DUAS REALIZAÇÕES ESTÉTICAS NO ROMANCE BRASILEIRO: VIDAS SECAS E ERA UM POAIEIRO Cláudio Márcio da Silva (PPGEL/UNEMAT)1 RESUMO: O presente trabalho busca discutir a configuração de estéticas referentes ao espaço em duas obras da Literatura Brasileira: uma pertencente ao cânone nacional, Vidas secas, de Graciliano Ramos, e outra pouco conhecida, Era um poaieiro, de Alfredo Marien. O enfoque desta análise prioriza, tão somente, as personagens protagonistas Fabiano e Brasilino, buscando entender como ocorre a configuração destas personagens a partir de suas condições sociais e econômicas. PALAVRAS-CHAVE: Romance, Personagem, Espaço, Vidas secas, Era um poaieiro. ABSTRACT: This study aims to discuss the esthetic setting focused on the space in two novels of Brazilian literature: one belonging to the national canon, named Vidas secas by Graciliano Ramos, and other little-known named Era um poaieiro by Alfredo Marien. The priority focus of this analysis is main characters Fabiano and Brasilino, seeking to understand how it happens the configuration of these characters from their social and economic conditions. KEYWORDS: Novel, Character, Space, Vidas secas, Era um poaieiro. INTRODUÇÃO Segundo Antonio Candido (2006, p. 119) “na literatura brasileira há dois momentos decisivos que mudam os rumos e vitalizam toda a inteligência: o Romantismo, no século XIX (1836-1870), e o ainda chamado Modernismo, no presente século (1922-1945)”. Destes dois momentos, neste trabalho, o qual nos interessa particularmente é o ocorrido entre 1922 a 1945. É no Modernismo, sobretudo no decênio de 1930, que se desenvolve o romance engajado, caracterizado fortemente pela denúncia social de uma realidade demarcada geograficamente, onde o indivíduo estará em constante tensão com o mundo. O herói, encarado como um ser problemático, não raro entrará em conflito com as estruturas vigentes. 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus Tangará da Serra – MT. Nessa ficção, marcadamente regionalista, os conflitos se darão principalmente entre personagens e o meio natural e social em que vivem. A terra, vista frequentemente como hostil, violenta, superior às forças humanas, ressaltará a pequenez do homem em relação aos problemas que o ambiente lhe impõe. No cânone nacional, seu cenário será o Nordeste decadente. Caberá ao romance Vidas Secas (1938) ser o ponto alto de expressão deste período. Nesta narrativa, tem-se um engajamento absoluto com a realidade nacional, especialmente da região Nordeste do Brasil, castigada pelos problemas causados pela seca. Seu enredo está voltado inteiramente para o drama social e geográfico nordestino. Embora saibamos que o regionalismo não se restringe apenas a uma temática, o Modernismo brasileiro canonizado se limitou quase que exclusivamente ao drama das secas nordestinas, como nos mostram algumas das principais historiografias nacionais. Porém, em outras partes do país, neste mesmo período, aparecem obras com grande valor estético que, apesar de também abordarem o homem em conflito com o meio em que vive, não possuem a visão cortante e miserável que as narrativas nordestinas apresentam. Em Mato Grosso, por exemplo, a seca dá lugar a um dos mais ricos ecossistemas do planeta, com uma bela floresta. Assim é Era um poaieiro (1944), um romance escrito por Alfredo Marien, e que foi esquecido pela cultura brasileira. A obra traz uma grande preocupação com a cultura local e com descrição de seus espaços. Apresenta uma espécie de reconfiguração do regionalismo tradicional, já que, embora apresente elementos locais, o homem não é completamente tragado pela natureza que, se outrora se apresentava como inimiga implacável, agora constitui-se também como meio de sobrevivência às personagens da história, mesmo apresentando obstáculos e perigos. Assim, procuraremos apresentar expressões estéticas que fazem surgir regionalismos diferentes entre as décadas de 30 e 40 do século XX, por meio de um estudo comparativo entre dois textos literários publicados nessa época e citados anteriormente. Para tanto, o artigo se detém