COTEQ - 186 COTEQ-186 UM SISTEMA PRÁTICO PARA IDENTIFICAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DE DEFEITOS EM REVESTIMENTOS DE MATERIAIS COMPÓSITOS UTILIZANDO SHEAROGRAFIA Daniel Pedro Willemann1, Armando Albertazzi2, Luiz Cláudio de Marco Meniconi3 1 23 Copyright 2007, ABENDE, ABRACO e IBP Trabalho apresentado durante a 9ª. COTEQ – Conferência Internacional sobre Tecnologia de Equipamentos, em Salvador/BA, no mês de junho de 2007. As informações e opiniões contidas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es). Sinopse O setor energético do petróleo e gás vem empregando, cada vez mais, materiais compósitos em suas estruturas. Revestimentos em dutos e em tanques de armazenamento, cilindros de armazenamento de gás natural veicular e reforços estruturais são exemplos de aplicações encontradas para os materiais compósitos neste setor. A principal vantagem de uma estrutura compósita é a sua grande resistência mecânica e à corrosão, e o seu baixo peso quando comparada a uma estrutura de material convencional, como por exemplo, aço ou alumínio. No entanto, falhas de adesão entre as camadas que compõem os materiais compósitos laminados ou falhas de adesão entre o revestimento compósito e o material de base diminuem, em grandes proporções, a resistência mecânica dessas estruturas, podendo levá-las ao colapso. Os métodos convencionais de ensaios não-destrutivos e inspeções visuais não são efetivos para a detecção e identificação de defeitos internos nesses materiais. Este trabalho apresenta os fundamentos e os resultados da aplicação de uma técnica óptica de inspeção denominada shearografia – do inglês shearography – que usa laser para detectar falhas em materiais compósitos. Resultados de inspeções realizadas em estruturas de materiais compósitos empregadas na indústria do petróleo são apresentados neste trabalho. Como principal inovação, este trabalho apresenta um sistema prático que permite ao usuário identificar com muita clareza a posição e extensão de defeitos localizados. Consiste de um indicador óptico que interage com o sistema de visão e acusa a existência de defeito. Introdução A tendência crescente de uso de materiais compósitos em vários setores industriais tem impulsionado a pesquisa de técnicas de inspeção apropriadas para detectar falhas de diversas naturezas nestes materiais. O desenvolvimento deste trabalho foi motivado por uma demanda concreta do setor do petróleo e gás, em busca de meios para verificar a efetividade de revestimentos aplicados na proteção e no reforço estrutural de dutos. O texto inicia com uma breve descrição do princípio de funcionamento da técnica óptica e descreve o sistema experimental desenvolvido para testar e avaliar o desempenho desta técnica em laboratório e em campo. Ao final, descreve o dispositivo utilizado para a localização do defeito sobre a estrutura, apresentando e discutindo os resultados obtidos e a aplicabilidade da técnica em campo. 1 Dott. Ing. – PHOTONITA – Photonical Instruments for Technical Applications – Engenheiro de P&D PHD – LABMETRO – Laboratório de Metrologia da UFSC – Professor 3 PHD – PETROBRAS/CENPES 2 COTEQ - 186 1. Shearografia A técnica óptica de medição usada neste trabalho é referida na literatura internacional como shearography. Sem um termo correspondente em português, inicialmente foi adotada a denominação Interferometria de Deslocamento Lateral, abreviada por IDL [1], mas recentemente alterada para shearografia para estar em conformidade com a prática utilizada no Brasil. A shearografia é uma técnica interferométrica apropriada para medir derivadas dos campos de deslocamentos na superfície de interesse. Sua principal vantagem é a capacidade de operar fora do ambiente de laboratório [1-4]. A Figura 1 mostra um exemplo de imagem obtida por shearografia utilizada na detecção de descolamentos em revestimentos compósitos em ambiente laboratorial. Figura 1. Exemplo de imagem obtida com shearografia [1] 1.1 Detecção de Falhas de Adesão por Shearografia Falhas em materiais compósitos normalmente estão associadas a descontinuidades. Falta de adesão entre camadas de materiais compósitos ou entre o revestimento compósito e o material de base, são dois exemplos típicos de falhas. Estas falhas podem ocorrer facilmente em