Teoria da Agência e Teoria da Ação Comunicativa: Da Polarização Teórica à Superação Dicotômica Autoria: Cristiano Estanislau, Eduardo Loebel Resumo: No ambiente competitivo um dos maiores desafios para as organizações tem sido o gerenciamento de seus recursos devido aos vários conflitos desdobrados em conseqüências organizacionais. O contexto concorrencial atual com suas informações incompletas e assimétricas tem sido campo de decisões orientadas prioritariamente pela racionalidade instrumental. Uma conseqüência é o problema de agência pelo qual os interesses individuais podem colocar em risco o equilíbrio entre o desenvolvimento organizacional e os resultados. O presente ensaio tem o objetivo de contribuir para a construção do conhecimento no campo dos estudos organizacionais, a partir de um desenvolvimento teórico sobre a aproximação entre o campo disciplinar da economia das organizações e a teoria crítica. Têm-se como ponto de partida conceitos da teoria da agência e da teoria da ação comunicativa. A partir desta aproximação teórica, objetiva-se identificar algumas questões levantadas por Habermas que elucidam uma crítica à teoria da agência e ao seu modelo monológico. Conclui-se que para a teoria da agência a determinação dos fins se põe como o principal problema a ser resolvido por meio da racionalidade instrumental, utilitarista do tipo sujeito-objeto, enquanto que pela teoria da ação comunicativa os fins podem tornar-se como dados incluindo uma ação racional dialógica do tipo sujeito-sujeito. Ao final, propõe-se uma agenda de pesquisas futuras visando a superação da dicotomia entre as duas teorias em direção a uma teoria organizacional crítica construída a partir da prática. O trabalho se justifica pela busca de ampliação do debate que visa preencher uma lacuna na intersecção do campo de estudos organizacionais e estratégia, caracterizada pelo baixo nível de reflexividade (WHIPP, 2004). Introdução Este artigo é um ensaio que se inspirou na tradição críticai. A teoria de agência apresenta-se com uma estrutura teórica voltada para análise das relações entre participantes de sistemas em que a propriedade e o controle do capital estão reservados a sujeitos diferenciados. Estas relações, por sua vez, dão espaço à formação de conflitos resultantes da existência de interesses distintos entre os participantes (SEGATTO-MENDES; ROCHA, 2002). Sobre este prisma, a teoria da agência está baseada no utilitarismo econômico, desenvolvido a partir de uma tentativa de introduzir questões de incentivos. Ou seja, o principal estabelece um sistema de compensação (contrato) que motiva o agente a agir de acordo com os interesses do primeiro. Porém, na questão dos incentivos está implícito o monitoramento (controle) dos agentes envolvidos baseado no desempenho observado (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). A partir desta definição, o objetivo do artigo é promover o confronto entre a teoria da agência e a teoria da ação comunicativa de Habermas (1987a; 1987b; 1987c; 2001) buscando identificar a teoria da agência com uma forma de primazia da racionalidade técnica nas organizações (ALVENSSON; DEETZ, 1999, p. 241). O trabalho se justifica pela busca de ampliação do debate que visa preencher uma lacuna na intersecção dos campos de estudos organizacionais e de estratégia caracterizada pelo baixo nível de reflexividade e auto-reflexão crítica por parte de seus participantes visto que “a reflexividade pode levar à pesquisa mais profunda e, igualmente, a desafiar projetos aplicados” (WHIPP, 2004, p. 243). Habermas (1987b, p. 122-123) define a ação teleológica como uma relação sujeito-objeto, sendo a ação do sujeito sempre no sentido de intervir na realidade objetiva visando o êxito ou a eficácia da ação na economia de recursos (VIZEU, 2005). Relacionando este conceito à teoria da agência pode-se entender que a ação teleológica, denominada como ação estratégica, é concedida predominantemente ao principal, um dos participantes da interação. O outro participante, o agente, é considerado o objeto, o meio para a consecução do êxito. O modelo monológico, que parte do principal para o agente, pode ser traduzido como um modelo de submissão e, portanto, como uma forma de dominação. Em contrapartida à ação racional instrumental, Habermas (1987b, p. 124) propõe uma ação racional comunicativa como uma relação sujeito-sujeito. A ação racional comunicativa se funda a partir da necessidade que os sujeitos têm de entrarem em entendimento sobre suas situações de vida. Nesta ação se aplica o modelo de orientação dialógica onde os sujeitos interpretam juntos a situação em que se deparam com objetivo de alcançar um consenso. Para Habermas, os participantes desta ação comunicativa são sujeitos capazes de linguagem e ação (PRADO, 1993). Visto que para ele todo ato de fala implica um estado de recíproca compreensão de significados, ou seja, uma ação linguisticamente mediada para uma racionalidade não dominadora (VIZEU, 2005). O problema apontado nesse artigo, a partir do embate que se pretende realizar, é que a determinação dos fins se põe como o principal problema para a teoria da agência enquanto que os fins se tomam como dados para a teoria da ação comunicativa. Na teoria da agência, a atitude que privilegia o monólogo impera como ação racional instrumental de quem sabe o que quer. Na teoria da ação comunicativa a reflexão dialógica prevalece como ação racional comunicativa aos sujeitos que querem saber querer (PRADO, 1993). Para estruturar o artigo e cumprir com o objetivo propõe-se uma estrutura da seguinte forma: em primeiro lugar, apresenta-se a teoria da agência, conhecida também como a teoria do agente-principal, identificando características de sua ação estratégica baseada no utilitarismo econômico. A seguir discorre-se sobre a teoria crítica e a visão de alguns autores contemporâneos a respeito do racionalismo instrumental da modernidade. Dando continuidade, aborda-se as principais questões levantadas pela