edição 1 • ano 1 • março 2012
distribuição gratuita
da PUC ao
josé eduardo cardozo
Ministério
entrevista Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código Comercial
escritório Pinheiro Neto Advogados
Sapientia Faça parte da Associação de Alunos e Ex-alunos
artigos Crimes de trânsito com motoristas embriagados
Dez anos do Código Civil
e mais...
sumário
C a r ta d o e d i t o r
P U C e m p a u ta
r e t r o s p e c t i va
profissão
escritório
Perfil
e n t r e v i s ta
áreas do direito
caderno de ideias
3 Carta aos puquianos
5 PUC na sua totalidade
9 Inovações jurídicas
14 Ministério Público: essencial à justiça
20 Pinheiro Neto Advogados
28 José Eduardo Cardozo: da PUC ao Ministério
40 Fábio Ulhoa Coelho: Um novo Direito Comercial
50 Mercado financeiro e de capitais
59 Artigos
60 Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – eireli
alunos
Livros
associação sapientia
edição 1 • ano 1 • março 2012
Manoel de Queiroz Pereira Calças
68 Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico
Cláudio Finkelstein | Julia Schulz
72 Os 10 anos do Código Civil sob a óptica civil constitucional
Renan Lotufo | André Guimarães Avillés
76 O Supremo Tribunal Federal e o plebiscito para
desmembramento de Estado-membro
Felipe Penteado Balera
80 Crimes de trânsito com motoristas embriagados:
culpa consciente ou dolo eventual?
Christiano Jorge Santos
86 Reflexão sobre a questão urbana brasileira
Juliana Somekh
90 Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias
Natália Pincelli
96 O Direito enquanto veículo: a trajetória de uma jornalista
100 Estante Fórum Jurídico
102 PUC além das salas de aula
Coordenadora Editorial
de Matérias
Raquel Arruda Soufen
[email protected]
Coordenadora Editorial
de Artigos
Clara Pacce Pinto Serva
[email protected]
Vice-Coordenadora Editorial
de Artigos
Isabela Cassará
[email protected]
Editores de Matérias
Editores de Artigos
Ana Carolina Di Giacomo
[email protected]
André Avillés
[email protected]
Luiz Guilherme Rossi
[email protected]
Julia Schulz
[email protected]
Luis Gustavo Dias
[email protected]
Mylena Pesso de Abreu
[email protected]
Otávio Bressan
[email protected]
Rodrigo Yves Favoretto Dias
[email protected]
Financeiro e Marketing
Guilherme Garcia de Oliveira
[email protected]
Colaboradores
Ana Carolina Saad, Bruno Matos Ventura,
Paula Sandoval, Sérgio Pinheiro Marçal
Projeto gráfico e direção de arte
Raquel Matsushita
Produção e diagramação
Juliana Freitas / Entrelinha Design
www.entrelinha.art.br
ASSOCIAÇÃO DE ALUNOS E EX-ALUNOS
DA FACULDADE DE DIREITO DA PUC-SP
Diretor-Presidente
Filipe Facchini
[email protected]
Diretor Financeiro
Guilherme Garcia de Oliveira
[email protected]
Diretor Executivo
Luis Gustavo Dias
[email protected]
Associe-se
[email protected]
realização
Nota aos leitores
As opiniões expressas nos textos são de seus
autores e não necessariamente da revista Fórum
Jurídico ou da Associação Sapientia de Alunos e
Ex-alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP.
Tiragem: 4.000 exemplares
Publicação semestral
2
Fórum j urí di co
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É proibida a reprodução ou transmissão de qualquer
parte desta publicação em qualquer formato
ou através de qualquer meio, seja eletrônico
ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou
qualquer sistema de armazenamento e recuperação
de dados, sem autorização prévia por escrito.
foto da capa
Adriano Machado | Ag. IstoÉ
expediente
Editor-Chefe
Filipe Facchini
[email protected]
c a r ta d o e d i t o r
F i l i p e F a cc h i n i
Carta aos
puquianos
A criação de um
vínculo entre
alunos e ex-alunos
Após 65 anos de história, é inegável a força
que a nossa PUC-SP conquistou no mundo
jurídico. Ela formou inúmeros juristas renomados e profissionais de destaque em todos
os ramos do direito. Independentemente da
área que os alunos escolham seguir, a PUC
sempre forneceu o diferencial que os distingue dos demais.
Confesso que já reclamei muito de algumas coisas aqui dentro, das mais diversas e, durante muito tempo, não percebi a
marca que a PUC deixa em cada um dos
seus alunos. Ao ingressar na Faculdade, em
minha primeira aula de Processo Civil, o
professor Roberto Armelin, antes mesmo
de se apresentar, nos disse “Parabéns! Vocês
estão na melhor Faculdade de Direito do
país”. Aquilo me deixou pensativo. Certamente temos professores incríveis e uma
excelente avaliação do mercado de trabalho,
porém ainda não conseguia enxergar esse diferencial. Hoje, no 5º ano, percebi que essa
diferença existe, sim, em todos nós. Alguns
podem perceber mais rápido, outros sequer
notam até que se formem, mas a verdade é
que essa Faculdade nos transforma.
Essa mudança, entretanto, acontece de
forma distinta em cada um de nós. O grande
número de situações a que somos expostos
na PUC nos adapta de maneiras diferentes.A
única coisa que posso garantir é que sempre
será uma mudança para melhor, que nenhu-
F ó r u m ju r í di co
3
c a r ta d o e d i t o r
Brasão da nossa recém-fundada Associação
Sapientia de alunos e
ex-alunos da Faculdade de
Direito da PUC-SP
F i l i p e F a cc h i n i
ma outra faculdade pode oferecer. Aos que
ainda não conseguiram perceber, podem
aguardar, esse diferencial sempre aparece e
fará com que você crie um amor pela Pontifícia. A razão da minha certeza se deu quando - trabalhando para criar nossa recém-fundada Associação Sapientia - fui recebido
por todos os ex-alunos, com os quais tive o
prazer de conversar, com os braços abertos
e imensos sorrisos que diziam “Finalmente
vou poder retribuir à Faculdade que tanto
fez por mim”.
A revista Fórum Jurídico, com corpo
editorial formado apenas por alunos da graduação, é a primeira das inúmeras contribuições que a Associação Sapientia trará. Aqui,
mostraremos à Nação Puquiana o porquê
das palavras do professor Armelin: Essa é a
melhor Faculdade de Direito do país!
Boa leitura!
Filipe Facchini
Editor-Chefe
4
Fórum j urí di co
f a cu l d a d e p a u l i s t a d e d i r e i t o
arquivo fórum Jurídico
P U C e m pa u ta
Pátio da cruz, no centro do "prédio velho"
PUC na sua totalidade
Esta seção se presta a mostrar ao estudante de direito da
PUC-SP como aproveitar os mais diversos aspectos da vida na
faculdade. Festas, viagens, esportes, política e estudos
Ana Carolina Di Giacomo e Clara Pacce Pinto Serva
Fundada em 10 de outubro de 1945, com a
denominação de “Faculdade Paulista de Direito”, tem o dia 22 de agosto de 1946 como o
marco de sua criação, pois somente nessa data,
com a junção com as Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras de São Bento, passou a ser considerada universidade pelo Governo Federal.
A titulação “Pontifícia” foi concedida pelo
Papa Pio XII somente em 1947, sendo incluída no nome da faculdade. Um ano depois, em
1948, foi instalada a sede da universidade na Rua
Monte Alegre, com a doação de um terreno e
uma capela pelas Irmãs Carmelitas. A Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo tem o histórico de mais de 65 anos de luta pela democracia e pela justiça brasileira.
Uma das características da formação profissional do Direito PUC-SP é o estímulo ao
pensamento crítico, à curiosidade, ao debate e
à luta por um ideal. Desde o início, o curso
de Direito foi formador de grandes pensadores
políticos, que se destacaram na história brasileira, principalmente durante o período da ditadura militar.
F ó r u m ju r í di co
5
P U C e m pa u ta
arquivo fórum Jurídico
Assim, mais do que profissionais qualificados,
o nosso curso busca formar cidadãos que fazem e
farão a diferença na sociedade brasileira. Para tanto, a Pontifícia busca incentivar pesquisas, monitorias, iniciações científicas e intercâmbios para os
estudantes, e pós-graduação stricto sensu (mestrado
e doutorado) e lato sensu (especialização).
Há, ainda, espaços como a Atlética e o Centro Acadêmico, que permitem uma convivência
mais intensa do aluno na faculdade.
Nesta seção da revista Fórum Jurídico buscaremos informar aos alunos, em cada uma das
próximas edições, os detalhes de cada um dos
institutos que brevemente descrevemos aqui,
com algumas de suas características.
f a cu l d a d e p a u l i s t a d e d i r e i t o
CENTRO ACADÊMICO
Os estudantes de direito da PUC-SP têm como
entidade representativa o Centro Acadêmico 22
de Agosto, atuante desde agosto de 1947. Figurou, no período da Ditadura Militar, como grande
defensor da democracia em nosso país, zelando
pelos Direitos Fundamentais, hoje transcritos na
Constituição Federal de 1988. Não obstante, teve
papel relevante em movimentos como o Diretas
Já e Fora Collor. No âmbito da PUC-SP, visa assegurar os direitos dos alunos, por meio do acesso
pleno e igualitário à universidade. Promove, ainda,
palestras e outros eventos.
Além disso, o CA preza pela chamada Assistência Judiciária 22 de Agosto, que presta serviços gratuitos nas áreas cível e penal, proporcionando a assistência individual e apoiando a
organização comunitária na defesa de direitos.
Os mandatos do Centro Acadêmico duram
um ano, ocorrendo eleições sempre ao final do
segundo semestre. À frente da gestão atual está
o Grupo Disparada, formado inicialmente para
atuar nos Conselhos da Faculdade (leia mais nas
próximas edições), mas cuja atuação se estendeu à
política acadêmica.
6
Fórum j urí di co
ATLÉTICA
A nossa Atlética, mais conhecida como AAA,
traz uma forma mais descontraída de se envolver com a vida na universidade. Ela planeja algumas das festas mais conhecidas no meio
universitário, como a Advogado do Diabo e a
Alphorria, além dos tão esperados Jogos Jurídicos Estaduais.
A Atlética também é responsável por organizar e viabilizar treinos de todas as modalidades
esportivas, que ocorrem semanalmente no período da noite ou nos finais de semana.
Para mais informações, entre no site www.
aaa22deagosto.com.br ou procure um representante da Atlética.
BATERIA 22
Além da participação na Atlética, a vida na
universidade pode se tornar ainda mais descontraída com o envolvimento na Bateria.
Inicialmente com a famosa “Baronesa”, agora
com inúmeras outras músicas cantadas por to-
Segundo andar, onde fica
quase todo o curso de
Direito. Na página ao lado,
rampa que leva à saída da
Rua Monte Alegre
dos os alunos em festas e nos JJEs, a Bateria 22
é a representante da musicalidade da faculdade.
Para tanto, são programados ensaios toda semana,
oficialmente aos sábados, às 14 horas, no Monumento às Bandeiras.
Para fazer parte da Bateria 22, compareçam
aos ensaios!
Mais do que profissionais
qualificados, o nosso curso
busca formar cidadãos que
fazem e farão a diferença na
sociedade brasileira
INTERCÂMBIO
O intercâmbio possibilita a troca cultural e
acadêmica. Em um mundo cada vez mais globalizado e integrado, complementar um curso
de graduação no exterior significa uma grande oportunidade para crescer pessoal e profissionalmente.
Pensando nisso, a PUC-SP firmou convênios
com algumas das melhores instituições de ensino superior (IES) ao redor do mundo, e criou
a Divisão de Cooperação Internacional – ARII,
que faz a intermediação entre as IES e o aluno.
Assim, aquele que tiver interesse em participar de um intercâmbio, depois escolher a
instituição que melhor corresponda às suas
expectativas, deverá se inscrever na pré-seleção da ARII, observados os requisitos específicos de cada edital. Uma vez aprovado o
candidato, os critérios a serem analisados são:
um segundo idioma (se a IES for de língua
estrangeira), mediante avaliação; rendimento
escolar; conclusão de, no mínimo, dois anos de
curso; e, por fim, aprovação em uma entrevista.
A oportunidade compreende a possibilidade
de fazer cursos e estágios no exterior, realizando um estudo comparado e aprendendo outro
método de ensino.
Para mais informações, acesse o site www.
pucsp.br/arii, da Divisão de Cooperação Internacional – ARII.
F ó r u m ju r í di co
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P U C e m pa u ta
f a cu l d a d e p a u l i s t a d e d i r e i t o
Capela da PUC na
Rua Monte Alegre
arquivo fórum Jurídico
Depois de aprovado o projeto, deve haver a
entrega de parte da pesquisa no prazo de seis
meses e a iniciação pronta será entregue no prazo de um ano. Depois disso, haverá a apresentação do estudo no dia do Encontro de Iniciação
Científica, momento em que ela será apresentada oralmente e por meio de cartazes, e passará
pela análise de professores e alunos.
Assim como a Monitoria, a Iniciação Científica pode ou não ser remunerada. Dentro da
Pontifícia, existem as modalidades PIBIC-CEPE, PIBIC-CNPq e PIBIC (sem fomento).
Descubra mais no site da PUC: www.pucsp.br/
iniciacaocientifica.
A Monitoria é o primeiro
passo para aqueles que
desejam lecionar no futuro
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
Para aqueles que se interessam e querem estudar um determinado assunto, a universidade
possibilita fazer sua primeira monografia: a Iniciação Científica. O aluno escolhe um tema, não
necessariamente de direito, conversa com um
professor da PUC para que ele seja seu orientador e apresenta um projeto, que é um resumo
da matéria e das diretrizes do que será estudado.
8
Fórum j urí di co
MONITORIA
A Monitoria é o primeiro passo para aqueles
que desejam lecionar no futuro.
É uma atividade técnico-didática, na qual o
aluno auxilia um professor na correção e elaboração de seminários, além de instruir outros
alunos em seus trabalhos e ajudar na resolução
de questões práticas complexas propostas em
sala de aula.
A monitoria pode ser realizada de maneira voluntária, apenas com o consentimento
do professor, ou de maneira oficial, podendo,
nessa modalidade, ser remunerada. Nesse caso
é preciso fazer um requerimento ao final do
semestre na Secretaria da Faculdade de Direito, o qual será deferido apenas se o aluno tiver
completado os créditos da matéria, com média
de, no mínimo, 8,0.
Um monitor ganha experiência na sala de aula
e na proximidade com o professor, acrescentando um diferencial em seu currículo. Por isto, esse
pode ser um passo importante em sua carreira. n
retrospectiva
Inovações jurídicas
Balanço semestral
O direito, mais especificamente a lei posta, altera-se constantemente
para acompanhar os avanços da sociedade. No último semestre de
2011, muitos foram os fatos que modificaram a forma como tratamos
o direito. Assim sendo, como um meio de fazer uma retrospectiva
desses fatos, elencamos algumas leis, decisões e acontecimentos que
ocorreram de julho até dezembro de 2011
Raquel Soufen
Direito
Comercial
Lei no 12.441, DE 11/7/2011.
Alterou o Código Civil, possibilitando a constituição da
chamada Empresa Individual
de Responsabilidade Limitada
(eireli). Presente em muitos
ordenamentos estrangeiros, a
eireli surgiu no Brasil para suprir uma lacuna no ordenamento jurídico nacional. Esse novo
instituto resume-se à possibilidade de constituição de
pessoa jurídica com um único titular, que não poderá ser
responsabilizado por dívidas
da eireli. Mesmo sem expressa proibição na legislação, a
possibilidade de constituição
de eireli por pessoa jurídica
é controvertida e foi proibida
pelo DNRC. Confira mais sobre
a eireli na página 60.
Direito Administrativo
Lei no 12.462, de 4/8/2011. Criada para suprir a necessidade de
um procedimento licitatório diferenciado em virtude dos grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Foi instituído e disciplinado o Regime Diferenciado
de Contratações Públicas – RDC. Entre outras inovações, esta lei
permitiu a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários, bem como alterou a organização da Presidência da República e dos Ministérios, criando a Secretaria de Aviação Civil.
Direito Previdenciário
Lei no 12.470, de 31/8/2011. Esta Lei modificou o Plano de
Custeio da Previdência Social, de modo a instituir alíquota diferenciada de contribuição para o microempreendedor individual e para o segurado facultativo sem renda própria, desde
que pertencente a família de baixa renda e com dedicação exclusiva ao trabalho doméstico na sua residência. Foi incluído
no rol de dependentes o filho ou o irmão que tenha deficiência
intelectual ou mental, e foram alteradas as regras do benefício de prestação continuada de tais indivíduos. Por fim, ficou
determinado que o salário-maternidade da empregada do microempreendedor individual será pago pela Previdência Social.
F ó r u m ju r í di co
9
retrospectiva
Direito Penal
05/09/2011 – Na decisão do Habeas Corpus 149.250, a
Quinta Turma do STJ considerou ilegais as investigações
da Operação Satiagraha promovida pela Polícia Federal,
por abuso de poder na obtenção de provas pela Agência
Brasileira de Inteligência (Abin). Foram, portanto, anulados todos os procedimentos decorrentes dessa operação, inclusive a ação penal contra o banqueiro Daniel
Dantas, do grupo Opportunity, inicialmente condenado
por corrupção ativa. Foi interposto Recurso Extraordinário, que aguarda julgamento.
Inovações jurídicas
Direito
Comercial
12/09/11 – Publicado no DJE, a Segunda Seção do STJ, no julgamento
do REsp 1.197.929, decidiu que instituições financeiras têm responsabilidade objetiva em caso de fraudes
cometidas por terceiros e devem, por
conseguinte, indenizar as vítimas
dos fatos fraudulentos, como no caso
de abertura de contas ou obtenção
de empréstimos mediante o uso de
identificação falsa. O STJ considerou
que as fraudes dessa espécie seriam
riscos do empreendimento, e, portanto, fortuitos internos.
Direito do Trabalho
Lei no 12.506, de 11/10/2011– Esta Lei dispôs sobre novas regras para a contagem do prazo de
aviso prévio. Agora, os empregados que tiverem trabalhado por até um ano na mesma empresa terão
direito ao aviso prévio de 30 dias, e aqueles que trabalharam por tempo maior do que esse período
terão direito ao acréscimo de 3 dias por ano trabalhado, até o limite de 90 dias. Por exemplo, no caso
de um empregado que está há 4 anos na mesma empresa, ele terá direito aos 30 dias referentes ao
primeiro ano trabalhado, somado aos 9 dias referentes aos outros três anos de serviço prestado,
resultando em um período de aviso prévio de 39 dias.
Direito Civil e
Constitucional
25/10/2011 Data do julgamento – Decisão do REsp
1.183.378 , da Quarta Turma do STJ. Pela primeira vez, foi
dado provimento a um recurso que habilitou duas mulheres
ao casamento civil. O STJ seguiu, portanto, o entendimento
consolidado pelo STF no primeiro semestre de 2011sobre o
reconhecimento da união estável homoafetiva.
10
Fórum j urí di co
Direito Constitucional
26/10/2011 – O Pleno do STF decidiu, por unanimidade, negar provimento ao Recurso Extraordinário nº. 603.583-RS, ao defender a constitucionalidade do exame da OAB. Assim, foi definido
Direito Comercial
04/11/11 – Publicada no DJE. No julgamento do REsp 884.346, o colegiado do STJ determinou que o terceiro de boa-fé que receber e apresentar antes da data combinada cheque
pós-datado – conhecido popularmente como pré-datado – não terá a obrigação de indenizar
o emitente por danos morais caso este sofra algum prejuízo. O STJ se posicionou nesse sentido,
pois entende que a pactuação extracartular da pós-datação tem validade apenas entre as partes da relação jurídica original, não vinculando terceiros estranhos ao pacto.
Direito Tributário
28/10/2011 – Dje – O Plenário do STF deferiu o pedido de medida liminar em Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4661
MC/DF), para suspender o art. 16 do Decreto
7.567/2011, que conferia vigência imediata
às alterações da Tabela de Incidência do
Imposto sobre Produtos Industrializados
(TIPI). As mais impactantes alterações se
resumem na majoração das alíquotas do
Imposto Sobre Produtos Industrializados
(IPI) sobre operações envolvendo veículos
automotores importados e a diminuição das
alíquotas do imposto incidente sobre automóveis fabricados no Brasil. O STF decidiu,
portanto, que deve ser aplicado o princípio
da anterioridade nonagesimal ao Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI).
que o exame não é limite ao exercício da profissão, e sim um
atestado de conhecimentos jurídicos. Afirmou-se, ainda, que
o exame da OAB não viola o princípio da isonomia, e que, apesar de outras profissões não possuírem tal obrigatoriedade, a
Constituição não comporta qualquer vedação à aplicação de
exames dessa espécie.
Direito
Constitucional
Lei no 12.527, de 18/11/2011.
Regulou os procedimentos
específicos a serem observados pela Administração Pública sobre o direito básico de
acesso à informação previsto
no inciso XXXIII do art. 5º, no
inciso II do § 3º do art. 37 e
no § 2º do art. 216 da Constituição Federal, respeitando o
princípio da publicidade, mas
excetuando o sigilo. Por meio
de tais mudanças, qualquer
cidadão tem o direito de solicitar informações de interesse
público, sem necessidade de
prova de interesse específico.
Sob pena de responsabilidade,
o agente público não poderá
ser omisso ou se recusar a
prestar as informações.
F ó r u m ju r í di co
11
retrospectiva
Inovações jurídicas
Direito Comercial
Lei no 12.529, de 30/11/2011. Essa lei alterou a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência –
SBDC, especificamente no que se refere à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e a
economia sadia. Tal norma ainda reorganizou as competências dos órgãos que integram o SBDC, como, por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Das várias modificações introduzidas por essa lei, a
mais relevante delas é a exigência da análise prévia das fusões e aquisições entre empresas pelo CADE, que, até
então, era feita somente após a consumação da fusão.
Direito Comercial
Lei no 12.543, de 08/12/2011. O Conselho Monetário Nacional, por meio desta lei ordinária, ficou autorizado a estabelecer
condições específicas para negociações com contratos derivativos – contratos nos quais são estabelecidos pagamentos
futuros através de um valor-base referente à uma variável –
com objetivo de administrar a política monetária e cambial.
Outra novidade trazida pela Lei 12.543 foi a necessidade de registro desses contratos pelo Banco Central ou pela CVM, como
meio de dar maior publicidade à negociação. Por fim, tal lei ainda definiu a incidência do IOF sobre os contratos derivativos.
Direito Constitucional
Dje 02/12/2011 – O STF, ao julgar procedente
a ADI 4274/DF proposta pelo Procurador-Geral
da República, interpretou o § 2º do art. 33 da
Lei no 11.343/2006 de maneira a restringir o
entendimento e excluir os debates públicos
e as manifestações que visem à descriminalização do uso de drogas, como a “Marcha da
Maconha”, das sanções impostas pela lei. Tal
posicionamento foi tomado com base nos
direitos constitucionais de reunião e livre expressão do pensamento.
