia a um problema de caráter pedagógico, de visão de educação: com medo de ser considerado “tradicional”, o professor evita a explanação, evita a condução – vista como ‘excessiva’ - da aula. O que é, sem dúvida, um bom pressuposto. Não advogo o retorno aos tempos em que a única voz ouvida numa classe era a do mestre, e, onde o silêncio era mais sinal de medo do que de atenção. Mas, o fato é que o professor caiu no outro extremo: o laissez-faire, o deixar fazer. Então, na visão do professor, o aluno deve ‘participar’, ‘falar’, ‘fazer’, ‘ser autônomo’, ‘ter iniciativa’! Ótimo, mas pode ocorrer um problema. Muitas vezes ele não tem informações suficientes, não tem a base, as condições para participar de uma forma mais organizada, não digo em iguais condições – impossível, pois professor e alunos não são iguais, nem devem sê-lo – e o que ocorre é uma dispersão de opiniões que ficam simplesmente no ‘achismo’. Falta a mediação e a organização do professor. O professor como mediador pode ser uma espécie de escada, de andaime, oferecendo um suporte cognitivo para que o aluno saia de um patamar mais simples de organização de idéias para uma posição mais arrazoada. Para tal, a participação ativa do professor é fundamental. Estou falando do papel de organizador de conceitos, suporte de informações que terão sentido se o professor atuar como lógico, relacionar as informações, problematizar o que se fala em aula. Se este papel lógico do professor for bem compreendido, as informações, via de regra esparsas, formarão nós de uma rede e não seguirão como pontos isolados. Com uma rede eu colho mais frutos do que com linhas isoladas. O resultado dessas discussões natimortas - a explosão de idéias é similar a um fogo de artifício, intenso, mas muito breve - é um tanto desgastante e frustrante. Para os dois lados, professores e alunos. As discussões propostas tendem a se dispersar em múltiplos sub-temas e cacos gerando um grau de turbulência excessiva e de pouca sistematização. Abrem-se muitas janelas, seja porque o professor faz muitas perguntas – o que é legal – seja porque os alunos palpitam sobre tudo – o que também é legal -, mas como falta um papel mais organizador instaura-se um certo stress que desgasta mais pelo barulho que pelo uso da razão. As janelas são abertas em profusão (o que é saudável porque assim circulam as idéias, o “ar”), mas com a relativa ausência do professor como organizador, há uma sensação de “vento encanado”, isto é, o ar fica excessivamente agitado, gera um turbilhão que mais desorganiza do que sistematiza. Todos já vivenciamos aquelas correntes de ar que levantam papéis em profusão por cima das mesas. Um pouco de adrenalina e agitação é bom para qualquer aula, mas se a dose for excessiva, há um cansaço improdutivo. O debate de idéias é rico se ficar claro para os participantes, o fio condutor da discussão. Algo do tipo de onde partimos e onde queremos (mais ou menos) chegar. Eis o papel 35 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... mediador do professor. Em um debate de idéias é imprescindível ouvir o outro, algo muito pouco praticado. Daí me referir ao stress entre os participantes. Num debate, as idéias precisam ser ditas de forma um tanto quanto organizadas, que sejam inteligíveis para que possam ser confrontadas, discutidas e, objetivo maior, superadas. Na ausência do professor como agente que organiza o debate, cerceia o ruído, medeia dizendo que “nem tudo vale em nome da democracia”, que nem toda idéia faz sentido ou se sustenta, o que impera é um laissez-faire que até pode aparentar com democracia, mas, no meu entender prejudica o aluno, seja do ponto de vista cognitivo - a Geografia soa como caótica, os conteúdos são trabalhados superficialmente, os conceitos não são apropriados -, seja do ponto de vista educativo mais amplo - o tudo vale pode fortalecer mais a formação de pessoas que ouvem pouco e se impõem pela altura da voz. Cuidado para não parecer moralista ou muito prescritivo. Alerto para uma certa confusão do papel do professor. Na busca de uma postura mais democrática e simpática há uma certa confusão de camaradagem entre professor e aluno. Um democratismo que é falseador dos diferentes papéis que cada um tem dentro de uma sala de aula, e, sobretudo, do ponto de vista educativo é nocivo, pois a relativa ausência do professor enquanto pólo difusor de idéias sistematizadas e organizadas fica prejudicado. Não confundir, entretanto, essa preocupação com a visão do professor conteudista, que “dá” bastante matéria achando com isso que ensina bem e/ou bastante. Não penso que professor bom é o professor sisudo, durão, mal humorado! O professor deve aspirar sempre conquistar o aluno, gerar um ambiente de confiança e desejo de estar no ambiente da sala de aula, mas isso não significa sacrificar o professor em nome do querer “ser amigo” dos alunos. Muitas vezes o professor é justamente aquele que faz a interdição, sabe construir limites, ainda que isso pouco tem de simpático. Amigo não tem a preocupação em educar. Tampouco acredito em relação professor-aluno sem conteúdo1 . Defendo um professor que assuma sua condição de imprescindibilidade dentro da sala: que organize as idéias, que exponha seus pontos de vista, que coordene a disciplina vista aqui em seu duplo sentido: cognitivo (a disciplina escolar chamada Geografia) e comportamental (a disciplina enquanto um pacto necessário de respeito entre docentes e discentes que torne possível a comunicação e o trabalho cognitivo). Não confundo “ausência de regras” com democracia. Acredito que a palavra “não” pode ser muito educativa, democrática e 1 Carvalho (2001) alerta-nos para o perigo da incorporação apressada e irrefletida de algumas idéias que passam a justificar um sem número de ações pedagógicas auto-intituladas “progressistas” e “construtivistas”. Tenho muitos pontos de discordância com Carvalho. Muitas vezes, ele próprio faz o que critica: entoar slogans sobre o que ele parece ter analisado pouco, o próprio construtivismo. Mas, a obra é válida pela polêmica. 36 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 construtivista! Alguns retrucam: os professores não dão aula porque não são ouvidos. De fato, muitas vezes é o que ocorre. É bastante comum o boicote sistemático dos alunos, não raro num nível de barulho que só aos gritos se conseguiria se fazer ouvir. Não tem aula porque tem muita bagunça ou porque o professor não sabe/não tem o que dizer? Às vezes, os alunos não ouvem os professores porque o que está sendo oferecido a eles é algo muito chato, inútil ou non sense! Muitas vezes tive essa sensação, sem dúvida. Falamos para os alunos, mas não há comunicação com os alunos. Conseqüência, os alunos fazem zoeira. Muitas vezes os professores tem sim o álibi do tipo “o que eu posso fazer? Eles não me ouvem!”, mesmo quando a temática ou o texto proposto pelo mestre parece ser interessante. É muito comum não haver aula no sentido de haver raciocínios encadeados e sistematizados. Há informações esparsas. A Geografia se consolida como algo muito superficial e sem muita lógica: o que há para entender? É a pergunta que parece ficar sem resposta na cabeça dos alunos! Daí dizer que as aulas parecem “pastel de vento”. Aparentemente o recheio é vistoso (as temáticas, os conteúdos da Geografia são super atuais, interessantes), mas basta uma mordida, basta adentrar na linha de reflexão e há um desencanto, um certo vazio. Penso que esse saldo pouco atraente para os alunos se deve em boa parte ao que denomino “os pés de barro da Geografia”: a relativa confusão metodológica/pedagógica e a fragilidade epistemológica da visão de Geografia que nós professores temos, e, portanto, construímos para os alunos. As aulas de Geografia Freqüentemente o desperdício de tempo da aula, bem como o barulho, tornava o ambiente da sala pouco propício para o trabalho intelectual. O que parece estranho, pois uma das queixas dos professores de Geografia é quanto à exígua carga horária semanal da disciplina. No geral, duas horas por semana, não raro em dias diferentes, o que limita bastante o trabalho produtivo já que se consome um tempo enorme com ritos dispendiosos: deslocamento do professor, entrada em sala, conversas iniciais, apagar o quadro, fazer a chamada, etc. Muitas e muitas vezes a sensação – facilmente percebida na descrição de minhas observações – era de que o pressuposto maior da aula era deixar o tempo escoar, passar lentamente, seja com a chamada que dura minutos, seja com papos extra-classe, ou mais comum, com atividades que tem como principal característica ocupar os alunos, muito freqüentemente com atividades mecânicas. Mas isso é tão velho quanto sabido. O que me chamou a atenção era uma tática bastante usada e que tem, sob o ponto de vista pedagógico, 37 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... um pressuposto “construtivista”. Falo do “trabalho em grupo”. Alguns vão denominar “pesquisa” em grupo. Seja qual for o nome dado, o resultado é constante: baixo desgaste do professor e quase inexistência da aprendizagem por parte dos alunos. O esquema tem um modus operandi padrão. O professor dá uma rápida introduzida no assunto, seja escrevendo algo no quadro (não muito comum) – que também raramente é copiado pelos alunos – ou, mais comum, através de um xerox de um texto (sendo mais freqüente a leitura individual do que coletiva). Feito esse intróito, a seqüência passa por responder algumas questões, que vêm, via de regra, do próprio texto. Mas, aí vem a perspectiva “construtivista”, com a qual concordo, e que tem pressupostos tão positivos quão mal operacionalizados. É interessante fazer as questões em dupla ou em grupo. Como a leitura não é feita em aula para todo o grupo, ela é feita individualmente, o que já limita as explicações do professor, e, claro, favorece as conversas e compromete o silêncio na turma. Começamos mal, pois não há incentivo para a leitura do texto. Quem quiser ler, no entanto, vai se deparar com um obstáculo tão invisível quanto poderoso: o ruído, o barulho em sala. Mesmo que se tente ler, os fatores de dispersão são muitos. Simplesmente – esta é a regra – não há ambiente para o trabalho intelectual. Não estou falando num silêncio de monastério, mas há que convir que também a sala de aula não é um parque de diversões. Há que se respeitar a Geografia dos lugares, cada qual com seus tipos de comportamento. Como, também via de regra, o professor não fez, ou fez de forma muitíssimo rápida, uma explanação geral sobre o texto, sobre o tema abordado, fica complicado para o aluno entender do que se trata. Perguntas sobre o que não se explicou ou não se leu, obviamente, soam difíceis. Se ocorrem, em quase todos os casos, são explicadas individualmente (e somente) para quem fez a pergunta. Perde-se outra chance ótima (duas já foram perdidas: ao não se ler o texto em voz alta para o grupo todo e/ou não se fazer uma explanação introdutória geral à classe) de alcançar toda a turma. Absolutamente comum são as microexplicações restritas ao indivíduo ou a dupla que tenta resolver a questão. Feita a leitura (pelos raros persistentes), eis a hora de responder ao questionário. Se faltam 10-15 minutos para o sinal há um código não-escrito, uma senha: “Pessoal, os últimos minutos vocês usam para responder as questões. Me entreguem na próxima aula!” Dizer isso equivale a dizer, na prática, “está terminada a aula”. O que ocorre se temos mais um período (os dois períodos semanais são juntos)? Há uma situação parecida, em ritmo ainda mais lento, e, uma outra senha: “Bom, agora vocês leiam o texto”. Dá-se um tempo para ler. Poucos lêem. Depois o professor diz: “Agora vocês fazem as questões”. É comum ele ir se sentar eximindo-se da tarefa de cobrar a realização da tarefa e auxiliá-los na resolução das questões. Ora, como há um período a mais o tempo escoa lentamente em conversas entre a dupla. O resultado é bastante comum: os alunos, com as exceções dos “caxias” de sempre, é que poucos vão usar a aula para lerem e responderem. Até aí nada excepcional, embora lamentável. Isso tem um duplo 38 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 desdobramento, um no campo ético, outro no campo pedagógico. No ético, o descaso, o desinteresse dos alunos em (não) fazer a tarefa dá ao professor a tranqüilidade para dizer, muitas vezes para mim e em “off” (“eles são fracos”, “este é o ritmo deles”, “não tão a fim de nada”); outras vezes para a turma toda, em alto e bom som: “viu, vocês não ajudam, não cooperam. A gente deixa um tempo para vocês fazerem em aula e vocês preferem conversar, brincar e não fazem suas tarefas. Assim não dá!”. Genial. A falta de vontade do professor em dar aula, coordenar a turma revestiu-se do seu oposto: são os alunos que não cooperam, não ajudam, não estão a fim de trabalhar. Do ponto de vista pedagógico – e mais uma vez com o subentendido pressuposto “construtivista”/democratista implícito - está armada a próxima aula! Ora, num bom número de vezes, os alunos não fazem a tarefa, nem na aula e nem tampouco em casa, e, chega-se à conclusão que, é preciso dar mais tempo, dar mais uma aula, para a conclusão da tarefa anterior. Dito e feito, dá-se o período para fazer as questões. Poucos fazem, mas isso não importa, porque, também via de regra, um copia do outro. Descaradamente. É comum as respostas serem copiadas mecanicamente, do livro ou do texto, sem o mínimo entendimento. Muito comum as respostas, que exigem apenas a cópia do texto, serem absurdas, não terem lógica. Ou, quando se exige algo que não está no texto, igualmente as respostas não terem sentido algum. Tanto faz, o professor, corrige, também mecanicamente as respostas. E os alunos copiam. Modorrento. Pronto. Resulta que muito pouco se exigiu do ponto de vista cognitivo, muito pouco se construiu em termos de raciocínio e/ou de idéia de Geografia. Mas, lá se foram duas semanas de aula. É pressuposto interessante: trabalhar em grupo, deixar eles lerem o texto, deixar que eles tirem suas dúvidas, e, por fim, discutir as respostas que eles trouxeram. Mas, a forma de operacionalizar essa concepção “construtivista” parece permissiva e perversa para com os alunos, já que gera não só uma baixa reflexividade, como é uma proposta altamente desmotivadora reforçando a idéia que já lhes soa familiar: na Geografia qualquer coisa serve, não há muito o que entender. E tudo com a consciência tranqüila para o professor, afinal, foram os alunos que não aproveitaram a ‘oportunidade’ dada pelo professor. Identifico isto como uma tática de sobrevivência do professor. Sabemos que sua carga de trabalho é extensa. Trata-se de questão de sobrevivência, o dispêndio mínimo de energia, tanto física como mental. Evitar o burn out, evitar queimar, pifar! Ao deixar os alunos no laissez-faire é óbvio que, o professor se economiza, não precisa explanar para todos (só para quem, muito eventualmente o chama). Também se desgasta menos, pois ao não cobrar a efetiva realização da tarefa com respostas plausíveis, entendíveis, o que eles respondem não lhes exige muito. A recíproca é verdadeira, os alunos também não cobram muito o professor. Tudo ocorre tacitamente, com ‘baixo consumo de energia’ e baixo nível de desgaste de ambos os lados. 39 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... Claro que imputar tal comportamento ao “construtivismo” parece tão honesto como acusar Jesus Cristo pelas Cruzadas medievais, mas o mais importante aqui é o desembaraço do professor de suas tarefas. O curioso é que, uma teoria, altamente interessante para contribuir com uma prática educativa mais qualificada, quando apropriada apressadamente, sem a devida leitura/estudo, tende a produzir resultados ruins com ... as justificativas mais nobres possíveis. É positivo quando o professor pede que os alunos atuem, façam o questionário, se ocupem. A idéia de que o aluno vai, através de sua ação, construir o conhecimento. Mas, via de regra, a ação que os alunos empreendem é muito mais mecânica do que reflexiva. Presenciei a pintura de mapas (para alunos adultos) sem que estivessem entendendo bem o significado da tarefa. Sem falar na situação comuníssima de se responder ao questionário copiando trechos quase aleatoriamente do texto. Há uma muito baixa cobrança na produção escrita. Fora responder questionários – que no geral não foi o professor o elaborador – quase os alunos nada tem que escrever. E, quando tem de fazê-lo, os resultados são sofríveis. Alie a isso a relativa escassez de aulas e leituras e parece que tudo conspira para algo tão invisível quanto indizível, mas nem por isso menos efetivo e/ou existente: uma escola pobre para os de classe ‘pobre’. No geral, estamos falando de escolas públicas, não raro de ensino noturno que acolhem trabalhadores. O professor já tem a justificativa para esta pobreza cognitiva: “não dá para exigir muito, eles não acompanham”, “eles não sabem escrever”, “eles não estão a fim”, ou seja, parece que o aluno é o responsável. Sim, os alunos têm dificuldades imensas na produção escrita, mesmo na expressão oral ou, não raro, na própria vontade de fazer as tarefas, participar dos debates, ler em público, mas isso é do humano, isso é o quadro que temos. Questionar o relativo consenso em que nós, os educadores, nos conformamos a essa situação de penúria intelectual. Parece que a regra é, dar menos alimento a quem já está enfraquecido pela subnutrição, com o medo de que ele vá ter problemas com a digestão. Não proponho o outro extremo: vamos tornar as aulas difíceis, “dar bronca” nos alunos, aumentar muito o nível das respostas exigidas para que eles consigam “enfrentar o mundo competitivo lá fora”! Com essa frase se justificam, algumas vezes, a preparação, meio cega, para o vestibular: empilhar informações em alunos que tentam engoli-las aos trancos e barrancos. É muito mais fácil constatar este problema - escola pobre para alunos pobres - do que resolvê-lo. Há toda uma cultura hegemônica em que estamos, professores e alunos, imersos. Ambos estão desmotivados. Não podemos ignorar o contexto macro onde a educação é relegada pelos poderes públicos a um relativo abandono. Os alunos cobram que o professor facilite tudo. Cobram que ele “não dê aula”, que ele “largue” ou “solte” - o termo é indicativo de que ali todos parecem presos) - mais cedo, enfim, que ele deixe as coisas rolarem sem stress. Os professores, sobrecarregados, indo 40 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 de uma escola a outra, enfrentando alunos desmotivados e ou despreparados tendem a exigir o mínimo. O resultado é constatado nas avaliações do MEC: muitos saem do Ensino Médio, e, após, onze ou mais anos de escolaridade, têm dificuldade para escrever alguns poucos parágrafos e interpretar pequenos textos de jornal ou do livro didático. As concepções de Geografia Há ainda um predomínio da Geografia mnemônica, meramente informativa na sua versão empobrecida. Um somatório de informações, sem uma teoria geral que ligue os fatos discutidos entre si e, salvo exceções, sem ligação dos assuntos vistos com a vida dos alunos. Os conceitos, sejam mais gerais – espaço, natureza, sociedade, lugar, paisagem, região –, seja os mais específicos – ligados aos assuntos específicos vistos durante o ano - parecem dados ou subentendidos a priori, compreendidos pelo simples fato de serem citados. Não há construção destes conceitos, menos comum ainda seu questionamento, a meu ver um papel muito rico do professor. Acredito que seja papel fundamental do professor de Geografia que ele, ao citar os conceitos, procure questioná-los, relativizá-los, mostrando que eles podem ter leituras distintas, e até contrárias, já que são conceitos construídos, e, como tal, passíveis de controvérsia. E essa controvérsia é a riqueza, é ponto de partida para o avanço do conhecimento. Então, mais importante do que dizer “natureza é ...” acredito que seja tarefa do professor alertar que esta palavra foi/vai mudando de significado ao longo do tempo e em espaços diferentes. Exemplo: hoje a mata virgem é patrimônio a ser preservado. Para imigrantes do século XIX, chegando ao RS, era um obstáculo a ser removido. É bastante comum inexistir a noção de sociedade, entendida aqui como seres humanos que tem características específicas que fazem toda a diferença ter estas características (gênero, etnia, classe social, nacionalidade, religião, poder aquisitivo, grau de instrução, etc.) quando as pessoas estão co-habitando um dado espaço. Discutir a influência do espaço na constituição/construção da sociedade, e vice-versa, parece fundamental para trazermos o interesse dos alunos para nossas aulas. Sobre o conceito de sociedade prevalece a idéia de ‘população’ enquanto um grupo, um bando que está em cima de um espaço, de um palco. Aliás, por incrível que pareça a palavra espaço e suas categorias correlatas – região, lugar, paisagem, território – são relativamente ausentes do discurso de nós professores. O espaço parece um a priori, que não cabe discutir, quando é palavra chave para questionarmos os conteúdos de Geografia. Os professores falam do mundo, dos lugares “como eles são”, com a certeza de que se falamos de algo estamos decifrando sua essência. “O Brasil é assim”, “os brasileiros são assado” soa como a chave das descobertas. Há muita certeza e pouco espaço para a 41 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... dúvida: “será que o Brasil é (só) assim?” A contradição entre a concepção falada (nas entrevistas com os professores), acerca da Geografia, e a construída na prática, com os alunos, mais duradoura e sistematicamente através das aulas, via provas, trabalhos e as exposições orais. Na fala – fora da sala de aula, longe dos alunos - as concepções de quase todos os professores acompanhados são bem articuladas, progressistas e concatenadas, tanto do ponto de vista pedagógico, como do epistemológico. A Geografia dita tradicional é muito bem criticada nas suas fragilidades. Uma geografia diferenciada, sem necessariamente ser chamada de “crítica”, é defendida consensualmente. Mas, a situação fica bem menos consensual e organizada na hora de construir tal proposta em sala de aula. A um discurso relativamente coeso e progressista é muito comum corresponder uma prática bem mais desinteressante e conservadora. Com certeza não basta ter bons conhecimentos específicos de Geografia (Geografia Agrária, Urbana, Cartografia, Geografia Física em geral, etc). Quando somos professores, sobretudo do Ensino Fundamental e Médio, o desafio é dar uma organicidade a estas informações, para que elas sejam compreendidas pelo aluno e façam sentido à vida dele. Que as aulas de Geografia façam sentido para os alunos sem, no entanto, a ilusão de que o que se fala em aula seja necessariamente útil imediatamente aos alunos. Que supere a idéia de que a Geografia é um somatório de informações acerca da natureza, dos lugares e dos povos que habitam a Terra, ou seja, que fala de tudo e todos. Falta-nos, geralmente uma visão que ligue, mas sem cimentar nem congelar, os fatos e dados vistos nas aulas. Parece que temos uma Geografia Fast Food. É rápida! Em minutos, fala de muitas coisas, mas pouco se aprofunda. Chama a atenção! Seus temas são atuais e estão na mídia! No entanto, a longo prazo, fica pouco para o aluno. Há pouca articulação dos conhecimentos trabalhados. Ficamos ‘cheios’, mas pouco alimentados. Voltamos a idéia do pastel de vento: o conteúdo parece frágil. Desejo que se consiga construir para e com os alunos a idéia de que a Geografia é muito mais do que uma disciplina escolar. Que vá além da Geografia Fast Food. Que se consiga desenvolver nos alunos o desejo de saber. Uma prática pedagógica com maior embasamento teórico, com pedagogias alicerçadas em propostas mais reflexivas e consistentes que torne a Geografia mais saborosa, desenvolva no aluno o apetite em querer mais, em saber mais. A Geografia é feita desde que os seres humanos estão neste planeta, pois é impossível sobreviver sem se valer da natureza, e, neste contato os espaços são apropriados, construídos e ressignificados. E este processo de fazer-se humano, fazer-se civilizado implica fazer Geografia. Os humanos se fazem humanos na história, na sua passagem por este planeta e que esta história se dá no contato com a natureza, implica em modificar e apropriar-se do espaço. Geografia e civilização se confundem. Humanizar-se 42 Terra Livre - n. 28 (1): 27-44, 2007 implica em geografar, marcar a Terra. Civilizar-se demanda geografizar, contatar e transformar a natureza. Transformando a natureza transformamo-nos, fazemo-nos humanos. Não estamos dizendo que a Geografia é anterior ou mais importante do que as outras disciplinas escolares. No entanto, é impossível falar de geografia sem filosofar sobre nossa existência. Quase todos, geógrafos ou não, associam Geografia a mapas. Mas, mais uma vez os professores são traídos pela projeção idealista de acharem que seus alunos sabem onde estão os lugares citados – e são muitos – nas aulas ou nos textos. A ausência de mapas, mesmo quando os assuntos tratados são os próprios mapas é uma constante. Há professores que não usam mapas. Ponto. O professor parece ficar demasiado confiante que suas aulas são por demais claras. A ilusão de muitos de nós: a Geografia fala como é o mundo. Basta falar dele para que os alunos entendam tudo com clareza. Além da quase inexistência dos mapas, há também muito pouco uso de outros materiais visuais. Fotos, imagens, charges são relativamente raras. Desperdiça-se um recurso fundamental para a Geografia, qual seja, a visão. Não que a simples visão de uma imagem vá mostrar como são as coisas, mas é um bom ponto de partida para se buscar sentidos além do imediatamente perceptível pelos alunos. Chama a atenção o uso dos textos. Via de regra não se fazia leitura coletiva e em voz alta dos textos em sala de aula. Os textos eram apenas distribuídos sob um genérico “agora vocês leiam”. Sensato. Todos sabem ler. Mas, e se não há ambiente para a leitura, isto é, um mínimo de silêncio? Então, mesmo os que tentassem fazê-lo, tinham dificuldade para ler. Tal prática vai matando o desejo do aluno em saber mais. A Geografia pode contribuir para que o aluno entenda, com um mínimo de lógica, o mundo em que vive. A Geografia ocupa-os, mas de forma pouco reflexiva. Esta lógica um tanto mecânica, prevalece muitas vezes, até quando a tarefa é diferente e instigante. Por exemplo, quando o professor solicita que os alunos criem, num papel pardo, uma cidade ideal. Como as explicações foram muito rápidas e de caráter técnico (arruamento, curvas de nível, hidrografia, etc.) faltou-lhes embasamento para a elaboração da tarefa, sem dúvida, de alta complexidade. O resultado foi um tempo desproporcionalmente alto gasto na elaboração destes ítens de uma forma automatizada (desenhando, pintando) em detrimento da parte cognitiva (o que é uma cidade ideal? O que ela tem de diferente da cidade em que nós vivemos?). Portanto, o desafio é fazer da Geografia algo que possa contribuir no planejamento e reflexão dos espaços em que vivemos. Faltou contextualizar a tarefa, ‘questionar’ o conteúdo. Não basta que os alunos “gostem” da tarefa (uma tarefa que soou como Educação Artística, muitos alunos ainda gostam de colorir mapas), mas sim que eles complexifiquem sua visão de mundo auxiliados pelas categorias da Geografia. 43 KAERCHER, N. A. A GEOGRAFIA ESCOLAR: GIGANTE DE PÉS DE BARRO... Nosso desafio é despertar a fome pela Geografia e pelo conhecer Priorizar um ensino de Geografia que estabeleça relações entre Geografia e outras áreas do conhecimento, que estimule a capacidade de reflexão e expressão dos alunos e que contribua para pensarmos nossa existência e nosso mundo/entorno parecem desafios, utopias e obstáculos que podem nos motivar à docência de forma apaixonada e apaixonante. Escolher brincar de amor com a Geografia e seduzir o aluno para ir conosco a lugares nunca dantes navegados. Fazer da Geografia uma ponte que conecte o nosso lugar, o nosso lar com o mundo, com os outros lugares. Deus ao mar perigos deu, mas nele espelhou o céu, ensinou-nos Fernando Pessoa. Navegar nestas águas da busca do conhecimento na companhia dos alunos, de forma dialogada e provocativa parecem belas utopias a serem perseguidas por nós, educadores. Aos meus alunos, futuros professores, eu digo: levem seus alunos para longe dos nossos estreitos horizontes. De meus alunos pouco quero: apenas a sua alma! Bom trabalho, boa viagem. Referências CARVALHO, José Sérgio Fonseca. Construtivismo: uma pedagogia esquecida da escola. Porto Alegre: Artmed, 2001. 132p. HANNOUN, Hubert. Educação: certezas e apostas. São Paulo: Editora da UNESP, 1998. 189p. KAERCHER, Nestor A. A geografia escolar na prática docente: a utopia e os obstáculos epistemológicos da Geografia Crítica. São Paulo: Dep. de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2004. (Tese de Doutorado, 363p.) Recebido para publicação dia 10/04/07 Aceito para publicação dia 07/05/07 44 ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS* GEOGRAPHY TEACHING, MEDIA AND PRODUCTION OF SENSES ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA, MEDIOS DE COMUNICACIÓN Y PRODUCCIÓN DE SENTIDOS IARA GUIMARÃES Eseba - Universidade Federal de Uberlândia Correio Eletrônico: [email protected] Resumo: O presente trabalho analisa as relações entre o ensino de Geografia e a mídia no atual mundo globalizado. A mídia apresenta-se, atualmente, como um importante lugar de produção de discursos e de circulação de saberes sobre o mundo. De modo simultâneo e instantâneo, sabemos o que acontece no mundo e nos deparamos, constantemente, com a elaboração de discursos sobre qual é a nossa tarefa diante da premente necessidade de conhecer e decifrar este nosso mundo globalizado. No campo do ensino de Geografia, essa nova relação que se configura entre o cidadão e o mundo, influenciada pela mídia, apresenta repercussões importantes uma vez que, como disciplina escolar, a Geografia tem o objetivo de tornar o mundo sensível e compreensível aos alunos, proporcionando-lhes o reconhecimento e a análise da experiência humana na construção do espaço geográfico. Palavras chaves: Ensino de Geografia; Mundo globalizado; Mídia; Produção de sentidos. Abstract: The present work analyzes the relationship between the teaching of Geography and the media in present globalized world. The media is nowadays an important place of discourse production and world knowledge circulation. In a simultaneous and immediate way, we know what is happening in the world and we are constantly faced with the elaboration of discourses about which should be our duty in relation to the necessity of knowing and deciphering our globalizing world. In the field of Geography teaching, this new relationship which is configured between the citizen and the world, influenced by the media, presents important repercussions once, as a school discipline, Geography has the objective to make the world sensitive and understandable to the students, providing them with the recognition and the analysis of the human experience in the construction of the geographical space. Keywords: Geography teaching; Global world; Media; Production of senses Resumen: El presente trabajo analiza las relaciones entre enseñaza de la Geografía y los medios de comunicación en el mundo globalizado actual. Los medios de comunicación se presentan como un importante lugar de producción de discursos y de circulación de conocimientos sobre el mundo. De modo simultaneo e instantáneo, sabemos lo que acontece en el mundo y nos enfrentamos, constantemente, con la elaboración de discursos sobre cual es nuestra tarea delante de la imperiosa necesidad de conocer y descifrar nuestro mundo globalizado. En el campo de la enseñaza de la Geografía, esta nueva relación entre el ciudadano y el mundo, influenciada por los medios de comunicación, muestra importantes repercusiones, ya que como materia escolar, la Geografía tiene el objetivo de tornar el mundo sensible y comprensible a los estudiantes, proporcionándoles el conocimiento y el análisis de la experiencia humana en la construcción del espacio geográfico. Palabras clave: Enseñanza de la Geografía; Mundo globalizado; Medios de comunicación; Producción de sentidos. * Este texto faz parte da tese de doutorado defendida pela autora. (“Sobre os sentidos de ensinar e compreender o mundo – discurso jornalístico e ensino de Geografia”. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006.) Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 45-66 Jan-Jun/2007 45 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... Introdução Para a Geografia, entender, explorar e descobrir o mundo é uma tarefa assumida como desafio, propósito e pretensão. Desde sempre, a geografia tem sua identidade associada à aventura das explorações. Descobridores, viajantes, cosmógrafos são, por isso, os legítimos antecessores dos geógrafos acadêmicos surgidos no final do século XIX. A partir dessa época, em que pouco restava para ser ‘descoberto’, a aventura das explorações não cessou, mas mudou profundamente o seu sentido. ‘Os novos mundos’ da atualidade não são mais constituídos por terras nunca visitadas ou por trilhas nunca percorridas. Hoje, as explorações geográficas consistem em verdadeiras metáforas das antigas. Os novos mundos são parte do nosso cotidiano, as descobertas são novas formas de olhar, de relacionar, de conceber; as viagens contemporâneas são constituídas pela interiorização em novos percursos temáticos. Neste sentido, a Terra incógnita não cessa de ser redescoberta. (CASTRO et al, 1997, p. 7) Podemos indagar: como explorar o mundo de hoje? Como ajudar os alunos a organizar explorações geográficas se os “novos mundos” já fazem parte do seu cotidiano? Como estabelecer o roteiro, o percurso para concretizar as viagens contemporâneas? Viajar para onde? Qual o sentido da viagem? Por que ser descobridor, viajante e vivenciar as aventuras de explorar esse novo mundo? Atualmente “somos” e “estamos” em um mundo no qual o processo de globalização tem ganhado cada vez mais materialidade. Nesse processo, a sociedade se mundializa, movendose rumo à constituição de um novo modo de vida, no qual a relação com o tempo e o espaço se reorganiza. Os fluxos de informação rápidos, interligando os diferentes lugares, representam um fator constitutivo desse processo de globalização que, em consonância com outros fatores, contribui para uma alteração significativa na forma de viver e perceber o lugar e o mundo. Por um lado, a globalização é acompanhada de transformações científicas e tecnológicas, do desenvolvimento dos meios de comunicação e da informação, que possibilitaram a convivência simultânea e instantânea com os acontecimentos locais e distantes, permitindo que espaços longínquos se façam presentes nas vivências cotidianas dos cidadãos. Por outro lado, o espaço global expõe marcas da segregação, da guerra, da disseminação do terrorismo, da violência urbana, dos problemas ecológicos, da fome e da exclusão social de bilhões de pessoas. A complexidade de compreensão desse espaço globalizado aumentou, consideravelmente, para o cidadão comum. Esse fato sinaliza, para o ensino de Geografia, a emergência de novas questões e desafios. Nesse contexto, é preciso pensar na nova dinâmica espacial que se anuncia, pondo em evidência como devemos nos posicionar 46 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 diante do desafio da explicação do mundo e da nossa relação com o mundo. Isso implica, também, pensar no compromisso com a construção de um ensino crítico, comprometido com a formação para a cidadania e revelador do mundo. No presente texto discutimos algumas repercussões do processo de globalização e, particularmente, das imagens e vozes da mídia sobre o mundo globalizado para as práticas escolares e o ensino de Geografia. Os desafios atuais do ensino de Geografia Podemos constatar que o desafio de compreender as transformações da realidade, do ponto de vista espacial, não se mostra apenas ao cidadão comum e para o ensino de Geografia. Decifrar esse novo contexto tem representado, também, um grande desafio para a ciência geográfica, pois exige, fundamentalmente, pensar em novas teorias, em novos instrumentos metodológicos e em considerar atentamente a perspectiva de que a ciência é uma construção, fruto do seu tempo. De acordo com Souza (1999), Os geógrafos têm diante de si um duplo desafio: o primeiro é aquele de efetivamente compreender o que é o espaço geográfico, esta mediação entre o mundo e o lugar, para em seguida produzir uma geografia que seja rigorosa na compreensão das formas, dos processos, das estruturas, das funções, sem abdicar das condições históricas da sua produção. (SOUZA, 1999, p 362) As discussões e interpretações produzidas pela ciência geográfica têm repercussões importantes no campo do ensino de Geografia. Entretanto, é necessário levar em conta que a Geografia acadêmica e a escolar não são idênticas, possuindo percursos históricos particulares e dinâmicas próprias que precisam ser considerados. Portanto, é preciso avaliar a relação entre conhecimento científico e escolar, suas aproximações e distanciamentos. Nesse aspecto, reside um ponto importante para a discussão sobre as concepções teóricometodológicas do ensino de Geografia, de que tratamos neste trabalho. As pesquisas no campo educacional, hoje, indicam que o conhecimento escolar possui peculiaridades. Isso resulta em admitir que o conhecimento geográfico produzido na academia é diferente do conhecimento escolar, pois este é resultado de um processo de produção específico que conta com outras formas de conhecimentos engendrados em outras instâncias. Nessa análise, é necessário considerar que o processo de transposição didática significa tornar um conhecimento científico e cultural ensinável e aprendível. Isso faz com que o conhecimento científico sofra expressivas e profundas transformações quando chega aos estudantes, originando aí um novo tipo de conhecimento. Na perspectiva da história das disciplinas escolares, a Geografia, assim como as outras disciplinas presentes no currículo escolar, é uma construção histórica permeada 47 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... por interesses, tendências e embates presentes em um determinado contexto social. No caso da Geografia, desde o seu princípio, ocorreu forte vinculação com o poder dos EstadosNações emergentes a quem interessava, política e economicamente, a formação de crianças e jovens impregnados pela ideologia nacionalista. A presença dos temas geográficos na prática de escolarização e a criação e estruturação da Geografia como disciplina escolar, é muito anterior a sua institucionalização como disciplina acadêmica. Deve-se destacar, inclusive, que foi a sua presença nas escolas primárias e secundárias, na Europa, no século XIX, e a necessidade de formar professores de Geografia para ministrá-las que favoreceram a sua institucionalização como ciência. Privilegiando a análise da natureza, sem maiores preocupações com as relações sociais e/ou mesmo com as relações entre sociedade e natureza, a Geografia se desenvolveu como disciplina escolar. A chamada Geografia Tradicional, de cunho positivista, caracterizou-se por empreender uma análise de modo compartimentado e estanque, por meio de um esquema que se iniciava pela abordagem das bases naturais, seguindo-se dos estudos relativos à população e finalizando, com a abordagem da economia. As práticas escolares foram profundamente influenciadas por essa forma de pensar e fazer geografia, criando uma tradição didática com forte predominância do enciclopedismo, do ensino mnemônico e que ignorava o caráter político da Geografia. Trabalhava-se um grande volume de dados, informações e descrições de modo descontextualizado, sem uma análise que permitisse aos alunos compreender os temas de forma significativa. Nesse sentido, tinham méritos os alunos com maior facilidade e predisposição para memorizar conhecimentos. Essa Geografia passou a ser objeto de profundos questionamentos no final da década de 1970, período em que adquiriu força o movimento de renovação da Geografia brasileira. Levantou-se como questão o potencial teórico e metodológico da Geografia, produzida, até então, para analisar a realidade em constate processo de transformação. Apresenta-se como tarefa fundamental da Geografia acadêmica e escolar elaborar uma teoria e construir uma prática que fosse capaz de analisar criticamente a realidade e contribuir para o processo de transformação dessa realidade. Sob a influência das teorias marxistas, a Geografia crítica que se firmava naquele momento colocou como frente de contestação à Geografia tradicional, hegemônica até então, o seguinte questionamento: para que serve a Geografia? O clássico livro de Yves Lacoste “A Geografia - isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra”, divulgado no Brasil, a partir de 1976, questionou as relações da Geografia com o poder militar e com a elite dominante (“a Geografia dos estados maiores”) e a produção ideológica do que o autor denominou de “Geografia dos professores”, de caráter despolitizado, acrítico e desinteressante, que procurava mascarar a importância estratégica dos conhecimentos geográficos. 48 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 Esse movimento procurou repensar a relação sociedade/natureza, as implicações de poder no espaço e o papel político da Geografia e dos geógrafos, que passaram a ter como papel o engajamento nas lutas sociais pelas transformações da realidade. Nesse sentido, a Geografia crítica promoveu mudanças expressivas na compreensão do papel dessa ciência. Carlos e Damiani (1999), fazendo um balanço do que significou esse movimento de renovação para a Geografia, nas décadas de 1980 e 1990, esclarecem-nos que os fenômenos físicos e humanos tendem a não ser tratados em separado, como apenas distintos. A Geografia passa, com a negação do positivismo em geografia, pela negação da geografia como geografia física, posteriormente, pela superação desse descrédito e a leitura e incorporação de conhecimento das ciências naturais e humanas para decifrar o fenômeno geográfico, ainda não sem dificuldades. A questão ambiental hoje renova o sentido possível da relação entre as áreas da geografia humana e geografia física. (CARLOS e DAMIANI, 1999, p. 92) Entretanto, hoje, já decorridos mais de 20 anos do processo de renovação por que passou a Geografia, é possível rever o alcance desse movimento na prática docente e, por conseguinte, na Geografia ensinada na escola. Podemos identificar que as discussões teóricas e as propostas de ensino resultantes do movimento de renovação da Geografia estão chegando às escolas de uma forma lenta e, em muitos contextos, ainda são pouco visíveis. A abrangência e a profundidade dessas propostas vêm ocorrendo em tempos diversos e com diferentes repercussões no ensino fundamental e médio. Contudo, apesar da morosidade do processo, mudanças podem ser sentidas tanto nas propostas de ensino quanto na prática do professor de Geografia. Verifica-se que algumas idéias têm ganhado força nas propostas atuais da Geografia escolar: Ø O estudo da natureza no ensino de Geografia não pode ser negligenciado, pois é da maior importância para a compreensão das questões que envolvem a vida e a realidade do aluno. O importante é relacionar os sistemas sociais e naturais sempre que possível, integrar os elementos naturais entre si e com a ocupação humana, sem pretender fundir os conteúdos sociais e naturais. Isso significa admitir que, nem sempre, é possível tratar a natureza sob o ponto de vista da dinâmica natural em interação com as relações sociais, fato que em si não causa qualquer tipo de prejuízo aos objetivos da Geografia escolar. Segundo Vesentini (1995), a idéia de nunca se separar o social do natural é fantasiosa, sem nexo do ponto de vista científico. Existe o momento de separar e o de unir, o momento de 49 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... isolar um elemento para melhor estudá-lo e o de relacioná-lo com outros fatores, da mesma forma que tanto a análise como a síntese são imprescindíveis ao avanço do conhecimento. (VESENTINI, 1995, p. 5 ) Ø A possibilidade de superar o ensino reprodutor, mnemônico e desinteressado da realidade e dos interesses dos alunos, que marca a trajetória da Geografia escolar. As propostas atuais de ensino em sua grande maioria reforçam a idéia de que tanto os professores como os alunos são sujeitos ativos e produtores de conhecimentos. Desse modo, o professor, à medida que seleciona o que vai ensinar e organiza suas atividades, faz traduções, realiza interpretações e, nesse processo, produz novos conhecimentos, não exercendo o papel de mero reprodutor do conhecimento cientificamente produzido. Processo semelhante ocorre com os alunos. Ao se apropriarem dos conhecimentos trabalhados pelos professores, eles os reorganizam, gerando novos conhecimentos. Nessa medida, o ensino deve viabilizar atividades que possibilitam aos alunos o questionamento da realidade e dos diferentes objetos de conhecimento. O professor, ao propor atividades desafiadoras, motiva a participação ativa do aluno por meio da pesquisa, da resolução de problemas, da busca de novas respostas e do desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo. Ø Os conhecimentos e as experiências dos alunos devem ser evidenciados. Nesse sentido, mostra-se fundamental resgatar a Geografia do cotidiano ao considerar a vida do aluno, as suas experiências individuais e coletivas. Ao conciliar ação e conhecimento, as questões do espaço vivido do aluno, em suas conexões e interações com o espaço mais amplo, devem ser objeto de debates e estudos. O resgate e a valorização das vivências espaciais das crianças e jovens representa um referencial da maior importância para o ensinar e aprender Geografia. Ø O ensino de Geografia deve ser trabalhado pelo professor por meio da utilização de diferentes linguagens que favoreçam aos alunos produzir e expressar idéias, opiniões, sentimentos e conhecimentos sobre o mundo. A literatura, o cinema, o teatro, a música, a televisão, a fotografia, os textos informativos, os gráficos e mapas, são linguagens que devem estar presentes na Geografia escolar. Dentre as múltiplas linguagens do ensino de Geografia, merece destaque o trabalho com a cartografia, que precisa estar presente durante todo o percurso escolar dos alunos. Para que eles tenham domínio da linguagem cartográfica, é fundamental a experiência como mapeador e também como leitor de mapas já construídos. Ou seja, os alunos têm que, em um estágio inicial, aprender a construir mapas, para que possam tornar-se leitores de mapas, interpretando de modo mais significativo o que esses documentos comunicam. 50 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 Ø O ensino de Geografia tem como objetivo contribuir para que o aluno possa, de forma autônoma, desenvolver o raciocínio geográfico, compreendendo as novas dinâmicas que se impõem ao espaço geográfico, fruto da sociedade ao longo do processo histórico. Para isso, é preciso que os alunos dominem conceitos básicos de que esse campo de conhecimento dispõe para explicar o espaço geográfico. Assim, a seleção de conceitos geográficos básicos tem sido uma referência importante para a organização de propostas curriculares para o ensino de Geografia e para a orientação do trabalho com os conteúdos geográficos em sala de aula. A tarefa de conhecer o campo teórico que a ciência geográfica tem produzido ao longo de seu percurso histórico mostra-se da maior importância para o professor. Dominar o campo conceitual e a produção acadêmica da Geografia amplia as possibilidades de os docentes sistematizarem de uma forma mais rica os conhecimentos escolares. No entanto, torna-se evidente que a idéia de que basta dominar os conteúdos geográficos para ser um bom professor já não é mais aceita atualmente. Isso implica repensar o papel e as interações entre a didática, a Pedagogia e a Geografia. O contexto social de hoje mostra-nos a necessidade de repensar os procedimentos metodológicos no ensino. Tal fato remete-nos, também, para o significado das interações entre os conhecimentos pedagógicos e os conhecimentos da disciplina no processo de formação inicial e contínua do professor de Geografia. A ação pedagógica do professor não pode prescindir de um entendimento teórico aliado ao metodológico. Nesse aspecto, a parceria/colaboração entre a universidade e a escola de ensino básico possui um papel fundamental. São necessárias a divulgação e a reflexão sobre o conhecimento produzido na academia, relacionando as preocupações e propostas emergentes com as indagações e as necessidades dos professores. Isso é um percurso importante para a chamada prática refletida. É necessário que os professores tenham a oportunidade de dialogar com as teorias e com os arcabouços metodológicos, compreendendo o conjunto de questões e os princípios explicativos presentes na discussão teórico-prática da Geografia. Aprender e ensinar em tempos de globalização Em um texto intitulado “Os deficientes cívicos”, Milton Santos (2002) aborda a relação entre globalização e educação e, particularmente, as conseqüências que o processo de globalização, como se manifesta atualmente, tem trazido a idéia de um projeto educacional para o país. O autor assinala que o papel da educação, para a formação das gerações presentes e futuras, é, fundamentalmente, atender, ao mesmo tempo, ao interesse social e ao interesse dos indivíduos. Nesse sentido, o autor mostra que, na sociedade 51 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... democrática, os pilares do sistema educacional devem ser o ensino universal (isto é, concebido para atingir a todas as pessoas), igualitário (com garantias de que a educação contribua para eliminar desigualdades), progressista (desencorajando preconceitos e assegurando uma visão de futuro). Daí os postulados indispensáveis de um ensino público, gratuito e leigo (esta última palavra sendo sinônima de ausência de visões particularistas e segmentadas do mundo) e, dessa forma, uma escola apta a formar concomitantemente cidadãos integrais e indivíduos fortes. (SANTOS, 2002,p.150) Esses princípios fundamentais da educação foram construídos por meio de um longo processo histórico de constituição da idéia de democracia, convivência civilizada, cidadania e solidariedade social. Representam o resultado das conquistas sociais evidenciadas em diferentes países (sobretudo os europeus), sendo que o pano de fundo que sustenta esses princípios é a noção de que a dinâmica social não será excludente e de que todos os cidadãos de um país terão assegurado o direito à educação. Entretanto, em tempos de globalização, como ficam os objetivos da educação? Como se percebe a questão de “para que a educação?” Que conseqüências o processo de globalização tem trazido para o trabalho na escola? Milton Santos nos diz que a globalização, tal como se apresenta e organiza o mundo de hoje, funda-se em novos princípios e em outros sistemas de referência, “em que noções clássicas, como a democracia, a república, a cidadania, a individualidade forte, constituem matéria predileta do marketing político, mas, graças a um jogo de espelhos, apenas comparecem como retórica, enquanto são outros os valores da nova ética, fundada em um discurso enganoso, mas avassalador” (SANTOS, 2002, p. 150). O processo de globalização tem repercutido de forma desfavorável no sistema educacional e tem representado uma perda significativa dos ideais de educação universal, igualitária, de qualidade e guiada para a formação da cidadania. As demandas da globalização econômica, política e cultural têm implantado novos referenciais para os objetivos educacionais, dentre os quais, podemos destacar: Ø A disseminação de um pensamento pedagógico voltado ao gerencialismo, ao controle e à implantação de inovações de cima para baixo, sem a participação e o envolvimento daqueles que realmente executam as propostas educacionais e constroem a escola e as práticas pedagógicas. Ø A privatização, como tendência mais eficaz para a educação e a deterioração do sistema educacional público, que passa a ter uma imagem social degradada, fortemente associada à ineficácia. 52 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 Sob um viés marcadamente economicista, a globalização tem atingido de forma eminente os propósitos da educação e, em nosso país em particular, tem contribuído para a deterioração do sistema educacional público. Nesse contexto, é possível prever que, como nos diz Santos (2002, p. 151), “escola deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos”. Entretanto esse não é um caminho único e definitivo, é uma construção que está sendo historicamente tecida pelas forças do mercado e pelo modelo de globalização vigente. Sendo um processo histórico, possui brechas que nos autorizam a pensar e propor uma outra percepção sobre a realidade que evidencie as possibilidades e objetivos que valham a pena ser perseguidos. A educação não pode furtar-se ao contexto da globalização, mas, dentro deste contexto, é possível pensar em outras formas de orientação, em outros caminhos possíveis e desejáveis, retomando a idéia de utopia e projeto. Quando nos propomos a analisar as conseqüências da globalização na educação, é possível, apesar de todos os aspectos desfavoráveis assinalados anteriormente, verificar que esse processo traz também novas e importantes implicações culturais para a prática de ensino. Tais implicações podem levar a escola a construir um projeto novo, mais aberto e crítico em relação ao mundo interconectado e complexo, uma escola com horizontes mais amplos. Segundo Sacristán (2002, p. 93), “do ponto de vista da cultura, a contraditória globalização tem outras importantes derivações para o pensamento e para as práticas educativas que alteram pressupostos básicos com os quais vínhamos operando, não necessariamente de caráter negativo”. Uma implicação importante posta à educação, pelo processo de globalização, diz respeito à discussão sobre a maneira como o ensino e a aprendizagem devem se orientar: ou por uma abordagem que privilegie a experiência direta, o entorno dos alunos, ou através de uma abordagem que privilegia a globalização dos conteúdos e a formação dos indivíduos por conteúdos culturais dos “outros”. Essa é uma discussão rica, pois coloca-nos diante de um desafio da atualidade: como educar em um contexto histórico marcado pelo encurtamento das distâncias, pelas novas percepções e experiências com o espaço e o tempo, pelos novos significados do que é próximo e distante? Que pedagogia propor para a compreensão do mundo globalizado e complexo em que vivemos? Como deve orientarse a ação dos educadores nesse contexto? Significar a prática pedagógica por meio das experiências concretas dos alunos, da sua realidade e do seu entorno constitui-se em uma proposta amplamente divulgada no contexto educacional brasileiro. Para Paulo Freire (1996), essa é a premissa básica para a atuação do professor e para a formação dos alunos. Em um trecho ilustrativo Freire nos conta a seguinte história: Certa vez, numa escola da rede municipal de São Paulo que realizava uma reunião de quatro dias com professores de dez escolas da área para planejar em 53 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... comum as atividades pedagógicas, visitei uma sala em que se expunham fotografias das redondezas da escola. Fotografia de ruas enlameada, de ruas bem posta também. Fotografias de recantos feios que sugeriam tristeza e dificuldades. Fotografias de corpos andando com dificuldade, lentamente, alquebrados, de caras desfeitas, de olhar vago. Um pouco atrás de mim, dois professores faziam comentários em torno do que lhes tocava mais de perto. De repente, um deles afirmou: ‘Há dez anos ensino nesta escola. Jamais conheci nada de sua redondeza além das ruas que lhe dão acesso. Agora, ao ver essa exposição de fotografias que nos revelam um pouco de seu contexto, me convenço de quão precária deve ter sido a minha tarefa formadora durante todos estes anos. Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contexto geográfico, social, dos educandos?’ (FREIRE, 1996, p. 30) Ensinar e aprender com base na experiência direta significa abrir os nossos sentidos para observar e perceber o meio circundante, o espaço vivido. Para isso, é preciso entrar em contato com esse nosso mundo particular e interrogá-lo. Esse contato direto com o mundo exterior é da maior importância para o desenvolvimento de percepções e interpretações sobre o mundo e a vida, sendo que é a partir desse contato que o indivíduo vai construindo um conjunto de significações pessoais sobre o mundo e dando um certo sentido à vida, elaborando, afinal, o seu mundo interior. Entretanto, é importante destacar que a experiência direta, que propicia o conhecimento e a significação do entorno, depende dos outros, do contato com os outros. Daí, a função da escola, da família, do grupo de convívio, dos vizinhos. É nesse sentido que Paulo Freire, no trecho anterior, chama-nos a atenção para a importância do professor e do papel significativo que tem a desempenhar nesse processo, questionando como esse profissional pode ensinar se não conhece e não está aberto ao contexto geográfico e social dos alunos. Isso denota que a nossa percepção e a significação do mundo circundante são profundamente influenciadas pelo contato que temos com os outros que, de um modo ou de outro, vão nos auxiliar e interferir na maneira como olhamos para o mundo, como o percebemos e cujo significado reconstruímos. Deste modo, o indivíduo vivencia de maneira compartilhada a experiência de compreensão do mundo próximo. O que os outros pensam, dizem, expressam, em que acreditam também influencia na nossa maneira de compreender o mundo. Além da experiência pessoal de conhecer o entorno ser compartilhada, é notável o fato de que, para olhar a realidade, é preciso dispor de instrumentos para interpretá-la, ou seja, o mundo precisa ser decodificado, pois a simples aparência do mundo não nos revela o que ele é. Existem outras realidades, outros acontecimentos e fatos por detrás daquilo que nossos olhos conseguem captar. Por exemplo, a existência de um supermercado, dos produtos que lá existem para ser comprados pelos consumidores subentende e envolve inúmeras outras realidades escondidas, mas existentes e concretas, que são a base para a existência e o funcionamento daquele supermercado. Deste modo, para compreender o 54 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 mundo cotidiano, é preciso pensar de maneira relacional na existência de outros mundos, de outras realidades, muitas vezes, distantes e diferentes da nossa. Esse processo de compreensão do mundo por meio da experiência direta é da maior importância para o educando. A escola, nesse processo, tem sido cobrada e criticada por que, nem sempre, propicia esse contato com o mundo cotidiano, por criar um mundo de referência particular para o aluno e não permitir o contato e a relação do que se ensina dentro da escola com os conteúdos do mundo vivido do aluno. Paulo Freire, por exemplo, expressa de maneira enfática uma crítica a essa maneira da escola portar-se diante da experiência direta dos alunos. Segundo o autor, na maioria das vezes, na prática pedagógica desenvolvida na escola, ler palavras não quer dizer ler o mundo, ou seja, as “palavras da escola” são diferentes das “palavras do mundo da experiência”. O que é que eu quero dizer com dicotomia entre ler as palavras e ler o mundo? Minha impressão é que a escola está aumentando a distância entre as palavras que lemos e o mundo em que vivemos. Nessa dicotomia, o mundo da leitura é só o mundo do processo de escolarização, um mundo fechado, isolado do mundo onde vivemos experiência sobre as quais não lemos. Ao ler palavras, a escola se torna um lugar especial que nos ensina a ler apenas as “palavras da escola”, e não as “palavras da realidade”. O outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo da vida, o mundo no qual os eventos estão muito vivos, o mundo das lutas, o mundo da discriminação e da crise econômica (todas essas coisas estão aí), não tem contato algum com os alunos na escola através das palavras que a escola exige que eles leiam. Você pode pensar nessa dicotomia como uma espécie de “cultura do silêncio” imposta aos estudantes. A leitura da escola mantém silêncio a respeito do mundo da experiência, e o mundo da experiência é silenciado sem seus textos críticos próprios. (FREIRE, 1986, p. 164) Sacristán (2002) sugere que, por mais que seja importante essa aproximação da escola com o mundo dos educandos e que essa prática deva ser incentivada no contexto da escola, a educação escolarizada não pode se limitar a esse propósito. Esse autor vê na escola um potencial singular em relação à possibilidade de tornar possível e acessível o acesso a um mundo não abrangido pela experiência dos educandos. Para Sacristán (2002), a riqueza da ação educativa escolar está em explorar com os alunos o mundo estranho, desconhecido que, por meio das experiências pessoais no mundo próximo, ele não teria condições de obter. Assim, deve-se compreender a escola como uma força de extensão cultural universalizadora e globalizadora, que tem a finalidade de colocar os indivíduos em contato com os “outros”, em outros tempos e espaços. O autor justifica a sua crítica às propostas educativas que imprimem grande peso à exploração dos vínculos da escola e das práticas pedagógicas com a experiência direta dos alunos, mostrando que, em primeiro lugar, o âmbito do que se pode experimentar diretamente no espaço e no tempo escolares é limitado. A escola é um lugar em que cabem poucas 55 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... experiências diretas sobre o mundo em geral, por mais que queiramos aproximála da vida e tirá-la dos muros em que se encerrou. Como instituição, construiu um ambiente onde se podem adquirir experiências vitais. Nele, podem ser provocadas inúmeras vivências diretas (desde trazer um animalzinho para ser observado e mantido, criar uma pequena planta, fazer experiência de laboratório, observar o céu e dialogar com a autoridade local). Deveriam ser oferecidas com mais freqüência oportunidades de obter experiências diretas em contato com as coisas, as pessoas, o meio geográfico, os lugares históricos, as atividades humanas, etc., saindo dos recintos escolares. Contudo, o espaço-tempo escolar se limitaria muito se servisse basicamente para proporcionar experiências diretas. Em segundo lugar, a educação é um meio de proporcionar os materiais para compreender os aspectos implícitos do mundo a partir dos quais teremos a experiência direta. Em um mundo complexo, onde poucas coisas e fenômenos são evidentes por si mesmos, a primeira incumbência ilustradora da educação consiste em ajudar a decodificar o imediato, que remete a outros processos e a outras realidades, aproveitando a bagagem cultural disponível. A grande potencialidade da educação reside em aproximar os sujeitos de muitas outras experiências vicárias tidas por outros em diferentes tempos e lugares, de modo que possam mediar as próprias e as alheias revividas. Não ver dessa forma nos situaria em um horizonte muito limitado e pobre para as instituições educacionais. (SACRISTÁN, 2002, p. 38) A posição do autor remete-nos para um repensar de algumas idéias advindas das abordagens construtivistas, já amplamente debatidas e, de certo modo, arraigadas nas propostas curriculares e nas propostas pedagógicas mais amplas, que imputam as condições e as premissas para uma prática pedagógica valorosa na escola. De uma maneira geral, essas propostas trazem como princípio básico o fato de que a aprendizagem, para ser significativa, deve estar alicerçada na realidade concreta do aluno e de que cabe à escola promover e viabilizar esse encontro entre os conteúdos escolares, as experiências e a realidade dos educandos. Como vimos, o autor não nega a importância desse encontro, ou dessa aproximação, mas ele relativiza a idéia de que a aprendizagem só tenha sentido mediante a relação direta entre a prática pedagógica e a realidade concreta dos alunos. Para Sacristán (2002), o papel da escola frente aos desafios do mundo globalizado é o de abrir horizontes, estender a cultura, globalizar conteúdos, conhecer experiências alheias, transpor o local e o próximo e proporcionar aos alunos ir além de onde estão. Interroga-se que outra função desempenha a instituição escolar na cultura, se não a de prover ‘materiais culturais alheios’ para aqueles que não os tem à sua disposição? Que sentido teria a escola se limitasse a mostrar o que já está disponível de maneira espontânea no meio em que se vive? (SACRISTÁN, 2002, p. 95) Nessa visão, a condição globalizada do mundo exige a construção de novos 56 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 parâmetros e projetos para a educação escolarizada. Isso mostra que a escola precisa compreender o novo contexto emergente e se dispor a usar de forma crítica as oportunidades desse processo de globalização, que envolve a vida em sociedade e as experiências cotidianas dos cidadãos. Para isso, é preciso ver as oportunidades e as brechas da globalização para a construção de uma prática pedagógica que permita aos educandos compreender o mundo em que vivem. Nesse sentido, Edgar Morin, em diferentes obras publicadas nos últimos anos, defende que a compreensão do mundo atual e dos novos horizontes da vida contemporânea, profundamente influenciados pela globalização, deva se dar a partir de uma reforma do pensamento e da maneira como tradicionalmente a humanidade tratou o conhecimento e o ensino. Esse autor defende a idéia da “complexidade do pensamento” e coloca em questão a necessidade de repensar os princípios para um conhecimento pertinente, que questione as certezas absolutas, a capacidade de formular uma lei eterna e de pensar em ordens absolutas. Dessa forma, o conhecimento complexo recupera a idéia de incerteza, de impossibilidade de atingir certezas e de evitar contradições no processo de conhecimento do mundo. Para o autor, a palavra complexus significa ‘o que está ligado, o que está tecido’. E é esse tecido que é preciso conceber. (...) Como a complexidade reconhece a parcela inevitável de desordem e de eventualidade em todas as coisas, ela reconhece a parcela inevitável de incerteza no conhecimento. É o fim do saber absoluto e total. A complexidade repousa ao mesmo tempo sobre o caráter de ‘tecido’ e sobre a incerteza. Eis dois desafios de importância capital. (MORIN, 2002, p. 564) Este autor critica o ensino escolar fragmentado em disciplinas separadas, que não permite estabelecer o vínculo entre o todo e as partes. Assim, o conhecimento sobre o mundo complexo em que vivemos deve apreender os objetos em seu contexto e seu conjunto o que pressupõe a religação dos saberes. Para Morin (2000, p. 14), uma das finalidades da educação é “promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais.” Desse modo, diante das mudanças substanciais advindas do processo de globalização, o grande desafio da educação é desenvolver um conhecimento do acontecer global, do mundo complexo e incerto em que vivemos. Nessa empreitada, a escola precisa rever a sua missão de educar e formar pessoas, construindo uma visão crítica sobre o mundo. Nas palavras de Delors (1998, p. 89), “à educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a 57 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... bússola que permita navegar através dele.” Ensino de Geografia, mídia e produção de sentidos Vivemos em uma época marcada pela onipresença da mídia1 , pela abundância de produtos audiovisuais, pela profusão de um mercado que procura utilizar todas as brechas e possibilidades para promover a publicidade e direcionar o consumo de bens materiais e simbólicos. Nesse contexto, parece oportuno propor algumas questões que nos levem a refletir sobre como estamos construindo nossas experiências, como a mídia tem resignificado as nossas experiências com o espaço e o tempo e as repercussões que isso traz para a escola e, particularmente, para o ensino de Geografia. Os meios de comunicação possuem um papel dos mais importantes na vida cotidiana dos cidadãos, especialmente, em relação à percepção e à construção de novos sentidos de espaço e tempo. Esse fato impõe novas questões à Geografia e a sua maneira de conhecer e produzir explicações sobre o mundo. O trabalho do geógrafo também é profundamente afetado e merece ser redimensionado, para que possa ter maior relevância para a sociedade, e cumprir a tarefa essencial que envolve esse ofício: a construção de conhecimentos sobre o mundo. Na sociedade contemporânea, a idéia de espaço envolve, primordialmente, o encurtamento das distâncias, o planetário, o mundial. A mídia faz circular uma percepção geográfica de que o espaço-mundo está disponível para o cidadão comum de forma instantânea. Tem-se a impressão de que a mídia está a todo tempo construindo pontes sobre o espaço e criando uma ambiência pela qual tudo pode ser visto, conhecido e divulgado por intermédio dos fatos e das notícias. No caso do tempo, percebe-se a disseminação generalizada da idéia de presente, do agora, do instante, do momento. Sarlo (2000, p. 179) chega a afirmar que nos “movemos no tempo em saltos de zapping, sem que a memória (com sua lentidão e sua densidade) estabeleça as conexões entre o que aconteceu e o que está acontecendo”. Para a autora, ao enfatizar o presente, a mídia faznos esquecer a história, os laços que ligam o presente e o passado e, desse modo, “o passado não pesa sobre nós, tornou-se tão leve que nos impede de imaginar a continuidade de nossa própria história” (SARLO, 2000, p. 179). A mídia e as tecnologias da informação têm um papel fundamental na circulação 1 Utilizamos o termo mídia no sentido de meios de comunicação de massa, chamado por alguns autores como mass-media. De acordo com Ficher (1996, p. 28), podemos utilizar o termo mídia para nos referir aos diferentes meios e suas produções: rádio, jornal, revista, vídeo, televisão, cinema e todos os veículos massivos de comunicação, incluindo aí a comunicação que hoje se faz através da Internet. 58 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 de saberes sobre o mundo, e isso não pode ser desprezado, pois provoca alterações importantes no trabalho do geógrafo, especialmente, aqueles que se dedicam ao ensino da Geografia. Lacoste (1981) argumenta que existe a difusão, pelos mass-media, de uma gama incessantemente mais numerosa de informações, de imagens, de clichês, de noções de argumentação, que são de fato Geografia. Por que, hoje em dia, não há mais somente a Geografia dos professores, mas aquela que vincula a televisão, o cinema, os cartazes, os jornais... Geografia em migalhas, confusa, misturada com tudo o que dizem os mass-media, mas, de qualquer maneira, Geografia que, através da repetição e da infinita diversidade de suas imagens-mensagens, oferece certa representação do mundo atual. (LACOSTE, 1981, p. 231) A disseminação dos saberes geográficos pode ser vista nas diferentes mídias. Nunca houve tantas publicações envolvendo a descrição de paisagens e lugares que se intitulam “publicações geográficas”. As imagens cartográficas proliferam-se nos mais diferentes meios: jornais, revistas, televisão etc. Mapas rodoviários e turísticos são amplamente disseminados e vendidos para os cidadãos. Almanaques e enciclopédias estão cada vez mais presentes na vida cotidiana, inclusive, agora, através da Internet ou dos programas de multimídia. Na Televisão, verifica-se a existência de programas destinados a explorar características específicas do espaço geográfico, fazendo um levantamento de tudo o que consideram com sendo “a Geografia do lugar abordado”, que pode ser a China, a savana africana, o deserto australiano, o Pólo Norte, ou a vida selvagem da Amazônia. Existem, também, canais, através da TV por assinatura, que se dedicam especialmente a essa temática. Desse modo, pode-se observar o crescente interesse pela Geografia no âmbito da mídia. Esse fato possibilita-nos as seguintes indagações: sobre qual geografia fala a mídia? Que características ela tem? O que aborda e enfatiza? Pereira (1995, p. 68) afirma que, a popularidade da concepção de Geografia como a da descrição dos fenômenos sobretudo físicos e paisagísticos, pode ser atestada pela proliferação de algumas revistas, auto denominadas como “geográficas”, que apenas mostram paisagens muito bem ilustradas que se prestariam a uma análise geográfica mais aprofundada, mas que ali recebem um tratamento meramente descritivo. Outras publicações, como, por exemplo, o Almanaque Abril, apresentam como assuntos referentes à Geografia os itens ‘relevo, vegetação, clima, ecologia, hidrografia, plataforma continental e ilhas oceânicas, e a presença brasileira na Antártica.’ É a isso que se reduz a Geografia? Podemos perceber que a mídia tem divulgado para amplas camadas da população uma idéia de Geografia voltada essencialmente para a descrição, na qual se enfatizam os aspectos físicos e os dados gerais da população. Para Pereira (1995, p. 68), isso cria “um 59 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... imaginário muito mais popular do que se imagina, que considera geográficas as descrições paisagísticas povoadas de vegetações, morros, rios, climas e eventualmente até algumas populações exóticas (por serem típicas do lugar).” Nessa perspectiva, Lacoste (1981) chama-nos a atenção para o fato de que, por mais que a Geografia da mídia procure ser atraente para agradar ao público, ela apresenta semelhanças marcantes com aquela Geografia tradicional, enciclopédica e cansativa desenvolvida na escola, pelos professores. Para o autor, a Geografia da mídia é muito parecida com a velha Geografia dos professores. Aparentemente, esta geografia dos media, que recorre a meios variados para agradar, comover ou surpreender, apresenta-se de modo muito diferente da geografia dos professores, de didatismo freqüentemente cansativo. De fato, porém, elas são mais semelhantes do que parecem: certas associações de idéias, certos tipos de raciocínios estabelecidos duravelmente na idade escolar, reaparecem na abordagem do cineasta ou do jornalista, e esses clichês são reforçados pela ação dos media. Nunca se venderam tanto quanto hoje enciclopédias geográficas, embora elas difiram pouco dos manuais escolares modernos... (LACOSTE, 1981, p. 232) Nunca a demanda foi tão grande pelo saber geográfico sobre o mundo presentes em livros, revistas, filmes, CDs. As publicações destinadas ao turismo merecem uma atenção especial na atualidade. Nos jornais, é cada vez mais freqüente a presença dos chamados cadernos de turismo. Na televisão, são bastante comuns os programas destinados a apresentar um lugar, enfatizando, particularmente, o seu interesse turístico, a chamada potencialidade turística. Existe um grande número de publicações de revistas com o enfoque para o turismo. Nelas, as belas paisagens, o conhecimento da particularidade da vida local, os pontos turísticos, os fatos exóticos dos lugares são amplamente explorados, por meio de textos e imagens que procuram fazer uma descrição pormenorizada do que o lugar-retrato tem a oferecer ao turista, um “inventário geográfico” do lugar. Esse inventário segue um receituário simples, é preciso mostrar o belo, o espetacular, o que chama a atenção do leitor, utilizando-se das regras do espetáculo que, por sua vez, é marca das produções midiáticas, de um modo geral. As produções midiáticas para o turismo nos levam à discussão do que se tem chamado, no âmbito da Geografia, de consumo do espaço. Vende-se a aspiração, a busca idealizada de espaços para o lazer, espaços visuais, enfim, espaços de desejo. Essa idéia é fomentada por um volumoso esquema de marketing voltado para o mercado de massa, que promove o consumo dos lugares de praia, de montanha, de lugares ecológicos, de lugares do mundo rural. Para Lacoste (1981, p. 232), “a ideologia dos lazeres (turismo, esportes de inverno, mar, montanha) faz da Geografia preocupação de conhecimento dos diferentes aspectos do mundo, uma das mais importantes formas do fenômeno de consumo de massa.” 60 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 Carlos (1999) mostra-nos que as estratégias de marketing criam representações que chegam a ser, literalmente, sem sentido, no afã de promover o consumo de determinados lugares. A autora cita um exemplo curioso, O ano novo em Time Square, Nova York, é o exemplo mais claro do poder da mídia em fabricar representações; mas aqui ela vai mais longe, pois consegue vender “o nada”. Por volta das 10 horas do dia 31 de dezembro, a massa de quase um milhão de pessoas começa a se acotovelar nas avenidas Sétima e Oitava – em áreas pré determinadas pela polícia de Nova York, que coloca cavaletes para sinalizar as áreas que podem ser ocupadas que desembocam em Times Square, depois da festa. Nesta praça, apertada e de tamanho insignificante, há uma bola e um locutor que vai anunciando os minutos que faltam para o ano novo. O interessante é que não se vê absolutamente nada: a multidão e o espaço exíguo não permitem. Também não há muito que se ver, é só saber que se está num lugar em que a mídia define como “o lugar” para se estar na noite do dia 31 de dezembro em Nova York. (CARLOS, 1999, p. 69) A mídia impressa e televisiva divulga para o público os detalhes do evento, enfatizando o quanto é marcante. É preciso mostrar o espetáculo, descrever a sua força, gerar audiência. O marketing, por sua vez, também confere um sentido especial à experiência de estar na Time Square, na passagem de ano, que tem pouca relação com o prazer de estar e vivenciar o espaço. O sentido está na força do espetáculo, no direcionamento dado pela mídia sobre quais espaços é preciso conhecer e que experiências vivenciar. Esse exemplo revela-nos a que ponto chega a poderosa mídia para produzir espaço-mercadoria e mobilizar milhões de turistas de todo o mundo. Situação semelhante acontece nas praias mais badaladas do litoral brasileiro que reúne um enorme contingente de pessoas para ver o espetáculo de fogos, que duram em média de cinco a quinze minutos. A Geografia, na mídia, torna-se espetáculo. A representação das paisagens serve não apenas para vender revistas, livros, jornais, cartões postais e lugares de lazer, mas também automóveis, cigarros, refrigerantes e inúmeros outros produtos. Essa Geografia, amplamente disseminada pela mídia por meio de imagens, textos e peças publicitárias, serve a um mercado com propósitos definidos e atinge toda a humanidade, uma humanidade que vive em uma época na qual se tem pressa para pensar, ler, ver e consumir. Como atesta Lacoste (1981, p. 232), “esta impregnação da cultura social pelas imagens e pelos elementos cada vez mais numerosos de um saber geográfico é, historicamente, um fenômeno novo”. A mídia tem um papel socializador dos mais importantes na formação dos sujeitos. Deste modo, por mais que se possa criticar a maneira como as mídias fazem a apropriação do saber geográfico, o caráter mercadológico e a tendência de criação de espetáculo, presentes nas manifestações midiáticas, não é possível desconsiderar que ela também pode desenvolver o gosto pela Geografia e pela construção de conhecimentos sobre o 61 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... espaço geográfico. Nessa perspectiva, Milton Santos (2000), pensando na maneira como a mídia apresenta o mundo para o cidadão, argumenta que a informação mundializada permite a visão, mesmo em flashes, de ocorrências distantes. O conhecimento dos outros lugares, mesmo superficial e incompleto, aguça a curiosidade. Ele é certamente um subproduto de uma informação geral enviesada, mas, se for ajudado por um conhecimento sistêmico do acontecer global, autoriza a visão da história como uma situação e um processo, ambos críticos. (SANTOS, 2000, p.166) Tirar proveito, de maneira crítica, da relação da mídia com o saber geográfico, dos inúmeros materiais que estão em circulação e que mostram, mesmo que de maneira pouco aprofundada, o espaço mundial é uma tarefa das mais importantes para o ensino de Geografia e imprescindível ao professor que trabalha em um contexto marcado pelo peso da mídia na vida cotidiana. Nesse contexto, é possível visualizar a contribuição do professor de Geografia: trabalhando com materiais produzidos pela mídia, esse profissional poderá contribuir para a formação de sujeitos que compreendam os mecanismos que fazem funcionar determinados processos de significação no contexto atual, caracterizado pela intensa circulação de sentidos. Quando nos propomos a pensar a relação entre a mídia e as práticas educativas escolares, é de fundamental importância adotarmos uma postura crítica que considere as brechas para a ação e intervenção dos sujeitos. Para isso, é preciso compreender as redes de discursos que circulam na mídia numa perspectiva por meio da qual os enunciadores (aqueles que fazem circular determinadas idéias e concepções de mundo) não são totalmente hegemônicos e nem os receptores/enunciatários (aqueles que as recebem, interpretam, concordam ou discordam), totalmente passivos. Segundo Castells (1999, p. 498) rede é “um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que o nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos”. Quando pensamos no funcionamento discursivo da mídia e nas redes de discursos que aí se constituem, verificamos que seus nós possuem significados próprios, que precisam ser identificados e compreendidos na escola. Analisar uma determinada rede discursiva implica subverter um esquema explicativo amplamente utilizado nos setores educacionais e na área de comunicação, para analisar e pesquisar o alcance e o poder da mídia. Como nos lembra França (2002, p. 60), “a comunicação veio sendo estudada e compreendida de forma quase hegemônica, não como rede, mas como vetor; como um fluxo linear de informações entre um emissor (E) e um receptor (R”). As experiências culturais e a maneira como a mídia se apresenta, neste início de século, criam a necessidade de uma maior complexidade no tratamento do processo de 62 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 comunicação. Nessa perspectiva, a Análise do Discurso, opção teórica que adotamos nesta pesquisa, questiona as concepções que entendem a comunicação como um processo linear em que existe um emissor forte e um receptor fraco e passivo. Essa crítica permitenos remeter a análise feita pela Escola de Frankfurt (notadamente por T. Adorno e M. Horkheimer)2 sobre o poder da indústria cultural e por J. Baudrillard3 sobre a “sociedade da simulação ou do simulacro”, que mediante abordagens diferentes sobre os contrapontos entre os produtos culturais de massa e os consumidores de bens simbólicos, apresentam em comum o fato de reduzir os homens à condição de receptores passivos frente a um mundo dominado por uma poderosa mídia. Para França (2002, p. 61), “do ponto de vista da comunicação trata-se do mesmo esquema: um emissor (dominador e todo poderoso) produzindo mensagens para um receptor (dominado, passivo”). Consideramos que a situação atual, em que o processo de globalização atinge a vida cotidiana do cidadão e que a comunicação tem se tornado um novo credo, exige explicações mais complexas sobre as relações entre os sujeitos e os sentidos que a mídia produz e põe em circulação. Assim, à luz das Teorias do Discurso, não se compreende a mídia, qualquer que seja a tecnologia adotada, como um “veículo”, pelo simples fato de que a transmissão de informação não é senão uma das funções da linguagem e que, quando esta se dá, não se trata de um mero transporte, mas de uma elaboração conjunta dos participantes do ato de comunicação. (...) Na realidade, tem-se um circuito de interatividade em que não deixa de pesar, necessariamente, o jogo de forças a que estiveram submetidos os participantes do evento enunciativo que se desenrola. (MOSCA, 2002, p, 14) A imensa circulação de sentidos promovida pelos meios de comunicação não pode ser comparada a de nenhuma outra época da história humana. Viver e desenvolverse neste contexto sócio-cultural tem apresentado aos cidadãos questões desafiadoras, abrangendo e impondo novas urgências e posturas. Verificamos, também, que o trabalho da escola em torno da produção de sentidos sobre a complexidade do mundo e o turbilhão 2 Os trabalhos teóricos desenvolvidos por esses autores influenciaram um número expressivo de estudos no campo da comunicação. Em linhas gerais, esses trabalhos analisam a atuação dos meios de comunicação de massa como forma mercadológica e industrializada de produção cultural. Adorno e Horckheimer, ao elaborar o conceito de “indústria cultural”, procuraram ressaltar as fortes ligações existentes entre a produção material e a produção simbólica, além de mostrar que a cultura de massas tem uma história fortemente ligada à indústria e à constituição da sociedade de consumo. Assim, todo o aparato de produção cultural e a razão instrumental são usados para retificar os homens que ficariam à margem de um processo de esclarecimento e de emancipação. 3 Jean Baudrillard “nos fala da criação, em nossa cultura, de uma espetacularização do cotidiano, operada pelas imagens da mídia, com a conseqüente produção de uma hiper-realidade sem sentido, diferente da concreta, que estaria sendo transformada em algo banal. As massas, segundo esse autor, repeliram o sentido, se ligariam irremediavelmente ao espetáculo e seriam indiferentes a qualquer processo de conscientização”. (FICHER, 1996, p. 16) 63 GUIMARÃES, I. ENSINO DE GEOGRAFIA, MÍDIA E PRODUÇÃO... de imagens e textos que circulam por intermédio de diferentes suportes midiáticos, tem se tornado uma tarefa desafiadora. Para Perrenoud (2001, p. 73), “muitas vezes, a escola caracteriza-se por uma aceleração constante. Em geral, não há tempo para questionar tudo o que está sendo feito, para construir sentido, ou isso só acontece quando não há outro remédio, quando a crise ameaça ou eclode”. Diante desse quadro, devemos refletir sobre o sentido dos saberes, da experiência escolar e da aprendizagem para os alunos. Se observarmos a maneira como os meios de comunicação e informação foram tradicionalmente tratados no âmbito da escola, e pelos especialistas da educação, já é possível perceber uma mudança significativa de enfoque. De uma abordagem marcada pela resistência à mídia e de caráter moralista, passou-se para uma abordagem mais aberta. Pode-se verificar, hoje, certo consenso no contexto educacional de que a escola não se pode furtar da análise e do uso das produções midiáticas no processo de aprendizagem. Para Belloni (2002, p. 34), educar para a mídia define bem uma nova necessidade de ensinar os meios, fazer deles objetos de estudo e, ao mesmo tempo, instrumentos de comunicação e educação. Essa dupla dimensão da apropriação de qualquer “tecnologia da mente” – objeto de estudo e ferramenta pedagógica a serviço de uma pedagogia renovada – é indispensável e parte integrante da formação para a cidadania e, portanto, dever da instituição escolar. Entretanto é preciso reconhecer os enormes desafios que essa tarefa implica para a escola desarmada, empobrecida e com poder simbólico e material cada vez mais reduzidos que temos hoje no sistema público de educação em nosso país. Os próprios Parâmetros Nacionais Curriculares elaborados pelo Ministério da Educação fazem o diagnóstico de que, na perspectiva dos jovens que freqüentam a escola, o conhecimento escolar – salvo as habilidades de expressão oral, leitura, escrita e cálculo – em si parece sem função: nem prepara para o mercado de trabalho, nem auxilia a compreender o mundo. O saber difundido na escola, em geral, é visto como um amontoado de conteúdos, com pouca relação com a realidade em que vivem, não despertando interesse, nem oferecendo referências culturais. Uma vez que o conhecimento escolar não ajuda a compreender o mundo, o sentido do estudo encontra-se apenas na continuidade dos estudos, tendo em vista a obtenção do diploma (que nem sempre é alcançada). (BRASIL, 1998, p. 124) De maneira geral, os jovens, que vivenciam os atuais desafios da sociedade, desejam uma nova escola. Uma escola menos maçante e mais aberta ao que efetivamente motiva e inspira a juventude hoje. Para Perrenoud (2001, p. 34), sem conflitos não há aprendizagem, e a escola está predestinada “a viver com conflitos de valores, de métodos, de teorias, de relação com o saber, de poder. Ela trabalha para superar todos eles, sabendo, porém, que surgirão outros [...]” 