Márcia Regina da Silva Azevedo
A REPRESENTAÇÃO POPULAR NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
E O PACTO FEDERATIVO NO BRASIL
Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de
Pós-Graduação do Cefor no curso de Especialização
em Instituições e Processos Políticos do Legislativo
Brasília
2007
CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO
Título: A REPRESENTAÇÃO POPULAR NA CÂMARA DOS DEPUTADOS E O
PACTO FEDERATIVO NO BRASIL
Aluno: Márcia Regina da Silva Azevedo
Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação do Cefor no
curso de Especialização em Instituições e Processos Políticos do Legislativo
Instituição: Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos
Deputados – Cefor
Brasília, março/2007
Professor: Antônio Teixeira Barros
CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO
1 APRESENTAÇÃO
As democracias representativas modernas assentam-se sobre os princípios
da igualdade e da proporcionalidade, mas não raramente padecem de imperfeições que
ferem frontalmente esses fundamentos.
No Brasil, é recorrente a controvérsia sobre a representação popular na
Câmara dos Deputados. As imperfeições em nosso sistema consistem, resumidamente,
na disparidade entre representantes (número de deputados por estado e Distrito Federal)
e representados (população), resultando em unidades da federação sub-representadas e
sobre-representadas.
Freqüentemente, atribuem-se tais distorções ao chamado “Pacote de Abril”,
instituído em 1977 por meio da Emenda Constitucional nº 8, durante o Governo do
Presidente Ernesto Geisel. No entanto, as origens do problema remontam à instauração
da República e do Estado federal no Brasil, em 1889, e à promulgação da Constituição de
18911. As imperfeições do sistema representativo e do federalismo brasileiros conviveram,
portanto, com períodos de exceção e sobreviveram aos processos de redemocratização.
Em que pese a Constituição Federal de 1988 haver restabelecido a plena vigência do
Estado democrático de Direito no País, persistiram os desequilíbrios de outrora. A
aritmética eleitoral estabelecida pela própria Carta Magna, ao definir o piso (oito) e o teto
(70)
do
número
de
Deputados,
desrespeita
flagrantemente
o
princípio
da
proporcionalidade. Ademais, interpretação do Tribunal Superior Eleitoral tornou perene a
irredutibilidade da representação das unidades federadas na Câmara dos Deputados,
estabelecida pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Do ponto de vista jurídico, há que se reconhecer que as distorções da
representação proporcional representam uma afronta a valores democráticos de
cidadania e do pacto social, na medida em que violam o princípio da igualdade eleitoral
(um homem, um voto), assegurado pela Constituição brasileira de 1988, em seu art. 14,
caput2: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...)”.
Conforme sustenta o constitucionalista brasileiro José Afonso da Silva, o
princípio da igualdade do voto expresso no art. 14 da Constituição de 1988 traduz mais do
A Constituição de 1891 já arrolava a forma federativa do Estado como cláusula pétrea. Historicamente, o Direito
Constitucional brasileiro ratificou esse entendimento, que hoje persiste na Constituição Federal (1988) vigente.
2
A Constituição de 1988 foi a primeira Carta brasileira a incluir expressamente o princípio da igualdade do voto como
direito político do cidadão. Essa igualdade é também compreendida como desdobramento da igualdade assegurada
como garantia fundamental – portanto cláusula pétrea – no art. 5º da Constituição.
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que a mera relação de isonomia entre eleitores. Além do princípio one man, one vote, tal
princípio deve garantir a igualdade regional da representação, segundo a qual a cada
eleito, no País, deve corresponder o mesmo número aproximado de habitantes.