teoria da ação comunicativa e sua crítica à racionalidade instrumental. Por fim, apresenta-se um quadro comparativo das principais idéias das teorias da agência e da ação comunicativa e uma crítica à primeira por meio dos conceitos da segunda. Teoria da agência A teoria da agência esta baseada na análise dos conflitos e custos resultantes do relacionamento entre agente e principal. Neste relacionamento o agente dispõe de mais informações que o principal e qualquer ação sua influencia o bem-estar entre as partes. Um exemplo que tipifica esta relação é o dos investidores externos em uma empresa. Os investidores (principais) delegam autoridade administrativa aos gestores (agentes). Ao delegar a autoridade, o principal coloca nas mãos dos agentes o poder de tomar decisão (BARNEY; HESTERLY, 2006). Este poder delegado é o que torna problemática a relação na medida em que os interesses do capital (principal) e do agente passam a ser diferenciados gerando, assim, conflitos entre ambas as partes, pois nem sempre o agente atuará a favor dos melhores interesses para o principal (SEGATTO-MENDES, ROCHA, 2002). Esta divergência coloca em pauta a criação de um sistema de compensação (contrato) por parte do principal a fim de motivar o agente de acordo com seus interesses. No entanto, mesmo com a vigência de um contrato entre as partes, a relação e o cumprimento contratual acaba se enquadrando num contexto de assimetria de informação, onde o principal através de 2 um conjunto de mecanismos de incitações tenta levar o agente a fornecer corretamente as informações necessárias. Nesta questão dos incentivos está implícito o monitoramento (controle) dos agentes envolvidos baseado a partir de um desempenho observado (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Diante desta descrição pode-se então afirmar que os problemas de agência estão fundamentados na questão da assimetria de informação onde se podem levantar os seguintes questionamentos: por que é que os principais delegam autoridade aos agentes mesmo sabendo da inevitável assimetria de informação? (BARNEY; HESTERLY, 2006). Será que somente através dos incentivos, controles e mecanismos de acompanhamentos seria possível estabelecer uma ação estratégica que minimize os riscos de conflitos e custos? SegattoMendes e Rocha (2002) observam que se a informação fosse liberada a custo zero, não haveria problemas de agência, visto que os participantes não dependeriam um do outro. Pratt e Zeckhauser (1985) afirmam que toda vez que um indivíduo torna-se dependente da ação do outro, surge um relacionamento de agência, informação completa raramente encontra-se disponível para todas as partes, o problema passa a ser como estruturar um acordo para induzir agentes a servirem aos interesses do principal mesmo quando suas ações e informações não podem ser observadas por ele. A partir da introdução do conceito de assimetria de informação no campo das ações estratégicas, a informação passa a possuir um papel essencial, de custo elevado e importante, porque é a partir dela que uma firma tece sobre si mesma e sobre suas competidoras as estratégias que poderão ser adotadas. Essa ação ocorre porque é interessante para as empresas ocultar informações (custos, pesquisa e desenvolvimento, capacidade financeira, etc.) a seu respeito de forma que seus concorrentes não se beneficiem delas. É correto, então, afirmar que a disposição das informações está diretamente ligada à formação da ação estratégica (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Ou seja, estrategicamente faz-se necessário considerar “não apenas o que os agentes sabem, mas o que eles acham que os seus concorrentes sabem o que eles imaginam que seus concorrentes saibam a seu respeito e o que eles pensam que os outros agentes sabem com relação às informações que eles detêm” (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007, p. 3). A teoria da agência propõe também os conceitos de seleção adversa e risco moral a partir das principais conseqüências decorrentes da assimetria de informação. A seleção adversa é conseqüência do custo de acesso à informação e consiste no fato de que a seleção do produto a ser exigido ocorre de forma adversa, em função da assimetria de informação entre o ofertante e o demandante. A seleção adversa é vista como proveniente de comportamentos oportunistas derivados de assimetria de informações a nível pré-contratual. Contudo, para reduzir a seleção adversa é necessário diminuir a assimetria de informação objetivando amenizar o oportunismo pré-contratual (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Segundo Williamson (1985) existem dois mecanismos que poderão ser utilizados para diminuir a assimetria: o mecanismo da sinalização, onde o agente que recebe a informação deverá confiar na informação do outro agente e o mecanismo de varredura, onde os que desejam informação passam a conceder incentivos a fim de atrair somente outros agentes que possuem a informação desejada. O risco moral se fundamenta nos comportamentos oportunistas após a elaboração do contrato e transações efetivadas. Pode também, decorrer de um comportamento imprevisto, ações escondidas ao longo da execução do contrato. É uma relação em que o principal despenderá um custo oneroso para observar capacidades e esforços dos agentes envolvidos (BARNEY; 3 HESTERLY, 2006). Para uma possível solução contra o risco moral (WILLIAMSON, 1985) a teoria institucional advoga-se os seguintes mecanismos: • • • Monitoramento – uma espécie de auditoria independente a fim de verificar comportamentos inapropriados mesmo antes de eles ocorrerem; Contratos de incentivos – são mecanismos que visam eliminar o risco moral incentivando comportamentos positivos; Joint-venture – é um mecanismo de criação de compromissos que são mais sólidos e mais críveis. Além dessas possíveis soluções há ainda dois outros custos de agência que os acionistas (principal) enfrentam que seriam os custos de oportunidade e as despesas de estruturação. Os