LUCIANA GOMES LIMA Adoção na Relação Homoafetiva Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor MSc. Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz. Brasília 2005 2 LUCIANA GOMES LIMA ADOÇÃO NA RELAÇÃO HOMOAFETIVA Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor MSc. Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz. Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com menção_____ (__________________________________________). Banca Examinadora: ______________________________ Presidente: Prof. Dr. MSc. Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz Universidade Católica de Brasília ______________________________ ______________________________ Integrante: Prof. Dr. Integrante: Prof. Dr. Universidade Católica de Brasília Universidade Católica de Brasília 3 Dedico o presente trabalho, primeiramente a Deus, que em todos os momentos me esforçou e é a luz da minha vida; a minha família, pelo carinho e amor imensuráveis, principalmente meus pais, que em todo instante sempre me ampararam; a meus amigos que sempre me apoiaram e me incentivaram na conclusão de mais esta faze em minha vida. 4 Agradeço sempre a Deus, que me leva a realizar todas as coisas; ao professor MSc. Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz pelo insubstituível subsídio na depuração deste trabalho e por compartilhar seu saber; à professora e amiga Simone Pires Ferreira de Ferreira pela assistência e cumplicidade oferecida. 5 Como agradecer pelo bem que tens feito a mim, que vem demonstrar tanto amor Tu tens, oh Deus, por mim. As vozes de milhões de anjos não poderiam expressar a gratidão do meu pequeno ser, que só pertence a Ti. A Deus demos glória, a Deus demos glória , a Deus, sim, a Deus demos glória, que por nós tanto fez. Foi na cruz que salvo-me, Seu poder transformou-me. A Deus, sim a Deus demos glória que por nós tanto fez. Quero viver aqui, para adorar-Te, meu Senhor. E se surgir um louvor ao calvário seja, seja assim. Foi na cruz que salvou-me, Seu poder transformou-me, a Deus, sim a Deus demos glória que por nós tanto fez , que por nós tanto fez. Autor desconhecido. 6 RESUMO LIMA, Luciana Gomes. Adoção na Relação Homoafetiva. 2005. Nº 102 f. Monografia- trabalho de conclusão de curso - graduação - Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Campus I - Prédio São João Batista de La Salle Bloco K - QS 07 lote 01 - EPCT - Águas Claras - Taguatinga - DF - Brasil, 2005. A presente monografia constitui um ensaio acerca da adoção por homossexuais no direito nacional, apresentando uma noção geral, no tocante ao histórico da adoção, do direito e do homossexualismo, bem como seu cabimento face ao ordenamento jurídico brasileiro. Este trabalho tem por objeto analisar a possibilidade de adoção na relação homoafetiva, face à legislação vigente, bem como examinar o entendimento dos doutrinadores acerca do assunto e suas mais diversas opiniões. Buscou-se, portanto, examinar a opinião destes profissionais para uma análise objetiva acerca da possibilidade de extensão do instituto da adoção por tais casais. Os posicionamentos sobre a extensão ou não da medida têm sentidos opostos. Há quem entenda que não é possível, por acarretarem prejuízos substanciais para a criança. Outros a admitem, argumentando que esse prejuízo não ocorre, tratando-se de uma visão preconceituosa, dentre outros argumentos. Palavras-chave: adoção, homossexual, homossexualismo, relação homoafetiva. 7 ABSTRACT LIMA, Luciana Gomes. Adoption in the ofhomosexuals Relation. 2005. Nº 102 f.- It thesis, work of conclusion of course - - graduation it tese- Law school, University Catholic of Brasília, the Campus I - Prédio São João Batista de La Salle - Block K QS 07 lot 01 - EPCT - Águas Claras - Taguatinga - DF - Brazil, 2005 The present monograph constitutes an assay concerning the adoption ofhomosexuals in the domestic law, presenting to general notion, in the moving one to the description of the adoption, of the right and the ofhomosexuals, ace well ace its acceptance phase to the legal Brazilian system. This work there are for object to analyze the possibility of adoption in the homo affective relation, phase to the current law, ace well ace examining the agreement of the doutrinadores concerning thesubject and its dwells to diver opinions. This work there are for object to analyze the possibility of adoption in the homo affective relation, phase to the current law, ace well ace examining the agreement of the professors concerning thesubject and its dwells to diver opinions. It there are who understands that it is not possible, for causing substantial damages for the child. Others admit it, arguing that this damage does not occur, being about a prejudiced vision, amongst to other arguments. Word-key: adoption, homosexual, ofhomosexuals, homo affective relation 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABREVIATURAS Art. por artigo CC/2002 por Código Civil de 2002 CF/88 por Constituição Federal de 1988 Obs. por observação SIGLAS CPP - Código de Processo Penal ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente LICC- Lei de Introdução ao Código Civil CPC- Código de Processo Civil 9 LISTA DE SÍMBOLOS § parágrafo 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12 Capítulo 1-Da Adoção ............................................................................................... 15 1.1Aspectos históricos ......................................................................................................15 1.1.1 Código de Hamurábi .......................................................................................................... 16 1.1.2 Direito romano ................................................................................................................... 17 1.1.3 Direito germânico .............................................................................................................. 18 1.1.4 Idade média ........................................................................................................................ 18 1.1.5 Direito canônico ................................................................................................................. 18 1.1.6 Idade moderna .................................................................................................................... 19 1.2 A adoção no Brasil ......................................................................................................20 1.3 Conceitos .....................................................................................................................23 1.4 Natureza jurídica ........................................................................................................25 1.4.1 Teoria privatista ................................................................................................................. 26 1.4.2 Teoria publicista ................................................................................................................. 27 1.5 Adoção simples e adoção plena. ................................................................................28 1.6 A adoção na Constituição Federal de 1988 ..............................................................30 Capítulo 2-A Adoção à Luz do Novo Código Civil ................................................... 32 2.1 Aspectos gerais ............................................................................................................32 2.2 Requisitos objetivos ....................................................................................................35 2.3 Efeitos da adoção ........................................................................................................36 Capítulo 3-A adoção na ótica do estatuto da criança e do adolescente................... 44 3.1 A adoção estatutária ...................................................................................................44 3.2 Requisitos quanto ao adotante ..................................................................................46 3.3 Requisitos quanto ao adotando .................................................................................48 3.4 Requisitos formais da adoção ....................................................................................49 3.5 Causas de ineficácia e extinção da adoção................................................................52 3.5.1 Nulidade ............................................................................................................................. 52 3.5.2 Anulabilidade ..................................................................................................................... 53 3.6 Extinção da adoção .....................................................................................................55 Capítulo 4-Da Homossexualidade ............................................................................ 57 4.1 Conceito .......................................................................................................................57 4.2 A homossexualidade sob o ponto de vista da psicologia..........................................58 4.3 A homossexualidade sob o ponto de vista jurídico ..................................................60 4.4 A homossexualidade à luz da Constituição Federal de 1988 ..................................62 4.5 Do princípio da igualdade ..........................................................................................65 4.6 Igualdade “sem distinção de sexo e de orientação sexual” .....................................66 4.7 Do princípio da dignidade humana...........................................................................67 11 Capítulo 5-A Adoção Na Relação Homoafetiva ....................................................... 68 5.1 A relação homoafetiva................................................................................................68 5.2 União homossexual como entidade familiar.............................................................68 5.3 Tipos de reconhecimento judicial da união homoafetiva ........................................71 5.4 A possibilidade de adoção por um homossexual ......................................................73 5.4.1 Argumentos a favor da adoção por homossexual ............................................................... 77 5.4.2 Argumentos contrários à adoção por homossexuais .......................................................... 79 5.5 A possibilidade de adoção por parceiros homossexuais ..........................................80 5.6 Proibição à adoção por parceiros homossexuais .....................................................82 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 84 REFERÊNCIA .......................................................................................................... 87 ANEXO A – TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL ............................................. 91 12 INTRODUÇÃO A presente monografia de conclusão do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, tem como escopo principal o estudo da adoção na relação homoafetiva. O presente tema foi escolhido com o intuito de abordar uma questão extremamente atual e polêmica em todo o meio jurídico e social. Pode-se dizer que o tema, ora comentado, é de grande importância, tendo em vista que os litígios que envolvem estas relações, em âmbito pessoal e patrimonial, têm aumentado muito. A idéia deste trabalho não é expor a nossa opinião ou a de outros, mas, tão somente esclarecer como este tema vem sendo tratado no âmbito do Direito brasileiro. O Judiciário não pode se omitir diante da realidade, deixar de julgar com justiça as demandas que batem à porta, ainda que não haja previsão legal expressa, deve fazer uso da analogia, dos costumes e princípios gerais de direitos, como preceitua o art. 4º da LICC, buscando atender os fins sociais e às exigências do bem comum. No primeiro capítulo, será abordado o instituto da adoção. Os aspectos históricos, os conceitos, a natureza jurídica, os seus efeitos, enfim, um breve panorama sobre o instituto. O segundo capítulo é destinado à abordagem da adoção no Código Civil Brasileiro de 2002: o conceito, os requisitos subjetivos e objetivos essenciais para a adoção e seus efeitos no direito nacional. 13 O terceiro capítulo tratará do tema sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente, será analisada as adoções estatutárias dos requisitos necessários, dos requisitos da adoção e principalmente das causas de ineficácia e da extinção da adoção. A questão da moralidade, ainda é ponto relevante nessa seara. Ainda, no quarto capítulo, trataremos sobre o indivíduo homossexual. E para tanto, trataremos do conceito, da abordagem jurídica e psicológica, dos aspectos sociais e do direito nos dias atuais, o homossexualismo e a contemporânea. Por fim, no quinto e último capítulo, entraremos especificamente sobre o tema que propomos analisar neste trabalho. Analisaremos os argumentos contra e a favor da adoção na relação homoafetiva, ou seja, como esta nova conduta tem sido abordada no direito brasileiro. A metodologia de abordagem escolhida é dada, pelo método dedutivo, onde são feitas análises como a legislação civil e constitucional brasileiro encara a adoção feita por parceiros homossexuais, para depois aplicá-la ao dinamismo social. Muitos consideram que o casamento homossexual deixaria as crianças sem referência sobre o masculino e feminino, violando frontalmente o disposto no artigo 3º do Estatuto da Criança e Adolescente. Partem do pressuposto de que o estilo de vida de um homossexual poderia influenciar moral e psicologicamente a criança adotada. Enfim, hoje os homossexuais (também considerados atualmente como homoafetivos) não podem se casar e nem registrar uma criança no nome de ambos. No Brasil, a homossexualidade não é reconhecida por lei e por ela não sofre 14 punições. A situação tem ensejado acaloradas discussões e controvérsias, seja nos meios jurídicos, religiosos e na sociedade conservadora. Alguns tribunais brasileiros já têm aceitado a adoção por homossexuais, que para não dificultar a adoção escondem suas opções sexuais, principalmente se moram com seus parceiros. Sem a pretensão de esgotar o assunto, uma vez que não é esta a proposta do presente trabalho, procurou-se apenas levantar a questão, contribuindo para a prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente. Lembremos que decidir e agir numa situação concreta é um problema prático-moral, mas decidir o modo pelo qual a responsabilidade e a liberdade do indivíduo se relacionam com determinismo ao quais os atos humanos estão sujeitos, e com a liberdade e os direitos outros, é realmente um problema da competência da ética e do direito. De um lado serão analisados os direitos da criança e do adolescente, estampado no Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA e na Carta Magna, a adoção no Código Civil brasileiro de 2002. E, por outro lado, os aspectos do indivíduo homossexual à luz das garantias constitucionais, seus direitos e prerrogativas, o perfil psicológico e os aspectos sociais na relação homoafetiva. É imperioso ressaltar, que não buscará o presente trabalho posiciona-se de forma favorável ou desfavorável quanto ao homossexualismo, mas sim de buscar esclarecer que a opção sexual do adotante pode afigurar como ponto central a ser analisado nas questões referentes à adoção. 15 Capítulo 1 DA ADOÇÃO 1.1Aspectos históricos O instituto da adoção é conhecido e usado desde os primórdios da civilização. Segundo Clóvis Beviláqua, nasceu este instituto, na Antiguidade, diante da necessidade de se manter o culto aos deuses domésticos. O direito dos povos antigos previa muitas formas de se prover a falta de filhos, perpetuando o culto dos deuses familiares, de geração em geração. A obrigação de perpetuar o culto doméstico foi a causa do direito de adoção entre os antigos. A mesma religião que obrigava o homem ao casamento, determinando o divórcio em caso de esterilidade, substituía o marido por parente, em caso de impotência ou morte prematura, oferecendo à família um derradeiro recurso para escapar à desgraça tão temida da sua extinção. 1 Esse recurso era o direito de adotar. O Código de Manu, na Lei IX, previa a adoção como meio de perpetuar as cerimônias fúnebres; aqueles que não tinham filhos biológicos podiam recorrer à adoção. Contudo, a adoção somente seria possível entre adotante e adotado da mesma classe e mais, o adotado deveria ter todas as qualidades de um bom filho. _____________ 1 BEVILÀQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p.351. 