Contudo, no Brasil, inexiste essa igualdade, na medida em que um voto no
Acre, por exemplo, vale cerca de vinte vezes mais do que um voto em São Paulo, pois um
Deputado Federal acreano se elege com apenas cerca de dezesseis mil votos, enquanto
o representante paulista, em tese, precisaria receber aproximadamente trezentos mil
votos” (Silva, 2005). Essa distorção ou violação do art. 14 da Constituição de 1988 – e,
por extensão, do art. 5º, que assegura a igualdade de todos perante a lei - deriva
diretamente de outro dispositivo constitucional, qual seja, o art. 45, §1º, que assim
estabelece: “O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo
Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população,
procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma
daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados”
(Brasil, 1988).
O cientista político Jairo Marconi Nicolau identifica duas dimensões nas
distorções representativas: a federativa e a partidária. Tomando para análise a dimensão
federativa, é possível indagar se tais distorções, além de desrespeitarem princípios
democráticos basilares, implicariam o desequilíbrio na distribuição do poder entre as
unidades da federação, com efeitos concretos – e deletérios – sobre o processo de
construção do pacto federativo no País.
É importante ressaltar também que, em uma sociedade democrática, não se
pode ignorar a dinâmica da população (índices de crescimento populacional, movimentos
migratórios no território nacional) e a decorrente transformação do panorama social,
econômico e político das regiões do país. A título de exemplo, registre-se que estudos
recentes apontam, nos estados do Amazonas e do Pará – ambos na Região Norte, cujos
estados tradicionalmente mantiveram na Câmara dos Deputados representações em
excesso – índices de crescimento populacional mais altos do que a média nacional.
Por razões análogas, o pacto federativo não pode ser visto como um
processo concluso. Trata-se de processo correlação de forças e de concerto. Usualmente,
a discussão sobre o pacto federativo se cinge às questões tributárias. Contudo, há que se
ampliar esse debate para a compreensão de outros deveres do Estado. Cumpre aos
poderes executivo e legislativo, respeitados os limites de suas competências, atuar
conjuntamente em prol da formulação, aprovação e implementação de políticas públicas
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indispensáveis ao desenvolvimento socioeconômico da nação.
2 TEMA E OBJETO
O projeto de pesquisa abordará aspectos específicos da representação
popular na Câmara dos Deputados, cuja composição obedece ao sistema proporcional,
relacionando-os com o modelo de federalismo3 no Brasil, a partir da Constituição Federal
de 1988. Tratará o projeto do sistema de representação na Câmara dos Deputados e da
influência que este exerce sobre o pacto federativo brasileiro. Buscará ressaltar as
diferenças claramente estabelecidas na Constituição de 1988 entre o mandato e as
competências do Senado Federal - composto por representantes dos Estados e Distrito
Federal eleitos pelo sistema majoritário - e o mandato e as competências da Câmara dos
Deputados, composta por representantes do povo, razão pela qual, em tese, deveria
expressar da forma mais fidedigna possível as forças demográficas na Federação 4.
Analisará especificamente a relação entre as distorções da proporcionalidade na
representação popular na Câmara dos Deputados e a construção do pacto federativo no
Brasil.
3 PROBLEMA DE PESQUISA
O projeto buscará analisar como a alocação desproporcional de cadeiras na
Câmara os Deputados – entre os estados e o Distrito Federal – se reflete no processo
político sobre o qual se constrói o pacto federativo no Brasil. E quando se discute a
desproporcionalidade da representação na Câmara, impende repisar um questionamento
central: por que e para que existe a desproporção?
Como desdobramento dessa indagação primária, apresentam-se outros
questionamentos. Que papel cumpre tal desproporção relativamente ao equilíbrio
federativo? Em outras palavras, o projeto tentará compreender se a coexistência de
estados sobre-representados e estados sub-representados vem ao encontro dos
interesses da Federação ou em desfavor desta.
Também será pertinente argüir: que efeitos tem a desproporção sobre a
negociação de interesses e projetos dos entes federados em nosso País? Seriam as
chamadas “distorções” um mecanismo legítimo de compensação das assimetrias
3
O termo federalismo provém do latim “foedus, foederis, foederatione” e significa pacto, aliança, união. A expressão
“foedus” designava, no direito público romano, o tratado de paz celebrado entre Roma e outros Estados.