custos de oportunidade são as perdas em decorrência da vagarosidade em tomar decisões frente às novas oportunidades. Já as despesas de estruturação podem ser consideradas os custos mais comuns de agência, pois parte de uma necessidade de compensação aos agentes para que eles sempre possam maximizar a riqueza dos principais (SEGATTO-MENDES, ROCHA, 2002). Segundo Barney e Hesterly (2006), uma grande parte da teoria da agência está voltada para a análise da literatura sobre incentivos a fim de induzir empresas a utilizarem os agentes com propósitos utilitaristas a favor dos melhores interesses dos mandantes. Ao se examinar a teoria da agência observa-se uma variedade de planos de compensação incluindo bônus e opções de ações para executivos como salários versus comissões e incentivos por volume de negócios (BARNEY; HESTERLY, 2006). Ao lidar com políticas de remuneração e incentivo a teoria da agência acaba se relacionando com a área funcional de recursos humanos, uma vez que é de sua responsabilidade a abordagem de temas voltados a satisfação, esforço, recompensa e desempenho no trabalho (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Para entender melhor essa relação é necessário reexaminar dois construtos que mostram com clareza a intersecção entre teoria da agência e recursos humanos: • • Satisfação no trabalho – diversos fatores contribuem para a satisfação do individuo no trabalho, tais como supervisão, condições de trabalho e remuneração. Os estudos de Hawthorne (1930-1940) firmaram o mito de que “funcionários felizes são funcionários satisfeitos”. Porém, em análise mais recente o mito foi remodelado em “funcionários produtivos é que tendem a ser satisfeitos com o trabalho”. Esta análise tenta demonstrar que a produtividade leva à satisfação (CHRISTEN; IYER; SOBERMAN, 2006). Ou seja, a produtividade (desempenho / esforço) do agente tende a levá-lo a satisfação; Desempenho / esforço – O desempenho do agente é o esforço gasto por este na realização de sua tarefa. Ele está diretamente ligado à satisfação ou insatisfação no trabalho (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Para a teoria da agência o desempenho significa não somente a satisfação do agente como também serve de controle, parâmetro, monitoramento para a remuneração e incentivos. Nesta tríade satisfação-desempenho-remuneração a assimetria de informação influencia de forma direta as relações entre principal e agente trazendo a motivação como o principal problema a ser resolvido através de meios (motivacionais) extrínsecos e internalizantes. Ou seja, o principal compensa um agente executando determinados atos que são benéficos a ele próprio, mas que não trazem benefícios ou até mesmo trazem prejuízos ao agente, que possui certo desempenho que não foi observado e nem mensurado. A partir deste pressuposto, se faz 4 o seguinte questionamento: como monitorar o desempenho e criar um sistema de incentivo para os dirigentes e demais funcionários? Segundo a teoria da agência uma possível reposta seria alinhar o impacto de incentivos sobre o comportamento e a motivação das pessoas a fim de se ter os interesses de ambas as partes satisfeitas. Porém, isto exigirá um maior controle por parte do principal, para evitar que através da assimetria de informação possa surgir a manipulação e o oportunismo (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Sob esta perspectiva podemos perceber que a teoria da agência tem se utilizado de maneira ingênua no uso do conceito de motivação, pois pesquisadores no assunto têm descartado os mecanismos externos e internalizantes para motivarem os atores. Para Lévy-Leboyer (1994, p. 13), “assim como não se muda a sociedade por decreto, não se motiva os indivíduos com regulamentos e punições, com cenouras e bastões”. Segundo Bergamini (2006), o tema de motivação gerou muitas especulações do senso comum. Pois, muito do que se fala sobre motivação ainda não chegou a ser comprovado como verdade científica. Por isso, não é de se estranhar à aparição de vários grupos de estudo sobre um mesmo foco gerando um grande acervo de mitos e mal-entendidos, tornando quase que impossível à conciliação de pontos de vista tão diferentes e às vezes até antagônicos (BERGAMINI, 1990). A partir do desempenho, as formas de organização do trabalho passaram também a enfatizar as múltiplas habilidades do trabalhador, onde ele deve ser não apenas capaz de resolver problemas como também de prevê-los. Em meio às novas formas e mudanças organizacionais, a assimetria de informação tem estado presente como contratempo. Isso ocorre porque o principal detém informações sobre o processo de mudança, porém não é repassado ao agente. Por outro lado o agente detém importantes informações para a efetividade da implantação da mudança. Esta briga de cabo de guerra através do fluxo de informações pode gerar baixa produtividade e criar barreiras contra os processos de mudanças que estão presentes a todo o momento como exigência para a sobrevivência da organização (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Outra perspectiva sobre a teoria da agência é proposta por Giddens (2003). Segundo o autor, a teoria da agência pode ser compreendida a partir de duas dimensões: o agente e suas ações. Nesta concepção o agente assume três tipos ações. Primeiro, a de monitoramento reflexivo da atividade onde os atores controlam, regulam e monitoram continuamente o fluxo das atividades no contexto onde se movem. Segundo, a racionalização da ação onde toda ação social perpassa por uma interação em que cada ator (ego) se dirige ao outro (alter) já levando em consideração a reação das pessoas a partir de sua influência sobre ela. Terceiro, a motivação para a ação, nesta os agentes competentes esperam que os outros atores sejam capazes de explicar o que fazem quando forem perguntados sobre as necessidades que os estimulam (SILVA, 2005). A partir deste conceito, Giddens deduz que a agência não se refere às intenções, onde os atos têm conseqüências