16 1.1.1 Código de Hamurábi A adoção também encontrou disciplina no Código de Hamurabi (2283-2241 a.c), nos arts. 185 a 193, com o nome de mârûtu. Havia três espécies de mârûtu: a) a adoção com instituição de herdeiro; b) a adoção sem instituição de herdeiro; c) a adoção à provisória. No mârûtu com e sem instituição de herdeiros havia a obrigação de o adotante educar o adotado. Este dispunha que, in verbis: Art. 185. Se um homem livre adotou uma criança desde o seu nascimento e a criou, essa criança adotada não poderá ser reclamada. Art. 186. Se um homem livre adotou uma criança e, depois que a adotou, ela continuou a reclamar por seu pai ou sua mãe, essa criança deverá voltar à casa de seus pais. Art. 187. O filho adotivo de um funcionário do palácio ou o filho adotivo de uma sacerdotisa não poderá ser reclamado. Art. 188. Se um artesão tomou um filho como filho de criação e lhe ensinou o seu ofício, ele não poderá ser reclamado. Art. 189. Se ele não ensinou o seu ofício, esse filho de criação voltará à casa de seu pai. Art. 190. Se um homem livre não incluiu entre seus filhos uma criança que ele adotou e criou, esse filho de criação voltará à casa de seu pai. Art. 191. Se um homem livre que adotou uma criança e a criou, constituiu um lar, em seguida teve filhos e resolveu a despedir o filho de criação esse filho não partirá de mãos vazias, seu pai de criação deverá dar-lhe de seus bens móveis um terço de sua parte na herança e ele partirá. Ele não dará nada de seu campo, pomar ou casa. Art. 192. Se o filho adotivo de um funcionário do palácio ou de uma sacerdotisa disse a seu pai que o cria ou à sua mãe que o cria: “Tu não és meu pai, tu não és minha mãe”, cortarão sua língua. Art. 193. Se o filho de um funcionário do palácio ou filho adotivo de uma sacerdotisa descobriu a casa de seu pai, desprezou seu pai que o cria e 2 partiu para casa de seu pai, arrancarão o seu olho. _____________ 2 SIQUEIRA, Liborni. Adoção no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.8-9. 17 1.1.2 Direito romano Mas é no direito romano que a adoção atinge o seu momento mais importante. A adoção era a forma de se evitar o desaparecimento do grupo familiar, assegurando ao homem sem descendência a perpetuação do nome e do culto doméstico. A adoção era o ato pelo qual um pater familias recebia sob seu pátrio poder uma pessoa que pertencia à outra família. Domingos Abreu apresenta a adoção entre os romanos nas seguintes modalidades: a) a arrogatio (ad-rogação) -pela qual um pater familias adotava uma pessoa sui iuris, ou seja, outro pater familias, que este em conseqüência entrava na família do adotante com o seu patrimônio e com todos os membros de sua própria família; b) a adoptio ou datio adoptionem - quando o pater familia vendia duas vezes seu filho ao candidato à adoção e este o devolvia ao pai biológico por duas vezes. Na terceira vez, o candidato a pai adotivo reivindicava a criança e seu pai biológico já não podia reclamá-la; c) e a adoção por testamento - permitida ao tutor após cinco anos de tutela.3 Nos dois tipos de adoção exigia-se idade mínima de 60 anos do adotante, este não podia ter filhos naturais e tinha que ser 18 anos mais velhos que o adotado. A mulher não tinha o direito de adotar. _____________ 3 ABREU, Domingos. No bico da cegonha: histórias de adoção e da adoção internacional no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Núcleo de Antropologia da Política, 2002, p.20. 18 1.1.3 Direito germânico No direito germânico primitivo não existia a adoção como forma de filiação, esta existia como forma de instituir um familiar, ao qual era conferido o nome e as armas, para que continuasse a guerra em nome da família, contudo não se conferia o vínculo parental. 1.1.4 Idade média Na Idade Média a adoção perdeu sua importância por ser contrária aos interesses dos senhores feudais, período em que desapareceu quase que inteiramente. Porém, o instituto renasceu de forma discreta na Europa a partir do final da Idade Média. 1.1.5 Direito canônico O Direito Canônico não se referia ao instituto da adoção, pois a Igreja mantendo suas reservas via na adoção uma possibilidade de fraude às normas que proibiam o reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos. A Igreja sempre se manifestou contrária à adoção por receio da concorrência entre esta e o casamento e o receio de que ela viesse a desviar do casamento os 19 interessados em ter filhos. Acreditava-se que a adoção seria um meio de suprir o casamento e a constituição da família legítima. Contudo, se reconhecia e até mesmo se incentivava a adoção como instituto legítimo para transmitir a herança, pois assim, a Igreja tinha acesso a bens. 1.1.6 Idade moderna A adoção ressurge inicialmente em três legislações: no Código Dinamarquês, no Código Prussiano e no Codex Maximilianus, os quais influenciaram a elaboração do Código Napoleônico de 1804, que conseqüentemente veio a influenciar muita das legislações atuais e fazer com que o instituto da adoção tivesse ingresso nestas. Após a entrada em vigor do Código Napoleônico, inúmeras leis surgiram para melhor regulamentar a adoção. A de maior destaque é a de 29 de julho de 1939, modificada pela lei de 08 de agosto de 1941. De acordo com o doutrinador Valdir Sznick o Código Napoleônico contemplou quatro espécies de adoção: a) adoção ordinária – permitida às pessoas, com mais de 50 anos, sem filhos e com diferença de mais de 15 anos do adotado; b) adoção remuneratória – era a dirigida a quem tivesse salvo a vida do adotante, era irrevogável; c) adoção testamentária – concedida ao tutor após cinco anos de tutela. 20 d) tutela oficiosa – era semelhante a uma adoção provisória em favor dos menores.4 Nesse contexto os filhos adotivos eram equiparados aos legitimados e o instituto da adoção tinha por objetivo atender os pequenos órfãos da guerra, ou seja, a adoção pretendia dar a eles a família e o lar dos quais foram privados. Esta era uma ação que o Estado adotou na tentativa de reestruturar a sociedade. 1.2 A adoção no Brasil No direito pátrio, na visão de Valdir Sznick5, a primeira legislação que se refere à adoção é a Lei de 1828; posteriormente outras leis referiram-se ao tema da adoção, dentre elas: a Lei de 30 de novembro de 1841, § 38; o Regimento de 10 de junho 1850, art. 146; a Ordenação de 18 de outubro de 1852; o Regimento de 31 de março de 1874 (art. 5º, § único); o Decreto de 24 de janeiro de 1890 (art. 7º, § 1º, e art. 8º, § único). Todavia, é somente com o Código Civil de 1916 que a adoção recebe regulamentação sistematizada. Para que a adoção se efetivasse, era necessário que o candidato à adotante tivesse no mínimo cinqüenta anos e fossem dezoito anos mais velho que o adotando; ambos deveriam consentir na adoção, a qual realizavase através de escritura pública, podendo ser revogada a qualquer tempo. _____________ 4SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3. ed. São Paulo: Leud, 1999, p. 48 5SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3. ed. São Paulo: Leud, 1999, p. 76 21 Com o advento da Lei 3.133/57, a adoção sofre profundas mudanças, dentre elas: a redução da idade mínima para ser candidato a adotante de 50 anos para 30 anos, a redução da diferença de idade entre adotante e adotado de 18 para 16 anos, a eliminação da proibição de poder adotar apenas aquele que não tivesse prole legítima. Em 1979, entrou em vigor no Brasil o Código de Menores, o qual se aplicava apenas aos menores em situação irregular; este não fazia diferenciação entre criança e adolescente, todos eram considerados menores e apenas importavam ao Estado quando estivessem em situação irregular. Tratava-se de uma doutrina estigmatizante que não atendia aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. Em 1990, entrou em vigor a Lei nº 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente, revogando o Código de Menores de 1979. A partir de então, a adoção regida pelo ECA passa a ser irrevogável e transfere o poder familiar dos pais biológicos para a família adotante. Até bem pouco tempo o nosso ordenamento jurídico comportava dois institutos sob a mesma designação de adoção: a do Código Civil de 1916, cujos dispositivos regiam a adoção dos maiores de 18 anos, e a do Estatuto, dirigida às crianças e adolescentes até os 18 anos. Tal classificação é bastante criticada tendo em vista que muitos estudiosos defendem apenas a existência da adoção estatutária, por entenderem que o ECA revogou os dispositivos contidos no Código Civil de 1916 acerca da adoção, por se tratar o ECA de lei mais nova. 22 Outros defendem a existência de ambas, por considerarem a Lei nº 8.069/90, lei especial, não tendo esta, portanto revogado os dispositivos do Código de 1916, a não ser naquilo que fosse de encontro aos dispositivos da nova lei. No decorrer dos anos, o instituto da adoção sofreu profundas modificações em seus objetivos. Além das constantes reformulações de requisitos, o que veremos em momento oportuno, é que a adoção inicialmente visava o interesse do(s) adotando(s), do casal, da família, ou seja, tinha por objetivo encontrar uma criança para um casal e não o inverso, como ocorre nos dias de hoje. As legislações atuais primam pelo interesse da criança, princípio este que já é consagrado tanto pela Declaração da ONU quanto pela Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança. E na esfera nacional, este princípio vem preceituado no art. 43 do ECA, in verbis: “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. 6 Esta expressão, segundo a autora Sandra Maria Lisboa: [...] foi introduzida pelo ECA, apesar de sua indeterminação conceitual (conceito puramente abstrato), não é uma expressão vazia em si mesma. Este requisito novo passa a dar ao aplicador da Lei um poder amplo de decisão sobre a oportunidade e a conveniência do deferimento de um eventual pedido de adoção. Parâmetros, a própria lei os estabelece, cabe agora, ao órgão judicante determinar o seu verdadeiro conteúdo, tendo em 7 vista o alcance social do instituto. Mesmo de forma subjetiva, caberá ao magistrado analisar não só juridicamente, mas também psicológica e socialmente, a conjuntura das condições familiares do adotante e decidir o que melhor convier ao adotando. _____________ 6 Lei n. 8.069, de 13.07.1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente .DOU de 16.07.1990. 7 LISBOA, Maria Sandra. Adoção no estatuto da criança e do adolescente, doutrina e jurisprudência. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 6. 23 1.3 Conceitos A palavra adoção vem do latim adoptione, e, preliminarmente, significa “aceitação voluntária e legal de uma criança como filho; perfilhação, perfilhamento”. Ad optare, optar escolher, assim conceitua Aurélio Buarque de Holanda. 8 Segundo Pontes de Miranda9, define-se o instituto como: “ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação de paternidade e filiação”. Tratase, portanto, de atribuição da condição de filho ao adotado, com os mesmos e deveres, inclusive sucessórios, com o desligamento de qualquer vínculo paternal, maternal e parental com a família biológica, salvo os impedimentos matrimoniais (Lei nº. 8.069/90). Observa ainda o doutrinador Clóvis Beviláqua10, que "a adoção é ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho”. Visto aqui, como um contrato puramente civilista. Na visão de Orlando Gomes11, adoção “é o ato jurídico pelo qual se estabelece independentemente do fato natural da procriação, o vínculo de filiação”. Trata-se de ficção legal, que permite a constituição entre duas pessoas, do laço de parentesco em primeiro grau na linha reta. Imitação da filiação legítima tem o instituto à dupla finalidade de oferecer a quem não tem prole um recurso para criá-la artificialmente, dando a expansão a seus afetos familiares e garantir idônea _____________ 8 ADOÇÃO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 48. 9 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. Parentesco. vol. III. 1. ed. Campinas: Bookseller . 2001. p.218. 10 BEVILÀQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 351. 11 GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 369. 24 assistência aos menores. Seus inconvenientes são reconhecidamente superados por suas vantagens. Acrescenta ainda, Maria Helena Diniz, que conceitua adoção como: [...] o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua 12 família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha. No entendimento de Caio Mário13, "a adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual a pessoa recebe outro como filho, independente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim". A adoção, para Sílvio de Salvo Venosa14, “é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural”, razão pela qual é conhecida como filiação civil porque não decorre do vínculo biológico, mas de sentença judicial nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), bem como no Código Civil. Enquanto a filiação natural decorre de um vínculo sanguíneo, biológico ou genético, a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica que se sustenta na presunção sobre uma relação não biológica, mas afetiva. Na conclusão de Silvio Rodrigues15 a adoção seria “o ato do adotante pelo qual o traz, para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha”. O conceito trazido por Antônio Chaves assim prediz: [...] adoção é o ato sinalagmático e solene pelo qual, obedecidos aos requisitos da Lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um _____________ 12 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família. vol. 5. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.234. 13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. vol. 5. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 214. 14 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direito de família. vol. 6. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.315. 15 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. vol. VI. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 335. 25 vínculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem 16 total desligamento do adotando da sua família de sangue. Ainda nos ensina Liborni Siqueira: Adotar é acolher plenamente um menor que a natureza não permitiu conceber ou que, por causas múltiplas, perdeu direta ou indiretamente os pais biológicos, por não poderem atender suas necessidades básicas, obrigando-se, material e espiritualmente, em criá-lo e educá-lo à 17 semelhança de um filho. Por fim, pode-se dizer que a adoção é um ato jurídico de vontades e que cria entre duas pessoas relações jurídicas idênticas às que resultam da filiação biológica. É o vínculo de parentesco civil que se estabelece entre adotante e adotado, com o consentimento de ambas as partes, por conseqüência de afeto mútuo. 1.4 Natureza jurídica A definição da natureza jurídica da adoção sempre foi controvertida, como visto anteriormente há vários conceitos. A divergência doutrinária sobre a natureza jurídica da adoção pairou ora como contrato, ora como ato solene; como uma filiação criada pela lei, ora como ato unilateral, ora como instituto de ordem pública, e assim, a doutrina se divide, sem chegar a um consenso. Trata-se de ato jurídico complexo, tendo em vista a bilateralidade do ato, a necessidade do consenso e, por fim, a necessidade desse ato jurídico ser confirmado pelo Judiciário. _____________ 16 CHAVES, Antônio .Adoção, adoção simples e adoção plena. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 6. 17 SIQUEIRA, Liborni. Adoção no tempo e no espaço: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.4. 26 Segundo Valdir Sznick18 duas grandes correntes se digladiam em fundamentar a natureza jurídica da adoção: a teoria privatista e a teoria publicista, as quais passarão a ser analisadas. 1.4.1 Teoria privatista Esta teoria defende a adoção como sendo um contrato, como um ato ou negócio jurídico, que vê na adoção um contrato. A concepção da adoção como contrato funda-se no Estado Liberal de Direito, com base na autonomia da vontade das partes, isso porque o contrato é lei entre as partes. Neste predomina o interesse do adotante, e a fundamentação desta corrente é a declaração de vontade do adotante, o que define o caráter negocial da adoção e o foro particular das partes interessadas. Ainda corrobora a intervenção do oficial público, quando do lavramento da escritura, fato este que acentua o caráter negocial da adoção. O processo de realização do ato repercute na determinação de sua natureza. Como se exige, em qualquer dos modos, o concurso de vontades, desenvolveu-se “a teoria que a define como autêntico negócio jurídico contratual, que estabelece entre duas pessoas relações puramente civis de paternidade, de maternidade, e de filiação”, como nos ensina Orlando Gomes. 