Teoria da Agência e Teoria da Ação Comunicativa: Da Polarização Teórica à Superação
Dicotômica
Autoria: Cristiano Estanislau, Eduardo Loebel
Resumo:
No ambiente competitivo um dos maiores desafios para as organizações tem sido o
gerenciamento de seus recursos devido aos vários conflitos desdobrados em conseqüências
organizacionais. O contexto concorrencial atual com suas informações incompletas e
assimétricas tem sido campo de decisões orientadas prioritariamente pela racionalidade
instrumental. Uma conseqüência é o problema de agência pelo qual os interesses individuais
podem colocar em risco o equilíbrio entre o desenvolvimento organizacional e os resultados.
O presente ensaio tem o objetivo de contribuir para a construção do conhecimento no campo
dos estudos organizacionais, a partir de um desenvolvimento teórico sobre a aproximação
entre o campo disciplinar da economia das organizações e a teoria crítica. Têm-se como ponto
de partida conceitos da teoria da agência e da teoria da ação comunicativa. A partir desta
aproximação teórica, objetiva-se identificar algumas questões levantadas por Habermas que
elucidam uma crítica à teoria da agência e ao seu modelo monológico. Conclui-se que para a
teoria da agência a determinação dos fins se põe como o principal problema a ser resolvido
por meio da racionalidade instrumental, utilitarista do tipo sujeito-objeto, enquanto que pela
teoria da ação comunicativa os fins podem tornar-se como dados incluindo uma ação racional
dialógica do tipo sujeito-sujeito. Ao final, propõe-se uma agenda de pesquisas futuras visando
a superação da dicotomia entre as duas teorias em direção a uma teoria organizacional crítica
construída a partir da prática. O trabalho se justifica pela busca de ampliação do debate que
visa preencher uma lacuna na intersecção do campo de estudos organizacionais e estratégia,
caracterizada pelo baixo nível de reflexividade (WHIPP, 2004).
Introdução
Este artigo é um ensaio que se inspirou na tradição críticai. A teoria de agência apresenta-se
com uma estrutura teórica voltada para análise das relações entre participantes de sistemas em
que a propriedade e o controle do capital estão reservados a sujeitos diferenciados. Estas
relações, por sua vez, dão espaço à formação de conflitos resultantes da existência de
interesses distintos entre os participantes (SEGATTO-MENDES; ROCHA, 2002). Sobre este
prisma, a teoria da agência está baseada no utilitarismo econômico, desenvolvido a partir de
uma tentativa de introduzir questões de incentivos. Ou seja, o principal estabelece um sistema
de compensação (contrato) que motiva o agente a agir de acordo com os interesses do
primeiro. Porém, na questão dos incentivos está implícito o monitoramento (controle) dos
agentes envolvidos baseado no desempenho observado (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). A
partir desta definição, o objetivo do artigo é promover o confronto entre a teoria da agência e
a teoria da ação comunicativa de Habermas (1987a; 1987b; 1987c; 2001) buscando identificar
a teoria da agência com uma forma de primazia da racionalidade técnica nas organizações
(ALVENSSON; DEETZ, 1999, p. 241). O trabalho se justifica pela busca de ampliação do
debate que visa preencher uma lacuna na intersecção dos campos de estudos organizacionais e
de estratégia caracterizada pelo baixo nível de reflexividade e auto-reflexão crítica por parte
de seus participantes visto que “a reflexividade pode levar à pesquisa mais profunda e,
igualmente, a desafiar projetos aplicados” (WHIPP, 2004, p. 243).
Habermas (1987b, p. 122-123) define a ação teleológica como uma relação sujeito-objeto,
sendo a ação do sujeito sempre no sentido de intervir na realidade objetiva visando o êxito ou
a eficácia da ação na economia de recursos (VIZEU, 2005). Relacionando este conceito à
teoria da agência pode-se entender que a ação teleológica, denominada como ação estratégica,
é concedida predominantemente ao principal, um dos participantes da interação. O outro
participante, o agente, é considerado o objeto, o meio para a consecução do êxito. O modelo
monológico, que parte do principal para o agente, pode ser traduzido como um modelo de
submissão e, portanto, como uma forma de dominação.
Em contrapartida à ação racional instrumental, Habermas (1987b, p. 124) propõe uma ação
racional comunicativa como uma relação sujeito-sujeito. A ação racional comunicativa se
funda a partir da necessidade que os sujeitos têm de entrarem em entendimento sobre suas
situações de vida. Nesta ação se aplica o modelo de orientação dialógica onde os sujeitos
interpretam juntos a situação em que se deparam com objetivo de alcançar um consenso. Para
Habermas, os participantes desta ação comunicativa são sujeitos capazes de linguagem e ação
(PRADO, 1993). Visto que para ele todo ato de fala implica um estado de recíproca
compreensão de significados, ou seja, uma ação linguisticamente mediada para uma
racionalidade não dominadora (VIZEU, 2005).
O problema apontado nesse artigo, a partir do embate que se pretende realizar, é que a
determinação dos fins se põe como o principal problema para a teoria da agência enquanto
que os fins se tomam como dados para a teoria da ação comunicativa. Na teoria da agência, a
atitude que privilegia o monólogo impera como ação racional instrumental de quem sabe o
que quer. Na teoria da ação comunicativa a reflexão dialógica prevalece como ação racional
comunicativa aos sujeitos que querem saber querer (PRADO, 1993).
Para estruturar o artigo e cumprir com o objetivo propõe-se uma estrutura da seguinte forma:
em primeiro lugar, apresenta-se a teoria da agência, conhecida também como a teoria do
agente-principal, identificando características de sua ação estratégica baseada no utilitarismo
econômico. A seguir discorre-se sobre a teoria crítica e a visão de alguns autores
contemporâneos a respeito do racionalismo instrumental da modernidade. Dando
continuidade, aborda-se as principais questões levantadas pela teoria da ação comunicativa e
sua crítica à racionalidade instrumental. Por fim, apresenta-se um quadro comparativo das
principais idéias das teorias da agência e da ação comunicativa e uma crítica à primeira por
meio dos conceitos da segunda.