Direito Tributário
Lei 12.546, de 14/12/2011. Como uma forma de fomentar
a exportação, o fisco fornece às empresas exportadoras a
possibilidade de obterem créditos tributários pelo pagamento de certos tributos, que poderão ser utilizados na compensação com outros tributos devidos. Contudo, atualmente
esse procedimento sofre limitações legais e depende de
grande burocracia. Para tentar solucionar esse problema e
incentivar as exportações, foi sancionada a Lei no 12.546,
de 2011, que criou o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários (REINTEGRA), com o objetivo de permitir a
devolução de créditos tributários às empresas exportadoras
de produtos manufaturados no país.
12
Fórum j urí di co
Mundo Jurídico
19/12/2011 Posse da nova ministra do
STF, Rosa Maria Weber. Ela ocupará a cadeira deixada pela ex-ministra Ellen Gracie, que se aposentou em agosto. Rosa
Maria Weber era ministra do Tribunal
Superior do Trabalho, onde ingressou em
2005, por indicação do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. n
profissão
P r o cu r a d o r e p r o m o t o r
Ministério Público: essencial
à Justiça
Isabela Cassará e Ana Carolina Di Giacomo
Segundo Vidal Serrano Júnior e Luiz Alberto
David de Araujo,1 a denominação “Ministério”
teria vindo da palavra manus, que era figura representativa da “mão” do rei. Ministério Público
(MP) seria, então, por definição, figura relacionada com um apêndice do Estado, que exerceria o
poder de representá-lo. Dessa forma, no período
colonial, orientado pelo direito português, o Brasil ainda não tinha o Ministério Público como
instituição. Assim, em 1521, as Ordenações Manuelinas, que fiscalizavam o cumprimento e a
execução da lei juntamente com os Procuradores dos Feitos do Rei, citaram o papel do promotor de justiça, que deveria ser alguém letrado
e bem entendido para saber espertar e alegar as
causas e razões para lume e clareza da justiça e
inteira conservação dela.
Assim, após cinco séculos, no período da
República, a Constituição Federal de 1988 faz
referência expressa ao Ministério Público no
capítulo “Das funções essenciais à Justiça”, conceituando-o e definindo as funções institucionais, as garantias e, finalmente, as vedações de
seus membros.
A Carta Magna, ao conceituar em seu artigo
127 o parquet como instituição permanente e
essencial à função jurisdicional do Estado, sendo responsável pela defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis, acabou por ampliar
a evidência do referido órgão na sociedade,
transformando a instituição em um braço da
população brasileira.
Fachada do prédio do Ministério
Público Federal, em São Paulo
1 ARAUJO, Luiz Alberto David; e NUNES JÚNIOR.Vidal Serrano – Curso de Direito Constitucional, 12 ed., Saraiva. p. 407.
arquivo fórum Jurídico
O Ministério Público – órgão
fundamental à manutenção
do Estado Democrático
de Direito e da Justiça –
apresenta-se como uma das
mais brilhantes e instigantes
carreiras do direito
14
Fórum j urí di co
A instituição Autônoma
Dessa forma, a Carta de 88, considerando
o Ministério Público como indispensável ao
Estado Democrático de Direito, estabeleceu
como suas funções institucionais o dever de
promover ação penal pública; exercer o controle externo da atividade policial; requisitar
diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Além dessas, com a Constituição, na área cível, o Ministério Público adquiriu novas funções, destacando a sua atuação na
tutela dos interesses difusos e coletivos, como
meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico; pessoa portadora de deficiência; criança
e adolescente; comunidades indígenas e minorias étnico-sociais, atribuições que ampliaram a
evidência do parquet na sociedade.
Os artigos 127 a 130 da Constituição estabelecem o rol de garantias tanto da instituição
como um todo, quanto dos membros do parquet.
Por meio delas, o Ministério Público passou a
gozar de autonomia funcional, administrativa,
financeira e iniciativa legislativa. Assim, o órgão
passou a ter autonomia para exercer suas funções sem precisar se reportar a qualquer órgão
de qualquer um dos três poderes. No mais, possui a garantia de exclusividade na propositura
de ação penal pública.
Quantos aos membros do parquet, eles possuem a garantia tríplice, como é conhecida. Em
outras palavras: os membros possuem as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.
Além dessas, possuem também a garantia de
serem organizados com exclusividade por carreira, sendo sua promoção voluntária, seja ela
por antiguidade ou merecimento.
Pela vitaliciedade entende-se que, após os
dois anos de estágio probatório, os membros do
MP só perderão o cargo por força de sentença
judicial transitada em julgado. A inamovibilidade reflete que um integrante do órgão não
pode ser movido contra a sua vontade, salvo
por virtude de expressa autorização da maioria
absoluta do Conselho Superior do Ministério
Público. Por fim, a irredutibilidade de subsídios
beneficia os membros do MP com a impossibilidade de redução salarial.
A CF de 88 também elenca restrições à carreira: fica proibido o exercício da política partidária, da advocacia e do comércio. Todas essas
Ministério
Público
MP da
união
MP dos
estados
MP
Federal
MP do
trabalho
MP
militar
MP do DF e
Territórios
F ó r u m ju r í di co
15
profissão
vedações surgiram em decorrência lógica da
necessidade de manter a imparcialidade do MP.
O art. 127 do mesmo Diploma elencou três
princípios institucionais que regem o Ministério
Público, quais sejam: a Unidade, a Indivisibilidade e a Independência Funcional. O primeiro determina que os membros do MP integrem esse
órgão como um todo, agindo individualmente,
sob a direção de um Procurador-Geral. O princípio da indivisibilidade, por sua vez, esclarece
que não há vínculo entre seus membros e os
processos em que atuam, admitindo, pois, a substituição de um Procurador por outro. Por fim, o
princípio da Independência Funcional esclarece
que não há hierarquia funcional entre os membros do Ministério Público, sendo ele um órgão
independente no exercício de suas funções.
Os artigos 127 e 129 da Carta Magna de 88
indicam as duas formas de atuação do Ministério Público: na condição de órgão agente (parte) ou como interveniente (como custus legis).
Atuar como parte significa agir na qualidade
de autor da ação, o que representa um grande
avanço na Justiça Especializada, a fim de exercer
a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
P r o cu r a d o r e p r o m o t o r
Os direitos difusos são aqueles que ultrapassam a esfera de um único indivíduo, referindo-se a pessoas indeterminadas; quando
respeitados, atingem uma coletividade. Os direitos coletivos, por sua vez, são aqueles de natureza indivisível e se referem a um grupo de
pessoas conectadas por uma relação jurídica
entre si ou com a parte contrária, sendo os sujeitos indeterminados, porém determináveis.
Por fim, os direitos individuais homogêneos
dizem respeito a pessoas que, embora indeterminadas a priori, poderão ser determinadas
posteriormente (e cujos direitos são ligados
por um evento de origem comum), em consequência de um direito de origem comum.
A fim de dar maior especificidade ao trabalho e de maneira a promover uma melhor
administração, o Ministério Público foi divido
em dois: o Ministério Público Estadual (MPE)
e o Ministério Público da União (MPU). Este
último é, por sua vez, subdividido nas seguintes áreas: Federal (MPF), do Trabalho (MPT),
Militar, e do Distrito Federal e dos Territórios.
Há, ainda, o Ministério Público de Contas, que
exerce suas funções junto ao Tribunal de Contas da União.
Arquivo Fórum Jurídico
‘
Como essência, o MP
é a instituição em defesa
da sociedade contra o
arbítrio do próprio Estado.
Pedro Henrique Demercian
Pedro Henrique Demercian é mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997), onde
atualmente ministra aulas no curso de graduação e pós-graduação lato sensu (COGEAE). Demercian é também Procurador de
Justiça Criminal no Ministério Público do Estado de São Paulo, e assessor da Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo no
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais.
16
Fórum j urí di co
Voc
Os membros do mpe são divididos,
ês
abi
a?
de acordo com o respectivo grau de
jurisdição, em promotor de justiça,
procurador de justiça e procurador-geral
de justiça, como chefe do mp.
O MPU tem como chefe o Procurador-Geral
da República, que é nomeado pelo Presidente
da República escolhido entre os membros da
carreira para um mandato de dois anos. Para alcançar tal cargo, o candidato deve ter mais de
35 anos completos e ser aprovado por maioria
absoluta no Senado Federal.
O Ministério Público Estadual e o do Distrito
e Territórios, por sua vez, têm como chefe a figura
do Procurador-Geral da Justiça, o qual é nomeado pelo Chefe do Poder Executivo local, que o
escolhe com base numa lista tríplice elaborada pelos próprios membros das respectivas instituições.
O Ministério Público do Trabalho integra o
Ministério Público da União, por força do art.
128 da Constituição Federal de 88, atuando especificamente perante a Justiça do Trabalho, visando à defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
As funções do Ministério Público só podem
ser exercidas por integrantes da carreira do MP,
com residência na Comarca da respectiva lotação,
salvo autorização do Chefe da Instituição, o Procurador-Geral de Justiça ou da República.
O ingresso na mencionada carreira far-se-á
mediante concurso público de provas e títulos,
Trabalhar no Ministério Público,
instituição fundamental a
manutenção do Estado Democrático
de Direito, da sociedade e da justiça,
é um grande atrativo
assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se
do bacharel em direito três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem
da classificação.
O requisito
As atividades jurídicas consideradas como
experiência são computadas a partir da obtenção do diploma em Direito e incluem o
exercício da advocacia, inclusive voluntário,
com a participação anual mínima em cinco
atos privativos de advogado; exercício do cargo, emprego ou função (incluindo magistério
superior) em que se utilizem preponderantemente conhecimentos jurídicos; exercício da
F ó r u m ju r í di co
17
profissão
Você
P r o cu r a d o r e p r o m o t o r
?
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sa
Os membros do mpu são divididos,
de acordo com o respectivo grau de
jurisdição, em procurador da República,
procurador regional da República
e procurador-geral da República, que é
chefe do mp da União.
função de conciliador em tribunais judiciais,
juizados especiais, varas especiais, anexos de
juizados especiais ou de varas judiciais, de
mediador ou árbitro em litígios, pelo período
mínimo de 16 horas mensais e durante um
ano; estágio após a conclusão do curso; cursos de pós-graduação concluídos, com um
ano de duração e carga horária de 360 horas-aula; atividade jurídica em cargos, empregos
ou funções não privativas de advogado mediante certidão circunstanciada.
A título de curiosidade, conforme o edital2
do último concurso do Ministério Público do
Estado de São Paulo, o salário inicial para os
ingressantes nesta carreira era de R$ 19.643,80
(dezenove mil, seiscentos e quarenta e três reais
e oitenta centavos).
Destaca-se que os membros do MP podem
vir a se tornar Desembargadores ou Ministros
2 http://concursosde2011.com/concurso-ministerio-publico-sp-2011.html
18
Fórum j urí di co
do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça. Isso por conta do chamado “quinto constitucional”, previsto no art. 94
da Constituição Federal, que é assim denominado, pois prevê que um quinto dos membros
dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais
de Justiça deverá ser composto por membros
do Ministério Público. Para tanto, o candidato
deverá ter mais de dez anos de carreira e ser indicado para esses tribunais numa lista com seis
outros membros.
Diante do exposto, podemos concluir que
a instituição do Ministério Público é fundamental tanto para a manutenção da sociedade
quanto da Tripartição dos Poderes e, finalmente, do Estado Democrático de Direito.
No mais, além das diversas possibilidades de
formas de atuação, o Ministério Público acaba
por ser uma ótima opção para os bacharéis em
direito que desejam seguir carreira pública,
pelas garantias e pela remuneração propiciadas
aos seus membros. n
escritório
Pinheiro neto advogados
Advocacia de
tradição
No ano em que completará seu 70o
aniversário, o escritório Pinheiro Neto Advogados
mantém-se como uma das bancas mais
admiradas e respeitadas da América Latina
Raquel Soufen
Ao lado, chapéu e
maleta que pertenciam
a J. M. Pinheiro Neto
20
Fórum j urí di co
Pinheiro Neto Advogados
teve sua origem na moderna
concepção de escritório de advocacia que existia nas firmas
britânicas. Seu fundador, José
Martins Pinheiro Neto, que
foi correspondente jornalístico
da BBC em Londres durante a
Segunda Guerra Mundial, ao
retornar ao país, utilizou como
base o modelo das firmas na
Inglaterra para criar no Brasil o
conceito full-service para o setor.
Fundado em 1942, Pinheiro
Neto Advogados é reconhecido
como um dos maiores e mais
tradicionais escritórios de advocacia da América Latina, tendo
crescido de maneira orgânica,
sem fusão ou associação, diferente da maioria dos escritórios
de advocacia brasileiros.
Com o passar dos anos, o escritório passou a adotar algumas
das ideologias de seu fundador,
que incorporou ao modelo princípios básicos, tais como o aprimoramento constante dos profissionais, o escritório estar acima
de qualquer sócio, o dinheiro
não ser o objetivo e o lucro ser só
uma consequência.Apesar de ter
se afastado do escritório em meados dos anos 2000, os princípios
que ele trouxe ainda fazem parte
do escritório.
Equipe e renovação
O escritório conta hoje com
uma equipe formada por 78 sócios, 10 consultores, 265 advogados, 103 estagiários e 56 paralegais. Apesar de seu tamanho,
não perde a qualidade, seus profissionais estão entre os mais bem
qualificados do mercado e são
presenças constantes em publica-
F ó r u m ju r í di co
21
Fotos: arquivo Pinheiro neto advogados
escritório
Pinheiro neto advogados
Réplica da sala do fundador, localizada no museu do escritório
O grande diferencial do
Pinheiro Neto é que o
nosso crescimento é
baseado totalmente na
capacidade de crescer
organicamente. Um
estagiário aqui é visto
como um futuro sócio
22
Fórum j urí di co
ções jurídicas como Chambers &
Partners e Who’s Who Legal.
Na opinião do advogado Alexandre Bertoldi - sócio gestor
do Pinheiro Neto - existe uma
pressão interna para que os advogados constem em publicações desse tipo, pois elas fazem
com que haja uma percepção
mais realista do profissional. “O
importante dessas publicações é
que, via de regra, o próprio mercado, isto é, uma percepção externa - e não interna - faz com
que você seja ou deixe de ser citado”, opina Bertoldi.
Um motivo de orgulho para
o escritório é o fato de que não
só os sócios são mencionados,
mas a cada ano mais associados
são citados em publicações assim. O Pinheiro Neto entende
que o fato dos associados constarem nessas publicações é um
reconhecimento de que está
no caminho certo. “Um escritório que não se renova e que
fica sempre fossilizado, girando
em torno das mesmas pessoas,
pode ir muito bem no presente,
mas, no longo e médio prazo,
ele tende a decair. O fato de ter
sempre essa renovação mostra
que nós estamos criando o Pinheiro Neto do futuro.”
Plano de carreira
O plano de carreira do Pinheiro Neto é muito bem de-
em dia, 95% dos atuais advogados e sócios do escritório foram
estagiários da firma. “O grande
diferencial do Pinheiro Neto
é que o nosso crescimento é
totalmente baseado na capacidade de crescer organicamente, um estagiário aqui é visto
como um futuro sócio.”
É justamente pelo fato de
prezar pela formação do indivíduo que o Pinheiro Neto, no
momento da seleção de estagiários, não escolhe apenas os indi-
víduos que tenham o currículo
recheado de experiências, ou
que tenham profundo conhecimento na área em que atuarão.
O aprimoramento do estagiário dentro do escritório é o
ponto mais importante para o
crescimento dele com base nos
padrões desejados.
Entretanto, o sócio gestor
do escritório destaca que se
leva em consideração o interesse, curiosidade e dedicação
da pessoa: “Serão dois anos
Plano de carreira
consultores
finido e tem por base a meritocracia. Bertoldi relata que “a
partir do momento em que a
pessoa se torna estagiário aqui,
literalmente só dependerá dela,
porque nós temos um plano de
carreira que é completamente
previsível. A pessoa pode ter
mais sorte ou mais azar, pode
acontecer algo que torne o
caminho mais difícil, como a
quebra da bolsa de Nova Iorque, mas normalmente o caminho já está traçado”.
O escritório possui uma política de não contratar profissionais formados no mercado. “Na
verdade, o Pinheiro Neto busca
formar o indivíduo.” Esse ideal
de investir em seus estagiários é
antigo, motivo pelo qual, hoje
sócios
Categorias de
associados seniores
Categorias de
associados plenos
Categorias de
associados juniores
assistentes jurídicos
auxiliares jurídicos
Estagiários
F ó r u m ju r í di co
23
escritório
Pinheiro neto advogados
Sede em SP
A qualidade dos
profissionais é
sem dúvida um dos
maiores atrativos
do escritório,
motivo pelo qual ele
está rotineiramente
presente nas
grandes negociações
24
Fórum j urí di co
bem interessantes, já que o
estagiário terá contato direto com a prática, vai conviver
com pessoas que têm bastante
experiência, vai trabalhar em
casos interessantíssimos e vai
ficar eufórico quando aquela
operação em que ele está trabalhando aparecer na primeira
página da Folha ou do Estado
de São Paulo. Basicamente, tem
que ser uma pessoa curiosa, que
queira e esteja interessada”.
A efetivação dos estagiários
acontece no início do quinto
ano da faculdade, como forma
de aliviar os alunos da pressão
do final do curso, cumulada
com os estudos para a prova da
OAB e a luta por uma vaga no
local de trabalho.
O investimento em formação profissional que a firma
tem como política começa
dentro do próprio escritório:
o Pinheiro Neto oferece inúmeros cursos, e para cada promoção existe um número de
créditos que deverão ser cumpridos. Além disso, o escritório
oferece bolsas de estudo para
pós-graduação no Brasil ou
até mesmo LL.M. em universidades do exterior, tais como
Harvard, Stanford e Columbia.
Aprimoramento profissional
O LL.M. é muito incentivado pelo escritório: os advogados costumam ficar dois anos
fora do país, no primeiro ano
cursando o LL.M. e no segundo trabalhando em um escritório estrangeiro. Com essa experiência, além de se aprimorar
profissionalmente, o advogado
também agrega valores no as-
Deck do escritório no RJ
pecto pessoal e passa a saber
como lidar com situações com
as quais não está acostumado.
A qualidade dos profissionais
é, sem dúvida, um dos maiores
atrativos do escritório, motivo
pelo qual ele está rotineiramente presente nas grandes negociações. Algumas das recentes
operações foram as fusões das
empresas de varejo Casas Bahia
e Pão de Açúcar e das empresas
aéreas LAN e TAM.
Responsabilidade Social
Além dos inúmeros casos e
da rotina de trabalho o escritório nunca deixou de ajudar a
comunidade a que pertence. O
escritório sempre teve, ainda na
época do fundador, José Martins Pinheiro Neto, instituições
que ajudava, quando ainda nem
era comumente empregada a
denominação ONG.
O Pinheiro Neto investe
em causas sociais com foco
em educação, saúde, cultura,
meio ambiente, entre outras,
pois acredita que em um país
como o Brasil é impossível fugir da responsabilidade social.
Dessa forma, foram criados
projetos de incentivo socioambiental, entre os quais se
destacam a limpeza do rio Pinheiros, com o projeto Pomar,
e a revitalização do centro de
São Paulo. Hoje o Pinheiro
Neto possui uma Comissão
de Reponsabilidade Social
que lidera tais iniciativas, com
Alguns Prêmios do Escritório
Who’s Who Legal
Chambers & PartnersAnálise AdvocaciaPrêmio DCI
•“Firm of the Year”
(2006-2010)
• “Brazilian Firm of the
Year” (2009-2011)
•Único escritório
brasileiro a figurar na
lista dos 70 principais
escritórios de
advocacia do mundo
•“Latin American
Firm of the Year”
(2009-2010)
• Sete vezes
•“O mais admirado
seguidas eleito
escritório de
o escritório
advocacia do Brasil”
de advocacia
(2006-2011)
mais admirado
do Brasil
F ó r u m ju r í di co
25
escritório
Pinheiro neto advogados
Biblioteca localizada
no escritório de SP
apoio a diversos projetos, entre os quais podemos citar a
entidade Alfabetização Solidária, a TUCCA – Associação
para Crianças e Adolescentes
com Câncer e a Associação
Águas Claras do Rio Pinheiros. Para eles não se trata apenas de doar, mas de conseguir
o envolvimento das pessoas.
Para conhecer um pouco
e entender melhor o funcionamento do Pinheiro Neto,
acompanhe nossa entrevista
com Alexandre Bertoldi:
1) O Pinheiro Neto ocupa
posição de destaque entre os
grandes escritórios do Brasil há muitos anos. Geração
após geração não se pode
dizer que tenha havido desgaste. Qual o segredo para se
manter no topo?
26
Fórum j urí di co
É mais difícil se manter no
topo do que chegar ao topo.
Para chegar, se você tem algumas ideias, tem um norte,
uma estratégia e coerência na
execução da sua estratégia, eu
acho que você tem grandes
chances de alcançar o topo.
Mas manter-se no topo é
mais difícil, porque você passar a ser o alvo. Eu acho que
o segredo do escritório é ser
uma verdadeira sociedade entre iguais. O sócio que entrou
ontem e o sócio mais antigo,
numa assembleia de sócios, a
voz e o voto deles têm o mesmo peso. Eu acho que isso é
o que ajuda o escritório a se
manter no topo e, ao contrário de outros escritórios,
houve poucas cisões. A partir
dessa união dos sócios, e também pela filosofia de que o es-
critório é mais importante do
que cada um dos sócios, conquistamos coisas que não são
o interesse individual de cada
um, mas que são do interesse
da sociedade, e que acabam
por manter o escritório em
posição de destaque. Eu acho
que é a união entre os sócios
que faz disso uma verdadeira
sociedade. É tudo questão de
fazer bem-feito, e o dinheiro
é consequência disso.
2) O Pinheiro Neto atua em
praticamente todas as áreas
do Direito. Quais são as áreas
que, na opinião do escritório,
devem evoluir?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares para qualquer
escritório que quer se projetar nos próximos anos. O
Brasil não é um bom país
para fazer exercício de futurologia. É nítido que algumas
áreas atingiram uma maturidade. Outras áreas, até pelo
momento do país, que devem
crescer muito, são as áreas de
infraestrutura e financiamento de projetos, Project Finance, nas quais há muita coisa
a ser feita. Até hoje o Brasil
seguiu o padrão de que ou
é o capital privado que faz
o investimento direto, ou é
o BNDES que faz os gran-
Allex Ferreira
O advogado Alexandre
Bertoldi, sócio gestor do
Pinheiro Neto
des financiamentos. Eu creio
que na próxima fase muitos
desses projetos só serão criados com o financiamento do
mercado financeiro. Por isso,
calculo que a área de financiamento de projetos tende a
crescer muito nos próximos
anos. Acho que outra área que
tende a crescer muito, até pelas vicissitudes do judiciário, é
a área de arbitragem, porque
você não tem necessariamente
um processo mais barato, mas
você tem um processo mais
célere e existe a percepção de
que haverá uma decisão mais
bem informada, principalmente no que diz respeito a
questões mais sofisticadas.
