SÍNTESE DOS DIREITOS DA CRIANÇA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA ANÁLISE DO CASO GELMAN VS URUGUAI DECIDIDO PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS EM 20111 Alyne Garcia Agrassar2 Resumo: O artigo sintetiza os direitos da criança previstos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos a partir da análise da decisão da Corte Interamericana no Caso Gelman vs Uruguai, de 2011, que trata, dentre outros, dos direitos violados de Maria Macarena Gelman, desde o seu nascimento até por volta dos seus 23 anos, quando teve conhecimento da sua origem verdadeira, pelo Estado Uruguaio. Em razão disso, o Estado Uruguaio foi declarado responsável pelas violações aos direitos humanos da criança Maria Gelman à identidade, à personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, à família, ao nome, aos direitos da criança e à nacionalidade, reconhecidos nos arts. 3, 4, 5, 7, 17, 18, 19 e 20.3, em relação com o art. 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Palavras-chave: Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Convenção Americana de Direitos Humanos. Direitos da Criança. SUMMARY OF THE RIGHTS OF THE CHILD IN THE INTERAMERICAN HUMAN RIGHTS FROM THE ANALYSIS OF CASE Gelman VS URUGUAY DECIDED BY INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS IN 2011 Abstract: The article summarizes the rights of children set out in the Inter-American Human Rights from the analysis of the Inter-American Court's decision in Case Gelman vs Uruguay, 2011 which deals with, among others, violated the rights of Maria Macarena Gelman, from his birth to a around the age of 23, when he had knowledge of its true origin, the Uruguayan State. As a result, the Uruguayan State was held responsible for violations of human rights of children Maria Gelman identity, personality, life, personal integrity, personal liberty, family, name, child rights and nationality recognized in the arts. 3, 4, 5, 7, 17, 18, 19 and 20.3, in relation to art. 1.1 of the American Convention on Human Rights. Key words: Inter-American Human Rights. Inter-American Court of Human Rights. American Convention on Human Rights. Rights of the Child. 1 Artigo apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, 2011. Orientador: Prof. Paulo de Tarso Dias Klautau Filho - Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Master of Laws pela New York University. Professor do CESUPA. 2 Aluna do 10º período do curso de Direito do CESUPA. 2 1 INTRODUÇÃO Este artigo objetiva sintetizar os direitos da criança previstos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos; para isso utilizará a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gelman vs Uruguai de 2011. O caso mencionado trata de um contexto de violência vivenciado por muitas pessoas durante o período militar no Uruguai (1973-1985) e na Argentina (19661983). Dentro dessa realidade, ocorreram inúmeras atrocidades, como por exemplo, a cometida contra Maria Claudia Gelman, que era operária em uma fábrica de chinelos e estudante de Filosofia e Letras na Universidade de Buenos Aires. Ela foi privada de sua liberdade quando tinha 19 anos de idade e se encontrava em avançado estado de gravidez (aproximadamente 7 meses), detida ao amanhecer do dia 24 de agosto de 1975~, junto com seu marido, Marcelo Gelman, e sua cunhada, Nora Gelman, e com um amigo chamado Luis Edgardo Peredo, em sua residência, em Buenos Aires, por “comandos militares uruguaios e argentinos”, sendo Nora Gelman e Luis Peredo liberados quatro dias depois. Maria Claudia e Marcelo Gelman foram levados ao centro de detenção clandestino conhecido como “Automotores Orletti”, onde estavam com outros detidos e permaneceram até aproximadamente final de setembro ou outubro de 1976, data em que foram transferidos de lá. Em 1989, os restos de Marcelo Gelman foram descobertos pela Equipe Argentina de Antropologia forense, que determinou que ele foi executado em outubro de 1976. Porém, Maria Claudia foi transferida a Montevidéu, no Uruguai, de forma clandestina por autoridades uruguaias (provavelmente oficiais da Força Armada Aérea Uruguaia), na segunda semana de outubro de 1976, em avançado estado de gravidez, e alojada na sede do Serviço de Informação de Defesa (SID) do Uruguai. Maria Claudia permaneceu detida na sede da Divisão III (SID), separada dos demais detentos, no piso principal do Edifício e, no final de outubro ou começo de novembro, foi transferida para o Hospital Militar, onde deu à luz a uma menina. Após o parto, ela voltou ao SID, junto com sua filha. Em 22 de dezembro de 1976, as prisões da SID foram evacuadas, sendo Maria Claudia e sua filha transportadas para outro lugar de reclusão clandestino, conhecido como La Base Valparaíso. 