Teoria da agência
A teoria da agência esta baseada na análise dos conflitos e custos resultantes do
relacionamento entre agente e principal. Neste relacionamento o agente dispõe de mais
informações que o principal e qualquer ação sua influencia o bem-estar entre as partes. Um
exemplo que tipifica esta relação é o dos investidores externos em uma empresa. Os
investidores (principais) delegam autoridade administrativa aos gestores (agentes). Ao delegar
a autoridade, o principal coloca nas mãos dos agentes o poder de tomar decisão (BARNEY;
HESTERLY, 2006). Este poder delegado é o que torna problemática a relação na medida em
que os interesses do capital (principal) e do agente passam a ser diferenciados gerando, assim,
conflitos entre ambas as partes, pois nem sempre o agente atuará a favor dos melhores
interesses para o principal (SEGATTO-MENDES, ROCHA, 2002).
Esta divergência coloca em pauta a criação de um sistema de compensação (contrato) por
parte do principal a fim de motivar o agente de acordo com seus interesses. No entanto,
mesmo com a vigência de um contrato entre as partes, a relação e o cumprimento contratual
acaba se enquadrando num contexto de assimetria de informação, onde o principal através de
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um conjunto de mecanismos de incitações tenta levar o agente a fornecer corretamente as
informações necessárias. Nesta questão dos incentivos está implícito o monitoramento
(controle) dos agentes envolvidos baseado a partir de um desempenho observado (BRAGA;
LIMA; DIAS, 2007).
Diante desta descrição pode-se então afirmar que os problemas de agência estão
fundamentados na questão da assimetria de informação onde se podem levantar os seguintes
questionamentos: por que é que os principais delegam autoridade aos agentes mesmo sabendo
da inevitável assimetria de informação? (BARNEY; HESTERLY, 2006). Será que somente
através dos incentivos, controles e mecanismos de acompanhamentos seria possível
estabelecer uma ação estratégica que minimize os riscos de conflitos e custos? SegattoMendes e Rocha (2002) observam que se a informação fosse liberada a custo zero, não
haveria problemas de agência, visto que os participantes não dependeriam um do outro. Pratt
e Zeckhauser (1985) afirmam que toda vez que um indivíduo torna-se dependente da ação do
outro, surge um relacionamento de agência, informação completa raramente encontra-se
disponível para todas as partes, o problema passa a ser como estruturar um acordo para
induzir agentes a servirem aos interesses do principal mesmo quando suas ações e
informações não podem ser observadas por ele.
A partir da introdução do conceito de assimetria de informação no campo das ações
estratégicas, a informação passa a possuir um papel essencial, de custo elevado e importante,
porque é a partir dela que uma firma tece sobre si mesma e sobre suas competidoras as
estratégias que poderão ser adotadas. Essa ação ocorre porque é interessante para as empresas
ocultar informações (custos, pesquisa e desenvolvimento, capacidade financeira, etc.) a seu
respeito de forma que seus concorrentes não se beneficiem delas. É correto, então, afirmar que
a disposição das informações está diretamente ligada à formação da ação estratégica
(BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Ou seja, estrategicamente faz-se necessário considerar “não
apenas o que os agentes sabem, mas o que eles acham que os seus concorrentes sabem o que
eles imaginam que seus concorrentes saibam a seu respeito e o que eles pensam que os outros
agentes sabem com relação às informações que eles detêm” (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007, p.
3). A teoria da agência propõe também os conceitos de seleção adversa e risco moral a partir
das principais conseqüências decorrentes da assimetria de informação.
A seleção adversa é conseqüência do custo de acesso à informação e consiste no fato de que a
seleção do produto a ser exigido ocorre de forma adversa, em função da assimetria de
informação entre o ofertante e o demandante. A seleção adversa é vista como proveniente de
comportamentos oportunistas derivados de assimetria de informações a nível pré-contratual.
Contudo, para reduzir a seleção adversa é necessário diminuir a assimetria de informação
objetivando amenizar o oportunismo pré-contratual (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Segundo
Williamson (1985) existem dois mecanismos que poderão ser utilizados para diminuir a
assimetria: o mecanismo da sinalização, onde o agente que recebe a informação deverá
confiar na informação do outro agente e o mecanismo de varredura, onde os que desejam
informação passam a conceder incentivos a fim de atrair somente outros agentes que possuem
a informação desejada.
O risco moral se fundamenta nos comportamentos oportunistas após a elaboração do contrato
e transações efetivadas. Pode também, decorrer de um comportamento imprevisto, ações
escondidas ao longo da execução do contrato. É uma relação em que o principal despenderá
um custo oneroso para observar capacidades e esforços dos agentes envolvidos (BARNEY;
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HESTERLY, 2006). Para uma possível solução contra o risco moral (WILLIAMSON, 1985)
a teoria institucional advoga-se os seguintes mecanismos:
•
•
•
Monitoramento – uma espécie de auditoria independente a fim de verificar
comportamentos inapropriados mesmo antes de eles ocorrerem;
Contratos de incentivos – são mecanismos que visam eliminar o risco moral
incentivando comportamentos positivos;
Joint-venture – é um mecanismo de criação de compromissos que são mais
sólidos e mais críveis.