3) O modelo workaholic das
grandes firmas não está na
contramão da atual discus-
são sobre equilíbrio entre
qualidade de vida e vida
profissional?
Creio que de uma certa maneira está sim. Esse modelo
clássico, adotado não só pelos
grandes escritórios daqui, mas
também pelos de fora, de Nova
Iorque, de Londres, é um modelo que precisa ser repensado.
Acho que muitas pessoas já não
se interessam pela possibilidade
de se tornarem sócias, que era
o grande atrativo. Muitas pessoas hoje em dia param e pensam “Não sei se quero a vida da
minha chefe”, que é uma vida
com muito pouco controle
sobre o seu horário, sobre sua
vida em geral. Por isso, creio
que devemos reinventar esse
modelo, pensar em alguma forma de fazer a pessoa trabalhar
aqui sem ter que se dedicar excessivamente ao escritório. Por
outro lado, se você está numa
grande operação nesses escritórios empresariais, não existe
a possibilidade de você olhar
no relógio e dizer “olha, são
18 horas e combinei de ir ao
cinema com a minha mulher,
vamos parar por aqui, amanhã
retomamos”, não é assim. Se
você está discutindo centenas
de milhões, às vezes bilhões de
dólares, o ritmo é intenso mesmo. Talvez tenhamos que criar
um modelo em que aqueles
que querem e estão dispostos a
trabalhar muito possam ter essa
vida, e aqueles que não querem
e desejam ter uma vida mais
previsível também consigam
um lugar no escritório, não
necessariamente atingindo o
mesmo resultado final.
4) Qual conselho o senhor
daria para os atuais estudantes de direito e estagiários?
É difícil dar conselho, porque
cada um é cada um. Mas meu
conselho genérico é: sejam
curiosos e sejam coerentes na
busca do que vocês querem.
Um grande erro que uma
pessoa faz é dizer que quer
uma coisa, mas as atitudes e
a maneira como ela se comporta não refletem isso. Então,
se você quer ser advogado de
um escritório grande, você
tem que saber o que o escritório espera de você. Não é
pelo dinheiro, você tem que
estar realmente convencido
do que quer. Da mesma forma, se a pessoa quiser ser um
promotor ou um juiz, ela tem
que saber que precisará estudar muitas horas. Em resumo,
não basta declarar uma intenção, é preciso fazer as escolhas
e tomar as atitudes para atingir
o seu objetivo. n
F ó r u m ju r í di co
27
perfil
28
Fórum j urí di co
José eduardo cardoZo
José Eduardo Cardozo:
da PUC ao
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Mi
Luis Gustavo Dias e Ana Carolina di Giacomo / Fotos: Allex Ferreira
O Ministro da
Justiça, José
Eduardo Cardozo
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perfil
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Tem
José eduardo cardoZo
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S
SOBRE O MINISTRO
O Ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, é formado
em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde é professor de Direito
Administrativo. Foi também na
Pontifícia que ele iniciou sua
carreira política e onde concluiu o mestrado. De 2003 a
2011 foi deputado federal pelo
Estado de São Paulo. Desde 1º
de janeiro de 2011, ocupa o
cargo de Ministro da Justiça.
30
Fórum j urí di co
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Mundo Político
Como é sua rotina de Ministro da Justiça?
Minha rotina é não ter rotina.
Tenho saído muito tarde do
Ministério. Houve dia em que
saímos às duas e meia da manhã, onze horas, meia-noite. E
é normal que seja assim, porque tratamos de muitos assuntos diferentes.
O Ministério da Justiça é um
dos ministérios mais curiosos. É o primeiro ministério,
e, portanto, possui atribuições
residuais, o que nos leva a tratar de muitos assuntos diferentes em um mesmo dia. Participamos em todas as relações
como o Poder Judiciário, do
ponto de vista da nomeação de
magistrados, do ponto de vista
de política judicial, inovações
legislativas etc. Temos “da Toga
à Tanga”. A toga dos magistrados e a tanga na Funai.
E isso é altamente complexo,
temos assuntos cotidianos muito pesados. E tudo isso exige da
parte do Ministro ou do Gabinete do Ministério uma atuação dedicada. Quase não se tem
rotina, tanto que, pela primeira
vez desde que comecei a dar
aula na PUC (iniciei em 1982),
tive que tirar licença. Permaneço dando aulas no curso de
especialização na Escola Paulista de Direito (EPD) ou coordenando. Isso porque, além da
questão financeira, gosto de dar
aulas e minha profissão é essa.
Por que não concorrer à reeleição para o terceiro mandato como Deputado Federal?
Fiz uma carta para todos os
meus eleitores dizendo que
não disputaria eleição naquele ano. Inclusive disse na carta
que enalteço e aplaudo aqueles que, pensando como eu,
partindo dos mesmos princípios, resolveram permanecer
disputando eleições. Depois de
dezesseis anos de parlamento e
cinco eleições, eu não me sentia mais à vontade para disputar um mandato proporcional
em um sistema como o nosso,
em que o financiamento de
campanhas é caríssimo.
A obtenção de recursos em
uma campanha para quem
se pauta pela ética é cada vez
mais constrangedora. Penso:
“não é justo; estou me comportando eticamente, com
decência, faço uma campanha espartana dentro daquilo
que existe” e sou tido muitas
vezes como culpado até que
provem o contrário?
Uma vez minha filha me perguntou se o nosso dinheiro
era roubado. “Como roubado?” eu questionei. E ela me
respondeu: “Não, papai, é que
na escola estão dizendo que
você é ladrão”. Na hora eu
respondi: “Filha, você vê que
eu trabalho, e que a sua mãe
trabalha”. Eu sempre fui parlamentar e sempre dei muitas
aulas, muitas. Porque gosto e
porque ganhava bem fazendo
isso. Aí, de repente, você chega em uma fase da vida e fala
“e ainda vão me chamar de
ladrão?” É complicado.
É o que eu digo, se o nosso
sistema político não passar por
uma reforma, ele não deixará
de ser expulsório de pessoas
que têm uma preocupação ética. Por isso respeito, admiro e
aplaudo as pessoas que permanecem na política pensando
como eu penso.
Um dos maiores enfoques da
sua política é o combate ao
tráfico de drogas. Por quê?
Umas das preocupações que temos no Ministério da Justiça é
a questão da segurança pública,
que foi definida pela Presidente
Dilma como o objetivo prioritário do Governo no combate à violência, e ao tráfico de
drogas. Esse é o eixo central em
que temos que intervir.
Sem sombra de dúvidas, o
tráfico de drogas, além de ser
uma mal em si, é um elemento
gerador de violência. Por isso,
temos de atacá-lo firmemente,
e para isso é necessário que se
desenvolvam políticas.
Então, colocamos tudo isso
como uma prioridade e já temos
desenvolvido algumas políticas
importantes: o plano de fronteiras, que realizamos em paralelo
ao Ministério da Defesa; o plano de modernização do sistema
prisional brasileiro; e o plano nacional de enfrentamento a drogas, que estamos fazendo junto
com o Ministério da Saúde.
Serão quatro bilhões investidos
até 2014, que envolvem segurança pública e saúde pública.
Temos também a campanha do
desarmamento, que representa
um ponto forte da nossa política de combate à violência,
tendo sido feita esse ano com a
arrecadação de mais de 35 mil
armas, muitas das quais são de
‘
É o que eu digo, se o
nosso sistema político
não passar por uma
reforma, ele não deixará
de ser expulsório de
pessoas que têm uma
preocupação ética.
F ó r u m ju r í di co
31
perfil
José eduardo cardoZo
grosso calibre. Tudo isso, nessa
perspectiva, de combate ao tráfico de drogas.
‘
Acredito que todo
órgão deva ser
fiscalizado. Porque
isso é uma premissa
da convivência do
Estado moderno.
32
Fórum j urí di co
Qual sua opinião sobre a polêmica do CNJ?
Sou e sempre fui favorável a
que todas as atividades funcionais, principalmente as atividades públicas, fossem fiscalizadas.
Essa é uma premissa básica do
Estado de Direito. É necessário
que o Poder tenha limites.
A ideia do limite ao poder
não é fácil de ser estabelecida.
E a fiscalização em relação aos
atos de arbítrio, o abuso de
poder, a essência desses limites também não é fácil de ser
estabelecida. Por isso acredito
que todo órgão deva ser fiscalizado. As pessoas do mundo público não podem temer
serem fiscalizadas, porque isso
é uma premissa da convivência do Estado moderno. Essa é
minha premissa.
Porque eu não tenho falado
dessa questão do CNJ? Pois,
como Ministro da Justiça,
qualquer referência que faça,
neste momento, implicaria
uma intromissão de um agente do Poder Executivo no Poder Judiciário.
Então, por essa razão, para que
não se qualifique nenhuma
situação de intromissão do
Poder Executivo em assuntos
do Poder Judiciário, é que eu
não tenho falado, nem posso
falar sobre o caso concreto,
sobre essa tensão que existe
na relação entre o CNJ com
entidade de classe da Magistratura ou com outros órgãos
jurisdicionais.
O senhor é favorável à união
estável homoafetiva?
Sou absolutamente favorável
ao reconhecimento da união
estável homoafetiva. Temos
que perceber que essas são
relações sociais que existem,
e são totalmente normais. Os
indivíduos não podem fechar
os olhos para elas e fingir
que não existem por conta
de preconceitos e discriminações. O reconhecimento
jurídico dessas uniões é de
suma relevância. Acredito ser
de grande importância para a
vida social moderna.
Uma das coisas que mais me
atinge como ser humano é o
preconceito, não há sentimento nem postura pior do que
ele. A palavra preconceito é
muito rica. Ela fala em pré-conceito, conceito prévio,
conceito que vem antes da
constatação da realidade. E,
por meio desse conceito prévio, pessoas não são tratadas
como seres humanos, não são
respeitadas em seus direitos,
são violentadas em situações
mínimas de convivência.
Esse tipo de preconceito deve
ser superado e uma forma de
fazê-lo é justamente perceber
que essas relações existem e
que devem ter sua eficácia jurídica reconhecida, ou seja, isso,
além de correto em si mesmo,
tem um elemento pedagógico-social muito importante.
Uma vez que induz as pessoas
a perceberem que as relações
humanas devem ser baseadas,
no que diz respeito à liberdade individual, naquilo que,
Uma da
s cois
as que
atinge
mais m
como s
e
er hum
ano é
o
há sen
, não
timent
o nem
pior d
postur
o que
a
ele
precon
ceito
obviamente, o indivíduo buscou como sua orientação.
Como vai ser a questão financeira e de infraestrutura
para a Copa?
No Ministério da Justiça temos a Secretaria da Copa e
também criamos a Secretaria
Especial de Segurança para
Grandes Eventos. Normalmente, a política de segurança
pública é feita pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública, mas os grandes eventos
(Copa do Mundo, Olimpíadas, Rio mais 20, Copa das
Confederações e a vinda do
Papa) têm exigido uma especial atenção.Especialmente
a Copa do Mundo em 2014,
porque exige muita infraestrutura, aeroportos e uma série de questões que estão sendo desenvolvidas pelas áreas
específicas. Mas, da nossa parte, há de ser garantida a segurança nos grandes eventos. Por
isso, temos um plano já fechado sobre a segurança nesses
casos. O objetivo é dar uma
excelente segurança na Copa
de 2014, mas também deixar
um legado, ou seja, deixar um
ganho de segurança pública
para a política comum.
Por que não foi feito isso
no Pan?
Esse é um dos grandes problemas. Acho que na questão
do Pan faltou uma amarração
mais forte com o legado, embora muita coisa tenha ficado. Por exemplo, o centro de
Comando e Controle do Rio
de Janeiro, que será um dos
grandes centros de comando e
controle que teremos na Copa
do Mundo, já está montado,
porque foi feito no Pan.
Agora, a Copa do Mundo tem
outra característica, são doze
cidades-sede, com características bastante diferenciadas.
F ó r u m ju r í di co
33
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José eduardo cardoZo
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Nós aprendemos com os erros e acertos do Pan, e vamos
projetar a política para que,
além de uma boa segurança,
deixemos um legado para a
segurança pública.
Falou-se na possível suspensão do CDC como exigência
da FIFA. Qual a sua opinião
sobre o assunto?
Há uma série de exigências
que acredito que devam ser
analisadas com bastante cuidado pelo Congresso Nacional. Existem diversas exigências, desde a criação de regras
processuais próprias até admitir a venda de bebidas nos
estádios, que nossa legislação
não permite. Há uma série
de questões que estão sendo
discutidas hoje no Congresso Nacional. E algumas delas
podemos aceitar. Mas também
não podemos mudar toda
nossa sistemática por causa de
um evento, quando a sistemática dá conta do recado.
34
Fórum j urí di co
O dinheiro dos “grandes
eventos” poderia ser investido de outra maneira?
O ganho é descomunal do
ponto de vista turístico e de
uma série de questões. Ou
seja, a Copa do Mundo é um
encontro esportivo com data
marcada, que vai obrigar a fazer
muitas obras que são necessárias
não só para a Copa do Mundo, mas também para a vida da
sociedade. A questão da mobilidade urbana, a questão da segurança e uma série de outras
questões serão promovidas com
data marcada, obrigando União,
Estados e Municípios a agirem
juntos, o que acho extremamente positivo.
Além de ser um evento esportivo que divulga o país,
que traz turismo, ele implica
gastos que geram construções
que ativam o mercado, mas,
além disso, deixa um legado
fantástico. Serão doze cidades-sede que terão os centros
de comando e controle. Isso
nos forçará, e já estamos pensando nisso, a colocar pequenos centros de controle em
outras cidades.
Portanto, a Copa do Mundo
é um evento com data marcada, que nos obriga a seguir um
cronograma que pode mudar
hábitos, que pode mudar rotinas, que pode trazer um resultado não apenas bom para os
eventos, mas bom para o país.
Acredito que esses eventos esportivos são muito bem-vindos.
E, com isso, acabamos deixando
um pouquinho as disputas políticas para as horas das eleições,
porque senão ninguém sobrevive do ponto de vista dos planos que devem ser feitos.
Então, hoje você vê os governadores preocupados com as
obras; questões dos transportes sendo enfrentadas em conjunto, coisas que não seriam
feitas se não tivéssemos hora
marcada para realizá-las.
Temos um problema seríssimo nos aeroportos e o que
está mobilizando toda a energia pra resolver é a Copa do
Mundo. Claro que iríamos
resolver o problema, mas sempre com aquelas desarticulações características.
Agora, temos que ter aeroporto até 2014. Tem que estar resolvido, não tem meio termo.
Então, isso é extremamente
interessante do ponto de vista
do desenvolvimento de políticas públicas.
Não seria melhor investir
em educação?
Temos que enfrentar a situação
da educação. Uma coisa não
desobriga a outra. Quando se
gera emprego, renda, ativa-se
a roda da economia do país e
isso reflete também em impostos e em uma série de situações que vamos desenvolver.
Educação é fundamental, mas
não se pode perder de vista outros lados, outras políticas que
também devem ser desenvolvidas. Deve-se enfrentar todas:
saúde, segurança pública, entre outras. Por exemplo, nesses
eventos internacionais, o Brasil
vai ter um despertar político
impressionante, que nunca teve.
Veja o Rio de Janeiro. Ele foi,
em certa medida, transformado pelo Pan. Será transformado pela Copa do Mundo. No
que se refere ao investimento
em turismo, temos um inves-
timento irrisório perto do
que países europeus realizam.
E podemos oferecer um turismo maravilhoso.
Com os grandes eventos somos obrigados a investir em
infraestrutura hoteleira, infraestrutura turística, em aprendizado de línguas. Há uma série
de questões que são motivadas.
Governar significa enfrentar
muitos problemas ao mesmo
tempo e conseguir dar conta
do recado de todos. Essa é a
grande questão.
O Brasil está em uma era de
grande expansão econômica.
O Judiciário tem acompanhado o crescimento do país?
Nossa estrutura judicial - isso
não é culpa dos juízes, é culpa
de todo mundo – está muito
aquém das nossas necessidades. O Judiciário ainda é moroso, ainda é lento, e há uma
série de questões que precisam ser enfrentadas. Ainda temos processos que são costurados com a mesma linha ou
algo muito próximo com que
Pero Vaz de Caminha amarrou a Carta e mandou para o
rei em Portugal.
É inacreditável que, enquanto você faz saques bancários
pela internet, o cliente tem
que ir lá pegar autos todos
amarrados com uma linha
e pegar um carrinho de su-
‘
A Copa do Mundo
é um encontro
esportivo com
data marcada, que
vai obrigar a fazer
muitas obras que
são necessárias não
só para a Copa
do Mundo, mas
também para a vida
da sociedade.
F ó r u m ju r í di co
35
perfil
‘
José eduardo cardoZo
permercado para transportar os processos. Quer dizer,
são coisas inacreditáveis que
ainda existem. Estamos muito atrasados. Falta muito. A
reforma do judiciário é uma
reforma que está muito atrasada, embora tenha andado
muito nos últimos tempos.
A PUC fez e faz a
minha vida. Entrei
na PUC em 1977,
ano em que foi
invadida pelas
forças militares.
36
Fórum j urí di co
Mundo PUC
Resuma a PUC em uma frase:
“A PUC fez e faz a minha
vida.”
Entrei na PUC em 1977, ano
em que foi invadida pelas forças militares. Havia um ato na
porta do TUCA – de que eu
não participei, porque eu tinha uma prova um dia depois,
e também pelo receio. No dia
seguinte, quando cheguei à
faculdade para fazer a prova,
a PUC estava totalmente cercada por carros blindados e
tropas e as aulas tinham sido
suspensas. Quando finalmente
entrei na Universidade, vários
amigos meus tinham sido presos, o presidente do CA tinha
sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional, e as salas de
aulas, a biblioteca e o CA haviam sido destruídos.
Todo mundo na vida, por mais
medo que tenha das coisas,
chega num ponto em que não
pode ficar quieto. O episódio
da ditadura me conduziu ao
movimento estudantil. E isso,
de certa forma, fez a minha
vida e ainda faz. Eu tenho um
lado acadêmico, sou professor,
gosto de dar aulas, gosto de escrever, de estudar, de fazer pareceres, de produzir textos jurídicos. Isso faz parte da minha
essência, mas se soma ao lado
da política. Então, aquilo me
fez ir para a atividade política.
Me tornei vereador, depois deputado. Hoje ministro.
Na realidade, a minha vida tem
dois lados: o lado acadêmico
e o lado político, e foi isso o
que a PUC me proporcionou.
Seguramente eu não seria a
mesma pessoa se não tivesse
entrado na PUC, minha vida
certamente teria tomado um
rumo diferente. Mas, ainda,
a PUC me trouxe um outro
diferencial que, em geral, os
outros cursos não fornecem: o
pensamento crítico.
Especialmente para quem faz
direito, nós estamos muito
habituados a pensá-lo como
lei, como dogma, é algo muito prevalecente em nossa
formação. A PUC me trouxe a ideia da análise crítica
do pensamento jurídico, isto
é, pensar nos valores e princípios que estão além da lei.
Debater a ideia de justiça, de
ética, de transformação.
O curso que tive na PUC não
foi convencional e restrito, e
Mas, a
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sim amplo e com preocupação
crítica. Embora eu tenha estudado e compreendido a dogmática jurídica, sem sombra de
dúvida, a preocupação crítica
foi mais importante até do que
se eu tivesse só estudado ou só
aprendido a refletir o direito
sobre o mundo da dogmática.
A PUC me fez o que eu sou.
Se eu tivesse que refazer situações da minha vida, muitas
eu refaria, mas ter entrado na
PUC, não. Eu não mudaria
um milímetro da oportunidade que a vida me deu ao cursar
essa universidade.
Os alunos da PUC são mais
politizados?
Todo mundo se adapta um
pouco ao meio em que está.
Às vezes você pode encontrar pessoas muito críticas
que quando entram em uma
universidade são totalmente
castradas em sua perspectiva, seja porque têm relações
autoritárias com professores,
seja porque a metodologia
transforma o aluno em objeto e o professor em sujeito.
Por outro lado, existem pessoas que são muito reprimidas e quando entram em ambientes que lhes permitem
desenvolver a dimensão crítica de seu ser se desenvolvem,
desabrocham em uma perspectiva do pensamento não
paralisado, do pensamento
não “ensimesmado”.
As pessoas, por oportunidade
de vida, chegam à universidade das formas mais diferentes
possíveis, mas a PUC proporciona o espaço de relação e
reflexão livres. É evidente que
há professores que são mais
autoritários e outros menos,
mas o espírito da PUC é de
grande liberdade. A distância
entre professor e aluno não é
um abismo, como ocorre em
outras instituições de ensino;
o professor vive um clima bastante diferenciado. No fundo,
ninguém ensina ninguém.
O fato é que os professores já
percorreram um caminho de
conhecimento prévio e são
orientadores e semeadores
daqueles que vêm depois. A
relação entre professor e aluno não pode ser uma relação,
como meu querido professor
e amigo, o saudoso Paulo Freire, dizia: da “educação bancária”. Esse modo de educar faz
com que o professor entre na
sala de aula, deposite o conhecimento no aluno e, no final
do bimestre, faça o saque por
meio de uma prova. Às vezes
vem sem fundos. Essa relação
da educação bancária pressupõe um sujeito e um objeto,
que é a pior das formas de relacionamento pedagógico.
O aluno é um sujeito tanto
quanto o professor. Eles têm
de se inteirar em pé de igualdade, com respeito mútuo,
cada um no seu papel. E a
PUC permite muito a construção dessa relação pedagógica livre e crítica.
F ó r u m ju r í di co
37
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Existe um momento ideal
para estagiar?
Depende de cada um. Eu comecei no primeiro ano na periferia de São Paulo e fiquei os
cinco anos nessa atividade. Comecei a fazer estágio em um
escritório de advocacia no meu
segundo ano, mas fiquei apenas
alguns meses, porque me elegi
presidente do CA 22 de Agosto,
e tive que sair, já que os horários eram incompatíveis. Mais
tarde, no meu quarto ano, fui
estagiário da Prefeitura de São
Paulo, o que me levou a fazer
concurso da Procuradoria do
Município, onde entrei logo
após ter me formado.
Acredito que o estágio é muito importante, mas sem privar
dos estudos da faculdade, caso
contrário, estagiar no primeiro
ano torna-se irrelevante.
Contudo, se você conseguir
combinar a perspectiva de crescer profissionalmente e aprender, então torna-se conveniente.
Isso depende muito de cada
um, mas, evidentemente, no
38
Fórum j urí di co
quarto ano você tem que estagiar. Se o aluno começar antes, vai depender muito dele.
Como seu trabalho social
na universidade influiu no
seu cargo?
Muito. Não seria a mesma
pessoa se não tivesse vivido
essa experiência. Isso influiu
diretamente na minha condição de Ministro, e de deputado, de vereador.
É engraçado, quando vamos na
periferia, achamos que vamos
ensinar alguma coisa. Mas não,
acabamos sempre aprendendo.