3 Aproximadamente no final de dezembro de 1976, a filha recém nascida de Maria Claudia foi retirada dela e levada do SID. Após este acontecimento, não se tem conhecimento do paradeiro de Maria Claudia Gelman. A partir desse momento continuaram as violações contra a criança Maria Macarena, que nasceu e foi mantida em cativeiro até o instante em que foi retirada de sua mãe, tendo sido privado o seu direito de crescer aos cuidados de sua mãe biológica, e deixada na porta da casa do policial Ángel Tauriño, cuja esposa não podia ter filhos. Aproximadamente um ano depois, o casal registrou a criança como filha deles e a batizaram como Maria Macarena Tauriño Vivian. Maria Macarena Tauriño Vivian viveu mais de 20 anos sem conhecer sua origem verdadeira. Quando tinha aproximadamente 23 anos, em razão das buscas e investigações de seu avô paterno, Juan Gelman, pode descobrir sua origem. Teve comprovado seu parentesco com a família Gelman por meio de um teste de DNA. Maria Macarena teve decretada a nulidade da sua certidão de nascimento como filha de Angel Julian Tauriño Rodriguez e de Esmeralda Vivian e ordenada sua inscrição como filha legítima de Marcelo Ariel Gelman e de Maria Claudia Gelman, nascida em Montevidéu no dia 01 de novembro de 1976, em razão da decisão da Ação de filiação legítima interposta perante o Juizado de Família 17º de Montevidéu, em 08 de março de 2005, mudou seu nome de Maria Macarena Tauriño para Maria Macarena Gelman Garcia. Maria Macarena, juntamente com seu avô, Juan Gelman, passaram a buscar que os responsáveis pelo desaparecimento e morte de seus pais biológicos, Maria Claudia e Marcelo Gelman, fossem responsabilizados e também tentaram descobrir o que aconteceu a Maria Claudia, que não teve o corpo encontrado. 2 DIREITOS DA CRIANÇA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS 2.1 INSTRUMENTOS DO SISTEMA INTERAMERICANO APLICADOS EM MATÉRIA DE CRIANÇA Os instrumentos interamericanos de caráter geral como são a Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem de 1948 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 se aplicam indistintamente para proteger os direitos humanos das crianças e adolescentes dentro da jurisdição dos 4 Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).3 Assim sendo, tanto a Declaração Americana como a Convenção Americana contêm disposições que explicitamente se referem aos direitos humanos das crianças. A Declaração Americana contém os seguintes artigos: Art. VII. Toda mulher em estado de gravidez ou em época de lactância, assim como toda criança, tem direito à proteção, cuidados e ajuda especiais. Art. XXX. Toda pessoa têm o dever de assistir, alimentar, educar e amparar a seus filhos menores de idade, e os filhos têm o dever de honrar sempre a seus pais e assisti-los, alimentá-los e ampará-los quando estes necessitem 4 […]. Os dispositivos mencionados anteriormente concebem a criança como um ser que precisa de assistência por ser menor de idade. São positivas as referências aos direitos à alimentação e à educação como um dever dos pais perante seus filhos, porém tais dispositivos não visavam superar uma visão restrita em relação a direitos das crianças.5 Foi com a adoção da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 que se superou uma concepção limitada de direitos da criança.6 A Convenção Americana contém 26 artigos que se aplicam integralmente para proteção dos direitos das crianças. Assim mesmo, a Convenção contém referências específicas em assuntos relacionados a crianças, a exemplo da disposições que se referem a crianças em conflito com a lei penal; direitos das crianças privadas de liberdade estarem separadas dos adultos, previstos nos artigos 5 e 17; regula questões relevantes para proteção da família, como, por exemplo, igualdade de direitos de filhos matrimoniais e extramatrimoniais.7 O art. 19 da Convenção Americana determina um âmbito de proteção especial aos direitos humanos das crianças e adolescentes, regulando obrigações especiais de proteção por parte do Estado, ao establecer que “Toda criança tem direito a medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte da família, da sociedade e do Estado”.8 3 LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 17. Disponível em: <http://www.cidh.org/Ninez/>. Acesso em: 13 ago. 2011. 4 DECLARAÇÃO Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Aprovada na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, em abril de 1948. 5 LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 20. 6 Ibid., parágrafo 20. 7 Ibid., parágrafo 21. 8 Ibid., parágrafo 22. 5 2.2 DEFINIÇÃO DE CRIANÇA NA CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA A Convenção sobre os Direitos da Criança é a norma internacional que define quem deve ser considerado criança, portanto, em relação a quem se aplicam os efeitos deste tratado. Nesse sentido, o art. 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança define que “criança é todo ser humano menor de 18 anos”. Deste modo, a Convenção estabelece uma definição normativa de criança sustentada na categoria objetiva da idade.9. 2.3 DEFINIÇÃO DE CRIANÇA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS No âmbito interamericano, não se tem uma definição normativa de criança. A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem só estabelece um âmbito de proteção para a criança, mas não a define.10 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece um âmbito de proteção dos direitos humanos da criança, mas também não define criança.11 Em razão disso, a Corte12 e a Comissão13 Interamericanas de Direitos Humanos entendem que a definição de criança está prevista no art. 1 da Convenção sobre Direitos da Criança14. A Corte Interamericana estabeleceu, em sua Opinião Consultiva 17, que o termo criança “abarca, evidentemente, os meninos, as meninas e adolescentes ”.15 9 Ibid., parágrafo 26. Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre: (Aprobada en la Novena Conferencia Internacional Americana, Bogotá, Colombia, 1948). El Artículo VII establece, Toda mujer en estado de gravidez o en época de lactancia, así como todo niño, tienen derecho a protección, cuidados y ayuda especiales. 11 Convención Americana sobre Derechos Humanos (Suscrita en San José de Costa Rica el 22 de noviembre de 1969, en la Conferencia Especializada Interamericana sobre Derechos Humanos). El Artículo 19 establece: Todo niño tiene derecho a las medidas de protección que su condición de menor requieren por parte de su familia, de la sociedad y del Estado. 12 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos humanos del niño. Opinión Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002. (Serie A, n. 17). cap. 5 13 CIDH, Informe Anual 1991: Capítulo VI: Campos en los cuales han de tomarse medidas para dar mayor vigencia a los derechos humanos de conformidad con la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre y la Convención Americana sobre Derechos Humanos: Fortalecimiento de la OEA en materia de Derechos Humanos: La Observancia de los Derechos de los Menores, Sección VI. Recomendaciones. OEA/Ser.L/V/II.81, Doc. 6 rev. 1, 14 de febrero de 1992. 14 Convención sobre los Derechos del Niño (Adoptada y abierta a la firma y ratificación por la Asamblea General en su resolución 44/25, de 20 de noviembre de 1989. Entrada en vigor: 2 de septiembre de 1990, de conformidad con el artículo 49). El Artículo 1 de la Convención sobre los Derechos del Niño establece:Para los efectos de la presente Convención, se entiende por niño todo ser humano menor de dieciocho años de edad, salvo que, en virtud de la ley que le sea aplicable, haya alcanzado antes la mayoría de edad. 10 6 Na seção V da OC 17 sobre a Condição Jurídica e os Direitos Humanos da Criança denominada “definição de criança” estabelece quem deve ser considerado criança como “a toda pessoa que não completou 18 anos de idade”.16 Assim, por exemplo, no primeiro caso que a Corte resolveu sobre criança, estabeleceu que a aplicação do art. 19 se limitava às vítimas menores de 18 anos: El artículo 19 de la Convención Americana no define qué se entiende como “niño”. Por su parte, la Convención sobre Derechos del Niño considera como tal (artículo 1) a todo ser humano que no haya cumplido los 18 años, “salvo que, en virtud de la ley que le sea aplicable, haya alcanzado antes la mayoría de edad”. De conformidad con la legislación guatemalteca vigente para la época en que ocurrieron los hechos del presente caso, igualmente eran menores, quienes no habían cumplido los 18 años de edad. Según esos criterios sólo tres de las víctimas, Julio Roberto Caal Sandoval, Jovito Josué Juárez Cifuentes y Anstraum Villagrán Morales, tenían la condición de niños. Sin embargo, la Corte emplea, en esta sentencia, la expresión coloquial “niños de la calle”, para referirse a las cinco víctimas en el 17 presente caso, que vivían en las calles, en situación de riesgo. No caso Bulacio contra Argentina, a Corte reiterou: Walter David Bulacio tenía 17 años cuando fue detenido por la Policía Federal Argentina. La Corte estableció en su Opinión Consultiva OC-17 que “[e]n definitiva, tomando en cuenta la normativa internacional y el criterio sustentado por la Corte en otros casos, se entiende por ‘niño’ a toda 18 persona que no ha cumplido 18 años de edad. No caso das crianças Dilcia Yean y Violeta Bosico contra República Dominicana, a Corte estabeleceu que “al momento en que el Estado reconoció la competencia contenciosa de la Corte Dilcia Yean y Violeta Bosico, eran niñas19, quienes en esta condición tenían derechos especiales a los que corresponden deberes específicos de la familia, la sociedad y el Estado, y exigen una protección especial que es debida por este último y que debe ser entendida como un derecho adicional y complementario.20 Importante destacar que, em sua sentença relativa ao caso “del Instituto de Reeducación del Menor contra Paraguay del 2004”, a corte utilizou o critério da maioridade para establecer a faixa de proteção e considerou que, em razão de a 15 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos humanos del niño, op. cit., nota 45. 16 Id. Ibid., par. 42. 17 Id. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros). Sentencia de 19 de noviembre de 1999. (Serie C, n. 63). par. 188. 18 Id. Caso Bulacio. Sentencia de 18 de septiembre de 2003. (Serie C, n. 100). par. 133. 19 La Corte hace notar que al momento de dictarse la presente Sentencia, Dilcia Yean tiene 9 años edad y Violeta Bosico tiene 20 años de edad; sin embargo, dado que el 25 de marzo de 1999 Dilcia y Violeta tenían, respectivamente, 2 y 14 años de edad, la Corte se referirá a las presuntas víctimas como niñas, cfr. Id. Condición jurídica y derechos humanos del niño, op. cit., par. 42. 20 Id. Ibid. par. 53, 54 y 60 e Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri. Sentencia de 8 de julio de 2004. (Serie C, n. 110). par. 164. 