Além dessas possíveis soluções há ainda dois outros custos de agência que os acionistas
(principal) enfrentam que seriam os custos de oportunidade e as despesas de estruturação. Os
custos de oportunidade são as perdas em decorrência da vagarosidade em tomar decisões
frente às novas oportunidades. Já as despesas de estruturação podem ser consideradas os
custos mais comuns de agência, pois parte de uma necessidade de compensação aos agentes
para que eles sempre possam maximizar a riqueza dos principais (SEGATTO-MENDES,
ROCHA, 2002). Segundo Barney e Hesterly (2006), uma grande parte da teoria da agência
está voltada para a análise da literatura sobre incentivos a fim de induzir empresas a
utilizarem os agentes com propósitos utilitaristas a favor dos melhores interesses dos
mandantes. Ao se examinar a teoria da agência observa-se uma variedade de planos de
compensação incluindo bônus e opções de ações para executivos como salários versus
comissões e incentivos por volume de negócios (BARNEY; HESTERLY, 2006).
Ao lidar com políticas de remuneração e incentivo a teoria da agência acaba se relacionando
com a área funcional de recursos humanos, uma vez que é de sua responsabilidade a
abordagem de temas voltados a satisfação, esforço, recompensa e desempenho no trabalho
(BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Para entender melhor essa relação é necessário reexaminar
dois construtos que mostram com clareza a intersecção entre teoria da agência e recursos
humanos:
•
•
Satisfação no trabalho – diversos fatores contribuem para a satisfação do
individuo no trabalho, tais como supervisão, condições de trabalho e
remuneração. Os estudos de Hawthorne (1930-1940) firmaram o mito de que
“funcionários felizes são funcionários satisfeitos”. Porém, em análise mais
recente o mito foi remodelado em “funcionários produtivos é que tendem a ser
satisfeitos com o trabalho”. Esta análise tenta demonstrar que a produtividade
leva à satisfação (CHRISTEN; IYER; SOBERMAN, 2006). Ou seja, a
produtividade (desempenho / esforço) do agente tende a levá-lo a satisfação;
Desempenho / esforço – O desempenho do agente é o esforço gasto por este na
realização de sua tarefa. Ele está diretamente ligado à satisfação ou insatisfação
no trabalho (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007). Para a teoria da agência o
desempenho significa não somente a satisfação do agente como também serve
de controle, parâmetro, monitoramento para a remuneração e incentivos.
Nesta tríade satisfação-desempenho-remuneração a assimetria de informação influencia de
forma direta as relações entre principal e agente trazendo a motivação como o principal
problema a ser resolvido através de meios (motivacionais) extrínsecos e internalizantes. Ou
seja, o principal compensa um agente executando determinados atos que são benéficos a ele
próprio, mas que não trazem benefícios ou até mesmo trazem prejuízos ao agente, que possui
certo desempenho que não foi observado e nem mensurado. A partir deste pressuposto, se faz
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o seguinte questionamento: como monitorar o desempenho e criar um sistema de incentivo
para os dirigentes e demais funcionários? Segundo a teoria da agência uma possível reposta
seria alinhar o impacto de incentivos sobre o comportamento e a motivação das pessoas a fim
de se ter os interesses de ambas as partes satisfeitas. Porém, isto exigirá um maior controle
por parte do principal, para evitar que através da assimetria de informação possa surgir a
manipulação e o oportunismo (BRAGA; LIMA; DIAS, 2007).
Sob esta perspectiva podemos perceber que a teoria da agência tem se utilizado de maneira
ingênua no uso do conceito de motivação, pois pesquisadores no assunto têm descartado os
mecanismos externos e internalizantes para motivarem os atores. Para Lévy-Leboyer (1994, p.
13), “assim como não se muda a sociedade por decreto, não se motiva os indivíduos com
regulamentos e punições, com cenouras e bastões”. Segundo Bergamini (2006), o tema de
motivação gerou muitas especulações do senso comum. Pois, muito do que se fala sobre
motivação ainda não chegou a ser comprovado como verdade científica. Por isso, não é de se
estranhar à aparição de vários grupos de estudo sobre um mesmo foco gerando um grande
acervo de mitos e mal-entendidos, tornando quase que impossível à conciliação de pontos de
vista tão diferentes e às vezes até antagônicos (BERGAMINI, 1990).
A partir do desempenho, as formas de organização do trabalho passaram também a enfatizar
as múltiplas habilidades do trabalhador, onde ele deve ser não apenas capaz de resolver
problemas como também de prevê-los. Em meio às novas formas e mudanças
organizacionais, a assimetria de informação tem estado presente como contratempo. Isso
ocorre porque o principal detém informações sobre o processo de mudança, porém não é
repassado ao agente. Por outro lado o agente detém importantes informações para a
efetividade da implantação da mudança. Esta briga de cabo de guerra através do fluxo de
informações pode gerar baixa produtividade e criar barreiras contra os processos de mudanças
que estão presentes a todo o momento como exigência para a sobrevivência da organização
(BRAGA; LIMA; DIAS, 2007).
Outra perspectiva sobre a teoria da agência é proposta por Giddens (2003). Segundo o autor, a
teoria da agência pode ser compreendida a partir de duas dimensões: o agente e suas ações.
Nesta concepção o agente assume três tipos ações. Primeiro, a de monitoramento reflexivo da
atividade onde os atores controlam, regulam e monitoram continuamente o fluxo das
atividades no contexto onde se movem. Segundo, a racionalização da ação onde toda ação
social perpassa por uma interação em que cada ator (ego) se dirige ao outro (alter) já levando
em consideração a reação das pessoas a partir de sua influência sobre ela. Terceiro, a
motivação para a ação, nesta os agentes competentes esperam que os outros atores sejam
capazes de explicar o que fazem quando forem perguntados sobre as necessidades que os
estimulam (SILVA, 2005). A partir deste conceito, Giddens deduz que a agência não se refere
às intenções, onde os atos têm conseqüências premeditadas, mas sim às capacidades que os
atores têm de agir. Nela a ação é um processo contínuo, onde a monitoração reflexiva que o
indivíduo mantém é de extrema importância para o controle sobre os atores (SILVA, 2005).