64 Terra Livre - n. 28 (1): 45-66, 2007 Considerações finais Em meio à crise vivenciada na escola, parece-nos fundamental a valorização de um trabalho pedagógico que possibilite a construção de sentidos e que garanta espaçotempo para o exercício da reflexão, dando prioridade ao sentido em vez da progressão acelerada dos programas das disciplinas. Isso exige investimento na escola e novas perspectivas para a carreira, o processo de formação e a prática docente. Para além de qualquer otimismo em torno da sociedade técnico-científica e informacional, é preciso considerar os enormes limites materiais e simbólicos da escola em explorar e tratar devidamente a produção de sentidos da mídia. Não podemos, contudo, diante desse contexto, assumir uma crítica comodista, como se não pudesse existir nada de diferente nas experiências escolares dos alunos. Acreditar no ideal da construção de uma escola atuante e crítica significa não recuar diante da tarefa de pensar em projetos e desejos. Segundo Sacristán (2002, p. 9), “a utopia continua dando sentido à vida e à educação, e a partir dela dotamos de sentido e avaliamos o mundo que nos rodeia”. Bibliografia ADORNO, T. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995. ______. A Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. BAUDRILLARD, J. Tela total: mito-ironias na era do virtual e da imagem. Porto Alegre: Sulina, 1997. BELLONI, M. L. (Org.). A formação na sociedade do espetáculo. São Paulo: Edições Loyola, 2002. BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Curso de Licenciatura de Graduação Plena. Brasília, DF, 08/05/2001. Relatório. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Documento Introdutório. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. 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Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, SP: AGB, n. 17, p. 5-19, 1995. Recebido para publicação dia 10 de Abril de 2007 Aceito para publicação dia 16 de Junho de 2007 66 O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA DAS TECNOLOGIAS INFORMACIONAIS* SPATIAL THINKING IN THE AGE OF INFORMATIONAL TECHNOLOGIES EL RACIOCINIO ESPACIAL EN LA ERA DE LAS TECNOLOGÍAS INFORMACIONALES VALDENILDO PEDRO DA SILVA Professor do Departamento de Recursos Naturais do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 1559, Tirol CEP 59015-000, Natal, RN [email protected] * Este texto constitui parte modificada da tese de doutoramento, desenvolvida na Pós-Graduação em Geografia da UFRJ, sob a orientação do Profº. Dr. Cláudio A. G. Egler. Terra Livre Resumo: No mundo contemporâneo, ou, mais precisamente, nesta era da informação instantânea e simultânea, o raciocínio geográfico tem se destacado e, simultaneamente, se alterado por meio de novos aspectos sociais e tecnológicos. O presente estudo foi realizado com dezenove docentes integrantes de vários cursos de formação de professor de geografia de instituições públicas e privadas de diversas regiões do Brasil. Esses docentes têm utilizado as novas tecnologias no ensino de Geografia, seja pesquisando e/ou produzindo trabalhos. Diante disso, perseguimos o estudo na busca de se responder a seguinte indagação: em que medida a utilização das novas tecnologias favorece o raciocínio espacial? As tecnologias atuais, como veículos de informações, não têm a finalidade de desenvolver o “saber pensar o espaço” ou de realizar o “raciocínio espacial”, mas mesmo sem essa finalidade as pessoas aprendem geografia, pensam com a presença dessas tecnologias. O ensino de Geografia contribuiu para a formação de diversas pessoas por meio do desenvolvimento do raciocínio espacial realizado em duas diferentes escalas, do local ao global, mostrando articulações entre os diversos níveis de abstração, desde o espaço do trabalho até sua inserção em uma sociedade que se internacionaliza de maneira acelerada. Palavras chave: Raciocínio espacial; Novas tecnologias; Ensino de Geografia. Abstract: In the contemporary world, characterized by instantaneous and simultaneous information, the geographic thought has been modified by new social and technological aspects. This paper deals with a research carried out with nineteen teachers who took part in various teachers’ formation courses in different public and private institutions throughout Brazil. These teachers have been using these new technologies in their teaching practice. The objective of this study was to answer the following question: How does the use of new technologies help thinking about space? The contemporary media technologies, as a means of information, do not have the intention to develop a way of “knowing how to think about space” or to help “spatial thinking”, although even without this goal people still learn geography and think with these technologies in mind. The teaching of geography has contributed to the formation of many people by means of developing spatial thinking accomplished in two different scales, from local to global, showing links among the different levels of abstraction, from the work space up to its insertion into a society which internationalizes itself quickly. Keywords: Spatial thinking; New technologies; Geography education. Resumen: En el mundo contemporáneo o más precisamente, en esta era de la información instantánea y simultánea, el raciocinio geográfico se destaca y en forma paralela se altera por medio de los nuevos aspectos sociales y tecnológicos. El presente estudio ha sido realizado con diecinueve docentes integrantes de varios cursos de formación de profesor de geografía pertenecientes a instituciones públicas y particulares de diversas regiones de Brasil. Estos docentes han utilizado las nuevas tecnologías en la enseñanza de la geografía, sea investigando y/o produciendo trabajos. Ante ello, realizamos este estudio buscando responder a la siguiente pregunta: ¿en qué medida la utilización de las nuevas tecnologías favorece al raciocinio espacial? Las tecnologías actuales, como vehículos de información, no tienen la finalidad de desarrollar el “saber pensar el espacio” o de realizar el “raciocinio espacial”, mas incluso sin esta finalidad las personas aprenden geografía, piensan ante la presencia de estas tecnologías. La enseñanza de la geografía ha contribuido a la formación de diversas personas por medio del desarrollo del raciocinio espacial realizado en dos diferentes escalas, del local al global, mostrando articulaciones entre los diversos niveles de abstracción, desde el espacio del trabajo hasta su inserción en una sociedad que se internacionaliza de manera acelerada. Palabras clave: Raciocinio espacial; Nuevas tecnologías; Enseñanza de la Geografía. Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 67-90 Jan-Jun/2007 67 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... Introdução O trabalho em questão foi produzido no cerne das contradições que permeiam a Geografia contemporânea. E uma das dimensões que vêm afetando essa ciência e disciplina tem sido a atual aceleração do mundo, resultante de transformações técnico-científicas recentes, e que vem suscitando novas discussões, as quais, direta e indiretamente, estão relacionadas à Ciência Geográfica e, por conseguinte, ao ensino e o raciocínio geográfico. Nesta contemporaneidade temos cada vez mais nos deparado não somente com uma geografia dos professores, mas também com uma geografia veiculada pela televisão, pelo cinema, pelo computador e pela Internet... Uma “Geografia em migalhas”, que não pode ser descurada por nós, geógrafos-educadores, como nos tem alertado Lacoste (1974). Para ele, “a geografia dos mass media manifesta e constrói, por uma sucessão de imagens, raciocínios que, por não serem explícitos, nem por isso deixam de ser poderosamente sugeridos” (LACOSTE, 1974, p. 232).. Hoje sabemos que uma das tendências da humanidade está voltada para a criação de objetos técnicos, cada vez mais complexos, que permitem transcender os limites do corpo e da mente humana, desde as pedras, as facas do paleolítico até a Internet no presente século. Entre todas essas tecnologias, merecem particular atenção aquelas que propiciam a representação e a transmissão da informação e, por esse motivo, interpelam diretamente a mente humana e o raciocínio, como, por exemplo, as inscrições monumentais dos sumérios (na antigüidade) e as mensagens do correio eletrônico (na modernidade). No mundo contemporâneo, ou, mais precisamente, nesta era da informação instantânea e simultânea, o raciocínio geográfico tem se revalorizado e, simultaneamente, se alterado por meio de novos aspectos sociais e tecnológicos. É por esse motivo que no centro de nossas atuais preocupações encontram-se as relações — interfaces — entre as novas tecnologias e o raciocínio espacial. Mas em que consiste essa relação? E quais são as possibilidades e limites dessa interface? Para responder a esses questionamentos, inquirimos dezenove professores de diversas instituições de ensino superior do Brasil e que atuam na área de geografia com diferentes disciplinas em cursos de formação de professor de geografia1 . De antemão, sabemos que as novas tecnologias vêm exercendo uma certa influência sobre a vida social, quer em condições mais simples quer nas mais complexas, em 1 Perseguindo princípios qualitativos, ou, mais precisamente, o princípio da intencionalidade ou da representatividade qualitativa (THIOLLENT, 1994, p. 62), foram inquiridos – por meio da Internet – 19 docentes integrantes de vários cursos de formação de professor de geografia de instituições públicas e privadas de diversas regiões do País. Esses professores sistematicamente têm utilizado as novas tecnologias e/ou pesquisado e produzido trabalhos a respeito delas no ensino de geografia. Na análise em tela, os instrumentais de investigação foram organizados numa ordem numérica por meio da seqüência dos algarismos arábicos (1, 2, 3...), como forma de preservar o anonimato dos pontos de vista e das opiniões dos sujeitos deste estudo. 68 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 praticamente todas as dimensões socioespaciais da humanidade. Elas vêm reinando e são hegemônicas nesse período tecnológico atual por meio de características como a interatividade e a conectividade (em rede) e envolvem cada vez mais pessoas e territórios humanos. Hoje, conectar-se é sinônimo de interagir e compartilhar no coletivo. Significa, também, saber onde acessar bases de dados on-line (em tempo real), obter informações geográficas onde quer que elas estejam e em qualquer momento e contactar com pessoas que se encontram em outras paragens, por exemplo. Enfim, é saber como buscar informações que se transformarão, em seguida, em conhecimentos geográficos. Neste período de aceleração contemporânea, aprende-se cada vez mais geografia com o uso das técnicas deste tempo. Pode ser que seja uma geografia fragmentada, do senso comum, descontextualizada ou sem caráter científico, e que só terá significatividade social quando submetida à crítica, à reflexão. Mas é verdade que, na atualidade, estamos cada vez mais diante de milhares de páginas on-line de geografia à nossa disposição; muitas dessas páginas são gratuitas e nos oferecem mapas, imagens espaciais, textos e hipertextos geográficos. Por exemplo, quando estávamos refletindo sobre as idéias a serem postas neste estudo, fizemos uma pausa e acessando o Google2 encontramos 54.300 sites com temáticas que versam sobre “Novas Tecnologias e Geografia”. Depois disso, fizemos uma outra entrada sob o título “Novas Tecnologias e Ensino de Geografia” e a resposta foi a existência de 35.800 sites possíveis de acesso a informações relacionadas com o tema em foco. Além desse sistema técnico que abre possibilidades de acesso à informação geográfica, temos a televisão que cada vez mais tem veiculado som, imagem e texto em tempo real e que vem sendo utilizada para desenvolver o pensar, o aprender e o ensinar geográficos. Mas é verdade, também, que existem muitos limites para o acesso às informações disponíveis nesta era informacional. E essas limitações perpassam por questões de ordem socioeconômica, técnica e cultural, além de questões didáticas, pois muitos espaços educacionais estão distantes do acesso às técnicas informacionais. Na atualidade, cada vez mais, o número de atividades socioespaciais que não estão relacionadas de alguma forma com as novas tecnologias – principalmente com a televisão, o computador e a Internet, em situações convergentes – e/ou com outros avanços tecnológicos é menor. Com a geografia e a sua finalidade precípua, que é a de desenvolver o raciocínio espacial, não tem sido diferente, pois os novos avanços tecnológicos vêm redimensionando o tratamento da informação geográfica, a interpretação e a produção desse conhecimento, ampliando o leque de possibilidades ou de integração entre o saber geográfico e as novas tecnologias: Desde buscar la incorporación de un recurso de apoyo/complemento a la 2 O Google usa técnicas sofisticadas de identificação exata de textos para encontrar páginas que sejam tanto importantes como relevantes para uma determinada consulta. http://www.google.com.br. 69 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... formación presencial que tiene lugar en la aula, hasta su utilización para impartir formación exclusivamente on-line (e-learning), passando por la opción intermedia de la formación semipresencial o mista (ÁLVAREZ; GONZÁLEZ, 2003, p. 198). Como enfatizou Oliveira (2003, p. 139-0), ao resenhar o livro “O ensino da geografia diante das novas demandas sociais”, as novas tecnologias vêm adquirindo algumas dimensões importantes para o ensino, que são a de intercambiar e trocar informações e materiais de modo ágil e eficaz, o que facilita a interação professor-aluno e aluno-aluno; além de melhorar os processos de ensino e aprendizagem, devido à mediação que as tecnologias proporcionam na construção do conhecimento, gerando novas possibilidades de interação com outras linguagens. A respeito disso, Callai (2001, p. 16) assevera-nos que “outras leituras para o ensino da Geografia despertam-nos variadas interpretações, e dizem respeito inclusive à possibilidade de novos instrumentais para fazer a leitura do espaço”. Essa autora nos faz ver que ler o espaço é um dos nossos principais objetivos. E ao fazer isso, estamos realizando a análise geográfica, que nada mais é que o pensar o espaço geográfico em que se vive de maneira relacional com outros espaços, ou seja, significa desenvolver raciocínios geográficos. Aliando-se a esse contexto, pensamos aqui numa outra forma de linguagem que vem do campo da cultura humana ou dos caminhos da arte. Ciência e arte se confluindo e abrindo-se a várias outras interpretações. Pode-se dizer que a tecnologia está se relacionando com a arte e possibilitando outras interpretações ou estimulando outros raciocínios espaciais. Vejamos aqui um pouco dessa relação, tomando por base a canção Parabolicamará de Gilberto Gil (1994). Antes mundo era pequeno Porque terra era grande Hoje mundo é muito grande Por que terra é pequena Do tamanho da antena parabolicamará Ê, volta do mundo, camará Ê, mundo dá volta, camará Antes longe era distante Perto só quando dava Quando muito ali defronte E o horizonte acabava Hoje lá atrás dos montes Dende casa, camará Ê, volta do mundo, camará Ê, mundo dá volta, camará De jangada leva uma eternidade De saveiro leva uma encarnação De avião o tempo de uma saudade Pela onda luminosa 70 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 Leva o tempo de um raio Tempo que levava Rosa Pra arrumar o balaio Quando sentia que o balaio ia Escorregar, ê, volta do mundo, camará Ê, mundo dá volta, camará Animados com essa canção, podemos dizer que ela expressa o alongamento e a tão decantada compressão do tempo-espaço que ora vivenciamos e que resulta da difusão da inovação tecnológica atual, além do que pode evidenciar algumas relações entre técnicas e arte nesta era contemporânea e de amplo predomínio de novas tecnologias informacionais. Por meio dessa música, podemos, sobretudo, apreender as relações entre as novas tecnologias e o desenvolvimento da análise geográfica, bem como desenvolver uma leitura do mundo atual utilizando outros tipos de linguagem. Com as novas tecnologias – pensemos, por exemplo, no uso da Internet, nos sistemas de informação geográfica, na televisão e nos demais multimídias – teremos muito a colaborar no desenvolvimento da qualidade da aprendizagem de conhecimentos geográficos. Essas tecnologias, se usadas adequadamente e com inteligência, têm grande potencial para contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento humano. Com elas se podem criar, a partir da integração de sistemas clássicos, condições novas de tratamento, de transmissão de acesso e de uso das informações transmitidas até o momento contemporâneo pelos suportes clássicos da escrita, das imagens, do som ou da fala. E, como dizem os autores Cesar Coll e Eduardo Martí (2004), essas condições conferem às novas tecnologias características específicas, especialmente como a de mediadoras do funcionamento psicológico das pessoas que as utilizam. Em certa medida, essas tecnologias contribuem para alterar as maneiras de se relacionar, representar e apreender o conhecimento do espaço geográfico, pois elas estão presentes com maior intensidade no nosso cotidiano. Elas têm propiciado um certo encantamento, em virtude dos meios de simulações e animações impregnadas, que às vezes servem para ocultar os seus desafios ou as suas limitações, o que, a nosso ver, constitui um problema fundamental. No entanto, não temos dúvidas de que as novas tecnologias se constituem, hoje, grandes mediadoras entre nós e as realidades geográficas. Nosso conhecimento do mundo, desde as situações que povoam nosso dia-a-dia até aquelas que se dão a quilômetro de distância de nós, está mediado por esses meios. Por isso, ao tratarmos de mediação, consideramos fundamental falar um pouco da questão do conhecimento, pois como já afirmamos, não há conhecimento, nem mesmo no âmbito da Geografia, sem mediação. Ou seja, em certa medida é possível se ter novas interfaces entre as novas técnicas e tecnologias com o pensar, fazer e ensinar geográficos neste mundo atual de preponderância da informação. Mas é verdade, também, que isso não se constitui num mérito exclusivo das 71 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... técnicas e/ou tecnologias desse contexto atual. As técnicas modernas, consideradas em um sentido abrangente, sempre estiveram presentes e se constituem centralidade no conhecimento espacial. Elas são, no dizer de Santos (1996), um conjunto de meios instrumentais e sociais, por meio do qual o homem constrói e pode analisar o seu espaço vivencial e pode analisá-lo. Para alguns autores, como Lacoste (1989), as tecnologias modernas têm possibilitado, estimulado e contribuído, no decorrer dos últimos tempos, para o desenvolvimento do raciocínio geográfico ou espacial. No entanto, convém ressaltar que “conocer el software o los componentes del ordenador no nos garatizan que sea efectiva la comprensión geográfica [...] Es necesario ir más allá y aplicar estos conocimientos adecuadamente” (TORRES, 2003, p. 141). Novas tecnologias e raciocínio espacial: mas o que isso tem a ver? As recentes tecnologias vêm dinamizando os processos de aprender e ensinar Geografia em face dos atuais mecanismos de facilidade, velocidade, instantaneidade e simultaneidade que estão encarnados nas tecnologias da informação e comunicação, ou simplesmente nas novas tecnologias, como são comumente conhecidas. O mundo contemporâneo tem sido marcado pela aceleração espaço-temporal, pela onipresença da informação em dimensões globais e que vem afetando sobremaneira os modos de pensar sobre o mundo atual. E o raciocínio geográfico? Como ele vem acontecendo? A priori, podemos dizer que o raciocínio geográfico ou espacial ocorre numa situação complexa que envolve não somente a presença de técnicas e tecnologias, mas uma articulação teórico-metodológica. Em outras palavras: Considero que a formação do profissional de Geografia exige que ele aprenda a desenvolver raciocínios espaciais para dar conta de aprender a fazer a análise geográfica. E nesta perspectiva o importante é construir um referencial teórico e metodológico para saber fazer a análise geográfica. É nisto que deve estar a preocupação central. O instrumental tecnológico apenas potencializa as possibilidades de aprendizagem, mas não a garantem sozinho (depoimento do professor n. 10). Nesse sentido, é um equívoco pensar que o uso das novas tecnologias por si só contribua para o desenvolvimento do pensamento geográfico. Sabemos que o raciocínio espacial não resulta tão-somente da presença das técnicas e, em especial, das novas tecnologias no âmbito do ensino e na pesquisa geográfica. Para que o “saber pensar o espaço geográfico” seja efetivado é necessário que se considerem as categorias e os conceitos científicos básicos à construção do conhecimento e do raciocínio geográficos. É importante, sobretudo, que contemplemos os conceitos e as diversas categorias geográficas existentes, como, por exemplo, os conceitos fundantes de lugar, região, território, paisagem, 72 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 espaço, redes, escalas geográficas..., além de categorias como tempo, distância, localizaçãodistribuição, seletividade, conectividade, acessibilidade etc. Cabe ressaltar que, na atualidade, essas categorias e conceitos geográficos têm assumido cada vez mais novas dimensões e significados para a construção do conhecimento geográfico. Como afirmam Silva e Ferreira (2000, p. 100), A Educação Geográfica deve permitir aos alunos aprender a aplicar conceitos (espaço, lugar, região, território, ambiente, localização, escala geográfica, mobilidade, interação e movimento), levando ao desenvolvimento de um conjunto de competências que lhes permitam saber observar e pensar o espaço e serem capazes de actuar no meio. Além disso, é fundamental que se conheça a epistemologia da ciência geográfica, seus referenciais teórico-metodológicos importantes à decodificação da “análise dos espaços [...] capazes de dar conta de interpretar a realidade da sociedade em que vivemos a partir da análise espacial, quer dizer, com um olhar espacial” (CALLAI, 2003, p. 58). Segundo Cavalcanti (2002), a formação do raciocínio espacial está além da simples localização do espaço. Para ela, é fundamental que se entendam as determinações e implicações dessas localizações, sendo necessário que se tenham referenciais teórico-metodológicos. Esses são conceitos que permitem, no âmago da Geografia, localizar e dar significatividade aos lugares, pensar nessa significação, já que propiciam a leitura do mundo do ponto de vista geográfico. Também estamos de acordo com o professor Milton Santos (1996, p. 61) quando afirma que a Geografia necessita elaborar um sistema intelectual ou um pensamento geográfico que permita, analiticamente, abordar as realidades geográficas por intermédio de “um sistema de conceitos [...] que dê conta do todo e das partes em sua interação”. Para esse autor, a Geografia, no período atual, tem como finalidade principal a análise do “conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ação que formam o espaço” (SANTOS, 1996, p. 51). Como se pode perceber, o referido autor tem utilizado, no curso dos últimos tempos, categorias analíticas universais para compreender a multidimensionalidade do espaço geográfico ou a démarche geográfica. Vejamos que para pensar sobre o espaço humano, o professor Milton Santos forjou as categorias de “objeto e ação”, as quais têm se tornado orientadoras na análise geográfica atual, bem como se desdobrado numa série de outras categorias e conceitos como forma-aparência, formaconteúdo, eventos, horizontalidade, verticalidade, dentre outros. Por seu turno, Yves Lacoste já assinalava em seu A geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, que o raciocínio geográfico deveria se basear em diversas situações geográficas, considerando algumas categorias analíticas (1989). Para esse autor, o raciocínio geográfico pauta-se principalmente no “saber pensar o espaço” e este ocorre por intermédio dos usos de categorias científicas e de diferentes escalas geográficas – 73 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... global, nacional, regional, local... – em que cada vez mais se tem o auxílio do progresso científico-tecnológico de cada época, que vem desde as imagens de satélite até os computadores e a Internet, por exemplo, na atualidade. Ainda segundo o autor em foco, os progressos das ciências e das técnicas, mais recentemente, têm permitido levantar mais informações dos fenômenos e mesmo de sua evolução em tempo real. Talvez seja por isso que ele tenha dito que as recentes representações geográficas atingem um extraordinário grau de precisão e de rapidez graças às novas técnicas implementadas e em implementação. Casado (2003), em recente discussão sobre o ensino de geografia frente às novas demandas sociais, relatou que La Geografía tanto desde un punto de vista didáctico como investigador, participa cada vez más de las innovaciones y avances tecnológicos (sitemas y redes informáticos, teledetección, cartografía, sistemas de información territorial, soporte vídeo, multimedia,...) medios que ofrecen unas oportunidades enormes para conecer el território (CASADO, 2003, p. 68). O que entendemos nós, quanto ao papel da Geografia e do seu ensino na sociedade tecnológica atual? O que é importante e como fazer com o ensino da ciência geográfica, nesse período de grande domínio (ou maîtrise, numa visão francesa) das novas tecnologias? Segundo Pontuschka (apud CALLAI, 2003, p. 59-60), A geografia assim como as demais ciências humanas e sociais têm na escola o compromisso de contribuir para formar o homem inteiro, discurso lido em muitos momentos mas muito difícil de realizar na prática do espaço social denominado escola. [...] O conhecimento geográfico abre ao jovem a possibilidade de pensar o homem por inteiro em sua dimensão humana, aberto ao imprevisto, aberto ao novo com força ou poder para resistir na realidade da qual é participante (mimeo, destaques da autora). Por outro lado, Cavalcanti (1998, p. 25) pontua que, Para cumprir os objetivos do ensino de Geografia, sintetizados na idéia de desenvolvimento do raciocínio geográfico, é preciso que se selecionem e se organizem os conteúdos que sejam significativos e socialmente relevantes. A leitura do mundo do ponto de vista de sua espacialidade demanda a apropriação, pelos alunos, de um conjunto de instrumentos conceituais de interpretação e de questionamentos da realidade sócio-espacial (Destaque nosso). Portanto, para que possamos ler a paisagem, ler o mundo atual em que vivemos, o nosso espaço construído é fundamental que utilizemos os conceitos básicos da ciência geográfica, os seus aportes teóricos e os instrumentais técnicos e sociais que a era da informação está a nos oferecer. Eis uma atividade que devemos realizar fazendo uso da técnica de nossa época. Por meio de imagens de satélites, da televisão, dos computadores 74 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 e da Internet conseguimos fazer um zoom da nossa realidade socioespacial, já que cada vez mais estamos tendo possibilidades de manipular dados, informações e imagens diversificadas e instantâneas no processo de conhecimento e análise do espaço geográfico. Esse conjunto indissociável de fixos e fluxos, como propõe Santos (1996), está presente em nossas vidas, em níveis distintos e em níveis multiescalares. Atualmente, tornou-se cada vez mais possível acessar e ver informações sobre o mundo em nossas casas, no trabalho e nos locais de estudo, por meio de imagens, sons e escritos, numa situação de simultaneidade e instantaneidade em que os pontos mais diminutos da nossa vida aparecem nas “novas telas” dessa era informacional. As “novas telas” não apenas transmitem conteúdos e valores suscetíveis de incidir nos conhecimentos e nas atividades individuais e coletivas, como também estão contribuindo para criar novas relações socioespaciais tornando-se, no dizer de Coll e Martí (2004), potentes mediadoras no processo de conhecimento e socialização contemporânea. Para esses autores, como potentes mediadores semióticos, sua utilização modifica a maneira de memorizar, de pensar, de raciocinar, de relacionar-se e também de aprender e ensinar. Na Geografia, isso tem sido possível, pois cada vez mais as “novas telas” da era da informação oferecem possibilidades de se visualizar as mais diversas realidades geográficas em situações multiescalares. Tendo em pauta esses considerandos, partimos do pressuposto de que no atual contexto socioespacial, o desenvolvimento do pensamento e do raciocínio espaciais está cada vez mais intermediado pelos novos meios e instrumentais técnicos da era informacional. Hoje é possível aprender e ensinar com a tecnologia da informação e comunicação. O que, a nosso ver, não equivale a uma alfabetização tecnológica, como já nos referimos anteriormente, nem tampouco aprender e apreender a tecnologia em si mesma, mas aprender e ensinar com a tecnologia da informação e comunicação como um elemento ou um meio que visa facilitar o processo de conhecimento e aprendizagem geográficos. Assim, pelo visto, um dos conceitos básicos para se pensar a relação entre novas tecnologias e raciocínio espacial é o de mediação. Por meio deste, podemos trazer à lume as possíveis interfaces existentes entre as novas tecnologias e o desenvolvimento do pensamento e/ou do raciocínio espacial. Para alguns autores – como, por exemplo, Vygotsky (1994)3 , Coll e Martí (2004), Martín-Barbero (2003) – de áreas de conhecimentos distintas, os efeitos da interface e/ou da mediação de instrumentos e signos na formação do pensamento e do conhecimento humanos tornaram-se mais intensos. Num ponto de convergência, esses autores concordam que as técnicas (expressão usada em um sentido amplo) ou as novas tecnologias constituem importantes instrumentais mediadores nas relações sociais e entre o sujeito e o objeto de conhecimento. A mediação tem sido uma noção importante na teoria de Vygotsky, haja vista que 75 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... esta é a ação em que “a relação do homem com o mundo não é uma ação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo” em que vive (OLIVEIRA, 1993, p. 24). A respeito disso, as palavras de Kenski (2003, p. 21) são esclarecedoras: “o homem transita culturalmente mediado pelas tecnologias que lhe são contemporâneas. Elas transformam suas maneiras de pensar, sentir, agir. Mudam também suas formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos”. Laymert Santos, em sua obra Politizar as novas tecnologias, diz que a nossa experiência no mundo atual é altamente mediada por novas tecnologias e que o ritmo dessa experiência é cada vez mais modulado pela aceleração tecnológica (SANTOS, 2003). Portanto, as novas tecnologias, como um produto social, vêm na atualidade interagindo com todas as dimensões socioespaciais. A interface tecnológica atual é uma realidade e, por conseguinte, constitui-se num mediador cognitivo. Essa mediação é criada por meio de uma ação global com múltiplos agentes na manipulação da informação. Nos dizeres de Lemos (2005, p. 4), “a evolução dos media digitais e das respectivas interfaces, que vai proporcionar a febre da interatividade informática, pode nos ajudar a melhor compreender a influência das novas tecnologias e a importância da noção de interatividade para a ‘cibercultura contemporânea’4 ”. Ainda, segundo ele, com as novas tecnologias, o imaginário é tomado por uma fascinação mágica, justamente por escapar de nossa escala de compreensão espaço-temporal. Por isso o uso de metáforas como forma de interface. O imaginário atual, aqui, como mediador entre o homem e a técnica. É a interface que possibilita a interatividade entre as novas tecnologias e o raciocínio no momento da construção do conhecimento (LEMOS, 2005). Assim sendo, podemos afirmar que essa é uma palavra que tem se tornado de uso mais freqüente no curso dos últimos tempos. Ela é hoje em dia uma palavra de ordem do mundo das novas tecnologias, transformando a interação e a interatividade dos seres humanos e a própria construção do pensamento e do conhecimento do homem. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Greenfield (1998), em seu livro O 3 Em sua obra A formação social da mente Vygotsky (1994) assinala que o uso de instrumentos e signos compartilham de algumas carcaterísticas importantes, ou seja, ambos envolvem uma atividade mediada. Para ele, os signos são orientados internamente, maneira de mobilizar a influência psicológica para o domínio do próprio indivíduo; enquanto que os instrumentos são orientados externamente, visando ao domínio da natureza. Por outro lado, salientamos que embora o autor mencionado tenha centrado seus esforços sobre o estudo da criança, limitá-lo ao desenvolvimento infantil seria um enorme erro, pois seus estudos se dirigiam fundamentalmente para o desvendar de processos humanos mais complexos (destaques nosso). Por seu turno, Coll e Martí (2004) dizem que as NTIC não são o único nem serão os primeiros recursos semióticos criados pelos homens, mas não há dúvida de que essas tecnologias vêm se constituindo mediadores e modificadores na maneira de memorizar, de pensar, de relacionar-se e também de aprender. Para esses autores, as novas tecnologias abrem novas e interessantes possibilidades de conhecimentos e de aprendizagem. Para MartínBarbero (2003, p..20 ), “a tecnologia é hoje o ‘grande mediador’ entre as pessoas e o mundo, quando o que a tecnologia medeia hoje, de modo mais intenso e acelerado”. 4 O autor discute essa temática em sua tese de doutoramento, que versou sobre “cibercultura e sociabilidade”, desenvolvida na Universidade de Sorbone/Paris, em 1995. Ele define o termo em destaque como sendo uma simbiose entre a socialidade contemporânea e as novas tecnologias, construindo uma nova cultura que se apropria da tecnologia e redunda num novo estilo de vida social deste período histórico atual (LEMOS, 2000). 76 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 desenvolvimento do raciocínio na era eletrônica, procurou comparar as formas de verbalização e identificar as interfaces que os atuais meios eletrônicos podem, ou não, desenvolver nas mentes das pessoas em nível de formação e informação, tanto dentro como fora dos ambientes educacionais. A autora tem por preocupação maior desvendar as relações entre linguagem e pensamento, ou seja, a relação entre os meios eletrônicos e o desenvolvimento do pensamento. Segundo a autora, se adequadamente bem utilizados, os meios eletrônicos, sem exceção, podem mediar diversas oportunidades para a aprendizagem e o desenvolvimento do raciocínio. Lévy (1993), ao desenvolver uma ontologia da palavra interface, diz que ela possui sempre pontas livres prontas a se enlaçar, ganchos próprios para se prender em módulos sensoriais ou cognitivos. Cada vez mais, nesta época atual, pensar, aprender e conhecer acontecem por meio da mediação técnica, que muitas vezes isso pode ocorrer dentro ou fora das instâncias educacionais formais. Para ele, o que mais o seduz não é a possibilidade de utilizar as novas tecnologias, – ou inteligentes como ele assim chama – para realizar pesquisas, mas o seu interesse está em refletir no modo como o uso dessas tecnologias transforma a própria maneira de pesquisar. O referido autor, ao invés de confinar a noção de interface ao domínio da informática, trabalha na análise de todas as tecnologias intelectuais, dizendo, por exemplo, que o livro – uma tecnologia de todos os tempos – que seguramos em nossas mãos tem se constituído numa rede de interfaces. Ultimamente, muitos analistas têm comentado que as novas tecnologias têm se tornado uma ferramenta ou um meio pedagógico da moda e com um certo poder de persuasão e de contestação ao mesmo tempo, uma vez que elas contêm e reforçam determinados tipos de informação, modos de pensar e modos de perceber. No entanto, Dieuzeide (1994) alerta-nos contra os modismos, lembrando que a introdução de novas tecnologias no campo da educação e do ensino deve estar orientada para uma melhoria da qualidade e da eficácia do sistema, priorizando os objetivos educacionais, e não simplesmente as características técnicas, sem esquecer, entretanto, a grande influência global destas “ferramentas intelectuais” na sociedade contemporânea: “não é o objeto que conta, mas o poder que ele confere. A ferramenta está no centro da história do homem desde suas origens. Relação circular no coração da pedagogia: o homem fabrica a ferramenta e em retorno a ferramenta modela o homem” (DIEUZEIDE, 1994, p. 18, destaques do autor). Marquès (2000, p. 240), ao estudar as funções e limitações das novas tecnologias, adverte que La incorporación de las TIC favorece procesos de reelaboración y apropiacón crítica del conocimiento, en la línea de una construcción colaborativa del conocimiento. Asimismo, el uso de las TIC hace que el profesorado sea más receptivo a los cambios en la metodología y en el rol docente: orientación y asesoramiento, dinamización de grupos, motivación de los estudiantes, diseño 77 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... y gestión de entornos de aprendizaje, creación de recursos, evaluación formativa, etc. O uso das novas tecnologias no estudo do espaço geográfico pode ser um recurso pedagógico fundamental para o desenvolvimento da análise geográfica. Ao longo dos tempos, esse conhecimento tem se dado de qualquer forma por meio da interface (ou Links) da técnica de cada época. Essa, compreendida com um complexo de materialidade e intencionalidade, revela-se, assim, como mediação necessária na constituição do espaço geográfico. Por meio da técnica, podemos dar conta, por um lado, do global que caracteriza o mundo e, por outro lado, do local, do particular, ou seja, daquilo que existe realmente e se materializa num dado ponto do Planeta. Dessa forma, fica claro que as realidades geográficas não se explicam por si mesmas, mas somente no ínterim de uma lógica que envolve as relações globais mediadas por objetos e sistemas técnicos (SANTOS, 1994). Nesse sentido, podemos afirmar que a análise espacial tem sido conduzida através da mediação entre diferentes códigos, partes diferentes de objetos reais, virtuais, de simulações e especulações necessárias à correção de possíveis erros, construindo um novo pensamento, um novo saber. Ao longo dos tempos, como dizem Garcia e López (2003, p. 210), La Geografia, que tradicionalmente ha incorporado como recurso didáctico aquellos instrumentos técnicos vigentes em cada época, desde el mapa y el globo terráqueo, hasta el moderno ordenador, pasando por toda una serie de herramientas visuales y audiovisuales, encuentra en Internet un apoyo de gran valor educativo para la enseñanza de esta disciplina. As reflexões de Martínez e Cano (2003, p. 238) sinalizam para a importância da Internet no ensino e na aprendizagem da Geografia. Eles dizem que neste período da sociedade do conhecimento é fundamental que se considere a principal ferramenta deste novo milênio, a Internet, como um suporte didático. Esses autores listam uma série de possibilidades dessa ferramenta, destacando-a principalmente como um meio de “búsqueda de información sobre un contenido concreto y procesamiento de lo indagado”. Para eles, as novas tecnologias oferecem importantes oportunidades para desenvolver as capacidades de comunicação, análises, resolução de problemas, gestão e recuperação da informação. Segundo Pilar Comes (2002, p. 50), em seu artigo Geografía escolar y tecnología de la información y el conocimiento, La geografía escolar es una de las disciplinas que mayores cambios tendrá que observar para adaptarse a la sociedad red, de entornos multimedia, de multiidentidades, y de realidades multiescalares del siglo XXI. Los profundos cambios en los entornos sociales y tecnológicos afectan las representaciones sociales-espaciales de los alumnos, así como al contenido de los programas de la geografía escolar, a las estrategias didácticas, a la propia concepción y función del conocimiento escolar. 78 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 Conforme as palavras de Callai (2003, p. 69), neste mundo atual, “para estudar a geografia do mundo cada vez tem-se maior volume de conteúdos disponibilizados pelas informações que são oferecidos nos livros didáticos, nos meios de comunicação, e cada vez mais com maior intensidade, acessadas na Internet”. Atualmente, “la tecnología no sólo debe ayudar al alumno a aprender, sino a desarrollar un pensamiento crítico (análisis, evaluación y conexión) creativo (elaborar, sintetizar e imaginar) y completo (deseñar, resolver y tomar decisiones)” sobre o espaço geográfico, como pontuou Patiño (2003, p. 10). Esse autor diz que quando as novas tecnologias são corretamente empregadas, estimulam a aprendizagem no ensino de Geografia, podendo contribuir com a compreensão dos conceitos geográficos e, por conseguinte, com o desenvolvimento do pensamento geográfico. Esse pensamento é corroborado por George (1994, p. 10) quando nos afirma que a aceleração contemporânea traz importantes efeitos à sociedade, e que não se trata apenas do surgimento de novos métodos de conhecimento da diversidade global, mas de uma nova animação das relações em todas as escalas, em que “cada elemento do puzzle mundial [é] de agora em diante, atingido, se não animado, pelos efeitos e os contra-efeitos de relações a um só tempo imediatas e planetárias”. A escala geográfica em tempos de aceleração contemporânea Atualmente, para que se possa desenvolver o raciocínio espacial é fundamental que se contemple, também, a noção de escala geográfica, pois em virtude da aceleração contemporânea, as informações e os conhecimentos têm se difundido mais intensamente, contribuindo para que se alterem as escalas de análise e de atuação dos eventos e fenômenos geográficos. Capel (2004, p. 2) afirma que o uso del espacio y del tiempo se modifica profundamente. Uno y otro se encogen, se comprimen. La proximidad y la distancia adquieren sentidos nuevos. Es posible la presencia simultánea en varios espacios, la localización fisica en un punto y el contacto simultáneo con otros alejados, en los que se está telepresente a través de las conexiones técnicas: podremos estar en todas partes al mismo tiempo. Nesta contemporaneidade, a divulgação de imagens espaciais por intermédio dos meios de comunicação e informação, sem dúvida, tem contribuído para que tenham os contatos reais e virtuais com espaços mais distantes, o que anteriormente só era possível muitas vezes por representações cartográficas ou por impresso. Pilar Comes tem comentando em seus estudos sobre as novas tecnologias no ensino de geografia que La television, el cine y los otros soportes de la información visual masiva han ayudado a difundir imágenes espaciales fotográficas, esquemáticas, de fácil 79 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... lectura, que han servido para ampliar los horizontes espaciales de nuestros alumnos. Además se observa una integración de los componentes del sistema tecnológico en sus representaciones (COMES, 2002, p. 50). Parece-nos que o alargamento do espaço convive concomitantemente com o seu encurtamento, pois fronteiras passam a não separar mais, e a informação traz tudo ou quase tudo para muito perto de nós. Cada vez temos mais dados e informações para conhecer e analisar o espaço geográfico. Por isso, por intermédio das novas tecnologias, ou precisamente das “novas telas” em difusão, os eventos e os fenômenos socioespaciais se apresentam mais freqüentes diante de nós, geógrafos e cidadãos, em dimensões globais e locais. Nesse ponto, a escala tem se constituído num instrumento fundamental para a organização das informações do mundo atual. Com a aceleração contemporânea, o local cada vez mais contém o global, mas o global também contém o local. Giddens, numa tentativa de conceituar essa era atual, propõe que esta possa ser definida como a intensificação das relações humanas em escala global, que se articula de tal forma que acontecimentos locais são modelados por eventos que ocorrem a milhares de distância e vice-versa (1991). O efeito disso está presente em nossas vidas cotidianas e em nossas concepções diárias de espaço e tempo, pois as novas tecnologias têm permitido que seamos más móviles y que tengamos acesso a más información. Dicho de otro modo, el mundo se encoge no sólo porque sea más fácil y más barato viajar sino porque tenemos, gracias a las imágenes visuales generadas por los medios de comunicación, una idea del mundo sin tener que desplazarnos gracias a las representaciones del mundo que proporciona la televisión en sus informativos, series de ficción, documentales... incluso de los conflictos bélicos tal como la cobertura informativa en directo de la guerra del golfo de 1991 se encargó de demostrar (ROVIRA, 2002, p. 223). A partir dessa compreensão, podemos afirmar que se estampa diante de nós uma verdadeira dialética do global-local, que alguns autores – como Robertson (1996) e Castells (2002) – passaram a chamar de glocalidade. Isso significa dizer que, tomando de empréstimo as palavras de Santos (1996, p. 273), “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. Assim sendo, tem-se em tela uma nova ordem mundial em que a informação passa a redimensionar a vida humana em vários níveis de análise mutltiescalar. Com as inovações tecnológicas, não dá mais para apreendermos o mundo atual se não considerarmos os fenômenos como sendo diferentes porque são compreendidos em diferentes níveis de análise. Segundo Bauer (apud SHEPPARD; MCMASTER, 2004), “as society faces a new world order that reflects the increasing tension and simultaneity between local and global forces, it is essential to lay the foundations toward a comprehensive 80 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 ‘theory of scale’”. Portanto, neste período histórico atual, pensar em escalas geográficas é uma maneira eficaz de ordenar o conhecimento do espaço multidimensional em que vivemos, bem como é uma maneira de racionalizar nossas decisões quanto ao presente e o futuro. Esses são recortes temporais que estarão cada vez mais eivados de informações galopantes veiculadas em dimensões globais, levando-se à lógica da globalização atual, o que demonstra com mais freqüência uma diversidade de níveis escalares atuando ao mesmo tempo e num mesmo espaço. Partilhamos das idéias daqueles que dizem que a escala geográfica não é uma simples questão técnica. Isso significa dizer que qualquer evento ou fenômeno geográficos, em observação e em estudo, requer que se considere uma escala de análise que não se limite simplesmente a uma visão geométrica (ou meramente cartográfica) como tem perdurado com intensidade no âmago da Geografia e principalmente no cerne do seu ensino. Isso implica, como assinala Roger Batlori (2002), que seja dada uma “comprensión etimológica del concepto, el reconocimiento de la importancia de la escala en la elaboración del discurso geográfico”. Castro (1995), ao discutir o problema da escala, nesse período de aceleração espaçotemporal, apresenta os limites impostos a esse conceito na Geografia pelo raciocínio analógico com a cartografia. Refletindo sobre a escala como uma estratégia de aproximação do real, a autora em destaque recorre às reflexões realizadas em outros campos do conhecimento, que também enfrentam o problema da grande variação de tamanho de fenômenos e objetos. Esse seu estudo indica as possibilidades de utilização da perspectiva da escala na prática do ensino e da pesquisa geográfica, sugerindo novos contornos para expressar a representação dos diferentes modos de percepção e de concepção da realidade geográfica. Diante disso, podemos dizer que, nesse tempo de predomínio das novas tecnologias – com uma maior difusão da televisão, do computador e da Internet, por exemplo –, a noção de escala se faz necessária, pois cada vez mais as realidades geográficas que estão distantes se tornam muito mais próximas, possibilitando diferentes jogos de escalas ou de caminhos geográficos, pois, quando estamos diante dessas “novas telas” ou conectados a elas, nos encontramos num local que ao mesmo tempo pode se tornar global, regional, nacional ou globalizado no mundo, e mais, em tempo real (HAESBAERT, 2004). Por meio dessas “novas telas”, podemos ver o mundo numa situação de interação com outras realidades geográficas, logo nos obrigando a raciocinar numa instantaneidade e velocidade inimagináveis e de modo multiescalar. Nas palavras de Castro (1995, p. 121), “o problema do tamanho é, na realidade, intrínseco à análise espacial e os recortes escolhidos são aqueles dos fenômenos que são privilegiados por ela. Na Geografia humana os recortes utilizados têm sido o lugar (e seus diversos desdobramentos – cidade, bairro, rua, aldeia etc.), a região, a nação e o mundo”. Segundo essa autora, mais importante do que saber como as coisas mudam com o tamanho, 81 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... é saber com exatidão o que muda e como muda, já que estamos diante de grandes mudanças espaço-temporais resultantes de transformações técnico-científicas-informacionais. Nesse sentido, cabe ressaltar que quando a escala muda, a dimensão de apreensão do fenômeno muda também, por isso ser fundamental tê-la como uma estratégia de apreensão e abordagem do mundo real ou das distintas realidades geográficas, neste mundo acelerado. Sabemos que, hoje, diante da instantaneidade e simultaneidade das informações e comunicações, é fundamental que se considerem novas conceptualizações de escalas geográficas num prisma relacional, de vez que as realidades geográficas em dimensões globais se disseminam com maior intensidade sobre os lugares geográficos por meio de ações e objetos técnicos globais. Talvez seja por isso que Martím-Barbero tenha dito que o global é o espaço novo produzido pela globalização e pela inovação tecnológica, que dependem dele para sua permanente expansão. Em suma, cada vez mais no âmbito do ensino, da extensão e da pesquisa em Geografia têm-se utilizado as novas tecnologias. Os usos de imagens de satélite com a ajuda de aparelhos de GPS, de computador e da Internet e de outros recursos multimidiáticos têm se tornado mais freqüentes nas salas de aula de geografia – mesmo que em proporções desiguais, conforme nos disseram, em entrevistas, os sujeitos desta pesquisa. Mas, não há dúvida de que esses meios tecnológicos, quando articulados aos conteúdos, conceitos e fundamentos teórico-metodológicos da ciência geográfica, têm se tornado fundamentais ao desenvolvimento do raciocínio espacial, reafirmando que a interface entre novas tecnologias e raciocínio espacial tem muito a ver com a Geografia contemporânea. Possíveis interfaces entre as novas tecnologias e o raciocínio espacial Essa discussão precedente é corroborada, em certa medida, pelos depoimentos dos professores que foram inquiridos para esta pesquisa. Partindo de relatos de alguns professores de Geografia, de distintos cursos superiores do País, procuramos apreender as possíveis interfaces ou mediações existentes entre as novas tecnologias e o desenvolvimento do raciocínio espacial. Ou seja, buscamos nos depoimentos desses professores elementos que explicassem essas relações, de vez que nos últimos tempos o raciocínio geográfico tem se mostrado “repleto de tencionamentos, pois lida com as contradições sociais existentes, e que estão em constante processo de (re)elaborações” (CASTROGIOVANNI, 2001, p. 15), em virtude dos recentes processos de aceleração espaço-temporal. Para esse autor, o fazer pedagógico de Geografia nos dias atuais deve acontecer por meio das técnicas e das tecnologias disponíveis, sem tomá-las como um fim em si mesmas, mas como possibilidades de ferramentas da prática educativa, além de ser necessário considerar as diferentes teorias, para dar conta da análise espacial. Para desenvolver “o pensamento sobre o espaço geográfico”, os professores 82 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 pesquisados têm de algum modo utilizado algumas das ferramentas desta temporalidade. As suas práticas pedagógicas cotidianas têm sido permeadas ou interfaceadas pelas tecnologias da informação e comunicação. Se a televisão se constituiu na ferramenta mais utilizada por eles, conforme dissemos anteriormente, isso não quer dizer que o computador e a Internet não estivessem sendo utilizados e não tenham dado suas contribuições para a análise espacial. Isso veio à tona quando perguntamos a esses professores se, na opinião deles, o uso das novas tecnologias interferia no desenvolvimento do raciocínio geográfico ou na maneira de se pensar sobre o espaço. A maior parte desses professores (57,8%) respondeu positivamente, dizendo que as novas técnicas informacionais aceleram e ampliam as maneiras de pensar o espaço geográfico, enquanto que, para 26,3% dos inquiridos, essa interferência ocorria em termos, pois era necessária, também uma integração com os conteúdos e métodos da Geografia, bem como de uma relação professor-aluno, alunoaluno. Por seu turno, para 15,8% dos investigados, as novas tecnologias não interferiam de modo algum no desenvolvimento do raciocínio geográfico. Mas o interessante disso é que muitos desses professores, que afirmaram negativamente sobre a interferência das novas tecnologias no processo de leitura espacial, disseram que essas tecnologias poderiam contribuir para a criação de novas estratégias de ensino, aprendizagem e auto-formação. Pelo visto esses professores, contraditoriamente, também, acreditam nas possibilidades que as novas tecnologias podem, ou não, oferecer ao desenvolvimento do pensamento geográfico. Acreditamos que é verdade que as novas tecnologias – sobretudo a confluência entre a televisão, o computador e a Internet, por exemplo – não objetivam ensinar e aprender o conhecimento geográfico, mas é também verdade que nós e os nossos alunos aprendemos muito, e de maneira diversificada, com o uso desses instrumentais, principalmente aprendemos a ler o nosso espaço vivencial e aprendemos sobre os espaços mais longínquos, que se tornam visíveis por meio de imagens e textos não-lineares encontrados no ciberespaço, na Internet ou em outras mídias. Assim, os espaços geográficos parecem se tornar mais próximos e distantes ao mesmo tempo por meio dessas tecnologias informacionais. Os fragmentos que apresentamos em seguida, embora sejam longos, merecem ser conferidos, pois eles evidenciam algumas experiências com o uso das tecnologias atuais. Vejam que entre as possíveis interfaces que as novas tecnologias podem oferecer à ciência geográfica e ao desenvolvimento do raciocínio geográfico nas várias modalidades de ensino dessa área de conhecimento estão, segundo os depoimentos dos professores, em: “Hoje utilizo muito os computadores, mas uso também o vídeo, a música, o retroprojetor, pois as aulas se tornam mais dinâmicas, menos cansativas e a participação dos alunos é maior. Essas tecnologias tornam todos os espaços mais próximos, permitindo assim melhor compreender as transformações desenvolvidas pelo homem” (depoimento do professor n. 4). “Eu adoto as novas tecnologias, pois elas possibilitam uma nova visão da 83 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... dimensão espaço-tempo, o que é fundamental para o desenvolvimento do raciocínio geográfico” (depoimento do professor n. 15). “Utilizo com freqüência em minhas aulas a televisão e o vídeo para assistir filmes, palestras, entrevistas, projeções de imagens e disponibilizo o meu material didático via Internet. Isso para mim amplia as conexões e leva a pensar sobre outras formas de conceber o espaço, por exemplo o virtual” (depoimento do professor n. 11). “Ultimamente tenho usado principalmente os softwares de cartografia, como GIS, Autocad e outros que melhoram a leitura do espaço, possibilitam a visão de diferentes perspectivas, facilitam as simulações de escalas, símbolos, projeções” (depoimento do professor n. 2); “Somente o fato de mais e mais dados estarem disponíveis já amplia possibilidades de correlações. Nesse sentido, há a interferência. Contudo, o instrumento intelectual, o raciocínio propriamente não está na tecnologia, mas no desenvolvimento de capacidades de abstração, de lógica, de cognição. As novas tecnologias interferem na medida em que dão velocidade a testes de hipóteses e fornecem volume de dados e informações que potencialmente aprofundariam a análise geográfica” (depoimento do professor n. 17). “Uso diversos programas de televisão a fim de exemplificar ou problematizar algumas questões de estudo em sala de aula; peço para os alunos fazerem levantamentos de dados em diferentes canais e períodos. Levo alguns programas de computador para que os alunos possam usá-los e avaliá-los quanto à possibilidade de seu uso na sala de aula, peço para fazerem levantamento de informações de e em sites; faço também levantamentos de dados pela net e peço para os alunos fazerem também [...] E digo: interfere ou não dependendo do uso que for realizado com essas tecnologias, pois seu uso não pode nada se desconsideramos seus usuários, os sujeitos da aprendizagem [...] O raciocínio e análise geográficos dependem muito de debates e exercícios de análise [...] Há que ter cuidado ao refletir sobre as [novas tecnologias] pois elas podem ser fetichizadas ou reificadas” (depoimento do professo n. 19). “Na sala de aula, disponho hoje de ferramentas que me permitem planejar e realizar com muito mais rapidez e eficácia todas as aulas e atividades teóricopráticas com meus alunos, estou me referindo principalmente à união entre televisão, computador e Internet” (depoimento do professor n. 13). Esses depoimentos mostram um pouco do uso das novas tecnologias nos cursos de formação de professores de geografia, bem como as maneiras como essas tecnologias vêm mediando o processo de ensino e aprendizagem geográficos. Como se pode ver, as novas tecnologias tem sido utilizadas como uma ferramenta pedagógica, seja para disponibilizar os textos geográficos básicos e complementares, para manter contatos via meio eletrônico (e-mail), realizar trabalho em grupo, seja como mera ilustração, mas o objetivo maior tem se voltado sobretudo para tornar mais dinâmico, atrativo e interativo o pensar, o fazer e o ensinar geográficos. Há quem diga que a grande tecnologia da humanidade não são os 84 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 objetos ou as máquinas, mas o conhecimento. Diante disso, podemos dizer a tecnologia informacional não se constitui na grande coisa da Geografia, mas numa possibilidade de usarmos para construir um conhecimento geográfico inovador e antenado com o tempo atual. Entendemos que as aprendizagens ocorrem em um processo que é social e que é histórico, logo é nesta perspectiva que são construídos os raciocínios geográficos. Para que estes ocorram é fundamental que se considerem as variadas possibilidades de aprendizagem que o mundo em que vivemos está a nos oferecer. Por meio da Geografia, podemos desenvolver certas habilidades que, com o passar do tempo, vão se tornando fundamentais para conseguir e manejar determinados instrumentos tecnológicos. Segundo Callai (2001, p. 18), o que precisamos fazer para a realização de uma leitura espacial é “saber buscar as informações e os dados, conseguir organizá-los e entender o que dizem. Saber ler tabelas, decodificar os gráficos, compreender o que seja um banco de dados, trabalhar com o SIG (Sistema de Informações Geográficas)”. Em outros termos, expressa essa autora: É neste contexto que podemos inserir o trabalho com o computador e seus adereços, outros equipamentos eletrônicos, vídeo, máquinas fotográficas, TV, gravadores, GPS, etc. São todos e outros mais também instrumentos que nos permitem fazer as coletas e a organização dos dados para ao sistematizá-los, poder conhecer melhor as informações que nos possibilitam compreender a realidade [geográfica]. E a partir deles construir bancos de dados, organizar, produzir e compreender os Sistemas de Informações Geográficas. E mais, saber ler cartas topográficas, fotografias aéreas, os mapas em suas mais variadas escalas (CALLAI, 2001, p. 18). A nosso ver, isso não se traduz em mais uma nova Geografia. São, na verdade, outras ou novas possibilidades de se realizar a leitura espacial. E não é a aula de Geografia que tem que ser desconsiderada para ensinar o uso desses instrumentais, mas é uma possibilidade que, interfaceando-se com as técnicas modernas, pode contribuir para o ensinar e o aprender melhor a geografia do mundo contemporâneo. Segundo Callai (2001), partindo-se do pressuposto de que não adianta somente passar informações (porque estudar Geografia é muito mais do que isso, e que os métodos de trabalho precisam estar adequados aos tempos que vivemos) é que se torna imprescindível a incorporação das novas tecnologias no ensino de Geografia. Para ela, de nada adiantam essas tecnologias para melhorar o ensino dessa ciência se não tivermos referenciais mais sólidos para fazer as análises geográficas. Acrescentamos a isso o fato de que a chave para avaliar o alcance e os usos educacionais das novas tecnologias no ensino de Geografia pode estar nos três elementos do triângulo interativo – professor, aluno e conteúdo –, como propõem Coll e Martí (2004), e de maneira muito particular em sua incidência sobre as relações e as interações 85 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... que se estabelecem entre esses três elementos. Em outros termos, a chave está em analisar como e até que ponto os diferentes usos das novas tecnologias podem influenciar tanto nos processos de construção de significados e de atribuições de sentido que os sujeitos (professor e aluno) realizam no transcurso das atividades de ensino e aprendizagem, como também os mecanismos de influência educacional que facilitam, promovem e apóiam esses processos construtivos. Sabemos que as novas tecnologias, na medida em que atuam como fator de coesão tanto nas pequenas localidades quanto nas de grande complexidade social e cultural – por exemplo, os grandes centros urbanos –, são produtores de significados e, por conseguinte, participam do processo de construção e da leitura das realidades socioespaciais em todas as suas manifestações. Essas tecnologias chegam no limiar deste século com um dos mais influentes fatores de circulação de idéias na sociedade da informação. E a Geografia, como vimos anteriormente, propõe-se estudar o espaço geográfico, sendo que, para realizar esse estudo, ela necessita de conceitos, definições, pressupostos teórico-metodológicos, técnica e tecnologia. Como diz Castells (2002), na era da informação, a tecnologia não determina a sociedade, modela-a. Nem tampouco a sociedade determina a inovação tecnológica, utilizaa. Isso significa dizer que não dá mais para ficarmos alheios às ordens técnicas atuais. As técnicas contemporâneas constituem um bom caminho para a explicação do espaço geográfico, como afirma Santos (1996). Elas contribuem para que pensemos a geografia como uma filosofia das técnicas, uma vez que as transformações socioespaciais e culturais estão cada vez mais interdependentes da ação técnica. E, assim sendo, para que se compreenda o espaço em que estamos imersos, é fundamental que entendamos as relações com o tempo, pois cada período histórico tem sido portador de técnicas e tecnologias que permitem ações, acontecimentos e teleologias. As ações de nosso tempo atual interatuam e criam espaços geográficos diferentes, reais e virtuais, corroborando com a assertiva de Kant (apud SANTOS, 1996) de que os objetos mudam e propõem diferentes geografias em diferentes momentos. Isso não significa dizer que temos uma nova Geografia, porque temos novas tecnologias. Temos, sim, uma teia complexa do mundo cada vez mais ligado por redes técnicas informacionais que conectam espaços e pessoas – mas deixam muitos desligados/ desconectados ou nos limites do viver contemporâneo – numa velocidade e aceleração impensadas há poucos anos, mas que impõem um novo papel à Geografia e ao seu ensino. As tecnologias atuais, veiculadoras de informações, não têm a finalidade de 5 Esse programa foi promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e pela Fundação Roberto Marinho, por meio de teleaulas e módulos adquiridos em bancas de jornais ou livrarias. 86 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 desenvolver o “saber pensar o espaço” ou de realizar o “raciocínio espacial”, mas mesmo sem essa finalidade as pessoas aprendem Geografia, pensam com a presença dessas tecnologias. Vejam, por exemplo, a experiência do programa Telecurso 20005 , especificamente o da área de Geografia, que, procurando qualificar as pessoas sem escolaridades nos níveis da educação básica (principalmente jovens e adultos trabalhadores), utilizou módulos instrucionais (ou teleséries) e aulas televisivas com a finalidade de estimular o desenvolvimento do raciocínio geográfico. As aulas do Telecurso 2000 eram ministradas a distância por meio de um veículo dinâmico e de massa como o é a televisão (ou por meio de teleaulas). Por meio dessa tecnologia, o pensamento geográfico foi difundido para milhares de pessoas pelo País afora. O ensino de Geografia contribuiu para a formação de diversas pessoas por meio do desenvolvimento do raciocínio espacial realizado em duas diferentes escalas, do local ao global, mostrando articulações entre os diversos níveis de abstração, desde o espaço do trabalho até sua inserção em uma sociedade que globaliza de maneira acelerada. Por meio das novas tecnologias, podemos obter imagens em escalas diferentes, realizar interações e interatividade entre pessoas, trocar informações; podem servir também de espaços de consulta de informações, e com o computador e a Internet, conseguir ter acesso às informações conjugadas entre som, imagem e texto. Pilar Comes expõe algumas estratégias didáticas para trabalhar o pensamento geográfico utilizando as novas tecnologias: En el caso de la enseñanza del espacio geográfico y a través de Internet podemos acceder a miles de páginas que nos ofrecen, muchas de ellas gratuitamente, mapas e imágenes espaciales que podemos utilizar en el aula. Pero este gran recurso potencial adolece aún de graves limitaciones. Algunas de estas limitaciones están relacionadas con las de la propia red [...], pero entendemos que otras limitaciones están relacionadas con cuestiones que tienen su implicación didáctica (COMES, 2002, p. 51). As novas tecnologias no ensino de geografia contribuem para ampliar o potencial educativo de alunos e professores, permitindo que esses sujeitos tenham acesso à informação a partir de sua própria busca, capacidade de observação e interesse. É indiscutível que as tecnologias modernas, quando corretamente empregadas, estimulam o ensino e a aprendizagem de Geografia, mas suas possibilidades e limitações precisam ser questionadas para que não as tomemos como um fetiche. A título de conclusão A tecnologia sem conteúdos e conceitos geográficos não tem sentido algum. É certo que as possibilidades de aprender e ensinar Geografia, hoje, são estimuladas pela proliferação de informações mais acessíveis. Mas também é evidente que as desigualdades 87 SILVA, V. P. DA O RACIOCÍNIO ESPACIAL NA ERA... no acesso às novas tecnologias podem aumentar ainda mais as dificuldades reais de acesso à informação e ao conhecimento geográfico que já têm atualmente os segmentos menos favorecidos. O caso da Internet é exemplar, pois sendo, em princípio, um recurso altamente descentralizado, democrático e sem fronteiras, na verdade é apenas para aqueles que podem ter fácil acesso a ele, para os “plugados na rede”. Considerando os depoimentos dos sujeitos deste estudo, podemos dizer que é muito provável que as novas tecnologias aprofundem as divisões já existentes entre grupos de pessoas em sua relação com o conhecimento e a aprendizagem. Daí a necessidade de que as possibilidades e os limites das novas tecnologias estejam sempre em pauta. Nessa sociedade, os aparatos tecnológicos têm se constituído em novos meios de informação e comunicação que mobilizam novos modos perceptivos e reorganizadores da prática cotidiana e da experiência socioespacial. Computadores, videogames, telefones celulares, TV a cabo e toda a parafernália técnica que nos cerca e nos constitui vão transformando de maneira rápida as estruturas de pensamento e de significação. E nesse meio ambiente novíssimo (ecologia cognitiva? ciberespaço? cibercultura? sociedade da informação? da imagem? do saber?), as instituições de ensino e muitas disciplinas, como por exemplo, a Geografia, encontram-se nos limites da sociedade informacional, muitas vezes fixada na oralidade e nos meios impressos e lineares como os textos escritos. As tecnologias informacionais ainda se encontram pouco presentes nos cursos de formação do professor de geografia, conforme aponta o resultado da pesquisa. Mas mesmo que em proporções mínimas e limitadas, as novas tecnologias podem e devem ser postas em questão em aulas de cursos de graduação, pós-graduação e na educação básica, no sentido de ampliar sua inserção nos meios educativos. Com as tecnologias modernas, é possível aprender a aprender, a trabalhar em grupo, a raciocinar em diferentes escalas geográficas. Em vez de considerar as novas tecnologias como inimigas a ser exorcizadas, é fundamental que as consideremos como meios que podem ajudar a desenvolver ou estimular o pensamento geográfico. Conforme já dissemos anteriormente, as novas tecnologias estão presentes em nossas vidas quer queiramos ou não. Cabe a nós estudiosos utilizá-las, estudálas, questionando suas possibilidades e limitações para o desenvolvimento do conhecimento ou do raciocínio espacial. Em suma, podemos dizer que as novas tecnologias não têm compromisso com a construção do conhecimento geográfico. Esse compromisso compete à ciência geográfica e aos geógrafos nos momentos de construção do raciocínio espacial. Mas é verdade também que os profissionais de geografia quando utilizam as novas tecnologias aprendem com elas. Talvez seja uma “Geografia em migalhas”, como nos tem alertado Lacoste (1974, p. 231), que precisa ser melhor questionada e explicitada, mas é possível perceber que existe uma certa interface entre as novas tecnologias e o desenvolvimento do pensamento geográfico nesta era informacional. 88 Terra Livre - n. 28 (1): 67-90, 2007 Referências ÁLVAREZ, Sara Izquierdo. GONZÁLEZ, María Jesús González. Las tecnologías de la información y la comnicación en la docencia universitaria de la geografia. In: MARRÓN GAITE, María Jesús. MORALEDA NIETO, Concepción. RODRÍGUEZ DE GRACIA, Hilário. (Org.). La enseñanza de la geografía ante las nuevas demandas sociales. Toledo, 2003. p. 197-207. BATLORI, Roger. La escala de análisis: un tema central en didáctica de la geografia. Iber 32, Barcelona, v. 8, p. 6-18, abr.-jun., 2002. CALLAI, Helena Copetti. A formação do profissional de Geografia. Ijuí: Editora Unijuí, 2003. ________. Outras leituras para o ensino de geografia. In: VERDUM, Roberto. 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Recebido para publicação dia 02 de Abril de 2007 Aceito para publicação dia 17 de Maio de 2007 90 LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO DE SABERES DOCENTES NO BRASIL PLACE AND URBAN CULTURE: A COMPARATIVE STUDY OF TEACHERS’ KNOWLEDGE IN BRAZIL LUGAR Y CULTURA URBANA: UN ESTUDIO COMPARATIVO DE LOS SABERES DOCENTES EN BRASIL HELENA COPETTI CALLAI [email protected] LANA DE SOUZA CAVALCANTI [email protected] SONIA MARIA VANZELLA CASTELLAR [email protected] Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa sobre Lugar e Cultura Urbana: os saberes dos professores de Geografia no Brasil, investigação de caráter interinstitucional que aborda o tema a partir de um estudo comparativo entre as cidades de Goiânia (GO), Ijuí (RS) e São Paulo (SP). O objetivo deste estudo é caracterizar e analisar as concepções dos professores a respeito da cidade e da sua cultura, considerando a possibilidade da cidade ser entendida em função da dinâmica do território. Os dados foram obtidos através de entrevistas, observações de aulas e questionários respondidos por professores de Geografia. Palavras-Chave: Saberes dos professores; Lugar; Cultura urbana; Educação geográfica. Abstract: This article is part of a research about Place and Urban Culture: the knowledge of Geography teachers in Brazil, an interinstitutional investigation which approaches the theme from the results of a comparative study focusing on the cities of Goiânia (GO), Ijuí (RS) and São Paulo (SP). The objective of this study is to outline and to analyze the teachers’ conceptions about the city and its culture, considering the possibility for the city to be understood from the dynamic of the territory. The data came from interviews, class observations and questionnaires answered by geography teachers. Keywords: Teachers’ knowledge; Place; Urban culture; Geographical education. Resumen: Este articulo es parte de una investigación interinstitucional, a respecto de “Lugar y Cultura Urbana: los saberes de los profesores de Geografía en Brasil”, tratando el tema desde un estudio comparativo entre la ciudad de Ijuí(RS), Goiania(GO) y São Paulo(SP). El objetivo del estudio es caracterizar y analizar las concepciones de los profesores a respecto de la ciudad y de su cultura, considerando la posibilidad de que la ciudad sea entendida en función de la dinamica de su territorio. Los datos resultan de entrevistas, observaciones y encuestas hechas a los profesores. Palabras clave: Saberes de los profesores; Lugar; Cultura urbana; Educación geográfica Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 91-108 Jan-Jun/2007 91 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... Esse artigo apresenta algumas análises a respeito de um estudo sobre os saberes docentes em relação ao conceito de cidade e o ensino de temas relacionados à cidade e ao lugar de vivência. A preocupação referente a essa questão advém das experiências das pesquisadoras, envolvidas com a área do ensino de Geografia, que tem evidenciado dificuldades de uma integração maior entre as teorias elaboradas no âmbito da pesquisa acadêmica e a prática realizada pelos professores dessa matéria de ensino. Trata-se de um estudo sobre saberes de professores de Geografia no Brasil que visa, pela comparação entre três cidades brasileiras –Ijuí-RS, Goiânia-GO e São PauloSP-1 , conhecer saberes e práticas docentes desses professores à respeito de sua cidade. Essas cidades têm suas especificidades, como todas e quaisquer outras, mas em sua dinâmica expressam um modo de vida e elementos da espacialidade que são comuns às cidades brasileiras e mundiais contemporâneas. Pressupostos para investigar o ensino de cidade Partimos do entendimento inicial de que é importante conhecer os professores de Geografia, seus saberes e sua percepção sobre o lugar em que vivem e onde vivem seus alunos, entendendo que esses professores são portadores de uma cultura que sintetiza sua experiência vivida no local e sua formação acadêmica e profissional. Ao centrar o estudo no conceito de cidade e referenciá-lo como lugar em que o professor vive e trabalha, assim como seus alunos, entendemos ser possível estabelecer as bases para a compreensão de aspectos significativos da realidade do ensino e aprendizagem de Geografia no Brasil. Nas últimas décadas, os geógrafos pesquisadores no campo do ensino e especificamente da metodologia do ensino de Geografia no Brasil têm procurado produzir teorias e práticas voltadas para as tarefas sociais que essa área profissional deve cumprir. Investiu-se bastante nesses anos em pesquisas sobre o ensino e a metodologia de ensino de Geografia. Foram feitos diagnósticos, colheram-se depoimentos, foram analisados materiais, elaboradas propostas. Nesse contexto as autoras deste artigo têm contribuído com trabalhos específicos sobre essa questão, predominantemente voltados às problemáticas da formação do professor e da metodologia do ensino de Geografia2 . Como resultante desse investimento é possível constatar a intensidade destas discussões e o interesse de professores da educação básica a respeito do assunto. U m a das recomendações que resultam dessas investigações é a de se considerar o cotidiano, o espaço vivido dos sujeitos do processo de ensino, como referência concreta para o encaminhamento da prática do ensino de Geografia. Isto posto, é fundamental entender as 1 A pesquisa realizada é coordenada na cidade de Ijuí, por Helena C. Callai, da Unijuí, em Goiânia, por Lana de S. Cavalcanti, da UFG e em São Paulo, por Sônia M. V. Castellar, da USP. 2 Dentre eles, podem-se destacar: Callai (2001, 2003a, 2003b); Castellar (1999, 2003, 2005), Cavalcanti (1998, 1999, 2001, 2002 a). 92 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 concepções do professor, como um dos sujeitos do ensino, sobre esse cotidiano, sobre esse espaço vivido e compreender como essas percepções podem e têm ajudado na formulação das suas propostas de ensino. Para compreender o lugar de vivência e a relação que o professor estabelece com ele, tomou-se como foco a cidade. A cidade é aqui considerada como tema do ensino porque, em primeiro lugar, é a referência básica para a vida cotidiana da maior parte das pessoas. Ela é local de moradia de um grande contingente populacional; nela se produz e se decide a produção de uma grande parte de mercadorias e de serviços; nela circulam pessoas e bens; nela, também, se produz um modo de vida (LEFEBVRE, 1991; CARLOS, 1992). Todo esse movimento mostra que na cidade estão materializadas, por um lado, a dinâmica do capital e, por outro, a dinâmica da sociedade; ambas se expressam contraditoriamente na prática cotidiana dos cidadãos. A cidade é uma expressão da complexidade e da diversidade da experiência dos diferentes grupos que a habitam. Seu arranjo vai sendo produzido para que cada habitante possa viver o cotidiano, compartilhando desejos, necessidades, problemas com os outros habitantes. Ela é, nesse sentido, espaço da vida coletiva, espaço público. Para viabilizar essa vida coletiva, seus gestores contam com vários agentes educativos (órgãos de planejamento, agências de segurança, de trânsito e ambientais, escolas, ONGs). Mas, a cidade é, em si mesma, um espaço educativo. A cidade é educadora: ela educa, ela forma valores, comportamentos, ela informa com seu arranjo espacial, com seus sinais, com suas imagens, com sua escrita (BERNET, 1987). Ela também é um conteúdo a ser apreendido por seus habitantes. É no exercício da cidadania, e no espaço cotidiano da cidade, que seus habitantes podem se reconhecer como agentes possuidores de direitos e deveres nesse processo de produção. Dessa discussão teórica, surgiram questões mais específicas para a pesquisa realizada e apresentada nesse artigo: em que medida os cidadãos têm tido nas cidades brasileiras o direito de viver, de circular por suas cidades e seus lugares, de consumir seus lugares e de consumir nesses lugares? Em que medida os jovens cidadãos têm tido conhecimento de sua cidade, de seus problemas, de seus projetos, e de suas possibilidades? Até que ponto a escola, por meio do ensino de Geografia, tem contribuído para que esse conhecimento ocorra, trabalhando sistematicamente com o tema da cidade, por meio de veiculação de conteúdos das cidades onde vivem seus alunos e das cidades brasileiras em geral; da promoção de atividades que propiciem o contato mais direto dos alunos com lugares da cidade? Pode-se discutir estas questões na perspectiva de que representem a alternativa a um desenvolvimento pleno da cidadania sem, no entanto, deixar de considerar que vivemos num mundo que é extremamente contraditório. Mesmo em um lugar cheio de semelhanças, com as marcas de identidade explicitadas, não é raro encontrar grupos com interesses diversos. E aquilo que parecia homogêneo se mostra bem diferenciado, exigindo atenção para com a diversidade, porque estão mascaradas as diferenças. Cada lugar pode ter 93 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... marcadamente uma ou outra característica comum, mas é importante destacar as singularidades. Reconhecer que existem potencialidades no lugar e que as pessoas tem capacidades, muitas vezes para além do que lhes é exigido e até permitido, já é um passo na busca de construção de um lugar solidário para a vida de todos que ali vivem. Mas, acima de tudo, é muito importante ter a compreensão do que está acontecendo, seja no lugar, seja no mundo. Essa busca gera necessariamente um processo de aprendizagem, com significado, para cada um e para o conjunto da sociedade. E nestas análises consideramos que este lugar é a cidade. A cidade em que cada um vive, onde esta localizada a escola, onde as pessoas e o capital circulam, na qual se constrói a idéia de urbanidade. O foco no lugar e na cidade remete à escala social de análise que, ao ser considerada, relativiza as verdades e as ações das pessoas, no sentido de compreender as nuances contraditórias da realidade em que vivemos. Um estudo sobre o que é esse lugar e qual a “força do lugar” (SANTOS, 1996) pode ser um desafio, também, para professores e estudantes. É desafiador porque pensar o lugar de vivência, ou a cidade, implica compreender o sentido de identidade e de pertencimento, considerando, portanto, o fenômeno urbano em escala local. O lugar é o território apropriado, que demonstra em si, através de rugosidades, a história das vidas que ali foram e estão sendo vividas. Dessa forma, o lugar é o resultado das relações, das histórias em diferentes tempos, porém gera necessidades, exige definições, impõe limites e apresenta possibilidades. Não se trata de determinismos físicos ou naturais, como por muito tempo se considerou na base das civilizações, mas do reconhecimento de que o lugar adquire um poder, que é político e que pode dar os contornos para a ação humana. Então, todos são responsáveis pela construção e são capazes de deixar suas marcas nos espaços vividos. Nessa linha de raciocínio, a escola apresenta uma grande capacidade para enfrentar o desafio de compreender o lugar, tanto do ponto de vista da produção e organização espacial quanto das mobilizações dos grupos sociais. A escola e a cidade educadora: uma abordagem da pesquisa Entendemos que a escola é uma das instâncias da formação da cidadania e a partir dela pode-se estabelecer, por meio do ensino da Geografia, a discussão sobre se a cidade educa e se os estudantes e os demais moradores cuidam da cidade, no seu entorno doméstico, nos seus locais de convívio. E também, da mesma forma, se a cidade acolhe os cidadãos e se estes a respeitam ao interferirem na sua produção do espaço urbano. A nossa intenção, portanto, ao fazer este estudo foi a de apreendermos elementos da cultura urbana de professores de Geografia a partir de sua vivência em espaços urbanos diferentes, no entendimento de que o professor é agente do processo de ensino e 94 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 aprendizagem, portador de uma cultura que lhe permitiu conhecer e analisar espaços urbanos numa perspectiva de totalidade. A análise de elementos da cultura urbana dos professores de Geografia contribui para uma melhor compreensão dos processos didáticos que ocorrem no espaço escolar, que é síntese de culturas e que deve ser assim considerado, subsidiando nesse sentido a reflexão sobre caminhos de formação inicial e continuada de professores. Entendemos que o professor deve ter, em sua formação inicial, um grau de discussão teórica que lhe permita compreender as categorias geográficas e as formas como ocorrem a apropriação dos conceitos e a aprendizagem do aluno. Caso contrário, a formação inicial já começa debilitada, pois, caso o professor não tenha clareza sobre a dimensão dos seus saberes, não conceba a construção de conceitos e a aprendizagem significativa como determinantes no processo, como fazê-lo romper com a prática tradicional? E como se farão as mudanças no ensino de Geografia? Nesse sentido, ao verificar dados e informações de professores dessas três cidades, foi possível constatar como são tratados temas específicos da Geografia, que se caracterizam como questões significativas para o estudo da cidade e dos problemas urbanos no mundo atual. Essa pesquisa permitiu, também, analisar a situação de aprendizagem e a compreensão que os professores têm dos conceitos geográficos e cartográficos. Consideramos que os conteúdos da Geografia escolar deveriam ser trabalhados na perspectiva das mudanças conceituais – dos conceitos de senso comum para conceitos científicos -, levando o professor a mediar o processo do aluno de passar de um estado de menor conhecimento para um estado de maior conhecimento. Para que o professor possa repensar sua prática - e fazer mudanças concretas - com esse propósito é preciso descobrir outros padrões de aprendizagem, a partir de uma rede de significados. No entanto, não há fórmulas prontas e acabadas; existem, sim, possibilidades de se ter êxitos saindo do imobilismo, atuando na perspectiva de utilizar estratégias diversificadas ao abordar conteúdos na busca de novas situações de aprendizagem. Durante a pesquisa nos deparamos com duas questões que estão interligadas: uma é a construção conceitual das crianças sobre as cidades em que vivem; a outra é como o professor desenvolve o seu trabalho e como ocorre o seu processo de construção conceitual para que possa orientar seus alunos. A partir dessas questões buscamos analisar, através de entrevistas, o perfil de professores de Geografia em relação aos aspectos da sua formação, das condições de trabalho e de seus saberes e práticas relacionadas ao tema da cidade. A análise de dados coletados será apresentada sinteticamente nos tópicos seguintes do texto3 . Os professores de Geografia e o ensino de cidade 3 Os relatórios das pesquisas de cada cidade, com a metodologia descrita e a apresentação de todos os dados levantados estão disponíveis nos laboratórios das Instituições a que pertencem cada uma das investigadoras. 