premeditadas, mas sim às capacidades que os atores têm de agir. Nela a ação é um processo contínuo, onde a monitoração reflexiva que o indivíduo mantém é de extrema importância para o controle sobre os atores (SILVA, 2005). Contudo, a teoria da agência tem sido questionada sendo também alvo de muitas criticas por se basear de forma simplista nos contratos, relacionamento, monitoramento e incentivos entre agente-principal. Porém, têm sido constantemente usada em diversos campos do conhecimento como finanças, economia da regulação e governança coorporativa (WHIGTH; MUKHERJI; KROLL, 2001). Outra crítica também atribuída à teoria da agência é que ela tem adquirido ao longo dos últimos tempos uma definição evasiva, improvisada e achatada do 5 termo, geralmente associada a outros conceitos como self, motivações, vontade, intencionalidade, escolha, iniciativa e criatividade (EMIRBAYER; MISCHE, 1998). Para Alexander (1992) existem três problemas no uso do conceito do termo agência: Primeiro, uma sobreposição e confusão entre agência e atores (atores como pessoas que agem; agência como liberdade e livre arbítrio; agentes como aqueles que exercem o livre arbítrio). Segundo, a existência de uma tendência de conceituar a cultura como uma forma separada do ator (a agência deve ser conceitualizada como um processo inerentemente relacionado com a cultura, não como um processo que se define em oposição a ela). Terceiro, a associação do conceito de agência como um tom ideológico positivo e ingênuo (a noção positiva de agência não pode ser associada intrinsecamente com a ação, ela só pode ser atribuída à ação por causa dos ambientes sociais, psicológicos e culturais nos quais a agência é expressa). A crítica que Barney e Hesterly (2006) tecem sobre a teoria da agência é que nela os seres humanos são essencialmente motivados por ganhos financeiros. E que a partir desta limitação sua investigação se torna imatura por ignorar muitos conceitos das outras ciências comportamentais, sendo que ela poderia muito bem ser utilizada para examinar questões que incidem sobre as preocupações dos agentes. Teoria critica e racionalidade instrumental No afã de se libertar da Era das Trevas (idade média) a proposta da filosofia moderna, o Iluminismo, esboçou através da racionalidade a libertação do homem. Ou seja, a libertação da dominação mística através da racionalização e da secularização que tinha como uma de suas principais características epistemológicas “prever para controlar” (VIZEU, 2005). Ao analisar a sociedade capitalista moderna Max Weber (1989) evidenciou o conceito de racionalização para descrever o processo da manifestação organizacional do espírito racional através da burocracia. Para ele este processo é caracterizado pela ampliação crescente de esferas sociais que ficam submetidas a critérios de adequação e organização de meios em relação a determinados fins (GONÇALVES, 1999). Nas sociedades industriais, com o advento dos processos de modernização, passou a vigorar certo tipo de racionalidade. Esta racionalidade definida pela sua relação meios-fins, onde a organização se utiliza de ações adequadas para atingir determinados fins ou opta por ações estratégicas em busca dos objetivos a serem alcançados, ficou conhecida como racionalidade instrumental (GONÇALVES, 1999). A partir dos trabalhos de Guerreiro Ramos e Habermas, Serva (1997, p. 22) define a ação da racionalidade instrumental como uma “ação baseada no cálculo, orientada para o alcance de metas técnicas ou finalidades ligadas a interesses econômicos ou de poder social, através da maximização dos recursos disponíveis”. Segundo Serva (1997), os elementos constitutivos da ação racional instrumental são: a) cálculo – projeção utilitária das conseqüências dos atos humanos; b) fins – metas de natureza técnica, econômica ou política; c) maximização dos recursos – busca da eficiência e eficácia sem questionamento ético; d) êxito, resultados – o alcance de níveis vitoriosos em meio aos processos competitivos da sociedade capitalista; e) desempenho – performance individual elevada na realização de atividade, centrada na utilidade; f) utilidade – dimensão econômica considerada na base das interações como um valor generalizado; g) rentabilidade – medida do retorno econômico; h) estratégia interpessoal – influência planejada sobre outrem, a partir da antecipação prováveis desse outrem a determinados estímulos e ações, visando atingir suas fraquezas. 6 De acordo com os estudos dos frankfurtianos, mais conhecido como teoria crítica, a idéia iluminista de emancipação se vê comprometida através do racionalismo que se operacionalizou sob a forma de uma racionalidade instrumental ao se voltar ao homem como um sistema fechado em si mesmo (VIZEU, 2005). Nesta linha os autores da teoria critica voltam-se a uma crítica contra uma ontologia alienante do sistema unidimensional, da racionalidade instrumental, do positivismo, da estética hegemônica, da cultura de massas e do totalitarismo (MISICZKY; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005). Dentro desta perspectiva a teoria crítica torna-se cada vez mais uma denúncia das conseqüências negativas de efeitos indesejados, salientando a imprevisibilidade dos acontecimentos sociais (CRESPI, 2004). Para Vieira e Caldas (2006, p. 60-61) a base da teoria crítica está fundamenta no seguinte postulado: “É impossível mostrar as coisas como realmente são, senão a partir da perspectiva de como elas deveriam ser. Na verdade o ‘dever ser’ se refere as possibilidade não realizadas pelo mundo social. Não tem caráter utópico, mas analisa o que o mundo poderia ter de melhor se suas potencialidades se realizassem. A identificação das potencialidades permite entender mais claramente como o mundo funciona e dessa forma, identificar os obstáculos à realização das suas potencialidades. Assim, a teoria crítica aponta para a prática a partir da realização desses potenciais, por meio da identificação e rompimento dos obstáculos. É a teoria no