A FALTA DE SEGURANÇA COMO EXPECTATIVA NEGATIVA QUANDO DA ESCOLHA DO DESTINO DE VIAGEM : Análise de aspectos selecionados do caso de turistas estrangeiros no Brasil Autoria: Frederico A. de Carvalho RESUMO Os padrões de segurança vigentes nas grandes cidades brasileiras não diferem muito dos que prevalecem no resto do mundo. É comum, porém, ouvir que um dos maiores obstáculos ao turismo no Brasil é a “falta de segurança”. O objetivo deste trabalho é analisar aspectos do comportamento do turista estrangeiro para melhor entender sua percepção sobre segurança. Partindo do modelo proposto por Howard & Sheth, investiga-se a associação entre características do turista e sua percepção sobre a segurança no destino. A base empírica é uma pesquisa de campo realizada no Rio de Janeiro. Os resultados não dão suporte a certas idéias correntes sobre a percepção da segurança como obstáculo ao turismo no Brasil. Uma implicação importante é o foco a ser dado a campanhas promocionais para divulgar o Brasil como “destino turístico” no exterior. No presente trabalho se estuda um aspecto do turismo receptivo no Brasil que o senso comum normalmente classifica como nitidamente negativo, a saber, a segurança local. O propósito de nossa análise é investigar aspectos selecionados do comportamento do turista estrangeiro que visita o Brasil, de modo a verificar se existe evidência empírica que dê suporte ao estigma negativo que hoje reveste a questão. A seleção dos aspectos a estudar se vale da literatura relevante e os testes empíricos se apoiam em pesquisa de campo realizada com viajantes no momento em que retornavam a seus países de origem. Após esta breve introdução apresentam-se a motivação e os antecedentes do estudo. A seguir está descrita a metodologia em que se baseia o estudo, depois do que aparecem os resultados obtidos. O texto se encerra com a discussão dos resultados e a exposição de alguns comentários conclusivos. Motivação Entre 1987 e 1995 a participação do turismo no PIB brasileiro passou de 6,5 % para 8 %, tendo mesmo ultrapassado os 8% em 1989 e 1990; em 1997 a indústria do turismo movimentou quase US$ 65 bilhões, cerca de 8% do PIB naquele ano. Ainda assim, esta participação está bem abaixo da média mundial. Em termos macro, nem o reconhecimento do potencial, nem a preocupação com o setor são recentes. Na verdade, mais recentemente a EMBRATUR tem procurado aliar-se às secretarias estaduais em iniciativas para desenvolver as atividades de turismo, tanto doméstico, quanto receptivo. Segundo dados da EMBRATUR, o setor privado pretende investir mais de US$ 5 bilhões no setor, incluindo a oferta de novos produtos turísticos e o setor de hospitalidade. Em termos micro, por outro lado, não se procura sistematizar devidamente o conhecimento sobre o comportamento do consumidor de produtos e serviços; ao contrário, prevalecem ainda muitos estereótipos, tanto comportamentais, quanto sobre as cidades brasileiras ou o Brasil como um todo. A expectativa para 2000 é que o número total de turistas (isto é, domésticos mais internacionais) supere a marca de 25 milhões. No entanto, no que se refere ao turismo receptivo não há motivos para muito otimismo. De fato, o relatório da Organização Mundial do Turismo de 1994 não inclui o Brasil entre os 40 países mais visitados do mundo, embora 1 estejam nesta lista países latinos tais como México (na décima primeira posição e primeiro entre os latinos), Argentina, Porto Rico e Uruguai. A despeito de oferecer um certo número de atrativos que podem influenciar positivamente o turista estrangeiro - tais como clima ameno; praias e outras belezas naturais; música e outras atrações culturais; cordialidade, sociabilidade e descontração dos habitantes o Brasil parece não estar ainda aproveitando adequadamente este potencial. É possível que, de encontro a tantos fatores positivos, estejam operando certos aspectos desfavoráveis, que funcionam como obstáculos à escolha do Brasil como destino de viagem. Isto é particularmente desvantajoso neste momento em que alguns autores (Buhalis & Cooper, 1998) vêm assinalando o declínio de muitos destinos turísticos tradicionais (por exemplo, europeus e particularmente mediterrâneos), já que o Brasil pode estar deixando de ser percebido como alternativa àquelas localidades declinantes, ao contrário de outros países (por exemplo, o