4
Cumpre aqui lembrar que o respeito ao princípio da proporcionalidade e a adoção do sistema parlamentar bicameral
foram aspectos decisivos na construção do primeiro Estado republicano a constituir uma federação, e assim inaugurar o
conceito de federalismo no mundo, a saber, os Estados Unidos da América (LIMONGI, 1995).
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econômicas e sociais existentes entre os estados da Federação ou serviriam tão-somente
a interesses locais e regionais, em detrimento de projetos de caráter nacional?
Por fim, é lícito indagar como se comportam os parlamentares, ou mais
especificamente os Deputados Federais, nesse arranjo representativo. Na qualidade de
agentes políticos e mandatários do povo, à defesa de que interesses (e de quem)
dedicam-se os Deputados nas deliberações no Parlamento? Nas discussões e votações
de matérias de interesse nacional, estão comprometidos os Deputados Federais com a
representação dos interesses de seu estado? De seu eleitorado, suas bases? De seus
apoiadores (de campanha)? Estão comprometidos com os projetos da Federação, com
interesses nacionais?
Para
responder
a
essas
indagações,
partir-se-á
da
análise
do
comportamento dos Deputados Federais nas deliberações relativas aos projetos de
revitalização e transposição das águas do São Francisco, especialmente do Projeto de Lei
proveniente da Comissão Especial do Rio São Francisco.
4 HIPÓTESES
O estudo se desenvolverá a partir basicamente de duas hipóteses, à luz do
referencial teórico que será explicitado no item 7.
Na primeira hipótese, admite-se que a atuação parlamentar de um Deputado
Federal segue predominantemente o modelo do “mandato burkeano”, independente,
segundo o qual o representante do povo – e é importante frisar-se que os membros da
Câmara dos Deputados representam o povo, a população, e não a unidade da federação
pela qual se elegeram, uma vez que cumpre aos membros do Senado Federal a
competência constitucional de representação dos entes federados – atua com visão
estratégica voltada para o bem comum, e não para questões particulares, para interesses
nacionais e não interesses locais ou regionais apenas. E se os Deputados Federais
atuam
em
conformidade
com
interesses
da
Federação,
estarão
contribuindo,
naturalmente, para a concertação do pacto federativo.
Já na segunda hipótese, entende-se que o Deputado Federal pauta sua
atuação no Parlamento conforme a representação por “mandato imperativo” e da
“conexão
eleitoral”,
estando
vinculado
aos
interesses
de
seus
eleitores/representados/apoiadores, sempre comprometido com o próprio objetivo da
reeleição. Dessa forma, a atuação parlamentar não teria no compromisso com a
Federação um valor maior a ser preservado, debilitando o pacto federativo. É possível
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imaginar, nesta hipótese, que a bancada de um estado ou região possa obstaculizar um
projeto de caráter nacional em virtude da defesa de interesses locais, usurpando, assim,
responsabilidade constitucionalmente atribuída ao Senado, que representa os estados e o
Distrito Federal.
5 OBJETIVOS
No Brasil, a discussão sobre o pacto federativo se concentra na questão
tributária, ou seja, na chamada “guerra fiscal” travada pelos os estados da federação. O
objetivo da proposta que ora se apresenta é ampliar esse debate para investigar como e
em que medida as disparidades que marcam a representação popular na Câmara dos
Deputados se refletem na construção do pacto federativo, inclusive na formulação,
aprovação e implementação de políticas públicas indispensáveis ao desenvolvimento
socioeconômico do País.
Como já referido no item 2 (Problema de Pesquisa), trata-se de buscar
responder, entre outros, ao seguinte questionamento: constituem essas distorções um
mecanismo de compensação das assimetrias existentes entre os estados brasileiros - e
assim concorrem para o equilíbrio e a justiça federativa - ou servem a interesses locais e
regionais, em detrimento de projetos de caráter nacional?