ato. O ato é aquele da realização dos potenciais do mundo, e tais potenciais são de natureza necessariamente emancipatória”. A racionalidade instrumental tem sido um pressuposto fundamental na área de organizações, pois este modelo racional contagiou o centro ideológico e teórico dos estudos organizacionais de forma tão holística (VIZEU, 2005) que hoje sua identidade e influência é quase impossível não se detectar ou questionar. Por este motivo se optou pelo referencial teórico de Habermas, visto ser ele um dos principais autores da Escola de Frankfurt a criticar a racionalidade instrumental através da sua teoria da ação comunicativa. Para Habermas (1987a) a ciência se tornou escrava da racionalidade instrumental, visto ter perdido a função crítica na determinação do valor dos fins a serem perseguidos, de modo que tanto a ciência, como a racionalidade, está a desempenhar um papel contra os seres humanos (MISICZKY; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005). Desta forma, Habermas (1987a), ao contrário de outros representantes da Escola de Frankfurt que em suas obras desejaram banir a razão instrumental, busca indicar à razão instrumental o seu devido lugar, ou seja, subsumida sob a razão crítica. Ou seja, o autor critica a penetração imperialista da racionalidade instrumental em esfera de decisão com vistas à realização de acordos unilaterais, monológicos (GONÇALVES, 1999). Em vez disso ele propõe outro tipo de racionalidade, isto é a racionalidade comunicativa, dialógica. Teoria da Ação Comunicativa Segundo Vizeu (2005) a teoria da ação comunicativa de Habermas parte do conceito empregado na sociologia fenomenológica interacionista e hermenêutica onde a interação comunicativa está no centro da ação social. Em outras palavras, isto significa que a realidade não corresponde apenas às coisas percebidas na relação entre sujeito cognosciente e objeto, mas também envolve outros campos constituídos socialmente. Assim, a realidade é oferecida com uma função normativa oriunda de um legado cultural, de uma ordem social e também de maneira subjetiva expressa a outrem de forma reconhecida e objetivada por ambos. Portanto, a linguagem é esse meio que nos leva a realização de tais interações, seja sob a visão do 7 mundo objetivo, mundo social ou do mundo subjetivo capaz de determinar a condição intersubjetiva através da qual se dá ação comunicativa (VIZEU, 2003). Em todas as interações sociais a comunicação estabelecida pelos sujeitos entre si são mediados pelos atos da fala. Esses atos dizem respeito sempre a três mundos segundo Habermas (1987b, p. 76-82): o mundo objetivo das coisas no qual os sujeitos ao interagirem coordenam suas ações; o mundo social das normas e instituições no qual os sujeitos interagem orientando-se pelas normas sociais existentes ou por aquelas produzidas durante a interação; e o mundo subjetivo que representa a totalidade das vivências às quais em cada caso particular, um indivíduo tem acesso privilegiado (p. 81). Em todas as interações os sujeitos deixam transparecer sua interioridade, revelando algo de suas vivências, temores, necessidades e intenções (GONÇALVES, 1999). A partir dessa interação entre sujeitos cognoscitivos nessas três esferas de mundo é que se dá relação interpessoal, intersubjetiva, onde os sujeitos comunicativamente competentes passam a ser orientados para um entendimento mútuo (VIZEU, 2005). Isto é, os sujeitos de uma mesma comunidade utilizam uma mesma linguagem pressupondo uma pré-disposição ao acordo, àquilo que é comum (VIZEU, 2003). Somente uma comunicação em forma de discurso (atos da fala) permite o acordo entre sujeitos quanto à validade das proposições ou a legitimidade das normas (GONÇALVES, 1999). Desta forma Habermas propõe que a reconstrução racional do ato de fala, uma competência humana constituída por um a priori cooperativo, permite a consideração teórica de um tipo de ação racional centrada no processo de intersubjetividade e não em uma ação racional monológica (VIZEU, 2003). Neste sentido Habermas (1994) conceitua quatro pretensões de validez universal do ato de fala para que se chegue num acordo pleno em todas as três esferas ontológicas construídas em sua teoria: • • • • O requisito de verdade proposicional: o falante deve referir-se a algo verdadeiro no mundo (“o que eu falo e faço é racional porque é baseado em uma verdade factual”); O requisito de sinceridade: o falante pode fazer-se conhecer suas intenções verdadeiras ao dizer algo (“quando expresso minha subjetividade estou sendo sincero e, por isso, verdadeiro”); O requisito de retidão: legitimidade social de um ato de fala (“quando o que faço ou falo pressupõe fundamentação moral”); O requisito de inteligibilidade: para que falante e ouvinte possam chegar ao entendimento (“o que faço e falo somente pode ser criticado e passível de fundamentação se meu discurso for compreensível ao ouvinte”). Para Habermas (1994) o ato de fala é uma ação linguisticamente mediadora para uma racionalidade não dominadora baseada na reciprocidade entre sujeitos que se comunicam livremente em uma situação de simetria (VIZEU, 2005; GONÇALVES, 1999). Esta reciprocidade pressupõe uma comunicação não distorcida, ou seja, uma discussão livre fundamentada na boa vontade, argumentação e diálogo. A comunicação não distorcida é o sustento para a mais alta forma de racionalidade denominada por Habermas como racionalidade comunicativa (ALVESSON; DEETZ, 1999). A partir da construção epistemológica do quadro da validez da fala Habermas propõe dois tipos básicos de ação racional. O primeiro, orientado a ação racional instrumental que segue 8 um critério de racionalidade limitada ao êxito. A ação racional instrumental é denominada estratégica, onde o atributo racional é concedido apenas por um participante da ação, sendo o outro considerado apenas um meio para se alcançar o êxito (VIZEU, 2003). A ação racional instrumental remonta a idéia de que o modelo burocrático weberiano configura relações interpessoais