luvas poliméricas utilizadas no revestimento e/ou para reforço estrutural de dutos. Segmentos de dutos revestidos com mantas poliméricas foram utilizados em ensaios de laboratório, conforme mostrados na Figura 2. Figura 2 – (A) Dutos revestidos com mantas poliméricas da 4 mm (esquerda) e 26 mm (direita) (B) Posicionamento das falhas artificialmente provocadas nos respectivos dutos [1] Para detectar falhas em materiais compósitos com shearografia, é sempre necessário aplicar algum tipo de carregamento que gere, na superfície do material, descontinuidades no campo de deformações. Estas deformações, por sua vez, geram descontinuidades nas franjas de interferência, que são visualmente percebidas, conforme mostrado anteriormente na Figura 1. COTEQ - 186 Tipicamente, quatro diferentes tipos de carregamento podem ser aplicados para evidenciar os defeitos: mecânico, por vácuo, por aquecimento ou por ondas sonoras [1]. A escolha da melhor forma de carregamento depende do tipo de material, tipo e extensão do defeito a detectar e de aspectos operacionais de cada caso. 1.1.1 Carregamento Térmico Ao ser exposto à radiação de uma fonte de calor uniforme o material compósito tende a se expandir por dilatação térmica. O campo de deformações provocado pela temperatura é relativamente uniforme na ausência de defeitos. Entretanto, uma falha de adesão entre camadas, ou entre um revestimento compósito e o material de base, provoca descontinuidades no campo de deformações. A Figura 3 ilustra o campo de deformações acentuado que se forma nas vizinhanças de uma região onde há falha de adesão entre o material de base e a manta de material compósito. Nas regiões onde há boa adesão a deformação da manta de material compósito é governada pelo material de base e tende a permanecer mais uniforme. A falha de adesão “liberta” localmente o material compósito para expandir de maneira mais livre e mais intensa, uma vez que este possui coeficiente de dilatação térmica maior que o material de base. A presença de bolhas de ar possui um efeito secundário sobre o fluxo de calor, pois aumenta localmente o isolamento térmico, elevando a temperatura e intensificando as deformações no local da falha. O carregamento térmico pode ser feito por radiação através de uma lâmpada de alta potência, como é o caso ilustrado na Figura 3, ou pela ação direta de um fluxo de ar quente como o produzido por um secador de cabelo. Normalmente poucos segundos de aquecimento são suficientes. Nos ensaios realizados em campo, na plataforma de Merluza, somente o carregamento térmico foi utilizado, devido à sua grande praticidade e eficácia comprovadas anteriormente em laboratório. Figura 3 – Esquema de carregamento térmico mostrando a dilatação da área descolada e carregamento térmico sendo aplicado na prática (foto da direita) 2. Descrição do equipamento de inspeção baseado em shearografia Basicamente, um sistema de inspeção com shearografia é composto por dois módulos principais: o módulo de excitação (carregamento) e o módulo de medição, ambos gerenciados por um software de controle e processamento. O sistema de inspeção utilizado neste ensaio foi inicialmente projetado para uso em laboratório. Porém, com o objetivo de avaliá-lo e aprimorá-lo, algumas adaptações foram realizadas para que o protótipo pudesse ser levado pela primeira vez a campo. A Plataforma de Merluza (Petrobrás), situada na Bacia de Santos, foi a pioneira neste tipo de ensaio. COTEQ - 186 2.1 Módulo de Medição O módulo de medição é composto por uma estrutura de sustentação rígida, um sistema de iluminação com luz laser e um cabeçote de medição. O cabeçote de medição, mostrado na Figura 4, é o componente mais importante de todo o sistema de inspeção. Contém uma câmera de TV de alta resolução, uma lente objetiva, dois espelhos planos, um espelho parcial (beamsplitter) e dispositivos mecânicos para fixar os componentes e promover o deslocamento lateral da imagem, também denominado shearing [2]. O sistema contém ainda um atuador piezelétrico que move o espelho inferior de incrementos controlados para aplicar o deslocamento de fase e melhorar a visibilidade das franjas. JANELA ÓPTICA SISTEMA DE AJUSTE DO ESPELHO ESPELHO PARCIAL CÂMERA ATUADOR PIEZELÉTRICO ESPELHOS DE PRIMEIRA SUPERFÍCIE Figura 4. Cabeçote