6 JUSTIFICATIVA
O presente projeto de pesquisa sobre a representação popular na Câmara
dos Deputados e o pacto federativo no Brasil guarda íntima relação com temas de
inconteste relevância, tais como reforma política, governabilidade, fortalecimento das
instituições democráticas, mormente do Poder Legislativo. São debates recorrentes na
agenda política nacional e, por conseqüência, na pauta dos meios de comunicação, nos
currículos acadêmicos e, por que não dizer, até mesmo nas mesas de bar. Como se pode
discutir democracia (moderna) e não refletir sobre representação política? Como pensar
em fortalecimento das instituições democráticas sem se avaliar o Poder Legislativo?
Como buscar a governabilidade sem compreender os entes federados e o pacto
federativo? Simplesmente impossível.
Outro mérito que se pode, de plano, reconhecer no projeto é a opção por
resgatar a natureza intrinsecamente política do pacto federativo, tantas vezes reduzido à
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ótica econômica e restrito à esfera tributária. Aliás, na lição e na visão de clássicos como
os contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, o conceito de
pacto não trazia em si a leitura economicista que adquiriu ao longo do tempo no Brasil e
em outros países. É bem verdade que deslindar os meandros políticos da concertação do
pacto federativo talvez não seja a opção e o caminho mais fáceis. Talvez fosse mais
prático e simples propor um novo cálculo, uma nova fórmula eleitoral que pudesse
diminuir as distorções na representação popular na Câmara dos Deputados. No entanto,
persistiria a dúvida: a que serviria a nova conformação da Câmara?
Outro forte fundamento desta pesquisa é a decisão de analisar o
comportamento parlamentar na deliberação sobre os projetos de revitalização e de
transposição das águas do Rio São Francisco. Como se sabe, o “Velho Chico” é histórica
e geograficamente considerado o “rio da integração nacional”. A história do São Francisco
se confunde com a própria história do Brasil em seus mais de 500 anos, e a preocupação
com a preservação, recuperação e otimização das águas do Velho Chico remonta ao
século XIX, ainda no Brasil Império.
No entanto, em que pese o reconhecimento da relevância dos projetos
relativos à Bacia do São Francisco, é notória a falta de consenso. Nem mesmo no seio da
bancada do Nordeste há união em torno do projeto ou de como ele deve ser concebido e
executado. Isso porque o projeto beneficiaria diretamente alguns estados daquela região
(Ceará e Pernambuco, entre outros), sobretudo do semi-árido, e favorecerá indiretamente
outros. E há aqueles estados que se sentem excluídos do bônus e ainda prejudicados
pela repartição do ônus (Bahia, por exemplo).
Diante desse cenário desafiador e confuso, representantes da esquerda e
da direita se posicionam contra e a favor do projeto, independentemente de programas
partidários. Alguns se prendem aos interesses de seus estados – mais pobres, mais ricos;
outros preocupam-se com a viabilidade e a sustentabilidade do projeto. A discussão tem
status nacional. Daí decidir-se na presente pesquisa pela análise do comportamento
parlamentar na Câmara dos Deputados na deliberação de tão relevante (regional e
nacionalmente) - embora controverso - projeto.
Por fim, coaduna-se o projeto ora apresentado não só com a linha de
pesquisa sobre cidadania e práticas democráticas de representação e participação
política, como também com o estudo das relações do Poder Legislativo com os demais
poderes e outras instituições. Pretende-se contribuir, assim, para o aprimoramento das
instituições democráticas e a consecução das finalidades do Estado, delegado da vontade
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geral da sociedade.