México, ou países do leste europeu) que podem aparecer efetivamente como novas alternativas. Mesmo reconhecendo a existência de vantagens locacionais “absolutas” tais como a proximidade entre México, Estados Unidos e Canadá, ou entre os países europeus - parece justificado procurar conhecer melhor quais são esses fatores “negativos” e qual sua influência. No caso brasileiro, o Instituto Datafolha divulgou pesquisa realizada em março de 1995, após o Carnaval, apurando entre outras coisas, que os dois fatores mais negativos, na opinião dos 1000 turistas estrangeiros entrevistados, foram o custo de vida e a pobreza; também foram mencionados a distância (uma desvantagem “absoluta”), as esperas em aeroportos (relacionadas às poucas opções de vôo), a falta de divulgação externa sobre o país e a falta de informação interna sobre o país, e a segurança. Este resultado não deixa de ser curioso, porque, a julgar pelo comportamento eleitoral de candidatos e de eleitores urbanos e por outras manifestações estereotípicas de âmbito nacional, a segurança é certamente um fator apontado como desvantagem notória do Brasil (especialmente de certas cidades consideradas “atrativas”) como destino de viagem. O foco de interesse deste trabalho é a percepção dos turistas estrangeiros sobre a segurança enquanto geradora de expectativas negativas sobre o país e, nesta medida, como obstáculo ao desenvolvimento do potencial turístico brasileiro. Antecedentes Como sugerido antes, o destino turístico como “produto” é tema que interessa diretamente aos agentes envolvidos no macroplanejamento do turismo como atividade econômica sistêmica, em nível regional ou nacional. Deste ponto de vista, foi tratado na literatura de Marketing sob a denominação “Marketing de lugares” (Kotler & Armstrong, 1993, p. 421) por autores tais como Kotler, Maesincee & Jatusripitak (1997), Kotler, Haider & Rein (1993), ou Heath & Wall (1992). Autores tais como Mill (1990) e Acerenza (1987) também trataram do Marketing de destinos turísticos de um ponto de vista macro, sob a denominação de “Administração do turismo”. Nesta literatura, o interesse se volta às atividades desenvolvidas com objetivo de criar, manter ou alterar atitudes ou comportamentos em relação a determinados lugares - por exemplo, um país, um estado, uma cidade, um ponto turístico (Kotler & Armstrong, 1993, p. 421). Além dos instrumentos usuais de Marketing, outros podem ser acionados, tais como políticas industriais localizadas, investimentos em infraestrutura (viária, portuária, hoteleira, etc.) e incentivos de localização, entre outros. Para Burkart (1985, p. 188), existem razões para abandonar, ainda que parcialmente, o conceito de “lugar de destino” como o “produto” turístico por excelência. Entre elas o autor inclui o exemplo de que a atuação conjunta de empresas aéreas, hotéis e operadoras 2 transformou profundamente o produto turístico vendido com o nome de “pacote turístico”. Segundo Burkart, enquanto que o “produto turístico” tradicional continua associado ao destino, o “pacote” é um produto relativamente independente do destino (“destinationindifferent”); por exemplo, o que passa mesmo a ter importância é a duração da estada, as características do hotel e a existência de uma piscina (mesmo em hotéis à beira-mar). Neste trabalho se procura adotar uma visão micro, mais voltada ao “comportamento do viajante”, isto é, ao comportamento do consumidor de produtos e serviços turísticos (cf. Mill & Morrison, 1992, capítulos 1 a 8; Milman, 1990; Meidan, 1985; Antti & Yavas, 1983; Woodside & Ronkainen, 1980; Jenkins, 1978). Seguindo sugestão de Mill & Morrison (1992, p. 100-segs.), Sá (1998) partiu do modelo proposto por Howard & Sheth (1969) como referencial teórico para analisar a escolha do Brasil como destino de viagem pelo turista estrangeiro. A versão adaptada do modelo pode ser visualizada em Sá (1998, p. 31). Em palavras simples, o modelo simplificado sugere que a decisão de escolher o Brasil como destino de viagem resulta da influência simultânea de um conjunto de fatores : o perfil do viajante e da viagem; as motivações do turista; as fontes de informações que utiliza; e as alternativas de destino consideradas. O perfil do viajante pode ser captado através de uma lista de características sociodemográficas e psicológicas (Mill & Morrison, 1992, p. 