Recebi verdadeiras lições de
vida na periferia de São Paulo.
E algumas delas não saem mais
da minha mente. Você vê pessoas com simplicidade, sem ter
o mesmo meio de instrução
formal que você tem, te dando
verdadeiras aulas de vida.
Isso não se perde. Aulas de vida
são aquelas que você não esquece, porque você é testado
pelas provas da vida diariamente. E eu digo: não seria a mesma
Com base na sua experiência, qual a sua recomendação
para um aluno da PUC-SP?
Viva intensamente a sua universidade. Eu não me arrependo disso, eu vivi intensamente
a PUC. No fundo, fiz um excelente curso, estudava muito,
fui o melhor aluno da minha
turma em notas. Ganhei o
prêmio Faculdade Paulista de
Direito na época. E, ao mesmo tempo, vivia intensamente
a vida política da universidade.
Durante muitos anos na PUC
eu dei aula de Filosofia do Direito. Essa experiência me fez
pensar, foi muito rica. Então
o conselho que eu dou e de
que não me arrependo é: viva
a PUC. Eu vivi intensamente
a universidade, praticamente
morei nela. E isso foi extremamente enriquecedor. Se há
uma coisa de que eu sinto saudade é desse tempo. n
‘
Recebi verdadeiras
lições de vida na
periferia de São
Paulo. E algumas delas
não saem mais da
minha mente.
Reunião extraordinária
do Conselho Nacional de
Segurança Pública
Isaac Amorim
pessoa se não estivesse lá. Não
desenvolveria minhas atividades
ao longo do tempo, seja de professor, seja de advogado, seja a
de estudioso de Direito, seja de
parlamentar, seja de Ministro.
Nenhuma delas eu desenvolveria da mesma forma se eu não
tivesse tido essa experiência.
F ó r u m ju r í di co
39
e n t r e v i s ta
Fábio Ulhoa Coelho
Um novo Direito
Comercial
Reconhecido como um dos grandes nomes da área, Ulhoa busca
consertar as imperfeições da legislação empresarial brasileira
Filipe Facchini e Otávio Bressan / Fotos: Alex Ferreira
Atualmente, não há como se pensar em direito comercial
brasileiro sem nos lembrarmos de Fábio Ulhoa Coelho. Professor Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc-SP), livre-docente, advogado
e parecerista. Com apenas um de seus livros, o Manual de Direito Comercial, editado pela Saraiva, alcançou, no final de 2011,
o volume total de vendas de 314.559 unidades. Formado na
PUC-SP em 1981, iniciou a sua trajetória em 1982, como
assistente nas disciplinas de Direito Comercial e Filosofia
do Direito na própria Pontifícia. Feita a opção de se dedicar
ao Direito Comercial, concluiu o seu mestrado, doutorado
e livre-docência na mesma faculdade. No cenário atual do
Direito Comercial Brasileiro, tem a honra de ter a sua minuta
do novo Código Comercial utilizada como anteprojeto para
a lei. Ulhoa Coelho ocupa lugar de destaque, sendo recorrentemente procurado para esclarecer as controvérsias e demais
questões atuais que se relacionam ao cotidiano jurídico de
uma empresa. Tido hoje como referência, esse ilustre ícone
da PUC-SP, com a didática que lhe é particular, respondeu a
algumas perguntas, que vêm a seguir, sobre sua carreira bem
como sobre as mais atuais e controversas questões do Direito
Comercial. Suas palavras são uma verdadeira aula.
40
Fórum j urí di co
Fábio Ulhoa Coelho:
professor titular de Direito
Comercial da Puc-SP
F ó r u m ju r í di co
41
O que levou o senhor a tornar-se doutrinador?
Eu sempre tive um lado ligado
a comunicações e, por isso, sempre pensei em me dedicar à carreira acadêmica, em me tornar
professor. Eu não consigo ver a
atividade docente separada da
atividade de pesquisa e, sendo
professor universitário, tenho
que pesquisar constantemente e as pesquisas naturalmente
levam à produção de textos, livros e artigos, que servem para
divulgar o que o pesquisador
está refletindo e descobrindo.
São coisas indissociáveis e desde
sempre eu pensei que era isso
que eu gostaria de fazer.
Uma de suas obras – O Futuro do Direito Comercial – é
utilizada como minuta para
o projeto do novo Código
Comercial. Como o senhor
se sente a respeito?
Eu estou bastante animado
com tudo o que está acontecendo. No final de 2010, publiquei esse livro como uma
minuta de como eu entendia
que seria o melhor código comercial para o Brasil, mas não
tinha ideia de que ele seria capaz de desencadear o processo que desencadeou. Imaginei
que seria uma contribuição
42
Fórum j urí di co
Fábio Ulhoa Coelho
acadêmica a mais e que, um dia
ou outro, quando alguém fosse,
eventualmente, estudar certo
assunto, poderia ilustrar com a
informação que um autor, em
um determinado momento,
sugeriu certa solução legislativa para aquele problema. Eu
imaginei que a contribuição
que o livro daria seria apenas
essa: uma contribuição acadêmica. Não é o que está acontecendo: a minuta aperfeiçoada se transformou em projeto
de lei e o debate nacional se
instalou sobre se é o caso de
termos, ou não, um novo Código Comercial e qual código
comercial seria esse. Foi, portanto, muito além das minhas
expectativas o que ocorreu em
decorrência do livro. Algo que
escrevi para uma função medivulgação
e n t r e v i s ta
Capa do livro O Futuro
do Direito Comercial
(Ed. Saraiva, 2011)
ramente acadêmica e desencadeia um debate nacional muito
profícuo é algo que me deixa
muito feliz.
Por que o senhor acha, para
a realidade brasileira, que a
criação de um novo Código
Comercial é importante?
Nós precisamos de uma lei
que valorize a empresa. Nós
temos leis que valorizam o
consumidor, o trabalhador,
entre outros agentes econômicos, mas a empresa não tem
uma lei de valorização. A ordem jurídica precisa valorizar
a empresa por diversas razões.
A primeira razão é para que
ela possa cumprir sua função
social, ou seja, gerar empregos,
tributos, atender as necessidades dos consumidores, apoiar
a comunidade em que ela está
instalada com iniciativas culturais e sociais. Só uma empresa
forte e lucrativa pode cumprir
sua função social. Se estiver
faltando dinheiro para a empresa fazer seus investimentos,
se ela não estiver conseguindo
realizar satisfatoriamente nem
mesmo sua função econômica
– que é produzir e vender bens
e serviços –, ela não terá como
cumprir sua função social.
Mas não é só isso, precisamos
valorizar a empresa no Brasil
para atrair novos investimentos. Com a globalização, o investidor e o empresário têm
o mundo todo para investir,
ou seja, os países competem
pelo investidor. O Brasil pode
competir melhor pelo investidor se tivermos uma ordem
jurídica que crie um ambiente
favorável aos negócios. A ordem jurídica que temos hoje
não tem sido um bom instrumento nessa competição pelos investimentos.
Uma terceira razão, bem ligada
a essa segunda, é para reter o
investimento. O brasileiro hoje,
se não tiver segurança jurídica
para fazer o seu investimento aqui, facilmente vai investir
em outro lugar. Quem acaba
tendo problemas com a deficiência na atração e retenção de
investimentos é quem depende
da economia funcionando bem
para trabalhar e viver.
E a quarta razão pela qual a
gente precisa de um novo Código Comercial está relacionada aos preços dos produtos e
serviços que consumimos aqui
no Brasil. Muitos colocam a
culpa na carga tributária, mas
diversas reportagens mostraram
que o mesmo veículo vendido
no exterior e no Brasil, des-
‘
Nós precisamos
de uma lei
que valorize a
empresa. Nós
temos leis que
valorizam o
consumidor,
o trabalhador,
entre outros
agentes
econômicos,
mas a empresa
não tem
uma lei de
valorização.
considerando os impostos, aqui
continua mais caro. Fala-se que
seria o “Custo Brasil”, isto é, as
dificuldades de nossa infraestrutura, que contribui para esse
encarecimento, mas não é toda
a explicação. Muitas vezes temos o mesmo serviço, utilizando a mesma estrutura e, se você
compra o serviço aqui, você
paga mais caro do que pagaria
se comprasse no exterior. Passagens de transportes aéreos, por
exemplo. Utilizando o mesmo
avião, o mesmo voo, dois passageiros sentados um ao lado do
outro. Aquele que comprou a
passagem no Brasil pagou 25%
mais caro do que aquele que
comprou a passagem lá fora,
mas é a mesma infraestrutura.
Alguns dizem que o que explica essa diferença de preço é
o “Lucro Brasil”, que nós estaríamos sustentando as crises
dos países centrais, ou seja, é
caro aqui para gerar lucro para
as matrizes que estão falidas
nos Estados Unidos e Europa.
Essa explicação também não
convence. Primeiro porque os
preços são mais caros no Brasil
desde antes da crise de 2008,
segundo que, se fosse para ajudar, o mais lógico seria reduzir
os preços, aumentar as vendas e
gerar mais lucros.
F ó r u m ju r í di co
43
e n t r e v i s ta
Então, na verdade, por que os
produtos ou serviços são mais
caros no Brasil do que exterior?
É uma questão muito fácil de
entender, todo empresário pensa da seguinte forma: “O meu
retorno tem que ser proporcional ao meu risco”, ou seja,
quanto maior o risco, maior
o retorno. Então se eu, como
empresário, estou fazendo negócio em um país que possui
risco jurídico, eu tenho que ter
um retorno maior do meu investimento para que o meu lucro não seja comprometido por
decisões que se afastam da letra
da lei. É esse risco jurídico que
o novo Código Comercial vai
ajudar a reduzir e que, portanto,
possibilitará que os empresários
invistam aqui no Brasil atrás de
retornos menores e praticando
preços mais baixos pelos produtos ou serviços.
O projeto tem como uma de
suas bases a formalização dos
princípios gerais do Direito
Comercial. Isso não poderia
gerar um engessamento do
Direito Comercial?
Não. Essa é uma crítica que
também foi feita: que o Direito
Comercial, sendo um ramo tão
dinâmico, não poderia hoje ser
codificado. A codificação po44
Fórum j urí di co
Fábio Ulhoa Coelho
‘
Um Código
Comercial
autônomo
ajuda a
fomentar a
lógica própria
da relação
empresarial,
para que,
quando o juiz
julgar essas
questões, esteja
ciente de suas
características e
peculiaridades.
deria gerar um engessamento.
Essa crítica é infundada, porque
o processo legislativo, para mudar qualquer norma legal, é rigorosamente o mesmo, estando
a norma em um código ou em
uma lei ordinária. Estando em
um ou outro e sendo necessário mudar porque a dinâmica
dos negócios está exigindo que
mude, o processo legislativo será
igual; não haverá mais dificuldade de ajustar a norma à realidade
porque ela está em um código e
não em uma lei não codificada.
O senhor acredita que a elaboração do novo Código Comercial pode ajudar o contínuo crescimento do Brasil?
Sem dúvida nenhuma. Eu tenho uma reflexão marxista sobre como funciona a sociedade. Eu acho que, com ou sem
o novo Código Comercial, o
Direito Comercial brasileiro
vai mudar por força da realidade econômica diferente que
nós estamos vivendo. Com o
novo Código Comercial essa
mudança será mais rápida e
benéfica para todos nós, será
uma mudança sob controle,
uma mudança administrada.
Sem o Código Comercial
essa mudança ocorrerá em
um prazo maior, a um custo
maior, com mais incertezas.
O Brasil está inegavelmente
reposicionado na economia
global e isso demanda um
novo Direito Comercial, de
modo que o novo Código
Comercial ajude a atender as
exigências da economia.
Nós falamos sobre o crescimento econômico do Brasil. O senhor entende que
o Judiciário também está
acompanhando esse desenvolvimento?
Sem dúvida. Coisas importantíssimas estão acontecendo no
âmbito do Poder Judiciário.
Em primeiro lugar, eu citaria a
criação das Câmaras de Direito
Empresarial aqui no Tribunal de
Justiça de São Paulo, ou seja, uma
especialização no plano do Tribunal de Justiça sobre a matéria
de Direito Comercial. A criação
das Câmaras foi um passo extremamente importante dado
pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo, capaz de gerar um modelo que pode, eventualmente, ser
transposto para outros tribunais.
Mas não é só isso. No ano de
2011 o STJ realizou o primeiro curso voltado exclusivamente
ao Direito Comercial para magistrados. O juiz está buscando
informações porque ele precisa
conhecer essa realidade específica da relação entre as empresas;
saber que essa relação não obedece à mesma lógica da relação
do consumidor, com a qual ele
está habituado, familiarizado;
até por ser um consumidor.
Haverá também outras novidades animadoras em 2012 em
relação ao Direito Comercial.
Aguardem, pois haverá iniciativas interessantes em torno da
revitalização do Direito Comercial, neste ano.
Alguns críticos do Código alegam que bastaria uma
adequação das leis existentes.
Por que o senhor entende ser
melhor um novo código?
O Direito Comercial está sujeito a princípios próprios, que
não são os princípios do Direito Civil. E uma das dificuldades
para o Direito Comercial brasileiro cumprir sua função de
criar um ambiente favorável aos
negócios está exatamente nessa
unificação legislativa. Ela não é
uma solução universal, porque
não são todos os países que adotam o critério de organização
do direito privado positivo. Isso
porque ele impede a adequada
sistematização da disciplina, daquelas regras que são específicas
da relação entre os empresários.
O Código Comercial não vai
mudar nenhuma disposição do
Código de Defesa do Consumidor; ele não vai revogar nenhum direito trabalhista, assim
como não vai reduzir a responsabilidade dos empresários pela
preservação do meio ambiente,
nem os deveres deles quanto às
matérias de competência do
CADE – infrações da ordem
econômica – ou mesmo às
obrigações tributárias.
O Código Comercial vai tratar
exclusivamente da relação entre
duas empresas. Seus temas são os
contratos empresariais, os contratos de fornecimento de insumos, de distribuição de mercadorias, os títulos de crédito, a
formação da sociedade, a crise
da empresa, as obrigações entre
os empresários. A relação entre
empresas é uma relação muito
particular. Hoje vemos alguns
juízes julgando relações entre
empresários a partir da lógica do
Código de Defesa do Consumidor. Há exceções, mas normalmente a maioria dos magistrados
tem como única experiência na
economia a experiência pessoal
como consumidor. Um Código Comercial autônomo ajuda
a fomentar a lógica própria da
relação empresarial, para que,
quando o juiz julgar essas quesF ó r u m ju r í di co
45
e n t r e v i s ta
tões relativas a essa matéria, esteja ciente de suas características,
suas peculiaridades.
Em muitos aspectos a atual
legislação está defasada e é
burocrática; por exemplo, a
legislação sobre títulos de
crédito e sociedades limitadas. O novo Código Comercial busca alterar algumas
das disposições existentes?
Sem dúvida. Falemos primeiro
dos títulos de crédito; o Brasil
é hoje o único país no mundo em que temos dois regimes
cambiários diferentes: o regime
da Lei Uniforme de Genebra,
46
Fórum j urí di co
Fábio Ulhoa Coelho
aplicável a todos os títulos até
2003, e o do Código Civil, que
se aplica aos títulos criados por
lei depois de sua entrada em
vigor. Os dois regimes têm diferenças substanciais: por exemplo, a questão da responsabilidade do endossante - pela Lei
Uniforme de Genebra a solução é uma, pelo Código Civil
a solução é outra. Para que essa
complexidade? Por que temos
dois regimes diferentes para os
títulos de crédito? Não faz sentido, só torna mais difícil a aplicação do direito.
A sociedade limitada no Código Civil se tornou uma so-
ciedade muito complexa e burocrática, desnecessariamente
burocrática. Ela é normalmente
a sociedade utilizada pela pequena empresa, pela média empresa; não tem por que a sociedade limitada estar sujeita a um
regime tão complexo como
está hoje. No novo Código
Comercial a sociedade limitada
volta a ter um regime bastante simples, que era basicamente
a disciplina que havia antes de
2003, antes do Código Civil
passar a burocratizar, indevidamente, esse tipo societário.
Um outro receio que alguns
juristas possuem em relação
ao novo Código Comercial
é a possível alteração da Lei
6.404, que regula as sociedades por ações. Como o novo
Código vai tratar o instituto
das S.A.?
Na minha minuta, estava prevista a atribuição de um poder
muito maior para a Comissão
de Valores Mobiliários disciplinar a Sociedade Anônima de
capital aberto. No meu modo
de ver, a Lei deveria tratar da
Sociedade Anônima fechada e
a CVM, por meio de instruções e orientações dinâmicas,
trataria da Sociedade Anônima
aberta. Essa proposta, contu-
do, não foi bem recebida pelos profissionais que atuam no
mercado de capitais. Achavam
que a CVM não estaria preparada para esse novo papel. Ademais, eles tinham o receio de
que estaríamos mexendo indevidamente em algo que funciona bem – e isso é verdade, o
nosso mercado de capitais está
funcionando muito bem. Do
debate que se instaurou depois do lançamento da ideia do
novo Código Comercial, podemos dizer, hoje, que temos já
um consenso: o novo Código
Comercial não pode, em hipótese alguma, atrapalhar o mercado de Valores Mobiliários.
Dessa forma, em vista do consenso construído, o projeto de
Código Comercial não incorporou a minha sugestão de ampliação do poder da CVM, mas
trouxe alguns dispositivos sobre
Sociedade Anônima, que, no
meu modo de ver, não mudam
a disciplina dessas sociedades,
porque tratam de aspectos não
regulados na Lei das S.A. Mesmo esses poucos dispositivos,
porém, têm despertado preocupação entre os profissionais
da área – se poderiam interferir
negativamente, ou não, no mercado de capitais. A minha posição sobre isso é muito clara: já
‘
No novo
Código
Comercial
a sociedade
limitada
volta a ter
um regime
bastante
simples,
que era
basicamente a
disciplina que
havia antes
de 2003.
há consenso de que o Código
Comercial não pode atrapalhar
esse setor da economia; assim,
se há qualquer coisa no projeto do Código Comercial que,
eventualmente, pode pôr em
risco o setor econômico que
está funcionando bem, vamos
tirar. O projeto está em tramitação exatamente para que seja
aperfeiçoado, retirando o que
deve ser retirado e acrescentando o que deve ser acrescido.
Se realmente até mesmo esses
poucos dispositivos do Código Comercial que falam da
S.A. oferecem algum risco de
tumultuar o mercado de capitais, vamos eliminá-los; é uma
discussão a fazer no âmbito do
Congresso Nacional.
O Senhor comentou anteriormente que alguns países não
adotam um código comercial.
Por que o senhor acredita que
eles não optaram pela unificação do Direito Comercial?
Cada país tem a sua história e sua própria necessidade.
Nós aqui no Brasil gostamos
de copiar os outros, enquanto os outros países gostam de
encontrar seus próprios caminhos. O Brasil não tem que
ficar copiando a experiência
dos outros. O Brasil, como está
F ó r u m ju r í di co
47
e n t r e v i s ta
vivendo um novo momento
econômico riquíssimo, deixa
de ser só um importador de
teorias jurídicas, e passa a ser
um formulador e exportador
de teorias jurídicas. É um aspecto desse reposicionamento
na economia. Um exemplo é
o conceito de título de crédito
que o novo Código Comercial
traz. O conceito de título de
crédito atual – de Vivante –
não se aplica à realidade hoje,
porque os títulos são todos
eletrônicos; não existe mais
título de crédito em papel. Se
nós formos pensar no conceito
vivanteano, ele menciona um
“documento necessário para
o exercício do direito”; mas
como falar de um documento necessário quando estamos
tratando de arquivos eletrônicos? Precisamos de uma nova
teoria dos títulos de crédito.
Não que a teoria de Vivante
esteja errada; ela foi apropriada durante muito tempo; mas
agora temos outra realidade
a disciplinar e precisamos de
outra teoria. Por isso, uma
das propostas do novo Código Comercial é trazer novo
conceito para os títulos de
crédito, que não existe ainda
em nenhum lugar do mundo;
depois, poderemos exportá-lo.
48
Fórum j urí di co
Fábio Ulhoa Coelho
‘
A eireli é
o resultado
de uma
solução de
compromisso.
O ideal teria
sido uma clara
referência
na lei da
sociedade
unipessoal,
ou seja, uma
sociedade
constituída
por uma
única pessoa.
Em janeiro deste ano começou a viger a Lei nº 12.441,
que instituiu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Qual a opinião
do senhor a respeito desse
instituto?
Veja, a eireli é o resultado
de uma solução de compromisso. O ideal teria sido uma
clara referência na lei da sociedade unipessoal, ou seja,
uma sociedade constituída
por uma única pessoa; mas
essa clara referência esbarrava em dois problemas. Primeiro, algo que eu chamaria
de preconceito em relação à
sociedade unipessoal. É possível, quando se trata de um
contrato de sociedade, haver
apenas um único contratante;
isso está mais do que assente
em todos os direitos. No Brasil havia essa resistência à figura da sociedade unipessoal.
O segundo problema era certa resistência por parte do
fisco – essa resistência ficou
atenuada nos últimos anos,
mas durante muito tempo era
o fator político que impedia a
adoção da chamada “solução
societária”, para a limitação
da responsabilidade do empresário. O fisco temia que a
sociedade unipessoal pudesse,
de alguma forma, prejudicar
a arrecadação. Então, o passo
da eireli foi importante, mas
teve que ser um passo cuidadoso, que, sem dúvida, abre as
portas para a solução tecnicamente mais adequada, que é a
da sociedade unipessoal.
No novo Código Comercial
há a previsão de que a Sociedade Limitada pode ser constituída por um ou mais sócios.
Na sua opinião, o fato de
estar estipulado capital social mínimo integralizado para a constituição da
eireli não vai acabar afastando algumas pessoas do
benefício de constituir uma
eireli?
Sim. Esse valor mínimo não
dá para entender. Corre, inclusive, uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade relativamente a essa parte do art.
980-A do Código Civil, perante o Supremo Tribunal
Federal. Creio que não há
justificativa e me parece de
constitucionalidade duvidosa
essa limitação. Realmente, o
resultado é esse, impede que
pessoas que poderiam estar se
beneficiando da eireli se beneficiem devido ao valor mínimo do capital.
A PUC possuía a fama de
ser muito voltada para as
áreas de direito público, sem
dar prioridade para as áreas
de direito privado. Como o
senhor vê essa situação hoje?
Quando eu era estudante, na
década de 1970, a PUC tinha fama de ser boa apenas
no Direito Público: Direito
Constitucional, Tributário e
Administrativo. De fato, grandes nomes da PUC nessa área
se destacavam naquele tempo:
Geraldo Ataliba, Celso Bastos,
Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, Celso Antonio Bandeira de Mello, Michel Temer
e outros. O Direito Privado
não possuía, no tempo em
que eu era estudante, a mesma fama. Havia clara injustiça nesse ponto, porque nosso
corpo docente era integrado
também por grandes nomes
do Direito Privado, como
Maria Helena Diniz, Carlos
Alberto Bittar, Carlos Alberto Ferriani, Ronaldo Porto
Macedo e outros. Mas, sabe
como é, a fama nem sempre
é justa. Na minha opinião, ao
longo dos anos isso se alterou
de modo significativo. Hoje, a
PUC é reconhecida também
como centro de referência
no campo do Direito Priva-
do e, especialmente, no Direito Comercial. Temos dado
uma contribuição bastante
relevante, própria e singular
para o desenvolvimento desse ramo jurídico. Podemos
dizer que, no processo atual
de revitalização do Direito
Comercial no Brasil, a PUC é
uma das instituições que está
à frente.