7 METODOLOGIA
O projeto se desenvolverá, sobretudo, por meio de pesquisa bibliográfica
(leitura de livros e de artigos científicos) e documental (votações e de discursos
parlamentares), procedendo a estudo de caso ao debruçar-se sobre os resultados das
deliberações acerca dos projetos de revitalização da Bacia do São Francisco e de
transposição das águas do São Francisco, especialmente no que diz respeito ao
comportamento dos representantes dos estados do Nordeste. Recorrer-se-á, portanto,
também ao instrumento da análise de discurso para a realização da pesquisa, uma vez
que se pretende estudar a expressão do posicionamento assumido pelos parlamentares
nos debates, as peças de oratória, as declarações de voto, os votos em separado e
documentos semelhantes. Esse instrumento é importante para constatar: se há
divergência entre a opinião do parlamentar e seu voto, entre a representação dos
interesses de seus representados e programa partidário; se a tomada de posição por
parte do parlamentar é meramente simbólica, uma prestação de contas ao eleitorado, ou
se consiste em arrazoado da votação com o objetivo paralelo do convencimento de seus
pares.
A idéia de se analisar o comportamento parlamentar, sobretudo da chamada
“bancada nordestina”, na discussão e votação dos projetos relativos à Bacia do São
Francisco baseia-se no caráter estratégico atribuído a esses projetos considerados um
vetor de integração nacional (dos entes federados econômica e territorialmente) e de
desenvolvimento sustentado do País. A partir da análise do comportamento parlamentar
na votação desses projetos será possível verificar se entre os Deputados Federais
predomina o exercício do mandato independente ou do mandato imperativo nos moldes
da conexão eleitoral.
8 REFERENCIAL TEÓRICO
Para fins de compreensão do conceito de representação política, o estudo
adotará a divisão em dois modelos clássicos: a representação como relação de delegação
(mandato imperativo) e a representação como relação de confiança (BOBBIO, 1993).
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8.1 O mandato imperativo
A representação por mandato imperativo tem suas origens nos sistemas
políticos medievais, anteriores, portanto, aos sistemas democráticos hoje conhecidos.
Tratava-se de representação vinculada e restrita aos interesses dos representados, que
outorgavam poderes limitados a seus representantes. Ao representante nada mais
caberia expressar do que a vontade de seus representados.
Embora as origens do mandato imperativo remontem à Europa medieval, e
as constituições das democracias modernas ocidentais tenham praticamente abolido esse
modelo de representação, ainda hoje é possível perceber claramente variados graus de
vinculação entre interesses dos representados e a atuação dos representantes. A partir
dessa observação, nos anos 70, o norte-americano David Mayhew, analisou o
comportamento dos parlamentares nos Estados Unidos e elaborou a chamada teoria da
“conexão eleitoral” (MAYHEW, 1974).
A teoria da conexão eleitoral pode ser assim resumida: a reeleição molda a
atuação do parlamentar, bem como a estrutura e o funcionamento do parlamento. Para
chegar a essa conclusão, Mayhew partiu de três premissas, que devem ser analisadas à
luz do sistema eleitoral americano: todo parlamentar busca a reeleição; não há partidos
fortes no parlamento; e eleições se realizam em distritos.
A principal dessas premissas para o presente projeto é a primeira, que
vincula a atuação do parlamentar com o objetivo da reeleição. Dessa premissa, resulta
uma característica fundamental da atuação parlamentar, qual seja, o particularismo,
reflexo da “conexão” entre representante e representado. Isso significa também dizer que
o parlamento tende a aprovar medidas de cunho e interesse particulares, e detrimento de
medidas que visam ao bem comum.
8.2 O mandato burkeano
Em contrapartida ao modelo de mandato imperativo, tem-se a representação
como relação de confiança, em que os representados atribuem posição de autonomia a
seus representantes.