e procedimentos gerenciais que abrangem um caráter monológico, impessoal e eficiente produtor de uma distorção comunicativa (MOTTA, 1986). Neste sentido a organização burocrática através de sua ação racional instrumental é, em si mesmo, uma ação inibidora da competência comunicativa (HABERMAS, 1987a). A ação racional instrumental também definida como ação estratégica é fundamentada no cálculo utilitário de conseqüências onde “se supõe que o ator elege e calcula meios e fins do ponto de vista de maximização da utilidade ou de expectativa da utilidade” (HABERMAS, 1987b, p. 122-123). O segundo, orientado a ação racional comunicativa tem como critério a legitimidade das pretensões de validez do ato de fala, onde ocorre uma orientação dialógica, coordenada mutuamente em função da capacidade comunicativa (VIZEU, 2003). Afirma Habermas: “Só o conceito de ação comunicativa pressupõe a linguagem como um meio de entendimento sem maiores restrições, em que falantes e ouvintes se referem, dentro do horizonte pré-interpretado de seus mundos da vida, simultaneamente a algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo, para negociar definições da situação que possam ser compartilhadas por todos” (1987b, p. 137-138). Na ação comunicativa está também subjacente um tipo de racionalidade fundamentado no conhecimento intersubjetivo. Aqui fica claro que esta ação não é uma relação onde o sujeito fica isolado no mundo propenso a manipulação, mas é uma ação onde os sujeitos assumem uma relação intersubjetiva a fim de se entenderem entre si e sobre algo. Para Habermas, o agir comunicativo segue o principio de abandonar o egocentrismo orientado pelo fim racional de seu próprio sucesso a fim de se submeter aos critérios evidentes da racionalidade do entendimento. Neste sentido é que Habermas (1987b, p. 465-508) propõe a critica à razão instrumental seguindo a linha da Escola de Frankfurt, que se desdobra na crítica ao modelo burocrático que tem como fundamento principal a coordenação e o controle da vida social baseados em critérios utilitários (VIZEU, 2005). A partir do pensamento habermasiano é possível enxergar a racionalidade instrumental penetrando nas esferas institucionais da sociedade de modo que as questões referentes às decisões baseadas em valores são afastadas do campo da reflexão e da discussão. A racionalidade instrumental substituiu o espaço da interação comunicativa no sentido de que não mais se questiona se as normas institucionais atuais são justas ou não, mas somente se elas são eficazes em cumprirem meios-fins propostos, ficando a questão dos valores éticos e políticos reduzidos e reprimidos a interesses puramente instrumentais e técnicos (GONÇALVES, 1999). Esta substituição da racionalidade comunicativa pela racionalidade instrumental Habermas (1987c, p. 531) chamou de “colonização do mundo da vida” pelo “sistema”. Para Habermas o mundo da vida é o local onde se realiza a reciprocidade ao nível do indivíduo, dos grupos, das coletividades, das sociedades e da cultura. É onde predomina o diálogo para uma argumentação sincera livre de manipulação e coação. Em síntese este local é a da intimidade da individualidade humana, é o ambiente fraternal de relacionamentos verdadeiros e desinteressados. Já o sistema é o local da regra, domínio do Direito, Administração e da Economia. É o setor das grandes instituições dominadoras, que impõe sua forma sobre a 9 personalidade humana. Em síntese é o local do agir racional competitivo que anela as vantagens competitivas quantificáveis por mais poder e dinheiro (MOTTA; NETTO, 1994). Desta forma, segundo Habermas, é necessário desfazer esta substituição, esta colonização a partir de uma ação racional comunicativa que obrigue a racionalidade instrumental a retornar as áreas de sua competência, ou seja, na sua origem e função na dialética das sociedades (MOTTA; NETTO, 1994). Sendo assim, a ação racional comunicativa de Habermas pode ser encarada como o caminho para o resgate da razão humana com bases em ideais iluministas (MOTTA; NETTO, 1994). Comparação e crítica: Teorias da Agência e da Ação Comunicativa A construção da fundamentação teórica foi delineada no sentido de conjeturar a comparação entre teoria da agência e teoria da ação comunicativa. Neste sentido, propomos que esta comparação parta do ponto de como as duas teorias distingue a determinação dos fins. Para a teoria da agência a determinação dos fins se põe como o principal problema a ser resolvido, visto que seus conceitos se fundamentam numa racionalidade instrumental, totalmente utilitarista sujeito-objeto, enquanto que na teoria da ação comunicativa os fins se tomam como dados incluindo de forma equilibrada uma ação racional dialógica sujeito-sujeito. Ou seja, na teoria da agência a atitude de monólogo impera como ação racional instrumental de quem sabe o que quer, e impõe seu querer, sua ação estratégica como prerrogativa de uma vantagem sobre outrem. Na teoria da ação comunicativa a reflexão dialógica prevalece como ação racional comunicativa aos sujeitos que querem saber querer (PRADO, 1993), que visam uma complementaridade entre si, o desenvolvimento de uma interação desinteressada com outros, longe de uma vantagem estratégica que têm por trás de sua tênue aparência a vil desvantagem de um sujeito transformado em objeto por outros. Portanto, para solidificarmos a proposta de comparação utilizamos as contribuições da teoria de organizações substantivas apresentada por Serva (1997) a fim de apontar as barreiras propostas pela teoria da agência, como racionalidade instrumental, no estabelecimento de interações comunicativas não-distorcidas. A proposta de organização substantiva pressupõe uma ação racional substantiva baseada no entrelace entre a teoria substantiva da vida humana de Guerreiro Ramos à teoria da ação comunicativa de Habermas (SERVA, 1997). A idéia defendida por Ramos em sua teoria é de uma racionalidade substantiva, ou seja: “ (...) um atributo natural do ser humano que