Contudo, a teoria da agência tem sido questionada sendo também alvo de muitas criticas por
se basear de forma simplista nos contratos, relacionamento, monitoramento e incentivos entre
agente-principal. Porém, têm sido constantemente usada em diversos campos do
conhecimento como finanças, economia da regulação e governança coorporativa (WHIGTH;
MUKHERJI; KROLL, 2001). Outra crítica também atribuída à teoria da agência é que ela
tem adquirido ao longo dos últimos tempos uma definição evasiva, improvisada e achatada do
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termo, geralmente associada a outros conceitos como self, motivações, vontade,
intencionalidade, escolha, iniciativa e criatividade (EMIRBAYER; MISCHE, 1998).
Para Alexander (1992) existem três problemas no uso do conceito do termo agência: Primeiro,
uma sobreposição e confusão entre agência e atores (atores como pessoas que agem; agência
como liberdade e livre arbítrio; agentes como aqueles que exercem o livre arbítrio). Segundo,
a existência de uma tendência de conceituar a cultura como uma forma separada do ator (a
agência deve ser conceitualizada como um processo inerentemente relacionado com a cultura,
não como um processo que se define em oposição a ela). Terceiro, a associação do conceito
de agência como um tom ideológico positivo e ingênuo (a noção positiva de agência não pode
ser associada intrinsecamente com a ação, ela só pode ser atribuída à ação por causa dos
ambientes sociais, psicológicos e culturais nos quais a agência é expressa).
A crítica que Barney e Hesterly (2006) tecem sobre a teoria da agência é que nela os seres
humanos são essencialmente motivados por ganhos financeiros. E que a partir desta limitação
sua investigação se torna imatura por ignorar muitos conceitos das outras ciências
comportamentais, sendo que ela poderia muito bem ser utilizada para examinar questões que
incidem sobre as preocupações dos agentes.
Teoria critica e racionalidade instrumental
No afã de se libertar da Era das Trevas (idade média) a proposta da filosofia moderna, o
Iluminismo, esboçou através da racionalidade a libertação do homem. Ou seja, a libertação da
dominação mística através da racionalização e da secularização que tinha como uma de suas
principais características epistemológicas “prever para controlar” (VIZEU, 2005). Ao analisar
a sociedade capitalista moderna Max Weber (1989) evidenciou o conceito de racionalização
para descrever o processo da manifestação organizacional do espírito racional através da
burocracia. Para ele este processo é caracterizado pela ampliação crescente de esferas sociais
que ficam submetidas a critérios de adequação e organização de meios em relação a
determinados fins (GONÇALVES, 1999).
Nas sociedades industriais, com o advento dos processos de modernização, passou a vigorar
certo tipo de racionalidade. Esta racionalidade definida pela sua relação meios-fins, onde a
organização se utiliza de ações adequadas para atingir determinados fins ou opta por ações
estratégicas em busca dos objetivos a serem alcançados, ficou conhecida como racionalidade
instrumental (GONÇALVES, 1999). A partir dos trabalhos de Guerreiro Ramos e Habermas,
Serva (1997, p. 22) define a ação da racionalidade instrumental como uma “ação baseada no
cálculo, orientada para o alcance de metas técnicas ou finalidades ligadas a interesses
econômicos ou de poder social, através da maximização dos recursos disponíveis”.
Segundo Serva (1997), os elementos constitutivos da ação racional instrumental são: a)
cálculo – projeção utilitária das conseqüências dos atos humanos; b) fins – metas de natureza
técnica, econômica ou política; c) maximização dos recursos – busca da eficiência e eficácia
sem questionamento ético; d) êxito, resultados – o alcance de níveis vitoriosos em meio aos
processos competitivos da sociedade capitalista; e) desempenho – performance individual
elevada na realização de atividade, centrada na utilidade; f) utilidade – dimensão econômica
considerada na base das interações como um valor generalizado; g) rentabilidade – medida do
retorno econômico; h) estratégia interpessoal – influência planejada sobre outrem, a partir da
antecipação prováveis desse outrem a determinados estímulos e ações, visando atingir suas
fraquezas.
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De acordo com os estudos dos frankfurtianos, mais conhecido como teoria crítica, a idéia
iluminista de emancipação se vê comprometida através do racionalismo que se
operacionalizou sob a forma de uma racionalidade instrumental ao se voltar ao homem como
um sistema fechado em si mesmo (VIZEU, 2005). Nesta linha os autores da teoria critica
voltam-se a uma crítica contra uma ontologia alienante do sistema unidimensional, da
racionalidade instrumental, do positivismo, da estética hegemônica, da cultura de massas e do
totalitarismo (MISICZKY; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005). Dentro desta perspectiva a
teoria crítica torna-se cada vez mais uma denúncia das conseqüências negativas de efeitos
indesejados, salientando a imprevisibilidade dos acontecimentos sociais (CRESPI, 2004).
Para Vieira e Caldas (2006, p. 60-61) a base da teoria crítica está fundamenta no seguinte
postulado:
“É impossível mostrar as coisas como realmente são, senão a partir da perspectiva de como
elas deveriam ser. Na verdade o ‘dever ser’ se refere as possibilidade não realizadas pelo
mundo social. Não tem caráter utópico, mas analisa o que o mundo poderia ter de melhor se
suas potencialidades se realizassem. A identificação das potencialidades permite entender
mais claramente como o mundo funciona e dessa forma, identificar os obstáculos à
realização das suas potencialidades. Assim, a teoria crítica aponta para a prática a partir da
realização desses potenciais, por meio da identificação e rompimento dos obstáculos. É a
teoria no ato. O ato é aquele da realização dos potenciais do mundo, e tais potenciais são de
natureza necessariamente emancipatória”.
A racionalidade instrumental tem sido um pressuposto fundamental na área de organizações,
pois este modelo racional contagiou o centro ideológico e teórico dos estudos organizacionais
de forma tão holística (VIZEU, 2005) que hoje sua identidade e influência é quase impossível
não se detectar ou questionar. Por este motivo se optou pelo referencial teórico de Habermas,
visto ser ele um dos principais autores da Escola de Frankfurt a criticar a racionalidade
instrumental através da sua teoria da ação comunicativa.