7 legislação interna vigente no momento em que ocorreram os fatos estabelecia a maioridade em 20 anos, considerou necessário referir-se a Ricardo Daniel Martínez, falecido aos 18 anos, como criança. Neste caso, a Corte não aplicou o critério objetivo da idade estabelecido na Convenção sobre direitos da Criança e reconheceu isso nas sua resoluções previas.21 2.4 NOÇÃO SOBRE O CORPUS JURIS DE DIREITOS HUMANOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES O conceito de corpus juris em matéria de criança significa o reconhecimento da existência de um conjunto de normas fundamentais que se encontram vinculadas com a finalidade de garantir os direitos humanos das crianças e adolescentes. A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem estabelecido que “el corpus juris del Derecho Internacional de los Derechos Humanos es formado por un conjunto de instrumentos internacionales de contenido y efectos jurídicos distintos (tratados, convenios, resoluciones y declaraciones); así como las decisiones adoptadas por los órganos internacionales. Su evolución dinámica ha ejercido un impacto positivo en el Derecho Internacional, en el sentido de afirmar y desarrollar la aptitud de este último para regular las relaciones entre los Estados y los seres humanos bajo sus respectivas jurisdicciones”.22 Nesse sentido, a Corte Interamericana tem reconhecido, através de sua jurisprudência, a existência de um corpus juris sobre direitos das crianças e adolescentes, afirmando que: Tanto la Convención Americana como la Convención sobre los Derechos del Niño forman parte de un muy comprensivo corpus juris internacional de protección de los niños que debe servir a esta Corte para fijar el contenido y los alcances de la disposición general definida en el artículo 19 de la 23 Convención Americana. A Corte tem sublinhado que a existência do denominado corpus juris é resultado da evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos em matéria de crianças, que tem como eixo o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeito de direito. Assim, o marco jurídico de proteção dos direitos humanos das 21 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso “Instituto de Reeducación del Menor”. Sentencia de 2 de septiembre de 2004. (Serie C, n. 112). par. 181. 22 Id. El Derecho a la Información sobre la Asistencia Consular en el Marco de las Garantías del Debido Proceso Legal. Opinión Consultiva OC-16/99 de 1 de octubre de 1999. (Serie A, n. 16). par. 115. 23 Id. Condición jurídica y derechos humanos del niño, op. cit., par. 37, 53 e Id. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros), op. cit., par. 194. 8 crianças não se limita à disposição do art. 19 da Convenção Americana, mas inclui, para fins de interpretação, entre outras, as disposições presentes nas declarações sobre os Direitos da Criança de 1924 e 1959, a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing de 1985), as Regras sobre Medidas não Privativas da Liberdade (Regras de Tokio de 1990) e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Regras de Riad de 1990) ademais os instrumentos internacionais sobre direitos humanos de alcance geral.24 Dentro desta perspectiva, a Corte tem analisado os casos sobre direitos humanos de crianças e adolescentes aplicando o corpus juris em matéria de criança, estabelecendo que: Para fijar el contenido y alcances de este artículo, tomará en consideración las disposiciones pertinentes de la Convención sobre los Derechos del Niño, ratificada por el Paraguay el 25 de septiembre de 1990 y que entró en vigor el 2 de septiembre de 1990, y del Protocolo Adicional a la Convención Americana sobre Derechos Humanos en materia de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (Protocolo de San Salvador), ratificado por el Paraguay el 3 de junio de 1997 y que entró en vigor el 16 de noviembre de 1999, ya que estos instrumentos y la Convención Americana forman parte de un muy comprensivo corpus juris internacional de protección de los niños 25 que la Corte debe respetar. Neste sentido, é possível conceber que o conceito de corpus juris permite utilizar como ferramentas de interpretação as normas e as decisões que têm sido adotadas, inclusive fora do sistema regional de proteção de direitos humanos26. Desta maneira, importante é a incorporação dos princípios fundamentais em matéria de criança que se encontram no texto da Convenção sobre os Direitos da Criança, são eles: o princípio da não discriminação; o princípio da participação, o princípio do desenvolvimento e da sobrevivência da criança e o princípio do interesse superior da criança que estão presentes nas decisões adotadas no sistema regional. De modo ilustrativo, cabe mencionar que uma das primeiras referências ao princípio do interesse superior da criança nas decisões da Comissão encontra-se em seu Informe Anual de 1997, no qual estabeleceu que “[…] en todos los casos que 24 LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 41. 25 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso “Instituto de Reeducación del Menor”, op. cit., par. 148, Caso de los Hermanos Gómez Paquiyauri, par. 166; Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros), par. 194 e Exigibilidad del Derecho de Rectificación o Respuesta (arts. 14.1, 1.1 y 2 Convención Americana sobre Derechos Humanos), par. 24. 26 LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE DERECHOS HUMANOS. 2. ed., parágrafo 43. 