Qual o senhor entende que
é o conceito que os alunos
do Direito PUC têm no
mercado hoje?
Eu acho que é muito bom. Os
escritórios de advocacia privilegiam, entre as faculdades que
se destacam como melhores, a
da PUC. A diferença do tempo em que eu era estudante
diz respeito à competição, bem
menos acirrada. Naquele tempo, os escritórios de advocacia
davam preferência a alunos de
duas instituições; com o passar
dos anos, outras instituições de
qualidade apareceram e, hoje
em dia, os escritórios preferem
estagiários de quatro ou cinco
instituições. Aumentou a concorrência, mas a PUC continua sendo uma das escolas que
os escritórios de advocacia em
geral destacam, na hora de selecionar seus estagiários. n
F ó r u m ju r í di co
49
Arquivo Fórum Jurídico
Áreas do Direito
50
Fórum j urí di co
M e r c a d o f i n a n c e i r o e d e c a p i ta i s
Mercado
em expansão
A economia aquecida, em ampla expansão, traz
formas mais sofisticadas de investimentos, gerando
a extrema necessidade de um advogado conhecedor
das áreas de mercado financeiro e de capitais
Otávio Bressan e Raquel Soufen
Fachada da
Bovespa, no
centro de São Paulo
Há tempos, na cultura nacional, o advogado deixou de ser apenas
o profissional buscado nos momentos de conflito. Com o crescimento da economia brasileira as empresas buscam novas formas de capitalização, que, devido às suas formas sofisticadas, exigem a presença
de um profissional do direito qualificado para prestar consultoria.
A captação de recursos para uma empresa não se limita mais
a empréstimos e financiamentos contratados com o gerente de
uma instituição financeira. Agora, a emissão de debêntures, a securitização de recebíveis e outros mecanismos fazem parte do
cotidiano de empresas de grande e médio porte.
F ó r u m ju r í di co
51
Áreas do Direito
A maior parte dessas operações dependem da figura de
um advogado experiente, que
não conheça somente a regulamentação específica, mas que
também esteja ciente das condições e práticas do mercado.
Esses profissionais atuam, principalmente, em duas frentes: o
direito do mercado financeiro
e o do mercado de capitais, que
se tocam em diversos pontos,
mas que por diversos aspectos
são únicos.
Mercado Financeiro
Do ponto de vista jurídico,
o mercado financeiro,
grosso modo,
A captação dos recursos
é intensamente
regulada pelos órgãos
competentes, e é um dos
papéis do profissional do
direito atuar e auxiliar
o cumprimento de
tal regulamentação
52
Fórum j urí di co
M e r c a d o f i n a n c e i r o e d e c a p i ta i s
se baseia em operações nas
quais participam o detentor de
um recurso, um beneficiário e
um intermediário que desenvolve os meios para que o beneficiário receba tais recursos
em troca de uma remuneração.
A captação dos recursos é
intensamente regulada pelos
órgãos competentes, e é um
dos papéis do profissional do
direito atuar e auxiliar o cumprimento de tal regulamentação. Essa fase se opera, basicamente, por documentos como
CDBs e Letras Financeiras,
que trazem o recurso ao emissor em troca do pagamento de
um valor estabelecido determinado ou determinável, tudo
isso devidamente formalizado
por um instrumento jurídico.
Na outra ponta, temos a realização do negócio com o
tomador final, isto é, o
cliente, que recebe o
recurso conforme as
regras definidas em
um contrato específico para cada
situação.
Em todos os
casos, há que ser
feito um desenvolvimento criterioso e específico do instrumento
jurídico adequado
para a operação, tendo em vista
cumprir as normas aplicáveis e
tornar o negócio seguro tanto
para o agente financeiro, quanto para o tomador final do produto financeiro. Como exemplos mais clássicos, citaríamos
os financiamentos e empréstimos, nos quais o cliente recebe
um montante em dinheiro de
um agente financeiro, que será
remunerado no futuro com o
pagamento pelo cliente à instituição financeira do valor tomado acrescido de juros.
Nesse momento, é importantíssima a participação de
um profissional do direito
capacitado a atender as demandas. Destaque-se que tais
recursos podem se destinar
aos mais variados fins, como
o financiamento para a compra de um automóvel por uma
pessoa comum, ou ainda, para
a construção de uma relevante
hidrelétrica com incentivos do
governo, a qual gerará riquezas
para o país como um todo.
Como inicialmente proposto, faremos agora a distinção
entre mercado financeiro e
mercado de capitais.
O mercado de capitais visa
ao financiamento das atividades econômicas de maneira segura, evitando riscos de liquidez, operacionais e de mercado,
Arquivo Fórum Jurídico
e prejuízos que as variáveis
econômicas podem acarretar.
No entanto, diferentemente
do mercado financeiro, a relação entre investidor e beneficiário do investimento ocorre
de maneira direta. Isto é, o detentor do recurso o transfere
ao beneficiário na forma de
investimento direto, por meio
da emissão de obrigações primárias, como, por exemplo, a
emissão de ações e títulos de
dívida, como as debêntures.
intermediário necessário
Mesmo ocorrendo de maneira direta, na transferência do
recurso, na maior parte das vezes, se faz necessária a presença
de um intermediário, como
um banco de investimento
que atue nos procedimentos e
trâmites necessários para a realização do negócio. Essa atuação ocorre nas atividades de
escrituração e custódia dos títulos emitidos, na sua emissão
(garantindo a idoneidade e o
respeito às normas), no financiamento e na estruturação das
operações. Do ponto de vista
jurídico, há a necessidade da
organização contratual para
tais procedimentos que devem
englobar desde a prestação dos
serviços pertinentes até o cumprimento da regulamentação.
É clássico e atual o exemplo do IPO, do inglês Initial
Public Offering, que, em nossos termos, significa a emissão
primária das ações de uma so-
Bancada e painel
no interior do
prédio da Bovespa
F ó r u m ju r í di co
53
Áreas do Direito
O mercado de capitais
se destina a tornar as
estruturas econômicas
e produtivas mais
aperfeiçoadas e a
atender aos anseios de
toda a sociedade
ciedade anônima no mercado aberto. Nesse processo estão englobados
desde os intensos movimentos
societários até os procedimentos de distribuição regulados, basicamente, pela Lei nº
6.404 e pelos atos normativos
da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Nesses processos, cada vez mais frequentes
entre as grandes companhias
do país, participam advogados
de escritórios e instituições
financeiras e os procuradores dos órgãos públicos, todos alinhados e tendo como
objetivo o cumprimento da
54
Fórum j urí di co
M e r c a d o f i n a n c e i r o e d e c a p i ta i s
regulamentação e a
garantia de segurança da operação para
todas as partes.
De acordo com
a regulamentação
e com a doutrina, esse processo
deve ser pautado
pelos princípios
da boa fé e da função social. Além
disso, há que se observar o impacto econômico da operação e o
respeito à livre e leal concorrência. Nesse sentido, as
operações do mercado de capitais não são destinadas a formar
o controle do mercado, mas se
destinam a tornar as estruturas
econômicas e produtivas mais
aperfeiçoadas e a atender aos
anseios de toda a sociedade.
Sistema Financeiro Nacional
Sobre os aspectos de nosso
mercado financeiro, a Constituição Federal, em seu art. 192,
chega a falar da regulamentação do “sistema financeiro nacional, estruturado de forma a
promover o desenvolvimento
equilibrado do País e a servir
aos interesses da coletividade”.
É claro, portanto, o conceito e
o reconhecimento da impor-
tância social do mercado financeiro para uma sociedade que
visa ao desenvolvimento, como
é o caso do Brasil.
De acordo com a Lei Federal
nº 4.595/64, o Sistema Financeiro Nacional é formado pelo
Conselho Monetário Nacional,
pelo Banco Central do Brasil,
Banco do Brasil, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e pelas demais
instituições financeiras privadas
ou públicas. A cada um desses
entes são reservadas funções e
poderes para mover a economia nacional diante do contexto internacional, com base nos
princípios constitucionais e de
direito, visando ao desenvolvimento econômico e social.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) é um órgão extremamente técnico que, diante
da análise do mercado nacional
e internacional, traça diretrizes
para a economia e emite pareceres e normas com o objetivo de,
por exemplo, zelar pela liquidez e
solidez das instituições financeiras, manter íntegra a economia
nacional diante das oscilações
internas e internacionais, controlar a emissão e circulação da
moeda nacional e das internacionais. Enfim, esse instrumento
fica responsável pela definição
da política econômica nacional.
Bancos no CMN
Estrutura do Sistema Financeiro Nacional
O Banco Central do Brasil,
ainda de acordo com a Lei nº
4.595, possui personalidade jurídica e patrimônios próprios e
tem por incumbência cumprir
o que lhe determina a legislação vigente e os instrumentos
normativos e legais apropriados
emitidos pelo Conselho Monetário Nacional.Tem a capacidade de emitir moeda e outros títulos, controlar e supervisionar
o fluxo de recursos nacionais e
estrangeiros no país, receber e
custodiar depósitos compulsórios (por força de normas competentes) efetuados pelas instituições financeiras.
O Banco do Brasil e o Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES)
são instituições financeiras de
caráter público, com participação do Governo Federal, e
têm por função fomentar e estimular a economia por meio
de produtos bancários corriqueiros, como empréstimos e
financiamentos ao público em
geral. Tais produtos são oferecidos com incentivos subsidiados
pelo Governo, que se traduzem
em custos e juros menores ao
tomador. Toda essa estrutura
se fundamenta em legislação e
outras normas que devem es-
Conselho
Monetário
Nacional
Comissão
de Valores
Mobiliários
Banco Central
do Brasil
Banco do Brasil
Banco Nacional de
desenvolvimento
Econômico
e Social
Instituições
Financeiras
Sistema
financeiro da
habitação
Sociedades de
Distribuição
Bolsa de
Valores
Sociedades
Corretoras
Bancos
Múltiplos
Bancos de
desenvolvimento
Associação
de poupança
e empréstimo
Sociedade
de crédito
imobiliário
Bancos
comerciais
Sociedades
de Crédito,
Financeiras e
de Investimento
Bancos de
Investimento
F ó r u m ju r í di co
55
M e r c a d o f i n a n c e i r o e d e c a p i ta i s
Arquivo Fórum Jurídico
Áreas do Direito
Símbolo na
fachada da BM&F
56
Fórum j urí di co
tar sob a atenção do jurista, que
deve observar o cumprimento
das metas e o respeito às limitações dos poderes de cada órgão,
e garantir o acesso da população
aos benefícios, seja de maneira
direta, pela contratação dos produtos incentivados, ou de maneira coletiva, pela manutenção
de uma economia saudável por
meio dos instrumentos legais.
Frisa-se que inúmeros são
os pontos de encontro entre o
mercado financeiro e de capitais; ambos compartilham desafios e exigências do jurista que
atua nessas áreas, que deve estar
atento ao que ocorre no mundo
todo e no ambiente regulatório
e econômico em que atua.
Todos os dias nos deparamos com um mercado diferente e com novas estruturas
de investimento, que permitem maior rentabilidade, segurança ao investir e a confecção
de uma trama que concatena
recursos internacionais e nacionais. Além das novidades há
o constante aperfeiçoamento
da estrutura já existente, decorrente da prática e exposição a novos riscos.
A regulamentação, por sua
vez, é importante instrumento,
que é constantemente atualizada
e aperfeiçoada, tendo em vista,
segurança, e, consequentemente,
viabilidade para os investimentos
e operações diversas.
O Imprescindível jurista
É papel do jurista que atua
nessa área ponderar as especificidades do caso, o conhecimento e a capacidade de arcar
com as obrigações de cada parte, a composição de garantias
eficazes para agregar ao negócio a segurança esperada.
É grande a ligação entre
mercado financeiro e mercado
de capitais. Visto que, muitas
vezes, instrumentos de um se
tornam necessários ao outro.
É o caso da captação no mercado financeiro internacional
para investimento em capitais
de empresas nacionais. Ou as
operações financeiras lastrea-
das em instrumentos típicos do
mercado de capitais.
O profissional dessa área
pode atuar na área pública, em
instituições financeiras custeadas com recursos públicos,
com uma rotina muito parecida com a de uma instituição
particular, mas aplicando ao seu
trabalho os conceitos inerentes
aos princípios da administração
pública, ou ainda em instituições como a Receita Federal, a
CVM ou o Banco Central.
Na área privada, o jurista
pode atuar em instituições financeiras como corretoras de
valores, bancos, entre outras,
em escritórios atendendo uma
vasta gama de clientes e até
mesmo em empresas que, por
operarem frequentemente nesses mercados, decidem manter
em seu staff um advogado dedicado a essas matérias. A atuação do profissional se atenta ao
desenvolvimento de estruturas
jurídicas para investimentos,
proteção contra riscos e variações de mercado, manutenção
das operações consolidadas em
conformidade com a regulamentação e diversas outras.
A consolidação e o crescimento da economia de nosso
país demandará a existência
de profissionais do direito que
possam lidar com os instru-
mentos do mercado financeiro
e de capitais. Não se concebe,
na atualidade, desenvolvimento
econômico sólido sem a atuação responsável desses agentes e, como recorrentemente
exposto, é um dos papéis do
advogado atuar encontrando
a forma adequada e segura de
desenvolver a operação.
A Força brasileira
Conforme dados recentes,
atualmente o Brasil representa
a maior economia da América
do Sul e ocupa a sexta posição
entre as maiores economias do
mundo. O Ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou
recentemente em entrevista
que as projeções indicam
que poderemos ocupar o
posto de quinta maior
economia do mundo
até o ano de 2015;
afirmou, ainda, que
o nosso ritmo de
crescimento é o
dobro das economias europeias.
Essas
análises
acompanham a opinião mundial que
enxerga o Brasil como
um dos mais promissores locais para se investir.
O nosso mercado interno
está aquecido e temos ótimas
relações com os países para os
quais exportamos.
Conjuntamente ao crescimento da economia brasileira,
a evolução dos instrumentos
típicos do mercado financeiro
e de capitais é extremamente
necessária, visto que deles podemos obter financiamentos,
custeio e captação de recursos, planejamento do fluxo de
recursos dentro das empresas
e alongamento de prazos para
cumprimento de obrigações,
que ocorreu, inclusive, com a
É grande a ligação
entre mercado
financeiro e mercado
de capitais. Visto
que, muitas vezes,
instrumentos de
um se tornam
necessários ao outro
F ó r u m ju r í di co
57
Áreas do Direito
O profissional do
direito deverá atuar
cobrando, tanto
das autoridades
competentes, quanto
da sociedade, a
seriedade e a atenção
no tratamento
desses assuntos
M e r c a d o f i n a n c e i r o e d e c a p i ta i s
possibilidade da entrada e saída dos recursos da fronteira,
isto é, com a possibilidade do capital estrangeiro ser investido no
país e do brasileiro
no exterior.
Nesse sentido,
todo esse crescimento deverá estar acompanhado
da atualização e do
desenvolvimento
de
instrumentos
jurídicos mais eficazes e refinados, bem
como de uma regulamentação que aponte nesse mesmo sentido,
criando possibilidades reais
de investimento, e coloque os
participantes nacionais em pé
de igualdade para concorrer
com os demais.
Para alcançar objetivos
Note-se que o ambiente
regulatório de um país é importante fator para os investimentos de players nacionais e
internacionais. Nesta análise,
leva-se em conta a solidez e a
eficácia do governo, da integridade do Judiciário, dos meios
de recuperação de créditos, dos
instrumentos jurídicos de circulação de riquezas, do sistema
58
Fórum j urí di co
tributário e de muitos outros
fatores intimamente ligados ao
universo jurídico.
É neste ponto que deverá ocorrer o desenvolvimento
e a consolidação da estrutura jurídica posta à disposição
dessas operações. Frisa-se que
o profissional brasileiro deverá
conhecer as estruturas jurídicas
de investimentos internacionais, as regras específicas dos
países com os quais se deseja
operar, além de adequar a nossa
estrutura às naturais demandas
dessas ocasiões.
Para tanto, o profissional do
direito deverá atuar cobrando,
tanto das autoridades competentes, quanto da sociedade, a
seriedade e a atenção no tratamento desses assuntos. A constante observação, o estudo das
condições fáticas e a discussão
entre os diversos participantes
dos mercados financeiro e de
capitais, aliados a uma relação
saudável com os órgãos públicos e de classe, parecem ser o
caminho para que se alcancem
os objetivos traçados. Dessa
forma, o interesse de investidores estrangeiros se voltará naturalmente ao mercado brasileiro
e os recursos locais serão cada
vez mais bem empregados,
tanto em nossas terras, quanto
além das fronteiras. n
caderno de ideias
artigos
Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – eireli Manoel de Queiroz Pereira Calças
Moots: ferramentas de desenvolvimento profissional e acadêmico Cláudio Finkelstein | Julia Schulz
Os 10 Anos do Código Civil sob a óptica civil constitucional Renan Lotufo | André Guimarães Avillés
O Supremo Tribunal Federal e o plebiscito para desmembramento de Estado-membro Felipe Penteado Balera
Crimes de trânsito com motoristas embriagados: culpa consciente ou dolo eventual? Christiano Jorge Santos
Reflexão sobre a questão urbana brasileira Juliana Somekh
Um direito penal do inimigo envolto em controvérsias Natália Pincelli
F ó r u m ju r í di co
59
artigo
Empresa Individual
de Responsabilidade
Limitada – Eireli
Manoel de Queiroz Pereira Calças é desembargador
da Câmara Reservada à Falência e Recuperação e da
Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo; e Professor de Direito
Comercial na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
60
Fórum j urí di co
M a n o e l d e qu e i r o z p e r e i r a c a l ç a s
Introdução
O Código Civil de 2002, ao revogar a parte
primeira do Código Comercial de 1850, promoveu importantes alterações na disciplina do
direito comercial, que, até então, inspirava-se no
sistema francês, que tinha como conceito fundamental o ato de comércio, preceituando que
“ninguém é reputado comerciante para efeito
de gozar da proteção que este Código liberaliza
em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do
Império, e faça da mercancia profissão habitual”
(art. 4º). Adota o Código Civil o sistema italiano, centrado na teoria da empresa, conceituando o empresário como a pessoa que exerce profissionalmente atividade econômica organizada
para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços (art. 966). Este empresário, que substitui o antigo comerciante, é a pessoa natural que
exerce em nome próprio a atividade empresarial, fazendo-o sob firma constituída por seu
nome, completo ou abreviado, com a faculdade de adicionar designação mais precisa de sua
pessoa ou do gênero de atividade (art. 1.156).
Tal empresário, apesar de equiparado para fins
de imposto de renda à pessoa jurídica (art. 150
do Decreto nº 3.000/99), continua a ostentar o
status de pessoa natural, podendo possuir patrimônio constituído por todos os seus bens, nele
incluídos aqueles aplicados no exercício da atividade empresarial e que, por isso, a teor do art.
391 do Código Civil, respondem por todas as
suas obrigações, civis ou empresariais.
Constata-se assim que o legislador não cindiu o patrimônio do empresário em “patrimônio civil” e “patrimônio empresarial”, mesmo
considerando-se a tutela especial outorgada
ao incapaz continuador de empresa individual,
cujos bens por ele possuídos antes da sucessão
ou da interdição, desde que estranhos ao acer-
vo da empresa, não respondem pelas dívidas
decorrentes da atividade empresarial judicialmente autorizada (art. 974 e § 2º, CC), bem
como a previsão de dispensa da outorga conjugal ao empresário casado para alienar ou onerar
imóveis que integrem o patrimônio da empresa
(art. 978, CC). Não se instituiu, portanto, um
patrimônio separado, distinto, nem tampouco
patrimônio de afetação para o empresário responder pelas obrigações contraídas em razão da
atividade empresarial, exclusivamente com os
bens móveis, imóveis, materiais ou imateriais
vinculados ao seu exercício profissional. Em razão de tal disciplina legal, na hipótese de execução singular do empresário, poderá a penhora
recair sobre qualquer bem componente de seu
patrimônio, independentemente de a dívida ter
origem em negócios da órbita civil ou empresarial. Da mesma forma, sendo decretada a falência do empresário, todos os seus bens, com
exceção dos absolutamente impenhoráveis, deverão ser arrecadados, a teor do art. 108 da Lei
nº 11.101/2005. Por outro lado, mesmo não se
repetindo no diploma falimentar atual o que
dispunha o art. 23 do Decreto-lei nº 7.661/45
– “ao juízo da falência devem concorrer todos
os credores do devedor comum, comerciais ou
civis, alegando e provando os seus direitos” –,
não há dúvida de que, na falência do empresário, dever-se-ão habilitar todos os seus credores, consoante estabelece o art. 9º, da Lei nº
11.101/2005, que deverão indicar a origem do
crédito, vale dizer, civil ou comercial.
Não se instituiu um
patrimônio separado, nem
tampouco patrimônio de
afetação para o empresário
Em suma, o Código Civil, em sua redação
original, não previu a possibilidade de o empresário constituir um patrimônio separado ou afetado para o exercício da atividade empresarial,
mantendo-o como titular de um patrimônio
único, o qual responde de forma ilimitada pelo
adimplemento de todas as suas obrigações, independentemente de serem elas decorrentes de
seus negócios civis ou empresariais.
A inovação: empresa individual
de responsabilidade limitada
Debate-se, há muitos anos, notadamente entre aqueles que se dedicam aos estudos do direito comercial, sobre a pertinência de se instituir
sociedade unipessoal, visto que, tanto o Código Civil anterior, como o Código Comercial,
só regularam as sociedades civis ou sociedades
comerciais constituídas, no mínimo, por dois
sócios. O art. 1.363 do Código Civil anterior
preceituava que celebram contrato de sociedade
as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograr fins
comuns. Os artigos 287, 289, 302, incisos 1 e 3,
todos do Código Comercial, ao disciplinarem as
sociedades comerciais faziam expressa menção
à necessidade de “sócios”, no plural, indicando
que a pluralidade de sócios era um requisito para
a constituição das sociedades. Posteriormente,
com a edição da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Lei das Sociedades Anônimas –,
é instituída no art. 251 a subsidiária integral,
companhia que pode ser constituída, mediante
escritura pública, tendo como único acionista
sociedade brasileira. Salvo essa exceção, persistia
como requisito essencial a necessidade de dois
acionistas, no mínimo, como se verifica pelo art.