Para Habermas (1987a) a ciência se tornou escrava da racionalidade instrumental, visto ter
perdido a função crítica na determinação do valor dos fins a serem perseguidos, de modo que
tanto a ciência, como a racionalidade, está a desempenhar um papel contra os seres humanos
(MISICZKY; AMANTINO-DE-ANDRADE, 2005). Desta forma, Habermas (1987a), ao
contrário de outros representantes da Escola de Frankfurt que em suas obras desejaram banir a
razão instrumental, busca indicar à razão instrumental o seu devido lugar, ou seja, subsumida
sob a razão crítica. Ou seja, o autor critica a penetração imperialista da racionalidade
instrumental em esfera de decisão com vistas à realização de acordos unilaterais, monológicos
(GONÇALVES, 1999). Em vez disso ele propõe outro tipo de racionalidade, isto é a
racionalidade comunicativa, dialógica.
Teoria da Ação Comunicativa
Segundo Vizeu (2005) a teoria da ação comunicativa de Habermas parte do conceito
empregado na sociologia fenomenológica interacionista e hermenêutica onde a interação
comunicativa está no centro da ação social. Em outras palavras, isto significa que a realidade
não corresponde apenas às coisas percebidas na relação entre sujeito cognosciente e objeto,
mas também envolve outros campos constituídos socialmente. Assim, a realidade é oferecida
com uma função normativa oriunda de um legado cultural, de uma ordem social e também de
maneira subjetiva expressa a outrem de forma reconhecida e objetivada por ambos. Portanto,
a linguagem é esse meio que nos leva a realização de tais interações, seja sob a visão do
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mundo objetivo, mundo social ou do mundo subjetivo capaz de determinar a condição
intersubjetiva através da qual se dá ação comunicativa (VIZEU, 2003).
Em todas as interações sociais a comunicação estabelecida pelos sujeitos entre si são
mediados pelos atos da fala. Esses atos dizem respeito sempre a três mundos segundo
Habermas (1987b, p. 76-82): o mundo objetivo das coisas no qual os sujeitos ao interagirem
coordenam suas ações; o mundo social das normas e instituições no qual os sujeitos interagem
orientando-se pelas normas sociais existentes ou por aquelas produzidas durante a interação; e
o mundo subjetivo que representa a totalidade das vivências às quais em cada caso particular,
um indivíduo tem acesso privilegiado (p. 81). Em todas as interações os sujeitos deixam
transparecer sua interioridade, revelando algo de suas vivências, temores, necessidades e
intenções (GONÇALVES, 1999).
A partir dessa interação entre sujeitos cognoscitivos nessas três esferas de mundo é que se dá
relação interpessoal, intersubjetiva, onde os sujeitos comunicativamente competentes passam
a ser orientados para um entendimento mútuo (VIZEU, 2005). Isto é, os sujeitos de uma
mesma comunidade utilizam uma mesma linguagem pressupondo uma pré-disposição ao
acordo, àquilo que é comum (VIZEU, 2003). Somente uma comunicação em forma de
discurso (atos da fala) permite o acordo entre sujeitos quanto à validade das proposições ou a
legitimidade das normas (GONÇALVES, 1999). Desta forma Habermas propõe que a
reconstrução racional do ato de fala, uma competência humana constituída por um a priori
cooperativo, permite a consideração teórica de um tipo de ação racional centrada no processo
de intersubjetividade e não em uma ação racional monológica (VIZEU, 2003).
Neste sentido Habermas (1994) conceitua quatro pretensões de validez universal do ato de
fala para que se chegue num acordo pleno em todas as três esferas ontológicas construídas em
sua teoria:
•
•
•
•
O requisito de verdade proposicional: o falante deve referir-se a algo
verdadeiro no mundo (“o que eu falo e faço é racional porque é baseado em
uma verdade factual”);
O requisito de sinceridade: o falante pode fazer-se conhecer suas intenções
verdadeiras ao dizer algo (“quando expresso minha subjetividade estou sendo
sincero e, por isso, verdadeiro”);
O requisito de retidão: legitimidade social de um ato de fala (“quando o que
faço ou falo pressupõe fundamentação moral”);
O requisito de inteligibilidade: para que falante e ouvinte possam chegar ao
entendimento (“o que faço e falo somente pode ser criticado e passível de
fundamentação se meu discurso for compreensível ao ouvinte”).
Para Habermas (1994) o ato de fala é uma ação linguisticamente mediadora para uma
racionalidade não dominadora baseada na reciprocidade entre sujeitos que se comunicam
livremente em uma situação de simetria (VIZEU, 2005; GONÇALVES, 1999). Esta
reciprocidade pressupõe uma comunicação não distorcida, ou seja, uma discussão livre
fundamentada na boa vontade, argumentação e diálogo. A comunicação não distorcida é o
sustento para a mais alta forma de racionalidade denominada por Habermas como
racionalidade comunicativa (ALVESSON; DEETZ, 1999).
A partir da construção epistemológica do quadro da validez da fala Habermas propõe dois
tipos básicos de ação racional. O primeiro, orientado a ação racional instrumental que segue
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um critério de racionalidade limitada ao êxito. A ação racional instrumental é denominada
estratégica, onde o atributo racional é concedido apenas por um participante da ação, sendo o
outro considerado apenas um meio para se alcançar o êxito (VIZEU, 2003). A ação racional
instrumental remonta a idéia de que o modelo burocrático weberiano configura relações
interpessoais e procedimentos gerenciais que abrangem um caráter monológico, impessoal e
eficiente produtor de uma distorção comunicativa (MOTTA, 1986). Neste sentido a
organização burocrática através de sua ação racional instrumental é, em si mesmo, uma ação
inibidora da competência comunicativa (HABERMAS, 1987a). A ação racional instrumental
também definida como ação estratégica é fundamentada no cálculo utilitário de conseqüências
onde “se supõe que o ator elege e calcula meios e fins do ponto de vista de maximização da
utilidade ou de expectativa da utilidade” (HABERMAS, 1987b, p. 122-123).