nas personagens Fabiano e Brasilino, protagonistas dos romances em questão, focalizando como o espaço, no qual estão inseridas, vai interferir no modo como vivem, verificando assim como essas personagens estão configuradas a partir dos limites geográficos que os cercam. Por meio desse estudo, observaremos o modo como eles encaram a paisagem e, nos limites da emoção, como fazem uso da linguagem para se expressarem no mundo em que estão inseridos, seja segundo uma dimensão afetiva ou não. Vidas secas Vidas secas emprega um estilo seco e até violento, com períodos gramaticais curtos. Citando Antonio Candido (1956, p. 59) “[…] há em Graciliano uma espécie de irritação permanente contra o que escreveu; uma sorte de arrependimento que o leva a justificar e quase desculpar a publicação de cada livro, como ato reprovável”. Na obra, as cenas e as personagens possuem uma estreita dependência do narrador que se preocupa com o caso individual, com o ângulo do indivíduo singular, encarando a realidade, seu espaço: “No âmago do acontecimento está sempre o coração do personagem central, dominante, impondo na visão das coisas a sua posição específica” (CANDIDO, 1956, p.23). Vidas secas é, para muitos, a obra-prima de Graciliano Ramos. Pertence a um gênero intermediário entre romance e livro de contos. Constituído por cenas e episódios mais ou menos isolados, alguns foram de fato publicados como contos; mas são solidários, e só no contexto adquirem sentido pleno. É o último livro de ficção de Graciliano e o primeiro narrado em terceira pessoa, talvez devido à rusticidade das personagens que não lhes permite autonomia de linguagem e, no limite, de pensamento. O romance, no geral, compõe-se esteticamente de quadros que focalizam os membros da família, inclusive da cachorra Baleia, ora reunidos, ora isolados. Retalhados, os capítulos são autônomos do ponto de vista literário. Cada membro da família possui um capítulo para si, que, inclusive, leva seu nome como título, o que expressa a solidão e o isolamento no qual as personagens estão. Distribuídos de forma cíclica, nos capítulos vê-se que, apesar de tratar de uma família, cada indivíduo deve lutar isoladamente, individualmente pela própria sobrevivência. Assim, apesar de partilharem afeições e espaços comuns, as personagens vivem entregues ao seu próprio abandono, uma vez que não conseguem articular mais do que palavras rudes, exclamações, insultos ou interjeições. A vida e o mundo seco de Fabiano Segundo Mikhail Bakhtin (2005), no romance, o homem deve ser pensado sempre inserido num contexto com tempo e local determinados, já que este gênero representa não só este homem, mas também seu mundo e sua linguagem. Então, tanto a experiência, quanto a livre invenção são manifestações marcadas pela temporalidade. Portanto, a preocupação com o ambiente físico real é de extrema importância para o gênero romanesco. Esta relação particular do tempo com o espaço, a ligação da vida da personagem e seus acontecimentos a um lugar são inseparáveis e determinarão o seu comportamento no desenvolvimento do enredo. Bakhtin (1998) chamará essa indissolubilidade entre o tempo e o espaço de Cronotopo e, segundo ele, isso guiará a constituição do romance enquanto gênero. Utilizando essa relação do homem com o tempo e o espaço dentro do romance, pensaremos nosso objeto. Percorrendo os romances desde gregos antigos, até chegar aos russos contemporâneos, Bakhtin (1998) formulou uma tipologia universal do romance classificando-o em monológico e o polifônico. Os romances monológicos são aqueles quês se ligam a conceitos autoritários, ou seja, verdades absolutas veiculadas por um discurso ou um acabamento. Já os polifônicos dizem respeito a uma realidade em formação, inconclusa, ou melhor, ao não acabamento, já que, segundo Bakhtin (1998), o romance é um gênero em formação. Sendo assim, as personagens, junto com o romance, também estão em evolução constante. No romance polifônico, durante a narrativa o homem adquire uma iniciativa linguística que o modifica. Essa mudança, segundo Bakhtin, é, primeiro, realizada