No célebre “Discurso aos eleitores de Bristol”, proferido em 3 de novembro
de 1774,
Edmund Burke rompeu com o paradigma da representação política
fundamentada no mandato imperativo e inaugurou a representação por “mandato
independente” (também
chamado “burkeano”). Embora conservador, defensor das
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tradições e da constituição britânica, Burke - tão logo eleito representante da cidade de
Bristol – ousou declarar aos eleitores que não cumpriria mandato imperativo, ou sejam,
não receberia instruções de seus eleitores para representá-los. Não deixaria de ouvi os
cidadãos (suas bases, seu eleitorado), porque lhes reconhecia o direito de opinião, mas
não se sentiria obrigado a obedecer-lhes, em detrimento da própria razão e do próprio
julgamento. Burke expressou aos eleitores a clara convicção de que eles nem sempre
estariam aptos a fazerem as melhores escolhas. Primeiro, porque lhes faltava o
conhecimento e o discernimento necessários a certas decisões. Segundo, porque
também lhes faltava a visão estratégica de que os interesses do Império Britânico eram
maiores e deveriam prevalecer sobre as questões locais de Bristol. Asseverou Burke que
fora eleito por Bristol para a Câmara dos Comuns, mas seria parlamentar pela nação, pela
Inglaterra como um todo. Burke descreveu o papel do representantes como “trabalho de
razão e de juízo” a serviço do “bem comum”, e não do simples querer e dos preconceitos
locais. (BOBBIO, 1993).
No parlamento brasileiro, como em outros parlamentos modernos, o modelo
burkeano de representação política convive ainda com a representação por mandato
imperativo. O mandato burkeano hoje se identifica mais com os parlamentares chamados
“independentes” ou “de opinião”, que não mantêm com seus eleitores ou com seus
partidos relações disciplinadas por interesses locais ou corporativos, por doutrinas ou
ideologias. A versão atual do mandato imperativo se caracteriza por relações
disciplinadas, não necessariamente impostas ou vinculadas, por interesses corporativos e
regionais/locais, guardando semelhança com a leitura que David Mayhew faz da
representação política com a teoria da conexão eleitoral. Identifica-se no Brasil, portanto,
com a chamada “política paroquial”, com o parlamentar/Deputado cuja atuação se
assemelha à de um “vereador federal”.
9 CRONOGRAMA
JUL/07 AGO/200 SET/200 OUT/200 NOV/200 DEZ/200
Pesquisa bibliográfica e
documental
Análise e Interpretação
Redação do Trabalho Final
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10. ESTRUTURA
O trabalho será dividido em seis capítulos:
1 Introdução
2 Federalismo no Brasil
2.1 O federalismo como fundamento histórico do Estado brasileiro
2.2 O federalismo a partir da Constituição de 1988
3 Representação Política e sistemas proporcionais
4 A Câmara dos Deputados e o pacto federativo no Brasil
5 A Câmara dos Deputados e os projetos relativos à Bacia do São
Francisco
5.1 O “Velho Chico”: símbolo da integração nacional
5.2 Transposição e Revitalização da Bacia do São Francisco: desafios
ontem e hoje
5.3 Comportamento das bancadas na Câmara dos Deputados na votação
dos projetos relativos à revitalização e à transposição das águas do São
Francisco
6 Conclusão
11. REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política/ Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino;
tradução Carmem C. Varriale... [et al]; coordenação da tradução João Ferreira e Luis
Guerreiro Pinto Cascais. 5ª ed. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1993.
KINZO, Maria D’Alva Gil. Burke: a continuidade contra a ruptura. In: WEFFORT, Francisco
C. (org.). Os Clássicos da Política. São Paulo, Ed. Ática, 1995.
LIMONGI, Fernando Papaterra. “O Federalista”: remédios republicanos para males
republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os Clássicos da Política. SãoPaulo, Ed.
Ática, 1995.
MAYHEW, David R. Congress: The Electoral Connection. New Haven, Yale University
Press, 1974.
CENTRO DE FORMAÇÃO, TREINAMENTO E APERFEIÇOAMENTO
NICOLAU, Jairo Marconi. As Distorções na Representação dos Estados na Câmara dos
Deputados Brasileira. Dados., Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, 1997. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S001152581997000300006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 29 Mar 2007. Pré-publicação. doi:
10.1590/S0011-52581997000300006
NICOLAU, Jairo. Sistemas Eleitorais. 5ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24.ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2005
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