9 involucren decisiones que afecten la vida, la libertad, la integridad física o moral, el desarrollo, la educación, la salud u otros derechos de los menores de edad, dichas decisiones sean tomadas a la luz del interés más ventajoso para el niño”.27 A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sua Opinião Consultiva 17 sobre a Condição Jurídica e os Direitos Humanos da Criança, também conceituou o interesse superior da criança como um “principio regulador de la normativa de los derechos del niño que se funda en la dignidad misma del ser humano,28 en las características propias de los niños, y en la necesidad de propiciar el desarrollo de éstos, con pleno aprovechamiento de sus potencialidades así como en la naturaleza y alcances de la Convención sobre los Derechos del Niño”.29 Tal entendimento representa um avanço significativo que evidencia não só a existência de um marco jurídico comum no Direito Internacional dos Direitos Humanos aplicados em matéria de direitos da criança como também a interdependência que existe no âmbito internacional entre os distintos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos das crianças e adolescentes.30 2.5 INTERAÇÃO ENTRE O SISTEMA INTERAMERICANO E O SISTEMA UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES O Sistema Interamericano coexiste com outros Sistemas Internacionais de Direitos Humanos, como o Sistema Universal, assim como os Sistemas regionais que existem na Europa e na África. Isso implica que os diferentes sistemas de proteção de direitos humanos se complementam no que se refere ao desenvolvimento de padrões internacionais de direitos humanos. Assim, no que concerne à matéria de direitos da criança, é possível constatar que a interação entre o Sistema Interamericano e o Sistema Universal tem se dado fundamentalmente nos seguintes âmbitos: i) 27 âmbito de desenvolvimento substantivo: se baseia no reconhecimento e aplicação de um corpus juris de direitos ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. Comissión Interamericana de Derechos Humanos. Informe anual 1997. cap. 7. Recomendaciones a los estados miembros en áreas en las cuales deben adoptarse medidas para la cabal observancia de los derechos humanos, de conformidad con la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. 28 Preámbulo de la Convención Americana sobre Derechos Humanos. 29 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos humanos del niño, op. cit., par. 56. 30 LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE DERECHOS HUMANOS, op.cit., parágrafo 45. 10 humanos das crianças e adolescentes que permite que ambos os sistemas exerçam uma influência mútua no desenvolvimento substantivo para o alcance e conteúdo de seus direitos humanos; ii) âmbito da prova: é o valor probatório das decisões adotadas em um e outro sistema para demonstrar a violação de direitos humanos das crianças e adolescentes ou para sustentar a existência de uma situação geral de direitos humanos que se encontra dentro do âmbito de responsabilidade internacional do Estado. iii) âmbito de monitoração e avaliação de situações gerais: ambos os sistemas analisam e avaliam a situação dos direitos humanos das crianças e adolescentes nos Estados. No caso da Organização das Nações Unidas, o Comitê de Direitos da Criança avalia a situação nos países que são Estados partes da Convenção sobre os Direitos da Criança, enquanto que a CIDH pode avaliar a situação nos Estados que são partes na Convenção Americana, mas também daqueles Estados que não ratificaram este tratado, 31 porém são membros da OEA. A interação entre os sistemas tem se concretizado através das referências que a Comissão, a Corte Interamericana e o Comitê sobre Direitos da Criança têm adotado nas suas decisões. Exemplo disso é a afirmação da Corte Interamericana em relação ao conceito de corpus juris em matéria de direitos da criança no Direito Internacional dos Direitos Humanos. A Corte, através dessa evolução conceitual, amplia o marco jurídico sobre direitos humanos das crianças e fortalece a sua proteção no sistema regional32. Desta maneira, incorporam-se ao sistema como referências de interpretação ao texto da Convenção sobre Direitos da Criança e também as decisões tomadas pelo Comitê de Direitos da Criança, tais como suas Observações Gerais e Observações Finais sobre os relatórios periódicos apresentados pelos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos da Criança. Esta relação fortalece a defesa e a promoção dos direitos humanos das crianças e adolescentes. Um exemplo de como o Comitê de Direitos da Criança utiliza as decisões do sistema interamericano se encontra na Observação geral nº8 sobre a proteção da criança contra o castigo corporal e outras formas de tratamento cruel, inumano ou degradante, na qual o Comitê cita a jurisprudência da Corte Interamericana para estabelecer o alcance da obrigação de adotar medidas positivas 31 LA INFANCIA Y SUS DERECHOS EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTECCIÓN DE DERECHOS HUMANOS, 2. ed., parágrafo 52. 32 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Condición jurídica y derechos humanos del niño, op. cit., par. 37, 53 e Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros), par. 94. 