76-93). Para os autores, essas características se combinam em dois aspectos importantes que influenciam o perfil: a disponibilidade de tempo e o estágio de vida familiar; em contrapartida, entendem os autores que há viajantes não diretamente relevantes em termos de turismo, tais como os migrantes ou os trabalhadores temporariamente expatriados, tais como as tripulações de aeronaves (p. 133). O perfil da viagem pode ser captado através de três características principais: o propósito (ou “razão” ) da viagem, a duração da viagem, e o tipo de viagem. De acordo com Meidan (1985, p. 169), o propósito da viagem é a variável mais popular entre agentes, operadoras, hotéis e empresas aéreas para segmentar as viagens de acordo com os seguintes segmentos: a negócios, férias, congresso ou convenção, visitas, emergências e “outras”. Para muitos autores (Mill & Morrison, 1992, p. 133-147) , é suficiente distinguir entre business travels e non business travels, incluindo entre aquelas as viagens regulares a negócios, os congressos e outros encontros profissionais, e as viagens de incentivo; já as viagens non business ou pleasure seriam viagens de férias, visitas a parentes e amigos, e viagens / eventos temáticos (por exemplo, peregrinações). Dependendo de a duração da viagem dar ou não ensejo a hospedagem, pode-se separar os viajantes em turistas propriamente ditos (que passam pelo menos uma noite no destino) e excursionistas (que chegam e retornam no mesmo dia). Finalmente, o tipo de viagem diz respeito à existência ou não de acompanhantes do viajante, distinguindo-se vários casos segundo o número e o tipo de relacionamento entre os membros do “grupo”, destacando-se então a viagem desacompanhada, a dois (“casais” de todos os tipos), com familiares, com amigos, com colegas de trabalho, e os diversos tipos de viagem em grupo organizado (tours; cf. Lundberg, 1980, p. 114-5; Milman, 1990). Evidentemente, as variáveis que caracterizam o perfil da viagem influenciam-se reciprocamente, o que pode ter importantes conseqüências para as atividades de Marketing. Por exemplo, segundo Meidan (1985, p. 170), via de regra as viagens a negócio são curtas e não podem ser prolongadas pela via da propaganda, embora possam comportar, por exemplo, uma extensão devida a incentivo; isto requer uma concepção adequada do composto promocional para estimular a compra dessas viagens. 3 É comum argumentar que as motivações do turista traduzam suas necessidades. Em termos de Marketing, o que normalmente interessa não é a necessidade em si, mas a forma como o consumidor vai satisfazer suas diversas necessidades. Assim, Mill & Morrison (1992, p. 20) procuram mostrar diretamente como necessidades e motivações estão relacionadas no caso dos produtos e serviços turísticos. Já Meidan (1985, p. 171) classifica as necessidades do viajante em três classes: (a) necessidades comuns a todos os turistas, tais como comer, beber, descansar; (b) necessidades genéricas, tais como entretenimento, novas experiências; e (c) necessidades específicas, tais como entender os cardápios ou entender a conversão de valores monetários. A segurança no local de destino seria um exemplo de necessidade comum em relação à qual o turista não manifesta, em geral, preferência por quaisquer formas específicas de satisfação, mas cuja falta pode causar-lhe extrema insatisfação. Na literatura dos países desenvolvidos, o problema da segurança, no que se refere às viagens e ao turismo, foi quase sempre estudado em termos de guerras, terrorismo ou catástrofes - por exemplo, acidentes nucleares ou acidentes em estações de inverno (ver, por exemplo, Sahlberg et al., 1995). Isto é compreensível na medida em que, na maioria daqueles países, o problema da segurança pública nas áreas urbanas já foi, de certa maneira, satisfatoriamente resolvido (para uma exceção, ver Hollinger e Schibler, 1995). Mesmo assim, segundo C. Kemmer, diretora executiva do Office of Waikiki Development (Havaí, USA), diversos estudos constataram que a segurança é sempre um dos três fatores mais importantes quando turistas americanos planejam suas férias fora de casa (Kemmer, 1995). Ao contrário, no caso que nos interessa analisar - a saber, a percepção do Brasil (ou mais especificamente do Rio de Janeiro) como destino turístico “inseguro” - passa a ter importância determinante o processo através