19 _____________ 18 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3. ed. São Paulo: Leud, 1999, p.83-84. 19 GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 371. 27 Esta concepção privatista, já está superada ao priorizar a autonomia da vontade, diverge da orientação atual, pois nos dias atuais se prioriza a pessoa do adotando e não do adotante. Estima-se pela figura do adotando, concentrando-se o poder de decisão não na vontade das partes, mas sim na autoridade judiciária. 1.4.2 Teoria publicista Como instituição, a adoção está intimamente ligada ao Estado Democrático de Direito, que se orienta para a democracia real, sendo que a sua função protetiva está realmente a serviço de todos os cidadãos, de toda pessoa humana, sendo sua maior preocupação o bem-estar social da criança. Segundo análise de Jason Albergaria20, que classifica este instituto como “um ato complexo ou misto e compreende um ato de direito privado, que corresponde à declaração de vontade, e um ato de direito público, configurando a sentença”. A adoção em algumas legislações consuma-se pelo simples consentimento dos interessados, solenemente declarado, enquanto em outras se exige a intervenção do judiciário, sob forma de homologação ou decreto. _____________ 20 ALBERGARIA, Jason. Adoção plena: segundo o estatuto da criança e do adolescente. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p.49. 28 A ação de adoção, regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), e, também pelo Código Civil21, é ação de estado, de caráter constitutivo, conferindo a posição de filho ao adotado. Dessa forma, não é possível considerar tão somente a existência de simples bilateralidade na manifestação de vontade, uma vez que o Estado participa necessária e ativamente do ato, exigindo-se uma sentença judicial. Sem esta, não haverá adoção. Também Sílvio de Salvo Venosa ressalta a participação ativa e necessária do Estado no ato da adoção, na medida em que o vínculo da adoção se constitui por meio de sentença judicial. 1.5 Adoção simples e adoção plena. A adoção simples se dá quando o adotado é maior de 18 anos, prevista no Código Civil brasileiro, art. 1.618 e seguintes, dentro do direito de família, deferida no interesse dos casais, que é a adoção contratual. Aperfeiçoa-se com a lavratura de escritura, averbada no registro civil de nascimento do adotado. A adoção simples é regida pela Lei 3.133/57, que foi atualizada pelo Código Civil. Esta adoção, para Maria Helena Diniz 22, também pode ser chamada _____________ 21 Segundo Sílvio Salvo Venosa, a adoção prevista no Código Civil de 1916, realçava a natureza negocial do instituto, como contrato de direito de família, tendo em vista a singela solenidade da escritura pública que a lei exigia (art. 375). p. 320. 22 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família. 5º Vol. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.321 29 de restrita, “é a concernente ao vínculo de filiação que se estabelece entre adotante e adotado, que pode ser pessoa maior ou menor entre 18 e 21 anos”. Já a adoção plena foi introduzida em nosso país pela Lei nº 6.697/79, atualmente é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). É uma criação do direito moderno, e ainda ensina Maria Helena Diniz, que é uma espécie de adoção “pela qual o menor adotado passa ser, irrevogavelmente, para todos os efeitos legais, filho legítimo dos adotantes, desligando-se de qualquer vínculo com os pais de sangue e parente, salvo impedimentos matrimoniais (CF, art. 227, § § 5º e 6º, e Lei 8.069/90. art. 41)”. 23 Nesse tipo de adoção o caráter contratual inexiste, o que ocorre é uma declaração unilateral de vontade, que embora pronunciada pelo adotante, sua unilateralidade se deve ao fato de que o adotado, em razão de sua menoridade, não faz sua vontade. Muitos doutrinadores afirmam que com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente acabou a diferença entre estas duas espécies de adoção, o que prevaleceria agora seria a legislação estatutária, ou seja, o ECA, o qual analisaremos no decorrer deste trabalho. _____________ 23 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro. Direito de família. 5º Vol. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.358. 30 1.6 A adoção na Constituição Federal de 1988 A família, dentre todas as instituições, é a que se reveste de maior significação. Representa o núcleo fundamental, a base mais sólida em que repousa toda a organização social. Para Washington de Barros Monteiro “todo homem, ao nascer, torna-se membro integrante de uma entidade natural, o organismo familiar. A conserva-se ligado durante a sua existência embora venha constituir nova família pelo casamento”. 24 Com a CF/88 o conceito de família ampliou-se, uma vez que o Estado passou a reconhecer como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, conhecidas como famílias monoparentais, bem como a união estável entre homem e mulher. O Estado, constitucionalmente, passou a dar proteção às famílias que não fossem constituídas pelo casamento. Ampliaram-se as formas de constituir uma família. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe inovações substanciais ao instituto da adoção. Como por exemplo, a introdução do artigo 227, que estabeleceu a doutrina da proteção integral que está em vigor até os dias atuais. O comando constitucional é claro: Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 25 exploração, violência, crueldade e opressão. _____________ 24 MONTEIRO,Washington de Barros. Direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva,2002, p.12. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. 2. ed. Organização de Yussef Said Cahali. São Paulo: RT, 2000, p. 107. 25 31 Existe ainda um preceito anti-discriminatório contido no artigo 227, § 6o: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. 26 O legislador aqui equiparou todos os filhos, sejam eles legítimos, legitimados, ilegítimos, reconhecidos e até adotivos, inclusive no que pertine aos direitos sucessórios, integrando a criança à família, assim como preceitua o instituto da adoção. O legislador ditará as regras a serem seguidas pelo poder público, ou seja, o Estado, responsável pela assistência à adoção. Inferi-se do § 5o, art. 227 da Carta Magna que a adoção não é mais um ato praticado entre adotante e adotado, configurando simplesmente um contrato, como já visto na abordagem da teoria privatista. A Constituição em seu artigo 5º, § 2o, prescreve que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”27. Este preceito assevera que resta instar a intenção do legislador em não restringir os direitos fundamentais. _____________ 26 BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. 2. ed. Organização de Yussef Said Cahali. São Paulo: RT, 2000, p. 108. 27 BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. 2. ed. Organização de Yussef Said Cahali. São Paulo: RT, 2000, p.108. 32 Capítulo 2 A ADOÇÃO À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL 2.1 Aspectos gerais Uma das alterações fundamentais no Código Civil de 2002 é a redução da idade para o exercício dos atos da vida civil, fixando no art. 5º, idade de 18 anos para a capacidade absoluta. Desta forma, teremos uma nova idade referência para questões básicas relativas à adoção. Embora o legislador tenha imposto à obrigatoriedade de sentença constitutiva para a adoção em qualquer idade (art. 1.623 do CC), mantém-se exclusiva a competência da Vara da Infância e da Juventude quando adotando for menor de 18 anos, na forma do art. 148, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou ainda, diante da impossibilidade desta na Vara de Família. Hodiernamente, o Código Civil estabelece que a adoção de maiores de 18 anos por ele será regida e que dependerá também da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva (art. 1623, parágrafo único). Contudo, a nova lei não estabelece em que consiste essa assistência efetiva do poder público. Ainda manteve em seu art. 1.619, a mesma diferença de 16 anos entre o adotante e adotando, assumida, originalmente, pela lei civil e presente no § 3º, art. 42 do ECA. 33 Nos termos do Código Civil, a adoção de maiores de 18 anos terá a mesma amplitude, uma vez que não se admite qualquer distinção entre categorias de filiação. No entendimento de Sílvio de Salvo Venosa 28 , a adoção hoje, cumpre duas finalidades: “dar filhos àqueles que não podem tê-los biologicamente e dar pais aos menores desamparados”. A adoção fugindo desses parâmetros estará distorcendo a finalidade do ordenamento. Desta forma, prioriza-se o bem-estar do adotado e esclarecendo este objetivo em seu texto quando dispõe que: “somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando” (art 1.625, do Código Civil); tal dispositivo se aplica aos adotandos maiores como aos menores. Mantendo, desta forma, as diretrizes do art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente ao indicar que a adoção deve apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. Na adoção prevista no Código Civil, não basta somente à manifestação de vontade, a existência de simples bilateralidade, é necessária uma sentença judicial, sem esta, não haverá ação. Para Sílvio Salvo Venosa, “a ação de adoção é ação de estado, de caráter constitutivo, conferindo a posição de filho ao adotado”. 29 Cumpre salientar que o Código de 2002, em seu art. 1621, § 2º, trouxe nova norma em relação à irrevogabilidade da adoção. Segundo Arthur José Jacon Matias e Luciano Rossignolli Salen, a doutrina tem nominado como ‘revogação relativa’ ou ‘limitada no tempo’, segundo o qual “o consentimento dos pais ou dos _____________ 28 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direito de família. vol. 6. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 316. 34 representantes legais de quem se deseja adotar é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção, regra esta que não se encontra prevista na redação do semelhante art.45 e do ECA”. 30 Todavia, tendo em vista o art. 48 do ECA, o qual dispõe expressamente sobre a irrevogabilidade da adoção, a regra do CC/2002, art. 1.621, § 2º, que permite a revogação, somente se aplica à adoção de maiores, feita com base no Código Civil. E ainda para Arthur José Jacon Matias e Luciano Rossignolli Salen, “compreende-se que a retratação dos pais biológicos é admitida somente nos casos em que o adotando tiver dezoito anos ou mais”. 31 Também ficou estabelecido que os efeitos da adoção só se iniciam após o transito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. Contudo, art. 1628, do CC/2002, autoriza a concessão pos mortem, como analisaremos ainda neste capítulo. _____________ 29 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direito de família. vol. 6. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.320 MATIAS, Arthur José Jacon e SALEN, Luciano Rossignolli. Prática forense no direito de família. 4. ed. Campinas: Millennium. 2004, p. 6. 31 MATIAS, Arthur José Jacon e SALEN, Luciano Rossignolli. Prática forense no direito de família. 4. ed. Campinas: Millennium. 2004, p. 6 30 35 2.2 Requisitos objetivos Exige-se o consentimento do adotando maior de 12 anos (art. 45 § 2º do ECA e art. 1.621, caput, do Código Civil/2002). A adoção também se condiciona ao consentimento dos pais ou do representante legal do adotando (art. 45 do ECA e art. 1.621 do Código Civil/2002). Não havendo pátrio poder ou poder familiar, na linguagem do Código Civil, o consentimento dos pais será evidentemente desnecessário. Assim sucede em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder (art. 45 § 1º do ECA e art. 1.621 § 1º do Código Civil/2002). O art. 1.624 também incide sobre a matéria, declarando não ser necessário o consentimento do representante legal, se provado ser dispensável. O cadastramento dos interessados em adotar, junto ao Juízo, continuará vigente para as adoções de crianças e adolescentes (art. 50 do ECA). O Código Civil não exigi mesmo requisito para as adoções de maiores de 18 anos. Salienta Antônio Chaves32 que, na adoção simples, “antes da reforma do Código Civil, o parentesco resultante da adoção limitava-se ao adotante e o adotando, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais”. Com a promulgação do Código Civil de 2002 o parentesco se estende tanto entre o adotante e os _____________ 32 CHAVES, Antônio .Adoção, adoção simples e adoção plena. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 637. 36 descendentes do adotado bem como entre o adotado e todos os parentes do adotante, conforme preceitua o art. 1.628, “in fine”, CC/02. 2.3 Efeitos da adoção A adoção gera efeitos jurídicos tanto de ordem pessoal quanto patrimonial. a) Eficácia da sentença perante as partes e terceiros; A sentença deferindo a adoção terá efeitos constitutivos. A situação do estado do menor opera-se perante este e os adotantes, e, após o trânsito em julgado, perante terceiros. Dessa forma, a sentença que defere a adoção faz coisa julgada. Inscrita a sentença no registro civil, que terá efeito constitutivo, firma-se o estado jurídico do adotado, que deixa de pertencer à sua família de origem, cessando o vínculo de filiação anterior, salvo para efeitos matrimoniais. Passa a integrar a família adotiva, equiparando-se ao filho legítimo, com os direitos e deveres deste. b) Registro civil do menor Pela adoção cancela-se o registro civil do menor e lavra-se outro, por força de uma decisão judicial, que é a sentença deferindo a medida. 37 No registro consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes (art. 47, § 1º, do ECA), “fazendo com que a integração com a família seja a mais completa possível, com o intuito de fazer crer, a todos, que o parentesco entre adotantes e adotado é consangüíneo. Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões”, na interpretação de Sérgio Gischkow Pereira. 33 c) Nome do adotado A sentença confere ao menor o nome do adotante e pode determinar a modificação do prenome, a pedido do adotante (art. 47, § 5º, do ECA). Entretanto na ótica de Antônio Chaves34, “a mudança do prenome não fica ao arbítrio do adotante, mantendo-se na área de critério do juiz, que a desatenderá quando o adotado não for muito criança, ou quando ocorrer outra razão para indeferi-la.” O prenome já se configura como imutável pois a criança, após uma certa idade, já se identifica pelo prenome. d) Impedimentos matrimoniais O adotado passa a ser pessoa estranha à família de origem (biológica), salvo quanto aos impedimentos matrimoniais. Os vínculos de filiação e parentesco cessam com a inscrição da adoção no registro civil. _____________ 33 PEREIRA, Sérgio Gischkow. <http://www.brunolobo.hpg.ig.com.br/civil/A_Adocao_e_o_Direito_Intertemporal.htm. A adoção e o direito intertemporal. Revista jurídica, 151/5, AJURIS, 45/145-154, e RT 639/247-253. Acesso em: 02 set. 2005. 34 CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 485. 38 Ensina-nos ainda Antonio Chaves que: [...] o impedimento matrimonial, por força do parentesco natural ou civil, é irremovível, dada a irrevogabilidade da adoção. Estendendo-se esse impedimento aos parentes dos adotantes, ou seja, as proibições que concernem ao casamento do adotado, consideram não somente com os membros de sua família de sangue, mas ainda com os da nova família à 35 qual ele se incorporou, por razões éticas, morais e genéticas. e) Direitos do adotado: equiparação aos filhos legítimos Os adotados, por força de preceito constitucional, são equiparados aos filhos legítimos, com os mesmos direitos e deveres estabelecidos em lei. Segundo o doutrinador Edgard Bittercourt36, “é no âmbito do direito de família e das sucessões que as relações jurídicas decorrentes da adoção mais se verificam”. f) Direito de Família Todos os direitos e deveres atribuídos aos filhos legítimos, aplicam-se aos filhos adotivos, com apenas as particularidades dos impedimentos matrimoniais, já abordados. Ocorre a transferência definitiva do poder familiar para o adotante, com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes: companhia, guarda, criação, educação, obediência, respeito, consentimento para casamento, nomeação a tutor, dever de prestar alimentos, obrigação de sustentar o adotado enquanto durar o poder familiar, representação e assistência, administração e usufruto dos bens. _____________ 35 LISBOA, Sandra Maria. Adoção no estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 64. 