reside na psique. Por meio dela os indivíduos poderiam conduzir a sua vida pessoal na direção da autorealização, contrabalançando essa busca de emancipação e autorealização com o alcance da satisfação social, ou seja, levando em conta também o direito dos outros indivíduos de fazê-lo. As chaves para este balanceamento seriam o debate racional e o julgamento ético valorativo das ações” (SERVA, 1997, p. 19). A idéia de Ramos e Habermas se complementam na medida em que ambas focalizam o potencial racional do debate entre sujeitos na esfera da vida cotidiana (VIZEU, 2003). Os indicadores das duas racionalidades, substantiva e ação comunicativa, pressupõem a definição de ação racional substantiva orientada para duas dimensões: a individual, como autorealização e a grupal como responsabilidade e satisfação social. A partir destes pressupostos a ação racional substantiva foi definida por Serva (1997, p. 22) da seguinte maneira: a) autorealização – concretização do potencial inato do indivíduo; b) entendimento – consensos racionais mediados pela comunicação livre; c) julgamento ético – juízos baseados no debate racional sobre as pretensões de validez emitidos pelos sujeitos nas interações; d) autenticidade 10 – franqueza dos indivíduos nas interações; e) valores emancipatórios – valores de mudança e aperfeiçoamento do social nas direções do bem estar coletivo; f) autonomia – condição plena do indivíduo de agir e se expressar livremente nas interações. Ao conceituar a definição de ação racional substantiva Serva (1997) propõe um quadro de análise no sentido de ilustrar a comparação entre a racionalidade substantiva e racionalidade instrumental através de onze processos organizacionais evidenciados em seu levantamento empírico (vide Quadro 1). Os onze processos organizacionais foram tidos como pontos onde as linhas se cruzam (racionalidades) e partem para direções opostas deixando claro suas contraposições. Os processos organizacionais propostos por Serva (1997, p. 23) estão divididos em dois grupos: o primeiro considerado como essenciais – hierarquia e normas, valores e objetivos, tomada de decisão, controle, divisão do trabalho, comunicação e relações interpessoais, ação social e relações ambientais; o segundo considerados como complementares – reflexão sobre a organização, conflitos, satisfação individual, dimensão simbólica. Quadro 1 – Quadro de análise Racionalidade Substantiva versus Racionalidade Instrumental Tipo de Racionalidade versus Processos Organizacionais Hierarquia e normas Racionalidade Substantiva Racionalidade Instrumental Entendimento Julgamento ético Valores e objetivos Autorealização Valores emancipatórios Julgamento ético Entendimento Julgamento ético Fins Desempenho Estratégia interpessoal Utilidade Fins Rentabilidade Cálculo Utilidade Maximização de recursos Maximização de recursos Desempenho Estratégia interpessoal Maximização de recursos Desempenho Cálculo Desempenho Êxito / resultados Estratégia interpessoal Fins Êxito / resultados Desempenho Fins Rentabilidade Cálculo Fins Estratégia interpessoal Fins Êxito Desempenho Utilidade Êxito / Resultados Desempenho Tomada de decisão Controle Entendimento Divisão do trabalho Autorealização Entendimento Autonomia Autenticidade Valores emancipatórios Autonomia Valores emancipatórios Comunicação e relações interpessoais Ação social e relações ambientais Reflexão sobre a organização Julgamento ético Valores emancipatórios Conflitos Julgamento ético Autenticidade Autonomia Autorealização Autonomia Satisfação individual Dimensão simbólica Autorealização Valores emancipatórios Fonte: Serva (1997, p. 24). A partir do quadro de análise de Serva (1997) propomos também um quadro de análise que ilustra a fundamentação teórica no sentido vislumbrar as diferenças entre a teoria da agência e teoria da ação. Utilizamos para construção deste quadro os onze processos organizacionais 11 evidenciados no levantamento empírico da pesquisa de Serva (1997) como pontos de partida, onde as teorias (limitando-se a teoria da agência e a teoria da ação comunicativa) se cruzam e afastam-se para direções opostas deixando claro suas contraposições sobre os fins. Quadro 2 – Quadro de Análise da Teoria da Ação Comunicativa versus Teoria da Agência Teoria da Ação Comunicativa Teoria da Agência Relação sujeito-objeto Hierarquia e normas Relação sujeito-sujeito (principal-agente) Predisposição ao acordo entre sujeitos (aquilo Motivação por ganhos Valores e objetivos que é comum) quanto a validade das financeiros preposições ou da legitimidade das normas (manipulação e oportunismo) Abandono do egocentrismo orientado pelo fim racional de seu próprio sucesso, para se Cálculo utilitário visando a Tomada de decisão submeter a critérios evidentes de uma maximização dos recursos racionalidade do entendimento Sistema de compensação, Comunicação dialógica para uma contratos, monitoramento, Controle argumentação sincera, livre da manipulação e joint-venture, política de coação remuneração Os sujeitos interagem orientando-se pelas Divisão do trabalho Performance / desempenho normas sociais existentes ou por aquelas produzidas durante a interação Relações interpessoais e Comunicação dialógica baseada na procedimentos gerenciais Comunicação e relações reciprocidade entre sujeitos que se baseados em um caráter interpessoais comunicam em uma situação de sinceridade monológico Requisito de sinceridade Ação social e relações Requisito de verdade proposicional Mecanismo de sinalização ambientais Requisito de retidão Mecanismo de varredura Requisito de inteligibilidade Crítica a racionalidade burocrática por Aplicação do conceito de Reflexão sobre a reprimir e reduzir os valores éticos e políticos agência com um tom organização à valores puramente instrumentais e técnicos ideológico positivo visando os resultados financeiros Assimetria de informação Conflitos Colonização do mundo da vida pelo sistema Comunicação distorcida Manifestação da intimidade da Funcionários produtivos individualidade