do qual turistas estrangeiros que se propõem a visitar cidades brasileiras são levados a formar uma visão negativa sobre o destino de viagem ainda durante o processo de escolha do local, antes mesmo de chegarem a / visitarem seu destino. No presente trabalho decidimos estudar este processo sob o ponto de vista que a teoria do Comportamento do Consumidor denomina busca externa de informação sobre o produto ou serviço (Engel et al., 2000, p. 121). De modo geral, as fontes de informação podem ser divididas, para Mill & Morrison (1992, p. 36), segundo o ambiente a que pertençam, a saber, o ambiente social (família, amigos, parentes) ou comercial (agentes de viagem, empresas aéreas, diversos tipos de mídia). Além dessas, segundo Beales et al.(1981, p. 12), experiências pessoais anteriores também servem como fonte adicional de informação para o viajante potencial ao considerar a compra de uma viagem. A ação conjunta de todas essas fontes realimenta o processo de decisão, influenciando percepções, motivações, alternativas e critérios de decisão (Mill & Morrison, 1992, p. 11). Em termos de Marketing, a escolha entre diversas alternativas de destino é importante sob vários aspectos. Primeiro, se um consumidor nem chegou a comparar entre duas ou mais escolhas possíveis, sua decisão não tem a mesma força do que naqueles casos em que havia “concorrência” entre diferentes alternativas prévias. No caso de viagens, as visitas a familiares muitas vezes limitam o número de destinos possíveis, especialmente no turismo internacional. Segundo, conforme Hawkins et al. (1995), é proveitoso distinguir os vários componentes do awareness set, já que (a) existe um subconjunto de alternativas dentro do qual o consumidor vai tomar sua decisão final (o chamado evoked set), e (b) este subconjunto contém, em geral, muito menos alternativas do que aquele awareness set. Em outras palavras, 4 ao considerar ações de Marketing, é preciso não somente conhecer as alternativas que podem estar “concorrendo” entre si no evoked set, mas também saber que apenas criar awareness pode ser insuficiente ou inadequado (p. 446). A análise da gestão de serviços pelo ângulo das avaliações negativas não parece muito desenvolvida na literatura brasileira. Em termos internacionais, além dos estudos – bem mais frequentes – sobre diversos aspectos da insatisfação, pode-se citar o trabalho de Dawes e Rowley (1999), que propuseram um modelo chamado 4 Ds – disconfirmation, dissatisfaction, dissonance e disaffection – e exemplificaram no caso dos serviços educacionais. No presente trabalho é central o papel desempenhado pelas expectativas negativas em termos da própria escolha do serviço. Metodologia Entre os turistas que viajam ao Brasil, alguns, no momento em que se preparavam para tomar a decisão e consideravam o que poderia ocorrer no local escolhido, certamente devem ter incluído a falta de segurança como fator inibidor de sua satisfação com a decisão tomada e a conseqüente escolha do local; em outras palavras, a falta de segurança estaria positivamente relacionada ao risco percebido de uma decisão inadequada quando da escolha de um destino de viagem. A questão de pesquisa que queremos responder neste trabalho é : o que caracteriza os turistas que, ao escolherem o Brasil como destino de uma viagem, temiam pelo que poderia ocorrer de negativo devido à falta de segurança existente no país ? Para responder esta questão, vamos testar as seguintes hipóteses: H01 : não existe associação entre o perfil do viajante e a percepção de falta de segurança; H02 : não existe associação entre o perfil da viagem e a percepção de falta de segurança; H03: não existe associação entre a fonte de informação utilizada pelo viajante e a percepção de falta de segurança. A pesquisa empírica que gerou os dados aqui utilizados foi desenvolvida originalmente por Sá (1998), que utilizou uma amostra de conveniência de 50 turistas que estavam retornando a seus países de origem. O instrumento de coleta foi o questionário estruturado, construído com base em uma versão simplificada do modelo de Howard & Sheth (Mill & Morrison, 1992, p. 101). Além das questões relativas ao processo de decisão de compra, havia também questões para levantar as expectativas existentes antes da viagem e para possibilitar uma avaliação simplificada da experiência de viagem. Embora