36 BITTERCOURT, Edgard Moura. Família. 5. ed. Campinas: Millennium, 2003. Atualizadores: Joquim Macedo Bittencourt Netto e Antônio Carlos Mathias Coltro. p. 293. 39 g) Direitos Sucessórios O adotado deixa de ser herdeiro de seu pai consangüíneo e este não herda daquele. O adotado, assimilado ao filho legítimo, passa a ser herdeiro necessário dos adotantes, sem qualquer discriminação, desvinculando-se totalmente da família biológica. Dessa forma, as relações sucessórias que prendiam o adotado aos pais de origem e as obrigações alimentícias decorrentes do parentesco natural não mais subsistirão. h) Irrevogabilidade Segundo já relatado, o Código de 2002, em seu art. 1621, § 2º, trouxe nova norma em relação à irrevogabilidade da adoção. Segundo Arthur José Jacon e Luciano Rossignolli para o qual a “concordância dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção, regra esta que não se encontra prevista na redação do semelhante art.45 e do ECA”.37 Ainda no entendimento de Edgard Bittercourt38, “a irrevogabilidade da adoção não é efeito, mas atributo essencial do ato”. Para este a adoção é irrevogável (art. 48 do ECA). Nem mesmo com a morte dos adotantes restabelecerá o pátrio poder dos pais naturais (art. 49 do ECA), o vínculo com a família natural. A adoção estatutária pressupõe perfeita interação do _____________ 37 MATIAS, Arthur José Jacon e SALEN, Luciano Rossignolli. Prática Forense no Direito de Família. 4. ed. Campinas: Millennium. 2004, p. 6. 38 BITTERCOURT, Edgard Moura. Família. 5. ed. Campinas: Millennium, 2003. Atualizadores: Joquim Macedo Bittencourt Netto e Antônio Carlos Mathias Coltro. p. 296. 40 adotado à sua família, com ruptura dos vínculos com os pais e parentes naturais. O pátrio poder é assumido pelo adotante com todos seus direitos e obrigações. 2.4 Adoção unilateral Um dos cônjuges ou concubinos pode adotar o filho do outro. Isso é chamado de adoção unilateral. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a adoção unilateral para resolver esse tipo de situação, quando há interesse em substituir somente um dos vínculos de filiação (o materno ou o paterno), permanecendo o outro natural (biológico). Antes de iniciar a adoção unilateral, porém, o pai biológico deve ter o poder familiar destituído ou consentir a adoção de seu filho por outro homem. A lei estabelece a possibilidade de um padrasto adotar o enteado ou a enteada, ficando mantidos os vínculos com a mãe. O processo de adoção unilateral é simples, principalmente se a criança só foi registrada no nome da mãe. Basta dirigir-se a uma Vara da Infância e da Juventude. A letra do Código Civil de 2002 em seu art. 1.622, parágrafo único, não admite a adoção por duas pessoas, salvo se estes forem marido e mulher, ou se viverem em união estável. Este artigo da legislação é contumaz na proibição de tal conduta. _____________ 41 Fica evidenciado, a preocupação do legislador no inconveniente da adoção da mesma pessoa por duas pessoas não casadas. E até mesmo a impossibilidade do exercício do pátrio poder, quando se matem uma relação de concubinato. Como já mencionado a adoção segundo os parâmetros do Estatuto da Criança e do Adolescente rege que a adoção passou a ser independente do estado civil do adotante (art. 42, caput) e ficou expressamente autorizada por parte de concubinos, desde que comprovada a estabilidade da família (§ 2º), in verbis: Art. 42 [...] § 2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de 39 idade, comprovada a estabilidade da família. 2.5 Adoção por parentes A lei brasileira proíbe adoção por parentes ascendentes - avós e bisavós ou descendentes - como filhos, netos e irmãos. No entanto, tios e primos podem adotar. A adoção fica terminantemente proibida aos parentes no que se relata da leitura do art. 42, § 1ª do Estatuto da Criança e do Adolescente: não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. _____________ 39 BRASIL. Lei n. 10.4.60, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069-1990?OpenDocument> Acesso em: 20 jul 2005. 42 Neste caso é precisamente a causa econômica que, senão imediata, mas mediatamente prescinde à adoção. Os efeitos de natureza patrimonial, produzidos pelo estado de filiação, resultam natural e licitamente deste. Sob a análise de Antônio Chaves a adoção pleiteada por avós pode ser uma “manobra fraudulenta”, como assim relatado, in verbis: Na adoção de netos pelos avôs sempre existe alguma finalidade oculta, quando não ilícita: ou conluios para “castigar” mães que escandalizam por relação não aprovada, ou circunstâncias emocionais que deverão acalmarse tão logo ultrapassado o trauma, ou, o que se torna cada vez mais alarmante freqüente, desejo de fazer com que as pensões ou outras revertam e favor do neto. 40 O que se pretende são o amparo e a oportunidade de integração do adotado à família e a sociedade. 2.6 Adoção póstuma O pretendente que tenha falecido durante o processo de adoção (chama-se adoção póstuma). A adoção póstuma está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, em dispositivo legal assim redigido: “a adoção poderá ser deferida ao adotante que, _____________ 40 CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 251. 43 após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença” (art. 42, § 5º). Nesse mesmo sentido andou o Código Civil/ 2002 ao dispor, em seu art. 1628 que: Art. 1628 - Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do 41 adotante.” (sem grifo no original). Os diplomas anteriores, ao tratarem da adoção, não previam a possibilidade de a adoção ser deferida a quem não estivesse vivo. Foi a partir de 1990, graças à promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que o ordenamento jurídico passou a consagrar a denominada adoção póstuma. A adoção póstuma, de acordo com o disposto no art. 42, § 5º, do Eca, segundo Maria Sandra Lisboa, reclama a presença de 2 (duas) condições, a saber: a) inequívoca manifestação de vontade do adotante; b) existência de procedimento instaurado.42 Em resumo, o deferimento da adoção póstuma será possível, ainda que o adotante, em vida, tenha deixado de manifestar, perante os órgãos do Poder Judiciário, o desejo de adotar um menor. O importante é que não se tenha dúvida sobre a intenção do falecido. _____________ 41 BRASIL. Lei n. 10.4.60, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069-1990?OpenDocument> Acesso em: 20 jul 2005. 42 LISBOA, Maria Sandra. Adoção no estatuto da criança e do adolescente, doutrina e jurisprudência. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 55. 44 Capítulo 3 A ADOÇÃO NA ÓTICA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 3.1 A adoção estatutária A Lei nº 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece os pressupostos para formalização da adoção. A adoção estatutária, prevista no art. 39 e seguintes desta referida lei, é aplicável a todos os menores de 18 anos, indistintamente, abrangendo, também, aqueles que ao atingirem os dezoito anos já estavam sob a guarda ou tutela dos adotantes (art. 40 do ECA). A adoção estatutária, também, se formaliza através de sentença judicial constitutiva e desvincula completamente o adotado de seus pais e parentes naturais, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais, conseqüentemente o parentesco se estende à parentela do adotante e aos descendentes do adotado. Tal espécie de adoção deve ser precedida de estágio de convivência, o qual poderá ser dispensado nos casos previstos no art. 46, §1º, do Estatuto, o que não ocorrerá se o adotante for estrangeiro. Na visão de Sandra Maria Lisboa, os motivos legítimos requeridos pelo art. 43 do ECA passam a ser assim considerados: [...] quando a intenção do adotante está em perfeita harmonia com a finalidade do próprio instituto. A intenção do adotante deve corresponder em 45 essência às aspirações reais, morais e às necessidades sociais do instituto, 43 que tem como meta maior o alcance do bem-estar do menor. É clara a intenção do Estatuto da Criança e do Adolescente ao estabelecer que a criança viva e se desenvolva em seu ambiente normal e natural, ou seja, diante e em companhia de sua família natural. Contudo, na impossibilidade de ser seguida essa assertiva, surgiu, como alternativa para resolver as questões relativas às relações familiares, a família substituta. O art. 28 do ECA, preceitua que a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente. Dessas modalidades, a adoção é, certamente, a mais importante, pois não sendo possível a permanência da criança ou do adolescente em sua família natural será este chamado a integrar uma nova família, a substituta. Saliente-se, contudo, que o Estatuto dá prioridade à família natural (art. 19, ECA), sendo o menor criado e educado na família substituta, única e exclusivamente, quando não for possível mantê-lo próximo à sua família de origem. Contudo, como é sabido, muitos pais nem sempre se encontram em condições de criar seus filhos, de assegurar-lhes os cuidados necessários para o desenvolvimento de suas personalidades, seja porque não possuem condições financeiras suficientes, seja porque não são capazes de ensinar-lhes os verdadeiros valores. Assim, o que se leva em conta quando da colocação em família substituta, é a necessidade e a urgência de tal medida, para evitar que os menores continuem a viver em condições completamente desaconselháveis para o seu desenvolvimento _____________ 43 LISBOA, Maria Sandra. Adoção no estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 46 sócio-educativo, essa é a razão de a adoção visar o interesse do menor. Dessa forma, só será concedida a adoção quando for benéfica ao menor. 3.2 Requisitos quanto ao adotante Antes de iniciar a explanação, ressalte-se que esse estudo será feito sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Lei n° 8.069/90 dispõe os requisitos necessários para adotar, quais sejam: a) ser maior de 21 anos de idade; b) ser 16 anos mais velho que o adotado; c) ser capaz e, caso o adotante seja tutor ou curador, este deve previamente prestar contas de sua administração. Como já analisado anteriormente é vedada à adoção por ascendente e irmãos do adotando. Tendo em vista que a intenção do instituto da adoção é o rompimento dos vínculos naturais de filiação e parentesco essa vedação legal é justificada. Conforme reza § 4º do art. 42 do ECA: “os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal”. Essa é a letra repetida no Código Civil, em seu artigo 1.622, parágrafo único. _____________ 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 6. 47 A condição mais importante, na visão de Maria Sandra Lisboa44 é que a colocação em família substituta somente será deferida mediante dois critérios: a) reais vantagens para o adotando, mensurando-se pelos parâmetros do artigo 28, §§ 1º e 2º e artigo 29, ambos do Estatuto, e acompanhamento técnico adequado; b) motivos legítimos dos requerentes: devem pleitear a adoção por motivos de afeição e carinho e não por outros motivos, como fins imorais ou ilícitos. Tendo em vista que o escopo do ECA foi, à medida do possível facilitar a adoção, é suficiente que apenas um dos requerentes tenha a diferença de 16 anos de idade. Verifica-se, portanto, que a corrente que defende a idade mínima de 18 anos estabelecida pelo novo Código Civil, em seu artigo 1.628, deve prevalecer, visto que o Estatuto levou em consideração a capacidade civil. Ainda mais que, houve uma evolução do direito, haja vista o aumento significante de pessoas que possuem legitimidade para requerer adoção. Dentro da orientação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que condicionou a capacidade para adotar à maioridade civil, o art. 1.618 do Código Civil estabeleceu que ‘só pessoa maior de dezoito anos pode adotar’. Portanto, temos nova idade-referência para questões relativas à adoção: o adotante poderá ter 18 anos e o adotando deverá ser menor desta idade, uma vez que idade-referência prevista na Lei 8.069/90 está condicionada à capacidade civil. _____________ 44 LISBOA, Maria Sandra. Adoção no estatuto da criança e do adolescente, doutrina e jurisprudência. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 47. 48 É evidente o benefício trazido pelo código para as crianças e adolescentes que esperam para serem adotados e para quem deseja adotar. Concernente à adoção em especial, o Código Civil, instituído pela Lei n. 3.071/16, não atendeu à realidade brasileira, que ansiava por soluções quanto aos menores que não possuíam uma família, ou até pela oportunidade de pessoas terem filhos que a natureza não permitiu. Ressalte-se que o objetivo primordial da adoção na conjuntura atual é proporcionar uma família a uma pessoa. 3.3 Requisitos quanto ao adotando Qualquer pessoa pode ser adotada. Mas ainda há necessidade de atentarse para as regras dos arts. 39 e 40 do ECA e do art. 1.623 do Código Civil. É que a adoção de maior de 18 anos, sem que haja guarda ou tutela anterior a essa idade, não se subordina a qualquer regra restritiva contida no ECA; e mesmo a competência para conhecer do pedido se desprende do Juízo da Infância e da Juventude para vincular-se ao Juízo de Família. É fundamental atentarmos para o transcrito no art. 45 e parágrafos do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois este frisa no § 1º, que um dos requisitos será o consentimento do adotando, de seus pais ou de seu representante legal (tutor ou curador), sendo indispensável em se tratando de criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. 49 Nesta mesma linha de raciocínio o Código Civil também ressalta este requisito, como podemos ver no artigo 1621, caput e § 1º, que dispõe a seguinte redação, in verbis: Art. 1.621. A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos. o §1 O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. 45 3.4 Requisitos formais da adoção A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, por prazo a ser fixado pelo juiz, a depender das peculiaridades de cada caso, segundo o disposto no art. 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Todavia, pode haver a dispensa deste estágio nas hipóteses em que o adotando não tiver mais de um ano de idade ou ainda se, independentemente da sua idade, estiver na companhia do adotante por tempo suficiente que permita avaliar a convivência da constituição do vínculo afetivo que deverá surgir entre as partes. _____________ 45 BRASIL. Lei n. 10.460 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069-1990?OpenDocument> Acesso em: 30 ago. 2005. 50 A equipe interprofissional, enquanto serviço auxiliar da justiça Especializada, tem previsão nos artigos 150 e 151 do ECA e é composta, via de regra, por assistente social e psicólogo, que têm como atribuição apresentar ao juiz um relatório social, fundado nos estudos e testes realizados com os interessados e fruto da síntese da observação feita pelos membros da equipe interdisciplinar. O que preconiza o art. 43 do ECA, que dispõem que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.” 46 Isso justifica o estudo técnico e a preparação das pessoas para a adoção, com o objetivo de se comprovarem as condições mínimas, financeiras e emocionais, para o acolhimento e o favorecimento de um bom desenvolvimento da criança ou adolescente. O estudo constitui-se de: a) entrevistas individuais e familiares; b) visitas domiciliares; c) atendimento em grupos de preparação para a adoção. Todo o procedimento da adoção é isento de custas, não havendo qualquer despesa financeira, taxas ou emolumentos a serem pagos. A adoção terá início com a protocolização de petição inicial, e segundo pesquisa feita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios47, será devidamente instruída com os documentos necessários, quais sejam: _____________ 46 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069-1990?OpenDocument> Acesso em: 03 set. 2005. 