80, inciso I, da Lei nº 6.404/76, que exige para
a constituição da companhia o atendimento do
requisito preliminar consistente na subscrição,
F ó r u m ju r í di co
61
artigo
pelo menos por duas pessoas, de todas as ações
em que se divide o capital social fixado no estatuto. A reforçar a indispensabilidade da pluralidade de acionistas, o art. 206, inciso I, alínea d,
da Lei das S/A, prevê como causa de dissolução
da companhia a existência de um único acionista, verificada em assembleia geral ordinária, se o
mínimo de dois não for reconstituído até a do
ano seguinte.
Não é ela (eireli) considerada
sociedade unipessoal, a
qual (...) continua não prevista
na legislação brasileira
O Código Civil, editado em 2002, ou seja,
após a existência no direito comparado de diversos diplomas legais prevendo a sociedade unipessoal com responsabilidade limitada como, por
exemplo, na Alemanha em 1980, na França em
1985, e na XII Diretiva do Conselho, 89/667/
CEE, de 21/12/90, não adotou a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada (art. 982,
997, I, 1033, IV, CC) exigindo dois sócios, no
mínimo, para a constituição de sociedade, simples ou empresária, admitida apenas a unipes­
soalidade incidental ou episódica pelo prazo
máximo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena
de extinção da sociedade.
Inobstante tal situação legislativa, desde o
final dos anos setenta do século passado, havia
intenso debate sobre a omissão de nosso ordenamento legal no que concerne à instituição de
uma forma de exercício individual da atividade empresarial com a possibilidade de limitação
da responsabilidade do empresário em face das
obrigações daí decorrentes.
62
Fórum j urí di co
M a n o e l d e qu e i r o z p e r e i r a c a l ç a s
Em 11 de julho de 2011, foi editada em nosso
País a Lei nº 12.441, com 180 dias de vacatio legis,
que altera o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10
de janeiro de 2002), para permitir a constituição
de empresa individual de responsabilidade limitada, ou “eireli”, na estranha abreviação albergada pela nova lei.
Constata-se, assim, que a opção do legislador
brasileiro para limitar a responsabilidade do empresário individual não perfilhou o modelo de
sociedade unipessoal, pioneiramente adotado
pela Alemanha e França, nem seguiu o sistema
de Portugal que, em 1986, instituiu o estabelecimento mercantil individual de responsabilidade
limitada (Decreto-lei nº 248, de 25/8/1986).
A Lei nº 12.441/2011 altera a redação do art.
44 do Código de 2002, inserindo o incisoVI, para
ficar expresso que “são pessoas jurídicas de direito
privado: I – as associações; II – as sociedades; III
– as fundações; IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos; VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.” (grifei)
Em face de tal modificação, o Código Civil
passa a albergar duas espécies de empresários individuais: 1) o empresário de responsabilidade ilimitada, que responde com todo o seu patrimônio,
exceto os bens impenhoráveis, por suas dívidas de
natureza civil e empresarial; 2) o empresário individual de responsabilidade limitada, que titularizará dois patrimônios distintos: a) o patrimônio
comum ou civil; b) o patrimônio da empresa, autônomo, constituído por seu acervo e que, a teor
do art. 391 do Código Civil, responderá, em tese,
exclusivamente, pelas obrigações decorrentes do
exercício da atividade da empresa individual. Este
configura autêntico patrimônio de afetação ou
separado, destinado a limitar a responsabilidade
do empresário pelas dívidas contraídas em decorrência da atividade empresarial.
De acordo com o art. 980-A, “a empresa individual de responsabilidade limitada será cons-
tituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado,
que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior
salário-mínimo vigente no País”. Da exegese do
referido dispositivo legal, que não prima pela
precisão terminológica, em conjunto com o inciso VI do art. 44, constata-se que, ao contrário
do empresário de responsabilidade ilimitada, que
continua a ser classificado como “pessoa natural”, a empresa individual de responsabilidade
limitada é arrolada como pessoa jurídica e, por
isso, obrigatoriamente, inscrever-se-á no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica como tal, e não
por força da equiparação prevista no Decreto-lei
nº 3.000/99.
Por outro lado, apesar de a empresa individual de responsabilidade limitada ser classificada
como pessoa jurídica, não é ela [eireli] considerada sociedade unipessoal, a qual, salvo a exceção
da subsidiária integral, continua não prevista na
legislação brasileira.
Cumpre ressaltar o equívoco de terminologia
detectado no art. 980‑A do Código Civil que
faz referência a “capital social”, que, na dicção
do art. 997, incisos III e IV, significa a expressão monetária (em moeda corrente nacional)
da soma das contribuições em dinheiro ou bens
suscetíveis de avaliação pecuniária, que os sócios
transmitem à sociedade, a fim de que esta possa
atingir o seu objeto social. Por isso, usar a expressão “capital social” para indicar o valor do
numerário ou bens transferidos para constituir o
patrimônio separado da empresa individual não
se mostra tecnicamente correto.
O capital da empresa individual de responsabilidade limitada não poderá ser inferior a 100
(cem) vezes o maior salário mínimo vigente no
País. Apesar de alguma crítica ter sido formulada
por considerar elevado o valor do capital mínimo exigido, não compartilho tal posicionamento. Entendo que tal exigência deveria ser estendida para as sociedades limitadas, como ocorre
em diversas legislações estrangeiras. Ademais,
alvitro que se confira ao Registro Público de
Empresas Mercantis e ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas poderes para exigir, no momento
F ó r u m ju r í di co
63
artigo
do registro, a prova da efetiva integralização do
capital, ou, sendo proposta integralização a prazo, que, uma vez realizado o capital, seja apresentada prova do cumprimento de tal obrigação.
A prova da integralização do capital em pecúnia
deveria ser realizada mediante a apresentação
de depósito, em conta-corrente, feito em instituição financeira. Outrossim, na hipótese de
integralização do capital mediante conferência de bens, dever-se-ia exigir a apresentação
de laudo de avaliação feito por profissional ou
empresa especializada. Só assim se dará efetivo
cumprimento ao princípio da integridade do
capital social, outorgando-se aos registradores
públicos – civil ou mercantil –, poderes para o
exame formal da documentação comprobatória
da integralização do capital social. Além disso,
64
Fórum j urí di co
M a n o e l d e qu e i r o z p e r e i r a c a l ç a s
tratando-se de empresa individual de responsabilidade limitada, não se pode admitir que o
capital seja integralizado mediante prestação de
serviços, exigindo-se sempre sua formação em
dinheiro ou bens que permitam avaliação.
A empresa individual de responsabilidade
limitada pode ser constituída para o exercício
de atividade econômica de natureza intelectual (científica, literária ou artística), e, neste
caso, deverá inscrever-se no Registro Civil de
Pessoas Jurídicas. Se, porém, a atividade econômica organizada da empresa individual de responsabilidade limitada consistir na produção
ou circulação de bens ou serviços não intelectuais, ela deverá se inscrever no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 967 e 1.150,
CC). A personalidade jurídica da empresa individual de responsabilidade limitada decorre
da inscrição do ato constitutivo no respectivo
registro (art. 45, CC).
Apenas a pessoa natural poderá ser titular da
eireli, exigindo-se a maioridade civil (18 anos)
ou a emancipação por uma das formas do art. 5º,
parágrafo único, do Código Civil, cumulativamente com a inexistência de impedimentos
constitucionais ou legais. Por exemplo: o magistrado, o membro do Ministério Público, o funcionário público, o militar da ativa, o falido, não
pode ser titular da eireli. Outrossim, salvo as restrições constitucionais, o estrangeiro legalmente
no país poderá constituir empresa individual de
responsabilidade limitada.
O parágrafo único do art. 980-A cria um
impedimento limitativo especial, ao preconizar
que a pessoa natural que constituir eireli somente poderá figurar em uma única empresa
dessa modalidade.
Ressalte-se que os profissionais da advocacia
não poderão exercer sua atividade mediante a
instituição de empresa individual de responsabilidade limitada, haja vista a interpretação
do art. 16 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil),
que, apesar de fazer expressa referência à sociedade de advogados para proibir a adoção
de qualquer forma ou característica mercantil,
inegavelmente, a exegese teleológica da norma
indica o objetivo de se vedar a limitação da responsabilidade dos advogados no exercício do
múnus de sua nobre profissão. Por isso mesmo,
os advogados, pessoas naturais ou as sociedades
– simples – de advogados, devem registrar-se
no Conselho Seccional da OAB em cuja base
territorial forem sediados. Nesta linha entendo
que as sociedades de advogados, mesmo organizadas como empresas sob o prisma da economia, não estão sujeitas à falência, nem têm
direito de pleitear recuperação judicial.
A pessoa que exerce atividade rural (agricultura, pecuária, etc.), a teor do art. 971 do
Código Civil, poderá adotar a forma de empresa individual de responsabilidade limitada e
inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Terá ainda a faculdade de optar pela inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, hipótese em que será equiparada, para
todos os efeitos, ao empresário sujeito ao registro obrigatório, mercê do que deverá cumprir
todas as obrigações empresariais, sujeitando-se
à falência, podendo requerer a recuperação judicial ou a homologação judicial da recuperação extrajudicial, desde que cumpridas as demais exigências da Lei nº 11.101/2005.
A administração da eireli poderá ser exercida
pelo próprio titular ou por terceiro, desde que
observados os impedimentos do art.1.011 do
Código Civil, sendo evidente que pessoa jurídica não pode ser nomeada para administrar a
empresa individual de responsabilidade limitada
(art. 997, VI, CC).
No que diz respeito ao nome empresarial,
mais uma imperfeição terminológica é pratica-
A administração da eireli
poderá ser exercida pelo
próprio titular ou por terceiro
da no § 1º do art. 980-A: “O nome empresarial
deverá ser formado pela inclusão da expressão
“eireli” após a firma ou a denominação social
da empresa individual de responsabilidade limitada”. Obviamente não se trata de firma social,
nem de denominação social. A firma só pode
ser a individual que é disciplinada pelo art.
1.156 do Código Civil, e deverá ser constituída
com o nome da pessoa natural titular da eireli.
A denominação, que deverá indicar o objeto da
empresa individual, poderá ser constituída com
o nome do empresário individual ou expressões de fantasia. Em ambas as hipóteses – firma
individual ou denominação –, deverá aditar-se, ao final, a expressão “eireli”. A omissão da
palavra “eireli” determina a responsabilidade
ilimitada do titular da empresa individual de
responsabilidade limitada, visto que a ela se
aplica, no que couber, as regras previstas para as
sociedades limitadas, ou seja, o art. 1.158, § 3º,
do Código Civil.
A eireli também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das
razões que motivaram tal concentração, como,
por exemplo, a exclusão, a retirada ou o falecimento de sócios. Em tal caso, não será aplicada
a dissolução derivada da unipessoalidade prevista no art. 1.033, inciso IV, do Código Civil.
O sócio remanescente poderá requerer a transformação do registro da sociedade para empresa individual de responsabilidade limitada,
observando-se, no que couber, os artigos 1.113
a 1.115 do Código Civil.
F ó r u m ju r í di co
65
artigo
A falência da empresa
individual de responsabilidade
limitada não acarreta a
falência do titular da eireli
Faculta o § 5º do art. 980-A, seja atribuída
à empresa individual de responsabilidade limitada que for constituída para a prestação de
serviços de qualquer natureza a remuneração
decorrente da cessão de direitos patrimoniais
de autor ou de imagem, nome, marca ou voz
de qualquer detentor titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. Em rigor, inexiste qualquer inovação, haja vista que,
constituída a empresa individual de responsabilidade limitada, surge nova pessoa jurídica
dotada de autonomia, mercê do que, poderá
ela ser cessionária dos direitos titularizados por
outra pessoa jurídica.
A desconsideração da personalidade
jurídica da Eireli
O § 4º do art. 980-A, do Projeto de Lei nº
18, de 2011, do Senado Federal (nº 4.605/09
na Câmara dos Deputados), que deu origem à
Lei nº 12.441/2011, tinha a seguinte redação:
“Somente o patrimônio social da empresa
responderá pelas dívidas da empresa individual
de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme
descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente”.
Esse dispositivo foi vetado pela Presidência da
República, mediante as razões a seguir aduzidas:
“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situa66
Fórum j urí di co
M a n o e l d e qu e i r o z p e r e i r a c a l ç a s
ção’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração
da personalidade jurídica, previstas no art. 50
do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do
projeto de lei, aplicar-se-á à eireli as regras da
sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio”.
Com o devido respeito, o veto não se justifica, haja vista que o dispositivo excluído tinha
o evidente escopo de ressaltar – já que se trata
de importante inovação de nosso ordenamento
jurídico – a cisão patrimonial da pessoa natural,
permitida apenas por uma vez, alteração legal
reclamada há muito tempo, permitida em boa
hora para conceder ao empresário a garantia de
que poderá organizar e exercer empresa individual, sem colocar em risco, com tal atividade,
a integralidade de seu patrimônio pessoal. Obviamente, ao permitir a limitação da responsabilidade da empresa individual, o legislador o
fez sob a presunção de que a eireli seja exercida sob o império dos princípios jurídicos e
das regras legais. Por isso, na dicção do art. 50
do Código Civil, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou pela confusão patrimonial, pode
o juiz decidir, a requerimento da parte ou do
Ministério Público, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos ao patrimônio particular do titular ou
do administrador da empresa individual de responsabilidade limitada.
A aplicação da disregard doctrine poderá ocorrer incidentalmente em processo de execução
ou de falência promovido contra a empresa
individual de responsabilidade limitada, desde que sejam observados os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório
e do devido processo legal. Na mesma linha,
cabível, inclusive, a desconsideração inversa da
personalidade jurídica da eireli para que o pa-
trimônio autônomo dela responda por obrigações particulares de seu titular, observando-se,
da mesma forma, os princípios constitucionais
acima declinados.
Por fim, cumpre deixar anotado que a falência da empresa individual de responsabilidade limitada não acarreta a falência do titular
da eireli, visto que se deverá aplicar, analogicamente, o art. 81 da Lei nº 11.101/2005.
Decretada a quebra da eireli, o administrador
judicial deverá promover a arrecadação dos
bens que integram o patrimônio autônomo
da empresa falida. Caso a arrecadação atinja
bens integrantes do patrimônio pessoal do titular da empresa falida, este poderá valer-se do
pedido de restituição ou dos embargos de terceiro para a liberação dos bens indevidamente arrecadados. Outrossim, a responsabilidade
pessoal do titular ou dos administradores da
empresa individual de responsabilidade limitada falida será apurada no próprio juízo da
falência, independentemente da realização do
ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil
(art. 82 da LFR).
Conclusão
Após esta perfunctória análise da disciplina
da empresa individual de responsabilidade limitada, cumpre afirmar que, malgrado algumas
imperfeições de natureza terminológica e jurídica, o que é próprio de toda obra humana, não
se pode negar que a inovação legislativa deve
ser aplaudida por representar inegável avanço,
visto que supre uma lacuna de nosso ordenamento jurídico, permitindo, a partir de sua vigência, que os empresários individuais possam
exercer sua importante atividade com a segurança decorrente da limitação legal dos riscos a
ela inerentes. n
F ó r u m ju r í di co
67
artigo
Cláudio Finkelstein
Ju l i a Sc h u l z
Moots: ferramentas
de desenvolvimento
profissional
e acadêmico
Cláudio Finkelstein é Livre-Docente em Direito Internacional (2011), Professor de Direito Internacional na
PUC-SP, Coordenador do Núcleo de Direito Arbitral
Internacional e Coordenador do Curso de Pós-Graduação da PUC-SP. Atua como advogado no escritório
Hasson Sayeg, Finkelstein, D’Avila, Santiago Guerra e
Nelson Pinto Advogados.
Julia Schulz é aluna do 7º semestre do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Recebeu menção honrosa como oradora na Competição Brasileira de Arbitragem, em 2011. Estagiária de
Direito no escritório Demarest & Almeida Advogados
na área contencioso cível.
68
Fórum j urí di co
A Primeira Edição do “Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot”, a mais
famosa competição acadêmica jurídica envolvendo arbitragem como forma de solução de
controvérsias, ocorreu em 1994, reunindo apenas onze universidades de nove diferentes países.
Proposta inicialmente em 1992, no Congresso Internacional de Direito Comercial promovido pela Comissão das Nações Unidas especializada nesse ramo (Uncitral), a Competição tinha
como propósito atrair estudantes de Direito a
trabalharem com a Comissão, especificamente
com a CISG (Convenção de Viena sobre Contratos de Compra eVenda Internacional de Mercadorias) e com arbitragem internacional.
Dois secretários da Uncitral, William Vis e
Eric Bergsten, levaram a ideia ao Instituto de
Direito Comercial da Universidade Pace, em
Nova Iorque, a qual adotou a sugestão e formulou o moot “processo simulado” nos moldes em
que se desenvolve atualmente.
Para mensurar a dimensão do sucesso obtido
pelo “Willem C. Vis International Commercial
Arbitration Moot”, sua última edição, realizada em
2010/2011, chegou a reunir estudantes de 254 universidades de um total de 63 países participantes .
A partir desse exemplo, inúmeras competições do mesmo gênero surgiram ao redor do
mundo, desde a China até o Brasil.
Atendo-nos aos moots (como tais competições são chamadas) dos quais a PUC-SP participa, pode-se elencar, além do “Willem C.Vis
International Commercial Arbitration Moot”,
que ocorre em Viena, o “ELSA Moot Court
Competition”, o “Concours d’Arbitrage International de Paris” e a Competição Brasileira de
Arbitragem, também denominada Competição
Petrônio Muniz.
O “ELSA Moot Court Competition”, atualmente em sua 10ª Edição, é organizado pela
Associação Europeia de Estudantes de Direito
(ELSA) e direciona-se a disputas atinentes à Organização Mundial de Comércio.
Já o “Concours d’Arbitrage International de
Paris” e a Competição Brasileira de Arbitragem,
como se depreende dos próprios nomes, envolvem especificamente a arbitragem como método de resolução de conflitos.
O primeiro, criado em 2005, é organizado pela
Faculdade de Direito da “Sciences Po” e realiza-se
em Paris, enquanto a Competição Brasileira de Arbitragem, criada em 2010, resultou de uma iniciativa
da Camarb (Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil) e realiza-se em Belo Horizonte - MG, reunindo estudantes de diversos estados brasileiros.
Todas essas competições mantêm a estrutura
desenhada pela Universidade Pace, contemplando uma fase escrita e outra oral. O “ELSA Moot
Court Competition” tem uma fase de qualificação
regional, enquanto o “Willem C.Vis International
Arbitration Moot” recebe todas as equipes emViena para a fase oral, sem qualquer pré-requisito.
Inicialmente, com a entrega do caso às equipes, estas devem elaborar um memorial em
nome de cada parte do conflito, requerente e requerido. Neste momento, as equipes se reúnem
para discutir o problema, seus anexos e traçar a
estratégia a ser esboçada em cada memorial. Para
tanto, exige-se intensa pesquisa e foco, uma vez
que alcançar um texto satisfatório e coeso em
equipe é sempre um desafio.
Com a conclusão dos memoriais, inicia-se a
preparação para a fase oral. Nesta etapa há uma
efetiva simulação de um tribunal arbitral, de
modo que duas equipes se enfrentam, expondo
oralmente seus argumentos e se sujeitando a perguntas de profissionais que atuam como árbitros
no painel. No “Willem C. Vis International Arbitration Moot” atuam como árbitros notáveis
professores, assim como os principais árbitros profissionais em atividade na atualidade. No “ELSA
Moot Court Competition”, os painéis são presi-
didos por árbitros da própria OMC, funcionários
desta ou das universidades participantes, isto é,
sempre por profissionais especializados na área de
contencioso econômico internacional.
É neste modelo que reside o diferencial dessas
competições. Por terem de elaborar memoriais para
as duas partes envolvidas no conflito, as equipes têm
a possibilidade de analisar os pontos frágeis dos dois
lados e trabalhar com maior profundidade tanto
para fortalecê-los, como para identificar as fraquezas do discurso da equipe concorrente. Arguir o
caso de ambas as partes é um exercício que normalmente o aluno de direito não exercita durante seus
estudos acadêmicos e auxilia no desenvolvimento
de uma lógica e de um raciocínio que se mostram
valiosos na vida profissional do advogado.
Todas essas competições mantêm
a estrutura desenhada pela
Universidade Pace, contemplando
uma fase escrita e outra oral
Como se não bastasse, há ainda a oportunidade
de desenvolver o debate oral, que é muito pouco
estimulado nas universidades. O debate é interessante, pois além de envolver equipes que dominam
profundamente o caso e suas minúcias, conta com
a presença de profissionais atuantes na área, que por
conhecerem a fundo as matérias abordadas, podem
avaliar com extremo rigor a atuação das equipes.
Sem prejuízo dos aspectos mencionados, outro
ponto importante é a assessoria dada por advogados
formados, normalmente atuantes no ramo de arbitragem, defesa comercial ou comércio exterior, que
atuam como coordenadores das equipes. Estes profissionais se propõem a analisar o problema com os
estudantes, debater os pontos e auxiliar com material
para pesquisa e com o preparo para a competição.
F ó r u m ju r í di co
69
artigo
Cláudio Finkelstein
Ju l i a Sc h u l z
Apesar de ser um ramo em notável
crescimento no Brasil, a maioria dos
estudantes ainda não tem acesso à
arbitragem em sua grade curricular
ou início de vida profissional
Eu, Julia Schulz, coautora do presente artigo
e aluna do 7º semestre da PUC-SP, tive a oportunidade de participar da Competição Brasileira
de Arbitragem, em 2011. A competição é recente, mas os organizadores já atribuem a ela a importante missão de difundir a Lei Brasileira de
Arbitragem (Lei 9.307/1996).
Por tal razão, conquanto seja sempre de suma
importância pesquisar e conhecer as legislações
pioneiras sobre o assunto, a competição vem exigindo um aprofundamento maior na legislação
pátria e em obras de doutrinadores locais que estudem a arbitragem sob a ótica do ordenamento
jurídico brasileiro e de suas particularidades.
Apesar de ser um ramo em notável crescimento no Brasil, a maioria dos estudantes ainda não
tem acesso à arbitragem em sua grade curricular
ou início de vida profissional. Nesse sentido, os
moots propiciam a aproximação do estudante de
Direito a esta realidade, conforme observa Ilan Jadoul, aluno da PUC-SP, atualmente em intercâmbio no King’s College de Londres, que participou
em 2010 do “Willem C.Vis International Arbitration Moot” e do “Concours d’Arbitrage International de Paris”: “Considerava a arbitragem um
ramo bastante distante e restrito, do qual apenas
advogados com anos de profissão podiam fazer
parte. Não via essa disciplina como uma disciplina
acadêmica. Isso mudou totalmente com a experiência de mooting, ao ver alunos de até 2º ano de
Direito debatendo questões de grande complexidade jurídica de maneira altamente profissional.”
70
Fórum j urí di co
Com efeito, como bem apontado por Eric
E. Bergsten em artigo de sua autoria, o ensino
jurídico infelizmente não acompanhou o desenvolvimento do Direito Comercial Internacional, incluindo a arbitragem. O atraso se mostra
compreensível, uma vez que os programas das
universidades já estão extremamente sobrecarregados com as matérias do direito nacional.