11 por parte do Estado para garantir os direitos das crianças e adolescentes. O Comitê afirmou: Una opinión consultiva de la Corte Interamericana de Derechos Humanos sobre la Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño (2002) sostiene que los Estados Partes en la Convención Americana de Derechos Humanos "tienen el deber... de tomar todas las medidas positivas que aseguren protección a los niños contra malos tratos, sea en sus relaciones con las autoridades públicas, sea en las relaciones interindividuales o con entes no estatales". La Corte cita disposiciones de la Convención sobre los Derechos del Niño, conclusiones del Comité de los Derechos del Niño y también fallos del Tribunal Europeo de Derechos Humanos en relación con las obligaciones de los Estados de proteger a los niños contra la violencia, incluso en la familia. La Corte afirma, como conclusión que "el Estado tiene el deber de adoptar todas las medidas positivas para asegurar la plena 33 vigencia de los derechos del niño. 3 DIREITOS VIOLADOS DA CRIANÇA MARIA MACARENA GELMAN A subtração, supressão e substituição da identidade de Maria Macarena Gelman como consequência da detenção e posterior transferência de sua mãe, Maria Claudia, grávida, para outro Estado, pode ser qualificada como uma forma particular de desaparecimento forçado, conforme estabelece o art. 25 da Convenção sobre Desaparecimento Forçado34. Como criança, na época, Maria Macarena tinha direito a medidas especiais de proteção que, de acordo com o art. 19 da Convenção Americana, são de responsabilidade da sua família, da sociedade e do Estado. 3.1 DIREITO À IDENTIDADE Apesar de esse direito não estar previsto expressamente na Convenção Americana, é possível enquadrá-lo ao disposto no art. 8 da Convenção sobre Direitos da Criança, que estabelece que tal direito compreende, entre outros, o direito à nacionalidade, ao nome e às relações de família. O direito à identidade pode ser conceituado como um conjunto de atributos e características que permitem 33 COMITÉ DE LOS DERECHOS DEL NIÑO. Observación General N° 8 El derecho del niño a la protección contra los castigos corporales y otras formas de castigo crueles y degradantes, CRC/C/GC/8, 21 de agosto de 2006, párrafo 24. 34 CONVENCIÓN INTERNACIONAL PARA LA PROTECCIÓN DE TODAS LAS PERSONAS CONTRA LAS DESAPARICIONES FORZADAS, artículo 25: 1. Los Estados Partes tomarán las medidas necesarias para prevenir y sancionar penalmente: a) La apropiación de niños sometidos a desaparición forzada, o de niños cuyo padre, madre o representante legal son sometidos a una desaparición forzada, o de niños nacidos durante el cautiverio de su madre sometida a uma desaparición forzada. 12 a individualização da pessoa em sociedade e, nesse sentido, compreende vários outros direitos segundo o sujeito de direitos e as circunstâncias do caso.35 Em relação ao direito à identidade, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) destacou “que o reconhecimento da identidade das pessoas é um dos meios através do qual se facilita o exercício dos direitos da personalidade jurídica, do nome, da nacionalidade, da inscrição no registro civil, das relações familiares, entre outros direitos reconhecidos em instrumentos internacionais como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Convenção Americana”.36 Ademais estabeleceu que “a falta de reconhecimento da identidade pode implicar que a pessoa não conta com constância legal de sua existência, dificultando o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”.37 Nesse mesmo sentido, o Comitê Jurídico Interamericano expressou que o “direito à identidade é consubstancial aos atributos e à dignidade humana” e que, em consequência, “é um direito humano fundamental oponível erga omnes como expressão de um interesse coletivo da comunidade internacional em seu conjunto, que não admite derrogação nem suspensão nos casos previstos pela Convenção americana”.38 Os fatos do caso revelam que Maria Macarena teve violado o seu direito à identidade ao ser retirada recém–nascida de sua mãe biológica, Maria Claudia, por ação de agentes estatais uruguaios e colocada em uma cesta e deixada na porta da casa da família do policial uruguaio Ángel Tauriño, localizada no bairro Punta Carretas de Montevidéu (Uruguai), com uma carta onde se indicava que a menina tinha nascido em 01 de novembro de 1976 e que sua mãe não lhe podia cuidar. O casal a registrou como filha e Maria Macarena só tomou conhecimento da sua real 35 El derecho a la identidad está previsto en las legislaciones nacionales de varios Estados de lãs Américas, como por ejemplo en el Código de la Niñez y la Adolescencia de Uruguay que establece el derecho a la identidad como uno de los derechos esenciales de los niños. 36 OEA, “Programa Interamericano para el Registro Civil Universal y ‘Derecho a la Identidad’”, resolución AG/RES. 2286 (XXXVII-O/07) de 5 de junio de 2007; resolución AG/RES. 2362 (XXXVIIIO/08) de 3 de junio de 2008 y, y resolución AG/RES. 2602 (XL-O/10), sobre seguimiento al programa, de 8 de junio de 2010. Sobre ese aspecto el Comité Jurídico Interamericano consideró que la Convención Americana sobre Derechos Humanos, si bien no consagra el derecho a la identidad bajo ese nombre expresamente, sí incluye, como se ha visto, el derecho al nombre, el derecho a la nacionalidad y el derecho relativo a la protección de La familia. Al respecto, cfr. Comité Jurídico Interamericano, Opinión “sobre el alcance del derecho a la identidad”, resolución CJI/doc. 276/07 rev. 1, de 10 de agosto de 2007, párrs. 11.2 y 18.3.3, ratificada mediante resolución CJI/RES.137 (LXXIO/07), de 10 de agosto de 2010. 