O segundo, orientado a ação racional comunicativa tem como critério a legitimidade das
pretensões de validez do ato de fala, onde ocorre uma orientação dialógica, coordenada
mutuamente em função da capacidade comunicativa (VIZEU, 2003). Afirma Habermas:
“Só o conceito de ação comunicativa pressupõe a linguagem como um meio de
entendimento sem maiores restrições, em que falantes e ouvintes se referem, dentro do
horizonte pré-interpretado de seus mundos da vida, simultaneamente a algo no mundo
objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo, para negociar definições da situação que
possam ser compartilhadas por todos” (1987b, p. 137-138).
Na ação comunicativa está também subjacente um tipo de racionalidade fundamentado no
conhecimento intersubjetivo. Aqui fica claro que esta ação não é uma relação onde o sujeito
fica isolado no mundo propenso a manipulação, mas é uma ação onde os sujeitos assumem
uma relação intersubjetiva a fim de se entenderem entre si e sobre algo. Para Habermas, o agir
comunicativo segue o principio de abandonar o egocentrismo orientado pelo fim racional de
seu próprio sucesso a fim de se submeter aos critérios evidentes da racionalidade do
entendimento. Neste sentido é que Habermas (1987b, p. 465-508) propõe a critica à razão
instrumental seguindo a linha da Escola de Frankfurt, que se desdobra na crítica ao modelo
burocrático que tem como fundamento principal a coordenação e o controle da vida social
baseados em critérios utilitários (VIZEU, 2005).
A partir do pensamento habermasiano é possível enxergar a racionalidade instrumental
penetrando nas esferas institucionais da sociedade de modo que as questões referentes às
decisões baseadas em valores são afastadas do campo da reflexão e da discussão. A
racionalidade instrumental substituiu o espaço da interação comunicativa no sentido de que
não mais se questiona se as normas institucionais atuais são justas ou não, mas somente se
elas são eficazes em cumprirem meios-fins propostos, ficando a questão dos valores éticos e
políticos reduzidos e reprimidos a interesses puramente instrumentais e técnicos
(GONÇALVES, 1999).
Esta substituição da racionalidade comunicativa pela racionalidade instrumental Habermas
(1987c, p. 531) chamou de “colonização do mundo da vida” pelo “sistema”. Para Habermas o
mundo da vida é o local onde se realiza a reciprocidade ao nível do indivíduo, dos grupos, das
coletividades, das sociedades e da cultura. É onde predomina o diálogo para uma
argumentação sincera livre de manipulação e coação. Em síntese este local é a da intimidade
da individualidade humana, é o ambiente fraternal de relacionamentos verdadeiros e
desinteressados. Já o sistema é o local da regra, domínio do Direito, Administração e da
Economia. É o setor das grandes instituições dominadoras, que impõe sua forma sobre a
9
personalidade humana. Em síntese é o local do agir racional competitivo que anela as
vantagens competitivas quantificáveis por mais poder e dinheiro (MOTTA; NETTO, 1994).
Desta forma, segundo Habermas, é necessário desfazer esta substituição, esta colonização a
partir de uma ação racional comunicativa que obrigue a racionalidade instrumental a retornar
as áreas de sua competência, ou seja, na sua origem e função na dialética das sociedades
(MOTTA; NETTO, 1994). Sendo assim, a ação racional comunicativa de Habermas pode ser
encarada como o caminho para o resgate da razão humana com bases em ideais iluministas
(MOTTA; NETTO, 1994).
Comparação e crítica: Teorias da Agência e da Ação Comunicativa
A construção da fundamentação teórica foi delineada no sentido de conjeturar a comparação
entre teoria da agência e teoria da ação comunicativa. Neste sentido, propomos que esta
comparação parta do ponto de como as duas teorias distingue a determinação dos fins. Para a
teoria da agência a determinação dos fins se põe como o principal problema a ser resolvido,
visto que seus conceitos se fundamentam numa racionalidade instrumental, totalmente
utilitarista sujeito-objeto, enquanto que na teoria da ação comunicativa os fins se tomam como
dados incluindo de forma equilibrada uma ação racional dialógica sujeito-sujeito. Ou seja, na
teoria da agência a atitude de monólogo impera como ação racional instrumental de quem
sabe o que quer, e impõe seu querer, sua ação estratégica como prerrogativa de uma vantagem
sobre outrem. Na teoria da ação comunicativa a reflexão dialógica prevalece como ação
racional comunicativa aos sujeitos que querem saber querer (PRADO, 1993), que visam uma
complementaridade entre si, o desenvolvimento de uma interação desinteressada com outros,
longe de uma vantagem estratégica que têm por trás de sua tênue aparência a vil desvantagem
de um sujeito transformado em objeto por outros.
Portanto, para solidificarmos a proposta de comparação utilizamos as contribuições da teoria
de organizações substantivas apresentada por Serva (1997) a fim de apontar as barreiras
propostas pela teoria da agência, como racionalidade instrumental, no estabelecimento de
interações comunicativas não-distorcidas. A proposta de organização substantiva pressupõe
uma ação racional substantiva baseada no entrelace entre a teoria substantiva da vida humana
de Guerreiro Ramos à teoria da ação comunicativa de Habermas (SERVA, 1997). A idéia
defendida por Ramos em sua teoria é de uma racionalidade substantiva, ou seja:
“ (...) um atributo natural do ser humano que reside na psique. Por meio dela os indivíduos
poderiam conduzir a sua vida pessoal na direção da autorealização, contrabalançando essa
busca de emancipação e autorealização com o alcance da satisfação social, ou seja, levando
em conta também o direito dos outros indivíduos de fazê-lo. As chaves para este
balanceamento seriam o debate racional e o julgamento ético valorativo das ações”
(SERVA, 1997, p. 19).