É essa, inclusive, a percepção de diversos alunos
do Curso de Direito, como Daniel Shil Szriber, cursando o 9º semestre de Direito na PUC-SP, que participou do “Willem C.Vis International Commercial International Arbitration Moot” em 2009/2010
e 2010/2011: “Quando comecei a frequentar as
reuniões da equipe da PUC-SP, não fazia a menor ideia do que era arbitragem, já que nunca havia
ouvido falar sobre este instituto antes. No começo,
achava que não havia muitas diferenças entre a resolução de conflitos por meio de arbitragem e da
jurisdição estatal. Contudo, ao me aprofundar nos
estudos durante a preparação para a competição, comecei a descobrir que existem inúmeras discussões e
especificidades sobre a arbitragem, tão ou mais complexas que aquelas que circundam o processo civil.”
Da mesma forma, ao decidir participar da Competição Brasileira de Arbitragem, deparei-me com
um instituto completamente novo. Apesar de ter
sido mencionada superficialmente em aulas de Direito Civil e Direito Constitucional, a arbitragem
não fazia parte de minha realidade ou de qualquer
perspectiva para o meu futuro.
Neste aspecto reside o primeiro de muitos desafios enfrentados nos moots. Inúmeros estudantes,
ao menos brasileiros, somente têm a oportunidade
de estudar o instituto da arbitragem, ainda que em
termos gerais, ao entrarem na competição. Logicamente, isso afeta o estudo dos casos apresentados,
que, por abordarem questões extremamente técnicas, pressupõem o conhecimento básico do tema.
Vale ressaltar que, entre as matérias opcionais
oferecidas pela própria Puc-sp, há um curso
de arbitragem e também uma matéria de arbitragem internacional, ministrada em língua inglesa. Destaca-se, contudo, que para participar das
competições ora descritas não é necessário cursar
quaisquer dessas matérias.
Ademais, os moots demandam extrema dedicação dos competidores. Os problemas são complexos e bem elaborados. Exigem, portanto, um nível
de pesquisa que a maioria dos estudantes não está
habituada a realizar, rigorosa e disciplinada, abrangendo tanto doutrina como jurisprudência.
A dedicação também é necessária no que tange ao tempo despendido. São meses de muito
esforço, sacrifício, estudo profundo e discussões
em grupo. Isto tudo, é claro, para que se mantenha o nível altamente profissional das equipes,
como já foi evidenciado.
Outro desafio é o de trabalhar com a pressão,
principalmente durante a fase oral, na qual é preciso manter postura e calma perante a equipe contrária e os árbitros. Para tanto, é essencial dominar o
caso e as matérias por ele abordadas, bem como se
familiarizar com os termos técnicos, muitas vezes
em outros idiomas, como em competições em que
o idioma oficial é o inglês ou francês.
O percurso é árduo, mas permite a vivência
de uma das mais ricas experiências que a vida
acadêmica pode oferecer.
De acordo com Marina Amaral Egydio de
Carvalho, professora de Direito Internacional na
PUC-SP, que desde 2009 coordena a equipe do
“Elsa Moot Court Competition”: “A participação no moot foi fundamental em termos pessoais
e profissionais. Pessoalmente, porque a competição
revela e sedimenta capacidades e habilidades que
muitas vezes você desconhece sobre si mesmo. Profissionalmente, há o desenvolvimento de técnicas
argumentativas colocadas oralmente e por escrito.”
Não obstante, ao final, muitos descobrem a
área com a qual se identificam profissionalmente, podendo vivenciar, ainda que de maneira um
pouco ilusória, o dia a dia dos que nela atuam.
Os moots também propiciam a convivência
com a diversidade, na medida em que permitem a interação com algumas das melhores universidades do Brasil e do mundo. Assim, como
em poucas oportunidades, nos moots é possível
debater questões altamente controversas com
acadêmicos de Direito que tenham estratégias e
opiniões completamente diversas.
A ideia que inicialmente somente pretendia atrair estudantes de Direito para trabalhar na
Uncitral, acabou por se tornar uma ferramenta
diferenciada de desenvolvimento e preparo dos
estudantes que procuram trabalhar no ramo do
Direito Comercial Internacional e Arbitragem.
Além disso, ainda que não optem por trabalhar nessas áreas ou em setores correlatos, não há
dúvidas de que o engajamento em uma proposta
deste gênero, por si só, auxilia o aluno a aprimorar-se tanto sob um aspecto acadêmico, como
em variadas atividades profissionais. n
Bibliografia
BERGSTEN, Eric. Teaching about International Commercial Law and Arbitration: the Eighth Annual Willem C.Vis International
Commercial Arbitration Moot, 18º Journal of International Arbitration (August 2001), p. 481-486.
FRADERA,Vera; NEVES, Flavia Bittar; PESSÔA, Fernando José Breda, e outros. Participação das faculdades Brasileiras na 16ª Edição
da Willem C.Vis Arbitration Moot. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 22, Abr/Jun 2009, p. 211-228.
http://www.cisg.law.pace.edu/vis.html
http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/bergsten1.html
http://www.law.northwestern.edu/academics/mootcourt/vis.html
http://www.elsamootcourt.org/
http://master.sciences-po.fr/droit/fr/contenu/concours-darbitrage-international-de-paris
http://competicao.camarb.com.br
F ó r u m ju r í di co
71
artigo
R e n a n L o t uf o
A n d r é Gu i m a r ã e s A v i l l é s
Os 10 anos do Código
Civil Sob a Óptica
Civil Constitucional
Renan Lotufo é advogado e Consultor Jurídico. Professor
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) regendo Direito Civil no Mestrado e Doutorado;
Professor do Centro de Extensão Universitária (CEU).
Coordenador e Professor de Cursos de pós-graduação
lato sensu da Escola Paulista da Magistratura. Membro do
IASP. Presidente do Instituto de Direito Privado (IDP)
até a data de 29 de março de 2010. Ex-presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem do CIESP. Coordenador
da coleção Agostinho Alvim, com vinte obras já publicadas, Cadernos de Teoria Geral do Direito, Cadernos de
Direito Civil Constitucional.
André Guimarães Avillés é aluno do 9º semestre do
curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Participa do projeto de iniciação científica
pela PIBIC CEPE nas áreas de Arbitragem e Direito Societário, com a tese “A Extensão dos Efeitos da Cláusula Arbitral Estatutária nas Sociedades Anônimas”, sob a
orientação do Professor Doutor Giovanni Ettore Nanni.
Estagiário das áreas contenciosa e consultiva cível do escritório Renan Lotufo Advogados Associados.
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Fórum j urí di co
Introdução
A sociedade vive em mudança constante,
fruto do dinamismo que se impõe nas relações
políticas, econômicas e sociais. Foi neste compasso que, sob a coordenação do professor Miguel Reale, grandes nomes do direito, entre os
quais o mestre da PUC Agostinho Alvim, já no
último quarto do século que passou, redigiram
e edificaram os pilares do que viria a ser a Lei nº
10.406/2002, revogando o Código de 1916 e
dando azo a um novo Diploma Civil, moderno
e harmônico com a época atual.
A principal premissa do anteprojeto foi, em síntese, atualizar o Código então vigente, não só para
superar os pressupostos individualistas que condicionaram a sua elaboração, mas também para dotá-lo de novos institutos, reclamados pela sociedade
atual, buscando configurar os modelos jurídicos à
luz do princípio de realizabilidade, em função das
forças sociais operantes, para atuarem como instrumentos de paz social e de desenvolvimento.1
Passados dez anos desde sua promulgação, as
relações civis passaram a ter um aspecto mais paritário, uma vez que o Código de 2002 exprime,
genericamente, os impulsos vitais, formados na
era contemporânea, tendo por parâmetro os valores constitucionais da justiça, solidariedade social
e o respeito da dignidade da pessoa humana.2
O Direito Civil Constitucional
O fato de se tratar de uma legislação cuja entrada em vigor se deu após a promulgação da
Constituição Federal de 1988 facilitou o entrosamento com as novas perspectivas e valores trazidos pelo Código. Houve uma concatenação da
1 Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Civil,
Mensagem 160.
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro,Vol.
I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011. p. 97.
legislação civil com os novos preceitos constitucionais, campo que o Código de 1916 não podia
almejar, dado o caráter restrito à organização do
Estado da Constituição da época da promulgação da ordenação civil.
A essa época os códigos civis eram o centro
do direito positivo, em grande parte por influência do Código Civil Francês.
O direito civil, portanto, deixou de ter apenas
como figura central o Código Civil, que passou a
não mais ser o único texto ordenador das relações
privadas, as quais receberam o enfoque da Constituição, de modo unificado e sistemático, desempenhando o papel de ligação do sistema jurídico.3
Desse modo, um dos grandes méritos do Código Civil, após uma década de sua promulgação,
é o fortalecimento e a sedimentação do direito
Civil Constitucional na doutrina e na jurisprudência brasileira.
Nesse sentido, conforme afirma Paulo Lobo:
“A Constitucionalização do Direito Civil
não é episódica ou circunstancial. É consequên­
cia inevitável da natureza do Estado social, que
é a etapa que a humanidade vive contemporaneamente do Estado moderno, apesar de
suas crises, das frustrações de suas promessas e
dos prenúncios de retorno ao modelo liberal,
apregoados pelo neoliberalismo, que pretende
afastar qualquer intervenção estatal ou consideração de interesse social das relações privadas.
A Constituição Brasileira de 1988 consagra o
Estado social, que tem como objetivos fundamentais (art. 3º) ‘constituir uma sociedade livre,
justa e solidária’, com redução das desigualdades sociais. A ordem jurídica infraconstitucional deve concretizar a organização social e
a economia eleita pela Constituição, não podendo os juristas desconsiderá-la, como se os
3 NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno
de Direito Civil Constitucional,Vol. 2, 1ª Ed, Editora Juruá, São
Paulo, 2001. p. 164.
fundamentos do direito civil permanecessem
ancorados no modelo liberal do século XIX”.4
É nítido que o Código Civil de 2002 abarcou
os princípios do Estado Social. Pode-se perceber,
por exemplo, a alta carga principiológica contida
no direito contratual, uma vez que o reconhecimento à liberdade e autonomia das pessoas sofre
maior resistência dos interesses sociais. Tido por
autores como o dispositivo mais importante do
Código, o art. 421, ao imprimir ao contrato função social – e não apenas um meio de autorregulação entre as partes –, deixou de ter centro na
autonomia da vontade, passando a adotar a autonomia privada, conformada pelo ordenamento,
e a justiça social, que constitucionalmente deve
estar presente em todas as relações econômicas.5
Entretanto, mais do que olhar para trás e nos
deleitarmos com o sucesso e a evolução que o
Código de 2002 trouxe para o ordenamento
jurídico pátrio, é preciso que nos debrucemos
sobre as perspectivas futuras e sobre os perigos
que uma equivocada interpretação pode trazer.
Novas Perspectivas
A boa técnica civil constitucionalista arrazoa
que cada norma infraconstitucional há de ser
aplicada conjuntamente com os princípios constitucionais.A Constituição deve incidir como um
foco de iluminação do todo do sistema.
Pietro Perlingieri alerta sobre o “perigo de
se conceber um sistema jurídico mediante modelos binários, considerando-se o ordenamento
jurídico como um conjunto de normas jurídicas
apartadas da realidade e de sua aplicação jurisdicional, idealizando-se, dessa forma, dois sistemas
distintos: aquele concebido pelo legislador e ou4 LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito
Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade
Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008. p. 20.
5 Idem. p. 25.
F ó r u m ju r í di co
73
artigo
R e n a n L o t uf o
A n d r é Gu i m a r ã e s A v i l l é s
tro resultante dos fatos, nos quais incidirão em
concreto as normas jurídicas”. 6
Nessa linha, Gustavo Tepedino afirma que,
“este modelo binário de interpretação espraia-se em classificações falaciosas, ora segundo os
destinatários das normas jurídicas – legislador
e sujeitos de direito; ora segundo a produção
normativa – legislativa e jurisdicional; ora de
acordo com os campos de conhecimento – direito público e direito privado; ora conforme
os diversos setores de produção normativa – os
microssistemas; e assim por diante. Apoiado em
Pietro Perlingieri, que se insurge contra essa
concepção, demonstrando que somente se afigura possível falar em ordenamento jurídico se
este for concebido em sua unidade: ou bem o
ordenamento é uno ou não é ordenamento”.7
Aqui é importante observar que parte da
doutrina fala em “civilização do Direito Cons6 Ibidem. p. 361.
7 Ibidem. p. 361.
74
Fórum j urí di co
titucional”, pretendendo manter o Código
Civil como centro. As normas constitucionais
não são interpretáveis a partir das infraconstitucionais. A interpretação normativa deve ser
axiológica, com os preceitos constitucionais
consolidados na jurisprudência, na doutrina e
em todos os dispositivos legais. Do contrário,
teríamos uma técnica hermenêutica de interpretação às avessas, invertendo-se a casta dos
valores no ordenamento jurídico.
Com vistas a evitar esta aberração hermenêutica, é cogente que se tenha a pessoa humana
no núcleo do ordenamento jurídico. Há a necessidade de uma harmonização dos valores no
ordenamento como um todo, levando-se em
conta mais do que aspectos formais da norma,
mas também superando a interpretação exclusiva com o método de subsunção.
A interpretação deve, deste modo, fundamentar-se na hierarquia das fontes do direito e dos
seus preceitos, de modo a criar uma dimensão
necessariamente sistemática e valorativa.
Nesta esteira, em busca de maior segurança jurídica na aplicação normativa, deve o intérprete
assumir um compromisso metodológico de aplicação das normas civis constitucionais no qual
haja coerência durante o processo de interpretação, bem como procurar a unicidade de critérios
interpretativos, de modo claro e objetivo, a fim de
limitar as possibilidades interpretativas de caráter
personalíssimo, devendo manter a uniformização
de valores dentro do ordenamento.
Cada aplicação normativa, cada decisão judicial proferida deve levar em conta o ordenamento jurídico como sistema.
Pietro Perlingieri salienta que “a solução
para cada simples controvérsia não pode mais
ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento
jurídico e, em particular, de seus princípios
fundamentais, considerados como opções de
base que o caracterizam”.8
Conclusões
A vigência por quase uma década do Código
Civil de 2002 deixou claro que o referido diploma foi amplamente acolhido pela doutrina e
pela jurisprudência.
Trata-se de um diploma legal que não teve
a pretensão de ser o centro das relações jurídicas, mas sim parte de um corpo normativo com
cláusulas abertas para servir e viabilizar a atuação
do Direito Privado como um todo.
Neste sentido:
“Este Código, pelas suas próprias raízes metodológicas e filosóficas (eticidade-sociabilidade-praticidade), não tem a aspiração de ser um Código fechado. É um Código que está permeado por
valores que vão de encontro ao puro liberalismo e
ao individualismo exacerbado. É um Código que
está imbuído do que o Prof. Reale chamou de
princípio da sociabilidade, ou seja, todos os valores do Código encontram um balanço entre
o valor do indivíduo e o valor da sociedade não
exacerba o social e, ao mesmo tempo, procura em
todas as regras não exacerbar o individualismo”.9
Disto extrai-se que o Código busca que o sujeito de direito tenha uma posição ativa para a
8 Ibidem. p. 370.
9 LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO,
Renan (coords.), Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São
Paulo, 2008. p. 99
A interpretação normativa deve ser
axiológica, com os preceitos
constitucionais consolidados na
jurisprudência, na doutrina e em
todos os dispositivos legais
preservação dos seus direitos, de modo a repugnar a inércia e o comodismo que antes impregnavam o Código Civil de 1916.
Há uma procura constante em favor do equilíbrio individual com o interesse social, sempre
mirando a condição de manutenção da dignidade da pessoa humana nas relações privadas.
Contudo, esta condição deve ser preservada
independentemente da atuação estatal.
Conforme bem vislumbrado por Gustavo
Tepedino, subsistem ainda três preocupações
no âmbito do direito civil, quais sejam (i) a
compreensão atual da metodologia do direito
civil constitucional; (ii) a construção de uma
nova dogmática do direito privado, com coerência axiológica em torno da unidade do ordenamento; (iii) a fidelidade ao compromisso
metodológico.10
Superadas tais barreiras, estaremos diante de
um ordenamento jurídico unitário, o qual preza
pela paz social em busca de um direito mais humano e justo. n
10 TEPEDINO, Gustavo (coord.), ob. cit. p. 371.
Bibliografia
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro,Vol. I, 26ª ed. Saraiva, São Paulo, 2011.
Fontes Bibliográficas
LOBO, PAULO in TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade
Constitucional, Editora Atlas, São Paulo, 2008.
LOTUFO, Renan in NANNI, Giovanni Ettore e LOTUFO, Renan (coords.),Teoria Geral do Direto Civil, 1ª ed. Atlas, São Paulo, 2008.
NANNI, Giovanni Ettore in LOTUFO, Renan, Caderno de Direito Civil Constitucional,Vol. 2, 1ª ed. Juruá, São Paulo, 2001.
TEPEDINO, Gustavo (coord.), Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, Editora Atlas,
São Paulo, 2008.
F ó r u m ju r í di co
75
artigo
O SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL E O PLEBISCITO
PARA DESMEMBRAMENTO
DE ESTADO-MEMBRO
Felipe Penteado Balera é mestrando pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, com a tese “Federalismo e as possíveis alterações no território dos Estados Federados”. Graduado pela mesma instituição. Autor
do artigo acadêmico “Medida Provisória: o controle dos
requisitos constitucionais de relevância e urgência pelo
Congresso Nacional e pelo STF”, publicada na Revista
Brasileira de Direito Constitucional (v. 14, p. 25-52, 2009).
76
Fórum j urí di co
F ELI P E P ENTEADO BALERA
APRESENTAÇÃO DO TEMA
O tema da consulta popular obrigatória,
nas propostas de desmembramento de Estados
ou de Municípios, voltou a ser discutido com
grande ênfase no ano de 2011, em virtude
dos decretos legislativos 136 e 137 aprovados
pelo Congresso Nacional. Tais decretos convocaram plebiscito para a população paraense
opinar sobre a criação de dois novos Estados
– Tapajós e Carajás – por desmembramento do
Estado do Pará.
Uma questão de relevância jurídica sobre a
consulta popular para o desmembramento de
um Estado-membro, que ficou em evidência por
conta do plebiscito no Estado do Pará e chegou
a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) 2650/GO, diz respeito a quem deve votar
em tais pleitos indispensáveis às alterações nos
territórios dos Estados e dos Municípios.
A questão ganha contornos suscetíveis de
divergência porque a Constituição Federal de
1988, ao incluir o plebiscito como requisito essencial para as alterações territoriais nos Estados,
não definiu com clareza qual população deve
votar em tais casos, utilizando apenas a expressão “população diretamente interessada”.1 Desta forma, podem surgir diversas interpretações
acerca da expressão.
Este artigo procurará identificar as interpretações para a referida expressão conferidas pelo
legislador e pela jurisprudência do STF, desde
a promulgação da Constituição Federal, verificando se o sentido atualmente compreendido
atende ao propósito do constituinte.
1 Art. 18, § 3º – Os Estados podem incorporar-se entre si,
subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou
formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito,
e do Congresso Nacional, por lei complementar.
A definição da população que será consultada
é de fundamental importância, pois é evidente
que o resultado pode ser diverso de acordo com
os detentores do direito de votar. A título de
exemplificação, alcançar-se-ia resultado oposto
no plebiscito do Pará, caso fosse aplicada outra
interpretação à expressão, conforme se nota a
seguir. A consulta realizada em 11 de dezembro
de 2011 contou com a participação de toda a
população do Estado do Pará e a maioria (cerca de 66%2) da população paraense rejeitou a
criação das duas novas unidades federativas.
Certamente, alcançar-se-ia resultado oposto
no referido plebiscito, caso fosse aplicada outra
interpretação à expressão, ou seja, se a consulta
popular se restringisse à população da área que
se pretende desmembrar, o resultado seria outro. Isso porque tanto a população da região do
Tapajós quanto a do Carajás votaram em sua
grande maioria a favor da cisão,3 conforme dados do Tribunal Eleitoral do Pará.
A Constituição Federal exige plebiscito tanto para o caso de desmembramento de Estados
Federados, quanto de Municípios, em que pese
o procedimento para que ocorram tais divisões
seja diverso, sendo no primeiro caso exigível
lei complementar federal, enquanto que no
segundo lei estadual. Ao delimitar o alcance
destas manifestações populares, a Magna Carta
utilizava expressões bastante similares: “população diretamente interessada” para as consultas
sobre alterações nos territórios dos Estados e
“populações diretamente interessadas” para as
consultas acerca das alterações nos territórios
dos Municípios.
Até 1998, não existia lei federal definindo o
objeto da expressão “população diretamente interessada”. Por outro lado, leis estaduais procuravam delimitar o alcance do plebiscito exigível
para que houvesse desmembramento de Município, estendendo a consulta tão somente à população da área que pretendia se desmembrar e
não à do Município inteiro.4
Naquele ano, porém, foi editada a Lei Federal
nº 9.709/98, que dava sentido diverso à sobredita expressão. Assim, na forma do art. 7º 5 da
referida lei, no plebiscito para eventual desmembramento de Estado ou Município, deveriam
opinar tanto a população do território a ser desmembrado, quanto da área sobejada.
No caso dos Municípios, o próprio texto constitucional já havia sido alterado, pela
Emenda Constitucional nº 15 de 1996. Esta
alterou a expressão “populações diretamente
interessadas” por “populações dos municípios
envolvidos”, o que acarretou a incompatibi-
2 Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará,
disponíveis em http://www.tre-pa.jus.br/eleicoes/plebiscito-2011/relatorios-da-votacao-dos-plebiscitos-2011, acesso em 9
de janeiro de 2012.
3 Na região que seria desmembrada para a criação do novo Estado do Carajás, a população de todos os municípios foi favorável
ao desmembramento (em 34 dos 39 municípios da região, o voto
favorável superou o percentual de 90%). Na região que seria
desmembrada para a criação do novo Estado do Tapajós, o voto a
favor do desmembramento também ganhou com larga vantagem.
O voto a favor só perdeu em 4 dos 25 municípios do pretenso
Estado, sendo que no Município mais populoso da região, Santarém, a votação a favor do desmembramento superou 98% dos
votos (Conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Pará).
4 Neste sentido, foram expressas as seguintes leis complementares estaduais, entre outras: Lei Complementar do Estado do
Rio Grande do Sul nº 9070/90, Lei Complementar do Estado
do Paraná nº 56/91, Lei Complementar do Estado de São
Paulo nº 651/90 e Lei Complementar do Estado de Pernambuco nº 01/90.
5 Art. 7o – Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4º e
5o entende-se por população diretamente interessada tanto a
do território que se pretende desmembrar, quanto a do que
sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a
população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o
acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que se
manifestar em relação ao total da população consultada.