95 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... No contexto da pesquisa realizada nas três cidades brasileiras, dentre as várias questões investigadas destacamos aqueles aspectos que consideramos pertinentes para exposição nesse artigo. Também julgamos significativo demonstrar esses aspectos a partir das singularidades que conseguimos captar em cada grupo de professores, em cada uma das cidades. A – O caso de Ijuí-RS No contexto de entrevistas, os professores responderam como entendem a cidade. Suas respostas podem ser agrupadas em três segmentos: 1º. Aquele que trata das questões físicas do espaço e considera a cidade como um lugar onde se apresentam aspectos materiais, na maioria das vezes aparentes, que demarcam o urbano. Foram citadas idéias como: meio urbano; centro urbano; a zona urbana do município; o local onde situam-se o centro e os bairros; zona urbana de um município; o espaço delimitado pelos limites urbanos; sede do município, onde estão as atividades essencialmente urbanas; um espaço urbanizado com características próprias; um aglomerado de edifícios, moradias, etc. 2º. Aquele que entende a cidade como um lugar fisicamente delimitado que acolhe uma população com atividade econômica diferenciada. Foram citados elementos como: o meio urbano é o espaço constituído pela cidade, que se dedica às atividades secundarias e terciárias; é um aglomerado físico onde se encontram serviços, onde se manifesta a vida das pessoas; uma área densamente povoada onde se concentram os principais serviços e produtos necessários à sobrevivência da população. 3º. Aquele que incorpora em suas respostas a noção de poder e das relações sócioespaciais. Alguns elementos foram citados, como: local urbano de relações de produção; centro de relações de pessoas de outras áreas, em busca de bens e de serviços, comercialização e muitas outras atividades. Numa questão da entrevista que refere a como ensinam geografia urbana e quais são seus objetivos ao ensinar, pode-se considerar quatro grupos de respostas: Grupo 1 – as respostas estão centradas na questão do estudo do lugar, do meio em que vivem os estudantes, indicando, no entanto, que os estudos são realizados de forma linear e descritiva. Algumas referências dadas à postura de entendimento da realidade em que vivem permitem pensar que, ao nível da intenção, está presente uma postura de engajamento nos problemas da vida cotidiana. Algumas respostas foram: conhecer o meio ambiente, o lugar onde mora; relacionar os temas abordados à realidade cotidiana; desenvolver uma postura ativa e comprometida com a busca de soluções; conhecer, analisar, interpretar, relacionar o teu comportamento com o espaço coletivo. Grupo 2 – nesse grupo pode-se constatar a intenção de se dar ênfase à cidadania, sugerindo o posicionamento do aluno como sujeito que produz o seu espaço e que tem um 96 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 papel a realizar na sociedade em que vive. Foram citadas: que o educando perceba-se como membro integrante e agente das transformações; sensibilizar o aluno ao olhar geográfico, ou seja, ao olhar critico para ações que levem à construção de um espaço público justo e com qualidade de vida; que o aluno consiga perceber a importância da cidade para o cidadão se constituir verdadeiramente participante buscando a qualidade de vida e interagindo “nesse espaço urbano”. Grupo 3 – as respostas nos remetem ao enfoque metodológico, por considerarem a escala de análise, a diferenciação dos espaços geográficos, a dimensão de espaço e tempo, e a interligação das ações humanas com a produção do espaço. Foram citadas: que o aluno consiga fazer associações do espaço em que vive e o mundo que o cerca; é compreender o espaço, como as pessoas se relacionam nesse espaço, as suas necessidades, desejos, etc. - que o aluno tenha a capacidade de observar, analisar, interpretar e criticar a realidade. Grupo 4 – refere-se às questões especificamente do conteúdo da Geografia urbana, com poucas citações. São professores que demonstram entender que a questão urbana vai além do estudo da cidade local, onde vivem os alunos. Foram citados: que os alunos saibam pelo menos diferenciar urbano do rural; compreender a dinâmica das cidades, identificar as características do processo de utilização e entender que esse envolve modificações sociais, econômicas e territoriais. Noutra questão ao serem perguntados sobre o que consideram ser os principais problemas urbanos em Ijuí, apontam as questões de: - Desemprego: a falta de indústrias para criar empregos; os migrantes vêm buscar emprego e caem na marginalidade; os altos índices de pobreza e a conseqüência dessa situação gerando violência e roubos. Da mesma forma, são identificados os problemas decorrentes de um crescimento urbano desorganizado; as periferias desorganizadas e a falta de creches. - Segurança pública: problema que se faz presente de modo muito acentuado em todos os lugares. Como primeira referência nesse conjunto é apresentada a falta de um quadro de efetivos de policiais mais amplos, a violência pessoal, a violência no trânsito, o roubo e o assalto. - A questão habitacional: habitação, especulação imobiliária, moradia, descuido com as ruas nos bairros, que pode ser interligada com a estrutura arquitetônica, e aliada ao problema da consciência dos usuários, da falta de conscientização com os problemas. - Aspectos ambientais que se caracterizam pelo saneamento: falta de tratamento de esgoto, saneamento básico reduzido ou inexistente em bairros menos favorecidos, falta de uma estação de tratamento de esgoto, falta de rede de esgoto; em relação ao lixo: a falta de reciclagem e a coleta seletiva; já a poluição ambiental envolve a poluição sonora e a visual. - Trânsito: o problema do congestionamento; aspectos de transporte na área urbana, com carga e descarga que é prejudicial ao ambiente; transporte urbano precário, agregado às ruas com má sinalização, com falta de iluminação pública, falta de cuidados na manutenção das vias públicas. Como se observa nesse elenco de problemas urbanos apresentados pelos professores 97 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... os temas recorrentes são as problemáticas que têm como conseqüência a ausência do poder público na organização do espaço urbano, atribuindo aos gestores toda a responsabilidade. Pode-se talvez constatar a dissonância com a postura de desenvolver a cidadania expressa noutros momentos, em que conclama aos sujeitos serem agentes efetivos na produção do espaço. B - O caso de Goiânia-Go A respeito de saberes geográficos, investigou-se, junto aos professores, suas concepções sobre lugar e cidade. Quanto ao conceito de lugar, 21,6% o compreendem como uma parte determinada do espaço terrestre, com definições como: “porção do espaço terrestre conhecida por um nome”, “qualquer espaço que ocupamos é um lugar”, ou com definições que destacam aspectos mais subjetivos para se referir ao conceito: “é o referencial espacial da intimidade das emoções”, “espaço especial carregado de valores”. Mas, um componente mais subjetivo nas definições de lugar aparece mais explicitamente em 27,5% das respostas, que indicam o conceito de lugar como espaço vivido, com definições que expressam a compreensão de que lugar é um local de vivência das pessoas: “é o espaço onde o indivíduo vive”; “é uma porção do espaço que você conhece e tem algum contato”. Um outro grupo de respostas (21,6%) traz definições mais genéricas, ora apontando para uma compreensão de lugar como associado à afetividade, à identidade, à produção de cultura, a um modo de vida; ora ao específico, à escala, ao tamanho. Pela variedade de respostas, pode-se inferir que há uma associação bastante forte de lugar com o vivido localmente pelas pessoas, ficando menos perceptível a compreensão de suas relações contraditórias e das determinações desse local com processos e fenômenos definidos e vividos globalmente. Quanto ao conceito de cidade, a maioria dos professores (53%) apresentou definições que fazem referência à paisagem, ou seja, privilegiando a forma e a disposição dos objetos, as pessoas e seus movimentos: “concentração de pessoas, habitações”,“é um aglomerado de pessoas, onde existe uma organização política e também é munido de infra-estruturas”. Em outro grupo (15,5%), a cidade foi definida pelas relações que são nela e com ela estabelecidas: “é o espaço criado e recriado em que o ser humano desenvolve suas atividades”, “palco de atividades relacionadas à indústria, moradia, lazer, comércio, enfim, atividades que se referem ao urbano”. Foi possível detectar ainda um outro grupo (8%) com definições que apresentam elementos, simultaneamente, dos dois tipos anteriores: “é um espaço onde há um aglomerado de pessoas procurando vários tipos de serviço, é onde as atividades econômicas estão aglomeradas”. Um quarto grupo (8%) apresenta uma definição da cidade como palco de contradições, onde há um confronto entre o capital e a cidade: “espaço construído pelos cidadãos, porém de controle e dominação do capital”; “é o lugar do conflito, da manifestação das contradições, etc”. Pelos dados obtidos percebe-se que predomina um conceito de cidade ligado à sua 98 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 expressão formal, à sua paisagem, ou às atividades que nela se realizam. Além disso, percebe-se que, ainda que alguns professores levantem aspectos mais estruturais da dinâmica da cidade, os elementos contraditórios, as determinações mais globais, e mais estruturais da sociedade ainda são pouco presentes nas definições dos professores. Sobre o espaço urbano de Goiânia é possível perceber a coincidência de alguns elementos de análise, que foram interpretados como sociais, ambientais e de planejamento/ crescimento urbano. Quanto ao primeiro aspecto, muito presente nos depoimentos, os professores o destacam para análises positivas do espaço, como: espaço sem exagero de conflito ou para análises negativas, como: é um espaço cheio de contrastes, de muitos problemas ambientais e sociais. Em relação aos problemas ambientais, predominam as respostas em que os professores apontam elementos negativos, como: precisa ser revitalizado. Por causa de problemas ambientais. O maior número de respostas faz referência ao tema do crescimento urbano desordenado e do planejamento, ou falta de planejamento, com argumentos como: crescimento desordenado associado principalmente à ação política, uma cidade planejada. Urbanizada, arborizada, o espaço urbano da cidade não foi todo planejado, houve um crescimento muito rápido sem as devidas infra-estruturas como saneamento básico, segurança, saúde e educação. Percebe-se que, diferentemente das respostas quanto ao conceito de cidade, aqui os professores destacam, um pouco mais, aspectos mais estruturais para fazer análise de um espaço específico, que é Goiânia, ainda que expressando uma idéia de que os problemas vivenciados pela sociedade, neste espaço urbano, têm sua raiz na falta de planejamento, e, sendo assim, sua solução é de ordem técnica. Sobre os principais problemas urbanos de Goiânia, a conclusão é que entre os principais estão: transporte e trânsito; problemas ambientais e habitação. O destaque aos problemas de transporte e trânsito permite inferir que, para os professores, o deslocamento cotidiano no espaço intraurbano constitui-se como um fator de extrema importância ao se analisar uma cidade, e os dados parecem revelar que atualmente este é o problema “número um” quando se fala em cidade de Goiânia, e que, infere-se, trata-se de um serviço que os gestores não têm oferecido satisfatoriamente. Sabe-se que esse é um problema a ser ressaltado na maior parte das metrópoles e nas grandes cidades brasileiras, porém a freqüência com que ele aparece aqui evidencia sua importância para o caso de Goiânia. Pelo que foi evidenciado anteriormente, sobre os dados coletados quanto ao espaço urbano de Goiânia, pode-se dizer que os saberes dos professores vão ao encontro do que a pesquisa científica tem mostrado: como um espaço planejado, mas que sofreu um crescimento urbano intenso, desordenado, o que acarretou muito dos problemas que nele são vivenciados, entre os quais o das desigualdades sociais, o da segregação socioespacial. Portanto, os elementos que foram levantados pelos professores parecem, até o momento, bastante pertinentes e importantes para a análise do urbano em Goiânia, ainda que requeiram aprofundamento para tornarem-se instrumentos relevantes para os alunos, para o 99 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... desenvolvimento de seu pensamento espacial, para o exercício de sua cidadania. C- O caso de São Paulo-SP Analisando as respostas dos professores em relação ao que pensam sobre os conceitos de lugar, de cidade e quais são os principais problemas urbanos obtivemos respostas com ênfase na cultura de senso comum. Quando os professores afirmam nos questionários qual a concepção de lugar, a maioria faz comentário como, por exemplo: onde cada indivíduo ocupa; qualquer espaço da superfície; envolve relações sociais; algo que está próximo. Essas respostas indicam que o conceito, ou seja, a idéia formada se fundamenta em informações cotidianas e não em bases teórico-metodológicas. Esses dados nos permitem inferir que há falta de análise teórica em relação ao que vem a ser o conceito de lugar para eles. Na análise dos questionários observamos que o padrão das respostas considera alguns aspectos estruturais quanto ao conceito de cidade, para eles o conceito de cidade é: “cidade é um lugar urbanizado; onde encontramos recursos; local das atividades; transformado de forma que tem problemas urbanos; onde moro..”. Essas são algumas respostas que também evidenciam um senso comum, linearidade e superficialidade, ou seja, demonstram falta de fundamentação teórica para explicar o que é conceitualmente cidade. Ao tratarmos dos problemas urbanos os professores destacaram os aspectos negativos em relação à cidade, que ficaram claros nos conteúdo das respostas, nas quais foi possível perceber a contradição de algumas delas em torno dos destaques dados aos fenômenos urbanos interpretados como sócio-ambientais e de falta planejamento urbano. Os professores destacaram em suas análises sobre o espaço urbano de São Paulo questões como: “é uma cidade com muita violência, com problemas ambientais e sociais”, “que tem falta de saneamento básico e infra-estrutura”; “com desigualdade social”; “com enchentes e problemas de trânsito”; “falta de moradia e mal planejada”. Em relação aos problemas ambientais, predominam as respostas em que os professores apontam elementos negativos, como: “poluição atmosférica, enchentes e falta de vegetação”; “grande fluxo de pessoas, veículos, um pouco desordenada”. O maior número de respostas faz referência ao tema do crescimento urbano desordenado e falta de planejamento, com argumentos como: “crescimento desordenado associado principalmente à ação política”; “crescimento muito rápido sem as devidas infra-estruturas, como saneamento básico, segurança, saúde e educação”. Não houve nenhuma resposta que abordasse aspectos positivos em relação à cidade. É importante destacar que para além dos problemas urbanos, em sala de aula, devemos tratar as questões urbanas também do ponto de vista teórico-metodológico, ou seja, separar as concepções de cidadãos das concepções teóricas do professor de geografia. Isso significa ter clareza dos conceitos geográficos. A observação dos dados permite concluir que alguns problemas urbanos tais como transporte, problemas ambientais e falta de habitação são os que se destacam nas respostas do grupo de professores. No entanto, a associação dos problemas trânsito e transporte, 100 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 que somados permitem inferir que, para os professores, o deslocamento cotidiano no espaço intraurbano constitui-se em fator de extrema importância ao se analisar uma cidade, e os dados parecem revelar que atualmente este é o problema sério para quem vive no município de São Paulo, é um serviço que a administração pública não dá conta de resolver satisfatoriamente. Sabe-se que esse é um problema a ser ressaltado na maior parte das metrópoles e nas cidades brasileiras de porte médio, porém, a freqüência com que ele aparece aqui evidencia um destaque para essa questão em São Paulo. Além do mais, esse destaque ainda é maior quando se observa que os problemas ambientais que foram agrupados nos remetem as questões diversas, como: a poluição das águas, a poluição sonora, o lixo, a poluição dos mananciais, a impermeabilização do solo, a ocupação de áreas de risco, as ilhas de calor nos centos urbanos, a falta de equipamentos de saúde e de lazer também aparece dentre os problemas urbanos. O que se constata é que os saberes dos professores ainda estão fundamentados em aspectos genéricos em relação à compreensão conceitual, levando em consideração apenas informações empíricas do cotidiano, mas sem uma análise mais articulada entre os fenômenos urbanos e as discussões teóricas Leva-se em consideração que a falta de planejamento é o problema, que houve um crescimento urbano intenso, desordenado, gerando inúmeros problemas vivenciados pela população. Aspectos como desigualdades sociais, segregação socioespacial, exclusão cultural em função da falta de políticas públicas, não foram citados por nenhum dos entrevistados. Nesse sentido, apesar de que os elementos citados pelos professores sejam pertinentes e importantes para a análise do urbano em São Paulo, e que possam tornar-se instrumentos relevantes para os alunos, ainda são superficiais, pois não há articulação entre o embasamento teórico e os fenômenos do cotidiano, para que se estimule, entre outras habilidades, o desenvolvimento do pensamento espacial. Dificuldades reconhecidas pelos professores de Geografia para trabalhar com temas da cidade Um dos problemas destacados pelos professores, em relação ao trabalho docente com o tema da cidade, é a falta de material ou de acesso a materiais específicos sobre as cidades. No entanto, é preciso alertar para o fato de que o material pode ser construído a partir dos dados da realidade vivenciada por eles mesmos. Considerar, pois, a própria realidade cotidiana como um laboratório, a partir do qual se articula a outras escalas de análise, é um desafio constante nas ações de formação docente. Pode-se, então, utilizar conceitos que permitam encaminhar o estudo desta realidade de modo a não permanecer na descrição de paisagens e/ou situações, realizando análises mais contextualizadas do mundo globalizado. Nas respostas dos professores de Ijuí sobre que materiais utilizam para preparar 101 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... suas aulas de Geografia urbana está expressa a interpretação anterior, que o estudo do urbano e da cidade é para eles apenas o estudo do lugar. Nas respostas destacamos às possibilidades locais, seja de material, de estudos de campo, de entrevistas com pessoas, de visitas, conforme indicam as citações a seguir: documentos, visitas ao museu, viagens de estudo, visitas a bairros, museus, área rural, pesquisa em material bibliográfico do município, pesquisa bibliográfica em geral, estudo da realidade dos alunos, pesquisa sobre a cidade, olhar a paisagem local, descrever paisagens, meios de comunicação escrita e falada, urbanistas e Lei Orgânica. No caso dos professores de Goiânia, os dados revelam que a grande dificuldade de acesso a materiais de investigação geográfica sobre essa cidade é um dos grandes obstáculos a um trabalho docente mais consistente com essa temática. Com efeito, os dados evidenciam uma incipiente relação entre Escolas e Universidade, particularmente no âmbito do IESA/ UFG. Segundo afirmaram em entrevista, eles, apesar de trabalharem o tema cidade em suas aulas e de fazerem leituras sobre a cidade de Goiânia, não têm como fonte dessas leituras os estudos realizados pelas instituições de ensino superior. Já em São Paulo também há dificuldade em se ter acesso a materiais produzidos pelas instituições públicas e privadas. Uma reclamação por parte dos professores é que por falta de divulgação ou acesso acabam desconhecendo os livros, os documentos e os mapas produzidos sobre a cidade. As respostas dadas pelos professores das três cidades são próximas em relação ao que gostariam de ter acesso; muitos afirmaram a importância de se ter diferentes tipos de mapas, outros disseram que sentem necessidade de acesso aos dados pesquisados pelo IBGE e outros órgãos regionais. Além das dificuldades apresentadas, merece ainda destaque a questão do livro didático e do seu uso pelo professor. Segundo declararam em entrevistas, os professores entendem que os livros abordam problemas urbanos como a degradação ambiental/poluição, transporte/trânsito, segurança/violência, que são para a maioria deles problemas relevantes nas grandes cidades brasileiras. No entanto, muitos depoimentos sobre o conteúdo e o modo como utilizam o livro didático destacam o fato de que a realidade urbana analisada no livro tem como referência básica as grandes metrópoles brasileiras, principalmente da Região Sudeste, e não cidades como Goiânia, e que, assim, eles necessitam “adaptar” os temas tratados à realidade do aluno. Ressalta-se a mesma constatação de parte dos professores de Ijuí, em relação ao ensino da cidade, em que precisam trabalhar com informações “da cidade grande”, o que é agravado quando se percebe que existem muitas cidades pequenas e medias, no território brasileiro. A inexistência de material didático para o estudo da cidade tem sido, portanto, salientado como motivador das dificuldades que existem para tratar do assunto. Na realidade é pequena a produção existente em todos os lugares, especialmente pelo fato de não ser economicamente rentável produzir um livro que terá uma venda restrita no caso, por exemplo, de cidades pequenas e mesmo de cidades médias. 102 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 Reafirmação da relevância do ensino da cidade Os dados levantados na pesquisa revelam dificuldades para um trabalho efetivo com a temática da cidade no ensino de Geografia em escolas da rede pública. Mas, eles também indicam caminhos para a superação dessas dificuldades. É possível destacar, por exemplo, dois aspectos, com o intuito de reafirmar a pertinência de investimentos da pesquisa nesta linha. O primeiro deles está relacionado à abertura dos professores de Geografia para trabalharem com temas da cidade, por entenderem sua complexidade e por considerarem que ela faz parte do mundo vivido pelos alunos e por eles próprios. O segundo diz respeito à necessidade de estreitamento das relações entre Universidade e escolas de ensino básico, ou mais especificamente, entre Cursos de Geografia e práticas de ensino de Geografia no ensino básico, particularmente quanto ao conhecimento e ao debate sobre temas urbanos. O primeiro aspecto está ligado aos saberes docentes sobre a temática estudada, o que aqui está sendo tomado como elemento da cultura urbana4 . Os depoimentos e as práticas dos professores sujeitos da pesquisa revelam sua consciência de que é preciso trabalhar com a realidade do aluno, com o mundo cotidiano do qual ele participa e de que as cidades estudadas são espaços urbanos em constante e acelerada expansão, que apresentam problemas de ordenamento territorial, muitas vezes atribuído à falta de planejamento. Essas questões colocam responsabilidades para os formadores de professores de Geografia, em cursos de formação inicial e continuada, de propiciar oportunidades ao professor de discutir aspectos relevantes do espaço urbano e de conhecer fatos e fenômenos da dinâmica do espaço intra-urbano das cidades na atualidade e em seu processo histórico. Quanto ao segundo aspecto, é preciso destacar que as investigações geográficas, no âmbito da academia, têm evidenciado, nas cidades estudadas, como partes de um país da América Latina, em seu contexto de extrema desigualdade social e elevada concentração de renda, ambos aspectos expressos em seu arranjo espacial interno. Como processos correlatos a esse contexto ocorrem: um processo de expansão intensa e rápida de sua malha urbana, acarretando em contrastes na paisagem entre áreas valorizadas e áreas pobres; uma verticalização intensa; uma fragmentação do território; uma devastação ambiental aliada a um comprometimento da qualidade de vida na cidade. O estudo das três cidades se colocado em uma escala global estão inseridas em um mundo capitalista, cujo modelo do capital destaca a flexibilidade e a tecnificação no processo produtivo, portanto há problemas que são os mesmos em proporções menores ou maiores e que 4 Entende-se cultura como uma teia de significados tecida pelo homem. Seu estudo significa compreender como esses significados são produzidos, percebidos e interpretados, e como eles atuam no processo de identificação do homem com seu grupo social e com o seu ambiente. Esse conceito está em íntima relação com o de identidade do sujeito, entendendo esta identidade como aberta, provisória, histórica, contraditória (GEERTZ, 1989 e HALL, 1997). 103 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... podem ser conectadas a uma rede global. Essa realidade coloca Ijuí, Goiânia e São Paulo, inseridas, como afirmam Blanco e Gurevich (2002), em redes de relações funcionais, em múltiplas escalas de análises. Por outro lado, mas em profunda articulação com os aspectos abordados anteriormente, as pesquisas acadêmicas têm também revelado essas cidades em seus elementos “imateriais” (BLANCO e GUREVICH, 2002), um conjunto variado de símbolos, representações, idéias, tecnologias. Abordando os agentes da produção cotidiana desses espaços - sujeitos locais e globais, sujeitos que tem participação efetiva na gestão, na economia, mas também sujeitos que vivem cotidianamente a cidade, a consomem, a produzem – os estudos evidenciam aspectos culturais, maneiras pelas quais as pessoas (inclusive professores e alunos de Geografia) entendem seu ambiente e suas ações nesse ambiente, quais as percepções que tem do mesmo, como o simbolizam, que significados dão a eles. Todos esses são elementos destacados na investigação geográfica e tomados como importantes na composição dos saberes docentes sobre a cidade, são necessários, portanto, para compor a Geografia urbana escolar. Trata-se de ter como referência a cidade, articulando algumas áreas do conhecimento, ampliando sua compreensão pelo aluno. E destacar, no currículo de Geografia, a cidade e a cultura urbana como tema de projeto educativo significa compreender a sua função, a sua gênese e o processo histórico no qual foi produzida, como conteúdo formativo e ao mesmo tempo como um método de análise dos fenômenos e das relações que os estruturam. Fazer da cidade um objeto de educação geográfica busca, portanto, superar a superficialidade conceitual e estabelecer uma relação mais eficaz entre o saber formal e o informal sobre a espacialidade cotidiana. Desse modo, os alunos podem descobrir que a cidade é mais do que uma decodificação das informações que ela revela na sua aparência. A cidade passa a ser entendida pela dinâmica do território, o que requer o uso de escalas de análise que estabelecem o nível de interpretação do que se investiga e das escalas cartográficas para se localizar nos mapas os fenômenos geográficos. Ao se estudar as cidades observam-se as áreas comerciais, o centro histórico, as áreas residenciais, as formas de ocupação regular e irregular, constatam-se a exclusão social expressa e materializada na exclusão geográfica. Desse modo, ao investigar o espaço o aluno pode compreender o valor da cidade, estabelecer sentido ao lugar de vivência e ao sítio a partir de relatos ou histórias dos moradores, pode ainda, caracterizar a paisagem observando a complexidade dos elementos locais, incluindo as culturas locais e singulares, contextualizadas em diferentes perspectivas: econômicas, sociais, ambientais e culturais. Essa compreensão da cidade e do espaço urbano permite a construção de um eixo temático de análise: cidade e cultura. Nesse caso destaca-se o eixo aprender a cidade que significa aprender que ela não é estática, mas dinâmica, para a qual fluem, por exemplo, informações e cultura. Nessa perspectiva torna-se relevante compreender a cidade como um lugar que abriga, produz e reproduz culturas, como modo de vida materializado 104 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 cotidianamente. Também se destaca aprender com a cidade, que significa facilitar e socializar o processo de aprendizagem com o recurso da cidade, porque os alunos poderão articular os conceitos científicos em redes de significados, e em diferentes áreas de conhecimento escolar. Desse modo os alunos poderão elaborar roteiros a partir da observação do cotidiano, fazer leituras de cartas e mapas, além de organizar instrumentos de pesquisas para descobrir, ampliar seus conhecimentos e analisar as várias cidades e itinerários que existem em uma cidade. Nesse sentido, cabe perguntar: como criar um pensamento pedagógico que torne a cidade o fenômeno e o local onde se materializa a educação geográfica? Nesse contexto, Bernet (1993) corrobora com essa análise ao afirmar: La escuela-ciudad constituye también una estrategia pedagógica de tipo propedéutico para formar al ciudadano adulto. Así, Piaget, comentando favorablemente el self-government, escribía: ‘Más que imponerse a los niños um estudio completamente verbal de las instituciones de su país y de sus deberes ciudadanos, está efetivamente muy indicado aprovechar los tanteos del nino en la constitución de la ciudad escolar para informale sobre el mecanismo de la ciudad adulta’ (BERNET, 1993, p. 194). Compreender a cidade nessa dimensão pedagógica é reconhecê-la como um meio em que a escola está inserida; a cidade não terá o papel de substituir a escola na formação educativa do aluno, ela é o objeto de estudo que dinamizará a prática docente e tornará a Geografia mais significativa. A Geografia escolar, portanto, contribui, desse modo, para que os alunos reconheçam a ação social e cultural de diferentes lugares. A vida em sociedade é dinâmica e o espaço geográfico expressa as diferentes contradições, como as que ocorrem em relação aos ritmos estabelecidos pelas inovações no campo da informação e da técnica e as alterações no comportamento e na cultura da população dos diferentes lugares. Além disso, devemos considerar a dimensão temporal na cidade: observam-se diversos elementos em que o tempo pode ser percebido, tanto no que se refere ao cotidiano quanto na natureza, pois o modelado do relevo, as avenidas e ruas, as indústrias e os campos, por exemplo, revelam em suas formas, simultaneamente, o passado e o presente. Todas as dimensões presentes na cidade resultam do processo de produção e de organização do espaço geográfico, analisado a partir das relações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais. No eespaço geográfico encontramos objetos técnicos, transformados ou não; nele há relações simbólicas e afetivas, que revelam as tradições e os costumes. Nesse contexto, ao observar os elementos que compõem o espaço vivido, o aluno perceberá a dinâmica das relações sociais presentes na organização e produção desse espaço, bem como o significado do processo de construção de sua identidade individual e coletiva. Nesse sentido, o estudo da Geografia auxilia na formação do conceito de identidade, expresso de diferentes formas: na consciência de que somos sujeitos da história; nas relações com lugares vividos (incluindo as relações de produção); nos costumes que 105 CALLAI, H. C. ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... resgatam a nossa memória social; na identificação e comparação entre valores e períodos que explicam a nossa identidade cultural. Dessa forma, o olhar geográfico do aluno pode ser estimulado ao comparar diferentes lugares e escalas de análises, possibilitando superar a falsa dicotomia existente entre o local e o global, superando o senso comum na ordenação concêntrica dos conteúdos geográficos, que acaba gerando um discurso descritivo do espaço geográfico. Nesse caso, destacamos a importância de se estabelecer relações entre essas escalas, criando condições para que o aluno ordene os espaços estudados, comparando os fenômenos geográficos, ampliando a idéia de escala. Essa idéia se reforça, com as assertivas de alguns autores, como Callai (2003) e Batllori (2002, p. 11), que chamam a atenção sobre a importância de se eleger uma escala de análise e em seguida outra, para que o aluno consiga explicar o processo de generalização dos elementos e fenômenos de uma área, porque em função da escala pode-se perder a noção de conjunto ou de detalhes do que está se estudando. A interpretação dos fenômenos geográficos ganha significado quando o aluno entende a diversidade da maneira como se dá a organização dos lugares, quando compreende o conceito de território. Por isso reafirmamos que a leitura de mapas e a elaboração de mapas cognitivos são imprescindíveis para a compreensão do discurso geográfico. Destacamos, ainda, que não se trata de ensinar a cidade de modo tradicional, apenas definindo lugar e sociedade local. É preciso ter em conta todos os aspectos que estabelecem a organização da cidade, as relações entre os diferentes lugares, a cultura dos grupos sociais, a economia e o processo histórico que operam em múltiplas escalas. Trata-se de criar espaços de encontros e análises junto com os membros das comunidades, que despertem a curiosidade para o saber e que superem as práticas pedagógicas que reproduzem esquemas rígidos de aprendizagem. Todas as cidades educam, à medida que a relação do sujeito, do habitante, com esse espaço, é de interação ativa e dialética, e suas ações, seu comportamento e seus valores são formados e se realizam com base nessa interação. Porém falar em cidade educadora no contexto do ensino de Geografia significa destacar a possibilidade de, pela mediação da escola e do trabalho escolar com a Geografia, viabilizar esse projeto, objetivando com essa mediação a formação de cidadãos que conheçam, de fato, a cidade em que vivem, que compreendam os lugares como locais produzidos segundo projetos sociais e políticos determinados e que, sendo assim, sua participação nessa produção é viável, desejável e pode contribuir para que seja garantida nela a melhor vida coletiva possível. O desafio que se coloca então é como interligar os aspectos teóricos, os resultados empíricos da pesquisa realizada nas três cidades e os encaminhamentos pedagógicos num contexto da geografia escolar. Neste sentido é fundamental discutir os currículos da formação do professor, aprofundar a discussão sobre cidade educadora e articular a essas questões a produção de metodologias que permitam avançar no ensino da Geografia. Isso tudo, por entendermos que esta é uma disciplina 106 Terra Livre - n. 28 (1): 91-108, 2007 escolar capaz de contribuir na formação dos jovens do século XXI. Referências BATLLORI, Roser. La escala de análisis: un tema central en didáctica de la geografia. Las Escalas Geográficas. n. 32 Graó, Íber, Barcelona, 2002. BERNET, Jaume Trilla. Outras educaiones: animación sociocultural, formación de adultos. Y ciudade educativa. Barcelona, Anthropos, 1993. _______. Ciudades educadoras:bases conceptuales. In:_____. ZAINKO, M. A.S. (Org.). Ciudades educadoras. Curitiba: Ed. Da UFPR, 1987. BLANCO, J.; GUREVICH, R. Uma geografia de las ciudades contemporáneas: nuevas relaciones entre actores y territórios. In: ALDEROQUI, S. e PENCHANSKY, P. Ciudad y ciudadanos. 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ET AL LUGAR E CULTURA URBANA: UM ESTUDO COMPARATIVO... Recebido para publicação dia 05 de Abril de 2007 Aceito para publicação dia 18 de Maio de 2007 108 O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE: A ESCOLA NORMAL DA PARAHYBA NO INÍCIO DO SÉCULO XX* THE PLACE OF THE SCHOOL IN THE CITY: THE NORMAL SCHOOL OF PARAHYBA IN THE BEGINNING OF THE 20TH CENTURY EL LUGAR DE LA ESCUELA EN LA CIUDAD LA ESCUELA NORMAL DE PARAHYBA A INICIOS DEL SIGLO XX Carlos Augusto de Amorim Cardoso UFPB [email protected] * Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq. Agradeço os comentários/ indicações dos pareceristas, que proporcionaram uma essencial revisão do artigo. Terra Livre Resumo: O artigo procurou analisar, através das ações dos administradores públicos e da construção do edifício da Escola Normal, o processo de modernização da cidade da Parahyba do Norte, atual cidade de João Pessoa. As ações que auxiliaram a compreensão desse processo vinculam-se às noções de urbanidade, de disciplina, de bem estar, de higiene e de educação moral. O surgimento de cadeiras especiais na Escola Normal, a instalação de um Serviço de Higiene e as reformas da instrução são aspectos que denotam a vida urbana na escola. O texto foi produzido como resultado da coleta de artigos e reportagens da Revista Era Nova e do Jornal O Educador, no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e de documentos oficiais (atas, relatórios, leis) da Assembléia Legislativa e do Arquivo Histórico da Fundação Espaço Cultural do Estado - FUNESC. O artigo conclui que, para definir o lugar da escola na cidade, um lugar para a Escola Normal, será necessário compreender o conjunto de forças sociais, os mecanismos de sobrevalorização do espaço e do valor do solo, bem como os rituais simbólicos das representações da monumentalidade para avaliar as significativas diferenças dos lugares na cidade. Palavras-chaves: Modernidade; Didática urbana; Escola; Ensino de geografia; História da educação. Abstract: In this paper we discuss the modernization process of the town of Parahyba do Norte. We focus on the public administrations actions and the construction of the building of the Normal School. We used the notions of urbanity, discipline, welfare, hygiene and moral education to really help us to understand that process. Special subjects in the Normal School, a hygiene service and the reforms of the instruction are aspects which show urban life in the school. This text is a result of our research on papers and articles of Nova Era Magazine and O Educador Journal, in the Historical and Geographical Institute, and official documents of the Legislative Assembly and Historical File of the Fundação Espaço Cultural do Estado–FUNESC. The paper concluded that we need to understand the social forces, the mechanisms of space overvalue and the value of the land, and the symbolic representations of monumentality to define the place of the school in the town, a place to the Normal School. Keywords: Modernity; Urban didactic; School; Geography teaching; History of education. Resumen: El artículo procuró analizar, a través de las acciones de los administradores públicos y de la construcción del edificio de la Escuela Normal, el proceso de modernización de la ciudad de Parahyba do Norte, actual ciudad de João Pessoa. Las acciones que auxiliaron la comprensión de este proceso se relacionan con las nociones de urbanidad, de disciplina, de bienestar, de higiene y de educación moral. La creación de asignaturas especiales, el establecimiento de un Servicio de Higiene y las reformas de la instrucción son aspectos que muestran la vida urbana en la escuela. El texto se construyó mediante la recopilación de artículos y reportajes de la Revista Era Nova y del Periódico O Educador, en el Instituto Histórico y Geográfico Paraibano, y de documentos oficiales (actas, notas, leyes) de la Asamblea Legislativa y del Archivo Histórico de la Fundación Espacio Cultural del Estado – FUNESC. El artículo llegó a la conclusión de que para definir el lugar de la escuela en la ciudad, un lugar para la Escuela Normal, será necesario comprender el conjunto de fuerzas sociales, los mecanismos de supervaloración del espacio y del valor del suelo, así como los rituales simbólicos de la representación de la monumentalidad para evaluar las diferencias significativas de los lugares en la ciudad. Palabras clave: Modernidad; Didáctica urbana; Escuela; Enseñanza de la geografía; Historia de la educación. Presid ente Prud ente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 109-128 Jan-Ju n/ 2007 109 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... Quando se trata de crianças, brigar e se amar parecem ir sempre juntos (P. Kropotkin) Para Pedro e André Introdução O texto ora apresentado resulta da pesquisa Escola e Modernidade na Paraíba (1910-1930)1 , que teve como objetivo central analisar e compreender a relação entre as reformas (educacionais e urbanas) e remodelações que se passaram na cidade da Parahyba do Norte, atual João Pessoa e na Escola Normal da Parahyba no período de 1910 à 1930. Através da coleta e da identificação dos dados nos arquivos da Assembléia Legislativa (documentos, atas e leis), no Instituto Histórico e Geográfico Parahybano (material cartográfico, fotográfico, jornalístico e de revistas), no Arquivo Histórico da Fundação Espaço Cultural do Estado - FUNESC (relatórios, documentos e jornais) e no Endereço Eletrônico http://www.crl.edu/content/brazil/pari.htm (mensagens dos Presidentes da Província à Assembléia Legislativa), foi possível reconhecer os conteúdos das ações dos administradores públicos e da dinâmica social. As análises dos documentos e das fontes permitiram examinar parte da morfologia da cidade, a localização de prédios escolares, a política da instrução e do higienismo. Nesse texto ora apresentado, tentamos demonstrar as reflexões, as sínteses provisórias das relações da escola, e em especial da Escola Normal com a cidade. A Parahyba do Norte no contexto da modernização brasileira Qual a cidade antiga brasileira não conheceu a sua Rua Direita, a Rua do Colégio? Da Alfândega? ou Do Comércio? Na cidade da Parahyba tal demarcação está presente, denunciando as atividades que ali aconteciam. Esta plasticidade é uma das características das cidades brasileiras. A partir da primeira metade do século XIX, a transferência da sede do governo português para o Brasil, a abertura dos portos e a independência foram conjuntos de acontecimentos que são imprescindíveis para analisar os núcleos urbanos. Tais aspectos são condições preliminares para que as capitais de províncias, quase todas no litoral, tornem-se centros político-administrativos importantes, dando nova vida aos núcleos urbanos. A intenção de criar uma elite capaz de governar o país acarreta a fundação de algumas faculdades (no Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Salvador), o que estimula a vida urbana. Decerto que a capital da Parahyba, como centro políticoadministrativo desde a sua fundação (a Parahyba do Norte já nasce cidade em 1585), já 1 A pesquisa contou com a participação de Tamara Dayse Bomfim de Aguiar e Tâmara Antas Siqueira, bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da e da Universidade Federal da Paraíba - PIBIC/CNPq/UFPB. 110 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 exercia tal função na província. Contudo, é certo também que o Lyceu Parahybano é criado por Lei provincial em 1836, após a independência. Tais fatores são importantes para compreender que numa cidade extraordinariamente insignificante do ponto de vista urbano, fosse possível criar um “espírito escolar”. É certo também que a abolição, as redes de transportes e a imigração não foram suficientes para alterar a orientação da economia, mas a cidade, centraliza as criações, cria tudo. “Nada existe sem troca, sem aproximação, sem proximidade isto é sem relações” (LEFEBVRE, 1999, p. 111). O crescimento da cidade da Parahyba, desde o século XVI, acontece à serviço das relações internacionais e do processo de colonização. Concentra suas atividades econômicas nas grandes propriedades exportadoras e está imersa numa estrutura de base agrária, com “poucos inputs de urbanização”. Os impulsos para o progresso, principiados no início do século XX no governo João Machado (1908-1912), estenderam-se até os anos trinta, passando pelos governos de tradições liberais e oligárquicas: Castro Pinto (1912-1916), Camilo de Hollanda (1916-1920) e Solón de Lucena (1920-1924), sustentáculos da política 2 de Epitácio Pessoa . Nesse período destacam-se as primeiras implementações de porte no que diz respeito à equipamentos urbanos e à modernização: abastecimento d’água (1911), iluminação elétrica (1914) e sistema de transportes de bondes (1914). Não resta dúvida que a Escola Normal, criada no final do século XIX (1884), está no interior desse processo de estímulo ao crescimento urbano, progresso e modernização, procurando o seu espaço na cidade e consolidando-se 30 anos depois. No governo de João Machado e governos consecutivos de Castro Pinto, Camilo de Holanda e Sólon de Lucena, a urbanização que passava a cidade da Parahyba estava firmada na capacidade do poder público de dotá-la de um aspecto limpo, com iluminação, com alinhamento de ruas, em condições salutares e com espaços públicos. No final da década de 1910 e início da década de 1920 do século XX, as noções do higienismo intensificam-se e os espaços passam a ser pensados como finalidade, com ordem política e social3 . Monarcha (1999), em “A Escola Normal de São Paulo e a Reforma Urbana” busca especificar a maneira que uma certa concepção funcional de cidade obedece à racionalidade “moderna” dos administradores da Província de São Paulo. À semelhança de outras províncias, nas décadas de 1910-20 do século XX, a cidade Parahyba do Norte começa a perder pouco a pouco o seu aspecto colonial e passa a ser dotada de manifestações modernas. Cabe lembrar que a função educativa de bem estar e higiene e as noções do espírito 2 Deputado à Assembléia Nacional Constituinte (1890-91), deputado federal (1891-93) e ministro da Justiça e Negócios Interiores (1898-1901), procurador da República (1902-05), ministro do Supremo Tribunal Federal (1902-12), senador pela Paraíba (1912-19), assumiu a presidência do País em 1919. 3 Segundo Abreu (1996), desde o final do século XVIII, o pensamento higienista já havia penetrado no Brasil. No início com pouca repercussão, as idéias higienistas foram ganhando força com a institucionalização do ensino médico no país. 111 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... cosmopolita derivam das reformas urbanas. A cidade redefine as relações de poder no espaço urbano que se modifica e por sua vez modifica a escola: a cidade colonial se vê cada vez mais distante e os espaços públicos, ruas, praças e escolas da cidade moderna cada dia mais presente. As reformas urbanas e as reformas educacionais encetam um novo viver-fazer dentro da cidade e nas novas relações que se estabelecem; a sociedade começa a exigir uma cidade moderna onde impere o modo de vida urbano. Assim, na morfologia urbana dos dois primeiros séculos de existência de Brasil, eram os edifícios religiosos as construções que se destacavam. Isso se deu em cidades como Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Belém, São Luiz e Olinda ou em São Paulo. Nesta última, o Pátio do Colégio é o início da cidade na visão dos Jesuítas. A cidade da Parahyba do Norte apresentava-se de forma análoga àquelas. Terceira cidade mais antiga do país, as edificações religiosas grafaram a sua morfologia. Nos tempos iniciais de sua formação territorial, as edificações religiosas grafaram uma cruz, símbolo do cristianismo, que exprimia a disposição da ocupação dos templos na cidade: na “cabeça” da cruz, ao Norte, a Ordem dos Franciscanos; aos “pés” da cruz, ao Sul, a Ordem do Jesuítas; no “braço esquerdo”, a Oeste, a Ordem dos Beneditinos e a Leste, no “braço direito” da cruz, a Ordem dos Carmelitas. No que diz respeito às renovações pedagógicas Kulesza (2005) nos brinda com uma arguta análise das ações no campo educacional: No seu clássico estudo histórico sobre o ensino na Paraíba, José Baptista de Mello, para louvar a renovação empreendida no governo Castro Pinto (1912–1916), modernidade que faria com que seu nome viesse a designar anos depois o primeiro aeroporto do Estado, ressalta suas ações no campo educacional. ‘Para iniciar, comissionou o Professor Francisco Xavier Junior, Diretor da Instrução, para, no sul do país, estudar os mais adiantados processos de ensino, a fim de adaptá-los entre nós’, afirma Mello pondo em evidência o desejo modernizador daquele Presidente do Estado (1996, p. 81). Esse trânsito pelo que constituía então o eixo norte-sul, vinha se intensificando desde o início do século XX com a paulatina concentração da economia no território que hoje compõe a região Sudeste (KULESZA, 2005, p. 1). A existência material de um novo espaço urbano que se pretende mais amplo e como fator de estímulo para as noções de progresso, de modernidade e de modernização, também estão realçadas nos estudos históricos sobre a expansão dos grupos escolares na Paraíba: A ‘instrução generalizada’, como fator de ‘progresso’, foi sistematicamente defendida pela elite paraibana e esteve condicionada à difusão dos ideais positivistas, implantados no Brasil desde meados do século XIX (...) predominando a convicção de que ampliando a oferta de instrução pública esta propiciaria a ordem e o progresso que, para muitos, tratava-se de ‘questão da sobrevivência nacional’ (PINHEIRO, 2001, p.130). 112 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 Do mesmo modo, em estudos históricos sobre as tramas, os encontros e desencontros da cidade com a modernidade, verifica-se a existência das noções de progresso e de civilização: Na Parahyba do Norte, a influência européia foi absorvida e, embora não tenha experimentado reformas modernizantes tão intensas quanto no Rio de Janeiro, não deixou de haver a tentativa de alinhamento dos padrões de civilização, progresso e desenvolvimento europeu. A atuação dos Presidentes de Estado e Prefeitos da Capital demonstrava uma certa obsessão em construir uma cidade esteticamente moderna (ARAÚJO, 2001, p. 62). Em similar diapasão, Nunes (1994) afirma que a escola reinventa a cidade através do paradigma de moderno, delineado no Brasil em fins do século XIX e início do século XX na cidade do Rio de Janeiro, propiciando que a escola seja um centro de ressonância e amplificação da vontade de mudar: Uma nova leitura do urbano era paulatinamente construída pelo esforço ideologizador de toda uma geração de educadores. (...) Havia uma cultura urbana em processo acelerado de transformação a ser decifrada e cabia à escola ensinar hábitos que ajudassem as crianças mais pobres a interpretar a realidade (NUNES, 1994, p. 197). Dessa maneira, a cidade e a escola tornam-se efetivos locais onde a cultura se transforma e onde se afirma a língua nacional e a identidade racional. Para as sociedades européias, os progressos da Ordem Pública já são sentidos nos séculos XVII e XVIII, onde, em cada cidade, ao se identificar os crescimentos demográficos constantes, são traçadas técnicas de ensino de alfabetização e de instrução. Tais técnicas utilizam-se da leitura dos estandartes, cartazes e placas de ruas para instruir os pobres em história, artes, pesos e medidas e profissões. A rua torna-se uma escola, um teatro de pedagogização recreativa que objetiva reforçar a nação, favorecendo uma leitura urbana de múltiplas formas. As cidades e as escolas, deste ponto de vista, passam a ser o lugar do movimento dialético das “necessidades, desejos e prazeres” (CAMBI, 2001). Na Parahyba, o século XIX pouco difere dos séculos anteriores, embora indique o início do desprestígio da aristocracia rural (LEWIN, 1993). A lentidão das transformações mantinha a cidade “pequena, antiquada, carente de diversos equipamentos urbanos” e “chama atenção sua paisagem natural e peculiaridades de umas poucas edificações”. (AGUIAR e MELLO, 1989, p. 75). A cidade expandiu-se mas conserva boa parte da fisionomia do campo. Assim, do ponto de vista dos ideários da República, a Parahyba “ao final do século XIX, era uma região em decadência econômica e política e não se distinguia pela pujança do movimento republicano” (CARVALHO, 1990, p. 67). No entanto, no século XX, as implementações modernas e uma série de residências 113 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... são construídas: casarões, templos religiosos, escolas e as sedes de órgãos públicos irão compor os maiores destaques das edificações da cidade. Diante disso, a cidade da Parahyba e seus atores sociais irão construir a concepção de manutenção da ordem oligárquica ao mesmo tempo em que propugnam as necessárias reformas instrucionais indicadas pelo atualismo republicano, induzindo à emoção cívica para produzir frutos didáticos na nova ordem. Nesse sentido, a escola reúne os instrumentais essenciais que podem transmitir as noções de cidade moderna e de urbanização como fatores necessários para a construção de uma vida urbana. Os estudos sobre o desenvolvimento da escolarização na Primeira República, centrados na organização da escola pública de São Paulo (NAGLE, 2001; MONARCHA, 1999), não têm conseguido reproduzir seus resultados quando aplicados às realidades regionais. O descompasso entre a urbanização e a industrialização nessas regiões, tornou mais complexas as relações entre educação e sociedade. O processo de constituição de um mercado nacional centrado no Sudeste, em plena vigência do federalismo, expunha contradições que afetavam a emergência de uma escola destinada simplesmente a preparar para a “ordem e o progresso”. A desigual distribuição geográfica da mudança nas relações de produção propiciada pela moderna indústria, confrontava-se com os objetivos de uma educação nacional sob a égide do Estado. No âmbito do ensino, em especial o da Geografia, os nexos da modernização republicana explicitavam os lemas da inspiração evolucionista e positivista. Podemos recordar a importância do ensino da Geografia naqueles anos do início do século XX. No início de janeiro do ano de 1913, o governo da Parahyba recebe a letra e a música do hino da bandeira nacional. Os versos de Olavo Bilac são distribuídos para as escolas locais para serem ouvidos, juntamente com o hino da independência, o da Republica e o da Parahyba e serem tocados “em dias determinados de cada mez”. Cânticos patrióticos entoados em “côros infantis organisados pelas escolas publicas” e ao som da “musica marcial pelas escolas primarias de ambos os sexos, em edifícios apropriados como exercícios de canto coral e educação cívica”. O diretor da instrução pública, Dr. Xavier Júnior, é o encarregado de agendar as “patrióticas visitas” do Presidente do Estado Castro Pinto às escolas. Na ocasião da saudação dos “símbolos sagrados da nossa nacionalidade” honras serão dadas “ao governo genuinamente republicano, altruisticamente emprehendedor e amigo, que quer fazer do povo parahybano, uma nobre força, trabalhando pacificamente pela Republica e pela Pátria!” (A UNIÃO, 1913). Essas noções de pátria e de nação já eram objetos de observação do ensino de geografia no alvorecer da República. José Veríssimo (1985), em seu clássico Educação Nacional, no capítulo intitulado Geografia Pátria e a Educação Nacional, propugnava um ensino de geografia voltado para o enaltecimento da nação e da pátria. Este movimento exprime uma filosofia da educação que instrumentalizará a cultura brasileira até aproximadamente os anos de 1930. José Veríssimo, como um dos expoentes máximos desta filosofia e republicano de primeira hora, propugnava a educação leiga, inspirada 114 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 nos grandes interesses humanos e na experiência da ciência universal, revelando sua anuência a uma filosofia evolucionista e positivista. A crítica que este autor formula à educação - e à geografia em particular - em fins do século XIX, diz que o sistema geral de instrução não merece o nome de educação nacional, pois em todos os ramos é apenas um acervo de matérias sem nexo e lógica, e estranho completamente a qualquer concepção elevada de Pátria (...) Nas escolas, a Geografia é uma nomenclatura de nomes europeus principalmente; a Geografia pátria, quase impossível de estudar pela ausência completa dos elementos indispensáveis, resume-se a uma árida denominação (VERÍSSIMO, 1985, pp. 53-54). Percebe-se, assim, que a noção do autor d’Educação Nacional estava baseada na busca da formação da idéia de pátria, de nacionalidade, da identidade brasileira e do princípio federativo. O seu estudo avalia o ensino da geografia de sua época como “lamentável” e feito por uma “decoração bestial e a recitação ininteligente da lição decorada”, cheio de lacunas no que diz respeito a materiais com mapas, cartas e globos. Sobre os nossos livros exclama que são mal pensados e mal escritos, carecem inteiramente de valor pedagógico. (...) limitam-se à enumeração seca das cidades, à indicação do bispado a que pertencem, à divisão judicial, ao número de representantes, calando completamente as notícias muito mais úteis sobre o clima, a configuração física, o regime das águas, os produtos e as zonas de produção (VERÍSSIMO, 1985, p. 94). Na verdade, Veríssimo deseja uma geografia da sua terra, que deveria ser melhor conhecida em seus aspectos pitorescos e paisagísticos. É portanto deste modo que no capítulo que trata da geografia, no livro mencionado, reivindica, no interior do seu projeto de nação, um brasileiro para nos dar a “nossa geografia”: O que sabemos da geografia da nossa Pátria, das feições características do seu solo, dos seus habitantes de outras zonas que não são nossas, sabêmo-los pelos estrangeiros. Foram os Castelnaus, os Saint-Hilaires, os Eschweges, os Martius, os Burtons, os Agassiz, os Bates, os Wallaces, os New-Wieds, os Hartts e os Steinens que nos ensinaram a geografia da nossa Pátria. (...) Que desamor profundo do País está este fato a revelar! Entretanto, o conhecimento do País em todos os seus aspectos, que todos se podem resumir em - geográfico e histórico - é a base de todo o patriotismo esclarecido e evidente. Por isso, a geografia do País, inteligentemente compreendida e ensinada, é por assim dizer a base de toda a educação nacional bem dirigida (VERÍSSIMO, 1985, p. 96). Esse modelo de ensino de geografia se multiplica, rechaçando os métodos que não fossem estritamente geográficos e massificando os conhecimentos escolares nos currículos das escolas brasileiras em todos os níveis dos sistemas educacionais. É neste modelo que a excursão geográfica surge como um método ativo, sugerindo que o principal objetivo do 115 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... ensino da geografia deve ser aquele que educa os “sentimentos do belo e da pátria” Esses princípios republicanos se farão presentes em muitos conteúdos escolares. No período de 1910-1930, as escolas secundárias e de formação de professoras utilizaram materiais didáticos que reproduziam aqueles princípios. Podemos citar: “Lições de Língua Materna” de Francisco Xavier Filho publicado em 1907, “Pontos de História do Brasil” de Eudésia Vieira, “Geografia Elementar adaptada às Escolas Publicas Primarias” de Tancredo do Amaral e “Escola Pittoresca” de Carlos D. Fernandes, para ficarmos nos livros adotados na Escola Normal e nas escolas primárias paraibanas. A cidade e a escola na modernidade: a Escola Normal da Parahyba A relação da cidade com a escola tem o espírito do tempo. A forma da cidade, em cada época, responde ao espírito do tempo dela mesma. A cidade pode ser analisada na modernidade como local onde se desenrolam as atividades e manifestações de seus habitantes; onde se registram os sentimentos de identidade coletiva, as percepções subjetivas e experienciais. Esta importante perspectiva seria uma maneira de fixar a cidade no campo educativo; e relevante porque os ordenamentos e a disciplinarização urbanas estão situados no mesmo projeto de modernização do ensino e da cidade, pelo menos é o que nos ensina o grupo modernista GATEPAC (MOSER, 1933, p. 28). Mas, ainda que a modernização – e os modernistas - esteja assentada na cidade, as décadas de 1910-1930 do século XX não eram apenas construções de escolas grandiosas, tais como a da Escola Normal da Parahyba. Eram tempos de escolas isoladas; como a da “D. Diná Carneiro Monteiro”, “D. Zinha”, “D. Maria Araújo”, “D. Dulce Aragão” na Parahyba (BRITO, 1989). Tempos e espaços que se combinam com a escola da “D. Olímpia” e do “Professor Teófilo”, na cidade do Rio de Janeiro (NUNES, 1994). Todavia, enfatizar a formação de um sistema escolar para a formação de professores seria a conexão apropriada dos modernizadores da cidade do período republicando de 1910 à 1930. Através das transformações e das investidas dos administradores públicos e da sociedade, a cidade da Parahyba configura-se como célula de progresso e crescimento. Sendo assim, a escola e a educação compartilham com a cidade o caráter disciplinador de que se necessita para construir o progresso, provendo-a de infra-estrutura de serviços. Durante tal período, urbanizar era sinônimo de sanear, embelezar e iluminar. Segundo Trajano Filho (1999), a “abertura da Avenida João Machado, durante a administração do presidente da província João Machado (1908–1912), que indicava o crescimento da cidade em direção as Trincheiras4 no início da década de 1910, pode ser considerada como o marco inicial dessas reformas”. (TRAJANO FILHO, 1999, p. 4). Do mesmo modo que cabia sobretudo ao Estado a formação de um sistema escolar 4 A rua das Trincheiras era a principal ligação rodoviária da cidade de Parahyba do Norte com a cidade do Recife. 116 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 e a construção de edifícios para a educação e para a cultura, o calçamento das ruas, os alargamentos para passagens de carroças e de automóveis, a colocação de postes de iluminação pública e a criação de linhas de bondes ligando os subúrbios ao centro da cidade, tornaram-se parte muito importante dos investimentos do Estado para atribuir qualidade ao novo mundo urbano. Um documento do órgão responsável pelas finanças da Província nos revela o interesse da administração num conjunto modernizações: Contrato que faz o Estado para execução e exploração dos serviços de iluminação pública e particular, distribuição de força eletro motora, e eletrificação das linhas de bondes desta capital... (...). A iluminação compreende as praças e ruas e terá início ao anoitecer, terminando ao amanhecer; (...). Os concessionários ficarão obrigados a eletrificar as linhas de bondes atualmente existentes entre a Praça Álvaro Machado, Tambiá e Trincheiras e, fazer o tráfego da ferrovia de Tambaú por tração elétrica, a vapor ou por meio de automóveis (FUNESC, 1910). Uma década depois, a revista de costumes Era Nova, reproduz a mensagem de fim de ano do Prefeito do município, Guedes Pereira, que, num tom futurista5 , diz: A cidade, sob seus influxos ganha novos encantos, perde pouco a pouco o seu saturno aspecto colonial e adquire foros de uma formosa e bem cuidada metrópole. Enquanto isso novas avenidas são abertas, em aprazíveis localizações para o alargamento de nossas ruas. As finanças da municipalidade tem sido organizadas com o irroprochavel (sic!) critério, que constitui o traço predominante do espírito progressista do conceituado político paraibano (PEREIRA, 1923a, p. 13). Em maio do mesmo ano, na mesma revista, em nota intitulada “as bellezas da cidade”, enaltece os jardins e as praças da cidade: Uma das maiores bellezas da nossa capital e que logo encantam os nossos visitantes, são os nossos jardins públicos. (...) A Parahyba já ganhou mesmo os foros de “cidade dos jardins”. (...) esses logradouros públicos que constituem a mais bella ornamentação da nossa urbs. (...) sempre perfeitamente conservados e attrahentes os nossos jardins, o da praça commendador Felizardo, o da Praça Venancio Neiva e o da Pedro Americo. (...) os dois primeiros, com as suas esbeltas e farfalhantes palmeiras, com os seus ficus copados, com os seus extensos tapêtes de relva, (...) emprestam a maior esthetica a nossa capital, deixando em quem nos visita a impressão de que a Parahyba é toda um grande e encantado jardim (PERREIRA, 1923b, p.5). Apesar dos ideais reformadores dos seus diversos administradores, a cidade da 5 O futurismo é um movimento modernista surgido por volta de 1909 e atribuído a sua criação ao artista italiano Filippo Tommaso Marinetti. Baseia-se numa concepção dinâmica da vida e no combate o culto do passado e da tradição. 117 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... Parahyba do Norte e a sociedade paraibana possuíam um ritmo lento em relação a outras cidades brasileiras. Se no período de 1910 à 1930 há uma preocupação no remodelamento e no embelezamento da cidade e engendravam-se as noções de modernidade, a inclusão de impostos, tais como o da décima urbana6 , alinhamentos das casas nos limites da rua, calçamento, saneamento entre outras modificações que foram decorrentes das reformas, a cidade e sociedade ainda se encontram intimamente ligado a uma cultura oligárquica rural, conservadora e tradicional (MAIA, 2000). As contradições eram de várias ordens. A institucionalização da Escola Normal da Parahyba dá-se no Império, assemelhando-se à Escola Normal do Rio de Janeiro. A lei Nº 761, sancionada pelo presidente José Ayres do Nascimento em 7 de dezembro de 1883, transformou o Liceu Paraibano numa escola normal de dois graus, sendo o primeiro grau compreendido pelo ensino elementar destinado à formação de professor e o segundo grau destinado a um conhecimento mais prático e com um maior desenvolvimento das cadeiras do primeiro grau. Tal Lei foi regulamentada em 30 de junho de 1884 e a Escola Normal de primeiro grau solenemente instalada em abril de 1885 (KULESZA et. all, 1998). Ainda no tocante às reformas escolares, o segundo governo de Álvaro de Machado (1905) inicia um conjunto de reformas educacionais, que a par do desenvolvimento do ensino no Rio de Janeiro procura pelo menos no papel atualizar o ensino no Estado. É desse período o restabelecimento do decreto de criação da Escola Normal, revogando a Lei Nº 761 que criara a escola normal de dois sexos. No governo Camilo de Hollanda (1916 a 1920), as noções de modernidade se engendravam de tal forma que seu mandato se diferenciava pela realização de inúmeras obras públicas, dentre elas o prédio da Escola Normal. A construção de prédios de imponência e significação urbana é vista como uma forma de olhar a função educativa da cidade. Dessa maneira, a construção do prédio da Escola Normal contrastava com a deficiência da cidade em termos de infra-estrutura urbana, apesar da difusão e da propaganda das reformas na cidade e na educação. O Jornal O Educador, órgão do professorado primário, comunicava as condições das escolas da cidade da Parahyba daqueles anos com o título “A deficiência de luz nas escolas noturnas”. O semanário solicita atenção do diretor geral da instrução pública, através do conhecimento de que as casas de ensino na sua maioria, são prédios impróprios e com serias dificuldades. A falta de luz adequada as escolas proporciona graves conseqüências. Muitos professores levam de casa candieiros a querosene para poderem exercer suas atividades, como os alunos, com dificuldades para ler e escrever, ascendem velas nas carteiras (EDUCADOR, 1922b). 6 Imposto do Estado em prol do melhoramento da cidade. Existiam benefícios, como a sua isenção, aos prédios construídos em favor da execução de melhoramentos da cidade. As escolas privadas e as escolas isoladas reivindicavam o benefício de isenção. 118 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 Soma-se a isso as investidas oficiais na área de transporte e comunicação, além das intensivas campanhas de higienização e purificação do espaço urbano, realizadas em nome da chamada “Revolução Sanitária” e inspiradas nas novas descobertas da área de microbiologia. Era necessário “desodorizar” a urbis, em nome das novas exigências estéticas e científicas da sociedade positivista do tempo. As escolas entram no ritmo das reformas e a instrução promove e reforça os vínculos com a vida urbana, criando cadeiras especiais de higiene na escola. Na administração do Estado, é criada a Repartição de Hygiene, com a função de vacinação e revacinação do mal da varíola. Mesmo órgão responsável por fiscalizar nas escolas o cumprimento do “tríplice escopo da educação do homem – desenvolver a inteligência, formar o coração e avigorar o corpo” (LEAL, 1906). O conjunto de regras e códigos (no ano de 1911 é criado a Polícia Sanitária para a intimação e visitas domiciliares) que a cidade passa a possuir reforça a vida urbana. A escola e a Escola Normal em particular passam a ser reconhecidas como uma instituição social que contribui com a reorganização do espaço territorial da cidade. A década de 1910 será a primeira consolidação das duas mais importantes escolas da cidade da Parahyba do Norte: a Escola Normal e o Lyceu Paraibano. São criados os regulamentos e são instalados os edifícios mediante construção ou reformas e, a profissão de professores recebe suas primeiras regulamentações gerais. Dirigiremos nossa atenção ao processo de instalação definitiva da Escola Normal na cidade. A ESCOLA NORMAL PROCURA O SEU LUGAR NA CIDADE O início das reformas educacionais republicanas na Parahyba se dá com o que se convencionou chamar de “Alvarismo” no governo. É na administração de Álvaro Machado em seu primeiro mandato (1892-1896) que é criada, por decreto Nº 7 de 4 de fevereiro de 1893, uma Escola Normal para ambos os sexos, em substituição ao antigo Externato Normal, só destinado ao sexo feminino. No seu segundo mandato (1904-1908) ele restabelece o decreto nº 7 de 1893, com as modificações aconselhadas pela experiência. É provável que a experiência a que se refere o Presidente da Província seja a de que uma escola normal para ambos os sexos não tenha tido o sucesso esperado. Pois em mensagem oficial presente no Relatório do ano de 1905, estabelece a substituição do pessoal docente de instrução primária por normalistas, concedendo regalias e “vencimentos compensadores da honrosa profissão do magistério”, que valoriza o título de normalista. A mensagem termina com a expectativa de que “traçado esse rumo e seguido sem desfalecimentos teremos em breve tempo elevado à altura a que tem direito a instrucção primária nosso Estado” (MACHADO, 1905). Diante das expectativas de modernização da escola, da formação de professoras e do acolhimento pelo Estado da profissão de professor, a escola passa a ter um papel destacado na cidade. Para tal destaque é necessário encontrar um lugar para a escola. É desta forma, portanto, que a escola passa a se deslocar na cidade de acordo com as 119 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... configurações urbanas; movimenta-se no sentido de melhor adequar-se ao espaço e ao conjunto da sociedade nos seus vários aspectos simbólicos e sociais. A geografia nos auxilia para exemplificar estas configurações no espaço urbano da cidade. Podemos traçar uma breve chorographia-chronologia do percurso da Escola Normal na cidade da Parahyba do Norte até a sua fixação em edifício próprio: a) 18851905 - no 1º andar do Lyceu Parahybano, ao lado da Igreja da Conceição dos Militares; b) 1905-1909 - na antiga residência presidencial e antigo Palacete da Instrução Pública, atual Biblioteca pública na Rua Nova - atual General Osório; c) 1909-1911 no térreo do Palácio da Redenção, enquanto espera reforma no prédio do Palacete da Instrução Pública; d) 1911-1919 – na antiga Residência Presidencial e antigo Palacete da Instrução Pública, atual Biblioteca pública; e) 1919-1939 - no Prédio da Escola Normal, hoje ocupado pelo Tribunal de Justiça do Estado e f) 1939 aos dias atuais no Instituto de Educação, junto ao atual prédio do Lyceu Paraibano. Inicialmente no primeiro andar do prédio do Lyceu Parahybano (Foto 01), a Escola Normal posteriormente localizou-se na atual Rua General Osório - antiga Rua Nova (Foto 02). Foi desalojada em 1909 para reconstrução do prédio, pois na visão dos responsáveis pela instrução, a escola encontrava-se em “prédio inadequado, sem acomodações precisas, sem mobiliário apropriado e destituídos de condições de higiene” (MACHADO, 1911), passando as aulas a funcionar em um período curto de tempo nas dependências do Palácio do Governo, vizinho ao Lyceu Parahybano. Em junho de 1911 retorna ao seu prédio da Rua General Osório em solenidade de inauguração qualificada como um momento “concorrido por um grande número de famílias e pessoas graúdas” (LEAL, 1906), só saindo de lá em 1919, para o prédio da Praça Comendador Felizardo Leite. FOTO 1 Lyceu Parahybano, atual Faculdade de Direito. Fonte: PARAHYBA, 1936. Durante a passagem da Escola Normal para o Palácio do Governo em 1909, o prédio da Rua General Osório passou por reformulações gerais, sendo destruído quase todo e ficando só as paredes mestras. Reconstruído e ampliado, chegou a desapropriar uma casa e um terreno vizinho para a instalação do grupo escolar modelo anexo. As escolas modelos eram uma das exigências para que as alunas se tornassem mestres de 120 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 acordo com as prescrições de um ensino ativo. A escola também passou por melhoramentos internos, sendo dotada de aparelhos de ensino e mobiliário “decente e adequado” adquiridos em uma fábrica especializada de Nova York. Foram realizadas melhorias nas condições higiênicas, substituindo as fossas fixas pelos aparelhos sanitários e seguindo os preceitos da rigorosa higiene (MACHADO, 1911). FOTO 2 Antiga Escola Normal na década de 1910, atual Biblioteca Pública do Estado. Fonte: CUNHA, 1940. No decorrer do trajeto da Escola Normal na cidade foi se constituindo um conjunto de debates entre administradores públicos, arquitetos, professores, pedagogos e intelectuais, no sentido de proporcionar para a Escola Normal um lugar apropriado. O Presidente Castro Pinto, em mensagem à Assembléia Legislativa no ano de 1913, compreende que o edifício da Escola Normal da Rua Nova (atual rua General Osório) não correspondia mais a seus fins. Acata a sugestão do então Diretor da Instrução Pública, Dr. Francisco Xavier Junior, de desapropriar um prédio vizinho à escola para a construção da Escola Modelo, mas afirma que esta seria de caráter provisório. Segundo ele, mais sensato seria emprehndermos a construcção de um edifício próprio, capaz de preencher todas as necessidades dessa instituição, com escolas modelos e jardins de infância annexos, onde se instaurasse simultaneamente o primeiro grupo escolar estabelecido pelos moldes paulistas (PINTO, 1913). Esse debate sobre um novo prédio para a Escola Normal se prolonga durante os anos seguintes. Em 1917, dois anos antes da sua inauguração, os desenhos e os planos do edifício e da fachada do projeto arquitetônico de Octavio Freire foram mostrados ao então Presidente da Província, Camillo de Hollanda. Tal acontecimento suscitou exaltações na imprensa local: Trata-se de um bello edifício de estylo neo-dorico, appropriado com muito engenho aos fins pedagógicos pelo talento architectural do sr. dr. Octavio Freire. Os desenhos da fachada, feitos a aquarella afiguram-se-nos irreprehensiveis, pela nitidez e segurança de traço com que estão concluídos. (...) A nossa impressão dos desenhos da fachada e dos planos foi o melhor possível. (...) O 121 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... futuro edifício da escola Normal há de fazer honra ao governo de do sr. dr. Camillo de Hollanda, ficando como um eloqüente attestado da evolução da architectura na Parahyba, nestes ultimos tempos (A UNIÃO, 1917). Para os administradores, um estilo neo-dórico e universitário caracterizava a utilidade e o embelezamento da cidade e o edifício da Escola Normal vinha a atender às aspirações e às exigências postas pela crescente urbanização. Pois, podemos verificar este pragmático plano na “Exposição de motivos” apresentada por Camillo de Hollanda, na passagem de seu governo para o governo de Sólon de Lucena: Visando o duplo aspecto – o de sua utilidade e de embellesamento da capital, tratamos logo da construção de vários edifícios públicos, começando pelo da Escola Normal, defficientemente alojada. Esse edifício, cujas linhas sóbrias condizem precisamente com as de um estabelecimento do seu gênero, obedece ao estylo universitário, abragendo uma superfície de 892 metro quadrados, com dous pavimentos. (...) O edifício está provido de mobiliário novo e adequado, afora quadros, globos, mapas, ardósias e tudo mais imprescindível ao confôrto e hygiene de um estabelecimento dessa natureza (LUCENA, 1920). À exemplo de outras cidades brasileiras, o edifício da Escola Normal da Parahyba é resultado de um debate de estilos, acompanhando as manifestações de estilos implantados noutras Escolas Normais noutras regiões; cada cidade assume uma funcionalidade e adequação de acordo com as necessidades locais e os poderes constituídos aplicam como parâmetros as concepções organizativas de que a sociedade precisa para se apropriar do urbanismo. A Escola Normal instalada em 1919 na Praça Comendador Felizardo, segue as normas vigentes dos moldes escolares da época, com “prescrições higiênicas e pedagógicas, que condizem com a iluminação, ventilação e asseio das aulas e compartimentos” (A UNIÃO, 1917). O projeto arquitetônico da escola procura adaptar-se às condições do lugar, em acomodá-la ao clima tropical, com a inserção de janelas que propiciem uma renovação constante do ar e a disposição da iluminação, sem tirar a harmonia do estilo neo-dórico (Foto 3). De acordo com o projeto, o prédio vinha atender três aspectos básicos de uma edificação escolar: estética, técnica e salubridade. A Comissão nomeada para avaliar o projeto, composta pelos membros: Dr. Matheus de Oliveira, arquitetos Hermenegildo Di Lascio e Pascoal Fiorilli, Dr. José de Azevedo Maia inspetor sanitário escolar, e Dr. José Fructuoso Dantas professor de pedagogia da Escola Normal, dá parecer sob os pontos de vistas técnico, higiênico e pedagógico da planta daquele edifício: Todo o edifício está, a rigor, estylizado com a beleza e majestade do dórico moderno. Obedeceu a um plano consciencioso e artisticamente elaborado de par com a techinica. A simples visão agrada e se define, tal é a correção e boa medida de suas linhas. Não terá os excessos de ornamentação nem tão pouco a polychromia que tanto mal nos faz a vista e ao espírito, estroplondo-nos o senso esthetico; talvez, por isso, a alguém possa desagradar. (...) É bem de 122 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 ver-se, elle o elaborou, não só tendo em vista dotar esta cidade de uma bella obra arquitetônica, mas de resolver com o maior critério pedagógico a disposição interior a semelhança dos melhores estabelecimentos congêneres. Assim, a futura Escola Normal será dotada de um systema de ventilação consoante as prescrições da hygiene escolar precisamente tropical. (...) O local foi acertadamente escolhido e está, parece-me, fadado a enfaixar as melhores obras, fazendo ângulo com dous lindos jardins que concorrerão grandemente para aumentar o arejamento (A UNIÃO, 1917). FOTO 3 Escola Normal, atual Palácio da Justiça do Estado na antiga Praça Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa (1930). Fonte: Rodriguez, s/d. Abrangendo uma superfície de oitocentos e noventa dois metros quadrados, o prédio da Escola Normal na Praça Felizardo Leite, atual Praça João Pessoa, compõe-se de dois pavimentos, um superior e um inferior, onde se pode encontrar salas com capacidade para 60 à 120 alunos, laboratório de física, química, salão de desenho, biblioteca, salão de honra, sala para trabalhos de agulha, salão para história natural (composta com uma sala para o museu escolar e um vestuário), vestuário, lavabo e porão, que era habitável. A monumentalidade atendia à promoção de uma ampliação no ensino, com o ensino profissionalizante e a obtenção de laboratórios de química e física. As modificações surgidas posteriormente, alterando aqui e ali a planta do edifício, devia-se à uma certa obsessão pedagógica, tão em voga, por parte dos gestores e educadores de acompanhar as mudanças para acomodar a escola a um modelo que privilegie as condições técnicas, pedagógicas e estéticas que favoreçam a “modernidade”. Desta forma, o projeto da Escola Normal privilegiou a relação do espaço externo com o espaço interno. As salas de aulas do andar térreo tinham uma disposição que davam a uma galeria que propiciava uma constante ventilação e uma fiscalização completa da diretoria. De acordo com os ideais republicanos não bastava um ensino voltado só para o intelecto, era preciso também um ensino cívico mediante culto à bandeira nacional, cânticos e hinos patrióticos que se intermediava na cidade pela mocidade escolar, conforme vimos 123 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... nas prescrições de Veríssimo (1985) e nas reportagens dos jornais da época. A escola é uma estrutura material onde se coloca o escudo pátrio, a bandeira nacional e os pavilhões nacionais, hasteando-os no início das aulas e recolhendo no final. A Escola Normal, uma das grandes instituições escolares do ensino secundário, fazia com que quase todas as moças fossem à procura de um curso que levassem a uma profissionalização. Esta busca e a esperança no magistério, segundo Kulesza et. all. (1998), era porque “as meninas menos favorecidas da sociedade viam no magistério a oportunidade de assumirem uma profissão”. E, aos olhos da maioria da sociedade da época, era a profissão mais adequada. Adequada no sentido de se ter no sexo feminino a representação do papel social e educativo atribuído à mãe; ou seja, caberia à mulher dar a educação necessária às crianças do ensino primário. Para as moças que não podiam ter uma profissionalização e nem serem mentes ativas na sociedade, deveriam dedicar-se à aspectos de uma preparação para serem donas de casa, conforme suas vocações ao lar. Em mensagem, Sólon de Lucena (1921) explicita bem como incomodava a educação feminina voltada para o intelectual, bem como para a vida no urbano: Esta preparação especializada forma-lhes, unilateralmente, a mentalidade: crêalhes bem fundadas esperanças no ganhar a vida por meio da profissão que abraçaram: habitua-as à existência rumorosa e agitada das ruas; desacostumaas aos labores medíocres do lar e, prepara-lhes, por sua vez a desillusão que as assalta quando, à mingua de colocação, vêem o quanto de tempo e energias consumiram inutilmente (LUCENA, 1923). A vida na escola, os hábitos corriqueiros das normalistas e as delimitações do espaço escolar eram acentuadamente reflexo e réplica da vida urbana. Cabia à escola lidar com a política higienizadora, bem como com as novas práxis salutares e de higiene no âmbito educativo, lançando as normas e princípios da modernização e sua medida no conjunto social. A Escola Normal, pela sua própria concepção propedêutica, e por ser uma escola exclusivamente feminina, faz com que as meninas e damas se aprimorassem em atividades caseiras e se profissionalizassem. Essa diferença de sexo na divisão das atividades foi observada pelo Jornal O Educador quando sugere a ampliação de dois tipos de conhecimento ensinados nas instituições, separando-os quanto ao sexo. Para as mulheres podemos ensinar, confecções, bordados, rendas feitas de roupas, flores, chapéus, pintura, decoração, arte culinária, datilografia, fotografia etc. . Para os homens um número mais de atividades e um ensino mais técnico: mecânica, ferraria, marcenaria, eletrotécnica, decoração, química etc. (EDUCADOR, 1921). É possível, assim, sugerir que este espaço da cidade ou o da escola em especial seja machista. Ao analisar a relação cidade-escola podemos levantar o debate sobre alguns argumentos de especial relevância para um estudo desta natureza: a) a distinção entre 124 Terra Livre - n. 28 (1): 109-128, 2007 conflitos relativos à reprodução de idéias e os que dizem respeito ao consumo das idéias (ou mesmo de sua aplicação); b) os fatores que mediam e/ou controlam os conflitos sociais; c) a direção da atenção para as diferenciadas fontes urbanas de poder público; d) a intervenção do Estado como componente territorial, campo de análise da geografia urbana local, nacional e mundial; e, e) a incorporação das noções de gênero, patriarcado, oligarquia e uma sucessão de fragmentações do conhecimento na história: prendas domésticas, trabalhos manuais, economia doméstica, cursos comerciais etc. . À maneira de conclusão Ao supor a construção de um espaço machista na cidade no início do século XX, verifica-se que o lugar das mulheres na cidade, e de resto das professoras normalistas, é uma reinterpretação do papel do trabalho doméstico e feminino no contexto das cidades na modernidade. O espaço escolar, em seu desenvolvimento interno, é um reflexo do espaço segmentado da cidade em processo de modernização. Do patriarcalismo herda-se o ritual e o simbólico, contrastado com as contradições da clausura e da ostentação das instituições escolares. Exemplo singular é o romance A Normalista, de Adolfo Caminha. Ambientado em Fortaleza, estado do Ceará, no fim do século XIX, que mostra parte substancial do provincianismo das elites e dos subprodutos do coronelismo. A Escola Normal, como espaço que possui salas de conferências, gabinetes, salas de aula com separação entre meninos e meninas “representam diferentes formas retóricas de comunicação, além de cobrir determinadas funções” (FRAGO, 1998, p. 39). Frago (1998), ao examinar as Instruciones sobre arquitetura escolar que a Direção de Ensino Primário da Espanha publicou em 1912, afirma que as construções arquitetônicas e o lugar ao qual as escolas são submetidas, bem como igrejas, templos e espaços públicos, expressavam “a função estética e simbólica que os edifícios escolares podiam desempenhar na educação da infância e de toda a comunidade”, acrescentando que a “solidez das instituições era equivalente à solidez de seus muros”. (FRAGO, 1998, p. 35-7). Em pesquisa recente, Capel (2005) destaca a importância e a especificidade dos estabelecimentos escolares que pedagogos e arquitetos em Espanha atribuíam aos edifícios escolares desde meados do século XIX, manifestando os ideais sobre a construção de edifícios escolares: Su hermosura había de ser ‘sencilla, sin profusión de adornos’ ya que estos edificios debían ser baratos. (…) El exterior había de ser sencillo, ya que a estos edificios ‘la circunspección y seriedad los embellece, como también el emplear en ventanas y rejas materiales sólidos y robustos que correspondan con la demás decoración’. Al mismo tiempo se elaboraron normas para que las puertas de entrada estuvieran claramente indicadas, sin muchas escaleras para los más pequeños, ventanas amplias que proporcionasen luz a las aulas, y los más altas posibles respecto al piso de la calle, para no quedar expuestas a las miradas del publico y no se interrumpiesen las tareas (CAPEL, 2005, p. 3912). 