de medição [1] O cabeçote de medição e os dois lasers diodo utilizados para iluminar a superfície de medição são acoplados à estrutura de fixação do sistema. Esta estrutura, em forma de “Y”, foi construída com perfis de alumínio e é fixada ao duto através de cintas de poliéster para amarração de cargas, como mostrado na Figura 5. A Figura 5 mostra também a lâmpada halógena de 1000 W utilizada nos carregamentos térmicos aplicados à superfície. Figura 5. Esquerda: Estrutura “Y” para a fixação do sistema de inspeção em dutos. Meio: Cinta de poliéster para amarração da estrutura ao duto revestido - Direita: Detalhe do cabeçote e dos lasers de iluminação Um software de medição foi desenvolvido para gerenciar a aquisição e o processamento de imagens. Um laptop equipado com interface Firewire e alguns drivers de controle são utilizados. Uma espécie de cobertura foi desenvolvida para proteger o sistema de correntes de ar, de convecção e da luz ambiente em excesso. Estes fatores, não presentes em ambiente laboratorial, podem COTEQ - 186 prejudicar medições com shearografia. A Figura 6 mostra o sistema de controle (laptop e drivers) e a cobertura de proteção. Figura 6. Módulo de controle e cobertura de proteção. Para a realização dos ensaios em campo, o staff da plataforma de Merluza providenciou a construção de um andaime de acesso à manta de material compósito. O andaime foi coberto com lona de proteção para amenizar o efeito da luz externa e das correntes de vento. A Figura 7 mostra a fase inicial de construção do andaime e o andaime pronto. Figura 7. Construção do andaime de acesso ao local de inspeção 3. Parâmetros de Inspeção De acordo com um procedimento de inspeção previamente determinado, os seguintes parâmetros de inspeção foram estabelecidos: 1. Número de seções: em virtude das dimensões da área iluminada, o duto foi divido em 12 seções com aproximadamente 115 mm de arco (divisões de 30°). O duto ensaiado possui um diâmetro nominal de 16’ e a espessura da manta de compósito foi estimada como sendo de aproximadamente 17 mm. 2. Tempo e distância de aquecimento: 60 s de aquecimento com a lâmpada posicionada a uma distância aproximada de 300 mm da superfície a ser inspecionada. 3. Tempo entre o término do aquecimento e a aquisição do primeiro mapa de fases [2]: 10 s. COTEQ - 186 4. Número de imagens de fase adquiridas e o intervalo de tempo entre elas: 20 imagens de fase foram adquiridas para cada seção com intervalo de 5 s entre cada aquisição. 5. Shearing (Deslocamento Lateral da Imagem) aplicado: 10 mm. 4. Resultados da Inspeção Neste ensaio em campo, apenas a parte inferior da manta polimérica foi inspecionada. Esta decisão foi tomada em função das limitações do tempo disponível para o ensaio. A Figura 8 mostra algumas fotos tiradas durante o ensaio. Figura 8. Superior: Preparação e instalação do sistema Inferior: Iluminação laser e excitação térmica pouco antes da inspeção Um total de 28 medições foi realizado: duas medições (shearings de 10 mm nas direções axial e circunferencial, conforme Figura 9) para cada uma das doze seções. Adicionalmente, as bordas de duas seções foram também inspecionadas. Figura 9. Esquema do duto indicando as direções dos shearings aplicados COTEQ - 186 Para cada seção do duto, um conjunto de 40 imagens foi combinado e analisado de diferentes formas. As Figuras 10 à 13 evidenciam a presença de defeitos, com diferentes intensidades e dimensões, em duas regiões avaliadas. Nenhum deles compromete a integridade do revestimento nem do duto ensaiado. Avaliações aprofundadas destes e de outros defeitos foram realizadas, porém não podem ser apresentadas neste trabalho por restrições contratuais. 