A idéia de Ramos e Habermas se complementam na medida em que ambas focalizam o
potencial racional do debate entre sujeitos na esfera da vida cotidiana (VIZEU, 2003). Os
indicadores das duas racionalidades, substantiva e ação comunicativa, pressupõem a definição
de ação racional substantiva orientada para duas dimensões: a individual, como autorealização
e a grupal como responsabilidade e satisfação social. A partir destes pressupostos a ação
racional substantiva foi definida por Serva (1997, p. 22) da seguinte maneira: a)
autorealização – concretização do potencial inato do indivíduo; b) entendimento – consensos
racionais mediados pela comunicação livre; c) julgamento ético – juízos baseados no debate
racional sobre as pretensões de validez emitidos pelos sujeitos nas interações; d) autenticidade
10
– franqueza dos indivíduos nas interações; e) valores emancipatórios – valores de mudança e
aperfeiçoamento do social nas direções do bem estar coletivo; f) autonomia – condição plena
do indivíduo de agir e se expressar livremente nas interações.
Ao conceituar a definição de ação racional substantiva Serva (1997) propõe um quadro de
análise no sentido de ilustrar a comparação entre a racionalidade substantiva e racionalidade
instrumental através de onze processos organizacionais evidenciados em seu levantamento
empírico (vide Quadro 1). Os onze processos organizacionais foram tidos como pontos onde
as linhas se cruzam (racionalidades) e partem para direções opostas deixando claro suas
contraposições. Os processos organizacionais propostos por Serva (1997, p. 23) estão
divididos em dois grupos: o primeiro considerado como essenciais – hierarquia e normas,
valores e objetivos, tomada de decisão, controle, divisão do trabalho, comunicação e relações
interpessoais, ação social e relações ambientais; o segundo considerados como
complementares – reflexão sobre a organização, conflitos, satisfação individual, dimensão
simbólica.
Quadro 1 – Quadro de análise Racionalidade Substantiva versus Racionalidade Instrumental
Tipo de Racionalidade
versus
Processos Organizacionais
Hierarquia e normas
Racionalidade Substantiva
Racionalidade Instrumental
Entendimento
Julgamento ético
Valores e objetivos
Autorealização
Valores emancipatórios
Julgamento ético
Entendimento
Julgamento ético
Fins
Desempenho
Estratégia interpessoal
Utilidade
Fins
Rentabilidade
Cálculo
Utilidade
Maximização de recursos
Maximização de recursos
Desempenho
Estratégia interpessoal
Maximização de recursos
Desempenho
Cálculo
Desempenho
Êxito / resultados
Estratégia interpessoal
Fins
Êxito / resultados
Desempenho
Fins
Rentabilidade
Cálculo
Fins
Estratégia interpessoal
Fins
Êxito
Desempenho
Utilidade
Êxito / Resultados
Desempenho
Tomada de decisão
Controle
Entendimento
Divisão do trabalho
Autorealização
Entendimento
Autonomia
Autenticidade
Valores emancipatórios
Autonomia
Valores emancipatórios
Comunicação e relações
interpessoais
Ação social e relações ambientais
Reflexão sobre a organização
Julgamento ético
Valores emancipatórios
Conflitos
Julgamento ético
Autenticidade
Autonomia
Autorealização
Autonomia
Satisfação individual
Dimensão simbólica
Autorealização
Valores emancipatórios
Fonte: Serva (1997, p. 24).
A partir do quadro de análise de Serva (1997) propomos também um quadro de análise que
ilustra a fundamentação teórica no sentido vislumbrar as diferenças entre a teoria da agência e
teoria da ação. Utilizamos para construção deste quadro os onze processos organizacionais
11
evidenciados no levantamento empírico da pesquisa de Serva (1997) como pontos de partida,
onde as teorias (limitando-se a teoria da agência e a teoria da ação comunicativa) se cruzam e
afastam-se para direções opostas deixando claro suas contraposições sobre os fins.
Quadro 2 – Quadro de Análise da Teoria da Ação Comunicativa versus Teoria da Agência
Teoria da Ação Comunicativa
Teoria da Agência
Relação sujeito-objeto
Hierarquia e normas
Relação sujeito-sujeito
(principal-agente)
Predisposição ao acordo entre sujeitos (aquilo Motivação por ganhos
Valores e objetivos
que é comum) quanto a validade das
financeiros
preposições ou da legitimidade das normas
(manipulação e oportunismo)
Abandono do egocentrismo orientado pelo
fim racional de seu próprio sucesso, para se
Cálculo utilitário visando a
Tomada de decisão
submeter a critérios evidentes de uma
maximização dos recursos
racionalidade do entendimento
Sistema de compensação,
Comunicação dialógica para uma
contratos, monitoramento,
Controle
argumentação sincera, livre da manipulação e
joint-venture, política de
coação
remuneração
Os sujeitos interagem orientando-se pelas
Divisão do trabalho
Performance / desempenho
normas sociais existentes ou por aquelas
produzidas durante a interação
Relações interpessoais e
Comunicação dialógica baseada na
procedimentos gerenciais
Comunicação e relações
reciprocidade entre sujeitos que se
baseados em um caráter
interpessoais
comunicam em uma situação de sinceridade
monológico
Requisito de sinceridade
Ação social e relações
Requisito de verdade proposicional
Mecanismo de sinalização
ambientais
Requisito de retidão
Mecanismo de varredura
Requisito de inteligibilidade
Crítica a racionalidade burocrática por
Aplicação do conceito de
Reflexão sobre a
reprimir e reduzir os valores éticos e políticos
agência com um tom
organização
à valores puramente instrumentais e técnicos
ideológico positivo
visando os resultados financeiros
Assimetria de informação
Conflitos
Colonização do mundo da vida pelo sistema
Comunicação distorcida
Manifestação da intimidade da
Funcionários produtivos
individualidade humana
Satisfação individual
tendem a ser satisfeitos com o
Ambiente fraternal de relacionamentos
trabalho
verdadeiros e desinteressados
Dimensão comunicativa voltada para o
Dimensão econômica voltada
Dimensão simbólica
debate entre sujeitos na esfera da vida
para os fins: utilitarismo
cotidiana
econômico
Fonte: construído pelos autores com base em Serva (1997, p. 24).