125 CARDOSO, C. A. DE A. O LUGAR DA ESCOLA NA CIDADE... O referido autor prossegue demonstrando que a cidade como sede da ciência e da cultura sempre concentrou equipamentos educativos e culturais, adquirindo mais ou menos importância em função da conformação das mentes e das atitudes. Na Parahyba do Norte, com o crescimento da cidade e as modernizações advindas do processo de urbanização, um sistema escolar vai sendo paulatinamente instalado e escolas vão sendo inauguradas mediante grandes festividades e grandes solenidades. Nestas solenidades, em geral, são onde se ressaltam as doações de pessoas ilustres da oligarquia local, como podemos notar quando da “inauguração do prédio escolar Izabel Maria das Neves, que ocupa um prédio na capital doado pelo cel. Alípio Dias Machado que deu a escola o nome de sua mãe. (...) situado na avenida João Machado (EDUCADOR, 1921). Nesta intrincada relação, é necessário anotar que a Décima Urbana transfigura-se e é aprovada a Lei 544 de 1921, que “permite aos particulares construir prédios para escolas com a completa inserção de impostos e a garantia de 1% de rendimentos mensais sobre a quantia orçada”(EDUCADOR, 1922). Grosso modo, como se pode ver através dos tempos, em continuidades e descontinuidades, os espaços públicos e as instituições se modificam, se produzem e se reproduzem na dinâmica da cidade. A localização da escola e suas relações com o espaço urbano responde à padrões culturais e pedagógicos que as crianças e os jovens internalizam e aprendem. Luz, ventilação e asseio são elementos mecânicos que ganharam importância no século XIX e que se relacionam com o higienismo e com a industrialização. Na Parahyba do Norte, esta relação está mais articulada ao higienismo do que com a industrialização, com o republicanismo oligarca e com o positivismo científico. A escola como produto de cada tempo, caminha na cidade em busca permanente de seu lugar: itinerância, fixação e estabilidade. O que procuramos evidenciar é que para definir o lugar da escola na cidade, um lugar para a Escola Normal, será necessário compreender o conjunto de forças sociais, os mecanismos de sobrevalorização do espaço e do valor do solo, bem como os rituais simbólicos das representações da monumentalidade para avaliar as significativas diferenças dos lugares na cidade. Cabe verificar que a maneira como a escola se fixa na cidade é única, singular. A sua extensão implica na sua identificação enquanto configuração geográfica de um fixo no espaço, um prático-inerte. Ao fazer uma geografia histórica da localização podemos demonstrar as relações de interesses das instruções pedagógicas. Ou seja, a escola como lugar, pressupõe uma mobilidade das idéias e dos alunos na cidade que, em maior ou menor grau, contrapõe-se à idéia de um lugar do ensino como estável e fixo. 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BRAGA Profª Adjunta da Universidade Estadual de Feira de Santana [email protected] * O presente texto se constitui (com poucas alterações) num dos capítulos da tese de doutorado da autora intitulada “Aprender e Ensinar Geografia: a visão dos egressos do curso de Geografia da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana)”. São Carlos: EDUFSCar, 2006. Terra Livre Resumo: O presente artigo tem como preocupação central o ensino de Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental tomando como parâmetro as demandas formativas dos docentes postas pelas políticas educacionais a partir da década de 90 do século passado. O objetivo é analisar as possibilidades dos professores desse nível de ensino para desenvolverem uma Geografia Crítica considerando suas formações para o trabalho com a referida disciplina. A referida reflexão exigiu uma incursão em alguns estudos sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como a realização de uma breve revisão pelos fundamentos da ciência geográfica e sua relação com o ensino, revisão essa que resultou no estabelecimento de uma classificação das atuais tendências do ensino de Geografia em dois grupos: as Geografias Instituídas e as Geografias Instituintes. Palavras-chaves: Ensino de geografia; Séries iniciais; Formação docente; Políticas públicas; Ensino instituído e Ensino instituinte. Abstract: The present article has as a central concern the teaching of geography in the initial grades of basic education taking as parameter the formative demands to the teachers imposed by the educational policies from the decade of 1990 of the last century. The objective is to analyze the possibilities for the teachers of this level of education to develop a Critical Geography considering their formations to work with the related discipline. Such reflection demanded an incursion in some studies on the National Curricular Parameters, as well as the accomplishment of one brief revision for the fundaments of geographic science and its relation with education, which resulted in the establishment of a classification of the current trends of the teaching of Geography in two groups: Instituted Geographies and Instituting Geographies. Keywords: Teaching of Geography; Initial grades; Teaching formation; Public policies; Instituted and Instituting teaching. Resumen: El actual artículo tiene como preocupación central la educación de la geografía en las series iniciales de la educación básica que toma como parámetro las demandas formativas de los profesores impuestas por la política educativa a partir de la década de 90 del siglo pasado. El objetivo es analizar las posibilidades de los profesores de este nivel de la educación para desarrollar una geografía crítica, considerando sus formaciones para el trabajo con la citada disciplina. Esta reflexión exigió una incursión en algunos estudios sobre los parámetros básicos del plan de estudios nacionales, así como la realización de una breve revisión de los fundamentos de la ciencia geográfica y de su relación con la enseñanza, revisión que dio lugar al establecimiento de una clasificación de las tendencias actuales de la educación de la geografía en dos grupos: las Geografías Instituidas y las Geografías Instituyentes. Palabras claves: Enseñanza de la geografía; Series iniciales; Formación del profesorado; Políticas públicas; Enseñanza instituida y enseñanza instituyente. Presid en te Pru d en te An o 23, v. 1, n. 28 p. 129-148 Jan-Ju n /2007 129 BRAGA, M. C. B. INICIAIS... O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES Introdução Os avanços capitalistas das últimas décadas do século XX vêm comandando uma série de transformações, (re)adaptações, nas esferas econômicas, sociais, políticas, culturais, no mundo e, em especial, nos países da América Latina. A difusão dos ideais neoliberais foi e continua sendo necessária para garantir sua expansão e consolidação de forma harmônica e a escola, enquanto responsável pela educação formal da sociedade, incluindo importantes aspectos da formação para o trabalho, tem sido tratada como instituição de grande relevância nesse processo. Isto não significa que ela (a escola) absorva, incorpore e desenvolva essa função (de difusora da ideologia neoliberal) de forma simples e harmônica. Seu caráter social lhe confere uma complexidade de interesses que são plurais e contraditórios. Ao mesmo tempo em que desenvolve a função de reproduzir os interesses hegemônicos ela também pode apresentar resistência a eles. Parafraseando Pérez Gómez (2000), a escola possui espaços de relativa autonomia que podem ser usados para combater a tendência conservadora de reprodução dos interesses das classes dominantes. O Estado, apesar de ter o seu papel redimensionado frente ao avanço transnacional do capital, se mantêm como estrutura política responsável pela criação das condições necessárias para a implantação e movimentação desse capital nos mais variados territórios (SANTOS, 2003). No Brasil, a aliança do Estado com o neoliberalismo tem sido evidenciada pela criação de incentivos vultuosos a empresas estrangeiras que pleiteiam a instalação de filiais no nosso espaço, pela privatização de empresas estatais, pela flexibilização de direitos dos trabalhadores, pela redução dos investimentos na área social e pela liberdade controlada do processo educacional. É nesse contexto de expansão das políticas neoliberais e das formas como as mesmas vêm influenciando a organização do espaço brasileiro em todos os seus aspectos e sentidos, inclusive no educacional, que procuro analisar o ensino de Geografia desenvolvido no nosso país nas últimas décadas, em especial o ensino nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A referida análise tomou por base referências teóricas produzidas nas últimas décadas, a experiência da autora como docente de cursos de Pedagogias voltados para a formação de alunos que já atuam como professores nas séries iniciais na Universidade Estadual de Feira de Santana, Ba (UEFS) e em pesquisa realizada na mesma instituição nos anos de 2000 e 2001 intitulada “A problemática da alfabetização geográfica nas séries iniciais”. A participação do Estado no direcionamento do ensino de Geografia nas séries iniciais: breves considerações A atuação do Estado na área de educação pode ser analisada por vários vieses. Aqui, limito-me a destacar essa influência no direcionamento do processo de ensino básico. 130 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 A esse respeito vale a pena retroceder um pouco no tempo para entender o contexto em que são criados os atuais Parâmetros Curriculares Nacionais. Segundo Spósito (2002), durante a década de 70 do século XX ocorreu a universalização do ensino. Com o crescimento rápido da população brasileira, cresce, também rapidamente, a demanda por mais escolas e mais professores, principalmente para as séries iniciais do ensino fundamental. E “[...] sem uma proporcional qualificação dos seus recursos humanos, aviltados pelo rebaixamento dos salários, tornou-se imperiosa a necessidade de um currículo mínimo que orientasse a ação docente no ensino fundamental e médio” (p. 298). (Destaque da autora). É nesse contexto que o governo passa a investir mais sistematicamente na elaboração de documentos oficiais para servir de apoio para a grande massa de professores leigos e semileigos que ingressavam na profissão docente. Portanto, desde essa década, os documentos oficiais passaram “a orientar a formulação dos projetos pedagógicos escolares, os planos de ensino, as práticas educacionais e a elaboração dos materiais pedagógicos de apoio, sobretudo o livro didático.” (SPÓSITO, 2002, p. 24) Na década seguinte do referido século, anos 1980, deu-se o fim do regime militar e, concomitantemente iniciou-se um período considerado de abertura política, de maior liberdade de pensamento e expressão, enfim, de maior democracia. Na educação, foi época de bastante efervescência teórico-prática, de questionamentos sobre os rumos seguidos até aquele momento pelas diversas áreas de ensino e sobre os caminhos que poderiam ser trilhados dali em diante. Muitas secretarias de educação estaduais promoveram, em convênio com as universidades, grandes encontros, onde professores refletiam, estudavam, elaboravam os novos rumos do ensino em seus municípios. Foi um período de progresso, com um claro processo de descentralização política e de formulação de currículos básicos para o ensino fundamental e médio (ACRE, 2004; SPÓSITO, 2002). Mas esse foi um período curto. Já na década de 90 do mesmo século, o governo, agora civil, retomou o comando das políticas curriculares com a proposição dos PCNs. Desde então, o ensino básico (fundamental e médio) que substituiu os antigos ensinos de 1º e 2º Graus, tem como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais. A cada disciplina foram dedicados parâmetros gerais para servir de orientação para o ensino. Os rumos apontados para a disciplina Geografia, nos PCNs, na visão dos críticos educacionais da referida área, são bem mais que rumos, considerando a precária formação e condição de trabalho dos professores, principalmente os das séries iniciais. Frente a essa realidade, em vez de tomá-los como parâmetros, os professores, por falta de conhecimento para compreendê-los em profundidade, tendem a adotá-los de forma superficial e, até mesmo, equivocada, o que pode vir a ter conseqüências várias como, por exemplo, a prática de um ensino tendencioso porque acrítico, desenvolvido com base numa dependência técno-burocrática (do livro didático, de condições precárias de trabalho etc.) e não numa 131 BRAGA, M. C. B. INICIAIS... O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES efetiva assunção esclarecida da sua postura teórico-metodológica. Entretanto, a efervescência de discussões, críticas e propostas acerca do ensino de Geografia, desencadeadas, também1 , pelo lançamento dos PCNs, é bastante positiva, pois é um processo que tem alimentado o debate na área e, pela diversidade teórica nele presente, tem trazido contribuições bastante plurais que estão promovendo, no mínimo, inquietações naqueles que são os responsáveis diretos pelo desenvolvimento da disciplina, os professores. Isso significa que, ao falar de ensino de Geografia, há dois movimentos a considerar: o ensino desenvolvido de fato nas escolas (que não é uno), aqui denominados ensinos instituídos, e os ensinos instituintes, representados pelas propostas ou tendências teóricometodológicas que, na atualidade, combatem o ensino tradicional e que lutam para se tornarem instituídos. Em outras palavras, os ensinos instituídos são formados pelo conjunto das práticas já desenvolvidas com os alunos; aqueles que conseguiram sair da condição de projeto ou proposta pedagógica e se estabelecer enquanto prática. A luta por esse estabelecimento é que caracteriza os ensinos instituintes, luta essa que é dinâmica e histórica. Em cada momento histórico existiu e existirá ensino(s) instituído(s) e instituintes, os primeiros estabelecidos e os últimos tentando se estabelecer. Na prática, essa divisão entre ensinos instituídos e instituintes não é algo identificável empiricamente, facilmente percebível no exercício docente, até porque eles coexistem em maior ou menor grau. O ensino tradicional de Geografia, predominantemente desenvolvido nas séries iniciais do Ensino Fundamental (aqui tratado como o instituído), convive com alguns traços das propostas instituintes, sejam as oficiais (como os PCNs, que apresentam uma visão mais humanista e que se autodenominam ecléticas do ponto de vista teórico filosófico), sejam as não-oficiais (que apresentam uma visão mais crítica da Geografia, fundamentadas em referenciais marxistas e neo-marxistas). O ensino de Geografia nas últimas décadas: caracterização e fundamentos (onde os instituintes começam a serem instituídos) Ao se falar em ensino de Geografia no Brasil, faz-se referência, geralmente, a duas grandes tendências: as tradicionais e as “atuais tendências”, que por sua vez são mais conhecidas na literatura geográfica como Geografias críticas. De uma forma geral, não existem muitas polêmicas quanto às características do ensino tradicional de Geografia e nem quanto às suas funções políticas e ideológicas no 1 Na verdade, o movimento de crítica ao ensino de Geografia já vinha sendo construído nas universidades, desde a década de 80. 132 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 nosso meio teórico. Embora também esteja adotando o uso do referido termo, considero importante o desenvolvimento de estudos que questionem e investiguem com mais profundidade a pseudo homogeneidade metodológica com que o ensino tradicional é, em geral, mostrado. Afinal, se entendemos o ensino como uma atividade que envolve sujeitos sociais (alunos e professores), é importante atentarmos para o seu caráter plural e contraditório. Ou seja, tanto pode reproduzir interesses hegemônicos (como o fez!), quanto pode combatê-los, contestá-los. Entretanto, devido à insuficiência de tempo e de espaço para a realização de uma investigação no interior desse recorte me contento em apresentar alguns traços do que já foi produzido para construir um perfil (bastante sintético) do que tem se convencionado a chamar de ensino tradicional de Geografia. Carvalho (1998) chama a atenção para a função ou o papel político da Geografia, através da forte relação entre o seu surgimento como disciplina no final do século XIX, a formação dos Estados nacionais e a emergência do capitalismo industrial na Europa. Segundo a autora, nesse contexto a Geografia tornou-se uma disciplina importantíssima. E indaga: Qual além dela (Geografia) deteria melhor escopo teórico – metodológico para cientificamente auxiliar na criação e no fortalecimento do sentimento nacionalista, tão necessário para a consolidação dos estados nacionais? (E mais): a idéia de país deveria vir a fazer parte do imaginário coletivo, e nesse sentido a escola e a Geografia foram muito eficientes. É a Geografia que vai veicular conceitos importantes como o de país, apresentado basicamente no seu aspecto territorial e como se tudo fosse eterno. (CARVALHO, 1998, p.29) Com relação à criação do sentimento nacionalista vale lembrar que os recém-criados Estados-nações “necessitavam” envolver as populações em torno de ideais comuns, de sentimentos comuns em relação aos espaços que acabavam de serem reunidos para formar os novos Estados. Nesse sentido, a escola foi um dos instrumentos fundamentais na divulgação desses ideais e formação dos valores nacionalistas. A participação da Geografia como disciplina foi importante para inculcar o sentimento patriótico através do ensino de um espaço homogêneo, delimitado territorialmente, despolitizado nos seus diversos aspectos (sociais, políticos, físicos, culturais). Se, por exemplo, o Hemisfério Norte é mais desenvolvido do que o Sul as causas são naturais, não políticas. As referidas relações da Geografia disciplina com a formação dos Estados nacionais e com o desenvolvimento do capitalismo industrial, é que justificaram o surgimento da disciplina antes mesmo da criação oficial da ciência. Esse caminho inverso trilhado pela Geografia só corrobora a importância que o estado conferia à sua presença nos currículos das então nascentes escolas públicas. Portanto, é preciso não esquecer que a Geografia 133 BRAGA, M. C. B. INICIAIS... O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES sempre desempenhou um papel educativo-político, como, no mais, o saber escolar em geral. As relações entre o contexto político e econômico da Europa no final do século XIX e o surgimento da disciplina Geografia também dão sentido a algumas das principais marcas do ensino tradicional ressaltadas em trabalhos de vários geógrafos brasileiros (VESENTINI, 1992, 2004; CARVALHO, 1998, PEREIRA, 1989 entre outros): prioridade dada aos estudos de aspectos físicos do espaço e da localização (de aspectos naturais, capitais, países etc.), em detrimento dos aspectos sociais; tratamento isolado dos elementos do espaço ou o estudo dos elementos da Terra separados em diversas “gavetas”; desarticulação dos conteúdos com a vida dos alunos e o ensino do espaço como uma ordenação natural. Essa breve retrospectiva pela história do ensino de Geografia foram feitas pela influência que esse modelo de ensino europeu exerceu no desenvolvimento da disciplina no nosso país, principalmente na primeira metade do século XX. Apesar da diferença de contexto sócio–econômico, a Geografia desenvolvida nas escolas fundamentais do Brasil foi, predominantemente, a tradicional até algumas décadas atrás. Portanto, as características apontadas anteriormente como sendo típicas do ensino tradicional de Geografia, são aceitas como traços do ensino da referida disciplina no país. Embora ainda hoje continue presente nas escolas brasileiras, o ensino tradicional tem enfrentado sérias críticas e começado a conviver com outras tendências geográficas que podem ser classificadas em duas vertentes: a Nova Geografia, que teve suas origens após a Segunda Guerra Mundial, e as Geografias Críticas, mais atuais. O movimento de combate à Geografia Tradicional começou na academia (OLIVEIRA, 1994; CAVALCANTI, 1998)2 , já a partir de meados do século XX, com questionamentos sobre os fundamentos da ciência; depois acabou por envolver também a disciplina, que já há algum tempo vinha sendo questionada sobre sua relevância ou função na sociedade. Inicialmente questionava-se a Geografia ciência com base nos critérios da ciência moderna. Defendia-se a busca da cientificidade, a superação do empirismo presente nos estudos geográficos clássicos e a utilização dos novos instrumentos de trabalho colocados à disposição da pesquisa, graças ao progresso tecnológico. Essa busca resultou no surgimento da Nova Geografia, tendência sustentada no neopositivismo3 que também ficou conhecida como Geografia Quantitativa pelo fato de utilizar sobremaneira a Matemática e a Estatística como recursos de análise e de construção de modelos para os estudos geográficos. 2 J. W. Vesentini (2004) discordou, em trabalho recente, desta hipótese. Segundo ele, os movimentos de renovação da Geografia tiveram os professores de ensino fundamental e médio como pioneiros. 3 Doutrina que se notabilizou por aprimorar o positivismo através da recuperação das discussões acerca do que é ou não cientifico a partir do uso da linguagem matemática (SPOSITO, 2004). 134 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 O uso da matemática e da estatística e a aplicação de modelos teóricos aos quais a realidade deveria se submeter é o que de mais marcante a disciplina Geografia aproveitou da corrente teórica denominada Nova Geografia. Os elementos do espaço passaram a ocupar os livros didáticos acompanhados de muitas tabelas, gráficos, percentuais, enfim, números. Essas características deveriam conferir a cientificidade tão almejada pela Geografia, pela exatidão dos dados, pelo controle na aplicação dos modelos e pelo rigor teórico. Pedagogicamente, o ensino de Geografia continuou embasado na concepção de ensino centrada no professor que, por sua vez, é responsável apenas pelo repasse dos conteúdos, já que a produção do conhecimento ensinado é responsabilidade da academia, dos pesquisadores. Aprender, nessa perspectiva, continua sendo sinônimo de decorar (VESENTINI, 1994; KAERCHER, 2003; STRAFORINI, 2004). Em outras palavras, a Nova Geografia parece ter tido pouca influência na forma como os processos de ensinar e aprender eram tratados, principalmente no ensino fundamental4 . Segundo Vesentini (1994), a Nova Geografia não foi criada para a escola, mas para as grandes empresas públicas e privadas que necessitavam se reorganizar espacialmente visando à reprodução dos seus capitais. Pontuschka (1999) também concorda, mas ressalta que naquele período (de regime militar) medidas ligadas à política educacional do país [...] levaram para as escolas livros com saberes geográficos extremamente empobrecidos em conteúdos escolares, desvinculados da realidade então vivida e descaracterizados pelas propostas de estudos sociais, introduzidos pela Lei 5692/71, sendo muitos os livros que realizavam colocações de cunho altamente ideológico, valorizando as grandes obras dos militares como as hidrelétricas e as chamadas rodovias de integração [...]. (PONTUSCHKA, 1999, p.121) Ou seja, até pode ser que a Nova Geografia não tenha sido pensada, inicialmente, para o ensino, mas ela foi usada, sim, para divulgar a ideologia dos governos militares brasileiros. A desvalorização da Geografia como disciplina (que foi anexada à História quando da criação dos Estudos Sociais) e os questionamentos sobre o seu papel na formação do cidadão se intensificam a partir de 1960. As funções para as quais a Geografia havia sido criada já não eram mais tão importantes. O contexto havia mudado. As fronteiras, os limites dos Estados nacionais eram cada vez mais tênues, o processo de globalização econômica enfraquecera-os; os ideais burgueses respaldados nos ideais iluministas haviam sido desmascarados; o capitalismo começava a viver sua Terceira Revolução (técnico– científica) e a ciência moderna vivia o seu limiar (alguns teóricos até já anunciam sua 4 Nas universidades ainda houve inserções dos estudos relacionados ao desenvolvimento tecnológico, como as fotografias aéreas, o geoprocessamento de dados, dentre outros. 135 BRAGA, M. C. B. INICIAIS... O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES superação) (VESENTINI, 1994). Em síntese, as funções que haviam justificado a sua criação como disciplina escolar difusora dos ideais burgueses já não existiam mais e, por outro lado, os críticos do ensino tradicional de Geografia alegavam sua total falta de importância como disciplina escolar, o que justificava as iniciativas de construção de novas propostas para o ensino da referida disciplina (CARVALHO, 1998). A partir da década de 70 do século XX ganham espaço as Geografias Críticas, cuja denominação se deveu à forma crítica como foram tratadas tanto a Geografia Tradicional clássica, quanto a também considerada tradicional Nova Geografia. Segundo Oliva (1999, p. 34), “A Geografia brasileira vem convivendo com impulsos renovadores há pelo menos vinte anos”. São impulsos que se traduzem em novas propostas teóricas de explicação do mundo e que partem do pressuposto de que são as transformações sociais do nosso espaçotempo que estão exigindo da ciência geográfica, posturas teórico-metodológicas que consigam mostrar a realidade espacial para além da sua aparência. Para Pontuschka (1999, p.125), algumas dessas novas tendências que começaram a se destacar no meio acadêmico e que ficaram conhecidas como Geografias Críticas, “[...] têm como elemento unificador o materialismo histórico como método de investigação da realidade, buscando superar os diferentes dualismos que a Geografia sempre teve desde que se constituiu em um corpo sistematizado de conhecimento.” Ou seja, na visão da autora, apenas algumas dentre as várias tendências da Geografia que se reuniram no movimento de crítica à Geografia Tradicional possuíam esse elo comum, o materialismo histórico. Vesentini (1994, p. 36) vai mais além afirmando que as fontes de inspiração teórica das Geografias Críticas “[...] vão desde o marxismo (especialmente o do próprio Marx), até o anarquismo (onde se recupera autores como Elisée Réclus e Piotr Kropotkin) passando por autores como Michel Foucault, Cornélius Castoriades, Henri Lefrèbvre e outros.” Como vemos, Vesentini (1994) apresenta uma origem plural das Geografias classificadas como críticas. Para ele, todas as Geografias, marxistas e não-marxistas que surgiram ou re-surgiram combatendo a corrente Tradicional, passaram a integrar o grupo das Geografias Críticas. Já para Gardenal (apud CARVALHO, 1998, p. 46), a Geografia atual possui três “movimentos de ponta” que ele classificou como sendo: “Geografias interdisciplinares dialético–marxistas; Geografias interdisciplinares dialético– fenomenológico–existencialistas; Geografias transdisciplinares multiformes articuladas embrionariamente via paradigmas da complexidade [...].” O que parece é que, desde o início, os teóricos perceberam a existência de tendências ou propostas diferentes reunidas em torno do conceito de Geografia Crítica. Cada vez mais se firma a compreensão de que as propostas de renovação da Geografia que ganharam vulto a partir da década de 70 do século passado formaram um movimento bastante 136 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 heterogêneo do ponto de vista teórico e metodológico, o que vem demandando um olhar mais crítico sobre o uso indiscriminado do conceito em pauta. Na verdade, o uso comum do adjetivo “crítica” parece ser, numa certa acepção, pertinente para todas as Geografias que se manifestaram contrárias às práticas e concepções tradicionais dessa ciência e do seu ensino. E essa é a única razão pela qual optei por utilizar o conceito de Geografia Crítica como uma denominação geral que designa todas as atuais tendências teórico-metodológicas instituintes presentes na Geografia e no seu ensino. Entretanto, também considero que existem outros referenciais, que não apenas o dialético marxista sustentando esse movimento de renovação da Geografia e que, por isso, o conceito Geografias Críticas precisa de divisões internas, tal como afirmou Gardenal (apud CARVALHO, 1998). Ou seja, para usar o termo Geografia Crítica preciso do procedimento classificatório para identificar quais são essas tendências que estão reunidas sob esse rótulo. Ciente dessa necessidade e também ciente do risco de limitação, de empobrecimento, que representa qualquer tipo de classificação é que classifico as tendências instituintes do ensino de Geografia a partir de duas grandes perspectivas: Geografia Crítica Marxista (GeoCM) e Geografia Crítica Humanista (GeoCH). Apesar dos vários desdobramentos que sabemos serem ramificações dessas matrizes, pode-se afirmar que foram elas, as Geografias Críticas Marxistas e Humanistas que, nas décadas de 80 e 90 do século passado, impulsionaram o que ficou conhecido como movimento de renovação da Geografia. Em comum, as mesmas possuem o posicionamento teórico permanentemente crítico em relação às correntes Tradicionais5 , consideradas obsoletas quando se pensa nas necessidades dos novos tempos. Como podem ser caracterizadas essas duas tendências Críticas? Quem são os seus principais expoentes? Como e qual deveria ser o ensino de Geografia, nas suas perspectivas? E finalmente, quais são as influências e perspectivas dessas tendências da Geografia no ensino fundamental, principalmente nas séries iniciais, que se constituem na preocupação mais específica do presente trabalho? É o que apresentarei a seguir. Apenas ressalto que, pela grande quantidade de propostas e também pela grande repetição de idéias, o que tentei foi elaborar uma síntese das que, no meu entendimento, melhor as caracterizam. A Geografia Crítica Marxista (GeoCM) é formada por todas as propostas que utilizam como referencial teórico o marxismo. Alguns nomes se destacam na construção dessa tendência no ensino, como o de Milton Santos e o de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, considerados pioneiros desse processo. A obra “Para onde vai o ensino de Geografia” da Editora Contexto (1994), organizada por Oliveira é uma referência bibliográfica em cursos e concursos para professores em todo o Brasil e expressa a natureza pluralista das GeoCM. 5 O uso do termo no plural se justifica pela existência de diversas Geografias embasadas nos mesmos preceitos teóricos, mas com métodos de análises diferentes. Ex: Geografia Clássica, Nova Geografia, Geografia Comportamentalista, entre outras. 137 BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS... Milton Santos, por seu turno, é um pensador que se sobressaiu nos estudos e produções acerca da construção de uma Geografia Crítica de base dialética marxista. Algumas de suas obras (1990, 1994, 1999) são marcos na história da construção do que está sendo denominado de GeoCM. A Geografia Crítica Humanística (GeoCH) é constituída pelas tendências com visões mais fenomenológicas, que buscam apreender o espaço geográfico a partir da sua própria manifestação que é, para o sujeito conhecedor, “plena de sentido”. Nessa perspectiva, o espaço vivido ou o lugar é referência central de análise. No ensino, a expressão maior da tendência geográfica Crítica Humanista aparece na relevância que tem sido dada ao estudo do lugar, como espaço “revelador das práticas sociais” (SPOSITO, 2004). Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (BRASIL, 1997) defendem o conhecimento do espaço a partir da “subjetividade do imaginário” e das dimensões “singulares” da relação do homem com a sociedade. Vale ressaltar que essas duas grandes tendências (GeoCM e GeoCH) não se encontram tão claramente definidas nos trabalhos e práticas dos geógrafos, sejam professores ou técnicos. No ensino, então, é comum perceber o entrelaçamento de ambas. Uma das características presentes nas propostas Críticas, principalmente na GeoCM, é “[...] o fato de explicitarem as possibilidades da Geografia e da prática de ensino de cumprirem papéis politicamente voltados para os interesses das classes populares.” (CAVALCANTI, 1998, p. 20) A crença de que não existe ciência e nem ensino neutro fez florescer muitos trabalhos que, de forma clara ou implícita, defendem uma prática que tenha por objetivo a construção de um mundo menos injusto, mais igualitário. Callai e Callai (1998, p. 65), por exemplo, afirmam que: [...] Ao invés de conhecer e descrever para se adaptar, se ajustar, devemos procurar entender o espaço como resultado de uma dinâmica e, então, dar condições ao aluno para que se situe nesse processo. Deve-se reconhecer que é possível construir o espaço, e que a forma como ele se apresenta, no momento atual, é o resultado da história de quem vive nele e como vive.” Também Vesentini (1994, p.36) defende uma “[...] Geografia que concebe o espaço geográfico como espaço social, construído, pleno de lutas e conflitos sociais [...] No ensino, ela preocupa-se com o senso crítico do educando e não em arrolar fatos para que ele memorize”. Esta é mais uma característica das tendências instituintes, tanto da GeoCM, quanto da GeoCH: a crítica e o combate ao ensino como sinônimo de repasse de conteúdos e de aprendizagem como simples memorização. O ensino construtivista, onde o conhecimento é elaborado a partir da participação ativa do aluno, orientado ou mediado pelo professor, é mais uma característica comum. Essa concepção é responsável pela postura metodológica 138 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 de valorização do saber do aluno e, por conseguinte, do seu lugar no processo de construção dos conhecimentos trabalhados pelas escolas. Isso fica patente nesses pensamentos textualizados: O ensino de Geografia no século XXI, portanto, deve ensinar - ou melhor, deixar o aluno descobrir, o mundo em que vivemos. (VESENTINI, 1995, p. 10) O conteúdo da Geografia [...] é o material necessário para que o aluno construa o seu conhecimento, aprenda a pensar. Aprender a pensar significa elaborar, a partir do senso comum, do conhecimento produzido pela humanidade e do confronto com os outros saberes [...], o seu conhecimento. (CALLAI, 2000, p.92). [...] O ensino de Geografia, assim, não se deve pautar pela descrição e enumeração de dados, priorizando apenas aqueles visíveis e observáveis na sua aparência [...]. Ao contrário, o ensino deve propiciar ao aluno a compreensão do espaço geográfico na sua concretude, nas suas contradições. (CAVALCANTI, 1998, p. 20). Com relação ao conteúdo a ser ensinado pela Geografia, também existem novidades. Alguns autores consideram que antes de se pensar em ensinar qualquer conteúdo é imprescindível para o professor saber o que é e para que serve a Geografia. Em outras palavras, pensar o conteúdo a ser ensinado não pode estar desvinculado de pensar que cidadão queremos ajudar a formar, para qual sociedade. De acordo com Kaercher (2002, p. 224), “sem saber o que queremos com nossa ciência, não há aluno que vá nos ouvir interessadamente”. Eu acrescento ainda: sem saber os objetivos de ensinar Geografia acabamos por praticar o ensino Tradicional no seu formato apolítico, por não se preocupar com qualquer tipo de mudança e que, portanto, pode se tornar hegemônico. O espaço vivido, entendido a partir de diferentes perspectivas teórico-metodológicas, vem sendo muito valorizado por ambas as tendências críticas da Geografia. Na visão de Kaercher (1998, p. 13), “[..] a Geografia existe desde sempre; e nós a fazemos diariamente. (È importante) romper então com aquela visão de que Geografia é algo que só veremos em aulas de Geografia”. Assim sendo, a aula de Geografia passa a ser defendida como espaço onde o aluno têm a oportunidade de discutir, analisar, compreender melhor o mundo em que vivem, os seus espaços de convivência, de sobrevivência, de lazer etc. Aliás, o espaço ganha status de categoria principal da ciência e da disciplina. O que muda são as formas de interpretação da sua ordenação. A Geografia Crítica Marxista prioriza a explicação da ordenação espacial da realidade, que existe objetivamente, a partir de fatores econômicos e políticos; sua fundamentação marxista também é responsável pela relevância dada à questão do entendimento do espaço para a sua transformação. Já na perspectiva humanística o espaço é visto muito mais como lugar, como realidade 139 BRAGA, M. C. B. INICIAIS... O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES subjetiva, ou seja, “[...] como espaço que se torna familiar ao indivíduo, é o espaço do vivido do experienciado” (CAVALCANTI, 1998, p. 89). Embora as explicações ligadas a fatores econômicos e políticos também estejam presentes como viés de análise, elas adquirem uma leitura mais subjetivista, que está associada à relação do indivíduo com o lugar. Enfim, em se tratando de referenciais teóricos são muitas as propostas de mudanças, tanto nos conteúdos quanto no tratamento dos mesmos. A pluralidade epistemológica é um aspecto que está posto como desafio para os pesquisadores interessados em entender mais aprofundadamente essas diferenças presentes nas atuais tendências do ensino de Geografia. No ensino de Geografia esses movimentos de oposição à Geografia Tradicional e de construção das Geografias Críticas também começam a se manifestar, inicialmente nas universidades e depois, com bem menos vigor, nas escolas básicas (VLACH, 1995). Ou seja, essa discussão mais teórica sobre o ensino de Geografia, as diversas tendências que se destacaram, por que se destacaram, as posições teóricas mais recentes, nem sempre está presente no cotidiano dos professores de Geografia, licenciados em cursos de nível superior e que militam na escola básica de 5a. à 8a. séries do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Se essas análises permeiam as conversas dos professores que formam esses profissionais docentes, nem sempre são feitas nos cursos de formação básica. Se isso é assim, nesse nível de formação e em cursos da área específica de Geografia, que se dirá sobre os cursos de formação e sobre a atuação dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental? Essa é a discussão que comporá o próximo item. Os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental e o ensino de Geografia Falar de formação de professores para ensinar Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental é uma tarefa difícil. Isto porque essa é uma discussão que não tem sido muito visada pelos pesquisadores, talvez pela própria complexidade que é encontrar soluções para o problema da locação dos conteúdos das áreas específicas na formação desses docentes. Nos cursos destinados à formação desses professores (Magistério e Pedagogia) não têm sido contemplados dois aspectos fundamentais para o desempenho de suas funções frente à disciplina: o “o que” e “como” ensinar Geografia. Essa característica da maioria dos cursos de formação de Pedagogia de não contemplar a aprendizagem dos conteúdos curriculares a serem ensinados nas séries iniciais, mas apenas as suas metodologias, é um dos fatores que contribui para que a discussão não se coloque nos âmbitos universitários. É também, talvez, um dos motivos pelos quais os professores dessas séries nem sempre ensinem esses conteúdos e priorizem a leitura, a escrita e a matemática. Com isso, os professores das séries iniciais permanecem bastante distanciados das discussões teóricas e propostas mais recentes para o ensino da Geografia. Suas aprendizagens da disciplina foram construídas, em geral, a partir do ensino que tiveram 140 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 como alunos do ensino básico e da disciplina de Didática ou Ensino de Geografia, feitas no curso de Magistério e, no caso dos que possuem formação superior, de Pedagogia. As mudanças na prática de ensino desses professores são ainda mais sutis do que as dos professores das demais séries do Ensino Fundamental e Médio, podendo, mesmo, serem denominadas de preocupações ou inquietações, apenas. A principal delas, no meu entendimento, é a insatisfação com o ensino desenvolvido associada à frustração de não saber como praticá-lo de forma diferente. Minha experiência junto a esses professores me induz a afirmar que nos últimos anos eles têm tido conhecimento do surgimento de muitas “idéias” norteadoras de como ensinar Geografia: através de livros, artigos, dos PCNs, de cursos etc. Essas são as formas através das quais as Geografias Críticas vêm sendo apresentadas aos professores polivalentes. Esses contatos, bastante superficiais na maioria dos casos, aliados à insatisfação para com a prática de ensino desenvolvida, são responsáveis pela inquietação de uma parcela dos docentes com relação ao ensino que praticam. Eles sabem da existência de outras “formas” de ensinar Geografia, diferentes da que eles ensinam (quando ensinam!). Mas seus conhecimentos sobre elas são muito incipientes (ou mesmo inexistente) para que as coloquem em prática com autonomia e segurança. Na visão de Marcelo García (1999), essa inquietação é uma característica positiva, pois um dos fatores determinantes no processo de mudança na prática docente é a autoconsciência da fragilidade do ensino desenvolvido. Na ausência de uma fundamentação clara e segura de como ensinar uma Geografia Crítica os professores optam, geralmente ou por permanecerem ensinando a Geografia que aprenderam quando alunos, mesmo que insatisfeitos, ou por mesclarem esse ensino com algumas práticas por eles traduzidas das atuais tendências. O problema dessas interpretações é, novamente, a falta de embasamento teórico específico, que “constitui um dos principais inibidores do trabalho dos professores que atuam nessa fase do ensino, determinando, assim, o exercício de uma prática em que os conteúdos são ensinados sem uma articulação com os objetivos maiores da disciplina” (BRAGA E SILVA, 2001, p. 123). Ou seja, mesmo querendo mudar, os professores se ressentem com suas formações que, via de regra, enaltecem os conhecimentos pedagógicos e didáticos em detrimento dos específicos da matéria. Em função disso, e também da inexistência de uma formação continuada que possa minimizar essa carência, suas tentativas de praticar um ensino de Geografia de mais qualidade, menos estático, acaba se constituindo apenas num ensino diferente, que suprime algumas características da abordagem considerada tradicional, mas que ainda está longe de se constituir num ensino crítico. Todavia, os tipos de conteúdos ensinados sofreram algumas alterações. Em geral, não se pautam mais, apenas, em nomenclaturas dos aspectos geográficos (naturais) considerados importantes e em dados matemáticos dos aspectos populacionais e econômicos; 141 BRAGA, M. C. B. INICIAIS... O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES agora já são ressaltados aspectos da vivência cotidiana do aluno, como por exemplo, o bairro, a escola, o município, a cidade, a comunidade etc. Em outras palavras, os conteúdos já não exclusivamente aqueles mostrados em fotografias nos livros didáticos, mas também os aspectos espaciais mais próximos das crianças. Os livros didáticos, fortes direcionadores do ensino, também sofreram algumas transformações em relação aos tipos de conteúdos abordados. Alguns deles já incentivam os docentes a incluírem aspectos do espaço mais próximo do aluno, da escola, do bairro etc. Os manuais do professor oferecem orientações de como os conteúdos devem ser tratados e através deles é possível perceber que o aluno está sendo mais requisitado a mostrar o que sabe sobre o espaço geográfico. Ou seja, tanto pelos livros didáticos, quanto pela descrição que os professores fazem de suas aulas é possível visualizar uma pequena mudança na relação do aluno frente aos conteúdos de aprendizagem. Estes já não são mais tão artificiais, tão alheios aos alunos quanto o eram. Mas o que isso pode significar? Essa é uma questão que precisa ser mais aprofundada para que se possa afirmar seu verdadeiro sentido. Apesar de adotar como conteúdo os espaços de vivência do aluno (a família, o bairro, a cidade...) os professores parecem não ter clareza do para quê (finalidade) e do como esses espaços devem ser ensinados. Ou seja, por falta de referencial teórico e metodológico, as tentativas de realizar um trabalho crítico acaba se tornando, no mais das vezes, num mero estudo de paisagem, ou seja, do visível, do exposto à visão de todos. A paisagem, segundo Santos (1999), é a forma congelada do espaço geográfico, num dado momento. Entendê-la pressupõe descongelá-la, ir além dela, buscar sua(s) função(ões) para a sociedade que a mantém. E isso só é possível fazer com o mínimo de conhecimento acerca das bases teóricas e metodológicas que constituem a disciplina. Em síntese, é difícil falar do ensino de Geografia praticado nas séries iniciais, quando o objetivo é caracterizá-lo a partir do surgimento das atuais tendências ou propostas instituintes. As pesquisas são bastante escassas, o que dificulta ainda mais o trabalho. As propostas instituintes oficiais ou as diretrizes governamentais para o ensino de Geografia (PCNs), chegaram às escolas ainda no final da década de 90 do século passado. Nesse material já é defendida uma concepção de Geografia [...] que não seja apenas centrada na descrição empírica das paisagens, tampouco pautada exclusivamente na interpretação política e econômica do mundo; (mas) que trabalhe tanto as relações socioculturais da paisagem como os elementos físicos e biológicos que dela fazem parte, investigando as múltiplas interações entre eles estabelecidas na constituição de um espaço: o espaço geográfico. (BRASIL, 1997, p. 106) Como vemos, a concepção dos PCNs expressa nessa citação é bastante eclética, dando margem para o ensino do espaço geográfico tanto numa perspectiva GeoCM, quanto na GeoCH. Se alguma dessas concepções de Geografia está ou não sendo perseguida, 142 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 como isso está sendo feito, até onde esse processo já caminhou, são questionamentos que ainda estão postos e que precisam ser contemplados pelos pesquisadores, a fim de que tenhamos mais sustentação para falarmos de qual(is) ensinos de Geografia está(ão) sendo praticado(s) nas séries iniciais do ensino fundamental. Frente a isso, as colocações que faço sobre o ensino de Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental são resultantes, em grande medida, da minha própria experiência profissional, o que só serve para aumentar o desejo de conhecer melhor e de forma mais profunda essa realidade. No nível da reflexão, entretanto, alguns teóricos da área (PONTUSHCKA, 1999; SPOSITO, 1999; OLIVEIRA, 1999) têm se debruçado sobre os PCNs de Geografia e realizando análises bastante críticas dos mesmos, apesar de não negarem os avanços que eles representam. Essas críticas são direcionadas para vários elementos componentes das diretrizes: concepção de Geografia, grau de complexidade das orientações metodológicas frente à formação dos docentes, vinculação aos interesses políticos internacionais, dentre outros. As críticas aos PCNs de Geografia para o ensino fundamental são originadas, dentre outras razões, do descontentamento de uma parcela de geógrafos com os rumos teóricos assumidos (às vezes, implicitamente) pelas referidas diretrizes, bem como a forma centralizada como se deu sua elaboração que, segundo eles, desconsideram o trabalho que já vinha acontecendo em alguns estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Acre etc.) de construção de propostas curriculares participativas e inovadoras, cujos fundamentos eram marxistas. Para esse grupo, aqui tratado como defensor do ensino instituinte não oficial, embora os PCNs se autodenominem ecléticos (permitirem interpretações teóricas bastante plurais), sua análise revela que em vários trechos do seu texto são feitas defesas de abordagens teóricas que valorizam as dimensões subjetivas, individuais, dos sujeitos, em detrimento das explicações socioeconômicas (SPOSITO, 1999). A falta de correspondência entre as suas propostas e a realidade dos professores que atuam na maioria das nossas escolas é outra acusação que pesa sobre as diretrizes oficiais para o ensino de Geografia. Na visão de Pontuschka (1999, p. 16) o texto dos PCNs, de natureza eclética, construído por geógrafos de pensamento teórico diversos, é acessível apenas a uma [...] minoria de professores bem-formados, que com maior ou menor intensidade, já conhecem a bibliografia geográfica mais atualizada e acompanham a trajetória percorrida pela ciência geográfica em suas diferentes vertentes e também seu ensino como disciplina escolar nas últimas décadas. O texto é teórico demais para o professor que ainda utiliza o livro didático como a sua única ou principal bibliografia. A autora está se referindo aos professores de Geografia das séries finais do ensino 143 BRAGA, M. C. B. INICIAIS... O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES fundamental que, com muito mais freqüência, possuem uma licenciatura nessa área ou em Estudos Sociais. Ou seja, mesmo que de forma deficiente, esses professores já estiveram em contato por três ou quatro anos com os conteúdos geográficos. Pensando nesse público, é que ela considera os PCNs da Geografia complexos demais. Então me reporto para a realidade do nosso ensino das séries iniciais, onde a maioria dos professores possui o curso de Magistério em nível médio e uma minoria tem formação em Pedagogia ou Normal Superior. O conhecimento do conteúdo específico dessa disciplina, da sua teoria, do seu ensino, oferecido nessas formações é mínimo ou mesmo ausente. Eu me recordo, nesse momento, de algumas turmas de alunos de Licenciatura em Geografia da UEFS, que, chegando à disciplina Metodologia do Ensino, demonstravam carências teóricas básicas como o domínio de categorias conceituais, dentre as quais sempre aparecia a de território. E isso acontecia após três anos de formação superior onde os conteúdos curriculares são quase unicamente específicos. No caso dos professores das séries iniciais que têm apenas o curso de Magistério, essa formação específica fica limitada a uma Didática da Geografia, cujo objetivo é ensinar as formas como os conteúdos podem ser trabalhados junto às crianças. Como é possível que em cursos destinados a formar professores possa haver tamanha indiferença para com essa contradição? Como se aprende a ensinar o que é e como são construídos os territórios e as regiões geográficas quando não se sabe o que são e nem como os mesmos são formados? Essas questões não serão respondidas nesse trabalho, mas revelam uma das preocupações que deu origem a ele. Por outro lado, os currículos dos cursos superiores continuam cometendo a mesma falha. No caso específico da licenciatura Pedagogia: Séries Iniciais do Ensino Fundamental da UEFS foi ofertada, no último ano do curso, a disciplina Ensino de Geografia, com uma carga horária de 90 horas anuais. Pela ementa da disciplina6 , percebese uma preocupação em suprir em parte essa carência teórica associando conteúdo com possibilidades de tratamento didático. Apenas a título de exemplo, consta na ementa “Correntes do pensamento geográfico: características e influências no ensino da Geografia brasileira”, o que demonstra a intenção de que fosse abarcado na disciplina um mínimo de teoria acerca das suas principais tendências teóricas. Mesmo assim convém ressaltar que 90 horas7 é um tempo bastante reduzido para se trabalhar conteúdo específico (inclusive a teoria da ciência) e metodologia do ensino. E isso representou um grande avanço frente ao currículo do curso de Pedagogia da UEFS que contempla uma única disciplina, Fundamentos do Ensino de Geografia, cuja carga horária era de 60 horas! Analisando os PCNs de Geografia destinados ao ensino das séries iniciais é possível 6 Vale esclarecer que fui uma das professoras a participar da construção da referida ementa. A carga horária total foi aumentada para 150 horas, a partir de 2002, distribuídas em duas disciplinas de 75 horas cada. 7 144 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 entender a preocupação expressa por Pontuschka (1999) com o nível de exigência teórica dos mesmos. Vejamos alguns trechos do texto do referido documento: Embora o espaço geográfico deva ser o objeto central de estudo, as categorias paisagem, território e lugar devem ser abordadas, principalmente nos ciclos iniciais, quando se mostram mais acessíveis aos alunos [...] (BRASIL, 1997, p.10). O território é uma categoria importante quando se estuda sua conceitualização ligada à formação econômica e social de uma nação. Nesse sentido, é o trabalho social que qualifica o espaço, gerando o território [...] (BRASIL, 1997, p.10). Para estudar essa categoria (território) é necessário que os alunos compreendam que os limites territoriais são variáveis e dependem do fenômeno geográfico analisado. [...] Além disso, compreender o que é território implica também compreender a complexidade da convivência em um mesmo espaço, nem sempre harmônica, de diversidades de tendências, idéias, crenças, sistemas de pensamento e tradições de diferentes povos e etnias (BRASIL, 1997, p.111). Esses são apenas alguns poucos dos muitos exemplos de momentos em que o texto dos PCNs dá mostras de que os conhecimentos teóricos específicos exigidos para que um professor siga suas orientações estão muito além do que é oferecido nas nossas formações. Assim, a carência de uma formação consistente para a docência da disciplina faz com que muitos professores das séries iniciais desenvolvam um ensino com significado bastante restrito, onde os conteúdos são trabalhados de forma mecânica, técnica, isolados dos contextos sociais dos alunos (BRAGA e SILVA, 2001). Diante dessa realidade é precisamos questionar a formação dos professores de Geografia das séries iniciais frente aos currículos oficiais e pensarmos no que, de fato, é possível (e desejável) ser contemplado em suas trajetórias formativas a fim de que os mesmos possam proporcionar às crianças o desenvolvimento de capacidades que lhes permitam apreender a realidade a partir do seu viés espacial, pois como disse Cavalcanti (1998, p. 24), “[...] se tem a convicção de que a prática da cidadania, sobretudo nessa virada de século, requer uma consciência espacial”. Portanto, o ensino de Geografia tem um papel importante na formação das crianças e adolescentes da atualidade, que vivem numa realidade complexa, conflituosa, contraditória e injusta. É sua função provê-los de conhecimentos que lhes permitam compreender essa realidade (espacial) para poderem exercer verdadeiramente suas cidadanias. E essa consciência espacial é responsabilidade da escola e, em especial, dos professores de Geografia. Considero que a contribuição maior que esse estudo deixa para os leitores é a reflexão acerca da estrutura curricular dos cursos que formam professores para as séries iniciais e da importância do trabalho dos professores formadores que ensinam as didáticas específicas (da Geografia, da História, da Matemática etc). Como aliar conteúdos 145 BRAGA, M. C. B. O ENSINO DE GEOGRAFIA NAS SÉRIES INICIAIS... específicos e didáticos na formação desses docentes? É possível (e viável) incluir nas grades curriculares desses alunos disciplinas de conteúdos específicos? Quando defendo o aumento da carga horária das disciplinas em pauta defendo um trabalho que procure reunir, partindo dos conhecimentos e experiências desses alunos, o conteúdo específico ao didático ou o como ao o que. Essa relação poderia contribuir não apenas para uma otimização maior do tempo dedicado a essas disciplinas, mas também para munir o professor de saberes fundamentais para sua prática, os didáticos e os dos conteúdos específicos. Considerações finais O ensino de Geografia tem recebido um aumento considerável das atenções dos pesquisadores nas últimas décadas. São vários os trabalhos que tem se dedicado a tratar do tema, sejam propondo formas de abordagens dos conteúdos (CASTROGIOVANNI, 2000, 1998; CALLAI e CALLAI, 1998), sejam discutindo teorias e defendendo posicionamentos metodológicos críticos (CALLAI, 2000; CAVALCANTI, 2002, 1998; KAERCHER, 2000). Entretanto, ainda são poucos os que têm se voltado para o ensino nas séries iniciais, principalmente quando se trata de enfocar a questão da formação do docente que aí atua. O presente trabalho buscou mostrar um pouco dessa carência. As análises acerca da formação dos professores que atuam nas séries iniciais e do ensino que desenvolvem apontam para a grande discrepância existente entre as orientações presentes nas políticas governamentais (PCNs) e as suas reais formações teóricas e metodológicas para ensinar Geografia. Por um lado o governo espalha pelas escolas de todo país orientações curriculares para o ensino nessas séries, orientações essas que demandam conhecimentos específicos e didáticos que a maioria dos docentes não possuem. Por outro lado, a formação desses docentes para ensinar Geografia ainda continua muito tênue, mesmo quando se dá em nível superior (BRAGA, 2006). Frente a esse quadro urge a necessidade de estudos que diagnostiquem a situação do ensino e da aprendizagem de Geografia nas séries iniciais e que possam assim, servirem de base para reflexões e possíveis orientações curriculares que, de fato, venham contribuir para a melhoria da formação dos docentes, condição imprescindível para o aumento da qualidade do processo de aprendizagens das crianças, qualidade essa entendida como compreensão da realidade espacial para além do visível, da sua mera descrição e representação. Referências ACRE. Secretaria de Estado de Educação. Gerência Pedagógica de Ensino Fundamental. Referencial curricular para o ensino de Geografia. Rio Branco, 2004. BRAGA, M. Cleonice B. Aprender e Ensinar Geografia: A visão de egressos do curso de Pedagogia da UEFS. São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Educação, 2006. 247p. 146 Terra Livre - n. 28 (1): 129-148, 2007 (Tese, doutorado em Educação: Metodologia do Ensino). BRAGA, M. Cleonice B. SILVA; Célia R. B. 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Recebido para publicação dia 16 de Abril de 2007 Aceito para publicação dia 20 de Julho de 2007 148 ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO PARA O LICENCIANDO EM PEDAGOGIA STUDIES IN GEOGRAPHY: A CHALLENGE TO PEDAGOGY GRADUATES ESTUDIOS EN GEOGRAFÍA: UN DESAFÍO PARA EL LICENCIADO EN PEDAGOGÍA MARCEA ANDRADE SALES Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Educação/Campus I, Salvador/ BA Universidade do Estado da Bahia – DEDC/Campus I [email protected] Resumo: O ensino na Licenciatura em Geografia para futuros professores nos dá a possibilidade de rever e reeditar os modelos de ensino que vivenciamos em nossa própria formação docente (inicial e continuada). Trabalhar com esta ciência em outro campo do saber, como a Educação, certamente, amplia e diversifica muito a nossa ação docente com estes futuros professores que têm seu campo de trabalho atividades com crianças. Com as reformas curriculares vivenciadas do ano de 2000 para cá, a Geografia ingressou, também, nos cursos de Pedagogia, o que tornou imperioso pensar o ensino desta ciência nas séries iniciais. Chegamos, então, a duas áreas do conhecimento – Geografia e Pedagogia – , amalgamadas pela Educação. Por entender as especificidades da formação do professor da 1ª a 4ª série (Ensino Fundamental), este texto tem o foco no estudante licenciado e discute a necessária relação que deve existir entre a Geografia e a Pedagogia para o ensino dialogado e multireferenciado nestes campos de conhecimento. Palavras-Chave: Geografia; Formação docente; Currículo; Educação geográfica; Pedagogia. Abstract: The teaching in the Geography Degree courses gives us the opportunity to review and to re-edit the teaching methods which we experienced during our formation process as teachers (initial and continuous). To work with this discipline in a different knowledge field, such as education, certainly amplifies and diversifies a lot our practice with these future teachers whose work focus will be primary school. Since latest educational curriculum reforms, in 2000, Geography has been put as an official discipline in Pedagogy courses, which made it imperious for us to rethink our teaching practices at Primary school level. Following these ideas we came to the two sciences – Geography and Pedagogy – linked by Education. The present work focuses on graduate students and discusses the necessary relation of Geography and Pedagogy for a dialogic and multireferenced teaching within these knowledge fields. Keywords: Geography; Teachers Formation; Curriculum; Geographical Education; Pedagogy. Resumen: La enseñanza en la Licenciatura en Geografía para futuros profesores nos da la posibilidad de rever y reeditar los modelos de enseñanza que vivimos en nuestra propia formación docente (inicial y continuada). Trabajar con esta ciencia en otro campo del saber, como la Educación, seguramente, amplía y diversifica mucho nuestra acción docente con estos futuros profesores que tienen como su campo de trabajo actividades con niños. Con las reformas curriculares experimentadas desde 2000 hasta hoy, la Geografía ingresó, también, en los cursos de Pedagogía, lo que volvió imperioso repensar la enseñanza de esta ciencia en las series iniciales. Llegamos, entonces, a dos áreas del conocimiento – Geografía y Pedagogía –, amalgamadas por la Educación. Buscando comprender las especificidades de la formación del profesor de la 1ª a la 4ª serie (Enseñanza Fundamental), este texto tiene el foco en el estudiante licenciado y discute la necesaria relación que debe haber entre la Geografía y la Pedagogía para la enseñanza dialogada y multireferenciada en estos campos de conocimiento. Palabras clave: Geografía; Formación docente; Currículo; Educación geográfica; Pedagogía. T e r r a L iv r e P r e si d e n te P r u d e n te An o 23, v. 1, n . 28 p . 1 4 9 -1 6 2 Jan -Ju n / 2 0 0 7 149 SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO... O ensino da Geografia O início dos meus trabalhos acadêmicos se deu na Licenciatura em Geografia1 , quando passei a desenvolver atividades de ensino e pesquisa com futuros professores. Hoje, ao dar continuidade a este trabalho no ensino na Licenciatura em Pedagogia2 me vejo diante de um grande desafio: repensar o ensino da Geografia para os professores das séries iniciais do ensino fundamental. Com a crise paradigmática que tem tipificado a contemporaneidade temos assistido a algumas reformas curriculares nos cursos de Licenciatura, do ano de 2000 para cá. Reformas estas que buscam romper com o modelo dicotomizado e hierarquizado da escola moderna. Vivemos, neste momento, algumas experiências docentes que têm valorizado o diálogo entre os vários campos do saber e os atores que vêm desenvolvendo trabalhos com a Geografia, e estes, por sua vez, têm tentado cumprir o ideal de uma ciência humana, ou pelo menos, uma ciência feita para e pelas sociedades. É grande o repertório de discussões que tematiza a formação do professor de Geografia (em seus vários segmentos), e podemos potencializar esta discussão ao colocarmos em foco o Licenciado em Pedagogia que, muitas vezes, não tem os conhecimentos mínimos para o ensino daquela ciência em sua formação inicial. O resultado desta prática é um ensino caricaturado em atividades curriculares que, muitas vezes, esvaziam os conteúdos próprios da Geografia, além de reforçar a memorização destes conteúdos, no geral, descontextualizado da vida docente. O ensino na Licenciatura em Pedagogia Para iniciar minha reflexão neste texto, começo destacando o processo de construção do conhecimento profissional pelos professores da 1ª a 4ª série. Assim, alguns questionamentos se apresentam para o debate: · · · o que caracteriza o conhecimento do professor das séries iniciais? quais as especificidades que este nível de escolaridade pressupõe? qual a natureza da formação profissional desse professor? Monodocência, práticas curriculares interdisciplinares e auto-implicação são aspectos destacados por Iria Brzenzinski (2001) ao se referir ao professor deste seguimento da educação. A autora destaca que a práxis social deste professor, no geral, é marcada pela preservação de uma herança cultural na qual ele é o principal agente interventor na 1 Universidade Católica do Salvador (1997-2000), Universidade do Estado da Bahia / Campus V (2001-2005) e Faculdades Jorge Amado (2003-2006). 2 Universidade Federal da Bahia (2000-2006) e Universidade do Estado da Bahia / Departamento de Educação - Campus I (2005 aos dias atuais). 150 Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007 preparação e na qualificação de novas gerações. É neste momento, quando a criança inicia seu período escolar, que o professor precisa estar atento para a construção de um conhecimento intrapessoal que integre e dê sentido à presença da criança na escola. Assim, os atores da educação na 1ª a 4ª série – professores e estudantes - têm sua relação marcada por laços afetivos e interatividade, para a construção de conexão entre o cotidiano intra e extra-escolar. Para Schulman (in CASTRO e CARNOY, 1997, p. 46) a dimensão do conhecimento do professor é marcada por alguns aspectos: · · · · · conhecimento do conteúdo da própria disciplina, tornando-o compreensível; conhecimento do currículo – programa e ferramentas de trabalho; conhecimento pedagógico geral – planejamento, avaliação...; conhecimento dos estudantes e suas características (contexto escolar); conhecimento dos fundamentos – objetivos, fins e valores educacionais. E quando esse professor é um educador da infância? Que contorno tem esta dimensão? Nos últimos anos a principal alteração social que afetou os cuidados com as crianças foi o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho que, passando a trabalhar fora de casa, contribuiu para que alguns aspectos da educação sofressem alterações: · · · maior número de crianças com menos de três anos na Escola; aumento da exigência quanto ao preparo profissional do professor; demanda de maior integração entre a Escola e a família Eis alguns destaques que têm contribuído para o debate sobre a formação do licenciado em Pedagogia3 , e que, ao mesmo tempo em que o integra no campo da educação, especificam suas atividades a partir dos trabalhos desenvolvidos com estudantes nas primeiras fases de aprendizagem. Nos primeiros anos de vida a aprendizagem é mais rápida e intensa. As crianças são naturalmente curiosas e essa “chama” deve ser mantida para que promova seu bem estar, sua exploração e descoberta ativa, autônoma e criativa. Por outro lado, o que o professor observa na criança decorre das suas próprias concepções e postura de vida. Cada criança, na complexidade do ser humano, carrega seu “mistério”, o que faz com que o acompanhamento do seu desenvolvimento seja inquietante. O conhecimento de uma criança é constituído pela sua apropriação e por suas próprias idéias que se desenvolvem para a coerência. Acompanhá-la em seu desenvolvimento 3 Historicamente, este profissional foi chamado de pedagogo, mas as Diretrizes Curriculares para o Curso de Licenciatura em Pedagogia, editadas em 2006, enfatizam o trabalho deste profissional como licenciado e não mais técnico, como tínhamos em alguns currículos até o início do ano 2000. 151 SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO... exige um olhar teórico-reflexivo sobre seu contexto sócio-cultural e manifestações decorrentes do caráter evolutivo do seu pensamento. Significa respeitá-la em sua individualidade e em suas sucessivas e gradativas conquistas e conhecimentos (que deveria ser em todas as áreas). Os cursos de Licenciatura em Pedagogia ainda privilegiam (ou priorizam) esta perspectiva e, talvez, por isto, seus currículos estejam recheados de atividades que promovem a reflexão e a teoria sobre o desenvolvimento cognitivo do estudante nesta fase de ensino. Porém, ainda é possível observar uma grande lacuna para o diálogo da Didática com outros campos do conhecimento e seus respectivos (e específicos) objetos de estudo para uma leitura e análise mais ampla. Como uma criança descobre e conquista o mundo? E seu domínio da língua? Que apropriações ela vai construindo com o espaço dentro do seu cotidiano? Ao buscar compreender a criança, o professor deve redimensionar o seu fazer a partir do mundo infantil descoberto e ressignificado, contribuindo para a qualidade da sua interação. Por isso, é preciso atentar que, nesta fase, nem sempre, compreendem-se os conceitos usados pelos adultos, já que a possibilidade desta compreensão de conceitos necessários à aprendizagem é inerente ao nível de desenvolvimento de cada um. O ensino da Geografia para a criança Se a criança nem sempre compreende os conceitos usados – incluindo-se, aí, àqueles veiculados na Escola -, como trabalhar conceitos relativos à noção de espaço, por exemplo. Passini (2002) em seu livro O espaço geográfico: ensino e representações, afirma que é preciso considerar três aspectos: 1. A construção da noção de espaço pela criança por meio de um processo psicosocial no qual ela elabora conceitos espaciais através de sua ação e interação em seu meio. A criança tem uma visão Sincrética do mundo, tendo os objetos e espaços que ocupa como indissociáveis. A posição do objeto é dada em função do todo e a ação percebe esse todo e não cada parte. Assim, até os seis anos a localização e o deslocamento são definidos a partir das referências (posição) da própria criança. Sabemos que pela sua psicogênese a noção de espaço vai sendo apreendida a partir do Espaço Vivido, acumulando o Espaço Percebido, até realizar a idéia de Espaço Concebido. É preciso esclarecer que estas não são fases estanques, mas cumulativas e que integram o processo de construção da noção de espaço. A idéia apresentada por Passini converge com os estudos de Piaget sobre os estágios de desenvolvimento da criança – Sensório Motor, Pré-Operatório e Operações Concretas e Formais. Assim, a criança, desde sua afetividade egocêntrica até o início da sua autonomia e formação da sua personalidade, vai elaborando conceitos, preparando-se para sua inserção e adaptação ao mundo adulto. 152 Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007 2. O aprendizado espacial no contexto sociocultural como instrumento necessário à vida das pessoas para uma visão consciente e critica do seu espaço social. A exploração do espaço, desde o nascimento, ocorre com as experiências que a criança realiza no seu entorno. Em sua memória corporal são registradas as referências laterais e as partes do corpo que servirão de base para seus referenciais corporais. A solução de problemas pela criança se inicia quando surgem os sentimentos primitivos – gostar ou não gostar, por exemplo. Quando tem início seu comportamento social, ela já é capaz de ter pensamentos pré-lógicos (expressão cunhada por Piaget). A partir da manifestação da sua vontade e do início da sua autonomia, a solução de problemas concretos torna-se possível. Assim, a base cognitiva sobre o qual se delineia a exploração do espaço, depende de funções motoras e da percepção do espaço imediato, pois a consciência está diretamente relacionada ao amadurecimento do sistema nervoso e da representação que a criança faz de si e do mundo em relação a ela. 3. O preparo para o domínio espacial, assim como o da língua, do pensamento lógico e científico, das habilidades artísticas e da educação corporal. O estudante das séries iniciais deve entrar em contato com as diversas concepções e visões de ensino da Geografia para elaborar e construir conceitos de forma significativa. Deve, ainda, começar a entender o espaço geográfico como estrutura da sociedade e considerar que as relações sociais produzem um conteúdo territorial, preparando-se para ser sujeito das suas ações. Há de se favorecer a observação da realidade, não como mera identificação de elementos, mas com o necessário levantamento de dados, classificação, comprovação e representação espacial. E para domínio do espaço é necessária a tomada de consciência do espaço corporal. Vê-se lançado, então, o desafio para o ensino da Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental, rompendo com o modelo que priorize a descrição e a memorização dos seus temas e conteúdos. A questão que nos acompanha está exatamente na formação docente deste professor, nas primeiras séries. O conhecimento geográfico que ele traz ao ingressar na Licenciatura é àquele adquirido no Ensino Médio e, o geral, reduz este campo como mais uma disciplina que adota memorização de dados – lugares, populações, aspectos físicos de uma dada paisagem etc. Já que é esta Geografia que o (futuro) professor das séries iniciais conhece, conseqüentemente vai ser esta mesma Geografia que ele vai (conseguir) ensinar para seus estudantes. Uma possível ruptura deste modelo de ensino descritivo e descontextualizado tem sido o trabalho com a disciplina Referenciais Teórico-Metodológicos da Geografia4 , quando temos discutido o ensino da Geografia nas escolas de Ensino Fundamental e Médio e na Educação de Jovens e Adultos, deslocando-o para o campo da ciência - uma ciência 4 Disciplina que passou a integrar o currículo da Licenciatura em Pedagogia nos cursos oferecidos a partir de 2001, no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia –Campus I. 153 SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO... eminentemente humana. Uma educação geográfica para a formação pedagógica A criança delineia suas impressões e percepções referentes ao domínio espacial desde os primeiros meses de vida. Mas, no sentido geográfico, este domínio refere-se a sua organização e a concepção de espaço. Daí a necessidade de enfatizar, mais uma vez que, também em um curso de Licenciatura em Pedagogia, a Geografia deve ser uma ciência voltada para a análise da realidade social e observação das suas configurações espaciais. Neste sentido, a organização social do espaço, considerando a relação sociedade e natureza feita através do trabalho, é um ato social que leva à construção de espaços diferenciados, o que redunda no desenvolvimento do domínio espacial que é realizado pelo homem desde sua infância. O bebê ao sentar amplia seu campo de visão, sua percepção dos objetos e seu deslocamento, podendo virar-se numa amplitude de 180º. A continuidade desse processo – do engatinhar ao andar – influencia na sua evolução motora, assim como no seu desenvolvimento físico e psicológico. Assim, a criança sempre reconstrói seu próprio espaço, pois está voltada para o espaço externo a partir das suas próprias dimensões e da sua capacidade de percebê-la, com sua imaginação transformadora. O desenvolvimento da noção espacial precede a escola, mas é nela onde ocorre a aprendizagem espacial voltada para a compreensão das formas pela qual a sociedade organiza seu espaço. E a apreensão do espaço é possível através da representação gráfica e com linguagem própria: a cartografia. A criança entre os cinco e sete anos toma gradativa consciência do seu corpo com suas partes. Nesse momento passa a ter a possibilidade de, aos poucos, projetar objetos e pessoas. É quando as relações espaciais topológicas elementares são “construídas”, estabelecendo espaço próximo e usando referências elementares – dentro/fora, perto/longe... Assim, a partir da construção da noção de espaço a criança começa a dar conta que o juízo que ela faz da localização, através das suas referências espaciais, muitas vezes não confere com o que acontece. A partir do próprio corpo (referência para localização) a criança começa a perceber que pode usar outros referenciais espaciais e, após os sete anos, ela passa a conservar a posição dos objetos e a alterar o ponto de vista, construindo relações espaciais projetivas. Isso ocorre juntamente com o surgimento noção de localização que situam os objetos em relação aos outros. Por isso, o trabalho com a orientação, localização, e representação deve partir do espaço próximo para o distante, abordando o primeiro em relação com outras instâncias espacialmente distantes. Ou seja, a realidade deve ser o ponto de partida e de chegada par o desenvolvimento do trabalho docente. Mas a herança da escola-fábrica em suas relações verticalizadas, na transmissão bipolar do conhecimento – professor para estudante -, na valorização do ordenamento dos 154 Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007 espaços escolares, ainda tem dificultado uma abordagem contextualizada e centrada no cotidiano tanto das professoras5 , quanto das suas crianças nas séries iniciais, o que nos leva a um dos conflitos atuais da Educação: demandas contemporâneas, mas soluções modernas para nosso estar na Escola. A educação na contemporaneidade Ao vivermos um tempo de acelerações a educação básica não escapou das suas repercussões. A organização escolar foi questionada, as vias da formação docente vêm sendo redefinidas e o currículo repensado pelos atores da educação. Na correnteza dessas mudanças percebemos a demanda de uma maior atenção para as metodologias de ensino, um equilíbrio entre os saberes docentes e as competências necessárias a uma educação para este século. É necessário, ainda, investir em um pensamento aberto, produtivo e criativo para por em suspensão uma ordem estabelecida e suas verdades que se pretendem definitivas. No entanto, as modificações na educação escolar passam, prioritariamente, pelos professores e pelos seus papéis, já que eles, em última instância, são os que interpretam os modelos de gestão, a organização da escola, o currículo, dentre outros aspectos que compõem o cotidiano escolar. (Mas) O professor é um sujeito de um tempo determinado, de uma sociedade concreta, que vive as contradições e as incertezas deste mesmo tempo e sociedade. É um indivíduo, com uma história de vida ligada a um estrato social, a uma família, num meio com tudo isso interferindo no desempenho do seu papel. Por isso, é necessário colocar este professor, desde a sua formação inicial, em contato com a dinâmica da escola básica, aproximando sua formação da experiência profissional e valorizando sua individualidade. Mesmo que ainda presenciemos a tentativa da manutenção de uma ordem, que redunda em um ensino que mantém algumas tradições, tem sido voz corrente as reflexões sobre os equívocos da unificação curricular. Nas sociedades primitivas a educação era uma tarefa coletiva – os adultos apresentavam às crianças e aos jovens códigos e valores do grupo. Entretanto, à medida que as sociedades ficaram mais complexas, a educação sofreu uma setorização e passou a ser trabalho de especialistas. Podemos ressaltar, aqui, duas características que a sociedade moderna deixou para a educação formal: · · unificação: pouca atenção prestada à diversidade cultural dos estudantes; repetição: extensão exagerada e desarticulação dos conteúdos. 5 O Curso de Pedagogia tem a maioria da sua população feminina e, consequentemente, a ocupação dos cargos e funções na escola também. Por isto, optei em adotar o gênero feminino ao referir às professoras deste segmento de ensino no texto. 155 SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO... Para problematizar o binarismo que ainda encontramos na nossa educação, penso ser necessário tencionar algumas questões para uma discussão sobre a educação básica. Isso não significa dizer que se trata de caracterizar o ensino como ”tradicional” ou “crítico”, como querem alguns, mas entender a necessária multiplicidade das questões que envolvem o ato de ensinar. Um exemplo deste tensionamento pode ser o debate sobre para quem ensinar – uma camada da sociedade ou todas as pessoas que a compõem? Ao propor o exercício de extrapolar o binarismo do pensamento moderno é preciso destacar que esta questão não se reduz à composição demográfica da escola, mas destacar a necessidade de uma mudança na sua cultura original, somada à reflexão sobre sua matriz curricular. Se condicionarmos o ensino ao mundo do trabalho fica difícil não incorrer na massificação da educação básica e, conseqüentemente, reforçar os dois aspectos ressaltados anteriormente: a unificação e a repetição do ensino. É necessário apostar em outras perspectivas que já podem ser consideradas realidade, como a relação de co-produção entre o professor e seus alunos. Daí a urgência de um currículo que valorize as diferentes possibilidades da formação docente e que insira o professor em uma cultura científica e tecnológica dessa nossa contemporaneidade. As metodologias de ensino também precisam valorizar a experimentação do ensino em todo o processo da formação inicial e continuada do professor, assim como garantir sua heterogeneidade sociocultural. O viés da articulação da escola com o mundo do trabalho pode contribuir para superar o condicionamento da primeira a este, passando a valorizar os componentes da profissionalização docente e garantindo a integração entre a teoria e a formação geral do professor: prática profissionalizante estreitada pela cultura tecnológica. Outro aspecto que demanda nossa atenção é a reorganização da escola. Nela é necessário que seja garantido que o docente seja visto como um centro de recursos educativos postos à disposição dos educandos para que, como nos indicou Paulo Freire, “a educação, qualquer que seja ela é sempre uma teoria do conhecimento colocada em prática”. (FREIRE, 1999, p.25) Contribuições da Geografia para a formação do licenciando em Pedagogia A Geografia apresenta-se como uma possibilidade para o alargamento do horizonte do conhecimento ao apresentar oportunidades concretas para o estudante-licenciado se instrumentalizar para a aquisição do saber geográfico. Ou seja, oportunizar formas de expressão através de leituras analíticas e compreensivas e a ampliação do conhecimento específico desta área. Uma das grandes questões que preocupam os professores, de modo geral, engloba duas dificuldades no seu cotidiano: · O que ensinar? Identificar o que é realmente significativo para o estudante, o que vai auxiliá-lo a situar-se no seu meio social, conhecendo e interpretando os fenômenos sociais, políticos e econômicos que regem a sociedade, são algumas reflexões possíveis 156 Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007 para essa questão. É preciso ter clareza da realidade educacional brasileira, das suas tendências no contexto atual, das perspectivas e necessidades que derivam desta realidade, e como isso reflete no nosso dia-a-dia como educadores na(s) nossa(s) escola(s). Para Veiga-Neto (2007, p. 25), “o educador precisa emancipar-se a si mesmo, para que sua atividade docente seja um ato de emancipação e não de embrutecimento”. Assim, é necessário explicitar o que significa assumir algumas posturas em relação ao trabalho em educação de modo geral e, em particular, à prática em sala de aula. · Como ensinar? Oportunizar um tipo de ensino que permita ao educando construir seu próprio conhecimento, procurando desenvolver metodologias participativas e que promovam a co-produção é outro aspecto a ser destacado. A visão que o professor tem do mundo, do homem e da sociedade tem influência decisiva no seu trabalho pedagógico. Diante da realidade educacional, inserida no contexto socioeconômico e político, é imperativo que o professor se posicione politicamente. A visão e a concepção sobre educação e sociedade refletirão na opção metodológica que conduz o trabalho pedagógico – verticalizado, ou não. A definição por uma metodologia de ensino é orientada pela compreensão e interpretação da realidade, concretizada por uma prática docente em uma dada disciplina. Esta concepção teórica irá orientar a ação pedagógica em seus diversos aspectos: relação professor-estudante, seleção dos conteúdos e sua abordagem, procedimentos didáticos, avaliação, dentre outros. É importante que o conteúdo educativo atinja maior significação, e isso irá ocorrer quando o professor conhecer a realidade de que seus educandos fazem parte. A partir do conhecimento desta realidade, relacionada ao ambiente de trabalho do professor, é que haverá uma melhor adequação ao caminho metodológico a empreender. Sabemos da heterogeneidade da nossa realidade educacional. Na escola encontramos diferentes demandas intelectuais, afetivas e sociais. O conhecimento dessa realidade precisa ser considerado para a condução da ação docente em sala de aula. Muitas vezes a divisão do trabalho na educação contribuiu para alienar o professor da sua interação diária com os estudantes no desenvolvimento do seu trabalho. A aproximação do conhecimento mútuo – aluno e professor – pode favorecer uma relação mais dialogada e a valorização de opiniões e posições diferentes, superando o modelo de relação verticalizada, com poder centralizado no professor. Com o conhecimento da realidade em que está inserida a escola onde trabalha o professor viabiliza uma melhor organização das atividades pedagógicas que promovam níveis mais elaborados de conhecimento e habilidades intelectuais dos seus educandos. Assim, uma das preocupações do educador deve ser a de propiciar meios para que o educando desenvolva uma boa comunicação para o aprofundamento dos seus conhecimentos, considerando as experiências e os conhecimentos individuais, historicamente construídos. Ou seja, o que está posto para o ensino da Geografia é a compreensão do 157 SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO... indivíduo como parte da sociedade e agente ativo na construção do espaço. O professor pode iniciar este debate nas séries iniciais, favorecendo a compreensão dos espaços em que vivemos para nossa intervenção. Note que esta perspectiva de ensino está na contra mão da Geografia Tradicional que, historicamente, primou pela descrição e memorização dos seus conteúdos e que ainda está presente nos currículos da educação básica. A abordagem de ensino, defendida aqui, reconhece a Geografia como campo de conhecimento das ciências sociais e tem a sociedade como o centro das suas discussões. É preciso tomar como condição necessária para o ensino da Geografia a discussão e elaboração de pressupostos teóricos que norteiam nosso trabalho, relacionando-os à realidade em que vivemos e desenvolvendo um trabalho de assunção de agente construtor desta realidade. Por fim, é preciso criar condições para que nossos educandos possam conhecer o espaço e ter instrumentos para saber-se atuante na construção deste. Entender que o lugar que está ocupando socialmente pode ser uma das conseqüências do modo em que os homens se relacionam entre si, é um possível ponto de partida para que nossos estudantes assumam o lugar de construtor do espaço. O Conceito de Espaço na Educação Infantil e sua percepção pela criança... As concepções que temos de mundo são historicamente construídas e, além de sofrerem constantes modificações, não se apresentam homogeneamente no tempo e no espaço. Assim, ao considerarmos a idéia de criança é preciso saber o contexto sóciocultural a que estamos nos referindo. Em uma sociedade algumas crianças podem assumir responsabilidades dentro do grupo que faz parte, que vão ser diferentes das crianças de alguns grupos de outras sociedades. Em uma mesma cidade, dependendo da classe social a qual pertence, a criança pode enfrentar adversidades com o trabalho infantil ou ter os cuidados e proteção necessária ao seu desenvolvimento. Exatamente por ser um sujeito social e histórico, ela faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade. Por possuir uma natureza singular, se caracteriza como um ser que sente e pensa o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelece com as pessoas e com o meio em que vive, desde seu nascimento, a criança revela seu esforço para compreender o mundo em que vive e, ao brincar, explicita as condições de vida a que está submetida. Na construção do conhecimento ela utiliza diferentes linguagens e exerce sua capacidade de formular hipóteses originais sobre o que pretende desvendar. Por isso, ela constrói o conhecimento a partir das interações com as pessoas e com o meio. Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam alguns objetivos para a Educação Infantil dos quais destaco um “Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendose cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua conservação.” (BRASIL, 1998, p.63) 158 Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007 O conceito de espaço na educação infantil e sua percepção pela criança é uma abordagem que tangencia o próprio ensino do saber geográfico neste segmento da educação. É preciso atentar que as particularidades de cada proposta curricular devem estar vinculadas às características socioculturais da comunidade na qual a Escola esteja inserida. Sabemos que, ao nascer, o bebê está em um estado de fusão com a mãe, não diferenciando seu próprio corpo e limites. Aos poucos vai adquirindo consciência dos limites do seu corpo e as conseqüências de seus movimentos. Isto porque desde o nascimento, as crianças se orientam, prioritariamente, para o outro. A criança vai construindo a noção de espaço a partir das suas relações espaciais e da psicogênese dessa noção. O Espaço Vivido é aprendido por brincadeiras que a criança explora, com seu próprio corpo, as dimensões e as relações espaciais. É preciso ajudá-la a lateralizar-se, ou seja, tomar consciência do predomínio lateral em seu corpo (direita ou esquerda). Assim, a análise do espaço é apreendida pela criança a partir das suas experiências com seu próprio corpo. A fase do Espaço Percebido não precisa mais ser experimentada fisicamente. Piaget (apud WADSWORTH 1995, p.82) nos indica que o pensamento intuitivo (construído dos quatro aos sete anos) assenta-se sobre a aparência do fenômeno – o que a criança percebe ou parece estar acontecendo. Nesta fase, a criança passa a lembrar os percursos que faz não sendo mais necessário percorrê-los. Segundo Passini (2002), é nesse momento que começa a Geografia para ela e o professor deve proporá atividades que desenvolvam conceitos e noções de espaço. No terceiro estágio, Espaço Concebido, a criança já estabelece relações espaciais entre os elementos a partir da representação, ou seja, pode ter uma idéia sobre a área, mesmo sem conhecê-la. Nesta fase ela já consegue pensar cientificamente, buscando soluções lógicas para os problemas. Em síntese, dos cinco aos oito anos a criança distingue direita e esquerda, mas ainda não consegue projetar, pois, como nos indica Passini, exige descentralização (passagem do egocentrismo infantil para um enfoque mais objetivo da realidade) e reversibilidade (caminho de ida e volta). Dos oito aos onze anos já é capaz de distinguir a direita e a esquerda de alguém, de frente para ela, pois o domínio da conservação (referencial para que a ação seja revertida). Porém, só após os onze anos a criança é capaz de situar objetos, independente da sua própria posição ou do seu corpo. Assim, a criança vai construindo seu saber – retendo parte(s) do que lhe é ensinado ao integrá-los, à sua maneira, nos esquemas de pensamento e ação. E o professor é sujeito fundamental para mediar esse processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, as pessoas que convivem com a criança, medeiam seus contatos com o mundo, e nestas relações suas características vão sendo construídas, e o professor das séries inicias precisa ter essa noção. É preciso estar atento às perguntas feitas por elas, o modo pela qual elas desenvolvem seu aprendizado e se interam do meio social e natural em que vivem. Por isso, o trabalho docente deve estar voltado para a ampliação das experiências trazidas pelas crianças para 159 SALES, M. A. ESTUDOS EM GEOGRAFIA: UM DESAFIO... o espaço da sala de aula. Geografia, Pedagogia e outros diálogos necessários Não poderia finalizar este texto sem apontar algumas questões imperativas para o ensino da Geografia na contemporaneidade. Assim, não é uma conclusão, mas a proposta de novos começos que partam das demandas que se apresentam à Educação neste novo século. No processo de contínuas mudanças em que vivemos, e a partir do requinte tecnológico, as transformações podem ocorrer de maneira mais acelerada, ou não. Dessa forma, a escola é impelida a participar dessas transformações sem que fique à margem do crescimento de uma sociedade. Cabe, então, à escola, potencializar o educando em seu processo de ensino e aprendizagem para seu crescimento intelectual. É necessário que seja desenvolvido, ainda nas primeiras séries, um processo de alfabetização de forma integral, buscando realizar a possibilidade e o desejo de ler o mundo. Daí que a necessária contextualização do saber geográfico na sua emergência histórica vem atribuir ao fazer pedagógico o caráter de veículo para a interpretação do real, no qual os vários campos do conhecimento sistemático sejam instrumentos de decodificação desse real e privilegie o enfoque interdisciplinar. Partindo do seu objeto de estudo, o ensino da Geografia deve conceber o espaço geográfico como produto social construído na relação da sociedade com a natureza, tendo o trabalho com elemento viabilizador dessa construção. No entanto, o modo de fazer, pensar e ensinar uma ciência tem estreita relação com as demandas históricas. O saber geográfico existe desde a Pré-História, quando os homens apenas marcavam os caminhos e projetavam seus desenhos em pinturas rupestres, elaborando só primeiros mapas. Dessa forma, há um entendimento de que o saber geográfico antecede a escrita, considerando, também, a transmissão de informações geográficas passadas de geração para geração. No Brasil, a Geografia vem convivendo com impulsos renovadores desde a redemocratização do país, e estes impulsos têm atingido o ensino na/da escola básica. O espaço geográfico era apreendido, prioritariamente, por metodologias descritivas, mas a partir dos anos 1980 passou a ser debatido como elemento que compõe o quadro social, tendo valor explicativo dessa realidade. Para tal abordagem, foi necessário que a Geografia restabelecesse o diálogo rompido com outras ciências sociais no período da influência militar no ensino nacional, ressignificando o valor educativo desta área do conhecimento. Ao discutirmos o valor educativo do ensino da Geografia na Contemporaneidade defrontaremos, conseqüentemente, com a problemática da formação do professor, tanto nos diversos campos do conhecimento, quanto nos vários segmentos da educação. É necessário retemperar o discurso em cada sala de aula com outras perspectivas teóricas daquilo que estamos debatendo com nossos estudantes e superar o inventário que 160 Terra Livre - n. 28 (1): 149-162, 2007 tradicionalmente é feito nas aulas da escola básica. Ou seja, é preciso empreender um esforço intelectual com a leitura dos diversos autores que pensam/escrevem a Geografia e demais áreas. O professor, na veiculação do saber geográfico, deve estar atento às contribuições do conjunto dos saberes, (re)organizando seu discurso conceitual para acompanhar e participar do fluxo de mudanças, e possibilitar que seu educando compreenda e atue na sociedade da qual faz parte. Assim, o estudante das séries iniciais pode entrar em contato com diferentes concepções e visões dos temas tratados pela Geografia, construindo conhecimento de forma significativa e, principalmente, considerando que as relações sociais possuem um conteúdo territorial. Esta é uma das grandes contribuições que podemos identificar para que o saber geográfico seja contextualizado na sua emergência histórica e na realidade da criança da educação básica. É, também, uma soma para o trabalho do professor das séries iniciais do Ensino Fundamental no sentido de contribuir para um trabalho que privilegie o diálogo entre os diversos campos do conhecimento, para que ele cumpra do desafio de amalgamar a sua formação inicial na Licenciatura em Pedagogia com os saberes da Geografia no campo da Educação. É preciso, então, repensar permanentemente a educação em seus domínios epistemológicos e políticos, o que pode apontar para o começo da descolonização de um pensamento que insiste em preceder a nossa prática docente. Além disto, as experiências modificadoras da/na prática docente precisam ganhar relevo para que a sala de aula seja cada vez mais espaço de aprendizagem, não com modelos estabelecidos a priori, mas como possibilidades coletivas em que construímos este processo. Referências BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros em Ação. Brasília/DF, 1998. BRZENZINSK, Iria. Profissão Professor: Identidade e profissionalização docente. Brasília/DF: Editora Plano, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1999. HOFFMAN, Jussara. Um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 1996. KINCHELOE, Joe. A formação do professor como compromisso político. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. PASSINI, Elza; ALMEIDA, Rosângela D. de. Espaço geográfico: ensino e representação. 12 ed. São Paulo: Contexto, 2002. SACRISTÁN, J. Gimeno; GOMÉZ, I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. 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Recebido para publicação dia 20 de Julho de 2007 Aceito para publicação dia 28 de Agosto de 2007 162 ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE A FORMAÇÃOPROFISSIONAL EM GEOGRAFIA PAUTADA NO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA INVESTIGATIVA TEACHING AND RESEARCH: REFLECTING UPON PROFESSIONAL FORMATION IN G EOGRAPHY GUIDED BY THE DEVELOPMENT OF AN INVESTIGATIVE COMPETENCE ENSEÑANZA E INVESTIGACIÓN: REFLEXIONANDO SOBRE LA FORMACIÓN DEL PROFESIONAL EN GEOGRAFÍA CON BASE EN EL DESARROLLO DE LA COMPETENCIA INVESTIGATIVA ANA MARIA RADAELLI DA SILVA [email protected] JUÇARA SPINELLI [email protected] ICEG/Universidade de Passo Fundo - UPF T erra Livre Resumo: O propósito deste texto é socializar reflexões sobre a experiência que vem sendo construída em decorrência dos procedimentos adotados nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa e Seminários de Pesquisa em Geografia da Universidade de Passo Fundo - UPF, bem como levantar idéias que possam subsidiar o debate acerca da iniciação científica, via de regra, demarcada pela elaboração de trabalhos de conclusão de curso no ensino superior. Para tal, apresentam-se, inicialmente, referências teóricas que orientam a metodologia da pesquisa e discute-se o ensinar a pesquisar; posteriormente, destaca-se como vem sendo trabalhado o ensino na direção da iniciação investigativa, demonstrando-se o processo construído ao longo do Curso, na UPF e, ao final, analisa-se a articulação dos trabalhos elaborados a partir dessas disciplinas, tanto ao currículo acadêmico quanto à consolidação das linhas de pesquisa do Curso. Palavras-chave: Ensino e pesquisa; Metodologia da pesquisa; Curso de Geografia – UPF; Modalidade licenciatura; Modalidade bacharelado. Abstract: The purpose of this study is to socialize the reflections about the experience which is being built in consequence to the procedures adopted in the disciplines of Research Methodology and Seminars of Research in Geography of the University of Passo Fundo, UPF, as well as to raise ideas which can subsidize the debate regarding scientific initiation, as a rule, determined by the elaboration of final projects in graduation courses. Therefore, at first, we present theoretical references that direct the research methodology and we discuss the teaching to research. Subsequently, we highlight how the teaching in the direction of the investigative initiation has been worked, demonstrating the process built throughout the course, at UPF and, finally, we analyze the articulation of developed studies from these subjects in the academic curriculum as well as in the consolidation of research lines of the course. Keywords: Teaching and research-UPF; Research methodology; Geography course; Dgree; Bachelors degree. Resumen: El objetivo de este trabajo es socializar la experiencia que se ha venido construyendo como resultado de los procedimientos adoptados en las disciplinas de Metodología de la Investigación y Seminarios de Investigación en Geografía, en la Universidad de Passo Fundo (UPF), así como plantear ideas que permitan encauzar el debate sobre la iniciación científica, por lo general, delimitada por la elaboración de trabajos de final de carrera en la enseñanza de nivel superior. Para ello, se presentan inicialmente referencias teóricas que orientan la metodología de la investigación y se discute el enseñar a investigar, posteriormente, se destaca cómo se ha venido trabajando la enseñanza en la dirección de la iniciación investigativa, y se demuestra el proceso construido a lo largo de la carrera, en la UPF. Para terminar, se analiza la articulación de los trabajos elaborados a partir de esas disciplinas, tanto al currículo académico como a la consolidación de las líneas de investigación de la carrera. Palabras clave: Enseñanza e investigación; Metodología de la investigación; Carrera de Geografía – UPF; Modalidad licenciatura; Modalidad bachillerato. Presid en te Pru d ente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 163-176 Jan -Ju n/ 2007 163 SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE... Introdução Do pressuposto de que pesquisar é um imperativo para os profissionais de educação, bem como uma atividade implícita e explícita a todo o processo de formação, decorre o interesse de iniciar um debate acerca dos procedimentos adotados no processo de ensino da iniciação à pesquisa em Geografia. Assim, o presente trabalho objetiva socializar reflexões sobre o trabalho que se realiza nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa, Seminários de Pesquisa em Geografia I, II e III e Trabalho de Conclusão de Curso, bem como possibilitar um debate acerca da iniciação científica, via de regra, demarcada pela elaboração de projetos cujos referenciais e levantamentos tornam-se trabalhos finais de curso no ensino superior. Para tal, apresenta-se o caso do Curso de Geografia da Universidade de Passo Fundo - UPF, o qual congrega as modalidades licenciatura e bacharelado, tendo sido avaliado e recomendado pelo Ministério de Educação em 2006. As reflexões que norteiam a questão ensinar a pesquisar, apresentam-se, inicialmente, pela exposição de um breve quadro referencial teórico que aborda metodologias de pesquisa e discute o ensinar a pesquisar. Nesse horizonte, denotam-se os desafios de mobilizar os acadêmicos para a elaboração de projetos de pesquisa de uma área que atende ao processo formativo em nível de licenciatura e/ou bacharelado, desenvolvendo habilidades de pesquisar e “questionar” o conhecimento. Esses desafios têm, por um lado, a preocupação de tornar os acadêmicos aptos para incorporar permanentemente o desenvolvimento científico e tecnológico, tanto como uma prática inerente ao processo de formação, quanto à própria prática profissional. Por outro lado, buscar apoio do uso da pesquisa no ensino tem sido o principal viés dado ao Curso no âmbito da licenciatura e, no âmbito do bacharelado, a investigação em temas emergentes e/ou recorrentes tem sido uma prática, em especial nos estágios curriculares e/ou profissionalizantes. Socializar como vem sendo trabalhado o ensino na direção da iniciação investigativa, demonstrando-se o processo construtivo ao longo do Curso de Geografia da UPF compreende o segundo tópico do presente artigo. Sua relevância está calcada no fortalecimento buscado, ao longo do currículo do Curso, em pedagogicamente permitir avanços nos diversos campos que compõem o conhecimento geográfico de forma a promover: a) leituras de temas específicos, b) captura de informações por meio de recursos tradicionais ou eletrônicos, c) análises geoespaciais, d) utilização de recursos cartográficos e geotecnologias aplicadas ou aplicáveis ao campo de pesquisa e como instrumentos essenciais ao ensino e à pesquisa em Geografia, e) seminários por linhas de pesquisa, entre outros. A criação e a consolidação das linhas de pesquisa, no Curso, vêm sendo promovidas, de um lado, pela execução de projetos institucionais e interinstitucionais por parte dos docentes do Curso e de áreas afins, com participação de alunos bolsistas e, de outro, por trabalhos construídos nas diversas disciplinas. As linhas de pesquisa, até o momento consolidadas, intitulam-se: Relação Sociedade-Natureza e Impactos Ambientais, Processo 164 Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007 de Transformações Territoriais no Rio Grande do Sul, Processos de Desenvolvimento Regional, bem como, Geografia, Ciência e Ensino. Destaca-se que as iniciativas para a consolidação dessas linhas de pesquisa, embora constantes, cuja participação dos acadêmicos tem sido considerada de fundamental importância, têm se revelado como um desafio aos discentes em formação investigativa, quer pela responsabilidade que acaba sendo imposta ao sentirem a necessidade de enquadrar seu projeto em uma dessas linhas, quer pela necessidade dos docentes orientadores, em alguns momentos, de acabarem transitando por linhas de pesquisa distintas de seus projetos institucionalizados. Estas e outras inquietações são debatidas no terceiro tópico do artigo, junto à socialização do resultado de experiências de ensino na pesquisa geográfica. Ensinar a pesquisar: desafios e considerações iniciais Dentre as inúmeras preocupações que permeiam o ensinar a pesquisar, a experiência docente junto ao Curso de Geografia da UPF tem salientado, em primeiro lugar, a dificuldade que os alunos têm em definir a temática a ser investigada e elaborar o próprio projeto e, em segundo lugar, o método e a(s) técnica(s) de pesquisa a serem perseguidas na execução do projeto. Com relação ao primeiro ponto, ao longo das vezes em que a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Geografia foi ministrada, foi sendo aperfeiçoado o processo de integração interdisciplinar, ou seja, foi sendo incentivado que os professores das diversas disciplinas ilustrassem suas aulas com projetos e pesquisas em andamento ou já realizadas em sua área de atuação, apresentando resultados parciais e/ou finais. Com isso, observouse o despertar do interesse por realizar trabalhos semelhantes e novas possibilidades nas temáticas em questão por parte dos alunos e, na medida em que as disciplinas ocorrem, fortalece-se a atenção para possíveis avanços no conhecimento nos diversos campos da Geografia. Quanto à elaboração dos projetos de pesquisa, definidas as temáticas, adotouse o critério de perseguir uma orientação normativa instituída pela própria Universidade1 , seguindo um roteiro norteador para projetos e trabalhos científicos e o procedimento de metodologia científica conforme as normativas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Cumpridas as etapas anteriores, de definição da temática e da elaboração do corpo básico-estrutural do projeto, o desfio subseqüente refere-se ao método científico e as técnicas de pesquisa a serem adotados. Na prática pedagógica, esse desafio torna-se mais contundente, tendo em vista que, por se constituir em um momento de iniciação à pesquisa, os próprios conceitos de ciência, de metodologia e de conhecimento ainda precisam ser compreendidos ou retrabalhados. Nesse contexto, compartilham-se as considerações de 1 São orientações que compõem a obra de RAUBER, J. J. e SOARES, M. Apresentação de Trabalhos Científicos: Normas e Orientações Práticas, EDUPF. 165 SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE... Gerardi e Silva (1981, p.3) quando tratam das perspectivas para trabalhar a metodologia científica e a pesquisa em Geografia: Entendemos por ciência um método de estudo, ou seja, um processo no qual se constrói, passo a passo, um modelo da realidade, supervisionado e manejável. Esta realidade pode envolver somente fenômenos naturais ou humanos, ou ainda, uma combinação dos dois. O estabelecimento do método científico de estudo, portanto, é considerado tão fundamental quanto a escolha da temática e a elaboração estrutural do projeto de pesquisa, até porque a ciência ressalta-se como um produto do conhecimento científico. Assim, dentre os diversos conceitos de método científico, adotou-se, para efeitos deste artigo, o de Abbagnano (1970, p. 640) para o qual se trata de um “procedimento de investigação ordenado, repetível e auto-corrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos”. De uma maneira geral, em Geografia trabalha-se mais comumente com um dos três métodos científicos: o indutivo, o dedutivo e o dialético. Esses métodos são apresentados e debatidos desde o primeiro nível do Curso, nas disciplinas de Introdução à Filosofia da Ciência e Iniciação ao Estudo Acadêmico e vão sendo retrabalhados nos semestres posteriores, em disciplinas afins. O método indutivo preconiza que a investigação parta de questões particulares até chegar a conclusões generalizadas ou universais, ou seja, dos fatos às leis. Segundo Lakatos e Marconi (1990, p. 85) “o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se baseiam”. O método dedutivo é aquele que procede do geral para o particular, do princípio para a conseqüência, percorrendo níveis de abstração da observação de um fenômeno geral, buscando particularizá-lo, o que pressupõe uma operação mental em busca da conclusão. Inicialmente, o raciocínio dedutivo foi desenvolvido por Aristóteles (384-322 a.C.) na Antigüidade Clássica, também denominado silogismo, um raciocínio dedutivo formal, e foi revigorado por Descartes (1596-1650) em um momento de busca da construção de uma nova ciência, através da adoção de uma atitude de dúvida metódica e do racionalismo, tomando o conhecimento procedente de uma verdade a priori (1969). O método dialético foi sendo estabelecido com base nas leis da dialética, um procedimento que supõe a prática do diálogo. No início do século XIX, Friedrich Hegel (1770-1831) apresenta a dialética como um movimento histórico do espírito em direção à autoconsciência e, portanto, um processo movido pela contradição. Karl Marx (18181883) e Friederich Engels (1820-1895) aceitam, mas reformam o conceito hegeliano de dialética, utilizando a mesma forma, mas introduzindo um novo conteúdo. Essa nova dialética é chamada de materialista e analisa o tempo histórico sob a ótica dos processos econômicos e sociais que ocorreram em dados períodos ou modos de produção. Para a Geografia é um procedimento que enriquece o estudo dos fenômenos, uma vez que pressupõe que eles sejam analisados levando em conta o seu dinamismo, revelando- 166 Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007 os no contexto em que ocorrem, explicando-os como um movimento e apresentando suas contradições. Abordados os métodos, parte-se para as técnicas de pesquisa, via de regra, trabalhadas no âmbito dos tipos de pesquisa, ou seja, da pesquisa bibliográfica, da pesquisa qualitativa e da pesquisa quantitativa. A pesquisa bibliográfica, de cunho teórico, tem o intuito de ser “dedicada a reconstruir teoria, conceitos, idéias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos” (DEMO, 2000, p. 20). Embora não implique em imediata intervenção na realidade, a pesquisa teórica não deixa de ser importante, pois seu papel é decisivo na criação de condições para a intervenção. Nas palavras de Demo, “o conhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual, análise acurada, desempenho lógico, argumentação diversificada, capacidade explicativa” (1994, p. 36). Em termos de técnicas, a pesquisa bibliográfica é feita a partir de documentos tais como livros, periódicos, livros virtuais, cd-rom, internet, revistas, jornais, entre outros. A pesquisa qualitativa diz respeito ao estudo de temas no seu cenário natural, buscando interpretá-los em termos do seu significado assumido pelos indivíduos; para isso, usa uma abordagem holística, que preserva a complexidade do comportamento humano (GREENHALGH e TAYLOR, 1997). As principais técnicas utilizadas em pesquisas qualitativas são realizadas através de diários de campo, observação participante, entrevista individual (formais, informais, estruturadas, não-estruturadas), entrevista familiar, entrevista em grupo, etc. Para a realização de tais procedimentos, utilizam-se instrumentos como imagens: vídeo, fotografias, coleta de narrativas e histórias de vida, análise de material escrito/impresso, entre os diversos recursos. A pesquisa quantitativa é um método de pesquisa que utiliza técnicas estatísticas. Normalmente implica a construção de inquéritos por questionário e elaboração de bancos de dados e informações geográficas. Dada a complexidade dos fenômenos geográficos, normalmente, é realizada através de técnicas de amostragem. Aliado ao processo pedagógico de âmbito teórico, ensinar a pesquisar induz, também, a um conjunto de procedimentos de ordem prática. Proporcionar a concretização da relação teoria-prática no (re)conhecimento de temas pertinentes a serem investigados revela-se como mais um desafio no campo do fazer geográfico, que coloca em confronto, para os acadêmicos, o contato da realidade apreendida pela leitura com o contato com a realidade vivida na execução da pesquisa. Esses procedimentos são expressos no item seguinte com base no plano pedagógico do Curso de Geografia da UPF. A pesquisa na Universidade de Passo Fundo e no Curso de Geografia A Universidade de Passo Fundo é uma instituição comunitária e, por seu caráter, considerada de ensino público não-estatal. Esse caráter induz que a convergência entre as três funções básicas da universidade, ensino-pesquisa-extensão, é o indiscutível caminho 167 SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE... para a qualificação institucional bem como para o fortalecimento da formação acadêmica enquanto compromisso com a produção e socialização do saber. Em que pese a obviedade dessa idéia, por inúmeras questões que vão da capacitação dos profissionais ao desempenho dos acadêmicos, permeadas pelas estratégias de gestão, vive-se uma realidade marcada pela permanência da desarticulação e fragmentação nocivas à qualificação do processo de formação profissional. Essa situação, não raro, é comum às instituições/entidades de ensino superior de cunho privado, cuja preocupação maior é a formação em caráter de urgência e até de emergência, garantindo a circulação de capital, entenda-se, de alunos, muitas vezes induzindo ao desrespeito a essa tríplice função. Nas instituições comunitárias, historicamente, essa tríplice função tem sido respeitada, muito embora a concorrência gerada pela instalação de muitas entidades de ensino superior acabe, por vezes, ferindo o pleno funcionamento institucional. Não é intenção desse texto, entretanto, questionar se a instituição está cumprindo suas determinações estatutárias de oferecer ensino, pesquisa e extensão para ser fiel ao perfil identitário que consta nos seus documentos ou se a gestão financeira/contábil se impõe no estabelecimento/manutenção das deploráveis fronteiras entre docência, pesquisa e extensão às demandas da comunidade. Importa, na verdade, é ter consciência desse contexto restritivo, não como forma de desestímulo, mas de revigoramento das intencionalidades expressas no Projeto PolíticoPedagógico do Curso de Geografia/20012 e, na medida das possibilidades, argumentar para o convencimento daqueles que não se renderam, ainda, à inquestionável relação entre ensino-pesquisa e ao reconhecimento de que ambos contribuem para a qualificação das práticas extensionistas. Corroboram nesse sentido Damiani e Carlos (1999, p. 99), para as quais A universidade, a nosso ver, se constrói, fundamentalmente, no cotidiano da pesquisa – sem a qual não há ensino comprometido com a formação do cidadão -, o que aponta o único caminho viável à produção/reprodução de um conhecimento crítico e original, que marca o sentido da universidade e dá substância ao trabalho acadêmico [...]. É uma idéia que contribui para a confirmação ou validação da proposta que baseia esse texto. Constituído por uma matriz curricular que compreende uma carga horária de 3.410 horas/aula teórico-práticas, distribuídas em oito semestres letivos, incluindo-se as atividades complementares (técnico-científico e culturais), o Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado – da UPF apresenta uma estrutura curricular que incentiva atividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias desde o primeiro nível. Os itens que seguem buscam elucidar tal situação em ambas as modalidades. 2 Por conta do legalismo, decisões verticalizadas forçaram a separação das modalidades licenciatura e bacharelado, em 2005, permitindo a oferta de dois cursos, dos quais apenas a licenciatura se mantém. A última turma do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado ingressou em 2004. 168 Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007 A relação ensino-pesquisa na perspectiva da formação docente O exercício do conhecimento é o caminho para a formação do cidadão. Na Geografia, o desafio é o conhecimento do mundo, da realidade e de suas contradições, o que exige um esforço para explicá-las, bem como para explicar as próprias relações com o mundo. Para Carlos e Oliveira (1999, p. 141), “a pesquisa é ela própria um desafio e representa concretamente a possibilidade de descoberta de nossa condição no mundo”, enquanto um exercício livre, criativo, consciente em busca de respostas ao inquietante momento que se vive, no terreno dinâmico do acontecer, das criações e das transformações que conformam o mundo atual. Na formação profissional em Geografia, diante das imensas possibilidades que seu objeto, o espaço geográfico, oferece para investigação, é inequívoca a necessidade de serem desenvolvidas as bases teóricas e metodológicas que conduzam a uma conceituação sólida da ciência e da respectiva instrumentalização para a sua prática. Especificamente no que diz respeito à formação para a prática docente, defende-se a idéia do fortalecimento da base científica e filosófica da Geografia como possibilidade de conferir ao ensino um caráter crítico e criativo, capaz de problematizar e propor soluções para as questões do conteúdo teórico e da respectiva dimensão social que se revela no espaço vivencial. Para tanto, essa formação deve ser sustentada pela pesquisa, uma vez que o espaço precisa ser discutido, pensado. A categoria central da dialética marxista, a práxis, é referência epistemológica da discussão sobre a construção do conhecimento na perspectiva da superação da dicotomia entre teoria e prática que a pesquisa possibilita. Gonçalves (1994, p. 477) esclarece que A práxis concebida como pensamento e ação, atividade objetiva, transformadora do mundo natural e social, que consubstancia a criação, a produção e a transformação, sedimentadas na unidade entre saber e fazer, teoria e prática, ação e reflexão. Em consonância com esta idéia, tem-se a preocupação de agregar ao desenvolvimento teórico das disciplinas de formação pedagógica, experiências que sejam avaliadas à luz da teoria, como fundamento de sua reelaboração, às quais são destinados créditos específicos na grade curricular do Curso. Aqui fica evidente o compromisso de articular ensino e pesquisa, em qualquer nível (preservadas as suas dimensões) para instrumentalizar o aluno-professor no seu próprio processo investigativo/criativo, a fim de que incorpore a metodologia da transposição do saber acadêmico para o terreno da prática profissional. O trabalho docente, impregnado de intencionalidade, visa à formação humana por meio de conteúdos e habilidades, de pensamento e ação, o que implica escolhas, valores, 169 SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE... compromissos éticos e que significa dizer, também, que o compromisso do professor é ensinar, é formar. Trabalhar o conhecimento no processo formativo dos alunos significa proceder à mediação entre os significados do saber no mundo atual e aqueles dos contextos nos quais foram produzidos. Além de explicitar os nexos, significa contribuir com seu saber, seus valores, suas experiências para melhorar também a qualidade social da escolarização paralelamente ao compromisso com o seu desenvolvimento intelectual. Argumenta-se que, na formação para a docência, a pesquisa seja estimulada e praticada como compromisso de construção das competências profissionais, visando o exercício docente pautado na mediação de investigações criativas tendo a afetividade e sensibilidade como propulsores da promoção, da mobilização, da motivação para a construção do conhecimento dos alunos. Busca-se apoio na perspectiva de um ensino socioconstrutivista da Geografia para encaminhar as atividades que visem às respectivas competências. O lugar é a disciplina de Metodologia e Prática de Ensino que desenvolve os referenciais teóricos para esclarecer e sustentar as atividades práticas, em contato com a realidade escolar, entre as quais as que são dinamizadas pelos trabalhos de campo. A concretização efetiva dessa relação, ensino-pesquisa, na formação profissional docente, é potencializada especialmente pelos TCCs que são propostos e desenvolvidos em torno da linha de pesquisa Geografia, Ciência e Ensino. Em estudo anterior, Silva e Fioreze expressam que Paralelamente ao domínio do conteúdo da ciência geográfica, como requisito primordial para desempenho do exercício da docência em Geografia, e paralelamente também ao suporte técnico, didático e pedagógico, é imprescindível que os cursos superiores de formação de professores proporcionem uma ampla e crítica visão epistemológica e histórica da mesma, para que o ensino da geografia seja também um ensino sobre a Geografia. (2000, p. 9-10) Estas idéias justificam a definição da linha de pesquisa que abriga projetos de pesquisa do Curso bem como TCCs, uma das opções a que aderem alunos que têm mais afinidade com a habilitação licenciatura. Os trabalhos que se têm orientado convergem para uma reflexão sobre Geografia enquanto ciência e enquanto disciplina escolar, cada qual com seus recortes temporais e temáticos. Dessa reflexão decorrem análises sobre o estado da arte no ensino fundamental, ou no ensino médio; ou sobre o conteúdo dos livros didáticos em relação às orientações teóricometodológicas da Geografia; ou sobre a abordagem didática de temas como os da Geopolítica; outros foram propostos e desenvolvidos com a finalidade de desvendar o papel educativo da Geografia em relação ao ambiente; outras incursões foram feitas no âmbito de propostas curriculares de escolas, de municípios da região, além daqueles que 170 Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007 elegeram a utilização de recursos, como o da música ou da literatura, para discutir as possibilidades do ensino renovado da Geografia. Importa destacar uma significativa contribuição aos estudos de Geografia no Rio Grande do Sul, o trabalho “Boletim Gaúcho de Geografia: a produção do saber e da ciência geográfica na Associação de Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre”, de Eva Joelma Pires de Souza, orientada por Zélia Guareschi Fioreze, realizado no semestre 2005/2, cuja análise faz um mapeamento da produção geográfica da entidade agebeana no estado. Importa dizer, também, que é um aprendizado pleno de significados para orientadores/ orientandos, um desafio e uma possibilidade de desvendar as múltiplas realidades e, sobretudo, a tomada de consciência sobre elas e sobre as condições de enfrentamento. A relação ensino-pesquisa na perspectiva da formação do bacharel em Geografia Pelo que já foi exposto, fica claro que o Curso apresenta uma estrutura curricular que incentiva atividades de ensino, pesquisa, extensão e relações comunitárias em todos os seus semestres letivos, cujas atividades são consubstanciadas, em um primeiro momento, pelas disciplinas comuns às duas modalidades e que permitem uma iniciação ao conhecimento filosófico/científico/técnico/pedagógico. Em um segundo momento, pelos estágios curriculares do bacharelado, os quais compreendem cinco estágios de cunho acadêmico e dois estágios de cunho profissionalizante, o que vem a reforçar a idéia do exercício do conhecimento como um caminho para a formação cidadã, das realidades/ diversidades e suas relações com o mundo. Nessa perspectiva, desde o primeiro nível do Curso realizam-se atividades que envolvem o ensinar a pesquisar. No primeiro nível, o estágio curricular I é voltado à representação cartográfica, buscando congregar as disciplinas específicas de Geografia, é confeccionada uma maquete do município, da região ou do estado. Esse procedimento exige do corpo discente, um empenho em pesquisar as características do local a ser representado. Vinculado à disciplina de Cartografia Básica e Temática, exploram-se referenciais de cartografia, além de conteúdos que elucidem os temas a serem lançados sobre o mapa-base proposto, sendo priorizado o rigor cartográfico, tendo, na representação cartográfica e na elaboração de um texto explicativo, o resultado de um processo investigativo que ocorre durante a disciplina. No segundo nível, a pesquisa é incentivada no estágio curricular II, através do qual é realizado um trabalho de campo pelo Rio Grande do Sul. Para tal, novamente a pesquisa e o levantamento de dados, de informações e de materiais cartográficos é um processo fundamental que antecede o trabalho de observação e investigação acerca dos macrocompartimentos geomorfológicos do estado e de sua caracterização geográfica como um todo. O trabalho de campo consiste, segundo Silva (2002), na prática andante de fazer 171 SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE... Geografia, ou seja, uma forma de aproximação da teoria com a prática e uma possibilidade de ação reflexiva na interface da teoria e da prática educacional. Assim, esse Estágio constitui-se num momento integrador, além de ser um núcleo estratégico fundamental para garantir que se efetive uma nova forma de profissionalização desde o início do Curso. Os estágios curriculares III e IV, realizados nos respectivos níveis, congregam a prática de pesquisa em Geografia Física, através de atividades que permitem a iniciação investigativa em Geologia, Geomorfologia, Climatologia, Hidrografia e Biogeografia. O Estágio Curricular III tem abrangência local, ou seja, desenvolve-se preferencialmente nas proximidades do campus central da Universidade, tendo como escala máxima, o município de Passo Fundo. Compreende as mais variadas metodologias de identificação dos elementos físicos, tais como componentes de uma bacia hidrográfica e seu comportamento, elementos climatológicos por interpretação de cartas sinóticas; tipos e constituição de rochas e de solos, entre outros. Nesse estágio, os alunos, realizam observações e coleta de informações geográficas, como medidas de áreas e superfícies, obtenção de coordenadas através de GPS (Global Positioning System), entre outras. O produto final constitui-se na elaboração do relatório técnico o qual é subsidiado pela pesquisa em fontes e materiais teóricos e balizado pelas análises resultantes do trabalho de campo. Já o Estágio Curricular IV, que contempla atividades de Biogeografia é preferencialmente realizado em áreas de valor ambiental, sendo normalmente definidas áreas próximas do entorno da Universidade, e que possam servir de estudo nas referidas temáticas. O trabalho se constitui em um pequeno inventário que identifica e analisa os impactos socioambientais decorrentes de alterações no meio físico, em especial nas formações vegetais, via de regra, inerentes ao processo capitalista de produção agropecuária, tendo em vista que a região transformou-se, ao longo dos últimos anos, de típica de mata Araucária ou Floresta Ombrófila Mista - tendo ainda espécies como erva-mate, cedro, canela, angico, entre outras - para de produção extensiva da soja e do trigo. As pesquisas desenvolvidas nesse estágio revestem-se de um caráter interdisciplinar importante dentro do próprio Curso, bem como com áreas afins. Tal fato é denotado na análise crítica expressa nos relatórios técnicos que são igualmente subsidiados por um referencial teórico e por observações de campo. No quinto nível, o estágio curricular V refere-se à prática de pesquisa em Geografia Humana e, como nos estágios anteriores, promove a iniciação científica em temas refletidos em relação à comunidade na qual se busca levantar dados quanto às variáveis socioeconômicas, através da aplicação de um instrumento de pesquisa (questionário e/ou entrevista), cujas informações sistematizadas e os dados coletados, são apresentados em tabelas, gráficos e cartogramas. Essa investigação possibilita concretizar a relação teoriaprática e desenvolve competências investigativas. Nos níveis VI e VII são realizados os estágios profissionalizantes, em órgãos e/ou entidades públicas, privadas ou não governamentais. O primeiro refere-se à prática de 172 Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007 planejamento ambiental, sendo realizado no município de Passo Fundo e o segundo, de planejamento urbano e regional, realizado nos municípios de procedência dos alunos. Ambos constituem momentos de extrema importância para os acadêmicos do Curso, uma vez que é o contato mais direto com o campo profissional do bacharel, através do qual pode demonstrar o seu preparo no que concerne a um amplo conhecimento teórico que subsidie as atividades práticas e as iniciativas de gestão. Por essa descrição sumarizada, acredita-se que o processo de iniciação científica ocorre de forma paulatina e concomitante ao desenvolvimento da grade curricular. A convergência Paralelamente à estrutura curricular para a promoção formativa de ambas as modalidades no mesmo Curso, buscou-se atribuir uma carga horária relativamente elevada, dada a consideração da relevância da pesquisa ao profissional de Geografia, em disciplinas específicas à iniciação científica. Nesse sentido, a partir do quinto nível é realizada a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Geografia, a qual, além das teorias e métodos em Geografia, trabalha especificamente as normativas e passos para a elaboração do projeto de pesquisa, o qual deverá constituir-se no Trabalho de Conclusão de Curso TCC (nível VIII). Após a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Geografia, seguem-se quatro disciplinas complementares: Seminário de Pesquisa I, Seminário de Pesquisa II, Trabalho de Conclusão de Curso e Seminário de Pesquisa III. No Seminário de Pesquisa I são realizados ajustes no projeto, tanto nos aspectos teórico-conceituais, quanto nos de métodos e técnicas para a investigação. A finalização da disciplina é demarcada por um seminário geral com todos os professores envolvidos no Curso. Nesse momento, os projetos são apresentados pelos alunos e é aberto espaço para sugestões, recomendações e considerações por parte dos professores participantes do seminário. Também, nesse momento, é feita uma discussão no sentido de identificar os potenciais orientadores, sendo constituída uma ficha que formaliza o pedido de orientação à coordenação do Curso. O Seminário de Pesquisa II concerne em um ensaio acerca da revisão da literatura do TCC. Na perspectiva de um ensaio, o produto final é um artigo teórico que compreenderá a base do referencial bibliográfico para o trabalho final. A disciplina Trabalho de Conclusão de Curso refere-se à execução da pesquisa a partir do projeto confeccionado em Metodologia da Pesquisa e dos ajustes e referencial teórico produzidos nos seminários. Cabe salientar que como o Curso habilita para a licenciatura e o bacharelado, os TCCs podem ser específicos sobre ensino de Geografia, pesquisas aplicadas às atividades do geógrafo bacharel ou, ainda, contemplar temas que proporcionem avanços no conhecimento geográfico, quer no âmbito estritamente teórico, quer em procedimentos ou práticas que envolvam o saber geográfico. Todos os trabalhos devem ser inéditos e constituem-se em um banco de referências junto ao Laboratório de 173 SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE... Geografia. O processo avaliativo do TCC constitui-se de uma apresentação do trabalho pelo acadêmico a uma banca, com seção aberta ao público, composta pelo orientador e mais dois professores do Curso e/ou de áreas afins à temática em estudo. Após a explanação oral do aluno, a banca composta pelos professores tece considerações, realiza a argüição e elabora os pareceres avaliativos. A disciplina de Seminário de Pesquisa III consiste na entrega da versão final do TCC e no debate de limitações, dificuldades e avanços no conhecimento e no processo formativos após a defesa do TCC. Em geral, é um momento em que o acadêmico manifesta suas inquietações e satisfações, revelando-se como de suma importância para avaliar o ensinar a pesquisar ao longo de todo o Curso realizado. Para uma melhor visualização da pesquisa no Curso de Geografia da UPF, o quadro seguinte demonstra a matriz curricular, com especial destaque às disciplinas específicas voltadas ao ensino da pesquisa (Quadro 1). SEMESTRE Nível I Nível II Nível III Nível IV DISCIPLINAS Introdução Astronomia Estatística Geografia de Aplicada à Física I à Filosofia da Ciência Orientação Geografia Cartografia Iniciação Básica e ao Estudo Temática Acadêmico Estágio Curricular I Antropologi Climatologi História do Geografia Sensoriame Estágio Pensamento Física II n-to a a Cultural Geral Geográfico Remoto Curricular II Aplicado à Geografia Tópicos Especiais I Geografia Domínios Teoria e Geografia Geoproces- Estágio da Climáticos samento População do Mundo Organização Física III Curricular do Espaço III História Sociologia Biogeografia Construção Ciência, do Tecnologia Econômica Território e Sociedade e Formação Tópicos Especiais II Estágio Fonte: Adaptado do Plano Pedagógico do Curso de Geografia – Licenciatura e Bacharelado, 2001. Socializando experiências de ensino na pesquisa No Curso de Geografia da UPF, Licenciatura e Bacharelado, desde seu início, em 2001, foram produzidos, com aprovação, 73 Trabalhos de Conclusão de Curso. A primeira turma concluiu o curso no final de 2004 sendo que deste ano em diante, muitos alunos 174 Terra Livre - n. 28 (1): 163-176, 2007 formados têm contribuído com seus relatos de experiências acadêmicas e profissionais para a formação de novos acadêmicos, em jornadas de pesquisa e mostras de iniciação científica. A construção/consolidação das linhas de pesquisa tem sido fortalecida pelos importantes trabalhos realizados por alunos do curso. Nessa perspectiva, 17 trabalhos, representando 23,3% dos TCCs concluídos, são da linha de pesquisa Relação SociedadeNatureza e Impactos Ambientais. Por sua vez, a linha de pesquisa intitulada Processos de Transformações Territoriais no Rio Grande do Sul foi contemplada com a maioria dos trabalhos, ou seja, 47 trabalhos (64,3%). A esse respeito interpreta-se a interdisciplinaridade e a abrangência das linhas, o que permite a confecção de trabalhos de conclusão que articulem temas pertinentes à formação do profissional de Geografia, seja na especialidade licenciatura ou bacharelado. Por outro lado, apenas dois trabalhos, representando 2,8% inserem-se na linha de pesquisa Processos de Desenvolvimento Regional, evidenciando seu caráter ainda incipiente e que denota a necessidade de um maior envolvimento docente e discente em aperfeiçoar a articulação entre as três dimensões do macro projeto institucional que envolve ensino, pesquisa e extensão, na busca da consolidação da área. Por fim, sete trabalhos, representando 9,6%, inserem-se na linha de pesquisa Geografia, Ciência e Ensino, caracterizando o anseio de muitos acadêmicos em qualificar sua atuação na área específica da licenciatura, de forma a contribuir com o pensar e agir para a promoção da melhoria do ensino de Geografia em nível escolar, seja em instituições públicas ou privadas. Importa ressalvar que a realização de trabalhos de conclusão de curso é uma prática consolidada no Curso de Geografia, também para a modalidade específica de licenciatura, anterior ao projeto em questão, como para a mesma modalidade que foi implantada em 2005. Manifesta-se assim, a expectativa de promover a pesquisa como forma de qualificação das atividades docentes, desenvolvendo o gosto e as competências para serem realizadas, também, nas escolas. Em estudo anteriormente realizado, Silva (2002, p. 237) faz referência à preocupação com a constatação de “uma certa obsolescência colada à desmotivação” que permeia entre profissionais docentes de Geografia, e que se traduz no fato de que [...] é mais nítido um formalismo externo ao ato de ensinar do que a expressão objetiva do subjetivo de seus agentes, tanto do professor como do próprio aluno. Salvo situações especiais, uma aula verdadeiramente como um processo de investigação, construção e comunicação de conhecimento não existe na atual estrutura dos sistemas municipais e estadual de educação, nem é visível nas propostas das escolas e nos planejamentos dos professores. A preocupação de incentivar a pesquisa em educação responde, justamente, ao apelo da situação verificada. Ensinar a pesquisar: um desiderato que não se conclui aqui 175 SILVA, A. M. R. DA; SPINELLI, J. ENSINO E PESQUISA: REFLETINDO SOBRE... A sumarização das idéias adjacentes ao desafio de ensinar a pesquisar, possibilitaram um exercício de auto-avaliação que vem a ser, também, uma questão de conscientização. A tomada de consciência, paralela e concomitante à reflexão realizada, permite dizer que o intento de provocar ações investigativas, de incentivar a imersão na realidade, de descobrir e sustentar “verdades”, de criar condições para fazer escolhas, é o nosso desiderato. As autoras, ancoradas nas suas experiências, defendem que formar profissionais críticos e reflexivos pressupõe o desenvolvimento da competência investigativa. Argumenta-se em favor do compromisso institucional de garantir o espaço da pesquisa no interior do Curso e de incentivar a inserção dos docentes para consolidar grupos de pesquisa e para promover novas investigações em cada uma das linhas de pesquisa como condição para o fortalecimento das investigações acadêmicas. É imperativo dar relevância à articulação do trinômio ensino-pesquisa-extensão no processo formativo e no estimulo aos futuros profissionais para uma atuação engajada nos processos de renovação da Geografia. Um desiderato que continua... Referências ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. CARLOS, Ana Fanni Alessandri; OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Reformas no mundo da educação: parâmetros curriculares e geografia. São Paulo: Contexto, 1999. DAMIANI, Amélia Luisa; CARLOS, Ana Fanni Alessandri. Um caminho para pensar os currículos de Geografia. In: CARLOS, Ana Fanni Alessandri; OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Reformas no mundo da educação: parâmetros curriculares e geografia. São Paulo: Contexto, 1999, p.91-100. DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994. ______. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. DESCARTES, R. Discurso do método. 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Recebido para publicação dia 10 de Abril de 2007 Aceito para publicação dia 18 de Maio de 2007 176 A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA IDEOLOGIA NACIONAL* GEOGRAPHY, EDUCATION AND THE CONSTRUCTION OF NATIONAL IDEOLOGY LA GEOGRAFÍA, LA EDUCACIÓN Y LA CONSTRUCCIÓN DE LA IDEOLOGÍA NACIONAL ROGATA SOARES DEL GÁUDIO [email protected] ROSALINA BATISTA BRAGA [email protected] UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS * Este texto é parte de minha tese de doutorado Concepções de nação e estado nacional dos docentes de geografia – Belo Horizonte no final do segundo milênio, defendida em 2006 junto ao Programa de Pós Graduação em Educação, FaE/ UFMG , sob a orientação da Prof.a Dr.a Rosalina Batista Braga. Terra Livre Resumo: Este texto procura discutir os resultados de uma pesquisa de doutorado centrada em dois aspectos: um relacionado à formação docente e outro ao ensino de Geografia. No primeiro, discutimos a constituição dos saberes docentes; no segundo, abordamos a centralidade do ensino de geografia para a construção da ideologia nacional no Brasil. Constatamos que os saberes docentes são multifacetados, o que é confirmado pela literatura sobre o tema. Dedicamos especial atenção ao modo de raciocinar do professor: sua capacidade de articular conteúdos e conceitos e estabelecer nexos explicativos e relações, em suma, atribuir sentido e significado ao que ensinam. Esse processo parece ter grande importância na construção do conhecimento escolar e é essencial na definição do que é considerado um bom docente em Geografia. Em relação à centralidade do ensino de Geografia para a construção da ideologia nacional verificamos que a mesma se constitui a partir da referência à natureza e extensão territorial brasileiras, “nosso povo pacífico e ordeiro” e a partir da utilização intensiva do termo país, termo híbrido cujo sentido é construído na e a partir da escola básica, e que permanece bastante impreciso no campo das Ciências Humanas. Palavras-chave: Ensino; Geografia; Saberes docentes; Ideologia nacional; País. Abstract: This text discusses the results of a doctoral research from two perspectives: teacher professional development and geography pedagogical practices. The former will discuss teacher’s knowledge the latter will address the centrality which underlies the geography instructional practices in order to make up for a national ideology in Brazil. When it comes to teacher’s knowledge we realized, that it is multifaceted, which has already been confirmed by the specialized literature. We realized that it is necessary to give some special attention to the so called teacher’s way of thinking: the capacity to articulate contents and concepts setting up explaining patterns so as to establish an explanatory nexus of relations so to attribute sense and meaning to what is to be studied. This process seems to be essential in the construction of the school knowledge and to the definition of what is considered a good geography teacher. Concerning the centrality of the geography teaching for the construction of a national ideology, we verified that it stems from concepts such as “our” nature and territorial extension, “our pacific people” and the term “country”, a “hybrid” term whose meaning is constructed from and within high school; however this term is quite uncertain in the field of the human sciences. Keywords: Teaching; Geography; Teacher’s knowledge; National ideology; “Country”. Resumen: Este texto busca discutir los resultados de una investigación de doctorado con relación a dos aspectos asociados a la formación docente y a la enseñanza de geografía. En el primero, discutiremos la constitución de los conocimientos docentes, en el segundo, la centralidad de la enseñanza de la geografía para la construcción de la ideología nacional en Brasil. Con relación a los conocimientos docentes, constatamos que son de múltiples facetas, lo que es confirmado por la literatura sobre el tema. Hay que dedicar especial atención a lo que denominamos “modo de raciocinar del profesor”: su capacidad para articular contenidos y conceptos y establecer nexos explicativos, en suma, atribuir sentido y significado a lo que enseñan. Ese proceso parece esencial en la definición de lo que es considerado un buen docente en geografía. Con relación a la centralidad de la enseñanza de geografía para la construcción de la ideología nacional verificamos que ésta se realiza a partir de la referencia a “nuestra” naturaleza y extensión territorial, “nuestro pueblo pacífico y disciplinado” y a partir de la utilización intensiva del término “país”, término “híbrido” cuyo sentido se construye en la y a partir de la escuela básica, sin embargo, muy impreciso en el campo de las Ciencias Humanas. Palabras clave: Enseñanza; Geografía; Conocimientos docentes; Ideología nacional; “País”. Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 177-196 Jan-Jun/2007 177 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... Introdução A Geografia como disciplina escolar está presente nos currículos desde o século XIX. No entanto, poucas vezes nos dedicamos a tentar compreender a perenidade do ensino de Geografia na escola básica. Menos ainda, procuramos investigar a associação entre a Geografia, enquanto disciplina escolar, e a construção da ideologia nacional. Partimos da hipótese de que a abordagem, na Geografia Escolar da “natureza exuberante” e da “enorme extensão territorial” do Brasil têm tido uma participação efetiva na (re)produção daquela ideologia. Apontaremos algumas possibilidades desses vínculos tendo por referência uma pesquisa realizada junto a 14 docentes de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte. Essa pesquisa, inscrita no campo da teoria crítica, procurou compreender os vínculos entre o ensino da Geografia e a constituição da ideologia nacional a partir da análise do conteúdo e do discurso dos docentes pesquisados. Constituição dos saberes docentes Muitos estudiosos têm analisado a constituição dos saberes que conferem alteridade à profissão do professor. Segundo Marguerite Altet (2001), professores profissionais seriam aqueles cuja formação lhes permitiu desenvolver e aprimorar uma série de competências específicas e especializadas, cujas origens repousam em construções sociais, originadas das ciências (disciplinares) e da prática (o ato de ensinar) criando conhecimento simultâneo e específico durante e após seu desenrolar. De acordo com a autora, houve um aumento da especificidade da profissão do professor à medida que esta se particularizava e, ao mesmo tempo, era socialmente instituída. Assim para Altet (2001, p. 28), o professor, na perspectiva atual seria, antes de tudo, “um profissional da articulação do processo ensino-aprendizagem em uma determinada situação, um profissional da interação das significações partilhadas”. Desse modo, as competências destes profissionais corresponderiam “ao conjunto formado por conhecimentos, savoir-faire e posturas, mas também as ações e atitudes necessárias ao exercício da profissão de professor”. E justamente por isso, tais competências são “de ordem cognitiva, afetiva, conativa e prática”. Diversos autores (CHARLIER, 2001; TARDIF, 2002, PAQUAY e WAGNER, 2001), apontam a composição plural dos saberes dos professores, ancorados nos saberes teóricos, nos saberes práticos, naqueles sobre a prática e naqueles da prática. Há um desdobramento e uma ampliação dos saberes teóricos, que não se limitam apenas ao campo disciplinar específico, mas abrangem os saberes culturais implicados no processo de ensino-aprendizagem, portanto, parecem resvalar nos valores e sentidos da escolarização para as diferentes sociedades. Em relação aos saberes práticos, há aqueles sobre a prática (relacionados ao desenvolvimento da própria pedagogia) e aqueles que se 178 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 originam diretamente da relação professores/alunos nas diferentes disciplinas e escolas. Identificamos os saberes docentes como plurais, construídos ao longo de toda a vida escolar e não escolar do professor, oriundos tanto dos saberes acadêmicos, do senso comum, da prática e sobre a prática, estando inscritos numa temporalidade e espacialidade específicas. Outra questão importante é que a formação específica confere uma identidade ao docente: “Sou professor de ...”. Por estarmos no campo de uma disciplina específica, o fato de se privilegiar os conhecimentos disciplinares aparecerá como componente essencial de sua identidade profissional. Em nossa pesquisa, nos deparamos também com uma outra questão que se relaciona à identidade do professor, alguém capaz de ensinar não apenas o conteúdo, mas, principalmente, um modo de raciocinar com base nesse conteúdo – e de preferência, segundo a referência do saber considerado culto e institucionalizado, ou seja, aquele saber socialmente reconhecido e valorizado. Esse professor, que desenvolveu habilidades pessoais de estabelecer inter-relações entre elementos e fenômenos, possui uma visão integradora de seu conteúdo e raciocínio interdisciplinar e consegue articular isso com seus alunos, independentemente, inclusive, de seu conteúdo específico. Eles conferem sentido às informações sendo capazes de associar categorias e conceitos em prol de uma análise e explicação dos fenômenos abordados. Provavelmente, isso auxilia os alunos a compreenderem e apreenderem o conhecimento não só específico da disciplina, mas também de outras áreas do conhecimento humano. Ensinar esse modo de raciocinar pode significar ensinar um modo de articular conhecimento, útil para qualquer área e qualquer empreendimento futuro que esses alunos venham a desenvolver. O trecho de uma entrevista, a seguir, demonstra esse raciocínio: Eu gosto de ver os meninos construindo um pensamento, entendendo o processo de, a dinâmica, a formação do espaço, assim, o espaço físico. Eu acho interessante [...] O cenário nosso é pré-cambriano e a gente faz o mundo moderno nesse cenário. Como ele vai se re-significando. (PROFESSOR PEROBA1 ). Em suma, esses professores são capazes de construir sentido para os fatos e informações porque eles conseguem articulá-los e explicitar essa articulação em suas aulas. Eles são capazes de articular seu pensamento, integrar seu raciocínio aos diversos campos do conhecimento, conectar os conteúdos e informações, como no exemplo a seguir: Não tem jeito de você falar do Oriente Médio sem falar da questão religiosa também. E não tem jeito de você falar dos problemas sociais de uma América Latina sem falar de colonização, sem falar de exploração da economia. Então transitam essas três relações ao mesmo tempo. [...] Então, a matéria é trabalhada 1 Todos os professores entrevistados em nossa pesquisa receberam pseudônimos de árvores. Essa escolha foi ao acaso, uma vez que não era propósito identifica-los, nem às escolas em que atuam. 179 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... de forma tão contextualizada, mas tão contextualizada que os meninos já entram [...] Ontem mesmo eu dei uma aula interessantíssima. Aí eu comecei no quadro a passar; eles falaram “puxar o gancho, né professor”. Eu falei “puxar o gancho”. (PROFESSOR PINHEIRO) Na medida em que, sub-repticiamente, os professores ensinam um modo de raciocinar, eles permitem aos alunos articularem conteúdos e conceitos, estabelecerem nexos, pontes e relações. Partimos, então, do pressuposto que é o modo de raciocinar dos professores, articulando categorias, conceitos e conteúdos, que faz a grande diferença no processo de aprendizado dos alunos. Isso significa ensinar uma maneira de pensar, mais que ensinar os conteúdos. Dessa forma, a idéia de “puxar o gancho” significa ensinar os alunos a articularem os diferentes conteúdos, a integrarem diferentes partes, desenvolvendo o processo de integração do conhecimento. De outro modo, utilizando outra linguagem, na entrevista a seguir identificamos o mesmo processo: Fiz duas disciplinas de metodologia [no mestrado em Educação, na FaE]. Aprendi muito de metodologia. (...) Uso [em sala de aula] em que sentido: na medida em que eu consigo fazer a metacognição da metodologia de pesquisa, eu consigo criar estratégias de transmissão de conhecimento a partir disso. (PROFESSOR CASTANHEIRA) Logo, se não se ensina aos estudantes como estabelecer nexos, correlações, ou seja, como construir sentido para seus saberes, pode-se até ensinar o mesmo conteúdo, mas ele carecerá de sentido, nexo e significação. Desse modo, estudantes que não aprenderam a desenvolver essas habilidades podem mesmo possuir diplomas, mas talvez sejam menos preparados para enfrentar processos seletivos como os vestibulares mais concorridos e, mais tarde, se tornarem líderes ou formadores de opinião. Ou ainda, para lidarem com a prática social em outra perspectiva. Se os alunos não se apropriam desse modo específico de raciocinar, eles têm grande chance de, mesmo terminando a escolaridade básica, manterem-se excluídos do acesso efetivo não apenas às informações, mas também às conexões entre elas, ou seja, manteremse afastados do conhecimento científico e dos mecanismos sociais de sua produção e divulgação. O conhecimento integrado, articulado, pode ser crítico no sentido real da palavra e não no sentido estreito de ser “do contra”. Ter uma apropriação crítica do conhecimento pode significar ter mais chances de ser criativo, para “o bem ou para o mal”. Essa constatação é reforçada pelo trecho a seguir, parte da entrevista concedida por Milton Santos a Odete Seabra, José Correa Leite e Mônica de Carvalho: Sou da penúltima turma que se formou bacharel em ciências e letras. [...] E o que se dava nesses cinco anos? Havia, por exemplo, a geografia humana, que aparecia no segundo ano. Muita coisa que hoje nós damos, em parte, na pósgraduação era ensinado no ginásio. [...] Tínhamos, então, física, química, 180 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 história natural, etc., e professores que eram professores de faculdade. [...] Nos dois anos de preparação para a faculdade, líamos Charles Gide, um grande economista francês, uma espécie de papa para a formação escolar no Brasil. Tínhamos uma formação confluente, porque víamos esses grandes autores através de diversos prismas. Era como um mundo próprio [...]. Não havia televisão, éramos ensinados a não gostar de futebol, sobretudo gente como eu, que tinha origem visivelmente inferior, e que as famílias preparavam para as funções de mando. A educação que me foi dada não foi a de obedecer, foi para me preparar para fazer parte dos que iam mandar. Todas as atividades ditas populares eram desaconselhadas, de forma não explícita, na produção do homem da elite, do bacharel. E o que é o bacharel? É um sujeito que pode ser advogado, promotor, juiz, jornalista, político, diretor de hospital. Isto é o bacharel. E que aprende a falar, o que era uma característica do mando e da política, saber fazer frases, saber amarrar uma idéia com a outra. (SEABRA, LEITE e CARVALHO, 2000, p. 75/76) Portanto, há algo que diferencia esse “bom professor”, que, geralmente, acaba por lecionar em escolas onde estudam os filhos das elites, pelo menos a elite cultural, aqueles que ocuparão posições de mando, e que, para tanto, precisam aprender a amarrar uma idéia com a outra. Tais professores possuem também essa capacidade de “amarrar idéias” e acreditamos que é isso que eles ensinam, mais que o conteúdo em si. Desse modo, um “bom professor” é aquele que consegue conferir sentido ao conteúdo ensinado. E mais do que isso, consegue ensinar aos alunos, não apenas essa articulação de conteúdos, mas também um processo de como fazer isso (por meio da explicitação do modo como ele, professor, raciocina). O ensino de Geografia e a construção da ideologia nacional A partir de nossa pesquisa, compreendemos que grande parte da construção da ideologia nacional no Brasil passa, sobretudo, pelo ensino de Geografia. Afirmamos isso com base na perenidade, no ensino dessa disciplina escolar, de temas como o destaque atribuído à “nossa extensão territorial,”, à exuberância de “nossa natureza” e, somente depois, à discussão acerca da constituição do povo. Por ideologia nacional compreendemos uma “representação ideológica de uma comunidade de iguais que expressa/oculta relações de dominação de classe.” (ALMEIDA, 1995, p.20-28). A ideologia nacional constitui os sujeitos como abstração na medida em que, de acordo com Vlach (1991, p.120) , “coloca em cena a própria lógica do capital, que pode ser sistematizada pelo princípio da identidade, que para tornar igual o que é desigual, recorre à abstração”. Assim, sujeitos – seres humanos concretos, vivendo suas vidas concretas – são abstraídos pelo uso recorrente dos termos povo e população e identificados a um território precisamente limitado e soberano, em suma, nacional - o “país”. Logo, os componentes intrínsecos da ideologia nacional passam a corresponder a 181 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... um povo abstrato e igual, associado a um território que adquire concretude com a sua representação cartográfica, a exaltação de sua natureza e beleza, o levantamento e apropriação de seus recursos e potenciais. Segundo Almeida (1995), a ideologia nacional possui uma dimensão universalista (“a representação dos agentes enquanto proprietários”) e uma dimensão particularista, na medida em que A nação não se apresenta apenas sobre a base de um igualitarismo específico; mas o articula à referência a uma comunidade singular. É na afirmação desta singularidade que a representação de um território precisamente delimitado, com o qual a comunidade dos nacionais mantém um vínculo profundo, adquire uma importância primordial. (ALMEIDA, 1995, p. 35/36) Desse modo, o território precisamente demarcado e apropriado, além de historicamente associado a determinado povo se constitui em um dos marcos materiais da ideologia nacional. Portanto, espera-se que estados nacionais “possuam” um território demarcado e “um povo”, sobre o qual determinado Estado exerça soberania, e que seja reconhecido como tal pelos demais estados nacionais, pois, se, no que diz respeito às relações de produção, o espaço é o espaço do capital, o que se configura no âmbito da estrutura do estado capitalista é a constituição de um território nacional, estreitamente ligada à representação de uma espacialidade singular e homogênea e, ao mesmo tempo, reduto exclusivo de uma comunidade peculiar de cidadãos. (ALMEIDA, 1995, p. 39-40) Dessa forma, o território exclusivo de uma comunidade de cidadãos, uma outra abstração, torna-se pré-requisito para a instituição da soberania nacional. Em relação à constituição de uma variante da ideologia nacional brasileira – o nacionalismo patriótico (VLACH, 1988) – o território é mais que um mero vínculo. Na realidade, o território, sua natureza, exuberância, belezas e riquezas tornam-se o ator, o motivo por excelência da construção da identidade e do orgulho nacional. Tal processo, no Brasil, associa-se inicialmente, ao movimento romântico e sua exaltação da terra e do índio; passa, posteriormente, pela literatura dos “viajantes europeus” (SCHWARCZ, 2003) e desemboca naquilo que nos interessa mais de perto: o ensino de Geografia. Afinal, de acordo com José Murilo de Carvalho, A história nacional parece ser algo estranho para muitos brasileiros, como se eles não tivessem nada a ver com ela. O orgulho pela natureza poderia ser interpretado como um indício da alienação dos brasileiros pela sua própria história. (CARVALHO, 2003, p. 404) Segundo o autor, essa associação entre nacionalidade e território tem sua raiz no mito edênico, que integra, por sua vez, natureza e extensão territorial à idéia de paraíso que, na tradição luso-brasileira, “tinha um caráter puramente natural”. 182 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 Um aspecto do mito edênico tem a ver com o tamanho do país. O Brasil é lindo e rico, mas também grande, enorme, um país continental. [...] O Barão W.L. von Eschwege [...] observou que os brasileiros costumavam falar utilizando hipérboles: “tudo no Brasil deve ser grande, a natureza deve ser diferente, mais gigantesca e mais maravilhosa do que em outros países.” Nós sempre queremos ter “o maior do mundo”. O Rio Amazonas é o maior rio, a Floresta Amazônica é a maior floresta tropical, Iguaçu é a maior e mais bonita catarata, o carnaval é o maior espetáculo da Terra, nosso time de futebol é o melhor do mundo, e assim por diante. (CARVALHO, 2003, p.406) Ora, em geral, em que conteúdos escolares foram e são tratados, durante decênios decorados, informações sobre a imensidão do Brasil e as benesses de sua natureza, senão nas aulas de Geografia? Em que conteúdo escolar se canoniza “nossa” forma e extensão territorial, com base, por exemplo, nos mapas políticos em pequena escala? Qual conteúdo escolar contribui para nossa identificação como “iguais”, a despeito das diferenças regionais e de classe? Que conteúdo escolar discute as “singularidades” do Brasil no contexto mundial? É preciso destacar que, em relação ao mito edênico e sua construção acerca da natureza brasileira há, pelo menos, duas percepções dominantes. Uma que afirma ser a natureza brasileira edênica, e o Brasil, “um paraíso terreal”. Outra, associada muitas vezes à construção discursiva das primeiras missões jesuítas sobre o Brasil, que afirma ser este um “lugar abandonado por Deus”, um lugar “infernal”. Se ambas se confrontam na constituição do imaginário e na literatura, por que perdura mais a primeira percepção que a segunda? Porque acreditamos que ela auxilia a construir uma imagem nacional positiva mediante dois fatores: de um lado, a quase ausência de “heróis políticos nacionais” e de um “passado histórico mítico”; de outro, a relativa ausência do povo, já que, durante séculos, e mesmo durante nossa independência, a sociedade encontrava-se cindida entre senhores e escravos. Acreditamos ainda que, mesmo a percepção da natureza infernal auxilia a construir nossa identidade, na medida em que se torna – a natureza, e não a sociedade – a grande vilã e causa de nossas mazelas econômicas e sociais. Desistoriciza-se e naturaliza-se, com a percepção da natureza infernal, processos econômicos, políticos e sociais, enquanto o paraíso terreal fornece uma imagem positiva e esperançosa para o porvir desta sociedade. Desse modo, assinalamos que o ensino de Geografia, no Brasil, constitui uma fonte primordial de (re)construção e reiteração da ideologia nacional2 na medida em que, nas palavras de Chauí, Na escola, todos nós aprendemos o significado da bandeira brasileira: o retângulo verde simboliza nossas matas e riquezas florestais, o losango amarelo simboliza nosso ouro e nossas riquezas minerais, o círculo azul estrelado simboliza nosso céu, onde brilha o Cruzeiro do Sul, indicando que nascemos abençoados por Deus, e a faixa branca simboliza o que somos: um povo ordeiro 2 Para outros estados nacionais, como a França, por exemplo, parece-nos que o ensino de história exerceu um papel mais central. A esse respeito, consultar THIESSE, 1995, 1997. 183 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... em progresso. Sabemos por isso que o Brasil é “um gigante pela própria natureza”, que nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais flores e nossos mares são mais verdes. Aprendemos que por nossa terra passa o maior rio do mundo e existe a maior floresta tropical do planeta, que somos um país continental cortado pela linha do Equador e pelo Trópico de Capricórnio, o que nos faz um país de contrastes regionais cuja riqueza natural e cultural é inigualável. Aprendemos que somos um “dom de Deus e da natureza” porque nossa terra desconhece catástrofes naturais (ciclones, furacões, desertos, nevascas, terremotos) e que “aqui, em se plantando tudo dá”. (2000, p. 5) Em qual disciplina escolar aprendemos a definir, diferenciar e especificar o Brasil da forma descrita por Chauí, senão na Geografia? Onde estão nossos mitos fundadores3 via História? Eles próprios parecem apoiar-se na exuberância de “nossa” paisagem. Neste caso, é pertinente reproduzir um pequeno trecho de Rocha Pita, considerado o primeiro historiador brasileiro, presente no texto de Chauí: Em nenhum outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem raios tão dourados, nem os reflexos noturnos tão brilhantes; as estrelas são mais benignas e se mostram sempre alegres [...] as águas são mais puras; é enfim o Brasil Terreal Paraíso descoberto, onde têm nascimento e curso os maiores rios; domina salutífero o clima; influem benignos astros e respiram auras suavíssimas, que o fazem fértil e povoado de inumeráveis habitadores. (ROCHA PITA, apud CHAUÍ, 2000, p. 6). Será preciso exemplo mais cabal da centralidade do discurso geográfico para a construção da “nossa” ideologia nacional? A Geografia Escolar, ao trabalhar diretamente com a construção de uma espécie de retrato do Brasil4 – em que se destacam sua extensão, suas riquezas minerais e naturais, suas belezas tropicais, seu povo “pacífico e ordeiro” – muito tem contribuído para a manutenção da ideologia nacional. Mais que isso. Afirmamos que certa vertente do discurso geográfico sobre “nosso” território e “nossa” natureza são as principais fontes de criação e perpetuação da ideologia nacional, na quase ausência de “mitos fundadores” oriundos da História (CARVALHO, 2005a, 2005b; CHAUÍ, 2000; MORAES, 2000, 2002; OLVEIRA, 2000; SCHWACZ, 2003). Saberes docentes, ideologia nacional e o híbrido “país” O termo país destacou-se a partir de nossa pesquisa empírica. A ênfase neste vocábulo ficou evidente durante as entrevistas com os professores. Esses, ao serem indagados sobre suas concepções sobre nações e estados nacionais, em algum momento utilizavam este 3 Para Chauí (2000, p. 9), um mito fundador “é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.” 4 Reconhecemos que outros elementos compõem essa construção (como a literatura e o ensino de história). No entanto, estamos enfatizando o ensino de geografia porque nos parece que, no processo de sua constituição enquanto disciplina escolar no Brasil, essa função coube fundamentalmente a essa disciplina. 184 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 vocábulo, tanto para se referirem às nações, quanto aos estados nacionais. Isso nos despertou para seus possíveis sentidos e significados ou para a ausência deles. Por adaptar-se a qualquer contexto e escala, o termo país pode ser usado ora com o sentido de nação, ora de estado nacional, ora ainda, como terra/pátria amada. País é um termo tão corriqueiro, tão intensamente agregado a nosso vocabulário, que sequer pressupomos que ele careça de qualquer definição. Antes, ao contrário: pensamos de antemão, que, ao utilizarmos o termo país, estabelecemos com nossos interlocutores uma comunidade de sentido que dispensa qualquer explicação – explicar o que entendemos por país seria até mesmo uma tautologia. Afinal, supomos que todos saibam o que este vocábulo significa e o que ele denota, precisamente. A partir dessa constatação, passamos a buscar o conceito de país. Optamos por, primeiro, pesquisar seu significado em dicionários de língua portuguesa5 . Verificamos que o sentido que os dicionários de português atribuem ao vocábulo país são derivados de seu sentido etimológico, ou seja, “país natal, solo natal”. Nos diferentes dicionários de etimologia que consultamos, país é associado a “lugar de nascimento,” “terra natal,” “burgo/aldeia,” “nação,” “estado,” “região,” “solo natal”. Todavia, nos dicionários de português a própria escala do vocábulo é modificada: de lugar de nascimento (específico, o burgo, o “lugar”), país torna-se a “pátria”, território e comunidade nacional abstratos cuja identidade partilhamos com nossos conterrâneos, mesmo que não os conheçamos. O sentido de “burgo”, ou de “lugar de nascimento” perde-se ou é substituído por outro, aquele que denota, agora, “nossa nacionalidade”, não mais, necessariamente, a “terra de nossos pais” – lugar de nascimento -, mas a “nossa” própria terra – o território pátrio. Procuramos, a partir de então, o significado de país em obras de referência mais gerais, como o Dicionário de Política, organizado por Bobbio (2000). Esperávamos que esse termo estivesse definido no campo da ciência política, o que não se verificou. O referido dicionário apresenta diversos outros verbetes muito utilizados no campo das ciências sociais, mas nenhuma referência a país. Pesquisamos ainda na L´enciclopédia della Geografia - publicada pelo Istituto Geográfico De Agostini, em 1996, em Novara, Itália - e também não encontramos uma definição para país (ou paesi). Pesquisamos ainda o sentido de país nos dicionários de etimologia, filosofia, sociologia e antropologia. Porém, somente encontramos definição para país nos diferentes dicionários de etimologia, nada sendo encontrado em dicionários de filosofia, política, antropologia e sociologia. Resolvemos, então, buscar o sentido de pays e paysage em dicionários de francês. O Larousse (1998) apresenta pays como pessoa do mesmo vilarejo, da mesma região. Por 5 Até porque alguns professores apontaram os dicionários como fonte de pesquisa para suas aulas. 185 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... exemplo, se uma pessoa está fora do Brasil e encontra um brasileiro, usa ou pode usar a expressão “encontrar o país”. País associa-se à pessoa e origem, ou melhor, ao lugar de origem de certa pessoa. Desse modo, país articula certa familiaridade entre pessoa e terra. Assim, apesar de esses termos serem bastante comuns, praticamente não encontramos uma definição precisa deles na área das ciências sociais – ou uma primeira aproximação com o vocábulo, possibilitada por obras introdutórias ou gerais como dicionários específicos. Procuramos então, compreender como os professores entrevistados definem país. Qual o sentido que esta palavra tem para eles? Qual seu significado? A que associam esse vocábulo: a nação, a estado nacional ou a ambos, indistintamente? Como pode ser observado nos trechos destacados a seguir, país manifesta-se nas concepções dos professores de forma híbrida, desprovido de um sentido político imediato, variando de acordo com o processo de formação de cada um – em alguns momentos, o termo é relembrado da formação básica de alguns docentes. Ele é corriqueiro, falado sem que sequer se tenha pensado em seu significado, quase como um “ato falho”, ou algo tão comum, que não se observa enquanto se fala, ou seja, não se pronuncia com cuidado, mas como uma palavra que flui, escapa no diálogo, e que pressupõe compreensão imediata pelo outro. Não estou lembrado. Eu usei o termo país? Passou despercebido. (risos) Eu deveria ter usado nação então. Se usava, usava sempre como sinônimo. Mas, aí o sentido de país qual que seria? [...] Parte física, território formado, fechado, com [...] um povo [...] digamos, suas [...] características peculiares próprias, que é diferente de outros, que tem autonomia, que tem leis, que tem [...] um destino, que tem [...] uma formação mais diferenciada do outro próximo, da nação próxima. Dessa forma. (PROFESSOR FIGUEIRA) O uso do termo “país” é tão automático, que o professor sequer tem consciência de ter utilizado em sua entrevista. “País” passar a existir como sinônimo de nação e parece referir-se, neste caso, à paisagem, entendida como aquilo que se vê, ao território (aspectos conferidos pelos mapas políticos em pequena escala), ao povo e à soberania. De acordo com Almeida (2005)6 , “país se adequa a qualquer quadro político-territorial, em qualquer contexto, seja nação, estado nacional e em qualquer estágio de construção, até por ser um termo relativamente neutro”, portanto destituído de uma conotação política. Por isso, consideramos o termo país como híbrido, ou, como ressalta Chauí (2000), um semióforo7 e acreditamos que sua utilização é outro elemento que contribui para a construção da ideologia nacional, na medida em que ele carece de precisão conceitual, sendo intensamente 6 Essas observações foram obtidas diretamente do autor, durante a realização de uma mesa-redonda promovida pelo V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais, realizado de 26 a 29 de julho de 2005, em Belo Horizonte - MG. 7 Semióforo “é um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim, por sua força simbólica. [...] Um semióforo é fecundo porque dele não cessam de brotar efeitos de significação” (CHAUÍ, 2000, p.11/12) . 186 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 utilizado tanto na linguagem coloquial, quanto nos manuais didáticos e mesmo, em livros de caráter mais acadêmico. Observe-se a esse respeito, a entrevista a seguir: Eu [...] eh, quando a gente fala país eles [os alunos] têm a noção de Brasil, que seria um território de poder, com presidente, nem que seja um mínimo, você vai criar, é um espaço que tem presidente, que tem, eh [...], tem deputados, tem senadores. [...] Acho que é um espaço delimitado com leis [...]. Um grande território que tem ali uma lei que determina, todos que estão ali dentro ali tem que se submeter àquela lei. [...]. Porque quando a gente está estudando na faculdade a gente não ouve muito falar país. Você quase não ouve. É tudo estado-nação. O que é estado-nação? É país. [...] Estado com E maiúsculo é país, estado com E minúsculo é Minas Gerais. [...] Eu não consigo diferenciar país e estado-nação não. [...] Todos são sinônimos. [...] Eu não consigo diferenciar (PROFESSOR MOGNO) A observação anterior de Almeida é crucial, acrescida, neste caso, das questões políticas, territoriais e escalares apontadas por Vlach e Haesbaert (2005)8 . Para Vlach, “país se refere ao mapa, à forma geométrica e permite abstrair o político, pois, utilizandose este termo, não se faz a discussão política da sociedade que ali vive”; para Haesbaert “país é criado com a modernidade, a exclusividade de um único país, associando-se neste caso, à questão da escala.” 9 País, portanto, seria uma palavra que significa concomitantemente tudo e nada. Um termo que se supõe de compreensão imediata, de consenso geral, utilizado em qualquer escala (territorial e temporal), e ao mesmo tempo, desprovido de sentido e significado político; por isso, tão comum, corriqueiro, fácil, intangível e pleno de sentidos. Observamos o quanto, na escola básica, o vocábulo país é comum. Talvez porque ao utilizar esse termo se esvazie a carga política dos vocábulos nações e estados nacionais e possibilite aos docentes, fugirem ao tema sobre o qual parecem sentir-se inseguros, uma vez que afirmaram carecer de formação mais específica para trabalhar estes conceitos, principalmente na graduação. É possível ainda, que essa “fuga da política” esteja associada a certa herança da Geografia moderna ou tradicional a se perpetuar na escola básica. Por que falamos em herança? Porque um dos grandes autores e divulgadores da Geografia, principalmente a escolar, no Brasil, - Aroldo de Azevedo -, em 1955 escreveu um texto no Boletim Paulista de Geografia em que afirmava a necessidade de se fazer da Geografia uma ciência “neutra”, que se distanciasse da senda política, sobretudo aquela associada à geopolítica alemã, que resvalou no nazismo e nos horrores da II Guerra Mundial. Nesse texto, ele afirma, inclusive, que escreve sobre geografia política e geopolítica com certo “temor”, mas o faz por considerar importante discutir e “alertar os jovens geógrafos 8 Referimos à participação e às observações de Vânia Vlach, Rogério Haesbaert e Lúcio Flávio de Almeida na mesma mesa-redonda, no evento já citado. 9 E aqui constatamos outro hibridismo: originalmente, “país” associava-se à grande escala (o lugar de nascimento); atualmente, refere-se ao estado nacional ou à nação, mas tanto em um como em outro, a escala agora é pequena. 