CAPA AGRONEGÓCIO: ONDE O BRASIL É GRANDE Sem a contribuição da agricultura e da pecuária, a balança comercial do País estaria em uma situação crítica. O que é preciso para que as conquistas do campo não sejam corroídas pela crise econômica FOTOS: THINKSTOCKPHOTOS Por André Vargas 23 CAPA O cenário de recessão e incerteza que afeta a economia brasileira só encontra alento na agricultura e na pecuária. Apesar das críticas a velhos problemas estruturais e quedas nas exportações, é no campo que o Brasil se ampara. O saldo comercial brasileiro só esteve positivo cerca de R$ 700 milhões no acumulado entre julho de 2014 e julho de 2015 graças ao agronegócio, que representou mais da metade de tudo que foi produzido em solo nacional no período. A contribuição decisiva do setor rural na economia brasileira tem sido possível graças aos sucessivos ganhos de produtividade obtidos nas décadas anteriores e à modernização na gestão. É isso que permite a produtores de grãos do Mato Grosso e oeste da Bahia acompanhar a cotação de commodities nas Bolsas de Valores de Chicago ou de Pequim. No mundo globalizado, o agronegócio é que faz o Brasil ser uma potência. Como é de se esperar, quando o País vai mal, o setor agrário também oscila. No segundo trimestre de 2015, o PIB agropecuário registrou índice negativo de 2,7%. Felizmente, o primeiro trimestre havia sido de fartura, com um crescimento de 4,8%. As variações se devem à sazonalidade das safras, mas Nos últimos 14 anos, com um crescimento de 50% na área cultivada no Brasil, a produção agropecuária saltou 234% Produção Brasileira de Grãos Produção (milhões de ton.) 208.8 Se tivéssemos a mesma produtividade de 1990/91 seriam necessários mais 69 milhões de hectares Área (milhões de ha) 193.6 (1990/91 a 2013/14) De 1990/91 a 2013/14: A PRODUÇÃO cresceu 234% Enquanto a ÁREA cresceu 50% 57 58 58 FONTE: CONAB. NOTA: *11O LEVANTAMENTO – SAFRA 14/15 – AGO./2015 14/15* 10/11 05/06 00/01 95/96 90/91 38 também à cotação de preços Brasil, vão manter seus preços no mercado internacional – e, reais acima dos níveis de 2007. claro, à taxa de câmbio. No se- A experiência dos produtores gundo trimestre, esses fatores se brasileiros e essas perspectisomaram de forma perversa para vas justificaram as sucessivas o resultado das exportações dos ampliações dos Planos Safra, produtos brasileiros. E há moti- que em 15 anos cresceu mais vos para acreditar que o cenário de dez vezes. Hoje os recursos não será dos mais favoráveis no somam R$ 187,7 bilhões, em futuro. As projeções da Orga- 2000 eram R$ 16,05 bilhões. nização para a Cooperação e Para o presidente do LIDE Desenvolvimento Econômico Agronegócios, coordenador (OCDE) e da Organização das do Centro de Agronegócios da Nações Unidas para a Alimen- Fundação Getulio Vargas (GV tação e Agricultura (FAO) para Agro) e ex-ministro da Agricul2015 e os próximos dez anos tura, Roberto Rodrigues, o setor apontam para uma tendência deve ser menos afetado pela de os preços agrícolas se situ- crise por estar mais atrelado arem abaixo da média de 2008 ao mercado mundial, porém a 2014, porém acima da média há o complicador cambial. anterior a 2007. “Quem plantou com o dólar Não é o cenário ideal, mas é a US$ 2,70 pode colher com melhor do que projetam os ana- a moeda a US$ 3,20 ou mais. listas mais pessimistas. De acor- Em reais, isso compensa, mas do com esse estudo, a soja e a como será em 2016, na próxicarne, dois dos carros-chefe do ma colheita?”, diz Rodrigues. Plantação de laranja no interior paulista: os recursos do Plano Safra cresceram mais de dez vezes em 15 anos 25 CAPA Governo amplia o Plano Agrícola Pecuário ELZA FIÚZA/AGÊNCIA BRASIL Para conseguir aumentar em 50 milhões de toneladas a produção agrícola e em 8 milhões de toneladas a produção de carnes até 2025, o governo não descuida dos investimentos no agro. Apesar do quadro geral de recessão, os recursos para o Plano Agrícola e Pecuário 2015/2016 (PAP) foram ampliados em 20%, em relação ao ano anterior. Nos últimos 15 anos, esse valor aumentou dez vezes. A explicação é simples. De acordo com o Ministério da Agricultura, cada real investido pode gerar R$ 3,03. Se contratados em sua totalidade, os R$ 187,7 bilhões destinados ao PAP até meados de 2016 poderão adicionar algo como R$ 568,7 bilhões à economia brasileira. Se no passado recente o agro foi uma aposta firme para a criação de superávit, agora servirá para reduzir os efeitos da expectativa Ministra da Agricultura, Kátia Abreu: firme na negociação com o colega Joaquim Levy de baixo crescimento do PIB. No lançamento do PAP, no início de agosto, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, citou, falando à presidente Dilma Rousseff, que a negociação com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi fundamental. “O último ministro da Fazenda a entrar no Ministério