na obra de Dostoiéviski. É nela que a personagem (2005, p. 46), ganha relativa liberdade e independência de voz. Munido desta liberdade e independência, ela pode pensar seu mundo, conhecer o meio em que vive e quais artimanhas deve usar para sobreviver nele. Ao tomar Fabiano, observa-se entre a personagem e o meio que o cerca um vínculo poderoso, uma vez que será esse meio que ditará a lei de sua vida no espaço que está inserido. O espaço se exprime em formas e reveste-se de sentidos múltiplos, até construir, por vezes, a razão de ser da obra. Em Vidas secas, já no início da obra, o narrador apresenta o cenário do romance: o sertão e a catinga pelada e rala, com suas forças destruidoras, incontroláveis, representados pela seca. Uma paisagem cheia de ossadas e urubus em torno de bichos moribundos. Cheia de espinhos prontos para ferir quem quer que seja, sem vida, deserta, abandonada, estática. Uma grande planície avermelhada, sem sombra, com rios e galhos secos, onde as personagens estão condenadas a viver ali. O cenário e as primeiras apresentações das personagens põem em relevo a dificuldade que passarão durante o desenrolar do enredo. A seca, os animais, até o patrão e o soldado amarelo permitem a personagem se esculpir, mostrar-se a si própria, revelar-se, seja pela força, seja pela resistência. A personagem não tem qualquer poder sobre os acontecimentos, isto escapa a ela, o espaço, diferente dos animais se recusa a deixar-se domesticar por ela. Num mundo aparentemente desértico, Fabiano pensa sua existência, perplexo diante de tanta dificuldade. Lutando para não morrer de fome, também cria uma identidade para o povo do sertão. Uma identidade regional. Ele está de tal maneira entrecruzado no/pelo espaço que parece nascer dele, como as árvores secas. Transforma-se na própria representação desse espaço, marcado pelo clima seco, onde o sol queima o rosto da personagem, seu cabelo; com os pés rachados, feito o chão em que pisa. Desta forma, como o espaço, Fabiano também e se torna rude, hostil, seco. Diante de suas reflexões internas, Fabiano conclui que para sobreviver em um ambiente tão hostil e opressor, em um clima violento e agressivo, também deve igualar-se a ele. O ambiente representa um de seus maiores adversários, no qual a personagem luta incansavelmente para vencer. No pensamento da personagem, a seca, sua vizinha, deseja matá-lo. Mas Fabiano não queria morrer. Se Fabiano corre o risco de morrer, a natureza, aos olhos dele, vive intensamente. Ela é má, voraz, impiedosa, devora os homens. Essa natureza é a imagem da alma de Fabiano, uma vez que ela ilumina a vida inconsciente da personagem. Nesse espaço opressor, a personagem limita-se a apenas tentar sobreviver. A seca não o atinge apenas fisicamente, mas também mentalmente. Torna-o bruto, atormentado, um fugitivo perdido no mundo, sombrio, oprimido por tudo. Analisando a si própria, naquele espaço, a personagem chega à conclusão de que não passa de um bicho: “- Você é um bicho, Fabiano”. (RAMOS, 2005, p.19).É a paisagem áspera do sertão seco que retira os traços humanos da personagem, obrigando-a a comportar-se como um animal para sobreviver. Não raro, o narrador apresenta Fabiano não como um homem, mas como os bichos que o rodeiam (urubus, cavalos, ratos). Em suas reflexões, a personagem também se identifica com cachorros, urubus, tatus e até com o papagaio mudo. Essa condição animal causa orgulho à personagem, já que para poder sobreviver à seca é preciso ser mais forte do que ela, dispor de um instinto animal para lutar contra o espaço opressor. Para vencer as dificuldades impostas pela seca, é preciso estar atento às variações circunstanciais de um meio ambiente tão duro e seco. E os bichos sabem vencer dificuldades, o homem não. “Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho capaz de vencer dificuldades” (RAMOS, 2005, p.19). Diante dos poderes incontroláveis da natureza, diante de suas leis, que não escutam nenhum apelo do homem, Fabiano se cala, resta-lhe apenas fugir. Esta abstenção da fala, esta carência de linguagem é um dos fatores responsáveis que leva Fabiano a concluir que é um bicho. Sua carência de linguagem também conduz o romance à quase ausência de diálogos, impedindo o protagonista de ser o narrador. Fabiano e sua família são portadores de uma linguagem mínima e rudimentar, quase primitiva. Ele se comunica por ruídos, como “- Ecô, ecô!” (RAMOS, 2005, p.21) ou “- Hum, hum!”