1 2 Figura 10. Defeitos identificados no meio da manta polimérica (shearing axial) 1 2 Figura 11. Mesmos defeitos da Figura 9 com shearing na direção circunferencial COTEQ - 186 1 4 3 2 Figura 12. Defeitos identificados na borda da manta polimérica (shearing axial) 1 4 3 2 Figura 13. Mesmos defeitos da Figura 12 com shearing na direção circunferencial 5. Localização dos defeitos sobre a estrutura Após a realização do ensaio em campo, notou-se a necessidade de uma ferramenta que auxiliasse na a indicação da localização do defeito sobre a estrutura inspecionada, levando à criação de um pequeno dispositivo dotado de uma luz indicadora, conforme mostrado na Figura 14. COTEQ - 186 Figura 14 – Dispositivo indicador da posição real do defeito Após processadas as imagens de fase e identificados os defeitos, cria-se, através de software, uma máscara binária, onde os pixeis de cor branca indicam a posição dos defeitos e os de cor preta indicam a parte íntegra da estrutura. Com o sistema ainda na mesma posição em que se realizou a inspeção, aciona-se o modo localização e passa-se o dispositivo indicador sobre a superfície da estrutura inspecionada. O confronto da imagem ao vivo, adquirida pela câmera, com a máscara previamente criada faz com que o LED mude de cor de acordo com a posição em que se encontra o dispositivo: a cor vermelha do LED indica que o dispositivo se encontra sobre uma região contendo defeito e a cor verde indica a posição sobre a parte íntegra da estrutura. O LED pode assumir também a coloração amarelada, significando que o dispositivo encontra-se fora da área de visão da câmera CCD. A Figura 15 mostra a superfície de um segmento de duto analisado em laboratório, onde os defeitos foram localizados com a ajuda deste dispositivo. Figura 15 – Esquerda: Sobreposição do mapa de franjas sobre a imagem real Direita: Imagem da superfície real com os defeitos devidamente indicados 6. Conclusões Este trabalho mostra resultados da inspeção realizada em uma manta polimérica que reveste um dos dutos de transporte de gás natural da Plataforma de Merluza da Petrobrás. Apesar das limitações do protótipo de laboratório, a técnica de shearografia aplicada à detecção de falhas de adesão em campo funcionou de modo plenamente satisfatório. Mesmo com a realização de um único aquecimento por inspeção, em virtude da falta de tempo, vários defeitos foram apontados na estrutura. Somente através da realização de ensaios em campo é possível identificar as reais necessidades de um sistema de inspeção, fato que originou a criação do dispositivo óptico para a indicação da posição dos defeitos diretamente sobre a estrutura real. Foram também identificadas, várias COTEQ - 186 exigências para a construção de um sistema de inspeção capaz de operar em campo totalmente de acordo com as normas de trabalho em áreas classificadas. Necessita-se ainda que sejam testados diferentes tempos de aquecimento com diferentes corpos de prova em laboratório para que se possa estimar, da melhor forma, a profundidade de cada falha detectada e, em etapas mais futuras, deve-se também poder indicar a necessidade de reparo ou troca de toda a luva com base na quantidade de defeitos encontrados numa inspeção deste tipo. Porém, apesar das dificuldades encontradas, mostrou-se o grande potencial da shearografia na detecção de falhas em estruturas de materiais compósitos. 7. Agradecimentos É com grande satisfação que o Laboratório de Metrologia e Automatização da Universidade Federal de Santa Catarina e a Photonita agradecem ao Dr. Luiz Cláudio Meniconi do CENPES/PETROBRAS e a todo o staff da Plataforma de Merluza pela grande oportunidade e por todo o apoio prestado para a realização deste ensaio. Registra-se agradecimento à ANP que, através do PRH-034, apoiou o desenvolvimento e construção do protótipo ensaiado e também à FINEP/CTPetro pelo apoio através de projeto recentemente contratado. 8. Referências bibliográficas [1] Albertazzi, A., Meniconi, L. C., Willemann, D. P., et al. Detecção de Falhas de Adesão entre Mantas Poliméricas e Dutos usando Interferometria de Deslocamento Lateral. XXIV CONAEND, São Paulo – SP, Brasil (2006). [2] W. Steinchen, L. Yang. Digital Shearography – Theory and Application of Digital Speckle Pattern Shearing Interferometry. SPIE Press, Bellingham, Washington, USA (2003). [3] P. K. Rastogi. Measurement of static surface displacements, derivatives of displacements and three-dimensional surface shapes. Examples of Applications to Non-Destructive Testing, Digital Speckle Pattern Interferometry and Related Techniques, P. K. Rastogi, Ed., pp. 142224, Wiley, New York (2001). [4] Y. Y. Hung, H. P. Ho, Shearography: An Optical Measurement Technique and Applications. Materials Science and Engineering 49, 61-87, (2005). [5] Rust Engenharia Ltda., http://www.rust.com.br/5_residuto_home.asp. Visitado em 2 de maio de 2007.