o questionário contivesse perguntas fechadas, de múltipla escolha, a coleta por interceptação fez com que fossem evitadas escalas, havendo também algumas questões abertas, num total de 24 perguntas. O questionário foi traduzido para o Inglês e então pré-testado com outros pesquisadores e no campo. Os entrevistadores eram fluentes em Inglês e foram treinados para a tarefa, mas não eram entrevistadores profissionais. Durante as entrevistas, os entrevistadores mostravam cartões com as alternativas de resposta para facilitar a tarefa do respondente. Os entrevistados foram abordados entre dezembro de 1995 e fevereiro de 1996, isto é, entre as festas de fim de ano e o Carnaval, no intuito de alcançar turistas com diferentes perfis; este mesmo propósito exigiu a realização de entrevistas em diferentes horários (manhã, tarde e noite). As entrevistas ocorreram sempre 5 após a realização do check in, no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, que é a porta de entrada da grande maioria dos viajantes que chegam ao Brasil por via aérea e é a cidade mais visitada pelos turistas estrangeiros (EMBRATUR, on line). Devido à natureza das perguntas, as hipóteses serão testadas através de testes nãoparamétricos (qui-quadrado e Mann-Whitney), conforme a variável a testar seja categórica ou numérica (Blalock, 1972, p. 255-62, p. 275-86). Resultados Das 50 entrevistas realizadas, 46 forneceram questionários aproveitáveis. Como se tratava de amostra não probabilística, Sá (1998, p. 48-58) procedeu a uma validação ex post, comparando os resultados obtidos nesta pesquisa com os resultados obtidos para o ano de 1996 na pesquisa anual que a EMBRATUR realiza sobre turistas estrangeiros em visita ao Brasil, e concluiu pela ampla consistência de resultados entre as duas pesquisas (Sá, 1998, p. 67). A título ilustrativo, vejamos algumas comparações: (a) a renda (familiar) média nesta pesquisa está em torno de US$ 60.000, enquanto que a renda (individual) média é de cerca de US$ 41.500 na pesquisa da EMBRATUR.; (b) nesta pesquisa, cerca de 70 % dos respondentes apontaram férias como motivo de sua viagem, contra 67 % na pesquisa da EMBRATUR apontando o mesmo motivo; (c) se desconsiderarmos, na pesquisa da EMBRATUR, as cidades brasileiras que recebem grandes fluxos de turistas estrangeiros que viajam de automóvel (por exemplo, Porto Alegre ou Florianópolis), já que a presente pesquisa entrevistou essencialmente viajantes por via aérea, obteremos exatamente a mesma ordem das cidades mais visitadas: Rio de Janeiro, São Paulo, Foz do Iguaçu, Salvador, Manaus e Fortaleza (Sá, 1998, p. 57). Uma vez que muitas perguntas permitiam escolher alternativas múltiplas, por vezes essas alternativas foram agregadas para facilitar a interpretação ou a realização de testes. Por exemplo, ao ser perguntado sobre as fontes de informação utilizadas para escolher o destino da viagem, o respondente podia escolher entre 11 diferentes fontes de informação - viagens anteriores, agentes de viagens, amigos / família, jornais e revistas, etc. - mais a alternativa “outros”. Para certos propósitos, foi conveniente agrupar as respostas em 5 categorias de fontes (experiência própria, propaganda escrita, fontes comerciais, TV e fontes sociais). Na pesquisa da EMBRATUR, a televisão é o meio de comunicação que mais influencia a decisão de visitar o país. Para captar a percepção sobre segurança, utilizou-se a pergunta do questionário em que o respondente devia apontar, dentre 7 alternativas estimuladas e a opção “outros” - quais suas expectativas, quando escolhia seu destino, sobre o que poderia ocorrer de negativo, no caso de escolher o Brasil. A alternativa oferecida como “falta de segurança” foi a expectativa de ocorrência de assalto; embora reconhecidamente extrema, trata-se de ocorrência freqüente nos relatos sobre as condições correntes da vida urbana. Além disso dá oportunidade a todos os respondentes de ter uma referência concreta em lugar da idéia mais ambígua despertada pelo termo “segurança”. Foi então criada uma variável binária para distinguir entre ter ou não marcado a segurança como expectativa negativa; 25 respondentes (54 %) não marcaram e 21 (46 %) responderam considerar a segurança como expectativa negativa. Vale notar que a resposta foi dada no momento da viagem de retorno, ou seja, depois de ocorrida a viagem e, portanto, depois de vivenciada pelo turista a situação existente de maior ou menor segurança. 