da Agricultura foi Delfim Netto, senhora presidenta, porque (ele) era ministro das duas pastas”, afirmou. O foco principal dos recursos será para a produção de alimentos e insumos. Dos R$ 187,7 bilhões, irão para custeio e comercialização R$ 149,5 bilhões, ficando R$ 38,2 bilhões para investimentos. Os limites de financiamento aumentaram em 8%, podendo destinar a cada produtor até R$ 1,2 milhão para custeio e R$ 2,4 milhões para comercialização. O Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) vai receber R$ 18,9 bilhões, um aumento de 17% em relação ao ano anterior. As taxas de juros, que sempre preocupam os produtores e poderiam inibir as safras, oscilarão entre 7% e 8,75% ao ano, abaixo da Selic, para faturamentos até R$ 90 milhões. As taxas para o Pronamp ficaram em 7,75% ao ano para custeio e 7,5% ao ano para investimento. O programa de modernização da frota de máquinas agrícolas, o Moderfrota, terá juros anuais de 7%, enquanto o programa de inovação tecnológica, o Inovagro, 7,5%. Já a taxa para empréstimos da agricultura empresarial ficou em 8,75%. Ele acredita que, mesmo com desacelerações nos países emergentes da Ásia, onde a renda per capita cresceu 2,5 vezes em poucas décadas, as vendas de commodities não cairão de forma acentuada. Um alívio para quem produz e exporta soja, café e proteína animal. “A demanda por alimentos vai continuar em alta no mundo”, diz Antônio Alvarenga, presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA). Alvarenga afirma que no médio e longo prazo o Brasil pode sair ganhando, mas que o momento é de incerteza. Determinados segmentos, como carnes, celulose e madeira, irão ganhar com a alta do dólar, já os plantadores de grãos perderão na compra de insumos importados e diante de uma eventual queda no câmbio. Para o momento, o presidente da SNA defende uma mudança de mentalidade por parte do governo, a começar pelo enxugamento do aparato estatal, como o Ministério da Agricultura absorvendo a pasta da Pesca e parte Desempenho do Comércio Exterior Brasileiro (US$ bilhões) BALANÇA COMERCIAL DO AGRONEGÓCIO 96.8 90.9 Exportações Importações 80.1 Saldo 75.6 39.03 34.2 -4.8 -16.6 -15.3 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15* SALDO COMERCIAL BRASILEIRO 80.1 Agronegócios 75.6 Outros Setores Saldo Total Brasil 34.2 33.8 0.7 Os R$ 187,7 -0.4 -3.9 bilhões de reais destinados ao PAP até meados de 2016 poderão adicionar algo como R$ 568,7 bilhões à economia brasileira -74.9 -84.1 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15* FONTES: MAPA E MDIC. *NOTA ACUMULADO ÚLTIMOS 12 MESES (JULHO/2014 A JUNHO/2015). ELABORAÇÃO: GV AGRO 27 CAPA Exportações do Agronegócio Produtos 2004 (US$ 39,0 bi) Complexo Soja - 25,7% Produtos Florestais - 17,1% Carnes - 16% Açúcar e Etanol - 8,1% Couros e Peleteria - 7,4% Café - 5,3% Fumo e Produtos - 3,7% Cereais - 2,3% Demais - 14,3 2014 (US$ 96,8 bi) Complexo Soja - 32,5% Carnes - 18% Açúcar e Etanol - 10,7% Produtos Florestais - 10,3% Café - 6,9% Cereais - 4,8% Couros e Peleteria - 3,6% Fumo e Produtos - 2,6% Demais - 10,7 FONTE: MAPA. ELABORAÇÃO: GV AGRO 28 Exportação de grãos no porto de Paranaguá (PR): demanda por alimentos continuará alta no mundo do Desenvolvimento Agrário. “A parte do fomento tem que ficar com a Agricultura, sem políticas assistencialistas. Eles precisam ir ao mercado para crescer”, diz. Ele cita o caso do município de Lucas do Rio Verde, município do Mato Grosso com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), formado por pequenos agricultores da região Sul que migraram para o Cerrado. Hoje o local é grande exportador de soja e milho. Se isso já ocorreu no passado, na abertura da fronteira agrícola do Cerrado, pode acontecer novamente, desde que as políticas públicas adotadas para o agronegócio sejam acertadas. Até 2018 ou 2019, o governo quer incluir cerca de 800 mil produtores rurais na classe C. Dos 5 milhões de produtores rurais do País, 3,5 milhões estão nas classes D e E. O esforço vai envolver, sobretudo, capacitação técnica, com ação conjunta de órgãos federais, universidades e a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). Pode parecer um sonho ambicioso. A história mostra que é possível torná-lo realidade: nos últimos 14 anos, a produção de alimentos no Brasil saltou 234%, mesmo com um crescimento de 50% na área cultivada. Fazer mais gente plantar melhor, portanto, não é impossível. Em outro campo, a eminente queda de barreiras sanitárias e fitossanitárias pode permitir ao País ampliar suas exportações, principalmente de carnes, para o Bloco Europeu, Rússia, Estados Unidos, Índia, Japão, Arábia Saudita e Malásia. “Há no Brasil uma capacidade de gestão, com jovens ativos e preparados, com nível superior, que não existe em outros países. Não vemos isso na Europa e Ásia”, diz Roberto Rodrigues. Anúncio