37 OEA, Resoluciones AG/RES. 2286 (XXXVII-O/07); 2362 (XXXVIII-O/08), y 2602 (XL-O/10), supra nota 33. 38 COMITÉ JURÍDICO INTERAMERICANO, Opinión, supra nota 33, par. 12. 13 origem mais de 20 anos após o seu nascimento, em razão da busca de seu avô paterno, Juan Gelman, em descobrir o que aconteceu a sua nora e a sua neta. Assim sendo, a subtração de crianças por agentes estatais para serem entregues ilegitimamente para outra família, modificando sua identidade sem autorização e até mesmo conhecimento da família biológica, constitui uma violação ao direito à identidade da criança, como foi o caso de Maria Macarena. 3.2 DIREITO À PERSONALIDADE JURÍDICA Maria Macarena teve violado o seu direito à personalidade jurídica, em razão de sua identidade familiar ter sido alterada ilegalmente em consequência do desaparecimento forçado de seus pais biológicos. Tal direito está previsto no art. 3 da Convenção Americana e é um atributo inseparável da pessoa, que lhe possibilita à ser titular de direitos e obrigações e engloba situações jurídicas a ela relativas como o seu nome, estado civil, condição familiar. Uma vez que Maria Macarena teve usurpada sua verdadeira identidade e sua família originária, de maneira arbitrária, por agentes estatais, não pode exercer o seu direito à personalidade jurídica de forma plena. 3.2 DIREITO À VIDA Os fatos também afetaram o direito à vida, previsto no art. 4.1 da Convenção Americana, na medida em que a separação de seus pais biológicos colocaram em risco a sua sobrevivência e o seu desenvolvimento, que o Estado deveria garantir, de acordo com o art. 19 da Convenção Americana e o art. 6 da Convenção sobre Direitos da Criança, sobretudo através da proteção da família e da não ingerência arbitrária e ilegal na vida familiar das crianças. 3.3 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL Maria Macarena teve violada a sua integridade pessoal, art. 5 da Convenção Americana, em razão das circunstâncias do seu nascimento e de suas primeiras semanas de vida, pois foi mantida em cativeiro desde o nascimento até ser retirada de sua mãe. A violação da sua integridade psíquica ocorreu a partir do momento que 14 descobriu sua verdadeira identidade. Dessa maneira, a violação da sua integridade psíquica e moral foi consequência tanto do desaparecimento forçado de sua mãe quanto da descoberta das circunstâncias da morte de seu pai biológico, do conhecimento da sua verdadeira origem, da falta de investigação do Estado para esclarecer os fatos e o paradeiro de Maria Claudia Gelman. 3.4 DIREITO À LIBERDADE PESSOAL Os fatos revelam que Maria Macarena teve afetada a sua liberdade pessoal, prevista no art. 7 da Convenção Americana, posto que, adicionalmente ao seu nascimento em cativeiro, foi retida pelos agentes estatais, sem o consentimento de seus pais; isso implicou afetação a sua liberdade. Tal direito implica a possibilidade de todo ser humano de se auto-determinar e escolher livremente as opções e as circunstâncias que dão sentido a sua vida. Em relação às crianças, também sujeitos de direitos humanos, exercem seu direito a liberdade de maneira progressiva à medida que desenvolvem um maior nível de autonomia pessoal,39 porém na primeira infância sua liberdade é conduzida por seus familiares. Portanto, a separação de uma criança de seus familiares implica, necessariamente, um menosprezo ao exercício de sua liberdade. 3.5 DIREITO À PROTEÇÃO DA FAMÍLIA O direito à proteção da família e de viver nela, reconhecido no art. 17 da Convenção Americana, prevê que o Estado está obrigado não só a dispor e executar diretamente medidas de proteção das crianças, como também a favorecer, de maneira mais ampla, o desenvolvimento e o fortalecimento do núcleo familiar.40 Portanto, a separação de uma criança de sua família constitui uma violação desse direito,41 pois, inclusive, as separações legais das crianças de suas famílias só podem acontecer se estiverem devidamente justificadas no interesse superior da 39 COMITÉ DE LOS DERECHOS DEL NIÑO. Observación General 7: Realización de los derechos del niño en la primera infancia, 40° período de sesiones, U.N. Doc. CRC/C/GC/7/Rev.1, 20 de septiembre de 2006. par. 17. 40 Opinión Consultiva OC-17, par. 66; Caso de las Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 01 de marzo de 2005. Serie C No. 120, par. 141 e Caso Chitay Nech, par. 157. 41 Ibid., par. 71 y 72; y 72; Caso De la Masacre de las Dos Erres, par. 187 e Caso Chitay Nech y otros, par. 157. 15 criança, sem exceções e, quando possível, temporárias.42 Sendo assim, Maria Macarena foi violada do seu direito à proteção da família no momento em que foi retirada de sua mãe e colocada ilegalmente em outra família sem autorização de seus familiares. 3.6 DIREITO AO NOME O direito ao nome, reconhecido no art. 18 da Convenção e também em diversos instrumentos internacionais,43 constitui um elemento básico e indispensável da identidade de cada pessoa, sem o qual não pode ser reconhecido pela sociedade nem registrada perante o Estado.44 Ademais, o nome e o apelido são “essenciais para estabelecer formalmente o vínculo existente entre os diferentes membros da família”45. Este direito implica, portanto, que os Estados devem garantir que a pessoa seja registrada com o nome eleito por ela ou por seus pais, no momento do registro, sem nenhum tipo de restrição nem interferência na decisão de escolher o nome e, uma vez registrada a pessoa, que seja possível preservar e restabelecer seu nome e seu apelido. Maria Macarena Gelman viveu com outro nome e identidade durante mais de 23 anos. Sua mudança de nome, como meio de suprimir sua identidade e ocultar o desaparecimento forçado de sua mãe, continuou até o ano de 2005, quando as autoridades uruguaias reconheceram sua filiação e aceitaram a mudança do nome. Dessa maneira, Maria Macarena teve seu direito ao nome violado por mais de 20 anos da sua existência. 