6 Para testar as duas primeiras hipóteses, não foram utilizadas todas as perguntas relativas a perfil, escolhendo-se apenas aquelas das quais se esperava alguma relação a priori com a percepção de segurança. No caso da hipótese H01, sobre o perfil do viajante, utilizou-se o número de viagens anteriores ao Brasil , esperando-se que a experiência passada estivesse associada à formação de expectativas sobre o país, inclusive sobre segurança. O teste de Mann-Whitney resultou em um valor de U = 260,5, com p = 0,9626, o que leva a aceitar a hipótese nula e concluir que há independência entre a expectativa sobre segurança e o fato de já ter visitado o país. No caso da hipótese H02, sobre o perfil da viagem, quatro caminhos foram seguidos. Primeiro, os respondentes foram grupados de acordo com o propósito da viagem, gerando duas classes - (1) viajantes em férias ou que vieram visitar parentes / amigos (que constituiriam os pleasure travelers) e (2) turistas em viagem de trabalho/negócio ou de estudos (que seriam os non pleasure travelers). A principal virtude desta classificação decorre de supor que o comportamento e os recursos do pleasure traveler para enfrentar situações de falta de segurança difiram dos daqueles cujas tarefas, sendo mais bem definidas, proporcionam movimentos e deslocamentos relativamente mais controláveis. O teste de quiquadrado resultou no valor corrigido de χ2 = 0,0000, com um grau de liberdade e p = 1,0000, indicando que se deve aceitar a hipótese nula de que existe independência entre o propósito da viagem e a expectativa negativa sobre segurança. A seguir, para representar o perfil da viagem através do tipo de viagem foi criada uma variável binária, combinando alternativas múltiplas, que separou os casos de viagens “a sós / a dois” dos casos referentes a viagens com amigos, família, ou em grupo. Com isso procurou-se retratar o fato de que a viagem mais “exclusiva" despertasse mais o viajante para aspectos tais como a segurança, enquanto que a viagem mais “coletiva” estaria associada a uma expectativa menos aguçada em termos de falta de segurança. O teste de qui-quadrado resultou no valor corrigido de χ2 = 0,1037, com um grau de liberdade e p = 0,7474, indicando que se deve aceitar a hipótese nula de que existe independência entre o tipo de viagem e a expectativa negativa sobre segurança. Em terceiro lugar, procuramos representar o perfil da viagem através do aspecto duração da viagem, supondo que viagens mais longas aumentariam a probabilidade de ocorrerem problemas com o turista, inclusive de segurança, e que ele poderia incorporar isto em suas expectativas. Neste caso o teste de Mann-Whitney resultou em um valor de U = 192,0, com p = 0,1189, o que leva a aceitar a hipótese nula e concluir que há independência entre a expectativa sobre segurança e o numero de dias passados em visita ao país. Finalmente, ainda com respeito ao perfil da viagem, trabalhou-se com a variável “número de cidades visitadas”, que também representa maior exposição do turista às ocorrências negativas (e, nesta medida, tem relação com a variável “duração”). O teste de Mann-Whitney resultou em um valor de U = 246,0, com p = 0,7080, o que leva, novamente, a aceitar a hipótese nula e concluir que há independência entre a expectativa sobre segurança e o número de cidades visitadas durante a viagem ao Brasil. No caso da hipótese H03, sobre as fontes de informação, as freqüências obtidas em algumas células de diversas tabulações cruzadas só permitiram testes para duas classes de fontes de informação: as fontes comerciais (agentes de viagens, operadores, empresas aéreas) e a experiência própria. No caso das fontes comerciais, o teste de qui-quadrado resultou no 7 valor corrigido de χ2 = 3,9445, com um grau de liberdade e p < 0,05, indicando que a hipótese nula deve ser rejeitada, aceitando-se a alternativa de que existe associação entre uso de fontes comerciais de informação e expectativa negativa sobre segurança. Inspecionando as células, é possível constatar que, dentre os que usaram tais fontes, 69 % também tinham expectativas negativas, contra 31 % que não esperavam ocorrências negativas em termos de segurança; reciprocamente, dos que não usaram tais fontes, 67 % não esperavam “problemas” de