humana Satisfação individual tendem a ser satisfeitos com o Ambiente fraternal de relacionamentos trabalho verdadeiros e desinteressados Dimensão comunicativa voltada para o Dimensão econômica voltada Dimensão simbólica debate entre sujeitos na esfera da vida para os fins: utilitarismo cotidiana econômico Fonte: construído pelos autores com base em Serva (1997, p. 24). Considerações finais O artigo teve como objetivo realizar uma comparação entre a teoria da agência e da teoria da ação comunicativa através da crítica a racionalidade instrumental vislumbrando o desenvolvimento dos estudos organizacionais alternativos em meio à visão hegemônica gerencialista. Sendo assim, o estudo constatou que é possível fazer esta comparação, não no sentido de que haja pontos em comum entre as teorias, mas que a partir de distintas visões sobre a determinação dos fins, ambas se contrapõem em suas interpretações sobre as relações interpessoais nas organizações. 12 Por um lado, apresentamos a teoria da agência, baseado na dimensão utilitarista econômica, através de meios de monitoramento e de motivação por compensação, revelando uma ação racional instrumental de comunicação monológica, propositalmente distorcida tendo como base uma relação do tipo sujeito-objeto. Por outro, apresentamos a teoria da ação comunicativa que inclui a possibilidade de entendimento e reciprocidade entre sujeitos através de uma comunicação dialógica. Em seguida, evidenciamos uma comparação entre as teorias da agência e da ação comunicativa. De um lado encontra-se a compreensão do fenômeno organizacional a partir de práticas de compensação que servem para o desenvolvimento de dominação e controle, do outro está a possibilidade de compreensão do sujeito como ser competente para o desenvolvimento de uma práxis social capaz de superar a distorção comunicativa. Portanto, podemos sintetizar provisoriamente esta discussão utilizando o conceito de relações inter-humanas proposto por Buber (1979, apud MOTTA; NETTO, 1994). Segundo este autor o diálogo é o fundamento ontológico do inter-humano onde o ser se realiza enquanto tal. Para ele o “eu” pode assumir várias atitudes ante uma relação denominadas de relação “eu e você” e “eu e isto”. “Eu e você” é representação de uma relação de reciprocidade que tem por objetivo a existência e não ao utilitarismo. “Eu e isto” é a representação de uma relação ou atitude de utilização, objetivação expressa por meio da submissão e da dominação (MOTTA; NETTO, 1994). Sendo assim, podemos fazer a seguinte analogia: a relação “eu e você” está na base da teoria da ação comunicativa assim como a relação “eu e isto” está na base da relação da teoria da agência. Baseado nesta reflexão, podemos concluir com o seguinte quadro de análise demonstrando as principais idéias associadas às teorias abordadas neste artigo com o objetivo de identificar as possíveis intersecções temáticas entre a teoria da agência e a teoria da ação comunicativa. Quadro 3 – Quadro de análise Teoria da Ação Comunicativa X Teoria da Agência Teoria da Agência Racionalidade Instrumental Comunicação Monológica Principal-Agente Sujeito-Objeto Mundo sistema “Eu e isto” Fonte: construído pelos autores. Teoria da Ação Comunicativa Racionalidade Comunicativa Comunicação Dialógica Agente-Agente Sujeito-Sujeito Mundo da vida “Eu e você” Conforme afirmou Vizeu (2005) é preciso superar a distorção comunicativa a partir de uma discussão centrada na ação comunicativa a fim de revelar através dos estudos organizacionais críticos à dominação presente nos sistemas administrativos em termos de manipulações das interações lingüísticas. Pois, só assim poderemos caminhar para futuras pesquisas no campo da estratégia e dos estudos organizacionais no intuito de compreender melhor os equívocos causados pelo domínio da razão instrumental em busca de seus fins últimos. Futuras pesquisas poderão evoluir no sentido de superar a visão dicotomia entre a teoria da agência e teoria da ação comunicativa apresentada nesse artigo, para a qual se pressupõe considerável aprofundamento teórico e debate entre os pesquisadores e praticantes no campo de estratégia e dos estudos organizacionais. Nesse sentido, propõe-se que as pesquisas futuras se debrucem no aprofundamento da crítica esboçada nesse artigo, desenvolvendo, do ponto de vista teórico e empírico, um detalhamento necessariamente qualitativo (sem excluir abordagens quantitativas) dos processos organizacionais identificados no Quadro 2, buscando responder as seguintes questões: 13 • • • Não seriam os pontos de contato e intersecções entre teoria da agência e teoria da ação comunicativa indicados no Quadro 2 um importante ponto de partida para o desenvolvimento de uma teoria organizacional crítica construída a partir da prática, visando compreender formas organizacionais e de gestão mais responsáveis e sustentáveis? Como a partir desses pontos de contato e intersecção pode se realizar desenvolvimentos teóricos e pesquisa empírica com abordagens epistemológicas, ontológicas e metodológicas apropriadas? Seria uma teoria organizacional crítica construída a partir da prática e pesquisas realizadas a partir dela capaz de revelar e promover transformações na realidade das organizações e de sua gestão visando revelar e construir uma concepção que possibilite organizações mais responsável e sustentável? Referências bibliográficas ALEXANDER, J. Some remarks on agency in recent sociological theory. Perspectives, v. 15, n. 1, Jan. 1992. ALVESSON, M.; DEETZ, S. Teoria crítica e abordagens pós-modernas para estudos organizacionais. In: CLEGG, S. R.; HARDY, C.; NORD, W. R. (org.). Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais, v. 1. São Paulo: Atlas, 1999, p. 227-271. AUGUSTO, P. O. M; Teoria institucional: qual o lugar da agência? In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO, 31, 2007, Angra dos Reis. Anais. Angra dos Reis: ANPAD, 2007. BARNEY, J. B.; HESTERLY, W. 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