. (RAMOS, 2005, p.31). O sertão, a fome, a fuga, o instinto de sobrevivência tornam a comunicação verbal dispensável. A seca e a pobreza calam Fabiano, como se por destino ele não tivesse direito nem a um pedaço de terra, nem a uma linguagem. Bakhtin diz que o herói não é apenas um discurso sobre si mesmo e sobre seu ambiente imediato, mas também um discurso sobre o mundo: ele não é apenas um ser consciente, é um ideólogo (BAKHTIN, 2005, p.77). O discurso sobre o mundo do herói se funde com o discurso confessional sobre si mesmo. A verdade sobre o mundo é inseparável da verdade individual. Fabiano, tomado de autoconsciência sobre seu mundo, rejeito-o, revolta-se contra ele e tenta mudá-lo. Não conseguindo, foge dele em busca de outro, também não conseguindo lhe resta apenas adaptar-se. Separado de seu mundo, a imagem de Fabiano seria totalmente destruída. Brasilino e seu mundo Era um poaieiro é a única obra de Alfredo Marien, pelo menos é o que se sabe até o momento. Assim como Vidas secas também é narrada em terceira pessoa e apresenta uma visão dos sertanejos, mas aqui, os poaieiros. Tomando a poaia, planta medicinal que sustentou durante muito tempo a economia do Estado de Mato Grosso, como plano de fundo, Alfredo Marien, um escritor francês, naturalizado brasileiro, mostra as ricas florestas e matas mato-grossenses, cheias de mosquitos, onças, antas e outros animais. Aliás, vale ressaltar a importância histórica que a poaia teve na economia de Mato Grosso. De acordo com Else Cavalcante e Maurim Rodrigues (1999, p. 70), o surto econômico de Mato Grosso, que teve seu início no século XVIII, primeiramente com as Bandeiras que buscavam índios para serem escravizados, depois passando para a mineração, foi impulsionado, sobretudo a partir da metade do século XIX, pela extração da erva-mate, da borracha e da poaia. Essa erva obteve uma posição de destaque na economia do Estado devido aos interesses dos europeus pela planta, uma vez que, com o avanço dos conhecimentos farmacêuticos, sua raiz passou a ser utilizada na fabricação de medicamentos de grande eficácia em diversos tratamentos. Os poaieiros surgiram em Mato Grosso no fim do século XIX e foram responsáveis pelo surgimento de vários núcleos de povoamento no Estado, graças à atividade desbravadora, sempre à procura de novas “manchas” da raiz da poaia. Essa atividade contribuiu para o povoamento da região de Barra do Bugres, já que são constantes as menções do protagonista a essa região. Segundo a obra, era em Barra do Bugres que a mata da poaia se iniciava. Voltando a estética da obra, percebe-se que esta é dividida em pequenos capítulos, vinte e cinco no total, todos com nomes. Esses capítulos focalizam o tempo da viagem dos poaieiros na mata, que vai de outubro a dezembro. Nesta obra, tanto o protagonista Brasilino, como as outras personagens, apresentam uma integração com o espaço, uma certa harmonia se pensarmos nesse mesmo relacionamento em Vidas secas. Se em Vidas secas a personagem rejeita seu espaço, neste é de onde ela retira seu sustento. Mas o espaço também mostra seu poder. Uma força que se materializa na narrativa pela chuva, pelos animais, pela dificuldade de adentrar na mata, por exemplo. Segundo o narrador, “Ao encarar de perto a luta que os esperava, sentiam-se pequeninos e frágeis, como soldados que vão para a batalha” (MARIEN, 2008, p.58). Mas os poaieiros já estavam “habituados a essa luta em que o homem sente a cada momento a sua fragilidade e pequenez. E a abundância das preciosas raízes compensava-os das dificuldades do terreno” (MARIEN, 2008, p.71). Nessa natureza exuberante, tem-se um homem determinado e forte. Muito diferente nesse aspecto da representação do homem e da natureza