Considerações finais
O artigo teve como objetivo realizar uma comparação entre a teoria da agência e da teoria da
ação comunicativa através da crítica a racionalidade instrumental vislumbrando o
desenvolvimento dos estudos organizacionais alternativos em meio à visão hegemônica
gerencialista. Sendo assim, o estudo constatou que é possível fazer esta comparação, não no
sentido de que haja pontos em comum entre as teorias, mas que a partir de distintas visões
sobre a determinação dos fins, ambas se contrapõem em suas interpretações sobre as relações
interpessoais nas organizações.
12
Por um lado, apresentamos a teoria da agência, baseado na dimensão utilitarista econômica,
através de meios de monitoramento e de motivação por compensação, revelando uma ação
racional instrumental de comunicação monológica, propositalmente distorcida tendo como
base uma relação do tipo sujeito-objeto. Por outro, apresentamos a teoria da ação
comunicativa que inclui a possibilidade de entendimento e reciprocidade entre sujeitos através
de uma comunicação dialógica. Em seguida, evidenciamos uma comparação entre as teorias
da agência e da ação comunicativa. De um lado encontra-se a compreensão do fenômeno
organizacional a partir de práticas de compensação que servem para o desenvolvimento de
dominação e controle, do outro está a possibilidade de compreensão do sujeito como ser
competente para o desenvolvimento de uma práxis social capaz de superar a distorção
comunicativa.
Portanto, podemos sintetizar provisoriamente esta discussão utilizando o conceito de relações
inter-humanas proposto por Buber (1979, apud MOTTA; NETTO, 1994). Segundo este autor
o diálogo é o fundamento ontológico do inter-humano onde o ser se realiza enquanto tal. Para
ele o “eu” pode assumir várias atitudes ante uma relação denominadas de relação “eu e você”
e “eu e isto”. “Eu e você” é representação de uma relação de reciprocidade que tem por
objetivo a existência e não ao utilitarismo. “Eu e isto” é a representação de uma relação ou
atitude de utilização, objetivação expressa por meio da submissão e da dominação (MOTTA;
NETTO, 1994). Sendo assim, podemos fazer a seguinte analogia: a relação “eu e você” está
na base da teoria da ação comunicativa assim como a relação “eu e isto” está na base da
relação da teoria da agência. Baseado nesta reflexão, podemos concluir com o seguinte quadro
de análise demonstrando as principais idéias associadas às teorias abordadas neste artigo com
o objetivo de identificar as possíveis intersecções temáticas entre a teoria da agência e a teoria
da ação comunicativa.
Quadro 3 – Quadro de análise Teoria da Ação Comunicativa X Teoria da Agência
Teoria da Agência
Racionalidade Instrumental
Comunicação Monológica
Principal-Agente
Sujeito-Objeto
Mundo sistema
“Eu e isto”
Fonte: construído pelos autores.
Teoria da Ação Comunicativa
Racionalidade Comunicativa
Comunicação Dialógica
Agente-Agente
Sujeito-Sujeito
Mundo da vida
“Eu e você”
Conforme afirmou Vizeu (2005) é preciso superar a distorção comunicativa a partir de uma
discussão centrada na ação comunicativa a fim de revelar através dos estudos organizacionais
críticos à dominação presente nos sistemas administrativos em termos de manipulações das
interações lingüísticas. Pois, só assim poderemos caminhar para futuras pesquisas no campo
da estratégia e dos estudos organizacionais no intuito de compreender melhor os equívocos
causados pelo domínio da razão instrumental em busca de seus fins últimos.
Futuras pesquisas poderão evoluir no sentido de superar a visão dicotomia entre a teoria da
agência e teoria da ação comunicativa apresentada nesse artigo, para a qual se pressupõe
considerável aprofundamento teórico e debate entre os pesquisadores e praticantes no campo
de estratégia e dos estudos organizacionais. Nesse sentido, propõe-se que as pesquisas futuras
se debrucem no aprofundamento da crítica esboçada nesse artigo, desenvolvendo, do ponto de
vista teórico e empírico, um detalhamento necessariamente qualitativo (sem excluir
abordagens quantitativas) dos processos organizacionais identificados no Quadro 2, buscando
responder as seguintes questões:
13
•
•
•
Não seriam os pontos de contato e intersecções entre teoria da agência e teoria da ação
comunicativa indicados no Quadro 2 um importante ponto de partida para o
desenvolvimento de uma teoria organizacional crítica construída a partir da prática,
visando compreender formas organizacionais e de gestão mais responsáveis e
sustentáveis?
Como a partir desses pontos de contato e intersecção pode se realizar desenvolvimentos
teóricos e pesquisa empírica com abordagens epistemológicas, ontológicas e
metodológicas apropriadas?
Seria uma teoria organizacional crítica construída a partir da prática e pesquisas realizadas
a partir dela capaz de revelar e promover transformações na realidade das organizações e
de sua gestão visando revelar e construir uma concepção que possibilite organizações
mais responsável e sustentável?
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i
De acordo com Bronner (1997, p. 10), “todos os autores de mais destaque na tradição crítica, talvez
precisamente por essa razão, empregaram o ensaio como veículo estilístico. O ensaio, com sua qualidade
inerentemente inacabada é a forma lógica para gerar afirmações anti-sistêmicas e promover o exercício da
reflexividade”.
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Teoria da Agência e Teoria da Ação Comunicativa: Da