segurança, contra 33 % que esperavam. No casos em que a experiência própria serviu como fonte de informação, o valor obtido no teste foi χ2 = 0,817, com um grau de liberdade e p = 0,775, indicando que se deve aceitar a hipótese nula de que existe independência entre usar a experiência própria como fonte de informação e formar expectativa negativa sobre a segurança no destino da viagem. Vale notar que, de certa maneira, este resultado valida o resultado da hipótese H01, já que as viagens anteriores ao Brasil são uma fonte de informação que os viajantes muito provavelmente utilizam, mesmo quando não admitem conscientemente o fato. Discussão e conclusões Embora os padrões de segurança vigentes nas grandes cidades brasileiras não difiram muito do que se observa em cidades semelhantes no resto do mundo, é comum ouvir que um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do turismo receptivo no Brasil é a “falta de segurança”. Existem evidências de que os visitantes estrangeiros não parecem estar associados à divulgação desta visão. De fato, os resultados de uma pesquisa do Instituto Datafolha, realizada após o Carnaval de 1995, mostram que a segurança, embora citada entre os fatores negativos, não está , na opinião dos 1000 turistas estrangeiros entrevistados, entre os fatores mais negativos. Além disso, de acordo com as pesquisas anuais realizadas pela EMBRATUR com turistas estrangeiros, a segurança também não aparece entre os pontos mais negativos apontados pelos visitantes, vindo após aspectos tais como informação e sinalização para o turista, o transporte (especialmente táxis) e a limpeza nas cidades. Todas essas pesquisas solicitavam ao visitante uma avaliação da situação por ele experimentada quanto àqueles vários aspectos. Na presente pesquisa, procurou-se outro tipo de informação, perguntando a respeito do aspecto sobre o qual o viajante tinha expectativa mais negativa ao escolher o Brasil como destino de sua viagem e oferecendo diversas alternativas das quais ele escolheria uma única; a segurança estava exemplificada por uma situação extrema - o temor de sofrer um assalto. Apesar da referência da pergunta ao momento da escolha, ocorrida, supostamente, quando o viajante ainda estava em seu país, pode-se imaginar que, sendo a resposta dada ao final da viagem, alguns respondentes poderiam estar “contaminados” pela experiência vivida aqui, sendo difícil esperar precisão na resposta. Ora, na presente pesquisa a segurança foi o aspecto mais citado dentre as oito alternativas oferecidas, sendo apontada por 46 % dos entrevistados, contra 28 % da segunda alternativa mais citada (“outros”) e 6,5 % da terceira (a “distância”). Vale observar, no entanto, que 54 % dos entrevistados não apontaram expectativas negativas quanto à segurança. Em sua pesquisa original Sá (1998, p. 57) também tinha constatado que, independentemente da percepção prévia sobre a falta de segurança como expectativa influenciando negativamente a escolha do destino de viagem, mais de 90 % dos entrevistados declararam pretender retornar ao Brasil. Isto pode ser interpretado como indício de que aqueles que chegam efetivamente a visitar o Brasil podem desfazer expectativas negativas 8 previamente existentes sobre falta de segurança. Em contrapartida, não se sabe quantos visitantes o país pode estar perdendo porque, negativamente influenciados por esses e outros aspectos negativos, podem ter desistido da compra sem mesmo experimentar uma visita. Os resultados aqui obtidos podem ser de alguma forma úteis a este respeito ? Em parte não, já que os testes efetuados a partir do modelo simplificado não permitiram caracterizar aqueles visitantes que reconheceram ter formado expectativas negativas; além disso, uma vez que eles efetivamente viajaram até aqui, não há como avaliar o “poder desencorajador” da questão aqui analisada. No entanto, o resultado do teste sobre a duração da viagem parece indicar que uma eventual expectativa desfavorável quanto à segurança não teve influência significativa sobre a decisão quanto ao “tamanho” da viagem. Por outro lado, foi descoberto um indício que, se melhor acompanhado, pode ser útil para alterar as expectativas dos turistas potenciais, isto é, aqueles que estão considerando escolher o Brasil como seu destino de viagem. De fato, foi verificado que existe associação (aparentemente positiva) entre a utilização de fontes de informação tais como os agentes de viagem, as operadoras e as empresas aéreas - aqui denominadas “fontes comerciais” - e a existência de expectativa negativa quanto à segurança no Brasil. Dois aspectos interdependentes desta descoberta merecem destaque. Primeiro, tais expectativas são supostamente formadas no país de origem, quando o viajante está planejando sua viagem. É muito remota a possibilidade de que alguém localizado no Brasil consiga influenciar este processo exatamente no momento em que está ocorrendo; assim, é desejável poder realizar, de forma planejada e sistemática, ações preventivas junto àquelas fontes de modo a anular ou atenuar o tipo de efeito aqui vislumbrado. Segundo, a necessidade de tais ações é tanto maior quanto são estas fontes também responsáveis pela venda da maior parte dos produtos que compõem o “pacote de viagem”, o que significa ser altamente provável que todo viajante tem algum tipo de interação com alguma (ou mesmo todas) destas fontes, evidenciando um alto poder de influenciar o processo de compra como um todo. Assim, de acordo com o resultado aqui obtido, em vez de tentar divulgar informações e/ou imagens positivas por meio de campanhas publicitárias de maior ou menor cobertura, parece ser mais eficaz dirigir parte dos recursos envolvidos para uma ação promocional de amplo espectro dirigida àquelas três “fontes”. Para encerrar, cabe mencionar algumas limitações que persistem neste trabalho. Desde logo vale destacar duas delas, relacionadas à amostra utilizada para coletar os dados. A primeira diz respeito ao tamanho da amostra, que tem implicação direta sobre o erro amostral; embora amostras não probabilísticas, tais como a que foi empregada nesta pesquisa, não permitam um cálculo direto do erro amostral cometido, uma amostra de tamanho 46 pode ser considerada “pequena” em qualquer caso, o que recomenda cautela na interpretação e utilização dos resultados. A segunda diz respeito aos diversos fatores que podem causar viés ou seja, um tipo de problema que não se corrige com o simples aumento de tamanho na amostra aqui utilizada. De fato, todas as entrevistas foram realizadas com viajantes por via aérea e que retornavam pelo aeroporto do Rio, não tendo sido possível controlar a influência de qualquer destas variáveis. Por outro lado, na medida em que tais características estivessem positivamente associadas ao perfil esperado dos viajantes que se quer atrair - o que provavelmente seria o caso dos viajantes aéreos - não haveria motivo para preocupação. Outro problema que poderia viesar a amostra e comprometer diretamente o resultado aqui obtido no teste sobre as fontes é o seguinte: imaginemos que o turista que utiliza as fontes comerciais assim proceda devido a características que também o fariam viajar em busca de atrativos altamente correlacionados a riscos de segurança (por exemplo, “turismo sexual”); no 9 caso deste perfil não seria possível alterar expectativas ou comportamentos por qualquer ação promocional junto às “fontes comerciais”. Na verdade, esta é uma razão para que a ação de Marketing junto a essas “fontes” deva ir além da ação promocional tout court. No entanto, é possível que o tamanho deste segmento represente um viés pouco significativo. Uma outra limitação que também causa erro não-amostral se refere ao instrumento de coleta, já que o questionário desta pesquisa, sob alegação das condições de realização da entrevista direta, fez amplo uso de perguntas com respostas “sim/não” e pouco empregou escalas, renunciando a captar de maneira mais precisa a reação dos entrevistados (por exemplo, na decisão de voltar ao Brasil, ou na avaliação da experiência da viagem, ou, ainda, para avaliar diferentes graus de importância dos pontos fortes e fracos do Brasil como destino de viagem). Este tipo de limitação talvez requeira outras tecnologias de suporte às entrevistas por interceptação. Referências bibliográficas Acerenza, M. A., Administración del turismo - conceptualización y organización, Mexico, D.F.: Editorial Trillas, 1987. Antti, H. e U. Yavas, “Tourists perceptions of Finland and selected European countries as travel destinations”, European Journal of Marketing, vol. 17, no. 2, 1983, p. 34-42. Beales, H., M. B. Jagis, S. 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