em Vidas secas, em que o homem, vencido, é subjugado, e a natureza opressora: Entre os demais sertanejos, constituem os poaieiros um povo à parte mais heróico talvez do que os próprios garimpeiros e seringueiros. Extremamente sóbrios resistentes e destemidos enfrentando e vencendo cada dia toda a espécie de perigos, dedicam-se a um trabalho árduo, palmitando sozinhos no pior tempo possível, imensa mata virgem, semelhante à da Amazônia (MARIEN, 2008, p. 57). Logo no início da obra, o narrador situa, em poucas palavras, essa geografia, um espaço onde a personagem leva uma vida totalmente campestre, despertando ao som de galos e de cigarras, com uma vida aparentemente tranquila, calma, pacata, rudimentar, harmônica com o meio. Brasilino prepara-se, junto com uma comitiva, para entrar na mata para extrair a poaia. Por meio do narrador, temos a ciência de que o enredo se desenvolverá num espaço de florestas e mata fechada. Uma paisagem exuberante e diversificada, que fornece meios para que as personagens sobrevivam, garantindo o seu sustento e de seus familiares. Felizmente, as suas terras eram ricas de caça e as suas águas de peixe. Nas roças tinham muita fartura de milho, mandioca, amendoim, arroz, e outros mantimentos (MARIEN, 2008, p. 114). Mas assim, como em Vidas secas, a personagem estabelece um conflito com a natureza que o cerca. Ela precisa transformar esse espaço pela força, pela extração, de acordo com seus interesses. Essa dominação da mata se dá como resultado da exploração da poaia. Este ambiente nada se parece com o de Vidas secas, já que, enquanto aquele oprimia e devorava Fabiano e sua família, representando um de seus maiores adversários, no qual a personagem luta incansavelmente para vencer, sem resultados, em Era um poaieiro é o espaço contribui como meio de afirmação do sujeito social. Segundo o narrador, (MARIEN, 2008, p. 49), “Brasilino só concebia a vida a céu aberto, ao sol, em plena natureza”. O espaço, portanto, passa a representar todos os elementos naturais indispensáveis à sua vida e sobrevivência. Elementos tanto materiais, quanto psicológicos. Assim, ao contrário do protagonista de Vidas secas que tenta fugir, de seu mundo, substituí-lo por outro, Brasilino mergulha no seu para explorar, compreender, transformar, e deste modo, conhecer a si mesmo. Conclusão Com o presente texto, abrimos uma reflexão sobre o espaço em duas obras da Literatura Brasileira, obras que apresentam características espaciais bem diferentes, mas em ambas, um espaço conhecido como sertão. Essas narrativas seduzem o leitor a desvendar um Brasil esquecido. Concluímos que, como personagem, Fabiano mostra-se formado a partir das condições em que está exposto. Somente situando-o num contexto com tempo e lugar determinados é que podemos entender seu comportamento. Em Vidas secas temos um espaço desafiador, opressor, que retira os traços humanos da personagem, igualando-a aos animais que a cercam. Já em Era um poaieiro temos um espaço também desafiador, mas não hostil. Assim, é o espaço que permite a Brasilino revelar sua força, mesmo não conseguindo superar os limites naturais. Por meio da extração da poaia, o protagonista faz o que Fabiano não consegue, que era dominar parcialmente a natureza, mesmo sabendo-se impotente diante de outros fenômenos naturais, como a chuva. Portanto, a rede de relações que a personagem romanesca estabelece durante o desenrolar da narrativa estende-se também aos lugares e aos objetos que a cercam, sendo o espaço de extrema importância para este gênero. Referências bibliográficas BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética: A Teoria do Romance. 4. edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1998. ________. Problemas na Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. ________. Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. MARIEN, Alfredo. Era um poaieiro. Cuiabá: Academia Mato-grossense de Letras; Unemat, 2008. RAMOS, Graciliano. [1892 – 1953]. Vidas Secas. (posfácio de Marilene Felinto) – 97 ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.