47 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: Vara da infância e da juventude. Adoção. Disponível em: <http://www.tjdf.gov.br/tribunal/vij/adocao.htm#pedido >. Acesso em 10 set. 2005 51 a) Carteira de identidade dos requerentes; b) Certidão de casamento ou declaração de vida em comum, assinada por duas testemunhas, com firma reconhecida em cartório; c) Declaração, com firma reconhecida, dos pais ou responsável consentindo com a adoção; d) Declaração de escolaridade da criança ou do adolescente; e) Cartão de vacina; f) Registro de nascimento da criança ou cartão de berçário; g) Comprovante de residência, inclusive com o relatório do estudo social, caso tenha sido realizado. Acerca do posicionamento do juiz, Jason Albergaria48 nos ensina que “este ao decidir deve verificar se estão cumpridos os requisitos do instituto da adoçãojuízo de legalidade-, bem como avaliar as vantagens da adoção e sua motivação – juízo de oportunidade ou conveniência”; segue afirmando que a decisão é de natureza constitutiva, porque da sentença nasce novo estado civil do adotando, a filiação adotiva. O Ministério Público opinará no processo, de modo a garantir a legalidade do pedido, a conveniência da adoção e a defesa dos interesses da criança. Como bem descreve Antônio Chaves: [...] apenas ao promotor de justiça curador de menores o art. 47 da Lei Complementar nº 304, incumbe provocar medidas de assistência e proteção aos menores que se encontrem em situação irregular, visando, 49 fundamentalmente, à sua integração sócio-familiar. _____________ 48 ALBERGARIA, Jason. Adoção plena: segundo o estatuto da criança e do adolescente. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 80-81. 49 CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. vol. 1 e 2. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p.108. 52 Somente após o pronunciamento do Ministério Público e a oitiva das pessoas obrigadas ao consentimento, caberá ao juiz proferir a sentença. Finda esta fase, a adoção será formalizada, não podendo mais haver desistência, pois, pelo ECA, a adoção é irrevogável. Há o rompimento do vínculo da criança ou do adolescente com sua família biológica. O registro civil original é cancelado e na elaboração do novo, o prenome do adotado poderá até ser alterado, sendo vetado qualquer menção de adoção no novo registro civil. 3.5 Causas de ineficácia e extinção da adoção A adoção poderá ser judicialmente nula, anulada, ou ainda inexistente, quando desrespeitadas as prescrições legais. 3.5.1 Nulidade Sendo assim, nula será a adoção em que houver: a) adotante não tiver mais de 18 anos (art. 1618, CC/2002); b) por não haver a diferença de 16 anos entre adotante e adotado (art. 1619, CC/2002); _____________ 53 c) duas pessoas, não sendo marido e mulher, adotarem a mesma pessoa (art. 1622, CC/2002); d) curador ou tutor não prestou contas (art. 1620, CC/2002); Contudo, existem doutrinadores que acreditam que seja qual for o requisito legal não cumprido, haverá a nulidade. Como para Antônio Chaves, in verbis: Se a nulidade da adoção deduz-se da violação de norma legal expressa, mais delicado é o problema da verificação de anulabilidade, tanto mais quanto tornar-se preciso não perder de vista que a natureza do instituto não se coaduna com rigor extremado de formalidades legais. 50 A doutrina e a jurisprudência estão divididas no que diz respeito à nulidade pela falta de condições pessoais exigidas pela lei. Alguns tratadistas afirmam que a inobservância de cada um dos requisitos legais não produz necessariamente a sua nulidade. 3.5.2 Anulabilidade Com o que se relaciona a anulabilidade, enumera-se os seguintes casos: a) A falta de assistência do pai, tutor ou curador, ao consentimento do adotado relativamente incapaz; b) Falta de anuência da pessoa sob cuja guarda se encontra o menor ou interdito; _____________ 50 CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. vol. 1 e 2. 4. Ed.São Paulo:Revista dos Tribunais, 1988, p.653. 54 c) Consentimento manifestado somente pelo adotado relativamente incapaz; d) Vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude; e) A falta de consentimento do cônjuge do adotante e do consorte do adotado, contudo tal anuência pode ser dispensada, pois se a adoção é feita pelo casal pressupôe-se o consentimento de ambos. Podemos dizer que neste caso, justo seria por conseqüência, que as partes estarão obrigadas a restituir o que tiverem recebido uma da outra com fundamento da adoção. E na visão de Antônio Chaves: [...] o eventual pacto sucessório ficará sem efeito, podendo, pois, o adotante dispor de seus bens por testamento. No registro civil inscrever-se-á a sentença de anulação, fazendo-se necessária a retificação a fim de que o 51 pretenso adotado apareça com seu nome anterior. De acordo com o Código Civil e na ótica de Maria Helena Diniz52, os efeitos sucessórios da adoção podem ser rompidos nas hipóteses de deserdação contidas nos artigos 1.814, 1962 e 1963 do referido Código, desde que, “em testamento, conste a declaração expressa da sua causa. Cabe ao herdeiro instituído ou a quem aproveite a deserdação provar a veracidade da causa alegada pelo testador”. Desta maneira entende-se que ainda haverá a postulação da prova de fato. _____________ 51 CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. vol. 1 e 2. 4. Ed.São Paulo:Revista dos Tribunais, 1988, p. 778. 52 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 5: direito de família 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 437. 55 3.5.3 Inexistência Ainda sobre a inexistência da adoção Antônio Chaves53 enumera três fatores, quais sejam: a falta de consentimento de ambos os contratantes; a falta de objeto e falta de forma essencial, ou seja, escritura pública, que é de sua substância. E ainda prediz que “o erro consiste em que a falta de um requisito formal indispensável acarreta, tanto quanto a de um requisito substancial, não a nulidade, mas a inexistência do ato”. 3.6 Extinção da adoção A adoção pode se extinguir: a) Pela deserdação; (como anteriormente ressaltado na anulabilidade) b) Pelo reconhecimento judicial do adotado pelo pai de sangue; c) Pela morte do adotante ou do adotado ou pela ausência legal de um ou de outro. Na ótica de Caio Mário54 a adoção cessa em quatro hipóteses: a) Unilateralmente por parte do adotado se este for maior de 18 anos; b) bilateralmente, quando o adotante e o adotado decidem; _____________ 53 CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. vol. 1 e 2. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p.350. 54 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. vol. 5. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.316. 56 c) por revogação judicial, nos casos em for permitida; d) por morte do adotante ou do adotado, mas com a subsistência dos respectivos efeitos. Porém a adoção não pode ser revogada pela superveniência de filhos ao adotante e nem o Ministério Público por iniciativa própria, mesmo que a adoção não seja conveniente ao adotado. Todavia, com a morte do adotante, considerando que o pátrio poder não é readquirido pelo pai biológico do adotado, deverá o menor ficar sob tutela. 57 Capítulo 4 DA HOMOSSEXUALIDADE 4.1 Conceito Segundo Camila Borges55 , a palavra homossexualidade é formada pela junção de dois vocábulos, ‘homo’ e ‘sexu’. “O vocábulo “homo” vem do latim, do grego “homos”, que significa semelhante, e, o vocábulo sexual, vem do latim “sexu”, que é relativo ou pertencente ao sexo”. A junção dos dois vocábulos significa a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo. Já a definição de homossexualismo no dicionário da língua portuguesa é: “homossexualismo: diz-se do indivíduo que pratica o ato sexual com pessoa do mesmo sexo”. 56 Na visão de Hélio Gomes57 o homossexualismo: “consiste na perversão sexual que leva indivíduos a sentirem-se atraídos por outros do mesmo sexo, com repulsa absoluta ou relativa para os de sexo oposto”. Há, portanto, um homossexualismo feminino e um masculino. No primeiro está a relação sexual realizada por meio de práticas que podem levar ao orgasmo, chamado de lesbianismo (caracterizada pela masturbação recíproca), safismo _____________ 55 BORGES, Camila Oliveira. Aspectos polêmicos de direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003, p. 82 56 PRIBERAM. Língua portuguesa on-line. Disponível em:< http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx.> Acesso em: 30 ago. 2005. 57 GOMES, Hélio. Medicina legal. 33. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2003. p.476. 58 (caracterizada pela sucção do clitóris) e tribanismo (caracterizada pelo atrito dos órgãos sexuais em práticas recíprocas). O segundo se caracteriza pela relação entre homens, onde há a satisfação carnal, conhecida como pederastia (caracterizada pela relação de um homem com uma criança, geralmente menino) e uranismo (é a prática sexual entre homens, por falta de mulher). O advogado Thiago Hauptmann58 inclui nesta distinção a sodomia que é a prática sexual entre homens, ambos adultos. Concluindo, nas palavras de Débora Vanessa Brandão59, “homossexual é a pessoa que se relaciona sexualmente, quer de fato, quer de forma fantasiosa, imaginária com parceiros pertencentes ao mesmo sexo que o seu, mantendo-se satisfeita com o seu sexo biológico”. A homossexualidade, em sentido estrito, é aquela em que a pessoa possui a sua atividade sexual exclusivamente para pessoas do mesmo sexo que o seu. 4.2 A homossexualidade sob o ponto de vista da psicologia No século V, o médico romano Caelius Aurelianus classificou a passividade masculina e a inversão de gêneros como perturbação mental. A partir do final do século XIX, os desvios sexuais passaram a merecer uma abordagem no campo da _____________ 58 THOMAZ, Thiago Hauptamann Boreli. União homossexual: reflexões jurídicas. Advogado de Campinas (SP), professor de Direito Civil da Universidade Paulista (UNIP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Magistratura. Disponível em <www.jusnavegandi.com.br > Acesso em: 30 agos. 2005 59 BRANDÃO, Débora Vanessa. Parcerias homossexuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p. 17. 59 psicopatologia. No ano de 1973, a Associação Americana de Psiquiatria (APA), retirou a homossexualidade da lista de distúrbios mentais – inserção amplamente criticada. Na Psicologia, no estudo de Maria Berenice Dias: 60 , “a homossexualidade é encarada como um distúrbio de identidade, não como uma doença. Também não é hereditária e nem uma opção deliberada”. Para o psicólogo Roberto Barberena Graña a homossexualidade define-se da seguinte forma: É fruto de um determinismo psico- primitivo que tem origem nas relações parentais desde a concepção até os três anos de idade, quando se constitui o núcleo da identidade sexual na personalidade do indivíduo que 61 irá determinar sua orientação sexual. . Conforme até entendimento de Maria Berenice Dias, a discriminação contra a homossexualidade leva à ocultação da identidade sexual, levando o indivíduo a assumir dupla personalidade que pode gerar sérios problemas psíquicos. Embora incorporem a natureza homossexual, são levados a se comportar como heterossexuais, levando muitas vezes à bissexualidade. Acabam casando-se, tendo filhos, e a tendência é o fracasso da união; e, tentando manter em clandestinidade a tendência homossexual, levando vidas promíscuas e em alguns casos transmitindo AIDS às esposas. Os homossexuais feminóides ou assumidos (forma e aparência femininas), revelam suas tendências femininas desde a infância e acabam se impondo na sociedade. Não precisam fingir que são homens e muitas vezes se esmeram e _____________ 60 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.35 60 exageram em parecer com o sexo oposto. Estes se unem a outros parceiros e vivem como se casados fossem à semelhança de uma relação entre homem e mulher. 4.3 A homossexualidade sob o ponto de vista jurídico O relacionamento homossexual sempre existiu desde as primeiras civilizações. Os estudiosos do direito não podem ficar alheios a tal realidade. Os fatos sociais precedem à lei. O legislador, segundo Delma Silveira Ibias62, “muitas vezes se limita a regulamentar as reiteradas soluções dadas a determinado fato social”. E a jurisprudência tem seu papel fundamental para a condução das lides, independente da posição dos julgadores, quer mais conservadoristas ou mais modernos. Esses relacionamentos entre pares homossexuais são uma realidade cada vez mais aparente, apesar da resistência social, que foge aos parâmetros tidos como normais. Dessa relação, advém uma série de direitos e obrigações. Para os congressistas que elaboraram a Constituição de 1988, a família é a unidade política básica da organização do social. Ficando explícita tal afirmativa no art. 226, caput da CF/88: a família, base da sociedade, tem especial proteção _____________ 61 GRAÑA, Roberto Barberena. Homossexualidade: formulações psicanalíticas atuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. p. 160. 61 do Estado. Na análise de Maria Berenice Dias63, a família era “compreendida como um fato natural, inexistiu a preocupação do parlamentar de definir sua estrutura, ante a naturalidade da noção de família”. A finalidade essencial da família era sua continuidade. A família tinha um perfil patriarcal e hierarquizado e só era legítima por meio do casamento; aquela resultante da união informal, pela convivência, era considerada ilegítima. A Constituição de 1988, no §3º, do seu art. 226, reconheceu a união estável como entidade familiar. Todavia da leitura de tal dispositivo, depreende-se que a união estável é reconhecida apenas entre homem e mulher, não sendo atribuída em interpretação literal, à relação entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, Delma Silvera Ibias64 ressalta que: “tal lei deve ser interpretada em sintonia com as demais normas constitucionais, principalmente com o princípio da igualdade e da dignidade, sem preconceito nem distinção”. Dessa forma, não se pode negar a especificação imposta pela própria Carta Magna, quando se refere a positivação e explicação, do que vem a ser para a sociedade brasileira, da entidade familiar. _____________ 62 IBIAS, Delma Silveira. Homossexualidade. discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá Editora, 2002. p. 73. 63 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 60. 64 IBIAS, Delma Silveira. Aspectos jurídicos acerca da homossexualidade. Curitiba: Juruá, 2001.p.85. 62 4.4 A homossexualidade à luz da Constituição Federal de 1988 No Brasil, a Constituição Federal de 1988, não prevê a união homossexual; poderia tê-lo feito, mas não o fez. Talvez com o decorrer dos anos, uma Emenda à Constituição Federal65 ou uma lei ordinária venha a disciplinar o assunto. Contudo, enquanto isso não ocorre, urge buscar uma alternativa, uma maneira de regular, mesmo que temporariamente, essas relações, e o que parece mais inteligível no momento é a interpretação extensiva da norma e o uso da analogia. Pode parecer pretensioso querer encontrar uma similitude entre a união homossexual e a união estável, uma vez que a Constituição ao mencionar a união estável como entidade familiar a faz levando em conta apenas a união entre um homem e uma mulher, não obstante parece ser o caminho mais óbvio do que deixar a realidade homossexual desprovida de regulamentação, tendo em vista que é cânone constitucional a igualdade e a vedação a qualquer tipo de discriminação. Além do que, a Carta Magna em seu art., 1º, incisos II e III, trata da cidadania e da dignidade da pessoa humana, como analisaremos a seguir, e de igual forma o art. 3º prevê como objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e solidária, enquanto que o inciso IV do mesmo artigo, pretende promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O art. 5º da Constituição Federal de 1988 acrescenta aos princípios constitucionais tuteladores das pretensões dos direitos dos homossexuais, no seu 63 inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. 66 Constitucionalmente, todos são iguais perante a lei, sem nenhuma distinção de qualquer natureza, seja de ordem racial, sexual, religiosa, sendo, portanto vedada a discriminação aos homossexuais. Para Maria Berenice Dias: A identificação da orientação sexual está condicionada à identificação do sexo da pessoa escolhida em relação a quem escolhe, e tal escolha não pode ser alvo de tratamento diferenciado. Se alguém dirige seu interesse a outra pessoa, ou seja, opta por outrem para manter um vínculo afetivo, está exercendo sua liberdade. O fato de direcionar sua atenção a uma pessoa do mesmo ou de distinto sexo que o seu não pode ser alvo de discrimine. O tratamento diferenciado por alguém orientar-se em direção a um ou outro sexo - nada sofrendo se tender a vincular-se a pessoa do sexo oposto ao seu ou recebendo o repúdio social por dirigir seu desejo a pessoa do mesmo sexo - evidencia uma clara discriminação à própria pessoa em função de sua identidade sexual. Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí está incluída, por óbvio, a opção sexual 67 que se tenha. [sem grifo no original] O projeto de Lei nº 1.151/ 95 de autoria da então Deputada Federal Marta Suplicy, tem a intenção de tão só autorizar a elaboração de um contrato escrito, pelo qual poderá ser pactuados deveres, impedimentos e obrigações de cunho patrimonial e proteger o direito de propriedade, garantir o direito de sucessão, usufruto, benefícios previdenciários, impenhorabilidade da residência, direito de nacionalidade em caso de estrangeiros, dentre outros direitos. A aceitação legal desse tipo de união fará com que mais gays e lésbicas assumam suas orientações sexuais. Contudo, o projeto de lei nº 1.151/ 95 não _____________ 65 Proposta de emenda à Constituição Federal, que visa a alteração do parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, para permitir a união estável entre casais homossexuais. Todavia, esta aguarda parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. 66 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 2003. Art. 5º, inciso X. 67 DIAS, Maria Berenice. União homossexual – aspectos sociais e jurídicos. In: Revista Brasileira de Direito de Família. IBDFAM. Porto Alegre. Ed. Síntese, nº 4, Jan/Março/2000, p.7. 64 reconhece a união entre homossexuais como uma entidade familiar, apenas estabelece direitos para proteger essas relações. Enquanto o projeto de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, continua engavetado no Congresso, uma nova proposta vai ser discutida no Senado. Trata-se da proposta de Emenda à Constituição nº 70/2003, que visa a alteração do parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, para permitir a união estável entre parceiros homossexuais, excluída a conversão em casamento, por ser este ainda uma prerrogativa da união entre homem e mulher. Outra questão relativa que deve ser suscitada é a que diz respeito à proposta de Emenda Constitucional nº 139/95, atualmente arquivada, que pretendia inserir nos artigos 3º e 7º a proibição à discriminação por motivo de orientação sexual, a qual se aprovada fosse, certamente traria uma mudança considerável na legislação e no pensar de toda sociedade brasileira. Embora, não conste expressamente na Carta Maior, a vedação à discriminação por orientação sexual, está presente implicitamente no art. 3º, inciso IV na expressão ‘quaisquer outras formas de discriminação’, além de já constar expressamente em várias constituições estaduais e leis orgânicas municipais, por exemplo, Mato Grosso, Sergipe e o Distrito Federal. 65 4.5 Do princípio da igualdade A Primeira Geração de Direitos refere-se à liberdade individual, caracterizando-se como uma imposição de limites ao Estado, gerando simples “obrigação de não fazer”. Os de Segunda Geração, que dizem respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais, cobram atitudes positivas do Estado, verdadeiras obrigações de fazer. Os de Terceira Geração, asseguram a dignidade humana pelo implemento de condições gerais e básicas que lhe sejam necessárias, postas como direito difuso de toda a humanidade. Segundo José Afonso da Silva68 “a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra”. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental. A igualdade entre os homens, para Camila Borges69 representa “a obrigação imposta aos poderes públicos, tanto na elaboração de uma norma de direito, quanto em relação à sua aplicação, já que a consideração da pessoa humana é um conceito ditado de universalidade, não se admitindo distinções”. A pretensão está em melhorar o texto constitucional com uma emenda à Constituição, para que se aplique objetivamente e não dando margem a interpretações abstratas. _____________ 68 SILVA, Afonso José da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 210 69 BORGES, Camila Oliveira. Aspectos polêmicos de direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003, p. 88. 66 4.6 Igualdade “sem distinção de sexo e de orientação sexual” De acordo com o entendimento do doutrinador José Afonso da Silva70, “o sexo sempre foi um fator de discriminação. O sexo feminino sempre esteve inferiorizado, e, só recentemente veio conquistando espaço na vida social e jurídica, a do homem”. Contudo, a questão mais debatida, para o autor, diz respeito à discriminação dos homossexuais. Tentou-se introduzir uma norma que vedasse claramente, mas não encontrou uma expressão nítida e devidamente definida. Uma delas fora conceder igualdade, sem discriminação de orientação sexual, reconhecendo não apenas a igualdade como também a liberdade das pessoas de ambos os sexo adotarem a orientação sexual que quiserem. Para a compreensão geral das questões jurídicas abordadas sobre o homossexualismo, faz-se necessário discutir se a orientação de um indivíduo pode ser considerada um fator justificador de um tratamento diferenciado ou não pelo Direito. Trata-se, portanto, de se questionar qual a relevância jurídica ou social da orientação sexual de uma pessoa. Até que ponto as relações homossexuais podem interferir na ordem social e jurídica de um país? _____________ 70 SILVA, Afonso José da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 212. 67 4.7 Do princípio da dignidade humana O princípio jurídico da proteção da dignidade da pessoa humana tem como núcleo essencial, segundo Roger Raupp Rios, in verbis: É a idéia de que a pessoa é o fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função de características que lhe conferem individualidade e exprimem sua dinâmica pessoal. Não pode ser 71 visto como meio de realização para outros fins. Sendo a orientação sexual entendida como a identidade atribuída a alguém em função da direção de seu desejo e/ou condutas sexuais sejam para pessoa do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade), ou de ambos os sexos (bissexualidade). Com efeito, na construção da individualidade de uma pessoa, a sexualidade consubstancia uma dimensão fundamental na constituição da subjetividade, indispensável para o desenvolvimento da personalidade. A discriminação fundada na orientação sexual do sujeito, segundo Camila Oliveira Borges72, “a opção sexual da pessoa em relação à outra, continuará qualificando a orientação sexual como uma forma de tratamento desigual”. O reconhecimento da dignidade da pessoa é elemento central do Estado Democrático de Direito que promete ao indivíduo muito mais que o impedimento de invasões nas esferas pessoais, mas a promoção de sua verdadeira liberdade individual e social. _____________ 71 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Esmafe, 2001. p. 89. 72 BORGES, Camila Oliveira. Aspectos polêmicos de direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003, p. 88. 68 Capítulo 5 A ADOÇÃO NA RELAÇÃO HOMOAFETIVA 5.1 A relação homoafetiva Homoafetiva é adjetivo derivado do substantivo: homoafetividade, e significa descrever a atração afetiva e sexual entre pessoas do mesmo sexo. Este termo, segundo o Manual para jornalistas e redatores: É sinônimo de homoerótico e homossexual, e sua vantagem é conotar também os aspectos emocionais e espirituais envolvidos na relação amorosa de gays e lésbicas. Não é usado para descrever pessoas, quando 73 podem ser usados os termos gay, lésbica ou mesmo homossexual. Portanto a relação homoafetiva, constitui-se de dois parceiros homossexuais, sejam estes gays ou lésbicas. E, por conseguinte, possuem afinidades de uma vida conjugal. 5.2 União homossexual como entidade familiar Acentua Maria Berenice Dias74 que, “as regras sociais vigentes em cada tempo autorizam e estimulam determinados tipos de relações e condenam à _____________ 73 Manual para jornalistas e redatores. Glossário para termos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. 06. agos. 2002. < http://mixbrasil.uol.com.br/pride/midia/manual.shl>. Acesso em: 06 set. 2005. 74 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 67 69 clandestinidade tudo que foge ao modelo convencional”, como é o caso da homossexualidade. O afeto é um aspecto do exercício do direito à intimidade garantida pelo inciso X do art. 5º da Constituição Federal, e é elemento essencial das relações interpessoais. Os vínculos afetivos, ainda que indiferentes ao Direito, que aproximam as pessoas, é que dão origem aos relacionamentos que geram as relações jurídicas, fazendo jus ao status de família. O Direito de Família, ao receber influxo do Direito Constitucional, foi alvo de uma profunda transformação. A Constituição ao outorgar proteção à família independentemente do casamento, inseriu um novo conceito, o de entidade familiar, abrangendo outros vínculos. Tanto a união estável entre um homem e mulher, como a relação de um ascendente com a sua prole, passou a configurar uma família. Não se distingue mais a família pelo matrimônio. Como já visto anteriormente, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 3º, prevê como entidade familiar a união entre homem e mulher, não abrindo espaço para os parceiros homoafetivos. Porém, o mesmo dispositivo constitucional conferiu status de entidade familiar à união estável e às famílias monoparentais, que há bem pouco tempo eram rechaçadas pela sociedade. Hodienarmente, na visão de Eduardo Leite que tal instituição é definida da seguinte forma: Uma família é fefinida como monoparental quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças[...] no Brasil, a Constituição Federal limitou-se a falar em descendentes, tudo levando a crer que o vínculo pais e filhos dissolvese naturalmente com a maioridade dezoito anos, conforme disposição 75 constante no art. 5º do Código Civil brasileiro. (sem grifo no original). _____________ 75 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 22. 70 Continua, ainda, a supremacia do casamento, pois o Estado encontra meios de facilitar a conversão da união estável em casamento. Segundo Débora Vanessa Caús Brandão76, “somente uma emenda constitucional tem competência para estender os mesmos direitos já conferidos às famílias e entidades familiares às parcerias homossexuais,” afirmando ainda que Miguel Reale se defendeu às críticas por não conter no CC/2002 referência sobre esse assunto, assegurando que tal questão trata-se de matéria de Direito Constitucional e não de Direito Civil. Ressalta-se ainda que, para Maria Berenice Dias, ao fixar a diferença de sexo para deferimento de proteção estatal à entidade familiar, o art. 226, § 3º da CF/88 feriu o princípio da igualdade, da isonomia e da dignidade humana, verdadeira base do sistema jurídico nacional. E conclui seu pensamento: Ao constatar-se essa paradoxal realidade, cabe indagar se uma lei poderia violar a si mesma, principalmente em se tratando de regras de assento constitucional[...]. Uma norma só formalmente constitucional pode ser nula se desrespeitar, em medida insuportável, os postulados fundamentais da justiça. Segundo esse entendimento, a consagração da dignidade da pessoa humana tem o condão de subtrair a eficácia de qualquer regra que a 77 infirme, ainda que ela se encontre no bojo da própria Constituição. (sem grifo no original). Entretanto, o dispositivo constitucional que trata da união estável é bem claro ao reconhecer apenas juridicidade às relações entre homem e mulher, ignorando a existência de entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Sendo que a grande diferença que essa relação guarda com a união estável entre homem e mulher é a impossibilidade de gerar filhos. Para o não reconhecimento das uniões homossexuais como união estável, o Estado definiu que a família heterossexual que é a base da sociedade moderna. _____________ 76 BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parcerias homossexuais – aspectos jurídicos. p. 87. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 72. 77 71 Nega-se proteção a essas relações sob o fundamento de que desvalorizaria o sentido social do sexo, tido como fim da vida familiar. 5.3 Tipos de reconhecimento judicial da união homoafetiva A legislação brasileira não cuida especificamente da união civil entre homossexuais. Todavia, todas as espécies de sociedade, além das existentes no Direito de Família como o casamento civil, religioso e união estável (união entre homem e mulher com o intuito de constituição de família, sem casamento), são tratadas no Código Civil, na sua parte do Direito de Empresa, ou seja, contratos que garantem a efetividade da parceria. Nessa parte do Código encontram-se princípios do direito associativo, que servem aos empresários e àqueles que celebram contrato de sociedade de fato, como constatado em jurisprudência anexa. O Código Civil de 1916, revogado pelo atual, de 2002, mencionava, em seu artigo 1.363, no Direito das Obrigações, em geral, que as pessoas celebram contrato de sociedade, quando se obrigam, mutuamente, a combinar seus esforços e/ou recursos, para lograrem fins comuns. No caso da união homoafetiva, os parceiros somam seus esforços e recursos econômicos para possibilitarem sua vida em comum. Aconselhando os parceiros homossexuais, Álvaro Villaça Azevedo orienta acautelarem-se com realização de contrato escrito, que estabelece a respeito de seu patrimônio, principalmente demonstrando os bens que existem, ou venham a existir, em regime de condomínio, com os percentuais estabelecidos ou não. Ele afirma que: 72 [...] podem ainda os parceiros adquirir bens em nome de ambos, o que importa condomínio em partes iguais. Se preferirem, podem escolher um regime de separação patrimonial, absoluto (cada bem permanece em nome de cada um) ou relativo (com este ou aquele bem em nome de um e outros 78 em nome do outro parceiro). Atualmente no Brasil, em caso de morte de um dos parceiros, seus bens seguem a ordem constante do Código Civil: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. 79 Também o companheiro e a companheira, na união estável, nos moldes do artigo 1.790. do código Civil de 2002. Ainda, segundo relatado por Álvaro Villaça Azevedo80, “os parceiros poderão deixar, um ao outro, por testamentos autônomos, patrimônio livremente, desde que não possuam herdeiros necessários, situação em que só poderá o testador dispor da metade da herança (artigo 1.789, do Código Civil de 2002)”. Esclareça-se que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (artigo 1.845, do Código Civil de 2002). _____________ 78 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.461. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069-1990?OpenDocument> Acesso em: 03 set. 2005. 80 AZEVEDO, Álvaro Villaça. União homoafetiva-contratos garantem direitos de homossexuais. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/consultor juridico>. Acesso em: 3 de out. 2005. 79 73 Pode ser adotado, também, o critério de mencionar, na aquisição de cada bem, se ele é comum a ambos, ou se pertence a só um dos parceiros. O que não pode é criar-se o casamento civil ou união estável com esse contrato. 5.4 A possibilidade de adoção por um homossexual Não se pode negar que a adoção por homossexuais exista, se não de forma legal, pelo menos de fato ela existe. Nem se pode ser ignorante a ponto de não conceber que a adoção por essas pessoas trará uma significativa diminuição de crianças sem lares. O Estatuto da Criança e do Adolescente não apresenta qualquer restrição e tampouco faz menção à orientação sexual do adotante como requisito para o deferimento da adoção, ora pleiteada. O art. 42, ECA, limita-se a prescrever que "podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil"81. Donde se extrai, que qualquer indivíduo, homem ou mulher, em conjunto ou separadamente, pode adotar, desde que preenchidos os requisitos do art. 39 e seguintes do mesmo diploma legal. E o art. 43, ECA, preceitua que: "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos". Assim sendo, o 74 que deve prevalecer é o interesse o do menor, desde que não haja nenhum tipo de impedimento. A única objeção que poderia ser suscitada seria face aos termos do art. 29 do ECA: “Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado”. Contudo, ressalte-se que esta não só se aplica aos homossexuais bem como aos heterossexuais. O comportamento desajustado do candidato à adotante é que poderá levar ao indeferimento da adoção. Para tanto é que existem entrevistas e estudos psicológicos. Como bem expõe Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, deve-se levar em conta alguns questionamentos, entre eles: Qual a conduta pública assumida pelo pleiteante à adoção? Leva vida promíscua? Assume atitudes de confronto com a opinião da maioria da população?[...]