187 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... acerca desta senda tão instável”. Assim, o ensino e a pesquisa de Geografia deveriam primar pela neutralidade científica, tão “cara aos franceses”, afastando-se das “influências instáveis da geopolítica alemã”, que levou o mundo ao desastre da II Guerra Mundial (AZEVEDO, 1955). É possível que esse recurso ao termo país seja uma tentativa de afastamento da “instabilidade da geopolítica”, de afirmação da “neutralidade” da Geografia, de uma “despolitização do discurso geográfico” – mas não exclusivo dele em se tratando do vocábulo país. É provável ainda que esteja relacionado à forte influência da Geografia francesa sobre a constituição da Geografia brasileira (afinal, o termo pays é de origem e uso francês). Em contrapartida, será que esse termo não teria sua origem no senso comum, tendose perpetuado na escola básica? Nesse caso, a utilização e mais, a constituição de uma comunidade de sentido para país não poderia ser uma produção derivada diretamente da escola básica e que se estende até a produção acadêmica? O professor Pinheiro, por exemplo, associa país a limites e fronteiras: Eu vejo a diferença, país delimitado espacialmente. País, Brasil com uma fronteira. Tem um limite. Isso é país. (PROFESSOR PINHEIRO) País associado a fronteiras e, novamente, aos mapas políticos em pequena escala, que lhes conferem existência e materialidade no cenário de outras nações. Daí parece que há uma gradação entre os termos país, nação e estado nacional. País implica delimitação, materialidade simbólica nos mapas políticos em pequena escala; nação, por sua vez, remete à idéia de identidade, e estado nacional refere-se à posição daquele grupo, daquela organização no cenário mundial, ou seja, estado nacional seria um estágio de negociação/ arranjos/acordos/disputas no cenário internacional. Assim, país seria um estado soberano. [...] Porque eu penso que um é o território. [...] E dentro desse território vem todas as formações econômicas. (PROFESSOR LARANJEIRA) Ora país é o território, ora é um estado soberano. Assim, mais uma vez, dentro do vocábulo país cabe qualquer coisa, qualquer definição. A transcrição a seguir, fornece um exemplo do que chamamos de hibridismo entre os termos nações, estados nacionais e país. Nela, aparecem lembranças da formação ginasial e secundária do professor,10 as quais ele utiliza, ainda que não conscientemente, para definir, diferenciar e mesmo, aproximar os termos nação, estado nacional, país, pátria. A memória, neste caso, retrata sua formação básica ocorrida durante a ditadura militar e os símbolos e rituais utilizados para construir a ideologia nacional – a pátria amada, o futebol, a língua, a religião. País [...], por exemplo, Alice no País das Maravilhas. Até... até Alice tem um país. [...] Eh, por exemplo, a Guiana Francesa pode-se dizer que é um país. 10 Conforme Tardif (2002), a formação não se “fecha” no tempo da graduação, mas abre-se para o passado e para o porvir. 188 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 Agora, politicamente, ela é uma, um departamento de ultra-mar da França. [...] Então, por exemplo, uma área que não é independente politicamente, que não é reconhecida pela comunidade internacional como um estado nação, ele pode ser um país, entendeu? [...]. A pátria. Pátria é aquela coisa do coração e tudo. [...] Aí, tem lá, futebol. [...]. A língua, eh, os valores nacionais pra eles [os alunos], o que é importante pra eles no Brasil, o que eles acham importante. Nação. [...] Você se acha, você acha que futebol é uma referência sua pra conceituar nação. Porque é um valor, eh, cultural bem forte. A língua. [...] Do país. O país, aí já não é mais aquele conceito, [...] que ele não tem soberania. Não. País, normalmente, é usado genericamente como estado nacional, entendeu? [...] O exemplo de países que não têm soberania política, reconhecimento e digo pra eles um país que é vinculado a outro, por exemplo. A Chechênia é um país. [...] A Chechênia tem fronteiras delimitadas. É um país, mas não tem soberania. [...] Mas pro brasileiro país é a coisa mais confusa. Então, eu explico dessa forma. “Meu país”. Aí, é uma coisa que parece que é mais de coração, sabe, está ligada ao futebol, à nação, mas uma nação sem soberania. [...] Pátria já, acho que nos remete a uma questão mais, eh, emotiva, vamos dizer. Eh, me parece que é uma coisa de chão mesmo, sabe. [...] Pátria, eu acho que foi na escola primária, que a gente ficava no pátio, tocava o hino nacional e hasteava a bandeira. A gente punha a mão assim, sabe. [...] O país parece que confunde um pouco com pátria, sabe. Na faculdade, eh, eu fui entender, lendo e estudando, eu queria saber se tinha alguma diferença. E nada mencionava. “País se diferencia disso aqui”. Um dia eu li.[...] O país, pode ser um país, eh, qualquer lugar pode ser um país, eu posso considerar país, eh, por exemplo, o estado nacional, desculpa, a nação de um grupo étnico é considerado um país. [...] Deixa eu ver, [...] se não me engano no Almanaque Abril. Não tenho certeza. (PROFESSOR JATOBÁ) Assim, país refere-se à pátria, remete ao coração, à língua e à religião, e pode ser usado para referir-se ainda às nações que não têm soberania, apesar de terem fronteiras delimitadas (o exemplo, no caso, é a Chechênia). A construção dos conceitos de pátria, país, nação, estado nacional parece oriunda de sua prática e por ela norteada e inclui outro sujeito em sua entrevista e construção, os alunos, que se tornam os referenciais de seu diálogo conosco. Embora ausentes de fato, eles estão presentes de direito e constituem o marco deste professor para construir sua argumentação. No trecho, os alunos aparecem quase como sujeitos ocultos, para os quais se dirigem a ação e o discurso construído pelo professor. Outra questão que muito nos chamou atenção foi a particularidade e a identidade de e em ter um país (para ele, até Alice tem um país), ou seja, todos têm um país, uma origem, vêm de algum lugar - neste caso, país parece assumir sua designação inicial: lugar de origem de alguém. O hibridismo da palavra é ressaltado, na medida em que tanto a Guiana Francesa, quanto a Chechênia e o Brasil são exemplos de “país” (País eu posso denominar qualquer, eh, eu posso criar um país pra mim, entendeu). E há ainda, a generalização do discurso: mas pro brasileiro, país é a coisa mais confusa. Em suma, o professor, no momento em que organiza suas respostas, percebe e generaliza a confusão em torno do que seria o termo. Isso que ele percebe – que para o brasileiro, país é uma coisa confusa – a nosso ver é uma realidade, e não apenas circunscrita ao ensino de Geografia. Outro professor aponta que país é tudo, o estado e a nação. E associa nação a algo 189 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... além do limite territorial, a questão cultural e de pertencimento, embora não tenha utilizado esses termos. Quando eu falo país é o conjunto de tudo. Dentro de país tem estado nacional, tem a nação. Vamos pensar por exemplo, lá nos [...] nos curdos. Eles não estão tentando transformar o seu estado? Eles não tem um estado. Não tem país. O país daquele grupo ali não tem. Então, o país... dentro do país tem o estado, tem o povo, aí vai ter governo, vai ter. Então, país é tudo. As fronteiras. Não porque o estado para mim, o país tem o limite físico, territorial. A nação já não tem. Ela vai além. [...] Tem um país, que é todo, conjunto todo, territorial, recursos naturais e tal. A nação é mais composta pelo povo e o estado nacional, no meu ponto de vista, é o que administra isso tudo. (PROFESSOR IPÊ). País, então, é uma associação entre povo, estado e governo, portanto, implica limites territoriais, soberania, afinidades culturais (identidade comum?) e fronteiras não apenas demarcadas, mas reconhecidas e associadas à soberania política. Ademais, país aproximase da idéia de “chão” e da definição encontrada nos dicionários de francês e etimologia, portanto, de seu sentido original, como o lugar de origem de alguém. Nesta outra transcrição, mais um exemplo do hibridismo desse termo, tão comum e tão desconhecido, ao mesmo tempo senso comum, despolitização, sentido para algo que não se precisa o que seja. Eu acho que dentro da concepção que você tem hoje de país, você tem que ter um povo organizado com o estado. Aí você teria o país. É. Aí você tem que ter [...] vamos dizer assim, você tem que ter esse território, esse limite, que as pessoas estão vivendo ali, um poder constituído, uma nação. Se bem que tem país também que tem várias nações. Difícil isso.[...] (P.) Nas suas aulas você usa o quê? Eu falo em país. Mas, quando você vai pra trabalhar os conflitos você acaba entrando na nação e no estado. Porque uma boa parte desses conflitos aí, eles estão em cima disso, está em cima de, de território, de formação de estado. (PROFESSOR JUAZEIRO) Povo organizado, limites, território, poder constituído. País associa-se, neste caso, à idéia genérica de estado nacional, fugindo de sua proximidade com pátria – porque não se falou em emoção – e de nação, porque se considera um território soberano e com Estado próprio. Assim, nas aulas usa-se novamente o termo país e sua aparente neutralidade, apesar de este designar para o professor, o estado nacional. A nação e o estado nacional aparecem como sujeitos quando se trabalha a temática referente aos conflitos, pois que estes colocam em pauta, tais definições. Desse modo, será que se não se tivesse que trabalhar conflitos, seria colocada em questão a discussão dos sentidos das nações e estados nacionais? O professor demonstra ainda, seu modo de raciocinar ao responder a essa questão. Ele vai aos poucos, procurando definições, buscando delimitar o campo, os conceitos e categorias. Uma marca de texto que pode demonstrar essa busca pelo raciocínio: difícil isso, depois de ter procurado dar uma resposta bastante didática – novamente os alunos aparecem como sujeitos ocultos do discurso. Outro aspecto: fala-se em nação e estado 190 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 nacional diante do tema conflitos. Será que, então, essa temática não é discutida para Brasil? Por que será que se usa mais país para se referir ao Brasil? Almeida (2005) supõe que isso seja uma decorrência do processo de construção inerente à nação brasileira, inicialmente marcada por uma base econômica fundada no trabalho escravo. “Assim, seria um termo mais fácil de usar, pois não é possível falar em ‘nação brasileira’ por exemplo, no período escravista.”11 Mesmo quando se procura conferir um sentido mais geopolitizado a esta palavra, ela acaba por significar tudo e nada e remeter, ainda que indiretamente, à soberania, este marco dos estados nacionais modernos, como na transcrição a seguir. Minha noção de geopolítica acho que, não sei se eu estou ampliando ela muito aqui, mas acho que trata dessa relação de como você vai pensar a, essa questão da organização do território. Como que esse território está interagindo com o que está em volta ou dentro dele mesmo. [...] Vou usar o caso do Brasil, por interesse político, por interesse econômico ou por, teria a questão militar, por exemplo. [...] Será que o Brasil está tomando uma atitude meio [...] digamos assim, arrogante com relação aos vizinhos ou aos aviões que entram pela sua fronteira? [...] Até, eh, [...] eles usam muito essa idéia que vem na mídia mesmo. Eu acho que a mídia constrói muito essa questão geopolítica também, assim, de [...] de passar algumas informações, mas sem estar discutindo muito o assunto. (PROFESSOR JACARANDÁ) Observa-se, na entrevista, a consideração do território, quase como um sujeito ou como sujeitos em interação, abstraindo-se as sociedades. Assim, as interações geopolíticas ocorrem entre o “país-sujeito” Brasil com outros “países-sujeitos”. Destaca-se ainda a idéia da soberania e das fronteiras demarcando e diferenciando o interno do externo, conferindo uma identidade e, ao mesmo tempo, desprovido de um sentido mais político, como argumentaram Vlach e Almeida. A idéia de país, para este docente, teria uma origem clara: a mídia. Mas, não seria a própria escola básica a fonte de origem ou de manutenção, divulgação, vulgarização desta palavra? O contato permanente com ela – nos livros e nas aulas de Geografia, mas não exclusivamente nelas -, faz com que seja incorporada tão profundamente ao nosso vocabulário que, em geral, não pensamos sobre seus sentidos e significados. Assim, ela se torna tão irrelevante que não é trabalhada com uma precisão conceitual maior. Neste ponto, com base nas pesquisas realizadas, é possível fazer três constatações a respeito da grande difusão do termo “país”: uma refere-se ao uso constante dele pela Geografia francesa e sua incorporação pela brasileira; outra, ao fato de o uso do termo ser tão comum, que parece não haver necessidade de nenhuma precisão conceitual, de nenhuma definição. Por fim, cabe argumentar que este vocábulo tem sua manutenção, atribuição de sentidos e significados estreitamente vinculado à escola básica. Aventamos a possibilidade, inclusive, de ser a escola básica o local de produção de sentido e significado para a palavra 11 Mesa-Redonda durante o V Encontro Estadual de Geografia de Minas Gerais. 191 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... “país”, disseminando-se, a partir dela, para toda a sociedade, num processo de construção e reconstrução de significados, ou, como afirma Therborn (1987, p.21, tradução nossa), permitindo que “os seres humanos se constituam como membros conscientes do mundo sócio-histórico”. Ou ainda, permitindo que se construa a “interpelação”, considerando-se que esta seja “uma ilustração, um exemplo adaptado a um modo específico de exposição, suficientemente ‘concreta’ para ser reconhecida, mas abstrata o bastante para ser pensável e pensada, dando origem a um conhecimento.” (PÊCHEUX, 1996, p.149). Para Michel Pêcheux (1996, p. 146/147), “o teatro da interpelação” permite a ligação do “sujeito perante a lei”, apresenta esse vínculo como se “o teatro da consciência - eu vejo, eu falo, etc - fosse observado dos bastidores” e designa, pela discrepância da formulação “indivíduo/sujeito, o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado a existir”. Logo, o importante é o significante, isto é, aquilo que representa o sujeito da interpelação/ identificação. No caso do termo “país”, ele próprio se transforma em significante/sujeito, traduzindo para outros sujeitos - dessa vez concretos, os “nacionais” - o que significa pertencer a um território ou constituir uma nação/estado nacional. Assim, a construção da ideologia nacional em vez de ser colocada em discussão, é subsumida no uso contínuo do termo “país”, que permite seu encaixe, justamente por sua imprecisão e sua abrangência, em qualquer escala temporal, territorial e política. E se estamos no campo da ideologia nacional, para a qual o termo “país” tanto confere um sentido, quanto oculta o movimento, é preciso considerar também, com Therborn (1987, p. 65, tradução nossa), que as ideologias, não funcionam como idéias ou interpelações imateriais. Sempre são produzidas, transmitidas e recebidas em situações sociais concretas, materialmente circunscritas, e com base em meios e práticas de comunicação especiais, cuja especificidade material pesa sobre a eficácia da ideologia em questão. As escolas funcionam, nesse sentido, como locais onde os professores têm legitimidade para falar, e no caso dos professores de Geografia, para falar das nações, estados nacionais, pátrias e “países”. Este termo torna-se corriqueiro e como tal, seu sentido é (re)produzido. É transmitido em escolas, meios de comunicação, diálogos pessoais, copas do mundo, corridas automobilísticas. É recebido e transformado continuamente em situações sociais concretas do cotidiano, eivado por essas vivências, trocas e diálogos. Ou, como afirma Bakhtin (1997), entra no domínio da ideologia aquilo que tem valor social. E país tem valor social, tanto, que sequer precisa ser definido, pois se considera, em geral, que esse vocábulo esteja sempre subentendido, e como tal, integre o conhecimento humano geral. Considerações finais Nossa pesquisa realizou-se com base nas entrevistas com professores de Geografia, 192 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 indicados por sete escolas entre públicas e privadas de Belo Horizonte. A amostra foi qualitativa e os professores entrevistados possuem legitimidade em seus locais de trabalho, estão inseridos em um processo de formação contínua, demonstraram refletir em e sobre sua prática escolar e todos são considerados bons professores de Geografia nas instituições em que lecionam. Bons professores – segundo os critérios encontrados em nossa pesquisa – foram definidos como aqueles que articulam conteúdos e saberes distintos, ensinam essa habilidade de articulação a seus alunos e são capazes de conferir sentido àquilo que ensinam. Observamos ainda uma relação circular entre a escola básica e a academia: as disciplinas escolares vão constituindo um corpus próprio e quase autônomo em relação às disciplinas acadêmicas, embora guardem uma relação de profunda interação com elas, uma validando e justificando a existência, permanência, necessidade e atualidade da outra, dialeticamente. Se considerarmos, portanto, que esta relação é dialética, ela encontra-se imbricada em validações e contradições. Se há uma “certa desconsideração” pelos acadêmicos, do saber escolar, os professores da escola básica consideram, muitas vezes, que o conhecimento acadêmico carece de objetivação, por ser “muito teórico”. Na institucionalização da História e Geografia como disciplinas escolares na Europa, construiu-se uma certa subordinação desta àquela. Na França e Alemanha, a Geografia subordina-se à História e ambas são criadas para constituir os nacionais. No Brasil, por suas especificidades, ocorre o contrário, ou seja, é a Geografia que fornece os principais elementos de construção dos “grandes mitos formadores nacionais”. Portanto, em relação ao Brasil, acreditamos que a subordinação da Geografia à História deve ser relativizada. Isso deve ocorrer, sobretudo, quando consideramos a construção da ideologia nacional. Aí é a Geografia, mais que a História, que fornece os elementos para a construção de nossa ideologia nacional, tais como aspectos referentes à nossa extensão territorial, miscigenação, a grandiosidade de nossa natureza face à relativa ausência de “mitos fundadores nacionais”. Desde o “descobrimento”, o que conferiu singularidade a esta terra na percepção do europeu ibérico foi sua natureza exuberante, “rica em águas”, pródiga, um verdadeiro “jardim do Éden”. A esse “jardim do Éden” associa-se um superlativo que procura traduzir/refletir/ refratar a grandeza brasileira: ser um dos “países” de maior extensão territorial do mundo, e mais, com expressiva população, essencialmente mestiça e pacífica. É preciso considerar, no entanto, que se de um lado, constrói-se esse mito da natureza edênica, de outro, a natureza é percebida como um entrave, um empecilho ao desenvolvimento nacional. Essas duas percepções conflitantes da natureza tanto produziram e produzem discursos de “orgulho nacional”, quanto de justificativa para nosso “atraso” social e econômico. Se de um lado, a nossa natureza “pródiga” constitui positivamente nossa imagem, de outro, nossa natureza “infernal” permite-nos justificar, pela via do 193 GÁUDIO, R. S. DEL; BRAGA, R. B. A GEOGRAFIA, A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO... natural, as nossas mazelas. As duas perspectivas desnaturalizam o homem e naturalizam as sociedades, possibilitando, desse modo, que se construam discursos pertinentes à constituição dos brasileiros, uma vez que se ignora a sociedade, cindida pelo escravismo no período colonial e por profundas desigualdades sociais na atualidade. O recurso à natureza, seja edênica ou infernal, permite que se constitua o Brasil e os brasileiros, criando um vínculo profundo entre os nacionais a despeito de suas desigualdades efetivas. A Geografia Escolar, ao trabalhar diretamente com a construção de uma espécie de “retrato do Brasil” muito tem contribuído para a manutenção da ideologia nacional. Frente à “neutralidade” da Geografia, povo torna-se população, território transmuta-se em terra, poder em estado, e este estado pode reservar-se a função de mediador das lutas sociais incluindo, evidentemente, as lutas por terras e território. Acreditamos também que, no Brasil, a Geografia Escolar reproduz com maior intensidade a ideologia nacional, justamente por negar-se a discuti-la. Na medida em que nos furtamos à discussão sobre a construção de “nosso” território, em que reproduzimos, ainda que com críticas, a prodigalidade da natureza brasileira, em que continuamos a trabalhar nossas fronteiras descontextualizadas de seu processo de construção, em que continuamos a descrever nossa população como ordeira e pacífica, reinventamos/ vivificamos nossos mitos fundadores geográficos. Por isso consideramos o termo país um “semióforo”, algo que se pressupõe ser do entendimento comum, que remete a alguma coisa situada fora de si mesma, que por isso, constitui-se como signo e cujo valor reside em sua força simbólica. Pertencer a um país constitui-se assim, em uma faceta de nossa subjetividade. Notamos que professores, obras de referência e livros didáticos utilizam de modo recorrente esse vocábulo, que tudo e nada fala a respeito de ser um “nacional”, mas que, ao mesmo tempo, estabelece um sentido comum de pertencimento, ainda que pouco definido. Este termo, ao mesmo tempo significando tudo e nada, talvez permita esvaziar a carga política e ideológica presente nos termos nações e estados nacionais. Talvez permita falar em “nação brasileira” sem que esta, necessariamente, exista. E talvez possibilite a todos que o utilizam, fugir das discussões suscitadas pelas nações, estados nacionais como termos carregados de vários sentidos históricos e ideológicos. Assim, mantém-se, de certo modo, uma das funções historicamente atribuídas à Geografia na escola desde sua institucionalização no século XIX: constituir a identidade nacional. Por isso, podemos considerar que a Geografia foi e continua a ser agente de produção e reprodução da ideologia nacional. E isso parece ser um aspecto inerente à escola básica, uma vez que os professores entrevistados afirmaram não terem discutido essas questões durante sua formação na graduação. É importante ressaltar o quanto foi recorrente os entrevistados afirmarem não se lembrar de disciplinas, no curso de Geografia, que colocassem em discussão os conceitos de nação e estado nacional. Muitos afirmaram que, 194 Terra Livre - n. 28 (1): 177-196, 2007 na graduação, pressupunha-se que os discentes tivessem esses conceitos. Eles, hoje, fazem o mesmo com seus alunos na escola básica: pressupõem que os alunos já construíram esses conceitos. Se os alunos da escola básica não os têm, os docentes acreditam que, em algum momento, esses conceitos serão construídos nas aulas de História. Desse modo, a Geografia, enquanto disciplina escolar, e seus professores, continuam a constituir os “brasileiros”, ainda que sem ter clareza quanto a isso. Referências ALENCAR, José A.de. 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O Brasil, assim como em outros países da América Latina, passou por anos de ditadura que influenciaram em grande parcela a estrutura política, social e econômica, assim como o sistema de ensino. Isto é resultado da interferência dos acordos unilaterais que tinham real interesse em manter assegurado o controle ideológico do Estado, bem como difundir a nova face do capitalismo e a modernização que se desenvolveu no campo e na cidade. Nesse contexto, este trabalho pretende analisar o período da ditadura militar, assim como a forma que o livro didático foi utilizado pelo Estado para difundir sua ideologia, durante aquele momento da história do Brasil. Palavras-chave: Política; Ensino; Geografia; Llivro didático; Ideologia. Abstract: The military dictatorship in Brazil (1964 – 1985) was a reflex of the international policies practiced after the Second World War by the government of the United States, with the purpose to exercise an economic and ideological control on their partners and as a form of avoiding the Socialist Regime. Brazil, like other Latin-American countries, experienced years of dictatorship which influenced at most the social, economic and political structure, even the educational system. It is reflected on the interference of the unilateral agreements which had as a real interest to assure the ideological control of the State, and also to spread the new face of the capitalism, modernization – industrialization/urbanization – that was developed in the countryside and in the city. In this context, this work intends to analyze the period of the military dictatorship, as well as the form with which the textbook was used by the State to spread out its ideology, during that moment in the history of Brazil. Keywords: Politic; Teaching; Geography; Textbook; Ideology. Resumen: La dictadura militar en Brasil (1964 – 1985), fue el reflejo de las políticas internacionales puestas en práctica después de la Segunda Guerra Mundial por el gobierno de los Estados Unidos, con la finalidad de ejercer un control ideológico y económico sobre sus compañeros y como forma de control del peligro socialista. Brasil, así como otros países de América Latina, pasó por años de dictadura, que influenciaron de forma importante la estructura política, social y económica, así como el sistema de enseñanza. Eso es resultado de la interferencia de los acuerdos unilaterales que tuvieron verdadero interés en asegurar el control ideológico del Estado, así como en difundir el nuevo lado del capitalismo y la modernización que se desarrolló en el campo y en la ciudad. En ese contexto, este trabajo tiene como objetivo investigar el periodo de la dictadura militar, así como la forma con que los libros didácticos fueron utilizados por el Estado para irradiar su ideología durante aquel momento de la historia brasileña. Palabras clave: Política; Enseñanza; Geografía; Libro didáctico; Ideología Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 197-220 Jan-Jun/2007 197 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE Introdução A educação, no Brasil, tem sofrido muitos reveses durante sua história. A começar pela catequização dos nossos índios a partir da qual sua cultura era desprezada em detrimento à cultura européia, fortemente embasada na fé cristã. O livro didático, que foi criado com o intuito de ser um instrumento de auxílio ao professor na sala de aula, em muitos casos, passou a ser a “bíblia” da sala de aula. Mais ainda, como o governo, historicamente, procura estabelecer parâmetros curriculares comuns em todo país, tem encontrado nos livros didáticos um importante instrumento meio de praticar esta “paridade” educacional. Nota-se que até hoje, mais de vinte anos depois da redemocratização, o Estado brasileiro tem exercido esse papel na educação de suas crianças e jovens. E durante o período militar, o que sabemos sobre as políticas públicas para a educação e, mais especificamente, para os livros didáticos? Normalmente quando é feita alguma menção ao período militar, os termos que ouvimos ou que lemos mais freqüentemente são: repressão, tortura, perseguição e desaparecimento geralmente vinculados aos danos físicos e morais causados às pessoas, às organizações democráticas e aos meios de comunicação. Mas pouco se tem falado sobre a maneira que os militares administraram o país e seus reflexos na sociedade brasileira. Com sua ascensão ao poder, os militares passam a se instrumentalizar para a aplicação de seu projeto de Estado à sociedade brasileira. Esses instrumentos, denominados aparelhos do Estado, são os meios legais pelos quais o homem organiza sua sociedade, ou seja, para garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação de dominação e subordinação econômica, política e ideológica, a classe dominante utiliza-se do Estado, que nada mais é que um instrumento de repressão assegurador do seu domínio” (NOSELLA, 1978, p. 21). Portanto, a escola, como uma instituição de abrangência nacional e de caráter central na formação e instrução da população, passou por transformações para que contemplasse as reformas implantadas pelos militares. Assim, Nosella (1978, p. 27) diz que o papel da escola é “[...] cumprir sua função de instrumento de inculcação da ideologia da classe dominante à classe dominada.” Pode-se então perceber que a política centralizadora do período militar atacou em muitas frentes, e o livro didático, como o mais importante instrumento de ensino empregado nas salas de aula brasileiras (dada a precariedade das condições de trabalho do professores e os graves contrastes e problemas sociais presentes na vida dos alunos), também fez parte do ‘pacote’ de mudanças que alicerçaram o período. Esta reflexão fundamenta o tema do presente trabalho, trazendo uma análise de livros didáticos produzidos durante o período da Ditadura Militar (1964 – 1985), como forma de compreender suas abordagens no que se refere a determinados aspectos que se relacionam ao momento que passava 198 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 nosso país. Com isso, tem-se como objetivo, de forma geral, demonstrar como foi tratada a educação no Brasil durante o regime militar e, especificamente, demonstrar quais foram as políticas públicas elaboradas para reger as atividades educacionais durante o referido momento, como essas políticas atingiram os livros didáticos de geografia e construir um referencial teórico com vistas a ampliar a visão que se tem sobre o assunto, ainda tão pouco explorado, sobretudo, no Brasil. Para desenvolver a pesquisa, foi adotada uma metodologia qualitativa, a partir da análise descritiva de livros didáticos do referido período, levando, desta maneira, à compreensão do tema proposto. Os livros analisados são de autores expressivos do período e trata-se de obras que fizeram parte da leva de livros disponibilizados às escolas de acordo com o tratado assinado em janeiro de 1967. A partir da análise dos livros selecionados, foi possível traçar uma linha-padrão de apresentação e abordagem da geografia e, mais precisamente, em temas e assuntos sobre o Brasil. Sobre o cenário político e econômico internacional e brasileiro após a Segunda Guerra Mundial O mundo, após a Segunda Guerra Mundial, viu despertar um novo embate entre nações. De um lado da “trincheira”, no hemisfério ocidental liderado pelos Estados Unidos da América (EUA), ergueu-se o bloco capitalista, dito Primeiro Mundo, com uma economia liberal voltada aos interesses do mercado e do capital, onde a interferência do Estado na economia do país era mínima. No hemisfério oriental, liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ergueu-se o bloco de economia planificada e centrada no interesse coletivo representado pelo Estado (conhecido como Segundo Mundo), sendo o centro das decisões na capital da Rússia, Moscou. Durante este período, a América Latina permanecia como uma região cujas possibilidades de avanço do socialismo eram reais. Seria muito perigoso para os Estados Unidos, e de certa forma essencial para o capitalismo, que a América Latina fosse integrada ideologicamente e economicamente aos vizinhos do norte do continente. Porém, segundo Katchaturov (1980), essa mudança de visão, e atitude dos governos norte-americanos para com a América Latina não se deu de uma hora para outra, mas foi sendo construída com o passar dos anos (especialmente do final do século XIX até a metade do século XX), sendo fortemente apoiada por doutrinas criadas e “aprimoradas” por sucessivos governos. Assim, o governo de Washington parte em busca de aliados nos países da América Latina para que se leve até esses países o modelo adotado por ele e seus seguidores. E encontrou nesses países a insatisfação crescente da classe burguesa com o avanço do proletariado em seu “território”, associado ao risco de uma eminente revolução das classes ascendentes embasada nos ideais marxistas, o que o levou a apoiar a burguesia nos golpes de Estado para a (re)tomada do poder e a consolidação de sua hegemonia no continente 199 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE americano. Dentre os instrumentos e os direitos que os Estados Unidos dispunham e teriam a liberdade de adotar, caso fosse necessário, em benefício próprio para a aplicação de suas doutrinas, estavam a intervenção armada nos países, anexações de territórios e até a derrubada de governos constitucionais, definida por Katchaturov (1980, p. 19) como a concretização de uma “[...] ‘política preventiva’, proclamada pelos EUA e que tentava fundamentar o ‘direito’ de intromissão nos assuntos dos países latino-americanos com a ‘anarquia’ reinante e as ‘transformações políticas indesejáveis’.” Foi assim com a derrubada do governo civil e constitucional do Brasil em abril de 1964, com a deposição do governo da então Guiana Inglesa em dezembro do mesmo ano e com a intervenção armada na República Dominicana em abril de 1965. Todos estes golpes foram alicerçados pela Doutrina Johnson, que segundo Katchaturov (1981, p. 25) “afirmava o direito dos EUA à intromissão nos assuntos internos dos países da América Latina e que estes não permitiriam o surgimento de uma segunda Cuba”. Já através da política do Presidente Nixon denominada por “colaboração entre iguais” conduzida pelo presidente estadunidense Nixon, foram depostos os governos da Bolívia em 1971, do Uruguai e do Chile em 1973. E em 24 de março de 1976 é deposto o governo peronista da Argentina, estando neste momento as relações internacionais dos Estados Unidos regidas pela política do “novo diálogo”. No Brasil, o golpe que levou os militares ao poder central em 31 de março de 1964, pode ser encarado como a revolução da grande burguesia contra o proletariado. Os militares representavam, portanto, a classe que historicamente ocupava os palácios do poder central. Esta classe (formada pela burguesia monopolista e financeira, associada com setores de classe média, da Igreja, militares, policiais, latifundiários, burocratas e tecnocratas) planejou e pôs em prática o golpe de Estado com o claro objetivo de cercear o avanço da classe operária e do campesinato, que estavam conseguindo formar classes conscientes e ativas perante a sociedade brasileira da época, segundo Ianni (1981). Este avanço da consciência política, econômica e ideológica de uma classe “subalterna” ocorria justamente porque os detentores do poder até então nada tinham feito para reprimi-lo. Muito pelo contrário, tudo isso aconteceu justamente porque a classe burguesa “permitiu” esse avanço do proletariado sem que meios legais tivessem sido criados por governos anteriores para restringir qualquer ameaça de revolução social. Assim, juntamente com a força do capital monopolista internacional, no país concretizou-se a “vitória da opção do capitalismo dependente” (IANNI, 1981, p. 197), frente às outras possibilidades do período, “o capitalismo nacional, o socialismo por via pacífica ou por via revolucionária”. Para frear o avanço da classe operária e campesina na sociedade e na política, tão logo tomaram o poder, os “conservadores” buscaram ampliar os direitos e o poder do Estado sobre a sociedade sob a bandeira do planejamento estatal de desenvolvimento do país. Este planejamento elaborado pelo poder central era difundido como sendo a única forma de se fazer o país avançar sem que houvesse qualquer tipo de discriminação e 200 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 distorção de aplicação de investimentos nos setores estratégicos. Não obstante, a ideologia difundida pelo governo e inclusive amparada por sociólogos, tanto brasileiros, quanto estrangeiros, era de que o planejamento por si só era uma “técnica neutra1 ”, segundo nos diz Ianni (1981). E, para pôr em prática as políticas públicas planejadas para o Brasil potência, logo os “novos” governantes passaram a usar o poder e a força do Estado para garantir e legitimar o seu governo e a “[...] reprodução das relações de produção, o que significa garantir a existência das classes sociais com sua respectiva relação de dominação e subordinação econômica, política e ideológica.” (NOSELLA, 1978, p. 21) Aqui vale ressaltar que a política de investimentos executada pelos Estados Unidos na América Latina fez com que cada dólar investido rendesse entre quatro e cinco dólares de lucro líquido para os investidores, segundo Katchaturov (1980). Contudo, para o sucesso desse projeto, era indispensável suprir a necessidade de mão-de-obra que novo modelo produtivo planejado para o país, suas novas demandas e as novas tecnologias exigiriam, sendo por isso elaboradas alterações consideráveis nas políticas do Estado. Essas novas demandas de mão-de-obra, tecnologias e relações trabalhistas, exigidas pela nova fase de desenvolvimento do país, acarretariam em aspectos que poderiam culminar muito além do simples objetivo de dinamizar a produção. Como efeito, essas novas dinâmicas, fatalmente seriam instrumentos de inclusão e exclusão social e assim servindo como um mecanismo de manipulação de massas, empregado com o objetivo de assegurar a manutenção de poder por parte da classe dominante sobre a classe trabalhadora. Sem dúvida, a habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a tecnologia e, em especial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivas em cada período histórico, traça seu destino a ponto de podermos dizer que, embora não determine a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia (ou a sua falta) incorpora a capacidade de transformação das sociedades, bem como os usos que as sociedades, sempre em um processo conflituoso, decidem dar ao seu potencial tecnológico (CASTELLS, 2005, p. 44-45). O governo do período foi também muito hábil em adotar discursos que ratificassem a exatidão do caminho que estava sendo trilhado. O sentimento do verdeamarelismo2 , de que nos fala Marilena Chauí (2000), passou de discurso de legitimidade do sistema colonial brasileiro para uma “questão nacional”, onde, segundo a autora, a luta de classes passa a ser incorporada no discurso, mas é, ao mesmo tempo, neutralizada por uma ação paternal do Estado e pela suposta colaboração entre capital e trabalho. Esse mesmo sentimento 1 Em IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital (1981), são apresentadas quatro citações de importantes autores do período: Roberto de Oliveira Campos, Antônio Delfim Netto, João Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen. Os quatro autores são unânimes em afirmar que a “técnica de planejar” é um instrumento livre de interesses políticos e que só o planejamento pode garantir exatidão das tomadas de decisões governamentais. 2 Segundo Marilena Chauí em Brasil, mito fundador e sociedade autoritária (2000), o verdeamarelismo surgiu como um sentimento elaborado no curso dos anos pela classe dominante brasileira como imagem celebrativa do “país essencialmente agrário”, tendo sua construção coincidindo com o período em que o “princípio da nacionalidade” era definido pela extensão do território e pela densidade demográfica, visando legitimar o que restara do sistema colonial e a hegemonia dos proprietários de terra. 201 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE verde-amarelo, que com a superação do sistema agrário-exportador do país por um sistema de industrialização interna, havia de certa forma perdido seu foco, foi revitalizado, reforçado e incorporado nos anos da ditadura e do Brasil Grande. Ele serviu como um movimento de unidade da nação que visava a sua transformação em potência política e econômica e que privilegiaria o tripé tradição, família e propriedade, evidentemente trazendo à tona o domínio de uma classe historicamente favorecida sobre os indivíduos das classes desfavorecidas. Para assegurar a vitória do modelo que se propunha ao país era necessário não apenas garantir a supremacia de uma classe em relação à outra. Era necessário que as condições de dominação fossem reproduzidas. E se a repressão pela violência física e moral, pela censura, ou pela omissão dos verdadeiros planos e atos do governo serviram, num primeiro momento, para desfazer qualquer “ameaça” de revolução ao novo sistema, para assegurar, no futuro, a reprodução do modelo econômico de dominação e exclusão através das novas gerações, o mais importante instrumento que o Estado brasileiro pôde usar foi a educação, atingida pelo transbordamento dos planos e programas governamentais para todos os campos da economia e da sociedade, de acordo com Ianni (1981). Como se pode notar, os passos traçados e seguidos pelo Governo Militar visavam não apenas tomar o poder para si, mas muito mais que isso, visavam usar o poder do Estado para garantir que o modelo econômico que o país adotara a partir dos anos 50 e mais incisivamente no início dos anos 60 não fosse suplantado por outro modelo em caso de uma “revolução” das classes proletárias. Portanto, todo o planejamento para o desenvolvimento do país alardeado pelo “novo governo” já havia sido pensado e detalhado antes do Golpe de 1964, cabendo aos governantes do período a aplicação das políticas necessárias à “perpetuação” do capitalismo (periférico e dependente) no Brasil sob a alegação e propaganda do projeto Brasil Potência. As políticas educacionais no período da ditadura militar Durante o período do regime militar a educação foi um dos campos mais atingidos por reformas que visassem sua adaptação para atender às demandas do projeto de desenvolvimento nacional baseado na abertura econômica e no aporte do capital estrangeiro. Assim, segundo Frigotto (1995, p. 18), “[...] a educação no Brasil, nas décadas de 60 e 70, foi reduzida pelo economicismo, a mero fator de produção – capital humano”. As diferenças estariam então, não apenas sendo mantidas, mas também ampliadas, na medida em que a grande massa de estudantes das escolas públicas teria sua “formação” destinada a suprir as necessidades do mercado e os professores, a ferramenta de execução de tal objetivo. Assim, a instituição da escola pública deixou de ser um ambiente destinado ao crescimento pessoal e social e foi, deliberadamente, transformado pelo poder central em uma “fábrica” de trabalhadores alienados e completamente dependentes das “vontades” do capital ou da “bondade” do governo. 202 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 Esta combinação entre fortalecimento do Estado e do capitalismo, no Brasil, apresentou conseqüências como o sucateamento das escolas públicas, os baixos salários dos profissionais, a qualidade do ensino visivelmente inferior em relação às instituições privadas (embora existam exceções). E, principalmente, a incapacidade da escola em fazer com que os alunos desenvolvam o seu senso crítico e participativo, restando-lhes apenas a resignação com sua situação e a expectativa da ajuda paternal dos governos. Esta ajuda paternal dos governos, nada mais era que um mecanismo de fortalecimento do Estado, que, conforme palavras de Castells (2005, p. 53) “[...] visava a maximização do poder para impor seus objetivos sobre um número maior de sujeitos e nos níveis mais profundos de seu consciente”. Vale ressaltar que todos os ideais pelos quais se balizaram os administradores foram “importados” junto com o capital e os investimentos necessários para o “desenvolvimento” do país. O próprio ideal de progresso e o conceito de desenvolvimento chegaram aqui já elaborados e definidos, como diz Buarque (1993). Coube ao governo ditatorial implantálo e criar as condições para que o “progresso e o desenvolvimento” pudessem levar o país à condição de potência continental, o que de fato não ocorreu e contribuiu apenas para fortalecer ainda mais a classe dominante, em detrimento das reais necessidades da sociedade do país. Assim, ao importarem as necessidades e os meios para atingir o modelo de desenvolvimento dos países ricos, os subdesenvolvidos endividaram-se, violentaram suas culturas, depredaram seus recursos, concentraram a renda, utilizaram regimes autoritários, segregaram suas sociedades, na ânsia de atingirem o nirvana do progresso” (BUARQUE, 1993, p. 59). Vê-se, então, que o ideal de desenvolvimento do país permeou o discurso dos governantes (que estavam cumprindo os objetivos da classe dominante) e que este somente seria possível mantendo-se a ordem. Porém, a maneira como as políticas foram conduzidas pelo governo tratava com clara distinção de classes a sociedade, inclusive nas escolas, nas suas metas e nos seus objetivos. A maneira como a educação foi conduzida no país durante o período do regime militar, obviamente serviu aos interesses traçados pelo Estado, dominado pelas elites e alinhado ao grande capital e dependente da assinatura de tratados internacionais. Em 1966-68, o Governos dos Marechais Castello Branco e Costa e Silva assinaram acordos com o Governo dos Estados Unidos, no sentido de planejarem cooperativamente a ‘modernização’ do sistema brasileiro de ensino. A execução dos acordos ficou a cargo do Ministério da Educação e Cultura (MEC), representando o Brasil, e Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), representando os Estados Unidos. (IANNI, 1981, p. 19-20). Não é a toa que os governos militares tenham elaborado vastas reformas no sistema de ensino do país. E também não é de se estranhar o fato destas reformas terem sido 203 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE elaboradas a partir de tratados e acordos assinados em conjunto com o governo estadunidense. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968 foram firmados doze acordos MECUSAID. O ápice destas reformas foram as Leis 5.540/68 e 5.692/71 e, enquanto a primeira tratava do Ensino Superior, a segunda se encarregava de reestruturar os Ensinos Básico e Médio. A base prevista na reformulação do Ensino Superior era a departamentalização dos cursos superiores, enquanto as reformas nos níveis inferiores do ensino estabeleceram a instituição do Ensino Profissionalizante. Se por um lado os técnicos do governo elaboravam os estudos que culminariam nas reformas cujo princípio norteador era a despolitização da escola, por outro lado estas reformas foram extremamente eficientes em transformar a educação em uma prática “imobilizadora e ocultadora de verdades”, segundo palavras de Freire (2002). A possibilidade de atribuição deste papel à educação serviu ao governo ditatorial como um meio muito eficiente para minar a capacidade de reação das classes operárias e, especialmente, garantir em longo prazo o “abastecimento” das fábricas com mão-de-obra barata e dificultar o acesso das classes proletárias às camadas superiores da sociedade. Esse processo comandou toda a estrutura de dominação ideológica da classe burguesa sobre a classe proletária. Parece evidente, então, que os estrategistas do governo brasileiro, apoiados pelos técnicos e pela “experiência” dos Estados Unidos, tinham plena consciência de onde poderia chegar o processo de reformulação do ensino no país. Soma-se a isso o processo de inversão de capital, abordado por Romanelli (1997), nesta etapa de “colaboração” do país do norte, vê-se que o eixo principal da Reforma do Ensino não seria exatamente a demanda social do ensino e do sistema de ensino. É muito mais plausível supor que a grande norteadora deste processo foi a dominação ideológica com vistas à intensificação do modelo econômico acolhido pelo país através dos representantes da burguesia no poder central. A ideologia e o livro didático de geografia O golpe civil-militar foi fortemente marcado pela elaboração de políticas baseadas em planos estratégicos desenvolvidos por técnicos do governo brasileiro, apoiados por técnicos e “pessoal gabaritado” do governo dos Estados Unidos. Estes planos e projetos para o país, ao contrário do que alardeavam os teóricos do governo não eram técnicas neutras de administração, mas sim instrumentos de legalização da política de dominação praticada pelo governo ditatorial. Este ideal atendia aos interesses do governo norteamericano, bem como a necessidade cada vez maior do capital internacional e de seus representantes em difundir o modelo econômico, produtivo e consumista, e o anseio de retomada das rédeas do país por parte da grande burguesia nacional. As reformas no ensino foram tratadas como sendo necessárias para “despolitizar” o sistema brasileiro através da neutralidade dos planos e programas, fazendo da educação uma atividade “neutra”, o que, segundo Freire (2002), pode ser considerado um erro que implica em uma 204 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 visão defeituosa da história. Com o argumento de despolitizar o ensino brasileiro, através da “neutralidade” das reformas planejadas, e formar trabalhadores, incute-se a idéia de que o sistema de ensino brasileiro era, até então, ineficiente e não cumpridor dos reais interesses do povo e do país. Este “erro” apontado na abordagem da escola e que precisaria ser revertido à virtude do “acerto”, no entanto, extrapola o campo da qualidade do ensino. Na verdade, este foi o discurso utilizado pela classe dominante para fazer do sistema oficial de ensino do país um grande sistema de reprodução da sua ideologia, que, de acordo com Marilena Chauí (2000), não pode explicitar sua própria origem, pois, se o fizesse, tornaria explícita a divisão social de classes, perdendo sua razão em ocultar a realidade. Adiciona-se a questão proposta por Maturana (1998), a educação serve para que(?), em que o autor traz como resposta para o questionamento proposto, que a educação serve, necessariamente, a um fim determinado por alguém, e teremos uma visão mais clara de como o momento político vivido no Brasil afetou o sistema de ensino. E no caso do país, a educação, assim como os demais setores estratégicos controlados pelo governo ditatorial, deveria servir para atender às necessidades e os interesses da nação. No entanto, a consciência de “Estado/nação” e o sentimento de “nacionalismo” também são instrumentos de dominação e manipulação de massas. Estado que “[...] aparece como realização do interesse geral [...], mas, na realidade, ele é a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade (a classe dos proprietários) ganha a aparência de interesses de toda sociedade [...]” (CHAUÍ, 2001, p. 65). A idéia de Estado legalmente constituído, legítimo e soberano e suas instituições são, portanto, uma grande máquina de um grupo reduzido de pessoas que historicamente tiveram a seu dispor as possibilidades de efetuar seu domínio econômico, político e ideológico sobre o grupo maior e a criação de meios e condições para a reprodução do modelo de exclusão da grande classe proletária. As reformas do Ensino Superior e do Ensino Médio levaram, definitivamente, para dentro das salas de aula esta estrutura de separação de classes. O enlace desta reforma do ensino com as teorias pedagógicas mais recentes do período agradou em cheio a comunidade escolar e o momento econômico que o país atravessava, pois apenas reafirmava o acerto do “planejamento governamental”. O tecnicismo pedagógico, de que nos fala Ghiraldelli (1994) foi a corrente pedagógica dominante no período, tida como a pedagogia oficial e base bibliográfica para os concursos do magistério e foi decisivo para a adoção do modelo bancário de ensino, denunciado por Freire (1987). Esta concepção, norteada pelos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade (conceitos estes “importados” do modelo produtivo implantado nas indústrias e adaptados à sala de aula com a “colaboração” dos técnicos dos Estados Unidos) enfrentou ainda a concorrência de outras teorias “não-oficiais”, sendo, neste caso, dada ênfase apenas ao sistema oficial. Assim, é possível citar o que Brabant (2003) chama de enciclopeditismo da geografia. O discurso essencialmente descritivo da disciplina encontra, segundo o autor, as suas raízes na geografia militar, em que se faz o inventário dos dados úteis e das 205 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE potencialidades que possam ser usadas no futuro. Este tipo de tratamento dispensado à disciplina leva à ênfase na geografia física e ao conhecimento dito “de gaveta” (oriundo da concepção bancária de ensino, de Paulo Freire). Neste contexto as ligações e as relações entre homem-natureza e homem-homem deixam de ser as principais balizadoras da disciplina e assumem um papel de importância secundária. Ao mudar o foco da disciplina e centralizá-la em variáveis predominantemente estatísticas e “despolitizar o ensino” (ou seja, subtrair da sala de aula e das disciplinas qualquer parâmetro passível de discussão), os planejadores fizeram, então, com que a geografia assumisse o papel de disciplina enciclopeditista, limitando-a unicamente à função de expositora de dados e informações. Era o enciclopeditismo fazendo uso do que Paulo Freire chama de concepção bancária do ensino e todas as suas conseqüências para o desenvolvimento crítico, tanto de alunos, quanto de professores. Para tanto, o pressuposto que norteou as reformas no sistema de ensino e a adoção destes novos parâmetros, especialmente para a disciplina de Geografia durante o Regime Militar, foi o Neopositivismo. Este pressuposto teórico-metodológico trouxe para o ensino do Brasil um modelo que, segundo Tonini (2003) foi construído como uma ferramenta para intervenção espacial que possibilitasse o atendimento aos interesses estadunidenses pelo mundo. Esse pressuposto perfazia perfeitamente às disposições que as reformas propunham ao ensino. O tecnicismo pedagógico teve, então, uma base amplamente estruturada em conceitos e técnicas matemáticas de abordagem, o que foi decisivo para a transformação da geografia numa “ciência enciclopédica”, com as verdades prontas para ser “depositadas” pelos professores no intelecto dos alunos. Assim, segundo Vesentini (2004) a escola poderia atuar na adaptação das pessoas. Esta é a geografia que, segundo Vesentini (2003) teria por função difundir a ideologia da Pátria, tornar sua construção histórica como algo “natural” e dar ênfase à Terra em detrimento à sociedade, tornando a natureza como o ser maior que domina nosso planeta, acima da sociedade de qualquer dicotomia que esta possa apresentar, segundo Faria (1994). Neste contexto, o livro didático de geografia poderia muito bem ser um instrumento capaz de “avalizar” e “legalizar” todas estas ponderações. Em um país com recursos econômicos limitados e que acabara de assinar um contrato de cooperação com um país de maiores possibilidades financeiras e “técnicas” para edição, publicação, impressão e distribuição de mais de 50 milhões de exemplares de livros didáticos, logo o livro didático passou da condição de instrumento de auxílio a instrumento balizador da prática de ensino. No âmbito das reformas estabelecidas, vale descrever o acordo MEC-SNEL-USAID, assinado em 6 de janeiro de 1967, que diz respeito diretamente ao tema do presente artigo, o livro didático: Por esse acordo, seriam colocados, no prazo de 3 anos, a contar de 1967, 51 milhões de livros nas escolas. Ao MEC e o SNEL incumbiriam apenas responsabilidades de execução, mas, aos técnicos da USAID, todo o controle, desde os detalhes técnicos de fabricação do livro, até os detalhes de maior importância como: elaboração, ilustração, editoração e distribuição de livros, além da orientação das editoras brasileiras no processo de compra de direitos 206 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 autorais de editores não-brasileiros, vale dizer, americanos (ROMANELLI, 1997, p. 213). É plausível, portanto, considerar que o avanço norte-americano só ocorreu no Brasil, desta forma, porque encontrou adeptos de sua política que, juntamente com a “colaboração” do país do norte, vislumbraram a possibilidade de agregar riqueza e poder ao seu domínio sob a bandeira do projeto Brasil Potência. Desta maneira, segundo Freitag (1987 apud SCHÄFFER, 1998, p. 135), os acordos MEC/USAID visavam substituir o modelo francês, tido como improdutivo e excessivamente politizante, pelo modelo anglo-saxônico, mais eficaz e mais capaz de uma participação efetiva no desenvolvimento, uma vez que era um modelo voltado quase que exclusivamente às necessidades das empresas. E como afirma Spósito (2006, p. 298), “[...] o crescimento populacional brasileiro, o aumento de demanda pela escola pública e a ampliação da rede oficial de ensino [...], sem uma proporcional qualificação de seus recursos humanos [...]” foram fatores decisivos e que muito contribuíram para a validação das reformas previstas na LDB de 1971 e na “padronização” do sistema público de ensino e de seus instrumentos de apoio, especialmente o livro didático. Claramente, esta delimitação para a disciplina empunhava também uma limitação nas atividades do professor e na capacidade de percepção e formação do aluno, uma vez que ambos “estavam envolvidos num processo dialético de dominação [...] e não participavam do processo de produção do ensino” (OLIVEIRA, 2003, p. 28). Em suma, toda estruturação política e econômica planejada para o país e para o seu futuro, embora tenha contado com a “colaboração” de técnicos e do governo dos Estados Unidos, foi célebre em ocultar seus reais interesses. E é por este sentido, o de ocultar a verdade sobre os verdadeiros motivos das “reformas que o país necessitava” para transformar-se numa potência continental (e até mundial), que pode-se acreditar que tais mudanças não seriam aceitas se fossem de fato explicitadas. Para tanto, a educação seria o instrumento ideal para a “ocultação” da verdade e contribuiria para formar o contingente de mão-de-obra barata para as fábricas, sob igualdades de condições através da padronização do sistema de ensino e de seus instrumentos, especialmente o livro didático. Os livros didáticos de geografia elaborados durante o período do regime militar Baseado no que fora exposto anteriormente, veremos como a teoria envolvida no referencial aproxima-se do exercício prático, ou seja, da sua aplicação no material de “contato” entre o mundo real (o vivido pelo aluno e pelo professor) e o mundo apresentado no material didático. Para tanto, foram analisados os seguintes livros didáticos3 : 3 Para sistematizar e simplificar o trabalho, a relação dos livros analisados encontra-se nessa apresentação de maneira resumida. A enumeração feita será empregada no decorrer das observações e análise com o mesmo objetivo. O referencial completo encontra-se junto às referências bibliográficas. Foram analisados, nos livros relacionados, aspectos como: caracterização geral das obras; as relações políticas; Estado, Pátria, Nação e progresso; povo e cultura; as relações entre o campo e a cidade e as atividades propostas. 207 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... 1. A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE AZEVEDO, Aroldo de. Terra brasileira. 42. ed., 1968; 2. RODRIGUES, David Márcio Santos. Geografia do Brasil: curso ginasial 4. ed., 1971. Volume 1; 3. RODRIGUES, David Márcio Santos. Geografia: o mundo atual. 3. ed., 1971; 4. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: estudos sociais, 1º grau, 5ª série. 10. ed., 1975; 5. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: as regiões brasileiras, 1º grau. 15. ed., 1981. Volume 2; 6. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: geografia geral e do Brasil, 1º grau. 10. ed., 1984. Volume 1. Caderno de atividades; 7. BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia ativa: as Américas. 3. ed., 1984. Livro de atividades. A) Caracterização dos livros didáticos analisados A apresentação gráfica das obras analisadas levou em consideração os aspectos relativos à forma como tais obras apresentam seu conteúdo, a linguagem adotada e o emprego de imagens. Primeiramente, vale ressaltar o que nos expõe Romanelli (1997) sobre o acordo MEC-SNEL-USAID, de 6 de janeiro de 1967. Tratava da cooperação para publicações técnicas, científicas e educacionais, cujo controle dos detalhes técnicos da fabricação dos livros, bem como elaboração, ilustração, editoração e distribuição estavam a cargo dos técnicos norte-americanos. Neste quesito é possível verificar certas semelhanças entre as obras, embora de autores e anos distintos. Primeiramente, todas as obras relacionadas chamam a atenção pela linguagem adotada, basicamente formada por frases curtas e de sentido positivo, geralmente de exaltação do país em todos os seus aspectos, com raras inferências sobre os assuntos negativos, já na seqüência superados ou em vias de superação graças à ação do governo. Este modelo de abordagem também alerta para sua superficialidade. Não se tem maiores explicações plausíveis sobre a origem dos problemas. Vê-se, contudo, que existe um apontamento de quais são os problemas e que estes, geralmente, são decorrentes de causas naturais e/ou do “atraso” das pessoas e das técnicas (e mesmo do país). Porém, ao mesmo tempo em que as causas naturais são apontadas como responsáveis pelo atraso e pelo subdesenvolvimento do país, são tidas também como a base para a solução destes problemas. E o combustível apresentado como solução destes problemas são o planejamento e ação do governo. Ocorre, portanto, uma exaltação exacerbada das virtudes do Brasil. Todas as obras são exímias em apresentar nossas maravilhas naturais, inclusive com ilustrações destas maravilhas e observações sobre a importância dos recursos naturais para o desenvolvimento do país. É interessante também a apresentação da “orelha” das capas dos livros de David Márcio, com a reprodução de uma foto do Palácio do Planalto, juntamente com o seguinte dizer: “Conheça o Brasil. Cresça com ele”. 208 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 Saltam à vista e à percepção a maneira de apresentar os problemas, suas causas e a ação do governo para solucioná-los. A linguagem usada beira a linguagem infantil, porém, com ênfase e segurança no que se está afirmando. Não existem dúvidas e, se por acaso existissem, seriam imediatamente rechaçadas, como ocorre em Beltrame (1981, p. 61): “Será que o nordeste não poderia fazer do sol um grande aliado? Pois fique sabendo que já existe um projeto em estudo, visando aproveitar não só a energia solar, mas também a energia eólica, isto é, o vento”. Esta “simplicidade” na linguagem adotada faz parte, segundo a referida autora, na apresentação de seus livros, de “[...] um manual didaticamente novo [...], onde ao texto acessível constitui o resultado de uma pesquisa de vocabulário ao nível do adolescente [...], testada em mais de mil alunos de diferentes camadas sócio-econômicas, sendo a tarefa concluída apenas quando os resultados foram satisfatórios”. Outra questão que se apresenta muito claramente é a exaltação do sentimento patriótico, do verdeamarelismo que nos fala Marilena Chauí. Nestas páginas de síntese, tentamos esboçar um retrato geográfico de nosso país. Seu quadro natural – planaltos e planícies, ao contato com as águas do Atlântico, sob um clima predominantemente tropical, por entre rios de todos os tamanhos, a caminhar através de florestas e campos. Sua população – que cresce à média de dois milhões cada ano, composta de gente de todos os matizes, [...] a realizar lenta e admiravelmente a ocupação do solo, fortalecendo-se como Estado e como Nação (AZEVEDO, 1968, ‘Ao leitor’). O caráter tecnicista fica explícito nesta condição, uma vez que a maneira como os assuntos são abordados não permitem que os alunos desenvolvam uma concepção crítica da sua realidade, ou pior, não permitem (ou limitam) qualquer possibilidade do professor desenvolver uma atividade de maneira a desenvolver um sentido mais apurado nos alunos. É o conhecimento de gaveta de que fala Paulo Freire. É a simplicidade aparente do mundo que cerca os alunos e professores. Enfim, é o “Brasil gigante pela própria natureza” caminhando rumo ao seu futuro de país do futuro. B) As relações políticas nos livros didáticos analisados Pode-se observar nos livros didáticos analisados um forte apelo à importância do Estado valorizador da grandeza da Pátria, assim como sua responsabilidade única (uma vez que o povo é tido como “apolítico”) de atuar como planejador (político e econômico). Desta maneira, a ação do Estado é decisiva para fortalecer seu caráter paternalista e, sobretudo, agir de forma absolutista e definidora da direção do desenvolvimento sócioeconômico de forma “segura”, representando os interesses da parte mais forte da sociedade sob a máscara do interesse de todos, segundo Chauí (2001). Enfim, o Brasil, como muitas outras nações do mundo, deve lutar contra o subdesenvolvimento. Cada nação procura tornar-se desenvolvida atendendo a suas características próprias. O Brasil precisa descobrir depressa a melhor forma para lutar pelo bem-estar de seu povo. A aplicação dos projetos organizados 209 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE pelo Ministério do Planejamento, começa a fornecer resultados satisfatórios. Caminhamos em busca do desenvolvimento (RODRIGUES, 1971, p. 15). As relações políticas, portanto, são as formas pelas quais os diferentes grupos, organizados ideologicamente entre si, interagem através de diálogos e discussões orientadas e balizadas por uma estrutura de leis (o que dá legalidade às relações, embora muitas vezes critique-se sua legitimidade). Assim, nos livros didáticos analisados, não existe o diálogo entre o governo (ou os representantes do Estado que, teoricamente, é o representante do povo) e a população. O que existe é uma “conversa unilateral”. Ou seja, o governo fala (planejamento) e o povo escuta (ação). Este fenômeno ocorre em toda atividade dentro do território brasileiro. Contudo, em relação aos países vizinhos, é interessante destacar o papel do país apontado pelos autores: o de líder no desenvolvimento e integração na América Latina e de independente perante os países europeus, os colonizadores. Compreender, portanto, que o Brasil faz parte de uma grande família de nações – onde cada uma deve manter sua independência – é a melhor maneira de praticar o nacionalismo moderno. Nosso nacionalismo deve ser o de procurar soluções brasileiras para problemas brasileiros, sem nos esquecermos do auxílio que outras nações ou conjunto de nações podem prestar quando se dispõem a ajudar verdadeiramente o Brasil (RODRIGUES, 1971, p. 8). Porém, o modelo de desenvolvimento em si já implica em copiar algo, pois o conceito de país desenvolvido e, conseqüentemente, de país subdesenvolvido, como diz Buarque (1993) já é importado. Desta maneira, os livros didáticos serviam como folhetins propagandísticos do governo e ocultavam muitos aspectos importantes. A frase “[...] somente agora a América Latina encontrou sua vocação para independência econômica [...]” (RODRIGUES, 1971, p. 23) é um exemplo de omissão e descaso com a história, ao omitir completamente e não apenas nesta frase, os regimes opressores comandados pelos Estados Unidos em países deste continente. Ao mesmo tempo, os livros apresentavam as relações entre o Brasil e demais países como sendo algo positivo, especialmente porque é esta “cooperação” que vai ajudar o país no seu projeto de ser uma potência e assim poder atuar como líder da América Latina. Como se pode ver, existe uma ingenuidade ao passar a idéia da cooperação de países verdadeiramente interessados em ajudar o Brasil e que, estes países, formam uma grande família. Como se não existissem interesses de outras nações e como se todas as nações estivessem interessadas no “desenvolvimento” do Brasil. C) Estado, pátria, nação e progresso Estes três conceitos (Estado, pátria e nação), embora tenham significados ligeiramente diferentes, são amplamente divulgados e utilizados com a finalidade de atrelar uma identificação ideológica das pessoas para com o território onde vivem. O sentimento 210 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 do verdeamarelismo foi reeditado pelo governo militar e foi amplamente divulgado sob a ótica do amor à pátria visando incorporar o povo (de corpo e alma) ao “seu” projeto. E a grande bandeira que os governantes empunhavam era a do progresso, a ser conseguido às custas de trabalho, desenvolvimento, aplicação e dedicação de todos. A ênfase nas virtudes naturais do país, o amor à Pátria e à terra natal são virtudes sempre visíveis. O Brasil, em suma, aparece nestas obras como uma potência mundial esperando por acontecer. Um local onde todas as qualidades e possibilidades estão presentes, por natureza. Faltava apenas a cabeça astuciosa do governo e a mão do trabalhador para transformar isso tudo em progresso. Esta evocação das virtudes do país e o chamado do povo para a participação efetiva no desenvolvimento, fazem parte da retomada do nacionalismo, em baixa após a crise dos governos populistas anteriores ao Golpe de 1964 (CHAUÍ, 2000) e, concomitante a este movimento, uma chamada à necessidade de superação do modelo agrário-exportador por um modelo de industrialização do país. Assim, ao “surgimento” do Brasil (dom de Deus e da Natureza) é imprescindível a ação do Estado para sua modernização, segundo Chauí (2000). Portanto, enquanto as obras analisadas chamam a atenção para a necessidade do Brasil explorar seus recursos, as mesmas mascaram quem são os exploradores e os explorados. É este o discurso onde a luta de classes aparece mascarada. Se todos trabalharem, todos progredirão. Ou, se ocorrerem discrepâncias, estas se darão com o tempo e por razões naturais. Chama atenção a frase de abertura do capítulo 10 – indústria e comércio – do livro 4 de Zoraide Beltrame (1975). A autora, sintetizando os temas estudados até então, introduz ao novo assunto com a seguinte interrogação, “[...] você está vendo como tudo caminha naturalmente (?)”, numa clara alusão à evolução natural das técnicas e da sociedade, deslocando o homem da condição de sujeito da história à condição de objeto histórico. É a subordinação total ao meio, a mais clara visão determinista. É este o papel apresentado aos alunos pelos livros analisados, o de se bem explorar as riquezas naturais para a construção do país-potência. Assim, os livros didáticos apontam, em suas entrelinhas, o povo como o responsável pelo atraso econômico do país, sendo necessária a intervenção e o controle da mão forte do Estado para reverter esta situação. Este país “gigante pela própria natureza” precisava, então, para atingir seu objetivo, de um povo que o amasse e o exaltasse e trabalhasse por ele. Desta forma, questões como Estado, Pátria e Nação, embora levemente abordados em seus significados, eram sempre tratados como motivo de orgulho: “Agora você poderia perguntar: o que é Pátria? A Pátria é o país em que nascemos. É a terra onde vivemos, com seus rios, suas florestas, seus mares, seu céu, sua beleza, sua cor, suas riquezas e o jeito do seu povo (BELTRAME, 1981, p. 11)”. Segue-se a este pequeno diálogo e exemplo do que é pátria, um trecho do poema Pátria, de Carlos Barbosa, exaltando-a “[...] como de todos, de direito à idéia, à palavra; é o céu, o solo, o povo, a tradição, o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei e da liberdade”. 211 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE Como se pode ver o discurso amplamente difundido pelo governo militar em prol da “unidade da nação” pregava o amor à pátria como condição para a construção de um Estado forte. Assim sendo, o Brasil é um país de infindáveis recursos, naturais e humanos, pronto para ser explorado através da “ajuda bem intencionada” dos parceiros estrangeiros, aqui demonstrada na obra de Rodrigues (1971, p. 50): “Além do Brasil, somente a Venezuela, Chile e Peru possuem grandes recursos em exploração [...]”. Mais incrível era a “colaboração bem intencionada” dos outros países neste processo: “[...] em todos estes países, as principais jazidas são controladas pela Bethlehem Steel e pela United States Steel; somente o México tem procurado manter uma posição mais reservada.” É incrível como as diferenças entre o discurso nacionalista de construção de uma potência econômica e o ato consumado oposto ao discurso passam por cima de fatos como o citado acima sem nenhuma explicação plausível para o motivo de tamanha discrepância entre discurso e realidade. E assim, o aluno que teve acesso a estas fontes cai numa roda onde ele é constantemente jogado de um lado para outro. Por certo é esta a ajuda para resolver problemas somente quando o país não tiver competência que o aluno perceberá: nossos recursos naturais são muitos e são bons; não sabemos explorá-los, logo nossos amigos irão nos ajudar a explorar estes recursos para que nosso país se desenvolva. E este papel dos livros revela que somente a ação paternal do governo pode desenvolver o país, uma vez que a força do povo se dá pela importância do braço do trabalhador e não através da sua consciência política, visto que esta encontrava-se, assim como a geografia (e a escola), submetida aos “caprichos” do capital e de seus representantes mascarados. Nesta perspectiva, nada é mais explícito que sua condição de disciplina enciclopédica, onde sua função é desviada a mostrar a capital de “[...] enormes palácios flutuando entre jardins e de aparecimento quase mágico” (BELTRAME, 1981, p. 133). É assim que a geografia funciona como alienadora e como difusora da ideologia do Estado forte. D) Povo e cultura “A população de um país deve ser cuidada como o maior de seus recursos naturais” (BELTRAME, 1975, p. 146). É desta maneira que a população e especialmente os alunos foram tratados: como recursos naturais. E como a base do desenvolvimento era a “exploração inteligente” dos recursos naturais, se percebe que o caminho trilhado não foi selecionado “ao acaso”. Como bem escreveu Paulo Freire, a educação pode servir “tanto para desnudar a realidade, quanto para mascará-la” e, se considerarmos que o “progresso” do país foi planejado, então a “neutralidade”, quer seja das técnicas de planejamento, quer seja da educação, definitivamente se desfazem, ou pior, assumem seu verdadeiro rosto perante a realidade omitida e negada: a de base discursiva para a construção de “mentiras que parecem verdades4 ”. 4 Título do livro de Marisa Bonazzi e Umberto Eco que trata sobre ideologia, dos preconceitos e anacronismos contidos nos livros didáticos utilizados nas escolas italianas (1980). 212 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 [...] poderemos reconhecer, naqueles textos, o instrumento mais adequado de uma sociedade autoritária e repressiva, que tende a formar súditos, povo solitário, integrante de qualquer categoria, seres de uma única dimensão [...]. A mistificação da realidade não é feita através de uma leitura, seja mesmo ideológica e falsamente otimista da sociedade industrial avançada, mas passando através dos restos rançosos de uma sociedade pré-industrial e agreste que não tem relação alguma com a vida moderna (ECO & BONAZZI, 1980, p. 16). Contudo, esta nova fase de desenvolvimento levaria consigo também um povo do qual faziam parte o negro, o branco, o índio e seus descendentes. E nos livros analisados, são unânimes em apostar na “unidade do povo apesar dos vários matizes que o formam”. Apesar desta exaltação da variedade étnica das pessoas que compõem a sociedade, pouco é apresentado sobre os problemas de exclusão a que são submetidos os “não-brancos”. Exemplo: “O ‘barranqueiro’ do rio São Francisco é um dos tipos humanos do interior brasileiro. Vivendo às margens do grande rio, luta contra a pobreza do meio” (RODRIGUES, 1971, p. 85). Neste caso o “meio” é pobre, portanto, o homem que habita o “meio pobre”, conseqüentemente, será pobre. Não há qualquer texto ou frase explicando como o “barranqueiro” foi parar na pobreza do meio; ou, se aquele meio é pobre e existe um “meio rico”, porque ele está sofrendo e lutando com o “meio pobre”. É importante destacar a condição do índio brasileiro. Segundo Azevedo (1968), estes são brasileiros semelhantes aos povos europeus pré-históricos e que precisam ser assimilados pela civilização, sob pena de desaparecerem totalmente. Resumidamente, o que é nativo desta terra precisa ser reconduzido a uma condição superior para que possa integrar o “mundo desenvolvido”. É assim com os recursos naturais, é assim com as pessoas. Esta socialização do nativo brasileiro viria a agregar conteúdo ao discurso do período, de abandono da base agropastoril da economia brasileira em detrimento ao desenvolvimento atrelado à industrialização. E, de acordo com a exposição, o índio era a representação do que de mais arcaico poderia existir entre os “vários matizes” que formam a população. E este atraso não combinaria, em hipótese alguma com o progresso. O negro, por sua vez, além de aparecer ainda como ligado ao período da escravidão é, mesmo que de forma indireta, tido como inferior por questões culturais ou naturais. Estas diferenças “vieram” para o Brasil junto com os representantes das etnias africanas trazidos para cá, na condição de escravos. Os Sudaneses, originários da Guiné, era mais altos, de feições mais finas e mais cultos [...]. Os Bantos, mais rudes e mais atrasados, vieram principalmente de Angola [...]. Tais diferenças podem explicar a posição modesta ocupada pela maioria dos brasileiros de cor negra [...]. Várias gerações de brasileiros receberam forte influência da mãe-preta, que gozou de muito prestígio nas casas senhoriais do passado. O Brasil orgulha-se de possuir muitos negros na galeria de seus homens notáveis (AZEVEDO, 1968, p. 76). Além do mais, como é possível verificar na última citação, existe um real 213 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE mascaramento da condição do negro ao afirmar que os estes são diferentes entre si e que tal diferença é culpada pela sua posição modesta na sociedade brasileira. Ou seja, os negros estariam para África assim como os índios para o Brasil; são pessoas naturalmente inferiores e esta “mediocridade existencial” se reflete no “meio”. O mesmo “meio” pobre que acolheu o barranqueiro. No entanto, a verdadeira exaltação se dá à condição de país predominantemente católico e livre de problemas originados por “choques culturais”, como ocorrem, de acordo com os livros, em outros países. No meio de tantas diferenças, o Brasil possui dois fortes elementos que asseguram sua unidade: a religião e a língua, a par da força de seu passado histórico, que os brasileiros de todas as origens consideram um só. [...] Não existe aglomerado urbano que não possua seu templo católico. [...] Outro importante elemento unificador do povo brasileiro é a língua portuguesa, por todos falada em toda extensão do país. Atualmente, os 70 milhões de brasileiros aparecem, no Mundo, como o mais poderoso núcleo de habitantes a falar essa língua (AZEVEDO, 1968, p. 81). Ademais, nota-se que a participação do negro na formação do povo brasileiro não é tão saudada quanto à do europeu. A cultura negra presente em hábitos, culinária e vocabulário não é admirada como é a cultura cristão-ocidental. Assim como não se diz que “o Brasil tem orgulho dos seus brancos” porque este orgulho já está claro ao aluno, afinal o país foi “descoberto”, colonizado e é administrado por brancos. O discurso da unidade precisava, portanto, abraçar também os historicamente renegados, perseguidos e explorados negros e índios e introduzi-los na marcha pelo progresso. E) Campo e cidade As “mentiras que parecem verdades”, terminologia referida anteriormente, também estão presentes nas abordagens que se referem ao campo e à cidade. Geralmente o campo é tido como atrasado e grande responsável pelos problemas do país. Já a cidade aparece como fruto da modernidade, da evolução e da ação planejadora que visa desenvolver o Brasil. Esta visão, da qual os livros analisados estão impregnados, é fruto da tentativa de dissociar a imagem do país da sua formação essencialmente agrária. Assim, cito uma síntese do tratamento dispensado ao meio rural. A paisagem agrária domina nossas regiões porque nossas estruturas permanecem atrasadas e para vencê-las dependemos de um planejamento eficiente e a longo prazo; a técnica agrícola brasileira ainda emprega métodos antigos e de baixo rendimento; tal forma de aproveitamento agrícola, aliada ao sistema latifundiário, caracteriza um país mal e irregularmente povoado como o nosso (RODRIGUES, 1971, p. 99). Esta exposição (apenas uma dentre várias possíveis) torna visível a abordagem do campo, denunciando-o como dono de uma estrutura agrária arcaica e conservadora, a 214 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 medida que se observa explícitas as grandes propriedades como a única forma de manifestação produtiva no campo, enquanto a agricultura familiar é apresentada como atrasada e incapaz de satisfazer as necessidades econômicas e do povo. Desta forma, somente a intervenção do governo poderia desenvolver as técnicas agrícolas, uma vez que os homens do campo, por si só, não eram capazes de se aperfeiçoarem. E este aperfeiçoamento se daria a partir do instante que os produtos da industrialização chegassem às propriedades rurais. A cidade, por sua vez, é vista a partir destas referências como um ambiente oriundo da própria evolução natural, pois à medida que crescem abandonam a agricultura e se dedicam à indústria. Esta “evolução natural” da cidade, de acordo com os livros analisados, leva consigo os ex-agricultores, expropriados de suas antigas propriedades, mas admitidos nas empresas. Esta condição faria com que a mão-de-obra disponível fosse bem recebida na indústria e, assim, melhoraria de vida. Verifica-se, ainda, a diferença de abordagem dispensada ao campo e à cidade quando se confronta a maneira como é avaliada a ocupação da terra no campo, classificando as propriedades de acordo com o desperdício de terra (BELTRAME, 1975), enquanto não existe qualquer classificação relativa à cidade de acordo com sua poluição ambiental. Além das “diferenças de tratamento” dispensadas ao campo e à cidade, ainda é possível notar a imagem do trabalhador rural ainda ligada a traços do período da escravidão, onde o atraso da atividade agrícola é representado pelas figuras do “senhor”, latifundiário herdeiro e remanescente do período colonial, explorador do trabalho do homem negro, maltrapilho e descendente dos escravos. As condições de trabalho destes homens denunciam o atraso da agricultura brasileira. Sob a ótica do regime, portanto, a cidade é o fruto do trabalho realizado pelo governo. É a imagem do progresso. O campo, por sua vez é o que de mais atrasado existe no país. Nem mesmo as relações entre as pessoas se dão no mesmo nível que ocorrem na cidade. Isto é fruto de um atraso histórico, das técnicas atrasadas e do descompasso com o desenvolvimento natural do homem, enquanto a cidade e o processo de industrialização venceram até mesmo a subordinação aos países colonizadores. Esta evolução natural das exigências humanas, normais aos países que se alfabetizaram gradativamente, passou a solicitar dos órgãos governamentais uma série de medidas, visando integrar o homem do campo no desenvolvimento econômico, social e político de seu país. Iniciaram-se, então, séries de estudos pelos órgãos de planejamento, buscando não apenas reduzir grandes extensões latifundiárias pertencentes em sua maioria a poucos proprietários, mas mobilizar uma assistência técnica, sanitária, educacional e moral ao homem do campo (RODRIGUES, 1971, p. 47 – 48). Obviamente, a citação fala de um processo inicial de reforma agrária (até hoje não realizada). O interessante são os pontos a serem atingidos por esta “reforma”, como “assistência moral”. Ora, se o homem do campo necessita de uma assistência moral, logo o aluno poderia concluir que ele não é digno de sua atividade nem de sua existência. A 215 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE crítica freqüente ao latifúndio, não é apenas justificada pela sua (baixa) produção, mas também porque a reforma agrária é exigida como um passo fundamental a ser dado pelo país. Outro ponto importante no que tange a “necessidade de reformular o campo para adequá-lo à nova fase do país” é o que Marilena Chauí (2000) chama de “superação do modelo agrário-exportador por um modelo de industrialização”. A classe urbana buscava, portanto, atrelar a imagem do país à modernidade, à industrialização, à cidade e não mais ao campo e à agricultura. Enquanto o meio urbano passava por uma revolução, o campo deveria se modernizar acompanhando o ritmo de desenvolvimento urbano, ou seja, deveria fazer uso das técnicas modernas de produção e deflagrar a “Revolução Verde”. E assim como o índio e o negro foram elementos a serem incorporados pela modernização e pelo progresso do país, o agricultor, fosse praticante de uma agricultura familiar ou latifundiário, era encarado como alguém “estranho ao sistema” e que deveria ser integrado ao novo Brasil e à construção da nova potência. F) As atividades de fixação Acompanhando as reformas elaboradas para o sistema de ensino e a “modernização” das técnicas didático-pedagógicas, as atividades propostas pelos livros analisados também acompanharam tal evolução. Embora os livros 1 e 4 não tragam sugestões de atividades, as demais obras analisadas trazem uma série de exercícios propostos, sendo inclusive, duas destas (6 e 7) exclusivamente dedicadas às atividades. Como já fora mencionado anteriormente, a autora destas obras faz uma alusão à facilidade de resolução dos exercícios propostos. Esta simplicidade visava satisfazer às capacidades do aluno, despertar seu interesse e fixar mais eficazmente (e até de maneira divertida) os conteúdos da disciplina. Contudo, atrás do aparente baixo nível de dificuldade de execução destas atividades, esconde-se a sua superficialidade de abordagem e total parcialidade ao evitar, desta maneira, que o aluno possa exercitar seu senso crítico. Os exercícios (ou atividades) propostos são, portanto, plenamente desenvolvidos no sentido de reprimir a real compreensão de mundo do aluno. Estão mais para passa-tempo que propriamente para exercícios didáticos. Integram a lista sugestões de atividades como: como montar uma bússola, juntar letras dispersas em quadrinhos para formar o nome das duas grandes potências, palavras cruzadas, caça-palavras, entre outros. Ora, como é possível desenvolver o senso crítico do aluno resolvendo palavras cruzadas ou caça-palavras? Mas é possível sim, fixar o conteúdo através deste tipo de exercício, uma vez que o conteúdo a ser fixado é tão vago quanto a atividade e ainda é possível distraí-lo e desenvolver seu lado prático produzindo uma bússola artesanalmente. Claro que não existe problema em se resolver palavras-cruzada, caça-palavras, ou fazer uma bússola. O problema consiste em retirar as poucas possibilidades que os alunos das classes subalternas têm para crescerem como seres humanos (sociais e políticos), para incutir-lhes uma falsa idéia de que a escola moderna “ensina divertindo”. Porém, da 216 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 forma como está exposto, nota-se claramente que a concepção bancária do ensino a que se referia Paulo Freire fazia uso de outras artimanhas que não apenas despejar e repetir conteúdos de maneira desconexa sobre os alunos. Fazia uso de elementos que muito contribuíam para acobertar o verdadeiro foco da educação e que, como atividades didáticas, eram um bom passa-tempo. Considerações finais Na sua “inovadora proposta” de despolitização do ensino, as reformas tiraram da escola (e das disciplinas estudadas em sala de aula) a sua capacidade de ensinar os alunos a pensarem e, em troca, não construiu nada que pudesse satisfazer e suprimir seu caráter acrítico. Hoje se percebe o caráter cada vez mais excludente de uma sociedade que prima pelo aperfeiçoamento técnico-científico constante, onde as relações humanas de produção material e histórica são cada vez mais dinâmicas e mais difíceis de se ver e perceber. Porém, o caráter tecnicista implantado e ainda arraigado na escola e na geografia não permite que se vislumbre como possa se dar esta “abertura mental” para a realidade. Não restam dúvidas que, apesar da restrita quantidade de obras e autores analisados, as semelhanças existentes entre estes são próximas demais para se tratarem de simples coincidências. Como bem disse Paulo Freire, a educação não é, não foi, nem pode ser neutra. Ela sim, interessa a alguém e cumpre os objetivos definidos por este “alguém” (MATURANA, 1998). Se o objetivo do período era difundir a ideologia do Estado forte, da construção do Brasil Potência, então a educação, a geografia, seriam utilizadas, como de fato foram, para tal fim. O da manipulação ideológica para se atender aos planos traçados. Umberto Eco e Marisa Bonazzi, no livro “Mentiras que parecem verdades” (1980) fazem uma análise da ideologia, dos preconceitos e anacronismos contidos nos livros didáticos utilizados nas escolas italianas, elaboram uma concepção sobre tais obras que pode muito bem ser transposta para o material aqui analisado: “[...] são um instrumento adequado de uma sociedade autoritária, falsamente otimista, porém com restos rançosos de um período pré-industrial”. É uma sociedade semelhante a esta, denunciada pelos autores europeus, que foi a grande responsável pelo Golpe Militar de 1964, que conduziu as políticas de planejamento para a construção do Brasil Potência e que transformou o sistema de ensino num mecanismo de dominação e reprodução de exclusão social. Sendo assim, torna-se cada vez mais esclarecedor o âmago das reformas do ensino. Esclarece-se de que maneira a concepção bancária do ensino (FREIRE, 1987) foi utilizada e como o enciclopeditismo da geografia (BRABANT, 2003), aliada ao caráter neopositivista de tais reformas (TONINI, 2003), foram amplamente úteis para a difusão e inculcação da ideologia que dominava o país naquele momento. Melhor explicando, segundo Vesentini (2003), destinada a difundir a ideologia da Pátria e tornar a construção histórica como algo natural. Ora, ademais de passagens dos livros didáticos analisados, apresentadas e 217 KUNZLER, E. C; WIZNIEWSKY, C. R. F. GEOGRAFIA... A IDEOLOGIA NO LIVROS DIDÁTICOS DE discutidas, que insistentemente apontam os processos históricos como sendo naturais (logicamente uma idéia contraditória, pois se existe história a ser contada é porque existe o homem a mudar seu curso constantemente), ainda é possível deparar com a seguinte frase, que acompanha uma foto panorâmica de Brasília no livro 5: “Seu aparecimento é quase mágico. Em 1956 não havia nada no local. Em 1960 já havia surgido essa maravilhosa cidade”. E assim como a capital tem “um aparecimento quase mágico”, a “descoberta” e a formação do Brasil são consideradas, sob este ponto de vista, ações que extrapolam as simples possibilidades e interferências humanas. Tal maneira de apresentar os fatos suprime da sua responsabilidade a ação humana (e conseqüentemente dos seus interesses econômicos) e a sua capacidade de intervir no espaço, de alterar os processos (naturais ou não) e de usar os recursos disponíveis (o homem usando o próprio homem) sob a alegação do progresso e desenvolvimento de um Estado. Desta forma, pelo bem do Estado, que é a representação da submissão de muitos em nome do “interesse coletivo”, e condicionando as alterações previstas pelo projeto Brasil Potência à evolução natural, tem-se a real dimensão dos recursos e meios utilizados para o exercício do processo de dominação ideológica da classe dominante sobre a classe dominada. Portanto, assim como Paulo Freire (2002) afirma que a educação não pode ser neutra, deve-se olhar para os livros didáticos de geografia elaborados, distribuídos e utilizados naquele período como os mais “bem desenvolvidos” instrumentos de alienação, submissão e reprodução de dominação. O que insinua o termo “arregale os olhos para ver”, não significa que quem olhe tenha que compreender o que está acontecendo; precisa apenas olhar, admirar e exaltar as maravilhas do país e da “obra divina” operando perante seus olhos. Deste modo, vê-se nestas análises o caráter enciclopeditista ao qual foi reduzida a geografia, rebaixando-a a mera função de disciplina ilustradora de fatos e fenômenos que poderiam, num futuro próximo, serem apropriados e convertidos de benefícios naturais à vantagens econômicas e, assim, contribuírem para o progresso do país. Os textos de simples compreensão, as frases otimistas, a tentativa de superar a formação agrária do Brasil são constantes que seguem a linha da propaganda do governo e da classe que este representava; mostra a tendência em urbanizar e industrializar o país e torná-lo desenvolvido seguindo um conceito de desenvolvimento importado juntamente com o capital e o modelo, ainda que cobrasse a negação do seu passado histórico. A escola, ainda hoje, é tida como incapaz de cumprir seu principal objetivo. O de transformar alunos em cidadãos. A geografia, por sua vez, ainda é considerada uma disciplina superficial, atrelada aos vícios oriundos da maneira como fora tratada, limitada simplesmente a responder questões como “o que há em tal lugar (?)”, ou “qual é a capital deste país (?)”