42 Ibidem, párr. 77. Entre otros, el Pacto Internacional de los Derechos Civiles y Políticos, artículo 24.2; Convención sobre los Derechos del Niño, artículo 7.1; African Charter on the Rights and Welfare of the Child, artículo 6.1, y Convención Internacional sobre la Protección de los Derechos de Todos los Trabajadores Migratorios y de sus Familiares, artículo 29. El Tribunal Europeo de Derechos Humanos afirmó que el derecho al nombre se encuentra protegido por el artículo 8 del Convenio Europeo para la Protección de los Derechos Humanos y las Libertades Fundamentales, aunque este no esté específicamente mencionado, cfr. T.E.D.H., Stjerna v. Finland, Application No. 18131/91, Judgment of 25 November 1994, para. 37, y T.E.D.H., Case of Burghartz v. Switzerland, Application No. 16213/90 Judgment of 22 February 1994, para. 24. 44 Caso de las Niñas Yean y Bosico Vs. República Dominicana. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 8 de septiembre de 2005. Serie C No. 130, párr. 182, y Caso De la Masacre de las Dos Erres, párr. 192. 45 Caso de las Niñas Yean y Bosico, párr. 184, y Caso De la Masacre de las Dos Erres, párr. 192. 43 16 3.7 DIREITO DA CRIANÇA De acordo com o art. 19 da Convenção Americana “toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado”. Maria Macarena não pode exercer esse direito na medida em que foi retirada de sua família originária de forma ilegal e por ação de agentes estatais. Portanto, o Estado não só deixou de cumprir o dever de proteger Maria Macarena em virtude de ser criança, como também impossibilitou que sua família cumprisse com esse dever e também direito. 3.8 DIREITO À NACIONALIDADE O direito à nacionalidade, previsto no art. 20 da Convenção Americana, é um vínculo jurídico entre uma pessoa e um Estado, pré-requisito para que possa exercer determinados direitos46 e é, também, um direito inderrogável reconhecido na Convenção. Consequentemente, esse direito determina que o Estado deve dotar o indivíduo de um mínimo de amparo jurídico no conjunto das relações, protegê-lo contra a privação arbitrária de sua nacionalidade e, portanto, de seus direitos políticos e os direitos civis que se sustentam neste47. Quando se trata de crianças, deve respeitar a proteção específica que ele corresponde, por exemplo, de não privá-la arbitrariamente do meio familiar48 e não ser retido e transferido ilicitamente para outro Estado49. A transferência ilícita a outro Estado da mãe de Maria Macarena Gelman enquanto estava grávida, frustrou o nascimento de Maria Macarena no país de origem da sua família biológica onde normalmente deveria ter nascido, em consequência, mediante a supressão de sua identidade verdadeira adquiriu nacionalidade Uruguai por uma violação de seu direito de nacionalidade. 46 Caso de las Niñas Yean y Bosico, párr. 137. Propuesta de Modificación a la Constitución Política de Costa Rica Relacionada con la Naturalización. Opinión Consultiva OC-4 del 19 de enero de 1984. Serie A No. 4, párr. 34; Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 30 de mayo de 1999. Serie C No. 52, párr. 100, y Caso de lãs Niñas Yean y Bosico, párr. 139. 48 CONVENCIÓN SOBRE LOS DERECHOS DEL NIÑO, artículo 16. 49 CONVENCIÓN SOBRE LOS DERECHOS DEL NIÑO, artículo 11, y CONVENCIÓN INTERAMERICANA SOBRE RESTITUCIÓN INTERNACIONAL DE MENORES, artículo 4º. 47 17 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A compreensão extraída desse artigo é a de que a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que as violações contra direitos da criança se perpetuam no tempo e devem ser punidas, mesmo que descobertas após a maioridade do ofendido. Além disso, a Corte interpreta os direitos da criança a partir do princípio do interesse superior da criança, ou seja, leva-se em consideração o melhor para a criança nas decisões. Percebe-se que a Corte aplicou esse entendimento e esse princípio em relação à Maria Macarena Gelman, já que declarou o Estado do Uruguai responsável pelas violações, desde o nascimento de Maria Macarena Gelman até o momento em que recuperou sua verdadeira e legítima identidade, do direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, do direito à vida, do direito à integridade pessoal, do direito à liberdade pessoal, do direito à família, do direito ao nome, dos direitos da criança e da nacionalidade, reconhecidos nos arts. 3, 4, 5, 7, 17, 18, 19 e 20.3, em relação com os art. 1.1 da Convenção e os arts. I e XI da Convenção Interamericana sobre o desaparecimento forçado, em prejuízo dela. REFERÊNCIAS COMITÉ DE LOS DERECHOS DEL NIÑO. Observación general: el derecho del niño a la protección contra los castigos corporales y otras formas de castigo crueles y degradantes, CRC/C/GC/8, 21 de agosto de 2006. Genebra, n. 8, mayo/ jun. 2006. 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