? Como se conduz a respeito dos seus relacionamentos afetivos, em especial no tocante às demonstrações públicas e locais de 82 freqüência etc.? (sem grifo no original). Na visão de Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, o melhor a ser feito, é utilizar a regra expressa no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como expõe o próprio: Penso ser esta a regra de ouro da Adoção, Instituto que gera laços de parentesco definitivos, [...] servindo de fonte auxiliar para se verificar se os efeitos da medida serão realmente benéficos para o destinatário primário da _____________ 81 BRASIL. Lei n. 10.460, de 10 de janeiro de 2002, art. 5º Disponível em: http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.069-1990?OpenDocument> Acesso em: 20 jul 2005 82 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1. ed.Curitiba: Juruá, 2003, p. 85. 75 norma, ou apenas [...] atende aos interesses, desejos e anseios do adulto. (sem grifo no original). 83 E para tanto, aconselha a seguir questões preponderantes que devem ser respondidas antes do deferimento ou não da medida: Quais as motivações que levaram à formulação do pedido? Existia outra alternativa melhor para criança/adolescente? Quais os benefícios espirituais 84 e materiais que o adotando terá com o deferimento da medida? Faz-se necessária uma análise minuciosa sobre o comportamento e a vida do adotante, para saber se: [...] eventualmente sua opção sexual pode ter alguma influência malévola sobre o adotando, seja diretamente, pela indução a que assuma a mesma orientação [...], seja para evitar que comentários de terceiros, chacotas, e piadas grosseiras não venham a causar traumas ou danos psicológicos ao 85 adotando. Esse também é o entendimento de José Luiz Mônaco: O que impedirá, pois, o acolhimento do pedido de colocação em família substituta será, na verdade, o comportamento desajustado do homossexual, jamais a sua homossexualidade. Assim, se ele cuidar e educar a criança dentro dos padrões aceitos pela sociedade brasileira, a sua homossexualidade não poderá servir de pretexto para o juiz indeferir a 86 adoção [...] pleiteada. [sem grifo no original] Ao recusar a adoção requerida por aquele que é inapto a cumprir com o poder familiar provindo da mesma, o Estado busca tão-só defender o direito a uma boa criação e desenvolvimento psico-físico-social da criança ou do adolescente. Ainda, citamos as palavras de Luiz Carlos de Barros Figuerêdo: _____________ 83 84 FIGUEIRÊDO,Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1.ed.Curitiba: Juruá, 2003, p. 91. FIGUEIRÊDO,Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1. ed.Curitiba: Juruá, 2003, p. 91 FIGUEIRÊDO,Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1. ed.Curitiba: Juruá, 2003, p. 86 86 SILVA, José Luiz Mônaco da. A família substituta no estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 1995, p.117 85 76 Por isso mesmo, a questão da irrevogabilidade da adoção impõe um maior rigor na análise de caso concreto, para minimizar riscos de erro, mas este aprofundamento do estudo deve ser sempre feito, indiferentemente de o 87 pretendente ser hétero ou homossexual, [...]. Em relação à adoção por apenas um homossexual, não há divergências entre os autores quanto à sua possibilidade, uma vez que não há qualquer óbice legal para tal, caso contrário se configuraria um ato de discriminação, quando o pretenso adotante preencher todos os requisitos estabelecidos na lei e tiver a adoção negada. Não havendo qualquer vedação, a quem quer que seja para adotar, qualquer pessoa pode, em tese, pleitear a adoção de criança e/ou adolescente, sendo a análise de seu pleito feita embasadas nas regras genéricas do art. 29 do ECA, e se levando em conta os atributos de preferência previstos nos parágrafos do art. 28 do mesmo Diploma Legal. A Constituição Federal proíbe toda e qualquer forma de discriminação, inclusive a decorrente da opção sexual. Entretanto, na ótica de Luiz Carlos de Barros Figueiredo88, “ser ou não preconceituoso decorre muito mais de uma carga intelectual do que da existência de uma norma jurídica vedando, permitindo ou estimulando determinada conduta”. Quando formulado o pedido de adoção por homossexual, o procedimento a ser adotado é idêntico ao formulado por heterossexual, no tocante aos requisitos do _____________ 87 FIGUEIRÊDO,Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1.ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 91. 77 art. 282 do CPC e 165 do ECA. Em seguida verifica-se o art. 19 do ECA (livre da convivência de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes). Posteriormente, a questão do ambiente familiar adequado, no entendimento de Luiz Carlos de Barros Figuêredo89, poderá de qualquer modo revelar incompatibilidade com a natureza da medida. Para ele: “as peculiaridades que possam eventualmente ser observadas no sentido de definir se a sua existência guarda relação com o fato de o pretendente ser homossexual, assim como se pela sua existência isto poderia ser prejudicial ao adotando”. Ante o exposto, e se partindo da premissa que inexiste proibição normativa à adoção por homossexuais, passa-se a tecer comentários sobre os pós e contras desse tipo de adoção, rebatendo-se todos os argumentos contrários apresentados pelos que se opõem a essa adoção por homossexuais. 5.4.1 Argumentos a favor da adoção por homossexual Aqueles que defendem a colocação em família substituta pelos que têm orientação sexual diversa da convencional agarram-se à ausência de proibitivo legal para tanto, como se consta dos posicionamentos a seguir apresentados. _____________ 88 FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2003. p. 84 89 FIGUERÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2003. p., 85. 78 Eis o entendimento de Edenilza Gobbo: O Estatuto da Criança e do Adolescente, que regula a adoção de menores, não faz restrição nenhuma, seja quanto à sexualidade dos candidatos, seja quanto à necessidade de uma família constituída pelo casamento como requisitos para adoção. [...] É evidente que a adoção por homossexuais é possível e também justa. Não se pode negar, principalmente àqueles que são órfãos, o direito de fazer parte de uma família, de receber proteção e amor. E esses atributos são inerentes à qualquer ser humano, seja ele 90 hetero ou homossexual. [sem grifo no original] Também compartilha desse entendimento Luiz Carlos de Barros Figueirêdo: Na minha opinião, nos limites constitucionais e legais atuais, configura-se que qualquer interpretação impeditiva de que alguém possa adotar fundada apenas em sua opção sexual é grosseiramente inconstitucional. [...] Embora pareça óbvio, é preciso que se registre que não existe nenhuma lei no país que vede ou restrinja que alguém possa adotar por ser homossexual, até porque seria ela inconstitucional, sem se falar que materializaria erro de percepção da realidade, na medida em que homens e mulheres homossexuais também podem gerar filhos biológicos. [...] Nesse sentido, e partindo da premissa da inexistência de norma proibitiva à adoção por homossexuais, cuido que a fórmula mais adequada para se interpretar a questão deva ser o afastamento do aspecto atinente à preferência sexual do pretendente e centrar a interpretação no interesse da criança adotanda, tal 91 como preconizado no art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente. [sem grifo no original] A questão de ter uma opção sexual diferente daquela dita como normal pela sociedade em nada desabona o candidato à adotante, a opção sexual é única e exclusivamente de interesse dele e isso não o faz menos capaz de adotar, o que tem que ser levado em conta é a situação moral, psicológica, financeira e social do candidato, além de prevalecer o interesse do menor. Conclui-se que quando um heterossexual ingressa com pedido de adoção, independentemente de seu estado civil, a autoridade judiciária competente determinará a realização de estudo social, que compreende avaliação por equipe _____________ 90 GOBBO, Edenilza. Adoção por casais homossexuais. Disponível em: <http//www.ambitojuridico.com.br/aj/dfam0006.htm>. Acesso em 05 ago. 2005 79 interdisciplinar, visitas e estágio de convivência, que atestarão a conveniência ou não do deferimento do pedido. 5.4.2 Argumentos contrários à adoção por homossexuais Aqueles que se posicionam contrários à adoção por pessoas homossexuais, utilizam-se de argumentos diversos, mas em sua grande maioria dizem respeito a questões morais e o perigo de dano ao desenvolvimento psicossocial do menor. Um dos primeiros argumentos é o que diz respeito ao receio de psiquiatras e psicanalistas de que as crianças possam vir a se identificar com o modelo dos pais, e consequentemente tornarem-se homossexuais. Outro argumento, no estudo feito por Luiz Carlos Figueiredo, é o relativo ao temor da população de que os homossexuais abusem sexualmente de seus filhos. A ciência, por sua vez, não levanta nenhum tipo de restrição a adoção por homossexuais, pois como demonstrado anteriormente, a homossexualidade não é mais considerada uma doença. Apesar dos juristas reconhecerem a inexistência de qualquer tipo de vedação legal à adoção por homossexuais, questões relativas à moral e ao receio de que o adotando não tenha um desenvolvimento psicossocial saudável, acabam por ocasionar o indeferimento do pedido de adoção. _____________ 91 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: a convenção de Haia e a normativa brasileira – uniformização de procedimentos. Curitiba: Juruá, 2002, p. 103-104. 80 O que não quer dizer que os homossexuais não adotem. Para obterem a medida pleiteada eles se utilizam os mais variados subterfúgios, alguns escondem sua orientação sexual, outros preferem a ‘adoção à brasileira’, registrando a criança como se filho biológico fosse, consubstanciando o crime previsto no art. 242 do Código Penal Brasileiro. 5.5 A possibilidade de adoção por parceiros homossexuais Adoção, segundo o ECA, somente será deferida quando apresentar reais vantagens ao adotando e fundar-se em motivos legítimos. Diante de tal preocupação do legislador com o bem-estar da criança, nenhum motivo existe para deixá-la fora do lar. Fazendo um comentário sobre o art. 42 da Lei 8.069/90, Carlos Eduardo Pachi92, argumenta que “o ECA liberalizou e facilitou o processo de adoção, permitindo que os maiores de 21 anos possam adotar, independentemente de seu estado civil”. Diverge desta posição, Camila Oliveira Borges, que comenta: [...] se tratando de adoção por casais homossexuais, muito embora não haja qualquer impedimento legal, essa adoção não seria possível porque o adotando teria um referencial desvirtuado do papel de pai e mãe, além de _____________ 92 CURY, Munir, Antônio Fernando do Amaral e Silva, Emílio Garcia Mendez. Estatuto da criança e do adolescente comentado. Comentários jurídicos e sociais. 4. ed. São Paulo: Pc Editorial, 2002. p. 146 81 problemas relacionados ao preconceito, acarretando, dessa forma, um risco 93 ao bem estar psicológico do menor. (sem grifo no original). Também entende, Sílvio Salvo Venosa, que: Os companheiros homossexuais ainda não reconhecidos como entidade familiar não podem adotar conjuntamente. Contudo, poderá o indivíduo homossexual adotar, dependendo da avaliação do juiz, pois nessa hipótese 94 não admite discriminação. Em havendo a possibilidade de adoção feita por um só dos parceiros, os eventuais direitos do adotado, alimento, sucessão, só poderão ser buscados em relação ao adotante, causando, dessa forma, prejuízo injustificável ao adotado, por não gerar direitos àquele que também tem como verdadeiro seu pai ou mãe. Tal limitação afronta à própria finalidade protetiva à criança e ao adolescente. Quanto à impossibilidade absoluta de parceiros homossexuais virem a adotar, Luiz Carlos de Barros Figuerêdo, é enfático ao se posicionar, in verbis: A Constituição em seu art. 226, §3º, reconhece como entidade familiar à união estável entre homem e mulher. Por mais estável que seja a união entre dois homens ou duas mulheres, não encontra amparo no atual ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que o projeto que pretende regulamentar os efeitos civis decorrentes de tais uniões venha a ser aprovado, nenhuma repercussão incidirá na questão da adoção. Primeiro, porque a própria lei a veda, expressamente. E segundo resta impossível que duas pessoas do mesmo sexo venham a procriar, estando, dessa forma, impossibilitados a imitar a natureza. Sem se falar em questões 95 colaterais que adviriam, com relação ao registro do menor. Com referência aos esses dois óbices suscitados por Luiz Carlos de Barros Figuerêdo, Maria Berenice tem um posicionamento extremamente diverso, in verbis: A adoção é um instituto com caráter de ficção jurídica, pelo qual se cria um vínculo parental que não imita a realidade biológica. O distanciamento da verdade também ocorre quando o registro é levado a efeito somente pela mãe, o que não quer dizer que o registrando não tem pai. O que é consignado, não espelha a verdade real, e, nesta linha não haveria _____________ 93 BORGES, Camila Oliveira. Aspectos polêmicos de direito de família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003, p. 123. 94 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direito de família. vol. 06. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p., 335. 95 FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 94. 82 impedimento para alguém ser registrado por duas pessoas do mesmo sexo. 96 Para se legitimar a adoção por parceiros homossexuais, os juristas vêem neste instituto uma possibilidade de crianças e adolescentes órfãos serem integrados a um lar, mesmo que estes não sigam as condutas estabelecidos como adequados, pela sociedade. 5.6 Proibição à adoção por parceiros homossexuais Muitos homossexuais escondem sua opção sexual e dessa forma lhes tem concedida à adoção ora requerida e, em muitas vezes levam os menores para o seio de suas famílias, constituída pelo adotante, seu companheiro e o adotado. O que se passa, é o pleitear de uma adoção por apenas um destes com o intuito de constituir uma família monoparental, o que na prática inexistirá, pois o adotado passará a conviver muitas vezes com a presença efetiva do outro parceiro homossexual. O Projeto de Lei nº 1151/95, que visa regularizar a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, apesar de ter levado mais de quatro anos para ser discutido e elaborado, não fez menção à possibilidade de parceiros homossexuais adotarem. No entanto, no substitutivo aprovado pela comissão de Constituição, Justiça e Redação, foi introduzido o § 2º ao art. 3º, que veda qualquer disposição sobre adoção, tutela e guarda de crianças ou adolescentes em conjunto. _____________ 96 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Livraria 83 Os parceiros homoafetivos chegaram a pensar na admissão desse direito no projeto, mas perceberam que tal poderia comprometer a aprovação do mesmo. Isso não quer dizer que abandonaram a idéia de ter filhos, pois estavam cientes de que a realização desse sonho, ainda é possível, pois o Estatuto da Crianças e Adolescentes não proíbe a adoção por solteiros. Admitir a adoção por apenas um dos parceiros homossexuais é o mesmo que submeter o adotado a uma loteria, pois o mesmo não terá nenhum direito à pensão alimentícia, direito sucessório ou relativo à pensão decorrente da morte daquele que não consta de seu registro, salvo se no caso de morte, existir testamento e não existirem herdeiros necessários, ou caso os haja, terá direito apenas à parte a qual lhe for imputada dentre os bens disponíveis do adotante, o que certamente acarretará injustificável prejuízo ao adotado, por não ter direitos em relação àquele que também tem como verdadeiro pai ou mãe. Alegar que a adoção para homossexuais significa condenar o adotado a viver durante toda a sua infância e adolescência sendo alvo de discriminações constantes, o que poderá fazer com o que o mesmo cresça traumatizado, inferiorizado e psicologicamente abalado, nada mais é, que tomar uma atitude antiquada, retrograda e totalmente sem solidarismo. Certamente os menores que vivem em um lar diferente do normal passarão por discriminações, que apesar de proibidas a nível constitucional, não se pode evitar. 