. Não é esta a geografia que a sociedade precisa. E a escola dificilmente se tornará um ambiente atraente e em sintonia com o constante dinamismo de uma sociedade pautada por parâmetros cada vez mais carentes de uma identidade local, em detrimento ao 218 Terra Livre - n. 28 (1): 197-220, 2007 avanço da “aldeia global”, se mantiver arraigada em suas entranhas uma geografia que já nasceu condenada à morte. Não como ciência, mas sim como representante de um ranço de um país de formação colonial, mas que nega seu passado (que continua presente) e que não vê que toda mudança parte da aceitação e do aprendizado existente da relação entre erros e acertos. Referências AZEVEDO, Aroldo de. Terra brasileira. 42. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. BELTRAME, Zoraide Victorello. As Américas: livro de atividades. 3. ed. São Paulo: Ática, 1984. (Coleção Geografia Ativa). ______. As regiões brasileiras: 1. grau. 15. ed. São Paulo: Ática, 1981. v. 2. (Coleção Geografia Ativa). ______. Estudos sociais: 5. série, 1. grau. 10. ed. 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Recebido para publicação dia 09 de Maio de 2007 Aceito para publicação dia 14 de Junho de 2007 220 A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO AS SUAS PRÁTICAS E LINGUAGENS THE TEACHING EDUCATION: RETHINKING THEIR PRACTICES AND LANGUAGES LA EDUCACIÓN DOCENTE: (RE)PENSANDO SUS PRÁCTICAS Y LENGUAJE Ângela Massumi Katuta Professora Adjunta do Departamento de Geociências, na disciplina de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado – Universidade Estadual de Londrina/PR UEL – Campus Universitário; Centro de Ciências Exatas; Departamento de Geociências; Rodovia Celso Garcia Cid (PR 445) km 380; Caixa Postal 6001, Londrina/PR; CEP 86051-970. E-mail: [email protected] Resumo: Inicialmente, reflito sobre a necessidade da assunção do inacabamento humano como fundamento das práticas educativas formais e não formais. Este entendimento permite pensar a educação docente, as práticas educativas e as linguagens em um contexto formativo amplo, o que permite romper com as concepções tecnicistas em educação (modelo da racionalidade técnica), atualmente assumidas em muitos cursos de formação docente. Em seguida, reflito sobre o caráter triádico das linguagens – estruturas estruturadas, estruturas estruturantes e instrumentos de dominação –, e a necessidade da ruptura com uma postura realista em relação às mesmas, dado que se constituem em expressões das práxis humanas com o Outro (mundo, ambiência, pessoas) em um determinado modo de produção e, ao mesmo tempo, auxiliam a constituílas em diferentes contextos sociais e espaço-temporais. Por fim, demonstro que o repensar e a (re)apropriação das linguagens nas aulas de geografia devem se realizar em um contexto de transformação epistemológica da prática docente. Esta deveria acolher a multiplicidade das geografias vividas-enunciadas pelos sujeitos, isso porque o conhecimento se realiza em incessantes e infinitos movimentos do pensamento. Palavras-chave: Ensino de geografia; Inacabamento humano; Formação docente; Caráter triádico das linguagens; Transformação epistemológica. Abstract: I initially approach the necessity for the assumption of human unfinishedness as the basis for formal and non formal educational practices. Such understanding allows the thinking over teachers’ education, educational practices and languages in a broader formative context, thus enabling the accomplishment of rupture with technicist conceptions in education (technical rationality model), presently followed by many teachers’ formation courses. Then, I present a brief reflection upon the triadic character of languages – structured structures, structuring structures and instruments of domination -, and on the necessity of breaking with a realistic attitude towards them, as they consist of expressions of human praxis with the Other (world, environment, people) within a certain production mode and, at the same time, help constituting them in different social and spatial-temporal contexts. Finally, I show that re-thinking and re-appropriation of languages in geography classes should be accomplished in a context of epistemological transformation of teaching practice. Such practice should welcome the multiplicity of geographies lived-enunciated by diverse subjects, because the knowledge is realized by incessant and infinite movements of thinking. Keywords: Geography teaching; Unfinishedness of human being; Teachers’ formation; Triadic character of languages; Epistemological transformation. Resumen: Inicialmente, reflexiono acerca de la necesidad de asumir la incompletud humana como fundamento de las prácticas educativas formales y no formales. Este entendimiento permite pensar a la educación docente, las prácticas educativas y los lenguajes en un contexto formativo amplio, lo que permite romper con las concepciones tecnicistas en educación (modelo de la racionalidad técnica), actualmente asumidas en muchos cursos de formación docente. A continuación, reflexiono sobre el carácter triádico de los lenguajes – estructuras estructuradas, estructuras estructurantes y instrumentos de dominación -, y la necesidad de ruptura con una postura realista en relación a las mismas, dado que se constituyen en expresiones de las praxis humanas con lo Otro (mundo, ambiente, personas) en un determinado modo de producción y, al mismo tiempo, auxilian a constituirlas en diferentes contextos sociales y espacio-temporales. Por fin, demuestro que el repensar y la (re)apropiación de los lenguajes en las clases de geografía deben realizarse en un contexto de transformación epistemológica de la práctica docente. Ésta debería recoger la multiplicidad de las geografías vividas-enunciadas por los sujetos, eso porque el conocimiento se realiza en incesantes e infinitos movimientos del pensamiento. Palabras clave: Enseñanza de geografía; Incompletud humana; Formación docente; Carácter triádico de lenguajes; Transformación epistemológica. T erra Livre Presid en te Pru d en te An o 23, v. 1, n . 28 p . 221-238 Jan -Ju n / 2007 221 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... A educação docente: o inacabamento do ser humano como fundamento das práticas educativas “[...] Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente.” (FREIRE, 1996, p. 50). A formação docente sempre foi um campo de disputas, expressão dos históricos enfrentamentos dos diferentes grupos sociais que se posicionaram e, ainda hoje se posicionam politicamente em relação a esta questão. Dessa maneira, para refletir sobre a formação docente no Brasil, a conjuntura na qual a mesma foi formulada deve ser resgatada porque pode nos auxiliar a compreender essa esfera da ação humana como um campo de tensões em que distintos projetos societários e de formação docente são defendidos. O contexto político no qual a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB nº 9394/96) foi aprovado é rapidamente descrito por Pereira (1999, p. 11) da seguinte maneira: Na época, particularmente na América Latina, respirava-se uma atmosfera hegemônica de políticas neoliberais, de interesse do capital financeiro, impostas por intermédio de agências como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) que procuravam promover a reforma do Estado [...]. A reforma do Estado à qual o autor se refere, no contexto das políticas neoliberais, configurou um Estado máximo para as classes sociais hegemônicas e, por conseguinte, ocorreu a minimização dos seus papéis junto às classes sociais menos privilegiadas. Dessa maneira, as leis e a lógica do mercado, passam a predominar em todas as áreas, inclusive na educação que, na atual conjuntura, tem sido alvo de disputas de muitos grupos corporativos que têm se aproveitado das crescentes demandas por cursos superiores e técnico-profissionais. Para Bourdieu (1998, p. 83) “[...] O que está em questão é o papel do Estado [...], particularmente na proteção dos direitos sociais, o papel do Estado social, único capaz de contrabalançar os mecanismos implacáveis da economia abandonada a si própria.” Eis o que as reformas promovidas mundialmente pelo conjunto dos Estados nacionais e instituições financeiras têm colocado em xeque. É no contexto das políticas neoliberais que tem ocorrido a diminuição, encurtamento e mesmo eliminação dos direitos arduamente conquistados pelos movimentos sociais. A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 (LDB) foi elaborada no contexto da reforma neoliberal do Estado, fato este que explica, em grande em parte, a sua face conservadora1 . 1 Sobre este assunto ver o livro organizado por Iria Brzezinski (org.) intitulado LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam (1997). Nele existe um conjunto de textos que analisam a Lei sob diferentes aspectos que podem auxiliar o leitor a se situar no debate. 222 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 Os elementos progressistas que nela se encontram resultam da participação da sociedade civil e dos movimentos sociais organizados que, em conjunto, garantiram algumas modificações no substitutivo Darcy Ribeiro. Daí sua polifonia, especificamente, no que se refere à formação docente (Título VI - Dos Profissionais da Educação). De acordo com a análise de Pereira (1999, p. 110): [...] Nela convivem termos e expressões que contêm idéias inconciliáveis, como, de um lado, ‘programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior’, ‘institutos superiores de educação’, ‘normal superior’, e, de outro, ‘profissionais da educação’ e ‘base comum nacional’. Segundo o mesmo autor, além da LDB 9394/96, que aponta para uma determinada política de formação docente, é preciso considerar que nesta também influem as condições materiais de realização do trabalho docente, especificamente, o aviltamento salarial e a precariedade do trabalho escolar, elementos estes que concorrem para a desvalorização social da profissão e dos seus profissionais, além de desmotivar a busca pelo aprimoramento profissional. Um outro elemento essencial para o entendimento da atual situação da formação docente é a necessidade do atendimento de uma demanda crescente por profissionais da educação, sem uma mobilização financeira correspondente, no atual contexto de diminuição dos investimentos sociais. Em outro artigo intitulado A Universidade, a Avaliação e a Prática de Ensino (KATUTA, 2003, p. 424) indiquei que, não por acaso, no contexto do neoliberalismo: Os investimentos na sociedade são denominados ideologicamente, na atual conjuntura, como gastos. E portanto, como tendem a ser algo ruim ou pernicioso para a economia, devem ser socializados, diminuídos ou extirpados. Esta visão economicista da realidade subsidia a elevação de todos os índices reveladores da baixa qualidade de vida em que vive a maioria do povo brasileiro. É a partir da veiculação dos entendimentos ora explicitados que, na perspectiva da formação docente, se justificam a transformação dos portadores de diplomas de ensino superior em professores mediante a realização de estudos de complementação pedagógica, a adoção da capacitação em serviço e das experiências docentes anteriores como capazes de habilitar o professor que, nesta perspectiva, acaba por tornar-se um profissional cuja identidade tende a se tornar difusa. Vale ressaltar aqui, o questionamento feito por Bourdieu (2001, p. 85): “Como não enxergar que a lógica do lucro, sobretudo a curto prazo, é a estrita negação da cultura, que supõe investimentos a fundos perdidos, fadados a retornos incertos e não raro póstumos?”. Em outras palavras: como não enxergar que a lógica do lucro, aplicada à educação, nega a face emancipadora e revolucionária dos processos educativos, pelo fato destes implicarem em investimentos de capital financeiro e cultural cujo retorno, além de incerto, se realiza, 223 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... em geral, no médio e longo prazo? Assim, foi no contexto explicitado anteriormente que se criou um campo de tensões entre um modelo formativo da Racionalidade Técnica que tende a se perpetuar em função da conjuntura política e econômica nacional e internacional e, um outro que, fundado em uma racionalidade prática (Modelo da Racionalidade Prática) e resultante da práxis dos atores sociais, concebe o professor como um profissional autônomo, que reflete, toma decisões e cria, isso porque a ação pedagógica é vista como um “[...] fenômeno complexo, instável e carregado de incertezas e conflitos de valores.” (PEREIRA, 1999, p. 113) O modelo de racionalidade técnica pode ser caracterizado como aquele em que: [...] o professor é visto como um técnico, um especialista que aplica com rigor, na sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento científico e do conhecimento pedagógico. Portanto, para formar esse profissional, é necessário um conjunto de disciplinas científicas e outro de disciplinas pedagógicas, que vão fornecer as bases para sua ação. (PEREIRA, 1999, p. 111-112). Veja-se que no contexto deste modelo formativo a teoria e a prática, o pensamento e a ação constituem-se em atividades que se realizam em separado, não possuindo relações orgânicas entre si. Opera-se assim, uma separação epistemológico-territorial entre o locus do pensamento (cursos de formação docente) e aquele da ação (escola). É importante ressaltar ainda que a despeito da ampliação da carga horária do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura que previa, dentre outros, a maior vinculação entre local de estágio e de formação, em função da pouca valorização da formação de professores em face do bacharelado, da política de contratação docente nas Instituições de Ensino Superior tanto públicas quanto privadas, a tendência atual parece ser a da manutenção desta separação. O posicionamento ora apresentado pode parecer pessimista, contudo, o objetivo é chamar a atenção para a necessidade de políticas que intensifiquem a relação entre a formação inicial e a continuada, entre as licenciaturas e o ensino básico, isso se o objetivo efetivamente for o de aproximação das duas instâncias formativas. É no contexto do modelo da racionalidade prática que o inacabamento do ser humano como fundamento das práticas educativas formais e não formais deve ser assumido. Não se trata, portanto, de afirmar que os docentes são mal formados ou despreparados para a realização do trabalho em sala de aula, ou para o lidar com outras linguagens que não as comumente usadas (escrita e matemática) no Ensino Básico. Trata-se de compreender que, com o processo de globalização, ocorreu uma intensificação das relações econômicas, sociais, culturais, científicas e políticas de tal monta e, em um curto espaço de tempo que, o discurso geográfico hegemônico presente nos livros didáticos, bem como suas linguagens – escrita e cartográfica –, embora importantes, tiveram explicitados com maior força suas limitações na apreensão, representação e compreensão do que Lacoste (2004, p. 22-23) denomina de multiplicidade de interações. São estas que nos dão a sensação de que a Terra encolheu, pois “[...] com 224 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 seis bilhões de pessoas, ela está muito mais ‘cheia’ do que antigamente e [...], entre todos os países, se multiplicam interações de todo tipo, tanto no plano econômico e financeiro quanto no político e científico.” Em outras palavras, as transformações recentes das interações humanas – em quantidade e em qualidade –, possibilitadas pelo desenvolvimento do meio técnico científico e informacional, alteraram de tal forma a realidade objetiva que as práticas pedagógicas e as linguagens, tradicionalmente empregadas no ensino formal da geografia, acabaram por se tornar ainda mais limitadoras da possibilidade de entendimento das espacialidades hodiernamente engendradas. Por quê? Porque a geografia ainda hoje veiculada pela escola funda-se no discurso da identidade, da homogeneidade dos espaços em função da “[...] assunção, pela escola de massas, das ontologias e epistemologias hegemônicas fundadas na metafísica - separação entre o sujeito e o objeto, o espaço e o tempo, entre sujeito, espaço e tempo, a sociedade e a natureza, a dimensão individual e social etc. - [...]”. (KATUTA, 2004, p. 244). Eis o processo por meio do qual os educadores, a disciplina de geografia e suas linguagens auxiliam no processo de (re)produção das relações de produção, dado que, quando da eliminação da diferença, contribuem para a construção do que Deleuze e Guattari (2002) denominam de subjetividade capitalista. O que fazer então? Ao meu ver, Marx e Engels (1977, p. 12) em A Ideologia Alemã explicitam um entendimento que, não por acaso, escapou ao modelo da racionalidade técnica. Isso porque o fundamento desta última é metafísico, ou seja, separa o que é ligado. Assim, o pensamento pedagógico tecnicista constitui-se separadamente da prática educativa, dado que é construído a despeito do local, contexto social e histórico de sua realização. A doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. [...] A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio pode ser apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária (LEFEBVRE, 1991, p. 53). O capitalismo, em escala planetária, alterou o valor e o trabalho por meio da dissolução, substituição e (re)criação de relações que o mesmo estabelece com as populações. As circunstâncias de sua realização foram, portanto, alteradas: ‘O capitalismo não subordinou apenas a si próprio sectores exteriores e anteriores: produziu sectores novos transformando o que pré-existia, revolvendo de cabo a rabo as organizações existentes.’ (LEFEBVRE apud MOREIRA, 1999, p. 54). [...] Polissemias do valor, abrindo para a surgência, até então estancada, de todas as diferenças: sociais [...], de corpo [...], de gênero [...], de alteridade [...], de multiculturalismo [...] Diferenças do ente. Do homem como 225 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... condição da adaequatio do ser e dos entes. (MOREIRA, 1999, p. 54) No contexto do entendimento ora assumido, com a alteração das circunstâncias de realização da (re)produção do capital, portanto, com a reinvenção (polissemização) do trabalho – “[...] do valor-trabalho, do mundo do trabalho, e assim, dos sujeitos do trabalho.” (MOREIRA, 1999, p. 54) – ocorre a polissemização do espaço. Como entender esse espaço, ontologicamente fundado na diferença, por meio de práticas e linguagens centradas no discurso da identidade? Acreditando ser isso impossível, defendo aqui uma necessária transformação epistemológica da prática docente que permitiria ampliar o rol de linguagens usadas no ensino da geografia. Em minha tese de doutoramento defendo que a ruptura entre a geografia dos grupos hegemônicos que tem tido freqüente assento na sala de aula e, aquela realizada cotidianamente pelos sujeitos, engendra o processo de “estrangeirização” ou alienação dos alunos. Isso porque a primeira permite, sobretudo por meio da produção da ignorância quanto ao entendimento da organização do espaço, a (re)produção do mesmo pelo capital. Trata-se, pois, de assumir o inacabamento humano e, conseqüentemente, do educador. Compreendo que é nesta perspectiva que se pode constituir práticas pedagógicas em geografia que objetivem a apreensão, (re)apresentação e compreensão de um espaço compreendido enquanto coabitação tensa da diferença e da unidade (MOREIRA, 1999, p. 55). Como fazer isso? Por meio da apropriação das mais diversas linguagens que apresentam o espaço em sua identidade e diferença, em sua homogeneidade e heterogeneidade. Aqui, vale a pena resgatar Lacoste que nos chama a atenção para a necessidade de (re)significarmos o grapheim da Geografia (Geo = Terra, grapheim = escrever, desenhar) no atual contexto: Tal como eu a concebo, a geografia [...] significa, é claro, representar a Terra e principalmente representar tudo o que acontece nela. Não se trata apenas de representar nos mapas as terras e mares, as configurações espaciais particulares de todos os tipos de fenômenos. Creio que é preciso também levar em conta as idéias, as representações que cada um de nós pode fazer daquilo que se passa na superfície do globo. É possível, portanto, reapresentar representações – não se trata de um pleonasmo –, e isso torna-se tanto mais necessário quanto, com o desenvolvimento da democracia e com a influência cada vez mais considerável da mídia, representações subjetivas e impregnadas de parcialidade decidem em grande parte as opções e os temores da opinião pública. Particularmente, é esse o caso quando se trata da globalização. (Grifo nosso). (LACOSTE, 2004, p. 21). Em que pese o fato de que as representações subjetivas são tecidas na tensão dialética entre o individual e o social, é possível afirmar que o autor explicita o que deve ganhar espaço em sala de aula, na perspectiva de um ensino de geografia que aponte para a democratização das interações econômicas, sociais, culturais, científicas, políticas, entre 226 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 outras: as representações geográficas dos diferentes sujeitos. Segundo Elias (1994, p. 100): [...] os indivíduos não são livres de proferir todos os sons lingüísticos que desejam. Para serem compreendidos, precisam de usar a mesma língua que os membros do seu grupo utilizam. Assim, uma língua tem um grau de autonomia em relação a qualquer indivíduo que fala. No entanto, ela existe somente se for falada por seres humanos. Dessa maneira, verifica-se a necessidade da interação dialética entre as representações e linguagens utilizadas cotidianamente pelos alunos com aquelas disseminadas pela escola. É por meio desta interação que ocorre a (re)construção de conhecimentos, representações e linguagens do sujeito cognoscente que deve ser compreendido em sua dimensão triádica. Lefebvre explicita adequadamente esta dimensão (biológica e social e individual) no processo cognitivo: [...] O ‘mundo’ chega a esse ‘eu’, que sou eu, por dois caminhos: a história inteira, o passado o tempo biológico e social – e a biografia individual, o tempo singular. Por um lado, um infinito, uma ordem longínqua. Por outro, uma ordem próxima, o finito, minha finitude. Minha ‘presença’. Não seria essa dupla determinação do ‘meu’ ‘ser humano’, de minha ‘subjetividade’? (LEFEBVRE, 1991, p. 23-24). Com base no exposto pode-se afirmar que é preciso trazer para o chão da escola, para o território da educação formal a dimensão das singularidades e particularidades por meio das quais o conhecimento se realiza quando do processo de sua generalização. Partir do singular, do particular para o geral, por meio de abstrações, supõe assumir que o conhecimento somente se realiza neste movimento infinito: É assim que avança o conhecimento, que não é uma revelação num dado instante, nem mesmo uma marcha linear e simples da ignorância ao conhecimento, mas uma estrada cheia de complicados meandros, que acompanha os acidentes do terreno sobre o qual ela passa e que, por vezes, deve voltar atrás. É apenas uma estrada, um caminho que passa através da natureza; mas como diz Hegel numa fórmula singular e profunda, é um caminho que se faz a si mesmo. (LEFEBVRE, 1991, p. 49). Se, como defende Lefebvre (1991, p. 287) “[...] Antes de elevar-se ao nível teórico, todo conhecimento começa pela experiência, pela prática.”2 , faz-se necessário, para compreender os espaços polissêmicos, engendrados por sujeitos também polissêmicos, apreendê-los por meio das representações e linguagens que, por meio da abstração, ou de aproximações possíveis do objeto permitam a realização do conhecimento aqui 2 “[...] é precisamente a modificação da natureza pelo homem – e não a natureza enquanto tal, tomada isoladamente – que é o fundamento próximo e essencial do pensamento humano; foi na medida em que o homem aprendeu a modificar a natureza que seu pensamento cresceu.” (LEFEBVRE, 1991, p. 245). 227 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... compreendido como: [...] o processo pelo qual o pensamento se aproxima infinita e eternamente do objeto. O reflexo da natureza no pensamento humano não deve ser compreendido de modo morto, de modo abstrato, sem movimento, sem contradições, mas sim no processo eterno do movimento, do nascimento das contradições e de sua resolução... [E Lênin observa:] A idéia tem em si a oposição mais violenta [...] O homem cria eternamente essa oposição do pensamento e do objeto e a supera eternamente. (LEFEBVRE, 1991, p. 287). Na perspectiva da problemática que vimos abordando, trata-se de (re)pensar as práticas docentes com as linguagens pois “[...] tudo o que pode fazer é aproximar-se eternamente dessa totalidade, criando abstrações, conceitos, leis, uma figuração científica do universo, etc.” (LEFEBVRE, 1991, p. 276). As linguagens como práxis humana: estruturas estruturantes, estruturas estruturadas e instrumentos de dominação “Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda assim, trata-se de um terreno que não pode ser chamado de ‘natural’ no sentido usual da palavra: não basta colocar dois homo sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. A consciência individual não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social.” (BAKHTIN, 1997, p. 35). A relação que os educadores possuem com as linguagens e, especificamente, os da geografia tende, via de regra, para o naturalismo. Em outras palavras, os mesmos acreditam que inexistem diferenças entre o pensamento e fala, sendo esta última expressão direta do primeiro. Some-se a esta compreensão a crença de que, independentemente dos grupos sociais, as conexões entre pensamento e fala são idênticas em todos os grupos humanos. Verifica-se que, subjacente a tais entendimentos, reside a crença de que os significados das palavras não se alteram social e espaço-temporalmente. O entendimento ora explicitado tem como fundamento a crença na “[...] possibilidade do estabelecimento de leis gerais e generalizações à luz das regularidades, cujos fundamentos metateóricos são as idéias de ordem e de estabilidade do mundo e a de que o passado se repete no futuro, característico do pensamento científico moderno.” (SANTOS, B. 2000, apud KATUTA, 2004, p. 141). Os estudos e debates ligados às questões referentes à linguagem expressam estes entendimentos e são também expressões dos mesmos. Em sala de aula, estas crenças se explicitam na prática pedagógica do professor quando, ao usar determinadas linguagens (cartográfica, escrita, fílmica, gráfica, fotográfica, musical, entre outras), este lida com as mesmas como se fossem reproduções do real e não suas apresentações ou versões sempre elaboradas na perspectiva de cada um de seus produtores. É importante esclarecer que estou empregando a palavra realismo na perspectiva 228 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 do uso que, em geral, os educadores fazem das linguagens. Para uma parte significativa dos referidos sujeitos sociais as linguagens representam a realidade de maneira fidedigna. Esse habitus3 realista com relação às linguagens torna-se um obstáculo epistemológico ao professor e, portanto, aos alunos que, em geral, acabam por aprender e, dessa maneira, passam a manter a mesma relação que os seus mestres com o objeto ora em foco. Neste contexto de uso das linguagens, o caráter triádico das mesmas fica oculto, sendo então desconsiderado, em grande parte em função do tipo de relações que esses grupos sociais com elas mantém. Destaco que estou partindo do pressuposto que o professor ensina muito mais do que conhecimentos e conceitos. Um conjunto de habitus também é ensinado na escola, apesar de o mesmo também ser aprendido no âmbito da educação não formal. Para Bourdieu (1997, p. 42): Os ‘sujeitos’ são, de fato, agentes que atuam e que sabem, dotados de um senso prático [...], de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e divisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada. O habitus é uma espécie de senso prático do que se deve fazer em dada situação. As linguagens, na perspectiva esboçada, tornam-se entes com vida própria, cuja função é representar o real tão fidedignamente quanto possível. É neste contexto que os mapas são usados para “mostrar como são os lugares ou para concretizá-los”, que filmes ou documentários são exibidos para mostrar a realidade de determinados grupos sociais, fatos ou territórios, ou como era um determinado sujeito, que letras de canções são usadas a fim de mostrar como são os lugares, fatos e pessoas, que poesias e prosas são utilizadas como meros complementos descritivos do real. Tais práticas deslocam as linguagens de seus contextos de realização, tornando-as neutras, livres de quaisquer determinações sociais e políticas. Esta compreensão constitui-se em um núcleo gerador de compreensões equivocadas acerca do real, daí seu caráter de obstáculo epistemológico. Os entendimentos esboçados desconsideram o fato de que as linguagens são, concomitantemente: - estruturas que permitem a estruturação de nossos pensamentos (estruturas estruturantes), ou seja, uma parte deles ganha expressão por meio das linguagens; - estruturas produzidas social e espaço-temporalmente pelos mais diversos grupos humanos (estruturas estruturadas). Nascemos em uma comunidade lingüística e compartilhamos-disseminamos, para além dos léxicos, símbolos e signos produzidos pela mesma, inclusive, seus habitus lingüísticos e cognitivos; - instrumentos de dominação, ou seja, dependendo do uso que delas se faz, podem 3 Expressão esclarecida nos parágrafos que seguem. 229 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... estar a serviço da dominação de determinados grupos sociais por outros. É preciso salientar que as linguagens não possuem poder de dominação em si e per si, são os seres humanos que, por meio delas, estabelecem relações sociais de dominação. A característica triádica das linguagens deve ser trabalhada na escola e, sobretudo, nos cursos de formação de professores porque auxiliaria no equacionamento dos obstáculos epistemológicos engendrados em função de uma postura realista que, por não ser problematizada nos processos formativos são ainda hoje lugares comuns. Eis um dos papéis fundamentais da escola em uma sociedade em que os processos comunicativos e, conseqüentemente, as linguagens atingiram um patamar de desenvolvimento, especialização, uso e disseminação sem precedentes na história da humanidade. Educar os alunos para entenderem as diferentes linguagens e seus sujeitos enunciadores, explicitando seu caráter triádico, constitui-se, nos dias de hoje, em uma condição fundamental para que os mesmos possam conquistar sua autonomia de pensamento no atual contexto do desenvolvimento do capital. Atualmente, a velocidade e diversidade de meios para disseminação das informações, dos conhecimentos, dos processos comunicativos tornaram-se centrais ao processo de sustentação e (re)produção do capitalismo em sua face globalizada. Por isso, já dizia Paulo Freire (1996, p. 123-124): “Uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade.” As linguagens, como todo e qualquer produto humano, são expressões das relações dos grupos sociais que as criaram e, ao mesmo tempo, auxiliam em sua (re)produção. Por isso, pode-se afirmar que as mesmas constituem-se também em práxis humanas, daí auxiliarem, dependendo do uso que delas for feito, na (re)produção do espaço para e do capital. É o que demonstro no item que segue. O repensar e a (re)apropriação das linguagens enquanto expressão da transformação das práticas docentes: assunção da multiplicidade dos sujeitos enunciadores e suas geografias “O desrespeito à leitura de mundo do educando revela o gosto elitista, portanto antidemocrático, do educador que, desta forma, não escutando o educando, com ele não fala. Nele deposita seus comunicados. Há algo ainda de real importância a ser discutido na reflexão sobre a recusa ou respeito à leitura de mundo do educando por parte do educador. A leitura de mundo revela, evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo.” (FREIRE, 1996, p. 123). Considerando o caráter triádico das linguagens e a maneira realista com que, via de regra, os educadores com elas se relacionam, entendo que o repensar e a (re)apropriação das linguagens pelos sujeitos sociais em questão deve ser antecedida de uma transformação de suas práticas pedagógicas ancorada, obviamente, em uma necessária transformação 230 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 epistemológica. Com isso, não estou querendo afirmar que a transformação da prática pedagógica docente deve ser antecedida pelas teorias. Ao contrário, é o trabalho realizado em sala de aula com as diferentes linguagens que irão demandar determinados conhecimentos e transformações epistemológicas que, por sua vez, auxiliarão a fundar uma prática docente que considere a prática e a teoria como duas faces da mesma moeda. Isto já bem observou Lefebvre (1991, p. 49-50): [...] o conhecimento é prático. Antes de elevar-se ao nível teórico, todo conhecimento começa pela experiência, pela prática. Tão-somente a prática nos põe em contato com as realidades objetivas. [...] Em segundo lugar, o conhecimento humano é social. Na vida social, descobrimos outros seres semelhantes a nós; eles agem sobre nós, nós agimos sobre eles e com eles. Estabelecendo com eles relações cada vez mais ricas e complexas, desenvolvemos nossa vida individual; conhecemos tanto eles quanto nós mesmos. [...] o conhecimento humano tem um caráter histórico. [...] Há que partir da ignorância, seguir um longo e difícil caminho, antes de chegar ao conhecimento. O que é verdadeiro para o indivíduo é igualmente verdadeiro para a humanidade inteira: o imenso labor do pensamento humano consiste num esforço secular para passar da ignorância ao conhecimento. A verdade não está feita previamente; não é revelada integralmente num momento predestinado. Na ciência, tal como no esporte, por exemplo, todo novo resultado supõe um longo treinamento; e todo novo desempenho, todo melhoramento de resultados, são obtidos de modo metódico. É na lida cotidiana docente com as diferentes linguagens que os desafios inerentes à sua (re)apropriação e repensar comparecerão. Daí a necessidade de o professor ter uma postura investigativa com relação à própria prática pedagógica, caso contrário, suas ações em sala de aula correm o sério risco de se tornarem difusas ou empobrecidas na medida em que acabam por se encerrarem em si. Isto pode ocorrer quando o uso das linguagens se realiza de maneira aleatória, apenas para tornar a aula menos maçante ou cansativa. Pereira (1999, p. 118) define o educador investigador da seguinte maneira: “[...] um profissional dotado de uma postura interrogativa e que se revele um pesquisador de sua própria ação docente.” Vale a pena alertar para o fato de que, inerente à prática descrita, existe uma crença de que são as metodologias ou as linguagens usadas pelo educador que têm o poder de transformar as suas aulas. O equívoco desta postura tem como fundamento a fetichização e reificação das metodologias e linguagens. Em outras palavras, deposita-se uma crença no objeto, dotando-o de características mágicas e esquece-se do fato de que o determinante nesta questão é a relação que os sujeitos irão estabelecer com as mesmas. O que se quer aqui evidenciar é que o repensar e a (re)apropriação das linguagens devem ser realizados a partir do trabalho em sala de aula que, por sua própria característica, como afirmei anteriormente, é um fenômeno complexo, instável, eivado de incertezas e de conflitos culturais, de valores, de entendimentos de mundo, entre outros. E, enquanto tal, 231 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... deve ser constantemente debatido em fóruns educacionais mais amplos. Trata-se de assumir, portanto, que os saberes sobre as linguagens aplicados à sala de aula devem ser construídos coletiva e cotidianamente na lida do trabalho educativo. Se, como já apontava Freire (1996, p. 123-124), a tarefa maior da escola, portanto, dos professores é o trabalho com a inteligibilidade e comunicabilidade das coisas do e no mundo, é preciso que se assuma que as linguagens constituem-se em elementos importantes para que o objetivo maior da educação formal se realize. Luria (1988, p. 51-52) em suas pesquisas verificou que pessoas sem instrução usam a linguagem em sua função mnemotécnica (de memorização) “[...] apenas para ajudá-las a relembrar e reunir os componentes da situação prática mais do que para permitir que formulem abstrações ou generalizações.” Este uso aponta para uma concepção de linguagem realista enquanto reprodução exata do real, relação que também os povos primitivos nutriam com ela. Pessoas instruídas ou com algum grau de instrução utilizam a palavra para codificar objetos em esquemas conceituais, daí serem capazes de executar um pensamento lógico mais complexo. Eis o foco do trabalho do professor. Ao lidar com diferentes linguagens o educador deve compreender que se tratam de distintos modos de semiotização, dentre os quais inexiste a possibilidade de julgar uns como sendo melhores que outros. A escolha dos tipos de linguagens por meio das quais o professor trabalhará os conteúdos irá depender de seus objetivos pedagógicos. Cada linguagem nos permite construir uma rede de coordenadas semióticas – redes de significados e significações, que nos localizam e orientam em nossas ações. Assim, cada uma captura aspectos do real permitindo a sua racionalização. Daí Wittgenstein (1995, p. 375) afirmar que uma forma de expressão inapropriada conduz à confusão e à imobilidade: <<Assim uma pessoa que não aprendeu uma linguagem não pode ter certas recordações?>> Certamente – não pode ter recordações verbais, não pode verbalizar desejos ou medos, etc. E recordações, etc., verbais não são apenas as representações coçadas das experiências realmente vividas: pois não é a linguagem também uma vivência? (WITTGENSTEIN, 1995, p. 486). No caso específico do ensino da geografia com quais linguagens trabalhar? Será que existem umas mais propícias que outras? Se, como afirma Lefebvre (1991, p. 34) as linguagens têm uma origem tópica, ou seja, se originaram a partir das ações que os grupos humanos estabeleceram no meio ambiente e entre si, pode-se afirmar que todas elas podem ser utilizadas, desde que o professor tenha clareza de seus objetivos pedagógicos. No começo era o Topos. E o Topos indicava o mundo, pois era lugar; não estava em Deus, não era Deus, pois Deus não tem lugar e jamais o teve. E o Topos era o Logos, mas o Logos não era Deus, pois era o que tem lugar. O Topos, na verdade, era poucas coisas: a marca, a re-marca. Para marcar, houve traços dos animais e de seus percursos; depois sinais: um seixo, uma árvore, 232 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 um galho quebrado, um cairn4 . As primeiras inscrições, os primeiros escritos. Por pouco que fosse, o Topos já era o ‘homem’. Assim como o sílex seguro pela mão, como a vara erguida com boa ou má intenção. Ou a primeira palavra: o Topos era o Verbo; e algo mais: a ação, ‘Am Anfang war die Tat’ [No princípio era a ação, traduzido por Douglas Santos (1997)]. E algo menos: o lugar, dito e marcado, fixado. Assim, o Verbo não se fez carne, mas lugar e não-lugar. (LEFEBVRE, 1991, p. 34). Para Ostrower (1998, p. 173) o pensamento e a imaginação nas pessoas realizamse mediante imagens de espaço. Em outras palavras, estas imagens são o fundamento de nosso pensamento e imaginação. Daí a importância do uso das diferentes linguagens no ensino da geografia, estas viabilizam a produção de representações e imagens do espaço, sejam elas cartográficas, escritas, ou artísticas em geral. Parafraseando as sábias palavras de Lefebvre (1991, p. 34): No começo era o Topos, que era e ainda é ou são “as coisas no mundo” e as “coisas do mundo” e que nele têm lugar. Coisas olhadas, sentidas, tocadas, discernidas do não-eu, marcadas, vistas, usadas, nominadas, denominadas, dominadas porque necessárias na e para a ação, para a sobrevivência humana, e hoje, para a produção de excedentes por muitos para o usufruto de poucos. Das relações dialéticas engendradas entre o topos e as ações humanas surge a linguagem, estrutura estruturante e estruturada, coroamento do domínio relativo dos seres humanos em relação aos outros elementos da natureza. (KATUTA, 2004, p. 224-225). É preciso salientar que existe uma linguagem específica que não pode ser desconsiderada no processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos geográficos: a linguagem cartográfica. Este meio de comunicação permite apreender as espacializações dos fenômenos, bem como possibilita pensar em explicações para as mesmas em diferentes níveis escalares. Contudo, apenas esta linguagem não dá conta da polissemia dos fenômenos geográficos, pois diversos são os grupos sociais bem como as suas geografias. Há que, como afirma Moreira (1999, p. 54), polissemizar a diferença, instituir a dialética da identidade-diferença na geografia. Para tanto há que: “[...] rever o modo de ser representação [...], num outro que combine heterogêneo e homogêneo sem que a diferença desapareça na homogeneidade-identidade por um ardil formal da razão.” É preciso então: [...] dialogizar a dupla direção do olhar: da identidade para a diferença, da diferença para a identidade. De reatar a dialética das significações múltiplas, do significado que também é significante, da identidade que também é diferença, da ausência que também é presença, do homogêneo que também é heterogêneo. (MOREIRA, 1999, p. 55). 4 Amontoado de pedras na forma de cone, feito por diferentes grupos humanos para indicar lugares conhecidos , marcos ou mesmo uma tumba. Grifo da autora. 233 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... É interessante notar que o entendimento de Moreira (1999) acerca da representação está muito próximo da concepção que Lefebvre (1983) explicita em sua obra: La presencia y la ausencia: contribucion a la teoria de las representaciones. Ao enfatizarem o movimento no processo de conhecimento, identificam a necessidade da dialetização dos significados que também são significantes (grade da linguagem), das identidades que são também diferenças, da ausência que é presença, do homogêneo que é também heterogêneo: “[...] el espacio así concebido se define como juego de las ausencias y las presencias, representadas por la alternancia de las sombras y de las claridades, de lo luminoso y de lo nocturno. Los ‘objectos’ en el espacio simulan la aparición y la desaparición más profundas de las presencias.”5 (Lefebvre, 1983, p. 261). Inexiste linguagem que dê conta das múltiplas determinações das espacialidades humanas, elas não se sobrepõem, antes se justapõem formando um mosaico passível de ser capturado por nossa racionalidade em distintas espaço temporalidades, por meio das mais diversas linguagens. Estou assumindo e apontando aqui a importância de uma geografia que parta de uma ontologia do objeto que tenha como fundamento a dialética da identidade-diferença: “[...] Um objeto qualquer é o mesmo e, não obstante, jamais é o mesmo: pequeno ou grande, conforme se afaste ou se aproxime, e rico de aspectos diversos.” (LEFEBVRE, 1991, p. 69). “Cada época deve esforçar-se por organizar, sistematizar numa ‘síntese’, o conjunto dos conhecimentos sobre a natureza. Mas nenhuma dessas sínteses pode se pretender definitiva.” (Lefebvre, 1991, p. 67). Isso porque inexistem verdades absolutas, transcendentais. A racionalidade opera a partir do caos sob a forma de uma síntese organizadora que varia de acordo com o modo de produção e as relações sociais entre os diferentes sujeitos. Contudo, nunca devemos nos esquecer que a ação com e no mundo, com os objetos antecede toda e qualquer racionalidade: “[...] Esse trabalho de organização é, inicialmente, um trabalho prático. O mundo humano organizado, o mundo da percepção, dos objetos determinados, é produto do trabalho e não produto do ‘espírito’.” (Lefebvre, 1991, p. 69). Nem identidade que promova o estancamento do discurso geográfico acerca do mundo na homogeneidade do objeto e, muito menos, diversidade que estanque na imediaticidade do sensível, do percebido. Em outras palavras, não se trata de defender o discurso generalista e abstrato da velha fórmula geográfica N-H-E (natureza, homem, economia). Moreira (1993, p. I) faz contundentes críticas àquele ensino da geografia que reduz as espacialidades à fórmula colocada que pode ser explicitada da seguinte maneira: “[...] Primeiro descrevemos a natureza, depois a população e por fim a economia. Às vezes alternamos a ordem seqüencial.” Esta é a fórmula geográfica utilizada na maioria das salas de aulas, e que, não por acaso, podemos ver seus registros em uma parte 5 “O espaço assim concebido se define como jogo das ausências e presenças, representadas pela alternância das sombras e claridades, do luminoso e do noturno. Os ‘objetos’ no espaço simulam a aparição e o desaparecimento mais profundo das presenças.” (Tradução da autora). 234 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 significativa dos livros didáticos de geografia. Também não se quer aqui defender as práticas pedagógicas que valorizam apenas a dimensão da percepção e da sensibilidade dos saberes geográficos cotidianos dos alunos, pois, como afirma Lefebvre (1991, p. 111) o sensível: “[...] não representa mais que uma apreensão global, confusa, não analisada e ‘sincrética’ (como diz a psicologia) do real concreto. Por conseguinte, permanece abstrata.” Eis o divisor de águas entre epistemologias da geografia que ora estancam no discurso da generalidade, ora no da singularidade e uma outra que se funda no movimento do entre estas instâncias ou momentos distintos do conhecimento. As duas primeiras têm como fundamento a abstração, dado que estancam o movimento do conhecimento ora num pólo ora noutro. Assim, o que efetivamente caracteriza o conhecimento é o movimento que vai do singular, do particular até chegar ao geral para, incessante e infinitamente, retornar ao singular e assim por diante. Lefebvre denomina este movimento de ritmo do conhecimento que descreve da seguinte maneira: Parte do concreto, global e confusamente apreendido na percepção sensível, e que se apresenta, portanto, sob esse aspecto, como primeiro grau de abstração; caminha através da análise, da separação dos aspectos e dos elementos reais do conjunto, através, portanto, do entendimento, de seus objetos distintos e de seus pontos de vista abstratos, unilaterais; e, mediante o aprofundamento do conteúdo e da pesquisa racional, dirige-se no sentido da compreensão do conjunto e da apreensão do individual na totalidade: no sentido da verdade concreta e universal. (LEFEBVRE, 1991, p. 116). É a perspectiva de que o conhecimento se realiza no movimento de passagem do singular, para o particular a fim de chegar ao plano da generalidade, que pode permitir uma transformação epistemológica necessária para o repensar e a (re)apropriação das linguagens, enquanto expressões do fenomênico em múltiplas escalas. Em outras palavras, ao conceber o conhecimento enquanto movimento que parte do singular, passa pelo particular para chegar ao geral, abre-se espaço nas aulas para as geografias vividas pelos alunos – emergência do espaço da diferença!, bem como para outras linguagens enquanto meios de registro das múltiplas espacialidades criadas e vivenciadas por outros grupos ou classes sociais. As letras das canções, as poesias, as prosas, as pinturas, as histórias em quadrinhos, os filmes, as telenovelas, entre outros, apresentam as espacialidades vivenciadas pelos diferentes grupos sociais. São formas de registro das geografias de cada um de nós, daí a importância das mesmas serem repensadas e (re)apropriadas pelos professores da disciplina em questão. Via de regra, essas linguagens abordam as singularidades das espacialidades vivenciadas pelos sujeitos, por isso, seu uso no primeiro movimento do conhecimento é plenamente justificável, contudo, não pode nele estancar. É neste contexto que o discurso 235 KATUTA, A. M. A EDUCAÇÃO DOCENTE: (RE)PENSANDO... da particularidade e da generalidade tornam-se relevantes, porque se realizam enquanto ponto de chegada provisória do pensamento que se movimenta da diferença para a identidade e desta para a diferença. Resgata-se, nessa perspectiva, o respeito defendido por Paulo Freire (1996) à leitura de mundo do educando que, nesta relação pedagógica, deixa de ser mero depositário dos conhecimentos do professor. O aluno torna-se, juntamente com o educador, um dos sujeitos enunciadores dos saberes geográficos6 que vivencia cotidianamente. Finalizo a presente reflexão com um sábio alerta do pedagogo: [...] Respeitar a leitura de mundo, do educando não é também um jogo tático com que o educador ou educadora procura tornar-se simpático ao educando. É a maneira correta que tem o educador de, com o educando e não sobre ele, tentar a superação de uma maneira mais ingênua por outra mais crítica de inteligir o mundo. Respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-la como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo especial, como um dos impulsos fundantes da produção de conhecimento. É preciso que, ao respeitar a leitura do mundo do educando para ir mais além dela, o educador deixe claro que a curiosidade fundamental à inteligibilidade do mundo é histórica e se dá na história, se aperfeiçoa, muda qualitativamente, se faz metodicamente rigorosa. E a curiosidade assim metodicamente rigorizada faz achados cada vez mais exatos. No fundo, o educador que respeita a leitura do mundo do educando, reconhece a historicidade do saber, o caráter histórico da curiosidade, assume a humildade criticam própria da posição verdadeiramente científica. (FREIRE, 1996, p. 122-123). Eis a transformação epistemológica que deve ser o fundamento do repensar e da (re)apropriação das linguagens nas aulas de geografia. Resgatar a multiplicidade dos sujeitos enunciadores dos saberes geográficos, portanto, de suas geografias deve nortear o uso de toda e qualquer linguagem na referida disciplina. Conclusões Com base no exposto, compreendemos que a educação do docente de geografia deve ser repensada, principalmente no que se refere às relações que o mesmo mantém com a cartografia em particular e, de modo mais ampliado, com as outras linguagens. Não se trata aqui de acusar os docentes da referida disciplina de ter uma relação simplista com este instrumento do pensamento. Trata-se antes de assumir, por um lado, o inacabamento do ser humano enquanto fundamento das práticas educativas em todos os níveis e modalidades de ensino e, por outro, a inesgotabilidade do processo de construção de conhecimentos, sendo as linguagens elementos fundamentais para que este último ocorra. 6 Aqui geografia está sendo entendida em um amplo sentido, ou seja, como o conjunto das relações que o sujeito estabelece com o espaço e o grupo social com quem convive. 236 Terra Livre - n. 28 (1): 221-238, 2007 Assim, quanto mais linguagens se utilizam e dominam, mais ampla tende a ser a compreensão do mundo pelos sujeitos, isso porque cada uma delas apresenta o real a partir das especificidades de sua sintaxe, de seu modo de dizer sobre as coisas do e no mundo. A ampliação do conjunto de linguagens utilizadas nas aulas de geografia é fundamental para que a análise do mesmo fenômeno em múltiplas escalas ocorra. Assim, um mesmo tema, ao ser apresentado em um mapa, em uma foto ou pintura, em uma crônica ou letra de canção, é passível de ser compreendido nas várias escalas em que ocorre. Dessa maneira, acaba por congregar um conjunto de características que passariam desapercebidas em entendimentos mais simplistas, reduzidos a apenas uma escala de análise, fundado na homogeneidade. Como conseqüência destas múltiplas apreensões, pode-se afirmar que é também por meio do uso de várias linguagens que a ontologia dos objetos estudados pela geografia ganha maior amplitude, também porque enunciada por diferentes sujeitos. É neste contexto de uso de linguagens que a multiplicidade dos sujeitos enunciadores ganha espaço nas aulas de geografia, cria-se, portanto, a possibilidade da compreensão dos lugares por meio de um olhar que se situa entre a diferença e a homogeneidade, entre a singularidade e a generalidade, entre o concreto e o abstrato, é exatamente neste movimento que se constroem os conhecimentos dos arranjos espaciais. Referências BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. BRZEZINSKI, Iria. LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez 1997. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: Sobre a Teoria da Ação. São Paulo: Papirus, 1997. BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a visão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ______. Contrafogos 2: por um movimento social europeu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 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Tal projeto externaliza-se na fragmentação dos saberes e na prática escolar que afasta educandos e educadores da natureza, dos problemas e questões da vida cotidiana. Este trabalho discorre sobre a importância da construção de um modelo curricular, fundado na relação homem-natureza e em uma concepção interdisciplinar dessa relação. A Educação Ambiental não deve ser enxergada como mais uma disciplina (obrigatória por lei), mas deve ser assumida como um conhecimento, que unifique conteúdos e dê à escola um novo sentido, uma nova razão de ser, re-introduzindo educadores e educandos numa relação harmônica com a Terra. Palavras-chave: Natureza; Interdisciplinaridade; Currículo. VALTER MACHADO DA FONSECA Sociedade; Escola; Doutoranda em Geografia – IG-UFU/CNPq Abstract: The environmental crisis reveals the crisis of ocidental civilization, of its nature project and its project of mankind. Such project is externalized in the fragmentation of knowledge and in the teaching practice which separates teachers and students from nature, problems and matters of everyday life. This work discusses the importance for the construction of a curriculum model, based on the relation between nature-man and an interdiciplinary conception of this relation. The Environmental Education does not have to be seen as another discipline (obrigatory by law), but it should be assumed as knowledge, which unifies contents and give the school a new sense, a new reason for existing, reintroducing teachers and students in a harmonic relationship with the Earth. [email protected] Keywords: Nature; Society; School; Interdisciplinarity; Curriculum. Geógrafo e mestre em Educação – FACED-UFU [email protected] SANDRA RODRIGUES BRAGA GRAÇA APARECIDA CICILLINI Profa. Dra. FACED/UFU [email protected] Resumen: La crisis ambiental muestra la crisis de la civilización occidental, de su proyecto de naturaleza y de su proyecto de hombre. Tal proyecto se explicita en la fragmentación de los conocimientos y en la práctica de la enseñanza que separa a los educandos y a los educadores de la naturaleza, de los problemas y de las cuestiones de la vida cotidiana. Este trabajo discursa acerca de la importancia de la construcción de un modelo curricular, fundado en la relación hombre-naturaleza y en un concepto interdisciplinario de esta relación. La Educación Ambiental no tiene que ser percibida como una disciplina a más (obligatoria por ley), sino que debe ser asumida como un conocimiento que unifica contenidos y concede a la escuela una nueva dirección, una nueva razón de ser, reintroduciendo a educadores y educandos en una relación armónica con la Tierra. Palabras clave: Naturaleza; Interdisciplinaridad; Currículo. Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 1, n. 28 p. 239-256 Sociedad; Escuela; Jan-Jun/2007 239 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... Introdução Ao final do século XVIII, o advento da revolução industrial inaugurou um ciclo de inovações tecnológicas que deixou como legado um violento impacto sobre a biomassa, os bens naturais e a atmosfera. Esses efeitos, ignorados nos “anos dourados” do desenvolvimento, apenas nas últimas décadas do século XX seriam apresentados como a problemática ambiental, um conjunto amorfo de fatores que englobam a poluição e degradação do meio, a crise de recursos naturais, energéticos e de alimentos. Nesse momento, “a promessa da dominação da natureza, e do seu uso para o benefício comum da humanidade” revelou-se uma fraude, ao mesmo tempo em que se desvelou-se sua condução à “uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio”, como aponta Boaventura de Souza Santos (2001, p. 56). Tal problemática ambiental surgiu “como uma crise de civilização, questionando a racionalidade econômica e tecnológica dominantes”. Essa crise foi “percebida como resultado da pressão exercida pelo crescimento da população sobre os limitados recursos do planeta”, quando se tratava de um “efeito da acumulação de capital e da maximização da taxa de lucro a curto prazo”, responsáveis por “padrões tecnológicos de uso e ritmos de exploração da natureza, bem como forma de consumo”, que esgotam as reservas naturais, “degradando a fertilidade dos solos e afetando as condições de regeneração dos ecossistemas naturais.” (LEFF, 2002, p. 59) Esta degradação do natural não atingiu (nem atinge) todos os homens indistintamente. De fato, como nos lembra Theodor Adorno (1982), a humanidade, tomada em seu caráter genérico, não passa de uma construção ideológica que escamoteia as gritantes diferenças de poder social entre os homens. Tal degradação não é linear, simples e contínua, envolvendo elementos contraditórios ligados ao jogo de poder entre dominantes e dominados ao longo da história humana. Efetivamente, a consideração da problemática ambiental obriga à iluminação das esferas social e política, posto que é, fundamentalmente, fruto de uma crise da civilização ocidental urbano-industrial. Já em 1975, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – manifestou-se, por intermédio da Carta de Belgrado, em prol de “uma nova ética global, capaz de promover a erradicação da pobreza, da fome, do analfabetismo, da poluição, da exploração e dominação humana”, censurando “o desenvolvimento de uma nação às custas de outra, acentuando a premência de formas de desenvolvimento que beneficiassem toda a humanidade” (DIAS, 1992, p.26). Estava dado o tom em que seriam pronunciados a posteriori os discursos oficiais sobre o tema. Tais discursos trabalham, ambiquamente, com o fato de que o ambiente, palco e motivação dos conflitos, possui elementos perceptíveis e “imperceptíveis”. Os primeiros dizem respeito aos ecossistemas naturais e aos modificados pela ação do “sujeito” (o homem) sobre o “objeto” (a natureza): os elementos bióticos e abióticos, os ecossistemas 240 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 naturais e seu frágil equilíbrio, o espaço urbano, a concentração de capital, as diversas formas de poluição, a expansão da fronteira agrícola, dentre outros. Os elementos “imperceptíveis” da natureza são resultado das disputas sobre os territórios: a supremacia dos dominantes sobre os dominados; a expansão do abismo entre ricos e miseráveis; a concentração da riqueza material no hemisfério norte; a segregação sócio-espacial e as nefastas conseqüências da racionalidade técnica e científica. Santos (2001, p. 58) lembra-nos: Como é que a ciência moderna, em vez de erradicar os riscos, as opacidades, as violências e as ignorâncias, que dantes eram associados à pré-modernidade, está de facto a recriá-los numa forma hipermoderna? O risco é actualmente o da destruição maciça através da guerra ou do desastre ecológico; a opacidade é actualmente a opacidade dos nexos de causalidade entre as ações e as suas conseqüências; a violência continua a ser a velha violência da guerra, da fome, da injustiça, agora associada à nova violência da hubris industrial relativamente aos sistemas ecológicos e à violência simbólica que as redes mundias da comunicação de massa exercem sobre as suas audiências cativas. Por último, a ignorância é actualmente a ignorância de uma necessidade (o utopismo automático da tecnologia) que se manifesta com o culminar do livre exercício da vontade (a oportunidade de criar escolhas potencialmente infinitas). É nesse contexto de emergência de questões – demandatárias de urgentes respostas – que, em meados dos anos 1970, a Educação Ambiental (doravante denominada EA) emerge como “resposta à crise na própria educação; [...] que prioriza o racional, que compartimenta os saberes e que estimula a competição entre indivíduos e grupos” (PÁDUA, 2002, p. 55), em uma iniciativa que a fortiori demanda um trabalho interdisciplinar e a superação da fragmentação de saberes. A transmissão fragmentada do saber A crise ambiental foi atribuída ao processo histórico que, a um só tempo, construiu a revolução industrial e a ciência moderna. Lugar de destaque nessa evolução ocupa a distinção entre as ciências, com o concomitante fracionamento do saber e a compartimentalização da realidade em campos disciplinares confinados, tendo por fito otimizar a eficácia da ciência em prol da produção. Nessa conjuntura, iniciou-se, como nos informa Enrique Leff (2002, p. 60), “a busca por um método capaz de reintegrar esses conhecimentos dispersos num campo unificado do saber” e a análise da questão ambiental emergiu como tema demandante de “uma visão sistêmica e um pensamento holístico”. O tecnicismo, que surgiu como exigência das revoluções industriais, ganhou a hegemonia da educação formal. A transmissão e reprodução do conhecimento isolaram/ isolam educadores e educandos dos seus problemas concretos, isentando-os de participar da relação homem-natureza. A compartimentação dos conteúdos, a verticalização curricular e o ensino cada vez mais elitizado, igualmente, colocaram-nos cada vez mais distantes do seu meio. 241 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... A fragmentação disciplinar e as dificuldades da prática pedagógica constituem, na atualidade, os principais óbices à abordagem da temática ambiental, de modo transversal e interdisciplinar. Trabalhar a interdisciplinaridade da temática ambiental implica revelar a rede de conflitos e interesses que a criaram, partindo da realidade local para, em seguida, tratar das questões ambientais mais amplas. É mister compreender que as ciências, cada uma delas, constituíram processos metodológicos de investigação científica próprios e que o ambiente não pode se constituir em mais um segmento da ciência, mas deve preencher as rachaduras da compartimentação dos conteúdos disciplinares. A problemática ambiental é herdeira direta da concepção de que o homem, por ser capaz de raciocinar, adquirir, produzir e organizar conhecimentos, está acima da natureza e das leis que regem o planeta e o mantêm em equilíbrio. A maioria das pessoas, sobretudo aquelas que não estudaram as ciências biológicas, manifesta muito freqüentemente uma tendência a situar o homem em confronto com a natureza, ou mesmo em oposição a ela. Segundo sejam essas pessoas otimistas ou pessimistas, vêem elas o homem como o rei da natureza ou a sua vítima (FRIEDEL, 1921 apud BRANCO, 1988, p. 6). Esta maneira de pensar e compreender a relação homem-natureza, expressa pelo filósofo francês, alimenta a crença de que o ser humano pode reinar sobre todos os recursos naturais, explorando-os desordenadamente, sem se preocupar com as conseqüências de sua exploração. Henri Lefebvre (1979, p.233-234) compartilha essa avaliação: O sujeito - o homem - separa-se da natureza graças a seu poder sobre ela, a seus instrumentos, a seu entendimento e a seu poder de abstração. Porém, quanto mais ele se separa da natureza, tanto mais penetra profundamente na natureza, por meio de seu conhecimento e de sua ação. O “subjetivo”, humano, contém assim – no coração de seu próprio movimento – o carecimento, a necessidade da natureza. Na ação produtora e no conhecimento, ele resolve incessantemente esse conflito, que sempre renasce, entre o sujeito e o objeto (entre o homem e a natureza). Ele tende para a absoluta identidade (o conhecimento e a posse completa da natureza). Aqui, sob esse ângulo, a idéia aparece como unidade do sujeito e do objeto (com o acento posto sobre o objeto), ou seja, do homem concreto e vivo com a natureza material. Por conseguinte, a idéia é ao mesmo tempo a idéia do homem e a idéia da natureza (com o acento posto sobre a natureza, isto é, insistindo sobre a realidade e a prioridade da natureza). Incorporado à ciência, este comportamento implica um afastamento do homem da natureza de que participa. Cada ramo do conhecimento passa a ser pensado separadamente, como fragmentos desarticulados, desconsiderando o todo e a relação com a natureza. Vale lembrar, como o faz Leff (2002, p.66): As ciências não vivem num vazio ideológico. Tanto por sua constituição a partir das ideologias teóricas e as cosmovisões do mundo que plasmam o terreno conflitivo das práticas sociais dos homens, como pelas transformações tecnológicas que se abrem a partir das condições econômicas de aplicação de 242 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 conhecimento, as ciências estão inseridas dentro de processos ideológicos e discursivos onde se debatem num processo contraditório de conhecimento/ desenvolvimento, do qual derivam sua capacidade cognoscitiva e seu potencial transformador da realidade. A articulação destes processos de conhecimento com os processos institucionais, econômicos e políticos que condicionam o potencial tecnológico e a legitimidade ideológica de suas aplicações está regida pelo confronto de interesses opostos de classes, grupos sociais, culturas e nações. Se o conhecimento científico, produzido pelos cientistas, e aquele veiculado na escola representam “diferentes padrões de produção de conhecimento”, é certo que a escola realiza “uma espécie de tradução desse conhecimento [científico] ao ser divulgado na sociedade”, afirma Graça Aparecida Cicillini (2002, p. 39-40), que prossegue: O conhecimento divulgado na escola é um tipo de conhecimento peculiar. Além das características próprias de sua produção no ambiente de sala de aula, ele também é produto da interação com outras formas de conhecimento produzidas em diferentes instâncias. Existe um conhecimento biológico produzido pela comunidade científica. Atualmente essa produção ocorre com freqüência tanto nas instituições universitárias, nos institutos de pesquisa, quanto nas indústrias. Contudo o domínio desse conhecimento é privilégio de poucos, ou seja, da comunidade que o produz e de quem utiliza essa produção. Deve-se observar, porém, que parte desse conhecimento é apropriado pela sociedade. Mas essa apropriação não ocorre do mesmo modo pelo qual esse conhecimento foi produzido. Apropriando-se do conhecimento social, os grupos detentores do poder político e econômico procuram orientar a escola segundo seus interesses. Eles não desejam discutir o saber, na perspectiva de uma relação harmônica homem-natureza, contrária à idéia de “desenvolvimento a qualquer custo” que defendem. Luís Rigal (2000, p. 175) comenta a implantação desse modelo escolar na América Latina: A escola da modernidade na América Latina esteve marcada por tal tradição: a formação de uma cidadania capaz de se somar ao processo social do momento constituía a meta fundamental da instituição escolar. Transmissora por excelência de uma cultura homogênea, sem brechas, nem diferenças, aspirava assim a produzir um tipo de sujeito apto a adaptar-se às exigências políticas e sociais que a classe dominante perseguia. Entretanto, como adverte Ciccilini (2002, p. 45), “a escola deve ser considerada como uma instituição representativa da sociedade [...] não apenas reproduz as ideologias, mas também apresenta formas de resistência à inculcação ideológica”. A escola vê-se, então, confrontada com o desafio lançado por educadores e educandos que defendem uma nova prática pedagógica e um currículo que expresse o abandono da ideologia e a ação prática de produção do conhecimento a partir da realidade e dos problemas “cotidianos”. Dada a recorrência do termo “cotidiano” na literatura de EA, cabe aqui um parêntese sobre as armadilhas que seu emprego comporta. A Teoria do Cotidiano, exposta por Agnes Heller (1989), afirma que a cotidianidade, apesar de sua aparente riqueza, quando invade outras esferas da realidade, como a escola, o faz por já se ter tornado um espaço de alienação. Assim, o trabalho realizado pela 243 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... educação escolar formal deve participar da vida não cotidiana dos indivíduos, já que a cotidianidade, por seus caracteres de espontaneidade, pragmatismo, economicismo, analogia, precedentes, juízo provisório e ultrageneralização, não possibilita a plena apropriação da cultura humana. A alienação da cotidianidade impede a sua própria explicitação. A superação da consciência espontânea, do senso comum, em favor de uma consciência crítica, supõe a unidade teoria-prática. Tais armadilhas não têm implicações apenas teóricas, mas implicações práticopedagógicas bastante precisas, que redundam na pauperização do ensino. A inserção consciente na vida social depende do grau de compreensão e crítica dos mecanismos que regem as relações sociais, que é mediado pelo conhecimento intelectual e a “socialização do saber”, facultados pela escola. O desenvolvimento da consciência crítica não se faz sem uma fundamentação teórica que permita a análise das práticas sociais e vice-versa, em uma dialética de ação-reflexão-ação. É assim que o comprometimento escolar com a interação plena educador-educando-natureza, demandante de um novo modelo de escola e de um novo currículo, exige uma robustez teórico-metodológica que o sustente. Desse modo, de início, há que se saber o que é, efetivamente, EA e que tipo de educação queremos. O que é Educação Ambiental? Que Educação Ambiental? O conceito de EA foi, inicialmente, definido na Conferência Intergovernamental sobre a Educação Ambiental, realizada em Tbilisi, Geórgia, ex-república soviética em 1977. A Conferência de Tbilisi propôs uma ação pedagógica orientada para a solução de problemas ambientais concretos por intermédio de enfoques interdisciplinares e da participação ativa de cada indivíduo e da coletividade (UNESCO, 1980). Essa Educação definiu-se, destarte, como resultado de uma reorientação e articulação de diversas disciplinas e experiências. Na Conferência de Tbilisi, tentou-se obter um mínimo de uniformidade de procedimentos, por intermédio da conceituação de meio ambiente e da definição dos objetivos, características, recomendações e estratégias da EA. O meio ambiente, consoante às definições de Tbilisi, abrange tanto os recursos naturais do nosso planeta quanto às instituições e valores historicamente construídos. Esta conceituação explicitou a necessidade de se incorporarem as dimensões social, ética, cultural, política e econômica, de modo interdisciplinar/transversal, tanto na resolução dos problemas ambientais, quanto nas atividades de ensino/pesquisa em EA. Como se constata, para combater a crise ambiental, reconheceu-se nessa Educação seu elemento crítico e destacou-se a necessidade do homem recompor suas prioridades. Nesse contexto, o treinamento de professores e o desenvolvimento de novos recursos instrucionais e métodos revelaram-se como necessidades prementes ao desenvolvimento da EA. Foi este o sentido da conceituação de EA, estabelecida pelo Conselho Nacional do 244 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 Meio Ambiente – CONAMA: “um processo de formação e informação, orientado para o desenvolvimento da consciência crítica sobre as questões ambientais, e de atividades que levem à participação das comunidades na preservação do equilíbrio ambiental” (CONAMA, s.d. apud DIAS, 1992, p.31). Avançando nas distintas conceituações, Nana Medina (1998 p. 69) elabora uma conceituação de EA que concilia a questão ambiental com a eliminação da pobreza extrema e a melhoria da qualidade de vida. Educação Ambiental é o processo que consiste em propiciar às pessoas uma compreensão crítica e global do ambiente, para elucidar valores e desenvolver atitudes, que lhes permitam adotar uma posição consciente e participativa a respeito das questões relacionadas com a conservação e adequada utilização dos recursos naturais, para melhoria da qualidade de vida e a eliminação da pobreza extrema e do consumidor desenfreado. (MEDINA, 1998 p. 69) As várias definições de EA coincidem na afirmação da necessidade de uma visão holística do real e na abordagem integradora que essa necessariamente demanda. De fato, a sua introdução na grade curricular promete “conduzir os cidadãos/educandos a uma conscientização construída, além de possibilitar sua ampliação da visão de mundo, a superação do antropocentrismo estreito e a educação do homem na sua integridade”, por meio de “uma prática pedagógica interdisciplinar e transdisciplinar” (PONTES JUNIOR et al., 2002, p. 88). Essa inovação educacional propõe-se a formar cidadãos conscientes, capazes de tomar decisões incidentes sobre a realidade socioambiental, de forma comprometida com a vida do planeta. Por seu caráter intrinsecamente interdisciplinar, ela valoriza a ação pedagógica. Por tratar de problemas vividos, e não abstratos, promove a criatividade e a inovação, em um permanente diálogo entre ensino e aprendizagem, que ocorre tanto em espaços formais quanto informais. A EA formal tem por locus a escola, realizando-se na rede de ensino, por meio da atuação curricular, tendo como referência pedagógica os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1998). Já a EA informal se dá por intermédio de campanhas nos meios de comunicação de massa que objetivam alterar padrões de comportamento danosos à natureza, difundindo atitudes que levem ao conhecimento e compreensão dos problemas ambientais e a conseqüente sensibilização para a preservação da natureza. A EA escolar caracteriza-se como uma inovação educativa que envolve toda a comunidade escolar e que não pode se configurar como uma nova disciplina. Leff (2002, p.72) comenta: O ambiental aparece como um campo de problematização do conhecimento, que induz um processo desigual de ‘internalização’ de certos princípios, valores e saberes ‘ambientais’ dentro dos paradigmas tradicionais das ciências. Este processo tende a gerar especialidades ou disciplinas ambientais, métodos de análise e diagnóstico, assim como novos instrumentos práticos para normatizar e planejar o processo de desenvolvimento econômico sobre bases ambientais. Entretanto, esta orientação ‘interdisciplinar’ referente a objetivos ambientais 245 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... não autoriza a constituição de um novo objeto científico – o ambiente – como domínio generalizado das relações sociedade – natureza. A inserção da EA na grade curricular inaugura um processo de ruptura com a caracterização histórica da escola. Tradicionalmente, a educação incentiva além da aceitação, a obediência ao que é transmitido pelo mestre ou indivíduo mais velho e experiente. O resultado comum é o desenvolvimento de posturas rebeldes, que normalmente se manifestam de forma agressiva. A passividade é outra postura freqüente: Indivíduo aceita o que é ensinado, sem questionar. O respeito esperado pelo professor tradicional ignora a individualidade, a diversidade e a riqueza que todo indivíduo já traz, por mais simples que seja sua origem. O mestre deveria incentivar trocas continuamente para que o aluno se sinta valorizado em sua individualidade, o que facilitaria a construção de processos coletivos de empatia, respeito e colaboração (PÁDUA, 2002, p. 54). A contestação ao modus operandi da escola tradicional ocorre porque o entendimento da EA não se dá apenas no campo teórico, mas pressupõe a abertura para novas idéias, a capacidade do professor-educador de colocar-se no nível do educando, vivenciando seus problemas e proporcionando-lhe meios para a construção do conhecimento. Isso significa romper com os dogmas e “verdades” arraigadas na escola tradicional, abrindo horizontes para o respeito às liberdades individuais, à inventividade e às potencialidades dos educandos, na maioria das vezes, sufocadas pela escola. Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos “conhecimentos de experiência feitos” com que chegam à escola (FREIRE, 1997, p. 71). Ao se incorporar a dimensão ambiental no ensino formal, caminha-se para práticas interdisciplinares que aprofundem o conhecimento das questões ambientais, o que não necessita ser formalizado em uma disciplina, pois se embasa na interação com todas as outras disciplinas. Os PCNs (BRASIL, 1998) introduziram a temática ambiental no currículo do Ensino Fundamental, como tema transversal, que deve perpassar todas as disciplinas escolares, e a posterior Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA (BRASIL, 1999) –, estendeu essa política a todos os níveis de ensino. Os PCNs apontam, como um dos objetivos gerais do ensino fundamental, que os alunos sejam capazes de perceberem-se integrantes, dependentes e agentes transformadores do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente. Já na PNEA, foram definidos os princípios, objetivos, as obrigações do governo, empresas, instituições de um modo geral, as modalidades, o papel do ensino formal e não formal na EA. O trabalho pedagógico de forma transversal torna o aprendizado mais dinâmico, explicitando (e alterando) valores e incluindo procedimentos vinculados à rotina de educadores e educandos. Ainda que as Ciências Naturais, a História e a Geografia surjam 246 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 como tradicionais parceiras da temática ambiental, esta pode e deve abarcar quase todas as outras disciplinas pela discussão do tema e pela geração de textos e programas de atividades correlatas. Seja ou não formal, a EA demanda um enfoque interdisciplinar, uma perspectiva global e equilibrada, que se acha na cooperação/interação entre todas as disciplinas ou campos de atuação do tema, sendo importante a abordagem dos seus aspectos sociais, matemáticos, históricos, geográficos, das línguas, artes e filosofia. Diferentes estratégias pedagógicas permitem o desenvolvimento de métodos e técnicas de ensino capazes de dotá-la de um caráter multiplicador. A prática da EA demanda uma múltipla visão dos fenômenos e uma atuação catalisadora do conhecimento das questões ambientais. Mas, para trabalhar neste nível, essa práxis necessita incorporar a crítica das relações na sociedade e desta com a natureza, voltando-se para a complexidade, absorvendo diferenças em uma busca coletiva de avanços para os problemas ambientais globais. Analisadas as distintas conceituações de EA, vale ressaltar as diferentes concepções de meio ambiente que permeiam os seus projetos e/ou atividades. Essas diferenças podem caracterizar a EA como um “adestramento ambiental”, como uma educação para a democracia ou ainda como uma educação “subversiva, que busca a tentativa de implantar um projeto transformador, traduzido pela inserção da racionalidade ecológica no núcleo ideológico de nossa sociedade” (LAYRARGUES, 1999, p. 141). Paula Brügger (1994), ao destacar que EA não é igual ao ensino de ecologia, define a perspectiva preservacionista como “adestramento ambiental”, pois visa unicamente a uma mudança de comportamento individual e não de valores societários. Parte expressiva dos projetos/atividades de EA no Brasil privilegia uma perspectiva reducionista da temática ambiental, fundamentando-se nos aspectos biológicos do ambiente e numa concepção preservacionista, que ignora o homem e as relações sociais. A preponderância dessas abordagens faz-se acompanhar por práticas destituídas de referenciais teórico-metodológicos e de um questionamento de seus determinantes. Vale aqui indagar, como o fazem Victor Novicki e Maria Maccariello (2007, p. 1): A quem interessa defender uma abordagem reducionista (naturalista) da questão ambiental? Quais interesses procuram ocultar os determinantes sociais, políticos, éticos, culturais e econômicos da degradação ambiental? Se todo e qualquer problema ambiental é causado por nosso modo de produzir e consumir mercadorias (inclusive a natureza) e, dialeticamente, se os efeitos ou custos ambientais desta degradação afetam os seres humanos de modo desigual e combinado, segundo seu lugar no modo de produção capitalista, que ideologia esforça-se em separar artificialmente sociedade e natureza? Além do naturalismo preservacionista, que se regula pela dicotomia homem-natureza, encontramos outras propostas demarcadas pelo tecnicismo, que apontam as soluções técnicas, de manejo e gestão dos recursos naturais, como a solução da crise atual, ignorando os seus aspectos políticos e econômicos. O privilegiamento da razão técnica repete os 247 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... esquemas de reprodução do capital impulsionadores dessa crise. Em verdade, trata-se de implementar uma modalidade de consumo perdulária, mas com uma vaga preocupação ambiental, expressa na fabricação de automóveis menos poluentes (em oposição à criação de ciclovias ou à melhoria do transporte público) ou em métodos de reciclagem (não de produtos mais duráveis). Outra corrente teórica procura sacralizar o meio ambiente, desconsiderando a dinâmica natural e a ação antrópica. A abordagem do “arcaísmo-naturalista” é pautada na nostalgia pelo passado, na valorização de ideais perdidos, no discurso do retorno à natureza. Para os adeptos dessa corrente teórica, a produção humana só tem sentido se garantir e desenvolver a biodiversidade, daí sua ênfase nas “culturas tradicionais”. Já a abordagem socioambiental, consoante às indicações da Conferência de Tbilisi, apresenta “uma visão da realidade bastante crítica, demonstrando que as origens da atual crise ambiental estão no sistema cultural da sociedade”, sociedade essa “pautada pelo mercado competitivo como a instância reguladora da sociedade, fornece uma visão de mundo unidimensional, utilitarista, economicista e a curto prazo da realidade” (LAYRARGUES, 1999, p.132). Essas diferentes concepções de mundo, educação e homem implicam distintos e antagônicos projetos educacionais. Se é consensual a constatação da gravidade da crise socioambiental e da necessidade de intervir sobre ela, os objetivos, princípios e diretrizes de atuação em EA revelam-se bastante diferenciados em cada uma dessas perspectivas teóricas. A homogeneização e superficialização do discurso, desconsiderando tais contradições, apontam no sentido da “cotidianização” dessa Educação e na concomitante perda do seu caráter crítico. Contra a tendência preservacionista, que trata a humanidade como deflagradora e vítima da crise ambiental, a vertente socioambiental identifica sujeitos sociais específicos com níveis diferenciados de responsabilidade sobre ela. Ao mesmo tempo, ela defende uma ação pedagógica transformadora/crítica, propiciadora do exercício da cidadania. Nesse ponto, a ação pedagógica interdisciplinar em EA transmuta-se em ação política, que desencadeia uma dinâmica de ação-reflexão dos sujeitos sociais que, em suas práticas, na interação com seus semelhantes, transformam a natureza pelo trabalho e são por ele transformados. A Educação Ambiental na trans/inter/multidisciplinaridade Como toda inovação, a EA demanda tempo e preparo para sua utilização. Exige a formação permanente dos responsáveis pelas mudanças, a análise da instituição escolar e o conhecimento das relações intra-escolares e dos diversos sujeitos sociais envolvidos. Nesse contexto, a escola emerge como espaço de mediação entre o interno e o externo, o conhecido e o por conhecer. A introdução da EA no currículo envolve interesses econômicos, políticos e 248 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 ideológicos e demanda debates aprofundados para unificação das razões, conseqüências e objetivos desta prática pedagógica. Medina (2002, p. 73) afirma: A escola gerencia e possibilita complexas relações entre pessoas, tanto internas como externas, com interesses e diversas expectativas, grupos de poder que definem a micropolítica institucional e relações pessoais conflitivas, diversos tipos de tensões e grupos de pressão diferenciados que produzem em seu conjunto a cultura do centro educacional. Aqui vale ressaltar que a disciplinarização e a fragmentação do conhecimento estão a serviço da manutenção do stablishment por negarem a educandos e a educadores a ligação dos saberes e a produção do novo conhecimento. Nesse sentido, Oliveira (2002, p. 61-62) afirma: A pedagogia moderna, embalada pelo contexto da cientificidade, permitiu a especialização dos profissionais da educação, a divisão da carga horária, a especificidade dos materiais didáticos, etc. No currículo disciplinar tudo pode ser controlado: o que o aluno aprende, como aprende, com que velocidade o processo acontece e assim por diante. [...] E é nesse contexto que, mais uma vez, a pedagogia apropria-se do pensar das ciências exatas, que buscavam a religação das fronteiras das ciências. Para se superar esse quadro deformante, a prática em EA requer o entendimento de quatro parâmetros fundamentais: transversalidade, transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade. A transversalidade volta-se contra a formalidade dos conteúdos, fazendo a escola repensar valores e atitudes, de forma a garantir uma dimensão político-social do trabalho pedagógico. Rompe-se, destarte, com o confinamento da atuação formal dos educadores e ampliam-se suas responsabilidades com a formação dos educandos, por intermédio do trabalho contínuo no decorrer de toda a escolarização. O ambiente é apenas um dos temas importantes para a formação do educando, mas, trabalhado de forma transversal, pode articular uma integração maior da comunidade escolar, colaborando para que o processo pedagógico se torne mais prazeroso e resulte em ações práticas que venham ao encontro das necessidades da escola, do bairro, do planeta. Para tanto, há que se traçar metas bem definidas, definir estratégias de ação e estabelecer o papel de cada um, pois, como ressaltam os PCNs, o tema Meio Ambiente [...] pode ser mais amplamente trabalhado quando mais se diversificarem e intensificarem a pesquisa de conhecimentos e a construção do caminho coletivo de trabalho, se possível com interações diversas dentro da escola e desta com outros setores da sociedade (BRASIL, 1998, p 192). A interdisciplinaridade argüi a divisão compartimentada dos conteúdos. Transversalidade e interdisciplinaridade são termos complementares: enquanto a transversalidade refere-se à dimensão e à possibilidade da didática estabelecer uma relação entre assimilar os conhecimentos sistematizados (aprender na e da realidade), a 249 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... interdisciplinaridade constrói uma abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento, necessária pois [...] para que os alunos construam a visão da globalidade das questões ambientais é necessário que cada profissional de ensino, mesmo especialista em determinada área do conhecimento, seja um dos agentes da interdisciplinaridade que o tema exige. A riqueza do trabalho será maior se os professores de todas as disciplinas discutirem e apesar de todo o tipo de dificuldades encontrarem elos para desenvolver um trabalho conjunto. Essa interdisciplinaridade pode ser buscada por meio de uma estruturação institucional da escola, ou da organização curricular, mas requer necessariamente, a procura da superação da visão fragmentada do conhecimento pelos professores especialistas (BRASIL, 1998, p 193). Já a transdisciplinaridade implica que os temas fundamentais para a construção do conhecimento sejam inerentes a todos os saberes numa perspectiva multidisciplinar. A visão transdisciplinar é aberta na medida em que ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu diálogo e sua reconciliação não somente com as ciências humanas mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual. Nesta perspectiva, o ambiente pode constituir-se num tema transversal que cimente todas as disciplinas e preencha as rachaduras da fragmentação dos conteúdos curriculares. Considerando que uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento, mas contextualizar, concretizar e globalizar o saber, a educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos. Se, na interdisciplinaridade, os interesses próprios de cada disciplina são preservados, os princípios da transversalidade e da transdisciplinaridade buscam superar o conceito de disciplina, por intermédio de um tema/objetivo comum (transversal). Leff (2002, p.72), porém, alerta-nos: No entanto, não é fácil abandonar a tendência a pensar o ambiente como um campo de atração e convergência no conhecimento, de submissão das ciências ante um projeto integrador. O meio, no final das contas, é uma rede de relações capaz de agrupar todo o saber em busca de seu objeto, é o plasma onde se dissolve ou coagula aquele excedente de saber que ultrapassa o campo do conhecimento científico. A temática ambiental emerge como importante ferramenta para a revitalização da escola, no momento em que a educação enfrenta uma série de debates sobre as lacunas criadas pela “sociedade global”. Finn et al. (1980 p. 187) comentam alguns dos aspectos desses debates, que, atingindo em cheio a educação, difundem a idéia da “crise”: Em análises de sistemas educacionais é útil distinguir dois aspectos. Na literatura disponível esses aspectos estão freqüentemente divorciados, mas na verdade devem ser vistos em conjunto. O primeiro aspecto é o trabalho das próprias escolas e faculdades; suas estruturas institucionais, sua disposição de conhecimento, suas relações pedagógicas, suas culturas e organização informais. Designamos esse aspecto de trabalho ideológico da própria escola. Mas, em segundo lugar, estes 250 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 aspectos primários são também objeto de definições e práticas mais amplas. Este debate sobre educação é freqüentemente construído a alguma distância dos processos que ele pretende descrever. Este debate, contudo, através das políticas, exerce um efeito real sobre o próprio sistema educacional. Ele também faz parte de um discurso político geral. Em formas desenvolvidas do Estado democrático (que pressupõe uma cidadania igual) os debates sobre educação são partes de uma história de hegemonia; são uma instância regional do processo de solicitação da anuência dos governados (FINN et al., 1980, p. 187). Neste contexto, a escola, que difundiu o industrialismo depredador e segmentou o saber, adota a temática ambiental como virtual preenchedor do vazio da produção de novos conhecimentos, a partir da criação de um canal de diálogo com a comunidade externa. Penteado (2000, neste sentido, assevera: A formação da consciência ambiental de nossa juventude e o desenvolvimento do exercício de sua cidadania passa pela transformação da escola formadora. Esta será aquela que formos capazes de construir a partir da consciência ambiental que temos e das participações escolares que formos capazes de coordenar no dia-a-dia do nosso trabalho escolar, organizando o processo de ensino num amplo processo de comunicação escolar (PENTEADO, 2000, .p 164). Oliveira (2002, p. 66) afirma que, para que isso ocorra, [...] deve-se ser levada em conta a relação entre a escola e o espaço em que ela está inserida. Ela deve estar conectada com as questões mais amplas da sociedade e com os movimentos de defesa da qualidade do ambiente, incorporando-os com as suas práticas, relacionando-os com seus objetivos. A EA surge como resposta ao projeto epistemológico positivista e homogeneizador do mundo, inserindo-se entre as reivindicações por democracia, equidade, justiça, participação e autonomia, que questionam a concentração do poder do Estado e do mercado. Eclode, assim, como uma outra racionalidade social, orientada para novos valores e saberes, além de modos de produção em bases ecológicas e com significados culturais, guiados por novas formas de organização democrática. O engajamento do cidadão e a percepção dos problemas ambientais locais são o primeiro passo para o sucesso das atividades em EA, de acordo com os princípios da Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1980): • Consciência - para ajudar os indivíduos e grupos sociais na busca da progressiva assimilação da consciência necessária dos problemas do meio ambiente global; • Conhecimento - para adquirir uma diversidade de experiências e a compreensão fundamental do meio ambiente e dos problemas que o afetam; • Comportamento - comprometimento com os valores éticos, tal que os indivíduos se sintam interessados pelo meio ambiente, participando assim da proteção e da melhoria ambiental; · 251 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... • Habilidades - para adquirir as habilidades necessárias para a correta identificação e resolução de problemas ambientais; • Participação - visando a proporcionar a participação ativa nas tarefas que busquem resolver os problemas ambientais. Nesta abordagem, é imprescindível sintonizar as diferentes realidades políticas, econômicas, sociais, culturais e ecológicas da localidade. A EA deve objetivar a construção de novas relações sociais, econômicas e culturais, relações de respeito às minorias étnicas e às populações tradicionais, à mulher e a liberdade para edificar alternativas de desenvolvimento sustentável, respeitando os limites dos ecossistemas. É mister definir-se o foco de assuntos a serem abordados em EA, de maneira que a ação pedagógica seja pautada no ensino contextualizado, abordando o tema da questão da distribuição e do uso dos recursos naturais. Há que se integrar o conhecimento sistematizado e a realidade dos sujeitos sociais envolvidos, levando à sensibilização, ao comprometimento e à consciência ambiental, bem como desenvolvendo competências, tais quais a análise, decisão, planejamento e pesquisa, bases para o pleno exercício da cidadania. A constituição de um quadro de professores capacitados para formar multiplicadores em EA tem primordial importância para a criação de subsídios teóricos e metodológicos à sua inserção curricular. Visa-se, destarte, a uma matriz de problemas sócio-ambientais de sua região, com o intuito de promover a sua inserção transversal nos currículos. É comum que a problemática ambiental seja atribuída à “falta de educação” dos pobres. Focalizando casos isolados, tenta-se jogar o ônus da crise ambiental, gerada pelo modelo de produção capitalista, nos ombros dessa população. É fundamental alterar esta visão da realidade que vigora, especialmente, nas escolas públicas da periferia. Tal visão é produzida pela lógica de reprodução do capital, por seus aspectos políticos, econômicos e sociais, nos quais estão mergulhados quer educadores quer educandos. Desta forma, deve levar-se em conta as contradições do modo de produção capitalista. Formações ideológicas aparecem no terreno da problemática ambiental como processos de significação que tendem a “naturalizar” os processos políticos de dominação e ocultar os processos econômicos de exploração provenientes das relações sociais de produção e das formas de poder que regem o processo de expansão do capital. Desta maneira, pretende-se explicar e resolver a problemática ambiental por meio de uma análise funcional da sociedade, inserida como um subsistema dentro do ecossistema global do planeta (LEFF, 2002, p. 67). Não se pode exigir qualquer compromisso com a problemática ambiental de uma população que não vê solução a problemas muito mais graves, que incidem, mesmo, sobre a relação ensino-aprendizagem. Penteado (1997), igualmente, lança seu olhar sobre essas questões: O cidadão comum passa nesta versão como o agente poluidor e destruidor, como se depreende, por exemplo, de campanhas televisivas de verão voltadas para a manutenção da limpeza das praias, ou de campanhas publicitárias, ao 252 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 longo do ano, para a venda de produtos supostamente não agressivos à natureza, como os biodegradáveis. Sem considerar o que de verdadeiro existe em cada uma dessas óticas, padecem de uma visão epistemológica: a científica, atendose a uma abordagem naturalista da questão, e a cultural, limitando-se a uma abordagem industrialista. [...] Assim, uma vez desencadeado o processo de informação a respeito, a resolução da degradação ambiental seria uma ‘decorrência natural’. [...] Quem são os mais significativos agentes poluidores, pela extensão e abrangência dos estragos? Quais os comportamentos e/ou ações precisam ser desenvolvidos, e por quem, por que agentes sociais, para reverter esta situação? (PENTEADO, 1997, p. 9-10) Neste quadro, é preciso retomar uma prática afetiva em que os sujeitos da prática educacional assumam-se em sua plenitude. Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumirse. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito por que capaz de reconhecer-se como objeto (FREIRE, 1997, p. 46). A prática crítico-educativa, proposta por Paulo Freire (1997), permite inovar a dinâmica de ensino-aprendizagem, inserindo-a no dia-a-dia dos educandos e da própria comunidade, em que a escola se insere. A análise crítica da realidade (ambiental), que transita entre as escalas do global ao local, deve envolver toda a prática em EA. A perspectiva ambiental deve remeter os alunos à reflexão sobre os problemas que afetam a sua vida, a de sua comunidade, a de seu país e a do planeta. Para que essas informações os sensibilizem e provoquem o início de um processo de mudança de comportamento, é preciso que o aprendizado seja significativo, isto é, os alunos possam estabelecer ligações entre o que aprendem e a sua realidade cotidiana, e o que já conhecem (PONTES JUNIOR et al., 2002, p. 88). É necessário salientar que “todo ser vivo ocupa um nicho dentro da teia da vida”, apesar de o ser humano ter há muito se distanciado “da natureza e de suas origens biológicas”, esquecendo-se de que “não vivemos sem a natureza porque ela faz parte, ou melhor, ela está no âmago do nosso ser” (PÁDUA, 2002, p. 53). A retomada de uma visão integradora do mundo representa um passo fundamental no sentido da ruptura com a fragmentação e compartimentação dos conteúdos. Para tanto, a EA deve ser trabalhada numa relação dialógica entre educadores/educandos e a realidade da escola e das comunidades circunvizinhas. Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária digamos “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A 253 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... ética de classe embutida neste caso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada a ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos. (FREIRE, 1997, p. 33-34) O professor-pesquisador deve estar aberto às relações aprender/ensinar e ensinar/ aprender que envolvem os saberes adquiridos e produzidos pelos educandos, assentados na realidade, nos costumes, nas contradições, sentimentos e emoções das suas comunidades, o que leva ao estabelecimento de prioridades, seleção e adequação dos conhecimentos produzidos na academia à realidade escolar. Considerações finais Em meados do século XX, são inegáveis os impactos da ação antrópica sobre o ambiente, provocando um desequilíbrio sem precedentes nas forças que mantêm em equilíbrio os ecossistemas terrestres e colocando em risco a existência das espécies e, dentre elas, a do próprio homem. A crise ambiental, progressivamente, desvela-se colapso da civilização ocidental urbano-industrial. Em uma das pontas dessa falência de cunho civilizatório, estão a ciência moderna, o positivismo, a escola tradicional e a fragmentação/compartimentação dos conteúdos curriculares por ela adotada. Advém, por conseguinte, dessa gênese a importância e a necessidade de se incorporar a EA ao currículo escolar. A escola precisa estar alerta para o estudo aprofundado das questões ambientais, contribuindo com informações, propondo pesquisas em sala de aula ou fora dela, de tal maneira que os estudantes possam trabalhar com documentos existentes e produzir novos que os auxiliem na reflexão e solução de certas questões. O propósito não é acrescentar uma nova disciplina, mas oferecer informações no interior de cada uma das disciplinas escolares ou em projetos interdisciplinares, com a intenção de despertar a consciência dos alunos e professores para uma questão que depende de cada um de nós, de ações públicas, institucionais e particulares. Nesse sentido, é relevante o papel dos educadores, no sentido de desenvolver um projeto didático-pedagógico que englobe a EA em uma perspectiva transversal, interdisciplinar e multidisciplinar dos conteúdos curriculares. Desta forma, é possível dar-se um grande passo na construção de uma escola transformadora, solidária e criadora de sujeitos construtores do conhecimento. Essa Educação pode servir de importante instrumento que possibilite uma maior integração entre escola e comunidade, construindo, dessa forma, a elação dialógica entre educadores (as), educandos (as) e comunidade. A EA deve ser capaz de romper a camisa de força que a mantém aprisionada a velhos e falsos conceitos, que em última instância visam às reformas nos marcos do capital. Hoje, existe uma gama de organismos oficiais, organizações não governamentais ambientalistas, ecologistas e correntes pedagógicas que se reivindicam do debate ambiental. Os “especialistas” do complexo campo de investigação das temáticas ambientais repetem, 254 Terra Livre - n. 28 (1): 239-256, 2007 por caminhos diferentes, os mesmos discursos. Distintamente, a EA pautada por uma abordagem socioambiental/crítica tem por finalidade a formação política de cidadãos, sua participação ativa na formulação e implementação de políticas públicas, voltadas para a reversão do quadro de degradação socioambiental. Trata-se de alterar a relação entre a sociedade e os bens naturais, contrapondo-se à gramática política autoritária, dominante no Brasil e assumindo o papel de “Educação Ambiental para a democracia”. Pensar na degradação ambiental de forma coerente e séria é pensar na complexidade ambiental, é descartar os discursos superficiais do “politicamente correto”, da “preservação da ararinha azul, do mico leão dourado ou do boto cor de rosa”, do “ecologicamente correto” do “tomar consciência de”, pelo contrário, é assumir a (re)flexão epistemológica sobre a relação natureza-sociedade, é levar às últimas conseqüências este debate. A problemática ambiental é uma questão política e como tal deve ser tratada. É na prática social que os indivíduos desenvolvem suas consciências. Aceitação, resistência, alienação e interação são produtos dessa ação no mundo e das determinações histórico-sociais. Desta forma, a análise ambiental deve incorporar “coletivismo” e “individualismo” metodológicos, considerando a articulação dos fenômenos individuais (crenças íntimas, escolhas etc.) e coletivos (“grupos de interesse”, “classes”, sociedade etc.). Nessa perspectiva, ao mesmo tempo busca-se reconhecer a especificidade do indivíduo e não fazer do consenso o resultado de uma interação na qual desaparecem as distinções entre os mesmos. É a articulação entre a teoria e o mundo vivido que impede a invasão da escola pela cotidianidade, que a alienação da sua própria explicitação. Há que se superar a consciência espontânea, construída no cotidiano, em prol de uma consciência crítica. A escola deve apropriar-se do cotidiano, mas não ser absorvida por ele, o que pressupõe a unidade teoria-prática e a robustez teórico-metodológica. Por outro lado, uma EA pautada por uma abordagem socioambiental/crítica não pode exigir daqueles colocados à margem da utilização dos recursos naturais, a aceitação de padrões preestabelecidos por aqueles que se utilizam, a seu bel prazer, dos recursos da natureza, como forma de mercantilizá-la, colocando-a a serviço da reprodução do capital e gerando o bem estar para uma pequena parcela da população mundial. A consciência ambiental pressupõe democracia e participação social e isto envolve também um trabalho de construção de uma sociedade justa e igualitária. As questões ambientais integram-se às conquistas sociais pelo direito à qualidade de vida para todos e não para uma pequena parcela da população. Na abordagem teórica crítica, que assumimos, a EA significa ação política. Nesse sentido, a construção da relação dialógica escolacomunidade se faz, mais do que necessária, imprescindível. Referências ADORNO, Theodor W. La ideología como lenguaje: la jerga de la autenticidad. 6. ed. Tradução 255 FONSECA, V. M. DA; BRAGA, S. R.; CICILLINI, G. A. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL... de Justo Pérez Corral. Madri: Taurus, 1982. BRANCO, Samuel M. O meio ambiente em debate. São Paulo: Moderna, 1988. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: geografia. Brasília, 1998. ______. Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília: Imprensa Nacional, 1999. BRÜGGER, Paula. 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Recebido para publicação dia 18 Abril de 2007 Aceito para publicação dia 20 de Agosto 2007 256 RESENHA 257 258 Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação, Geografia, Interdisciplinaridade CLÁUDIA LUÍSA ZEFERINO PIRES Doutoranda em Geografia (UFRGS), Professora e Coordenadora do Curso de Geografia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) [email protected] Quando circulamos no espaço da cidade, em ritmo apressado, mais lento, com cuidados ou de forma indiferente, não nos damos conta da riqueza, da complexidade, da beleza e dos desafios que se anunciam por meio de um simples “estar disponível” para perceber que existem outras formas de ser nesses mesmos territórios. Talvez olhemos os outros como parte de um cenário de coadjuvantes: nós no centro e sobre os demais nossos preconceitos, nossos poderes, nossas soberbas. Isso em nome de muitas filiações, quer de ordem acadêmica/científica, religiosa, política, quer de senso comum cristalizado. Nilton Bueno Fischer O livro Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais – Educação, Geografia e Interdisciplinaridade, publicado em 2006 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e organizado por Nelson Rego, Jaqueline Moll e Carlos Aigner, apresenta reflexões e vivências de educadores, geógrafos e profissionais de diversas áreas (comunicação, psicologia social, artes, etc.) que estabelecem diálogos interdisciplinares na perspectiva de uma educação inclusiva e emancipadora. A geografia do local, em vários contextos, está em destaque nessa obra em que o lugar é o centro a partir do qual podem ser realizadas as diversas ressignificações do mundo vivido. Em diversos momentos, a leitura dos artigos presentes no livro leva à reflexão sobre a importância do conhecimento dos sujeitos (como protagonistas do lugar ao qual estabelecem vínculos de pertencimento) e espaços sociais para a elaboração de práticas educativas e ações sociais. A riqueza do trabalho está justamente na ênfase que é dada à noção de lugar e na idéia de uma produção de saberes transformadores da vida cotidiana. A compreensão do lugar é um dos caminhos para entender a complexidade do mundo vivido e buscar as articulações entre o local e o global na sociedade contemporânea. A idéia de complexidade é uma das perspectivas, também presente nessa obra, tratando os conhecimentos de forma interdisciplinar nas análises de ações educativas, cujos significados emergem da leitura do lugar. Essa leitura passa pela construção de um circuito interativo 259 PIRES, C. L. Z. RESENHA: SABERES E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS... com o lugar através de práticas e saberes (muitas vezes construídas e condicionadas pela realidade local) que se reconstituem na diversidade das apropriações espaciais. Muitas passagens do livro conduzem a instigantes reflexões que, com certeza, fazem o leitor modificar o seu olhar sobre sujeitos concretos que circulam nos espaços da cidade de Porto Alegre. São sujeitos que falam através de seu silêncio, de suas diferenças e de sua identidade sobre justiça social e exclusão. As identidades dos sujeitos e dos lugares se fundem gerando sentimentos de inclusão e exclusão. O estudo do lugar vivido tem a evidente preocupação de deslocar o centro do olhar do observador para entender o olhar dos sujeitos numa relação dialógica de construção de saberes, pois o lugar evoca relações afetivas e subjetivas que podem romper com uma visão fragmentada do espaço. A relevância da leitura da obra Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais está justamente nessa tentativa de olhar para a complexidade dos lugares e evitar uma visão fragmentada e reducionista, articulando local e global e demonstrando explicitamente a subjetividade das observações na relação sujeito e objeto. Na primeira parte do livro, intitulada Os estabelecidos e os outros: fluxos na construção e representação de territórios, merecem destaque as análises feitas pelos autores sobre os poderes estabelecidos, as culturas hegemônicas e as construções simbólicas que constituem territórios que podem promover processos de inclusão/exclusão. Já a segunda parte, intitulada Práticas educativas Instauradoras: os sujeitos e seu lugar no mundo, traz reflexões, relatos de projetos e vivências de práticas educativas que são denominadas de instauradoras, pois buscam a superação da realidade vivida através de ações transformadoras do presente. Pode-se perceber, nas duas partes do livro, a busca por releituras do lugar a partir de uma geografia vivida que possa iniciar ou fortalecer ações transformadoras para o exercício da cidadania e, também, a preocupação sempre presente com processos de segregação que levam à exclusão social. Os textos são apaixonantes tanto em seus relatos de experiências como nas reflexões que trazem explicitamente a fonte de seus referencias teóricos, articulando teoria e prática em diferentes níveis de abordagem. A aceleração contemporânea, possibilitada pelo desenvolvimento da técnica e da informação desafia as práticas de ensino de geografia, pois na medida em que o mundo torna-se globalizado, o lugar revela-se em ação imediata, porque nele se encontram as possibilidades mais próximas para compreensão do sujeito na relação sócio-espacial. O lugar assume importância fundamental porque ele representa o cotidiano, o localmente vivido, portanto, objeto de uma razão global. O lugar é uma categoria importante para a geografia e as ciências sociais, pois reflete a dinâmica das relações globais e a reconstitui cotidianamente numa interação perene e cada vez mais consolidada através do desenvolvimento tecnológico e da globalização econômica. No lugar observamos as 260 Terra Livre - n. 28 (1): 259-261, 2007 tessituras territoriais entrelaçadas por diferentes práticas sócio-culturais e apropriações concretas e simbólicas do espaço. Nesse sentido, Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e espaços Sociais é uma leitura indicada para todos que pretendem desenvolver ações educativas que promovam a cidadania ou que têm interesse em uma geografia atuante e transformadora que tem como desafio compreender as dinâmicas das relações espaciais a partir do cotidiano que passa a compor as redes sócio-espaciais e ambientais do mundo contemporâneo. Bibliografia FISCHER, Nilton Bueno. Prefácio. In: REGO, Nelson, MOLL Jaqueline e AIGNER, Carlos. (Org.). Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação, Geografia, Interdisciplinaridade. Porto Alegre: UFRGS, 2006. 261 262 NORMAS 263 264 Terra Livre - n. 28 (1): 264-270, 2007 REVISTA TERRA LIVRE NORMAS PARA PUBLICAÇÃO Terra Livre é uma publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) que tem por objetivo divulgar matérias concernentes aos temas presentes na formação e prática dos geógrafos e sua participação na construção da cidadania. Nela são acolhidos textos sob a forma de artigos, notas, resenhas, comunicações, entre outras, de todos os que se interessam e participam do conhecimento propiciado pela Geografia, e que estejam relacionados com as discussões que envolvem as teorias, metodologias e práticas desenvolvidas e utilizadas nesse processo, assim como com as condições e situações sob as quais vêm se manifestando e suas perspectivas. 1. Todos os textos enviados a esta revista devem ser inéditos e redigidos em português, inglês, espanhol ou francês. 2. Os textos devem ser apresentados com extensão mínima de 15 e máxima de 30 laudas, com margem (direita, esquerda, superior e inferior) de 3 cm, e parágrafos de 2,0 centímetros, em folhas de papel branco, formato A-4 (210x297mm), impresso em uma só face, sem rasuras e/ou emendas, e enviados em duas vias impressas acompanhadas de versão em disquete (de 3,5") de computador padrão IBM PC, compostos em Word para Windows, utilizando-se a fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1 e ½ . 3. O cabeçalho deve conter o título (e subtítulo, se houver) em português, inglês e espanhol ou francês. Na segunda linha, o(s) nome(s) do(s) autor(es), e, na terceira, as informações referentes à(s) instituição(ões) a que pertence(m), bem como o(s) correio(s) eletrônico(s) e endereço postal do(s) autor(es). 4. O texto deve ser acompanhado de resumos em português, inglês e espanhol ou francês, com no mínimo 10 e no máximo 15 linhas, em espaço simples, e uma relação de 5 palavraschave que identifiquem o conteúdo do texto. 5. A estrutura do texto deve ser dividida em partes não numeradas e com subtítulos. É essencial conter introdução e conclusão ou considerações finais. 6. As notas de rodapé não deverão ser usadas para referências bibliográficas. Esse recurso pode ser utilizado quando extremamente necessário e cada nota deve ter em torno de 3 linhas. 7. As citações textuais longas (mais de 3 linhas) devem constituir um parágrafo independente. As menções a ideias e/ou informações no decorrer do texto devem subordinarse ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data, página). Ex.: (OLIVEIRA, 1991) ou (OLIVEIRA, 1991, p.25). Caso o nome do autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “A esse respeito, Milton Santos demonstrou os limites... (1989)”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (SANTOS, 1985a), (SANTOS, 1985b). 8. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos. a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação: Editora, data. Ex.: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985. b) No caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (Org.). Título do livro. Local de publicação: Editora, 265 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO data, página inicial-página final. Ex.: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas - RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93. c) No caso de artigo: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, local de publicação, volume do periódico, número do fascículo, página inicial- página final, mês(es). Ano. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografla(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984. d) No caso de dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (tese). Local: Instituição em que foi defendida, data. Número de páginas. (Categoria, grau e área de concentração). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana). 9. As ilustrações (figuras, tabelas, desenhos, gráficos, fotografias ...) devem ser enviadas preferencialmente em arquivos digitais (formatos JPG ou TIF). Caso contrário, adotarse-à suporte de papel branco. Neste caso, as fotografias devem ter suporte brilhante em preto & branco. As dimensões máximas, incluindo legenda e título, são de 15 cm, no sentido horizontal da folha, e 23 cm, no seu sentido vertical. Ao(s) autor(es) compete indicar a disposição preferencial de inserção das ilustrações no texto, utilizando, para isso, no lugar desejado, a seguinte indicação: [(fig, foto, quadro, tabela, ...) (n0)]. 10. Os originais serão apreciados pela Coordenação de Publicações, que poderá aceitar, recusar ou reapresentar o original ao(s) autor(es) com sugestões de alterações editoriais. Os artigos serão enviados aos pareceristas, cujos nomes permanecerão em sigilo, omitindose também o(s) nome(s) do(s) autor(es). Os originais não aprovados serão devolvidos ao(s) autor(es). 11. A Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) se reserva o direito de facultar os artigos publicados para reprodução em seu sítio ou por meio de cópia xerográfica, com a devida citação da fonte. Cada trabalho publicado dá direito a dois exemplares a seu(s) autor(es), no caso de artigo, e um exemplar nos demais casos (notas, resenhas, comunicações, ...). 12. Os conceitos emitidos nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não implicando, necessariamente, na concordância da Coordenação de Publicações e/ou do Conselho Editorial. 13. Os trabalhos devem ser enviados à Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) Diretoria Executiva Nacional/Coordenação de Publicações - Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 -Edifício Geografia e História - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo (SP)-Brasil. e-mail: [email protected] 14. A Coordenação de Publicações está composta com os seguintes companheiros(as): Antonio Thomaz Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP- [email protected]); Ana Paula Maia Jansen (AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/Rio [email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]). 266 Terra Livre - n. 28 (1): 264-270, 2007 TERRA LIVRE SUBMISSION GUIDELINES Terra Livre is a semestrial publication from the Association of Brazilian Geographers (ABG) that aims to divulge present matters and issues concerned with the geographers formation and practical affairs and with their participation in the construction of citizenship. This effort receive writings as articles, notes, releases and so, from everybody that are interested and participate of the knowledge shaped within Geography and that are related to the theoretical, methodological and practical discussions developed and used in this process, as far as under the conditions and situations that has been expressed and their perspectives. 1. All text contributions mailed to this publication must be unpublished and writen in portuguese, spanish, english or french. 2. Texts must be presented in the minimum extention of 15 and the maximun of 30 sheets, with margins (right, left, top and bottom) of 3 cm, in white paper, A4 formal (210 x 297 mm), printed in only one side, with no handmaded corrections, mailed in two prinled copies and one 3 ½ flexible disk copy from (IBM PC compatible). The file formal must be MS Word, text using Times New Roman font, size 12 and space 1 ½ between lines. 3. Header must have Title (and Sublille if it’s the case) in portuguese, spanish, french and english. The second line musl have author(s) name(s) and, in the third line, information about the instilution(s) where they work, as well as their e-mail and postal address. 4. Text must have abstracts in portuguese, spanish, french and english, from 10 to 15 lines, simple space between lines, and five keywords. 5. Text structure must be divided by not-numbered subtitles. It’s recommended that all texts may have an introduction and a conclusion parts. 6. Footnotes may not be used for bibliographic references. This aspect should be used only if it’s extremely necessary and each note must be a maximum of three lines long. 7. Long textual citations (more than 3 lines) must be in a different paragraph. When mentioning ideas or informations along the lext, they must be formatted as (Author last name, date) or (Aulhor last name, date, page). Example: (OLIVEIRA, 1991) or (OLIVEIRA, 1991, p. 25). When lhe author’s name is part of the text, only the date must be parenthesis indicated. Example: “By this respect, Milton Santos showed lhe limits... (1989).” Different titles from the same author published in the same year must be identified by a low case letter after the date. Example: (SANTOS, 1985a), (SANTOS, 1985b). 8. Bibliography must be presented in the end of lhe text, in alphabetical order from the last names of the autors, as in lhe examples: a) when it’s a book: LASTNAME, Name. Book title. Place of publication: Editors, date. Example: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985. b) when it’s a book chapter: LASTNAME, Name. Chapter title. In: LASTNAME, Name (Org.). Book title. Place of publicalion: Editors, date, fïrst page-last page. Example: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas - RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93. c) When it’s an article: LASTNAME, Name. Article litle. Publication title, place of publication, volume of publication, number of publication, firstpage- 267 SUBMISSION GUIDELINES last page, month. Year. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografïa(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, oul. 1984. d) When it’s a MSc, DSc or PHD Thesis: LASTNAME, Name. Thesis title. Place: Institution, date. Number of pages. (Type, degreee and knowledge field). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em Fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana). 9. All images, figures, tables, drawings, graphs, maps and pictures must be mailed attached as digital files (JPG or TIF formais are accepted). If it’s not in digital format, we prefer printings in white paper. In this cases, photos must be supported in brilliant papers and printed in black & white Standard. Maximum size, including legends and titles, are Hight: 15 cm and Width: 23 cm. The authors must indicate the right position to insert the pictures in the text, indicating as [(fig, photo, chart, table,...) (number)]. 10. The original submission materiais will be evaluated by the Coordination of Publications of ABG, that can accept, refuse or return the original materiais for further editing by the authors. The text will be sent to the scientific commission members, whose names will not be divulged, as well as the author’s names that are submiting materiais. The original texts not approved will be returned to the authors. 11. The Association of Brazilian Geographers reserves the right to publish all approved articles in it’s internet website, in the regular printed publication and in any other media, but granting the authors and other sources citation, as well. Each published article allow two printed volumes to their authors. Other types of contributions (notes, comments etc.) allows one printed volumes to their authors. 12. The concepts evolved in the contributions are from entire response of their authors, and are not, necessarily, of agreement from the Publications Coordinator of ABG nor the scientific commission members. 13. Submissions must be sent to Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) - Diretoria Executiva Nacional/Coordenação de Publicações - Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 -Edifício Geografia e História - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo (SP) - Brasil, e-mail: [email protected] 14. Publishing management is constituted by the fllowing members: Antonio Thomaz Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP- [email protected]); Ana Paula Maia Jansen (AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/Rio [email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]). 268 Terra Livre - n. 28 (1): 264-270, 2007 REVISTA TERRA LIVRE NORMAS PARA PUBLICACIÓN Terra Livre es una publicación semestral de la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) que tiene por objetivo divulgar matérias concernientes a los temas presentes en la formación y práctica de los geógrafos y profisionales afins y su participación en la construcción de Ia ciudadanía. En ella son escogidos textos sobre la forma de artículos, notas, resenas, comunicaciones, entre otras, de todos los que se interesan y participan del conocimiento propiciado por la Geografia, y que estén relacionados con las discusiones que envuelven las teorias, metodologias y prácticas desarrolladas y utilizadas en este proceso, así como las condiciones y situaciones sobre las cuales se viene manifestando y sus perspectivas. 1. Todos los textos enviados a esta revista deben ser inéditos y redirigidos en português, español, inglés o francés. 2. Los textos deben ser presentados con una extensión mínima de 15 y máxima de 30 hojas, con margen (derecha, izquierda, superior e inferior) de 3 cm. En hojas de papel blanco, formato A-4 (210x297mm), impreso en una sola cara, sin rasgunos y/o rectificaciones, enviados en dos vias impresas acompanadas de versión en disket (de 3,5") de computador padrón IBM PC, compuestos en Word para Windows, utilizando la fuente Times New Roman, tamano 12, espacio 1e ½ . 3. La Sumilla debe contener el título (y subtítulo, si hubiera) en português, espanol y francês o inglês. En la segunda línea, el/los nombre(s) del/los autor(es), y, en la tercera, las informaciones referentes a la(s) institución(es) a Ia que pertenece(n), así como el/los correo(s) electrónico(s) y dirección postal do(s) autor(es). 4. El texto debe ser acompanado de resúmenes en português, espanol y francês o inglês, con mínimo de 10 e máximo de 15 líneas, en espacio simple, y una relación de 5 palabras clave que identifiquen el contenido del texto. 5. La estructura del texto debe ser dividida en partes no numeradas y con subtítulos. Es esencial que contenga introducción y conclusión o consideraciones finales. 6. Las Notas de zócalo no deberán ser usadas para referencias bibliográficas. Ese recurso puede ser usado cuando sea extremamente necesario y cada nota debe tener en torno de 3 líneas. 7. Las citaciones textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un párrafo independiente. Las menciones a ideas y/o informaciones en el transcurrir del texto deben subordinarse al esquema (Apellido del autor, fecha) o (Apellido del autor, fecha, página). Por ejemplo.: (OLIVEIRA, 1991) o (OLIVEIRA, 1991, p.25). Si el nombre dei autor este citado en el texto, se indica solo Ia fecha entre paréntesis. Por .ejemplo.: “A ese respeto, Milton Santos demostro los limites... (1989)”. Diferentes títulos del mismo autor publicados en el mismo año deben ser identificados por una letra minúscula después de la fecha. Por ejemplo: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b). 8. La bibliografia debe ser presentada a finales del trabajo, en orden alfabética de apellido de/los autor(es), como en los siguientes ejemplos. a) En el caso de libro: APELLIDO, Nombre. Título de Ia obra. Local de publicación: Editora, fecha. Por ejemplo.: VALVERDE, Orlando. Estúdios de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985 b) En el caso de capítulo de libro: APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In: 269 NORMAS PARA PUBLICACIÓN APELLIDO, Nombre (Org.). Título dei libro. Local de publicación: Editora, fecha, página inicial-página final. Por ejemplo.: FRANK, Mónica Weber. Análisis geográfico para implantación dei Parque Municipal de Niterói, Canoas-RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (Org.). Ambiente y lugar en el urbano: La Gran Porto Alegre. Porto Alegre: Editora de Ia Universidad, 2000, p.67-93 c) En el caso de artículo: APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Título del periódico, local de publicación, volumen del periódico, número del fascículo, página inicial- página final, mes(es). Año. Por ejemplo.: SEABRA, Manuel F. G. Geografía(s) Orientación, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984. d) En el caso de disertaciones y tesis: APELLIDO, Nombre. Título de la disertación (tesis). Local: Institución en que fue defendida, fecha. Número de páginas. (Categoria, grado y área de concentración). Por ejemplo.: SILVA, José Borzacchiello de la. Movimientos sociales populares en Fortaleza: un abordaje geográfico. São Paulo: Facultad de Filosofia, Letras y Ciências Humanas de la Universidad de São Paulo, 1986. 268p. (Tesis, doctorado en Ciências: Geografia Humana). 9. Las ilustraciones (figuras, cuadros, dibujos, gráficos, fotografias) deben ser enviadas preferentemente en archivos digitales (formatos JPG o TIF). De lo contrario, se adoptara el soporte de papel blanco. En este caso, las fotografias deben tener soporte brillante en negro & blanco. Las dimensiones máximas, incluyendo leyenda y título, son de 15 cm, en el sentido horizontal de la hoja, y 23 cm, en su sentido vertical, al/los autor(es) compite indicar la disposición preferente de inserción de las ilustraciones en el texto, utilizando, para eso, en el lugar deseado, la siguiente indicación: [(figura, foto, cuadro, tabla,...) (n0)]. 10. Los originales serán apreciados por la Coordinación de Publicaciones, que podrá aceptar, rechazar o reapresentar el original al/los autor(es) con sugerencias de alteraciones editoriales. Los artículos serán enviados a los revisores, cuyos nombres permanecerán en sigilo, omitiéndose también el/los nombre(s) del/los autor(es). Los originales no aprobados serán devueltos al/los autor(es). 11. La Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) se reserva el derecho de facultar los artículos publicados para reproducción en su sitio o por médio de fotocopia, con a debida citación de la fuente. Cada trabajo publicado da derecho a dos ejemplares a su(s) autor(es), en el caso de artículo, y uno ejemplares en los demás casos (notas, resenas, comunicaciones,...). 12. Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclusiva de/los autor(es), no implicando, necesariamente, en la concordância de la Coordinación de Publicaciones y/o del Consejo Editorial. 13. Los trabajos deben ser enviados a la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) - Dirección Ejecutiva Nacional/Coordinación de Publicaciones - Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 -Edifício Geografia e Historia - Ciudad Universitária - CEP 05508900 - São Paulo (SP)-Brasil. e-mail: [email protected] 14. La Coordenación de Publicaciones está composta con los seguintes companeros(as): Antonio Thomaz Júnior (AGB/Presidente Prudente-SP - [email protected]); Ana Paula Maia Jansen (AGB/Rio Branco-AC- [email protected]); José Alves (AGB/Rio [email protected]); José Messias Bastos (AGB/Florianó[email protected]); Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB/[email protected]). 270 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 271 272 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 Compêndio dos números anteriores 01) MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em questão. Ano 1, n. 1, p. 6-19, 1986. 02) THOMAZ JÚNIOR, Antonio. As agroindústrias canavieiras em Jaboticabal e a territorialização do monopólio. Ano 1, n. 1, p. 20-25, 1986. 03) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Apropriação da renda da terra pelo capital na citricultura paulista. Ano 1, n. 1, p. 26-38, 1986. 04) VALVERDE, Orlando. A floresta amazônica e o ecodesenvolvimento. Ano 1, n. 1, p. 39-42, 1986. 05) SALES, W. C. de C., CAPIBARIBE, P. J. A., RAMOS, P., COSTA, M. C. L. da. Os agrotóxicos e suas implicações socioambientais. Ano 1, n. 1, p. 43-45, 1986. 06) CARVALHO, Marcos Bernardino de. A natureza na Geografia do ensino médio. Ano 1, n. 1, p. 46-52, 1986. 07) SANTOS, Douglas. Estado nacional e capital monopolista. Ano 1, n. 1, p. 53-61, 1986. 08) CORRÊA, Roberto Lobato. O enfoque locacional na Geografia. Ano 1, n. 1, p. 6266, 1986. 09) PONTES, Beatriz Maria Soares. Uma avaliação da Lei Nacional do Uso do Solo Urbano. Ano 1, n. 1, p. 67-72, 1986. 10) PLANO DIRETOR DA AGB NACIONAL GESTÃO 85/86. Ano 1, n. 1, p. 73-75, 1986. 11) A AGB e o documento final do projeto diagnóstico e avaliação do ensino de Geografia no Brasil. Ano 1, n. 1, p. 76-77, 1986. 12) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Reflexões sobre Geografia e Educação: notas de um debate. n. 2, p. 9-42, jul.1987. 13) VLACH, Vânia Rúbia Farias. Fragmentos para uma discussão: método e conteúdo no ensino da Geografia de 1° e 2° graus. n. 2, p. 43-58, jul.1987. 14) VESENTINI, José William. O método e a práxis (notas polêmicas sobre Geografia tradicional e Geografia crítica). n. 2, p.5 9-90, jul.1987. 15) REGO, Nelson. A unidade (divisão) da Geografia e o sentido da prática. n. 2, p. 91114, jul.1987. 16) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Análise dos planos de ensino da Geografia. n. 2, p. 115-127, jul.1987. 17) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Para a construção do espaço geográfico na criança. n. 2, p. 129-148, jul.1987. 18) VIANA, P.C.G., FOWLER, R.B, ZAPPIA, R.S., MEDEIROS, M.L.M.B.de. Poluição das águas internas do Paraná por agrotóxico. n. 2, p. 149-154, jul.1987. 19) AB’ SABER, Aziz Nacib. Espaço territorial e proteção ambiental. n. 3, p. 9-31, mar.1988. 20) GOMES, Horieste. A questão ambiental: idealismo e realismo ecológico. n. 3, p. 3354, mar.1988. 21) BERRÍOS, ROLANDO. Planejamento ambiental no Brasil. n. 3, p. 55-63, mar.1988. 273 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 22) BRAGA, Ricardo Augusto Pessoa. Avaliação de impactos ambientais: uma abordagem sistêmica. n. 3, p. 65-74, mar.1988. 23) LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. n. 3, p. 75-88, mar.1988. 24) SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes e SCHÄFFER, Neiva Otero. Análise ambiental: a atuação do geógrafo para e na sociedade. n. 3, p. 89-103, mar.1988. 25) ESTRADA, Maria Lúcia. Algumas considerações sobre a Geografia e o seu ensino o caso da industralização brasileira. n. 3, p. 105-120, mar.1988. 26) MESQUITA, Zilá. Os “espaços” do espaço brasileiro em fins do século XX n. 4, p. 938, jul.1988. 27) RIBEIRO, Wagner Costa. Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidade e dinâmica da história humana. n. 4, p. 39-53, jul.1988. 28) SILVA, José Borzacchiello da. Gestão democrática do espaço e participação dos Geógrafos. n. 4, p. 55-76, jul.1988. 29) REGO, Nelson. A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova Ronda Alta e o seu significado para o Movimento dos Sem Terra. n. 4, p. 65-76, jul. 1988. 30) VALLEJO, Luiz Renato. Ecodesenvolvimento e o mito do progresso. n. 4, p. 77-87, jul.1988. 31) VLACH, Vânia Rubia Farias. Rediscutindo a questão acerca do livro didático de Geografia para o ensino de 1° e 2° graus. n. 4, p. 89-95, jul.1988. 32) SCHÄFFER, Neiva Otero. Os estudos sociais ocupam novamente o espaço... da discussão. n. 4, p. 97-108, jul.1988. 33) SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica. n. 5, p. 9-20, 1988. 34) SOUZA, Marcelo José Lopes de. “Espaciologia”: uma objeção (crítica aos prestigiamentos pseudo-críticos do espaço social). n. 5, p. 21-45, 1988. 35) GOMES, Paulo César da Costa e COSTA, Rogério Haesbaert da. O espaço na modernidade). n. 5, p. 47-67, 1988. 36) SILVA, Mário Cezar Tompes da. O papel do político na construção do espaço dos homens). n. 5, p. 69-82, 1988. 37) SOUZA Marcos José Nogueira de. Subsídios para uma política conservacionista dos recursos naturais renováveis do Ceará). n. 5, p. 83-101, 1988. 38) KRENAK, Ailton. Tradição indígena e ocupação sustentável da floresta. n. 6, p. 918, ago.1989. 39) MOREIRA, Ruy. A marcha do capitalismo e a essência econômica da questão agrária no Brasil. n. 6, p. 19-63, ago.1989. 40) SADER, Regina. Migração e violência: o caso da Pré-Amazônia Maranhense. n. 6, p. 65-76, ago.1989. 41) FAULHABER, Priscila. A terceira margem: índios e ribeirinhos do Solimões. n. 6, p. 77-92, ago.1989. 42) TARELHO, Luiz Carlos. Movimento Sem Terra de Sumaré. Espaço de conscientização e de luta pela posse da terra. n. 6, p. 93-104, ago.1989. 43) OLIVEIRA, Bernadete de Castro. Reforma agrária para quem? Discutindo o campo no estado de São Paulo. n. 6, p. 105-114, ago.1989. 274 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 44) BARBOSA, Ycarim Melgaço. O movimento camponês de Trombas e Formoso. n. 6, p. 115-122, ago.1989. 45) MENDES, Chico. A luta dos povos da floresta. n. 7, p. 9-21, 1990. 46) BARROS, Raimundo. O seringueiro. n. 7, p. 23-42, 1990. 47) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A defesa da natureza começa pela terra. n. 7, p.4 3-52, 1990. 48) COLTRINARI, Lylian. A Geografia e as mudanças ambientais. n. 7, p. 53-57, 1990. 49) SILVA, Armando Corrêa da. Ponto de vista: o pós-marxismo e o espaço cotidiano. n. 7, p. 59-62, 1990. 50) COSTA, Rogério Haesbaert da. Filosofia, Geografia e crise da modernidade. n. 7, p. 63-92, 1990. 51) RIBEIRO, Wagner Costa. Maquiavel: uma abordagem geográfica e (geo)política. n. 7, p. 3-107, 1990. 52) CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos e GOULART, Lígia Beatriz. Uma contribuição à reflexão do ensino de geografia: a noção de espacialidade e o estatuto da natureza. n. 7, p. 109-118, 1990. 53) CORDEIRO, Helena K. Estudo sobre o centro metropolitano de São Paulo. n. 8, p. 7-33, abr.1991. 54) MAURO, C.A., VITTE, A.C., RAIZARO, D.D., LOZANI, M.C.B., CECCATO, V.A. Para salvar a bacia do Piracicaba. n. 8, p. 35-66, abr.1991. 55) PAVIANI, Aldo. Impactos ambientais e grandes projetos: desafios para a universidade. n. 8, p. 67-76, abr.1991. 56) FURIAN Sônia. “A nave espacial terra: para onde vai?” n. 8, p.77-82, abr.1991. 57) ALMEIDA, Rosângela D. de. A propósito da questão teórico-metodológica sobre o ensino de Geografia. n. 8, p. 83-90, abr.1991. 58) FILHO, Fadel D. Antonio e ALMEIDA, Rosângela D. de. A questão metodológica no ensino da Geografia: uma experiência. n. 8, p. 91-100, abr.1991. 59) ESCOLAR, M., ESCOLAR, C., PALACIOS, S.Q. Ideologia, didática e corporativismo: uma alternativa teórico-metodológica para o estudo histórico da Geografia no ensino primário e secundário. n. 8, p. 101-110, abr.1991. 60) ARAÚJO, Regina e MAGNOLI, Demétrio. Reconstruindo muros: crítica à proposta curricular de Geografia da CENP-SP. n. 8, p. 111-119, abr.1991. 61) PEREIRA, D., SANTOS, D., CARVALHO, M. de. A Geografia no 1° grau: algumas reflexões. n. 8, p. 121-131, abr.1991. 62) SOARES, Maria Lúcia de Amorim. A cidade de São Paulo no imaginário infantil piedadense. n. 8, p. 133-155, abr.1991. 63) MAMIGONIAN, Armen. A AGB e a produção geográfica brasileira: avanços e recuos. n. 8, p.157-162, abr.1991. 64) SANTOS, Milton. A evolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. n. 9, p. 7-17, jul.-dez.1991. 65) LIMA, Luiz Cruz. Tecnopólo: uma forma de produzir na modernidade atual. n. 9, p. 19-40, jul.-dez.1991. 66) GUIMARÃES, Raul Borges. A tecnificação da prática médica no Brasil: em busca de 275 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES sua geografização. n. 9, p. 41-55, jul.-dez.1991. 67) PIRES, Hindemburgo Francisco. As metamorfoses tecnológicas do capitalismo no período atual. n. 9, p. 57-89, jul.-dez.1991. 68) OLIVEIRA, Márcio de. A questão da industrialização no Rio de Janeiro: algumas reflexões. n. 9, p. 91-101, jul.-dez.1991. 69) HAESBAERT, Rogério. A (des)or-dem mundial, os novos blocos de poder e o sentido da crise. n. 9, p. 103-127, jul.-dez.1991. 70) SILVA, Armando Corrêa da. Ontologia analítica: teoria e método. n. 9, p. 129-133, jul.-dez.1991. 71) SILVA, Eunice Isaías da. O espaço: une/separa/une. n. 9, p. 135-141, jul.-dez.1991. 72) ANDRADE, Manuel Correia de. A AGB e o pensamento geográfico no Brasil. n. 9, p. 143-152, jul.-dez.1991. 73) MORAES, Rubens Borba de. Contribuições para a história do povoamento em São Paulo até fins do século XVIII. n. 10, p. 11-22, jan.-jul. 1992. 74) AZEVEDO de Aroldo. Vilas e cidades do Brasil colonial. n. 10, p. 23-78, jan.-jul. 1992. 75) PETRONE, Pasquale. Notas sobre o fenômeno urbano no Brasil. n. 10, p. 79-92, jan.-jul. 1992. 76) CORRÊA, Roberto Lobato. A vida urbana em Alagoas: a importância dos meios de transporte na sua evolução. n.10, p.93-116, jan.-jul. 1992. 77) VALVERDE, Orlando. Pré-história da AGB carioca. n. 10, p. 117-122, jan.-jul. 1992. 78) SOUZA, Marcelo José Lopes de. Planejamento Integrado de Desenvolvimento: natureza, validade e limites. n. 10, p. 123-139, jan.-jul. 1992. 79) ANDRADE, Manuel Correia de. América Latina: presente, passado e futuro. n. 10, p. 140-148, jan.-jul. 1992. 80) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografia política e desenvolvimento sustentável. n. 11-12, p. 9-76, ago.92-ago.93. 81) RODRIGUES, Arlete Moysés. Espaço, meio ambiente e desenvolvimento: reeleituras do território. n. 11-12, p. 77-90, ago.92-ago.93. 82) EVASO, A.S., VITIELLO, M.A., JUNIOR, C.B., NOGUEIRA, S.M., RIBEIRO, W.C. Desenvolvimento sustentável: mito ou realidade? n. 11-12, p.91-101, ago.92-ago.93. 83) DAVIDOVICH, Fany. Política urbana no Brasil, ensaio de um balanço e de perspectiva. n. 11-12, p. 103-117, ago.92-ago.93. 84) MARTINS, Sérgio. A produção do espaço na fronteira: a acumulação primitiva revisitada. n. 11-12, p. 119-133, ago.92-ago.93. 85) IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. Os dilemas históricos da questão agrária no Brasil. n. 11-12, p. 135-151, ago.92-ago.93. 86) FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma agrária e modernização no campo. n. 11-12, p. 153-175, ago.92-ago.93. 87) ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Ensino de Geografia e a formação do geógrafoeducador. n. 11-12, p. 177-188, ago.92-ago.93. 88) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Licenciandos de Geografia e as representações sobre o “ser professor”. n. 11-12, p. 189-207, ago.92-ago.93. 276 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 89) VESENTINI, José William. O novo papel da escola e do ensino da Geografia na época da terceira revolução industrial. n. 11-12, p. 209-224, ago.92-ago.93. 90) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Iniciação às ciências sociais: os grupos, os espaços, os tempos. n. 11-12, p. 225-236, ago.92-ago.93. 91) RIBEIRO, Wagner Costa. Do lugar ao mundo ou o mundo no lugar? n. 11-12, p. 237242, ago.92-ago.93. 92) PINHEIRO, Antonio Carlos e MASCARIN, Silvia Regina. Problemas sociais da escola e a contribuição do ensino de Geografia. n. 11-12, p. 243-264, ago.92-ago.93. 93) SILVA, Armando Corrêa da. A contrvérsia modernidade x pós-modernidade. n. 11-12, p. 265-268, ago.92-ago.93. 94) ROSA, Paulo Roberto de Oliveira. Contextos e circuntâncias: princípio ativo das categorias. n. 11-12, p. 269-270, ago.92-ago.93. 95) CALLAI, Helena Copetti. O meio ambiente no ensino fundamental. n. 13, p. 9-19, 1997. 96) CAMARGO, L.F. de F., FORTU-NATO, M.R. Marcas de uma política de exclusão social para a América Latina. n. 13, p. 20-29, 1997. 97) KAERCHER, Nestor André. PCN’s: futebolistas e padres se encontram num Brasil que não conhecemos. n. 13, p. 30-41, 1997. 98) CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? n. 13, p. 42-60, 1997. 99) PONTES, Beatriz Maria Soares. Economia e território sob a ótica do estado autoritário (1964-1970). n. 13, p. 61-90, 1997. 100) SOUSA NETO, Manuel Fernandes de. A ágora e o agora. n. 14, p. 11-21, jan.-jul. 1999. 101) FILHO, Manuel Martins de Santana. Sobre uma leitura alegórica da escola. n. 14, p. 22-29, jan.-jul. 1999. 102) COUTO, Marcos Antônio Campos e ANTUNES, Charlles da França. A formação do professor e a relação escola básica-universidade: um projeto de educação. n. 14, p. 30-40, jan.-jul. 1999. 103) PEREIRA, Diamantino. A dimensão pedagógica na formação do geógrafo. n. 14, p. 41-47, jan.-jul. 1999. 104) CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. A formação de professores e o ensino de Geografia. n. 14, p. 48-55, jan.-jul. 1999. 105) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia no ensino médio. n. 14, p. 56-89, jan.-jul. 1999. 106) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Interdisciplinaridade: aproximações e fazeres. n. 14, p. 90-110, jan.-jul. 1990. 107) CAVALCANTI, Lana de Souza. Propostas curriculares de Geografia no ensino: algumas referências de análise. n. 14, p. 111-128, jan.-jul. 1990. 108) SOUZA NETO, Manoel Fernandes de. A Ciência Geográfica e a construção do Brasil. n. 15, p. 9-20, 2000. 109) DAMIANI, Amélia Luísa. A metrópole e a indústria: reflexões sobre uma urbanização crítica. n. 15, p. 21-37, 2000. 277 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 110) SOUZA, Marcelo Lopes de. Os orçamentos participativos e sua espacialidade: uma agenda de pesquisa. n. 15, p.39-58, 2000. 111) FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento social como categoria geográfica. n. 15, p. 59-85, 2000. 112) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. O que há de novo no rural brasileiro? n. 15, p. 87-112, 2000. 113) BRAGA, Rosalina. Formação inicial de professores: uma trajetória com permanências eivadas por dissensos e impasses. n. 15, p. 113-128, 2000. 114) ROCHA, Genylton Odilon Rego da. Uma breve história da formação do(a) professor(a) de Geografia do Brasil. n. 15, p. 129-144, 2000. 115) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Geografia, representações sociais e escola pública. n. 15, p. 145-154, 2000. 116) OLIVEIRA, Márcio Piñon. Geografia, Globalização e cidadania. n. 15, p. 155164, 2000. 117) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. “Navegar é preciso, viver não é preciso”: estudo sobre o Projeto de Perenização da Hidrovia dos Rios das Mortes: Araguaia e Tocantins. n. 15, p. 167-213, 2000. 118) VITTE, Antonio Carlos. Considerações sobre a teoria da etchplanação e sua aplicação nos estudos das formas de relevo nas regiões tropicais quentes e úmidas. n. 16, p. 11-24, 2001. 119) RAMIRES, Blanca. Krugman y el regresso a los modelos espaciales: ¿La nueva geografía? n. 16, p. 25 - 38, 2001. 120) FERREIRA, Darlene Ap. de Oliveira. Geografia Agrária no Brasil: periodização e conceituação. n. 16, p. 39-70, 2001. 121) MAIA, Doralice Sátyro. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. n. 16, p. 71-98, 2001. 122) SPOSITO, Eliseu. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas na Geografia contemporânea. n. 16, p. 99-112, 2001. 123) MENDONÇA, Francisco. Geografia socioambiental. n. 16, p. 113-132, 2001. 124) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o Ensino? n. 16, p. 133-152, 2001. 125) PIRES, Hindenburgo Francisco. “Ethos” e mitos do pensamento único globaltotalitário. n. 16, p. 153-168, 2001. 126) REGO, Nelson. SUERTEGARAY, Dirce Maria. HEIDRICH, Álvaro. O ensino de Geografia como uma hermenêutica instauradora. n. 16, p. 169-194, 2001. 126) SUERTEGARAY, Dirce M. Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza da Geografia Física na Geografia. n. 17, p. 11-24, 2001. 127) OLIVA, Jaime Tadeu. O espaço geográfico como componente social. n. 17, p. 2548, 2001. 128) NETO, João Lima Sant’anna. Por uma Geografia do Clima – antecedentes históricos, paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. n. 17, p. 4962, 2001. 278 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 129) SEGRELLES, José Antonio. Hacia uma enseñanza comprometida y social de la Geografía en la universidad. n. 17, p. 63-78, 2001. 130) RIBEIRO, Júlio Cézar; GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma busca conceitual pelo viés da contextualização histórico-espacial da sociedade. n. 17, p. 79-98, 2001. 131) CIDADE, Lúcia Cony Faria. Visões de mundo, visões da Natureza e a formação de paradigmas geográficos. n. 17, p. 99-118, 2001. 132) NETO, Manuel Fernandes de Sousa. Geografia nos trópicos: história dos náufragos de uma Jangada de Pedras. n. 17, p. 119-138, 2001. 133) ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. O espaço geográfico dos remanecentes de antigos quilombos no Brasil. n. 17, p. 139-154, 2001. 134) GUIMARÃES, Raul Borges. Saúde urbana: velho tema, novas questões. n.17, p. 155-170. 135) CAPEL, Horácio. A Geografia depois dos atentados de 11 de setembro. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 11-36. 136) HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 37-46. 137) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Globalização, Estado e culturas crimonosas. Ano 18, v.1, n. 18, p. 47-62. 138) SEGRELLES, José Antonio. Integração regional e globalização. Uma reflexão sobre casos do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Área de Livre Comércio das Américas desde uma perspectiva européia. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 63-74, 139) RIBEIRO, Wagner Costa. Mudanças climáticas, realismo e multilateralismo. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 75-84. 140) MANGANO, Stefania. Evolução do conceito da planificação territorial na Itália. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 85-94. 141) STRAFORINI, Rafael. A totalidade do mundo nas primeiras séries do ensino fundamental: um desafio a ser enfrentado. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 95-114. 142) KEINERT, Tânia M. M., KARRUZ, Ana Paula, KARRUZ, Silvia Maria. Sistemas locais de informação e a gestão pública da qualidade de vida nas cidades locais. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 115-132. 143) GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar. Dilemas nas (re)estruturações das metrópoles. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 133-142. 144) DINIZ Filho, Luis Lopes. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na Geografia Econômica: um breve balanço. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 143-160. 145) CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia brasileira, hoje: algumas reflexões. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 161-178. 146) NUNES, Luci Hidalgo. Discussão acerca de mudanças climáticas (notas). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 179-184. 147) MELAZZO, Everaldo Santos. Renda de cidadania: a saída é pela porta (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 185-186. 148) RAMIREZ, Blanca. Terra Incognitae: el surgimiento de nuevas regiones y territorios em el marco de la globalización (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 187-190. 279 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões a partir do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35. 150) CALLE, Angel. Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala y España. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 37-58. 151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18, v. 2, n. 19, p. 59-74. 152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos assentamentos e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94. 153) MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 95-112. 154) FERNANDES, Bernardo M., DA PONTE, Karina F. As vilas rurais do Estado do Paraná e as novas ruralidades. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 113-126. 155) SMITH, Neil. Geografia, diferencia y las políticas de escala. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 127-146. 156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e adaptações – o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162. 157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista: implicações do aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por completo parte de si mesma. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176. 158) LEAL, Antonio Cezar, THOMAZ Jr., Antonio, ALVES, Neri, GONÇALVES, Marcelino A., DIVIESO, Eduardo P., CANTÓIA, Silvia, GOMES, Adriana M., GONÇALVES, Sara Maria M. P. S., ROTTA, Valdir E. A reinserção do lixo na sociedade do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 177-190. 159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 191-198. 160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 199-212. 161) SILVA, Silvio Simione. A liberdade no “fazer ciência” em Geografia. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 213-228. 162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 229-242. 163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudos e a retórica do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256. 164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e luta pela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 257-272. 165) STACCIARINI, José Henrique Rodrigues. Ética, humanidade e ações por cidadania: 280 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 273284. 166) BESSAT, Frédéric. A mudança climática entre ciência, desafios e decisões: olhar geográfico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 11-26. 167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul: indução empírica e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49. 168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano da sociedade: mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63. 169) ZAVATINI, João Afonso. A produção brasileira em climatologia: o tempo e o espaço nos estudos do ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 65-100. 170) NUNES, Lucí Hidalgo. Repercussões globais, regionais e locais do aquecimento global. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 101-110. 171) SILVA, Maria Elisa Siqueira, GUETTER, Alexandre K. Mudanças climáticas regionais observadas no Estado do Paraná. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 111-126. 172) PACIORNIK, Newton. Mudança global do clima: repercussões globais, regionais e locais. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 127-135. 173) VERÍSSIMO, Maria Elisa Zanella. Algumas considerações sobre o aquecimento global e suas repercussões. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 137-143. 174) ASSIS, Eleonora Sad de. Métodos preditivos da climatologia como subsídios ao planejamento urbano: aplicação em conforto térmico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 145-158. 175) FRAGA, Nilson César. Clima, gestão do território e enchentes no Vale do Itajaí-SC. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 159-170. 176) BEJARÁN, R., GARÍN, A. De, SCHWEIGMANN, N. Aplicación de la predicción meteorológica para el pronóstico de la abundancia potencial del Aedes aegypti en Buenos Aires. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 171-178. 177) FERREIRA, Maria Eugenia M. Costa. “Doenças tropicais”: o clima e a saúde coletiva. Alterações climáticas e a ocorrência de malária na área de influência do reservatório de Itaipu, PR. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 179-191. 178) CONFALONIERI, Ulisses E. C. Variabilidade climática, vulnerabilidade social e saúde no Brasil. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 193-204. 179) MENDONÇA, Francisco. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica – notas introdutórias. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 205-221. 180) CLAVAL, Paul. The logic of multilingual cities and their political problems. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 11-23. 181) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 25-39. 182) BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia Agrária e responsabilidade social da ciência. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 41-53. 281 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 183) GRABOIS, José, CEZAR, Lucia Helena da S., SANTOS, Cátia P. dos, GREGÓRIO Filho, Gregório. O habitat e a questão social no Noroeste Fluminense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 55-71. 184) ALMEIDA, Rose Aparecida de. O conceito de classe camponesa em questão. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 73-88. 185) FERNANDES, Bernardo M., SILVA, Anderson A., GIRARDI, Eduardo P. DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra: uma experiência de pesquisa e extensão no estudo da territorialização da luta pela terra. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 89-112. 186) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o agronegócio no Brasil. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156. 187) BERNARDES, Júlia Adão. Territorialização do capital, trabalho e meio ambiente em Mato Grosso. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 157-167. 188) ABREU, Silvana de. Racionalização e ideologia: o domínio do capital no espaço matogrossense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 169-181. 189) OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. A busca do desenvolvimento sustentável na gestão dos recursos hídricos brasileiros. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 183-192. 190) PASSOS, Messias Modesto dos. A construção da paisagem no Pontal do Paranapanema – uma apreensão geo-foto-gráfica. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 193-211. 191) MARTINS, César Augusto Ávila. Empresas na pesca e aqüicultura: anotações do uso do território. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 213-223. 192) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Desterritorialização da violência no capitalismo globalitário: o caso do Brasil e do Espírito Santo. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 225-240. 193) MORATO, Rúbia G., KAWAKUBO, Fernando S., LUCHIARI, Ailton. Mapeamento da qualidade de vida em áreas urbanas: conceitos e metodologias. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 241-248. 194) HENRIQUE, Wendel. A natureza nos interstícios do social – uma leitura das idéias de natureza nas obras de Milton Santos. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 249-262. 195) PANCHER, Andréia M. FREITAS, Maria Isabel C. de. Mapeamento do crescimento urbano em áreas de várzea na passagem do Rio Corumbataí por Rio Claro/SP. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 263-279. 196) SPOSITO, Eliseu Savério. Dinâmica regional e diversificação industrial (Resenha). Ano 19, v. 2, n. 21, p. 281-284. 197) SEABRA, Manoel. Os primeiros anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 13-68. 198) VIEIRA, Alexandre B., PEDON, Nelson R. O papel das comunidades científicas: a AGB Nacional e a Seção Local de Presidente Prudente/SP. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 71-83. 199) Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Dourados. AGB – Seção Dourados: memória e história de um processo de construção coletiva. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 85-97. 200) SANTANA, Mário Rubem C., AMORIM, Itamar G. De, GOMES, Denize S. AGB 282 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 – Salvador, quase 50 anos de Geografia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 99-112. 201) FONTOURA, Luiz Fernando M., DUTRA, Viviane S. Os 30 anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre. Ano 20, v. 1, n. 22, p.113-123. 202) CROCETTI, Zeno Soares. AGB: Desejos de transformação. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 125-132. 203) CHAVES, Manoel R., MESQUITA, Helena A. da, MENDONÇA, Marcelo R. Inserção, crítica e intervenção na realidade: a AGB e a Geografia em Catalão – GO. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 133-143. 204) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. AGB-Rio: 68 anos de história. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 145-152. 205) FONSECA, Valter Machado da. A história da AGB – Uberaba (MG) e a perspectiva de construção de um pólo do pensamento geográfico no Triângulo Mineiro. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 153-160. 206) ROMANCINI, Sônia R., SILVESTRI Magno. Trajetória histórica e perspectivas da AGB – Seção Local Cuiabá. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 161-168. 207) GOMES, Horieste. Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Goiânia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 169-176. 208) ANTUNES, Charlles da França. AGB-Niterói: notas de um começo de história. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 177-189. 209) Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Bauru. O trabalho técnico-político-pedagógico da Associação dos Geógrafos Brasileiros na Seção Local Bauru – AGB/Bauru. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 189-195. 210) RODRIGUES, Arlete Moysés. Contribuição da AGB na construção da Geografia Brasileira: uma outra Geografia sempre é possível. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 199-209. 211) ANDRADE, Manuel C. De. A AGB – 1961/62 – Um depoimento. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 211-212. 212) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB 1934 – 2004. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 213-230. 213) ALVES, William Rosa. A permanente busca do horizonte: a história da AGB-BH. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 231-255. 214) RODRIGUES, Renata M. de A. Estudos de Impacto Ambiental e o perfil do geógrafo. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 237-248. 215) ELIAS, Denise, RODRIGUES, Renata M. de A. Os presidentes da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 251-260. 216) BENKO, Georges. Murano et les verries: um district industriel pas comme les autres. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 15-34. 217) HAESBAERT, Rogério. Precarização, Reclusão e “exclusão” territorial. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 35-51. 283 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 218) GOETTERT, Jones Dari. “Lúcia Gramado Kaigang”: como me redescobri na Serra Gaúcha. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 53-74. 219) REFFATTI, Lucimara Vizzotto, REGO, Nelson. Representações de mundo, geografias adversas e manejo simbólico – proximações entre clínica psicopedagógica e ensino de Geografia. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 75-85. 220) SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Ano 20, v. 2, n. 23, p. 87-96. 221) LIMA, Luiz C., MONIÉ, Frédéric, BATISTA, Francisca G. A nova geografia econômica mundial e a emergência de um novo sistema portuário no Estado do Ceará: o Porto do Pecém. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 97-109. 222) KAWAKUBO, Fernando S., MORATO, Rúbia G., CORREIA JUNIOR, Paulo A., LUCHIARI, Ailton. Utilização de imagens híbridas geradas a partir da transformação de IHS e aplicação de segmentação no mapeamento detalhado do uso da terra. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 111-122. 223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas de reforma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138. 224) OLIVEIRA, Ivanilton José de. Sustentabilidade de sistemas produtivos agrários em paisagens do cerrado: uma análise no município de Jataí-GO. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 139-159. 225) GADE, Daniel W. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 163164. 226) CLAVAL, Paul. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 1165-167. 227) CLAVAL, Paul. The nature and scope of Political Geography. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 1328. 228) VLACH, Vânia R. F. Entre a idéia de território e a lógica da rede: desafios para o ensino de Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 29-41. 229) AUED, Idaleto M.; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de O método de desconstituição do capital e a Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 43-60. 230) HASSLER, Márcio L. Áreas de proteção ambiental e unidades territoriais de planejamento na porção leste da região metropolitana de Curitiba. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 61-75. 231) MORETTI, Edvaldo C.; LOMBA, Gilson K. Precarização do trabalho e territorialidade da atividade turística em Bonito-MS. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 77-99. 232) SOUSA, Givaldo V. de; DUTRA JUNIOR, Wagnervalter. O imaginário social e território no distrito de José Gonçalves – BA. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 101-117. 233) GIL FILHO, Sylvio F. Geografia da religião: o sagrado como representação. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 119-133. 234) SUERTEGARAY, Dirce M. A. ; VERDUM, Roberto ; BELLANCA, Eri T. ; UAGODA, 284 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 Rogério S. Sobre a gênese da arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 135-150. 235) HENRIQUE, Wendel. Proposta de periodização das relações sociedade-natureza: uma abordagem geográfica de idéias, conceitos e representações. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 151-175. 236) PINHEIRO, Antonio C. Tendências teórico-metodológicas e suas influências nas pesquisas acadêmicas sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 177191. 237) CUSTODIO, Vanderli. Inundações no espaço urbano: as dimensões natural e social do problema. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 193-210. 238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de los Riesgos Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230. 239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 233-236. 240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241. 241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno e desigualdades socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33. 242) SERPA, Ângelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidade contemporânea. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 35-48. 243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en Geografía. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 49-65. 244) MARANDOLA JR, Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79. 245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93. 246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira (LondrinaParaná). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110. 247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro - entre o ativismo e a ciência, a introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 111-120. 248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricos no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137. 249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Contribuição ao debate sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis conseqüências em relação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 139-155. 250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre a biodiversidade e singularidade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162. 285 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 251) CHASE, Jacquelyn. Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 163-166. 252) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Amazônia e a nova geografia da produção da soja. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 13-43. 253) SILVA, Sílvio Simione da. Camponeses da floresta: apontamentos para a compreensão da diferenciação dos trabalhadores seringueiros do campesinato acreano. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 45-61. 254) CRUZ, Valter do Carmo. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 63-89. 255) NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. A geograficidade dos comandantes de embarcação no Amazonas. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 91-108. 256) SZLAFSZTEIN, Claudio.; STERR, Horst.; LARA, Rubén. Estratégias e medidas de proteção contra desastres naturais na zona costeira da região amazônica, Brasil. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 109-125. 257) CAMPOS, Agostinho C.; CASTRO, Selma S. de. Unidades de Conservação, a importância dos parques e o papel da Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 127-141. 258) ROCHA, Genylton O. R. da; AMORAS, Izabel C. R. O ensino de geografia e a construção de representações sociais sobre a Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 143-164. 259) COSTA, Maria A. F.; RIBEIRO, Willame de O.; TAVARES, Maria G. da C. Entre a valorização da diversidade humana e a negação da historicidade sócio-espacial: o que pode o ecoturismo na Amazônia? Ano 22, v. 1, n. 26, p. 165-175. 260) TRINDADE JR, Saint-Clair C. da. Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 177-194. 261) BRITO, Lílian S. A.; COSTA, Léa M. G. Estratégias de desenvolvimento regional para a Amazônia pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuro. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 195-205. 262) SILVA, José Borzacchiello da. La fabrication du Brasil: une grande puissance en devenir (Resenha). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 209-210. 263) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB-1934-2004 (Depoimento). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 213-221. 264) MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Aziz Nacib Ab’Saber – geógrafo brasileiro. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 15-30. 265) VITTE, Claudete de Castro Silva. Integração, soberania e território na América do Sul: um estudo da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional SulAmericana). Ano 22, v. 2, n. 27, p. 31-48. 266) GÓES, Eda; ANDRÉ, Luis André. Violência e fragmentação: dimensões complementares da realidade paulistana. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 49-68. 267) ANTUNES, Ricardo. Perenidade e superfluidade do trabalho: alguns equívocos sobre a desconstrução do trabalho. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 71-84. 286 Terra Livre - n. 28 (1): 273-287, 2007 268) MASSEY, Doreen. Travelling thoughts / Pensamentos itinerantes. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 85-92 / 93-100. 269) LINDÓN, Alicia. Os hologramas sócio-espaciais e o constructivismo geográfico. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 101-120. 270) NUNES, João Osvaldo Rodrigues; SANT’ANNA NETO, João Lima; TOMMASELLI, José Tadeu Garcia; AMORIM, Margarete Cristiane de Costa Trindade; PERUSI, Maria Cristina. A influência dos métodos científicos na Geografia Física. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 121-132. 271) HESPANHOL, Antonio Nivaldo; HESPANHOL, Rosangela Aparecida de Medeiro. Dinâmica do espaço rural e novas perspectivas de análise das relações campo-cidade no Brasil. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 133-148. 272) FERREIRA, Maria da Glória Rocha. (Re)organização do espaço a partir da produção de soja: Balsas-MA. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 149-164. 273) QUEIROZ FILHO, Alfredo Pereira de. Considerações sobre a interatividade na Cartografia. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 165-184. 274) NUNES, Flaviana Gasparotti. A importância do econômico na Geografia atualmente: algumas questões para o debate. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 185-196. 275) REOLON, Cleverson Alexsander; SOUZA, Edson Belo Clemente de. Reestruturação sócio-espacial: as estratégias espaciais de ação adotadas pelas empresas do Paraná. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 197-210. 276) FERRAZ, Cláudio Benito O. Geografia de exílio (resenha). Ano 22, v. 2, n. 27, p. 213-216. 287 Título Preparação de originais e revisão de textos Capa Arte final da capa Editoração eletrônica Formato Tipologia Papel Número de páginas Tiragem Impressão 288 Geografia e Ensino José Alves Thais Barros de Souza Gilson Kleber Lomba Alexandre Aldo Neves 18x26 Times New Roman Sulfite 75g 288 1000 exemplares Copyset ([email protected])