84 CONCLUSÃO A adoção é um instituto que objetiva proporcionar a uma criança uma família capaz de educá-la e de oferecer a ela as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento como ser humano Entretanto, quando se trata de adoção por casais homossexuais, as opiniões se dividem. Como nosso ordenamento jurídico não reconhece a união homossexual como uma entidade familiar, o homossexual pode adotar como solteiro respeitando os requisitos da lei e passando pelo estudo psico-social como todos os outros interessados A grande maioria dos autores entende que o art. 1622 do Código Civil, impossibilita a concessão da medida, quando expressamente diz: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou viverem em união estável”. Entretanto, os jurisconsultos que defendem a possibilidade de adoção inclusive por parceiros homossexuais entendem que o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente não veda tal medida, portanto, não haveria qualquer óbice. Atualmente, alguns juristas acrescentam, que ainda que o Código Civil não autorize, prevalece o princípio da igualdade, de que todos são iguais perante a lei e proíbe qualquer discriminação, deve ocorrer a analogia das relações homossexuais com as heterossexuais, portanto, não haveria qualquer óbice. Outro argumento extremamente favorável para a adoção por homossexuais, refere-se ao aspecto sociológico da medida. Ante nossa dura e cruel realidade, em 85 que milhões de crianças encontram-se desamparadas, em situação irregular, abandonadas à própria sorte, estando sujeitas a todo e qualquer tipo de violência, a adoção, diante deste quadro, seria a solução para essas crianças. O fato de o adotante ser homossexual, não deveria servir de óbice para a adoção, pois prejudicaria fundamentalmente a criança, que deve ser protegida. O Judiciário não tem perquirido e nem pode questionar a orientação afetiva de um ser humano maior que deseja adotar, enquanto solteiro. Entretanto milhares de crianças e adolescentes brasileiros estão inseridos em famílias homossexuais compostas por dois pais ou duas mães (e não por um ou uma, somente). Adotados por somente um dos membros do casal homoafetivo. Este menor fica desprotegido juridicamente, para com uma série de direitos (a que teria direito), caso fosse filho, legalmente, de duas pessoas. Ante os direitos fundamentais do indivíduo e os objetivos do Estado Democrático de Direito, é possível a adoção por homossexuais, uma vez que não há qualquer impedimento legal. Atendidos todos os requisitos exigidos pela lei e que a medida apresente reais vantagens ao adotado, não há porque se negar à adoção para homossexuais, sob pena de cometer ato discriminatório em função da sexualidade do adotante. O que se faz necessário esclarecer é que a adoção é concedida somente para um dos parceiros e não a um casal homossexual, pois que no âmbito jurídico brasileiro, a adoção por uma única pessoa não sofre impedimento legal. Embora a lei não expresse a vedação à adoção por homossexuais, para o adotado, um casal homossexual é tido um não bom referencial, não por discriminação, mas por se 86 entender que a conduta sexual do adotante dirigirá o desenvolvimento sexual do adotado. Ainda não se reconhecem legalmente, no direito brasileiro, parceiros homossexuais. E diante de tal impedimento faz-se necessário respeitar as normas constitucionais e os ditames jurídicos já promulgados e positivados no ordenamento jurídico nacional e consuetudinário. Conseqüentemente, não sendo cabível a validade de conduta que a própria sociedade desaprova e que não se encontra respaldo legal para sua afirmação. 87 REFERÊNCIA ABREU, Domingos. No bico da cegonha: histórias de adoção e da adoção internacional no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Núcleo de Antropologia da Política, 2002. ADOÇÃO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. ALBERGARIA, Jason. Adoção plena: segundo o estatuto da criança e do adolescente. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. AZEVEDO, Álvaro Villaça. União homoafetiva-contratos garantem direitos de homossexuais. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/consultor juridico>. Acesso em: 3 de out. 2005. BEVILÀQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. BITTERCOURT, Edgard Moura. Família. 5. ed. Campinas: Millennium, 2003. 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Disponível em <www.jusnavegandi.com.br > Acesso em: 30 agos. 2005 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: Vara da infância e da juventude. Adoção. Disponível em: <http://www.tjdf.gov.br/tribunal/vij/adocao.htm#pedido >. Acesso em 10 set. 2005 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Direito de família. vol. 6. 3. ed. São Paulo Atlas, 2003. 91 ANEXO A – TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL Decisões Favoráveis 1. NUMERO: 70000992156 RELATOR: JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE DATA DE JULGAMENTO: 29/06/2000 ORGAO JULGADOR: OITAVA CAMARA CIVEL EMENTA: RELACOES HOMOSSEXUAIS. COMPETENCIA DA VARA DE FAMILIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO EM SOCIEDADE DE FATO. A COMPETENCIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO DE SOCIEDADE DE FATO DE CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO, E DAS VARAS DE FAMILIA, CONFORME PRECEDENTES DESTA CAMARA, POR NAO SER POSSIVEL QUALQUER DISCRIMINACAO POR SE TRATAR DE UNIAO ENTRE HOMOSSEXUAIS, POIS E CERTO QUE A CONSTITUICAO FEDERAL, CONSAGRANDO DISCRIMINACAO SEXUAL, SENDO DE PRINCIPIOS QUALQUER INCABIVEL, DEMOCRATICOS ESPECIE, ASSIM, DE PRINCIPALMENTE QUANTO A DIREITO, QUANTO SOCIEDADE PROIBE A OPCAO DE FATO HOMOSSEXUAL. CONFLITO DE COMPETENCIA ACOLHIDO (Grifou-se). (RECURSO: CONFLITO DE COMPETÊNCIA.97 _____________ 97 Brasil, Minas Gerais. Tribunal de justiça de Minas Gerais. 29 jun. 2000. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/>. Acesso em: 30 ago. 2005. 92 2. RECURSO: APELACAO CIVEL NUMERO: 598362655 RELATOR: JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE DATA DE JULGAMENTO: 01/03/2000 ORGAO JULGADOR: OITAVA CAMARA CIVEL EMENTA: HOMOSSEXUAIS. PEDIDO. E POSSIVEL O UNIAO ESTAVEL. PROCESSAMENTO E POSSIBILIDADE O JURIDICA RECONHECIMENTO DE DO UNIAO ESTAVEL ENTRE HOMOSSEXUAIS, ANTE PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CONSTITUICAO FEDERAL QUE VEDAM QUALQUER DISCRIMINACAO, INCLUSIVE QUANTO AO SEXO, HOMOSSEXUAL. E SENDO DESCABIDA JUSTAMENTE AGORA, DISCRIMINACAO QUANDO UMA QUANTO ONDA A UNIAO RENOVADORA SE ESTENDE PELO MUNDO, COM REFLEXOS ACENTUADOS EM NOSSO PAIS, DESTRUINDO PRECEITOS CIENTIFICA ARCAICOS, DA MODIFICANDO MODERNIDADE NO CONCEITOS TRATO DAS E IMPONDO RELACOES A SERENIDADE HUMANAS, QUE AS POSICOES DEVEM SER MARCADAS E AMADURECIDAS, PARA QUE OS AVANCOS NAO SOFRAM RETROCESSO E PARA QUE AS INDIVIDUALIDADES E COLETIVIDADES, POSSAM ANDAR SEGURAS NA TAO ALMEJADA BUSCA DA FELICIDADE, DIREITO FUNDAMENTAL DE TODOS. SENTENCA DESCONSTITUIDA PARA QUE SEJA INSTRUIDO O FEITO. APELACAO PROVIDA (Grifou-se).98 _____________ 98 Brasil, Minas Gerais. Tribunal de justiça de Minas Gerais. 01 mar. 2000. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/>. Acesso em: 30 ago. 2005. 93 3. 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro. MM. Juiz Siro Darlan de Oliveira. Autos n.° 97/1/03710-8 – Data do julgamento: 20/07/98".99 "Adoção cumulada com destituição do pátrio poder – Alegação de ser homossexual o adotante – Deferimento do pedido – Recurso do Ministério Público. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos, sente orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fatos de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação individual de homossexualidade constitucionalmente do garantida, adotante, não pode preferência servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido. (Ac. Um. Da 9ª CC TJRJ – Magalhães, AC 14.332/98 – j. 23.03.1999, Rel. Desembargador DJ/RJ 26.08.1999, Jorge p. de Miranda 269, ementa oficial)".(108) "Vistos etc.. (...) _____________ 99 PINTO, Flavia Ferreira. Adoção por homossexuais.10 out. 2003.Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669>. Acesso em:03 ago. 2005 94 O pedido inicial deve ser acolhido porque o Suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do encargo pleiteado, atestado esse fato pela emissão da Declaração de Idoneidade para Adoção que Ministério se encontra Público às contra fls. o qual 34, não com se o parecer insurgiu favorável no prazo do legal devido, fundando-se em motivos legítimos, de acordo com o Estudo Social (fls. 15/16 e 49/52) e Parecer Psicológico (fls. 39/41), e apresenta reais vantagens para o Adotando, que vivia há 12 anos em estado de abandono familiar em instituição coletiva e hoje tem a possibilidade de conviver em ambiente familiar (chama o Requerente de ‘pai’), estuda em colégio de conceituado nível de ensino religioso, o Colégio S. M., e freqüenta um psicanalista para que melhor possa se adequar à nova realidade de poder exercitar o direito do convívio familiar que a Constituição Federal assegura no art. 227. (...) A lei não acolhe razões que têm por fundamento o preconceito e a discriminação, portanto o que a lei proíbe não pode o intérprete inovar. 95 Decisões Desfavoráveis 4. TIPO DE PROCESSO: Apelação Cível NÚMERO: 70009888017 RELATOR: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves EMENTA: RELACIONAMENTO HOMOSSEXUAL. INEXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. 1. A união estável para ser reconhecida como entidade familiar, exige a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, inclusive com a possibilidade de sua conversão em casamento, o que não ocorre na espécie. 2. Não havendo sequer situação fática assemelhada a um casamento, sem que o par sequer tenha morado sob o mesmo teto, não há como reconhecer a pretendida união homossexual com o objetivo de estender-lhe desprovido, os por efeitos maioria. próprios de (Apelação uma Cível união Nº estável. 70009888017, Recurso Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/04/2005)100 5. TIPO DE PROCESSO: Apelação Cível NÚMERO: 70008898488 RELATOR: Arno Werlang _____________ 100 Brasil. Rio Grande do Sul. ago. 2005. Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 27 96 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE INCLUSÃO DE COMPANHEIRA DE BENEFICIÁRIA FALECIDA COMO DEPENDENTE PARA FINS DE PENSIONAMENTO. FUNDAMENTO Segunda RELAÇÃO LEGAL. Câmara HOMOSSEXUAL. APELO Cível, PROVIDO. Tribunal IMPOSSIBILIDADE. (Apelação de Justiça Cível do AUSÊNCIA Nº RS, DE 70008898488, Relator: Arno Werlang, Julgado em 15/12/2004101 6. REsp 502995 / RN ; RECURSO ESPECIAL 2002/0174503-5 Relator(a): Ministro FERNANDO GONÇALVES (1107) Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento: 26/04/2005 Data da Publicação/Fonte: DJ 16.05.2005 p. 353/ REVJUR vol. 332 p. 113 Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. 1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode _____________ 101 Brasil, Rio Grande do Sul. . 27 ago. 2005 Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php >. Acesso em: 97 configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. 2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade amigavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por parte dos familiares. 3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados - arts. 1º e 9º da Lei 9.278 de 1996, a homologação está afeta à vara cível e não à vara de família. 4. Recurso especial não conhecido. Relator: CARREIRA MACHADO Relator do Acordão: CARREIRA MACHADO Data do acordão: 10/08/2000 Data da publicação: 31/08/2000 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.182.046-3/00 - COMARCA DE UBERABA APELANTE(S): IVONE MARIA DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. CARREIRA MACHADO _____________ APELADO(S): GERSON TOSTA - 98 ACÓRDÃO (SEGREDO DE JUSTIÇA) Vistos etc., acorda, em Turma, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO. Belo Horizonte, 10 de agosto de 2000. DES. CARREIRA MACHADO - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS O SR. DES. CARREIRA MACHADO: VOTO Conheço do recurso. Próprio, tempestivo, e regularmente processado sem preparo por estar a Apelante sob o pálio da justiça gratuita. Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de fls. 99/101TJ que decidindo a presente ação ajuizada por Ivone Maria da Silva contra seu ex-companheiro Gerson Tosta, visando à mudança de guarda de seus filhos Jefferson da Silva Tosta e Rafael da Silva Tosta, de respectivamente 6 e 4 anos de idade, do pai para si, concedeu a guarda das crianças para os avós maternos Ana Maria Faria Silva e Juraci Lourenço da Silva e concedeu à Requerente tão- somente o direito de visita aos filhos, aos domingos, de 08:00 às 18:00 horas. Inconformada termos das com a razões referida de fls. sentença, 106/111-TJ, a Autora alegando, dela apelou, nos preliminarmente, nulidade da sentença, por ser "extra petita", uma vez que os avós maternos, a quem foi outorgada a guarda dos menores, não são partes no processo; que a sentença assim proferida foi de encontro ao que estabelecido nos artigos 2º e 128 do Código de Processo Civil; que não há por que retirar a guarda dos meninos de seus pais conferindo-a aos avós, e, no mérito, que nem o pai das crianças e nem os avós se 99 preocupam com tratamento o bem-estar médico, inclusive delas; de que Jefferson cirurgia, que necessita está pendente, de e somente ela, a mãe, se interessa por prestar-lhe esta assistência; que a sentença foi baseada em Estudo Psicossocial que demonstra ser por demais frágil, já que traz em si uma grande carga de preconceito; que sempre demonstrou ser digna de ter em sua companhia os filhos menores, cuja guarda lhe foi retirada por erro do Estado, que lhe privou indevidamente da liberdade, porém, desde que saiu da cadeia, não fez outra coisa senão buscar o bem-estar de seus filhos; que tanto o pai das crianças como os avós maternos estão usando os menores apenas para vingarem-se de sua opção sexual. A preliminar de nulidade da sentença não vinga. A presente ação resveste-se de condições especialíssimas, uma vez que está em jogo a situação presente e futura de duas crianças, de 06 e 04 anos de idade, e o que se deve levar em conta é a segurança, educação e bem-estar deles, não podendo, por isto, prender-se a questões demasiadamente formais. Estabelece o artigo 3º da Lei 8.069, de 13 de julho de 1.990 Estatuto da Criança e do Adolescente, que "A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades desenvolvimento físico, e facilidades, mental, moral, a fim de lhes espiritual e facultar social, o em condições de liberdade e de dignidade." O acurado exame dos autos conduz ao entendimento de que os pais dos menores não tem condição de tê-los sob sua guarda. Colhe-se do Estudo Psicossocial levado a efeito, a fls. 35, que (...) Verificou-se que a dinâmica familiar atual é comprometida, devido a vivência de relações não instituídas e aceitas socialmente - fatores 100 que evidenciam conflitos e rancores aparentes entre seus membros, os quais são favoráveis à conduta passiva do Sr. Gerson e desfavoráveis à conduta instituinte da Sra. Ivone que assume uma relação de caráter homossexual perante a família e a comunidade inclusive sob "violência doméstica (com espancamentos) praticada pela companheira - conforme denúncia de seus familiares". Assim, a r. sentença foi proferida em conformidade com a inteligência do contido no artigo 33 da Lei nº 8.069/90, que estabelece em seus §§ 1º e 2º que: "§ 1 - A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros. § 2 - Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados." Com estas razões, nego provimento ao recurso, e mantenho íntegra a r. sentença apelada, por estes e seus próprios e jurídicos fundamentos. Custas "ex lege". O SR. DES. ALMEIDA MELO: VOTO A vida da mãe dos menores é tumultuada e inconveniente para os menores. A rigor, a sentença não alterou a situação de fato. Rejeito a preliminar e nego provimento à apelação. SÚMULA : REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.102 _____________ 102 Brasil, Minas Gerais, Uberaba. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação cível nº 000.182.046-3/00 - apelante(s): Ivone maria da silva - apelado(s): gerson tosta - relator: exmo. sr. des. carreira machado - comarca de uberaba. 10 ago.2000. diário de justiça [da] república federativa do Brasil, Uberaba, MG, 31 ago. 2005. Disponível em: < http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/juris_resultado.jsp?comrCodigo=&ano=&txt_processo=&dv=&complemento=&tipoTribunal=1&acordaoEmenta=acordao&pal avrasConsulta=ado%E7%E3o+por+homossexual&tipoFiltro=and&relator=0&dataInicial=&dataFinal=08%2F09%2F2005&dataAcordaoInicial=&dataAcordaoFi nal=08%2F09%2F2005&resultPagina=10&pesquisar=Pesquisar>. Acesso em: 30 ago. 2005 101 LUCIANA GOMES LIMA Adoção na Relação Homoafetiva Brasília 2005 102 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA GRADUAÇÃO EM DIREITO ADOÇÃO NA RELAÇÃO HOMOAFETIVA Aluno: Luciana Gomes Lima Orientador: Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz BRASÍLIA 2005