Quem é população diretamente
interessada para o legislador
F ó r u m ju r í di co
77
artigo
lidade das leis estaduais com a Constituição
Federal no que tange à população participante do plebiscito. Todavia, quanto às alterações
territoriais nos Estados, a redação permaneceu, e permanece até hoje, inalterada, mantendo a expressão “população diretamente interessada”, suscetível a diversas interpretações,
o que faz com que a posição adotada pela Lei
nº 9.709/98 possa ter sua constitucionalidade questionada por aqueles que entendem ser
diversa a intenção do Constituinte. Consequentemente, cabe à mais alta Corte de Justiça analisar se a Lei em tela, ao definir quem
é população diretamente interessada, atendeu
ao propósito da Constituição Federal.
Quem é população diretamente interessada
para o Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal, como guardião
da Constituição, tem a competência para controlar a constitucionalidade das leis e atos normativos federais ou estaduais que a violem. Assim, se a lei ou o ato normativo não estiverem de
acordo com a Carta Magna brasileira, caberá ao
órgão máximo da Justiça, quando provocado por
ação direta de inconstitucionalidade, declarar
sua incompatibilidade com texto constitucional,
tornando a lei inaplicável.
No exercício desta competência, o STF exerce papel interpretativo, ou seja, antes de decidir se a lei ou o ato normativo são contrários à
Magna Carta, deve interpretar o sentido de seu
texto, estabelecendo a conotação adequada a vocábulos passíveis de vários significados. É o caso
do termo ora discutido, que delimita o campo
de abrangência do plebiscito necessário ao desmembramento de um Estado.
O Supremo Tribunal Federal já julgou ações
diretas de inconstitucionalidade contra leis
complementares estaduais que procuravam de78
Fórum j urí di co
F ELI P E P ENTEADO BALERA
finir o campo de abrangência dos plebiscitos
para o desmembramento de Municípios. Recentemente, julgou a ADI nº 2.650, proposta
pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás,
na qual se questionava a interpretação da Lei
nº 9.709/98 para a expressão “população diretamente interessada” com relação ao desmembramento do Estado.
As leis complementares estaduais, que regulamentavam o tema do desmembramento e a
criação de novos municípios antes da edição da
Emenda Constitucional nº 15 de 1996, indicavam que a consulta deveria ser realizada apenas
com a população da área a ser desmembrada.
Assim, as ADIs pretendiam declarar a inconstitucionalidade de tais normas, sob o fundamento
de que no plebiscito deveria opinar toda a população do Município objeto do desmembramento. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar
tais ações – como a ADI 733/MG, entre outras
–, considerou constitucionais as leis complementares estaduais. Logo, delimitou a abrangência da expressão “populações diretamente
interessadas” como sendo apenas a população
da área a ser desmembrada.
No entanto, como anteriormente mencionado, após a EC nº 15/96, passou-se a exigir o
plebiscito com a população de todo o Município como requisito para que haja seu desmembramento. Com relação aos Estados-Membros
permaneceu no texto constitucional a expressão “população diretamente interessada”. Nesse
sentido, foi promulgada a Lei Federal nº 9.709
em 1998, que estendeu a interpretação da expressão referente aos Municípios ao caso dos
Estados, isto é, devendo toda a população do Estado votar em tais pleitos.
A ADI 2.650/GO, julgada em 2011, questionou essa interpretação da Lei Federal nº
9.709/98, alegando que população diretamente
interessada deveria ser apenas a da área que seria
desmembrada. Portanto, se o STF mantivesse o
seu antigo entendimento, qual seja, a de que a
população diretamente interessada no caso de
desmembramento é a da área desmembrada, deveria julgar procedente a ação.
Contudo, modificou seu entendimento, julgando improcedente a ação. Desta forma, permanece válida a interpretação legal, que define
população diretamente interessada no caso do
Estado como a população tanto da área a ser desmembrada quanto da remanescente.
Decidiu-se por unanimidade pela improcedência da ADI 2650/GO. Entretanto, o Ministro Marco Aurélio fez uma ressalva quanto ao
sentido da expressão “população diretamente
interessada”, sustentando que em tais plebiscitos deveria ser consultada toda a população nacional. Esta tese, à qual se filiam outros ilustres
juristas,6 tem como fundamento os seguintes
argumentos: a criação de novo Estado por desmembramento traria custos adicionais à União
e diminuição das receitas dos Estados no Fundo
de Participação dos Estados e Distrito Federal
e, portanto, toda a população nacional arcaria
com tais despesas, o que demonstraria o interesse nacional na questão; e a criação de novo
Criação de novo Estado
diminuiria a representação
proporcional dos outros
Estados no Senado
6 Além do Ministro Marco Aurélio, por ocasião do plebiscito
realizado no Estado do Pará em 12 de dezembro de 2011, outros ilustres juristas, como Dalmo de Abreu Dallari, sustentaram
que o plebiscito deveria reunir todos os eleitores do Brasil e
não apenas a população do Pará. Dalmo Dallari inclusive entrou com requerimento administrativo pedindo que o Tribunal
Superior Eleitoral ampliasse a consulta para todo o país.
Estado diminuiria a representação proporcional
dos outros Estados no Senado, uma vez que o
novo Estado elegeria mais três Senadores. Assim, com o aumento do número de Senadores
para a mesma quantidade de eleitores, os direitos políticos dos cidadãos de outros Estados
seriam afetados.
Quem deve ser considerada como população
diretamente interessada no plebiscito para
o desmembramento de Estado
Como visto, prevalece atualmente o entendimento de que a população diretamente interessada no plebiscito para desmembramento de Estado
é toda a sua população, englobando a população
da área desmembrada e a da remanescente.
Todavia, existem duas posições divergentes. A primeira entende que se deva consultar
apenas e tão somente a população da área desmembrada – esta posição é a que prevalecia no
Supremo Tribunal Federal até o julgamento da
ADI 2.650/GO. Já a segunda, manifestada no
voto do Ministro Marco Aurélio neste controle
concentrado, entende que se deva considerar
“população diretamente interessada” toda a população nacional.
Parece que a posição expressa na Lei nº
9.709/98, prevalecente na mais alta Corte após
o julgamento da referida ADI, é a que melhor
interpreta a expressão.
Por um lado, a restrição do plebiscito para
abranger apenas a população da área a ser desmembrada não atenderia ao mandamento
constitucional, pois a população da área remanescente do Estado tem evidente interesse na
manutenção da integridade territorial do ente
federativo do qual faz parte. Por outro lado,
não há interesse direto que torne plausível a
intervenção eleitoral da população de Estados
alheios àquele que sofrerá desmembramento. n
F ó r u m ju r í di co
79
artigo
CRIMES DE TRÂNSITO
COM MOTORISTAS
EMBRIAGADOS:
CULPA CONSCIENTE OU
DOLO EVENTUAL?
Christiano Jorge Santos é professor de Direito Penal na
Faculdade de Direito da PUC-SP, Mestre e Doutor pela
mesma instituição de ensino (Direito das Relações Sociais
– Direito Penal). Leciona Direito Penal e Direito Processual Penal em vários cursos de pós-graduação lato sensu. É
Promotor de Justiça em São Paulo/SP e autor dos livros
Crimes de Preconceito e de Discriminação (2ª edição – editora
Saraiva); Direito Penal: Parte Geral e Prescrição Penal e Imprescritibilidade (estes últimos pela editora Campus/Elsevier),
além de autor e coautor de diversos artigos jurídicos.
80
Fórum j urí di co
Christiano Jorge santos
Introdução
Discute-se, há muito, a diferença entre culpa
consciente e dolo eventual no âmbito acadêmico e doutrinário, no Direito Penal.
O tema, que conta com divergências entre
os especialistas, portanto complexo em termos
dogmáticos, ressurgiu com força recentemente,
ante a impunidade promovida pela branda legislação criminal brasileira e diante das consequências gravíssimas advindas dos acidentes de
trânsito (especialmente aqueles que resultam em
mortes e ferimentos graves das vítimas). Soma-se a tudo, para justificar o maior clamor social, a
atenta cobertura pela imprensa de trágicos atropelamentos e colisões verificados em todo o país,
inclusive por motoristas embriagados.
De todos os fatores acima expostos, advêm
diversas consequências: a população (aqui falando da parcela leiga em direito penal) passa a clamar por Justiça e os agentes públicos, seja com
a sincera intenção de evitar a impunidade, seja
por influência ou não da vox populi, às vezes de
maneira precipitada, passam a classificar como
“assassinos” (autores de homicídios dolosos –
por dolo eventual) motoristas que agem com
culpa stricto sensu.
Como resultado da rigorosa interpretação
(indevida, se for possível verificar prontamente
os indícios), autua-se o motorista em flagrante
e não se possibilita, num primeiro momento, a
concessão da liberdade provisória. Encaminha-se o caso ao Tribunal do Júri e não a uma das
Varas Criminais comuns. Daí, se denunciado
pelo Ministério Público e pronunciado pelo
juiz da Vara do Júri for, por fim, deixa-se o destino do responsável pelo acidente nas mãos de
sete jurados leigos. Em suma, sete cidadãos que
não conhecem o direito penal (via de regra,
nem o direito) decidirão se o agente agiu com
dolo eventual ou com culpa consciente.
Parênteses: não se pretende aqui discutir a
validade ou não do Tribunal do Júri (de cuja
existência, aliás, sou defensor), mas ressaltar um
dado inequívoco: não será o critério técnico-penal o principal norteador da decisão no
plenário do júri (o que não significa que não
se faça “justiça”, ali, por tal critério nem que
o juiz togado não possa promover “injustiças”),
ou seja, o que se pretende acentuar é a possibilidade efetiva de ser praticamente irrelevante
o que diz ou deixa de dizer a doutrina sobre o
dolo eventual ou sobre a culpa consciente para
aqueles que se comovem pelas lágrimas (justas e
sinceras, no mais das vezes) da viúva sentada na
assistência da sessão de julgamento ou àqueles
que se revoltam porque o motorista da Ferrari
que se encontrava bêbado no momento do acidente não se mostrava comovido nem arrependido, nas imagens da TV.
Mas, se assim é, qual a relevância de tal distinção (culpa consciente de dolo eventual), na prática?
Apenas a definição de quem julgará o acusado?
Evidentemente que não.
O trato legal da questão e a “impunidade”
O causador de um acidente de trânsito que
venha a ser condenado pela prática de homicídio culposo na condução de veículo automotor
(art. 302 da Lei nº 9503/97, o Código de Trânsito Brasileiro) sujeita-se a penas de 2 a 4 anos
de detenção e mais a suspensão ou proibição
do direito de dirigir. Gera espanto que o causador de acidente semelhante, julgado como autor
de homicídio por dolo eventual, poderá, se for
considerado culpado, cumprir de 6 a 20 anos de
reclusão (homicídio simples – art. 121, caput, do
Código Penal) ou poderá mesmo se sujeitar a
arcar com 12 a 30 anos de reclusão se o homicídio for tido como qualificado (art. 121, § 2º,
do mesmo Código – normalmente incorre na
qualificadora do motivo fútil, crime hediondo,
este último, aliás).
Acresça-se que o condenado por crime culposo, se for primário e tiver bons antecedentes,
“cumprirá” sua pena no regime aberto (o que
hoje significa dizer, em termos práticos, que deverá ficar recolhido em sua própria casa, durante
parte do dia – normalmente – sem fiscalização
alguma). Como se não bastasse, caberá a substi-
Sou contra a impunidade hoje
resultante da aplicação legal,
mas não defendo que se altere
o conceito de dolo eventual para
“obter Justiça”
tuição da pena detentiva por penas restritivas de
direitos, que poderão ser prestação de serviços à
comunidade (por exemplo, em creches, hospitais
ou órgãos públicos, durante algumas horas na semana) ou até mesmo uma quase simbólica limitação de final de semana (art. 43 e 44 do Código
Penal). Não obstante, prevê o art. 301 do Código
de Trânsito Brasileiro que o motorista não será
preso nem precisará recolher fiança se prestar
pronto e integral socorro à vítima.
A esta altura deve o leitor estar a se questionar: o autor do texto é a favor ou contra a utilização da aplicação do dolo eventual aos causadores de acidentes automobilísticos fatais? É
favorável ou contrário à impunidade?
A resposta é muito simples. Sou contra a impunidade hoje resultante da aplicação legal, mas
não defendo que se altere o conceito de dolo
eventual para “obter Justiça”.
Ou seja, não pode decorrer da falha legislativa e da consequente impunidade a equiparaF ó r u m ju r í di co
81
artigo
Faz-se necessário, portanto,
um aperfeiçoamento
legislativo voltado à correção
da situação hoje imperante
ção de uma conduta culposa a outra dolosa (por
dolo eventual), para efeito de punição.
Faz-se necessário, portanto, um aperfeiçoamento legislativo voltado à correção da situação
hoje imperante, sem que se distorçam os conceitos doutrinários e sem que sejam situações
semelhantes julgadas de formas distintas. Vale
dizer, sem que alguns motoristas sejam condenados a cumprir 12 anos de reclusão em regime
inicial fechado (efetivamente presos) e outros a
“cumprir” dois anos de detenção, em regime
aberto, substituída a sanção por “limitação de
final de semana”, a talante dos intérpretes da lei
(sejam o Delegado de Polícia, o Promotor de
Justiça, o Juiz de Direito ou os jurados).
Da diferença técnica entre dolo eventual
e culpa consciente
Feitas as considerações acima, incumbe distinguir dolo eventual de culpa consciente.
Como é sabido, o comportamento doloso é
aquele intencional. Dolo equipara-se a intenção,
vontade de produzir o resultado.
Todavia, o Código Penal brasileiro, em seu
art. 18, inciso I, estabelece ser doloso o crime
“(...) quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.
A primeira parte da norma (“quando o
agente quis o resultado”) corresponde ao dolo
direto. Como exemplo, pode-se referir o motorista de uma caminhonete que vê um inimigo,
distraidamente atravessando a rua à sua frente e
82
Fórum j urí di co
Christiano Jorge santos
resolve matá-lo. Acelera e o atropela. Sobrevindo o óbito do pedestre, responderá por homicídio doloso (art. 121, caput, do Código Penal ou,
se considerada alguma qualificadora do delito,
art. 121, § 2º do mesmo código).
Com o dolo eventual não é tão simples assim
a questão.
Isto porque, “assumir o risco de produzir o
resultado” não corresponde apenas a antever o
resultado e, mesmo assim, agir, como alguns, indevidamente, propagam.
Na lição de Nelson Hungria, Assumir o risco é
alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco:
é consentir previamente no resultado, caso venha este,
realmente a ocorrer.1
Para Bitencourt, nosso Código adotou a teo­
ria da vontade, em relação ao dolo direto, e a teoria
do consentimento, em relação ao dolo eventual. Esta
última, para o autor, prevê ser também dolo a
vontade que, embora não dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou possível, consente
na sua ocorrência ou, o que dá no mesmo, assume o
risco de produzi-lo.2
Não cabendo quanto ao dolo, nos estreitos
limites deste trabalho, tecer distinções entre as
teorias da vontade, da representação, do consentimento ou do risco, reproduzo, em parte, o conceito antes já exposto: Verifica-se o dolo eventual
quando o agente assume o risco de produzir o resultado.
Ele não quer sua produção (pois se o desejasse estaríamos frente ao dolo direto), mas o antevê e mesmo assim
age, assumindo o risco de sua produção, ou seja, ele
aceita a produção do resultado, mesmo não o querendo
realizado, necessariamente, como um inconsequente que
atira uma pesada pedra para o alto em local onde passam pedestres e diz ‘na cabeça de quem cair, caiu’. Entre
desistir da conduta e correr o risco de produzir o dano,
1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. I, tomo
II, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 122.
2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. v. 1,
16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 316/317.
ele prossegue na conduta e assume o risco. Exemplo:
‘A’, fugindo da polícia em um veículo roubado, em alta
velocidade, percebe que logo à frente há um policial a pé
dando sinal de parada. Ao invés de diminuir a velocidade do veículo, mantém-na e, mesmo não desejando
atropelar o agente público (pois atropelar pode significar
a perda do controle do carro, o atraso de sua marcha e,
consequentemente sua prisão), pensa em passar a seu
lado numa pequena brecha do bloqueio, como o raciocínio do tipo: ‘se matar, azar dele’. Acaba por atropelá-lo
vindo o policial a falecer.3
Em outras palavras, quem age com dolo
eventual pratica a “teoria do ‘dane-se’ ”. Ou seja,
“não quero matar, mas se alguém morrer em
razão do meu comportamento, dane-se, azar o
dele, ou pouco me importa”.
Já a culpa em sentido estrito significa a produção de um resultado previsto na lei como crime, mas praticado pelo autor sem intenção (sem
dolo direto nem dolo eventual). Ou seja, decorre
o resultado de imperícia, negligência ou imprudência. É, no mais das vezes, o descomedimento,
o comportamento do inconsequente.
A culpa pode ser dividida em culpa inconsciente (quando o agente do delito não antevê a
possibilidade do resultado) e em culpa consciente
(hipótese em que o autor do crime antevê a possibilidade de produzir o resultado, mas sinceramente não deseja produzi-lo de modo algum).
Tratando especificamente desta última, cabe
lembrar que o indivíduo embriagado que deixa
o bar despedindo-se dos amigos que insistem
em levá-lo para casa e o alertam que pode ele,
naquele estado, provocar um acidente fatal, será
ou não autor de um crime doloso (por dolo
eventual) ou culposo (por culpa consciente), a
depender da situação verificada instantes antes
do acidente, a partir de um critério puramente
subjetivo, ou seja, a diferenciação se dará pelo
3 SANTOS, Christiano Jorge. Direito Penal – Parte Geral. Rio
de Janeiro: Campus Elsevier. p. 61-62.
que passa na mente do sujeito (a assunção da
“teoria do dane-se” ou não).
Nada mais equivocado, em termos dogmáticos, por conseguinte, que afirmar ter o motorista, “ao dirigir em alta velocidade, embriagado,
assumido o risco de produzir o resultado morte”. Não é possível afirmar-se isso pelo resultado objetivamente verificado.
Pode-se imaginar um recém-casado apaixonado pela esposa que se embriaga para comemorar sua gravidez. Ao levar a mulher e seu
futuro filho, inadvertida e imprudentemente, do
restaurante para casa, acelera o veículo mais do
que o devido, sobe na calçada, atropela um pedestre mortalmente, choca-se contra um muro
e mata esposa e feto. Dolo eventual? Passou por
sua mente a ideia de “se morrer alguém, dane-se?”. Evidentemente que não. O caso é de culpa
F ó r u m ju r í di co
83
artigo
(consciente, se antevira – como é provável - o risco de dirigir sob o efeito de etílicos) e não de
dolo eventual.
Como se vê, embora não seja tarefa tão simples, em termos teóricos, é possível distinguir-se o dolo eventual da culpa consciente. Árdua
pode ser a tarefa, entretanto, de se estabelecer a
distinção em termos práticos, ou seja, difícil é a
produção da prova (e falar de prova envolve o
Direito Processual Penal e não o Direito Penal)
do dolo eventual ou da culpa consciente.
Nada obstante, esta distinção deve se dar com
base nos preceitos teóricos e sempre alicerçada no
bom senso, aliado à coleta das circunstâncias todas
que envolvem o evento danoso, tais como ter o
motorista freado bruscamente antes do embate, ter
acionado por diversas vezes o farol alto, acionado a
buzina, entre tantos outros elementos.
Nesta toada, parece muito difícil que um motorista, embriagado ou não, que cause mortes
no trânsito, aja com dolo eventual. Até mesmo
por egoístico e deplorável interesse material, a
84
Fórum j urí di co
Christiano Jorge santos
lógica “não quero colidir meu carro esportivo
importado porque ele custa caro”, não veria
como resultado “aceitável” a produção de uma
colisão ou um atropelamento.
Nunca é demais repetir: mesmo a culpa consciente ou a mais intensa culpa não se equiparam
ao dolo eventual. O dolo eventual não guarda
relação com graus de culpa, tampouco corresponde à irresponsabilidade extremada. Trata-se
de questão subjetiva, de aferição da intenção ou
da ausência de intenção do agente.
Conclusões
Como não se confunde dolo eventual com a
culpa consciente e, comumente, nos casos de acidentes automobilísticos (envolvendo motoristas
embriagados ou não), não há elementos indiciários
claros de ter o agente agido com dolo eventual, não
podem os agentes públicos agir com rigor excessivo, seja a pretexto de “fazer justiça”, seja porque
estão sob a pressão da opinião pública.
É certo caber à Justiça dar uma resposta à
sociedade, sua destinatária, mas também igualmente correto que aos juízes “não é dado fugir
à responsabilidade de um julgamento, atirando-a
aos jurados, lavando suas mãos na pia do conflito
emocional”, como bem dito por Pierangeli.4
Se assim é, cabe ao motorista embriagado
que provoca mortes no trânsito (evidentemente excetuadas as hipóteses de dolo direto), ser
indiciado, no inquérito policial, como incurso
no Código de Trânsito Brasileiro, quando não
houver indícios claros de que tenha agido com
dolo eventual.5 Transformá-lo em réu perante
o júri e não a justiça comum, pese o princípio
in dubio pro societate inerente à vestibular fase do
processo e à pronúncia, ante os mesmos indícios
acima descritos, não corresponde ao mais abalizado dogmatismo penal nem à medida socialmente mais adequada. Igualmente, ao final, se
não houver prova clara do dolo eventual, com
base na aplicação do princípio in dubio pro reo,
deverá o autor ser responsabilizado pela prática
de homicídio culposo, devendo o juiz de direito atentar para as circunstâncias do art. 59 do
Código Penal para elevar as penas, se caso for.
Ademais, de lege ferenda, cabe ao Poder Legislativo, ante o clamor popular e o aumento
da violência no trânsito, debruçar-se sobre a
questão, com urgência, mas sem precipitação,
para que se altere o quadro atual, na busca de
uma solução de não se equiparar a um frio
assassino o motorista embriagado que mata.
Mas, ao mesmo tempo, candente a necessidade
de se encontrar uma fórmula legal para que
aquele que age com tamanha irresponsabi4 PIERANGELI, José Henrique. Morte no Trânsito: culpa
consciente ou dolo eventual? São Paulo: Revista Justitia, 2007 –
volume 197. p. 47-63.
5 Remeta-se ao item 2: o causador de acidentes de trânsito
condenado pela prática de homicídio culposo, na condição de
veículo automotor, incorre no art. 302 do Código de Trânsito
Brasileiro.
Por fim, nunca é demais recordar
não ser o direito penal o único modo
de enfrentamento da questão
lidade também não se sinta impune e, assim,
incentivado a comportar-se indevidamente
na condução de veículos automotores. Talvez
a criação de uma nova causa de aumento de
pena, a proibição de determinadas penas alternativas (como fez a Lei “Maria da Penha”, Lei
nº 11.340/2006) ou então a obrigatoriedade
de cumprimento de determinadas sanções
possam fazer frente às necessidades sociais.
Também convém não olvidar a necessidade de
aperfeiçoamento do tipo penal do crime de
perigo de dirigir sob efeito de substâncias embriagantes (e sua punição efetiva) e a revisão
do entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o “direito” de não ser colhida prova
da embriaguez ante a recusa do motorista a
soprar o etilômetro (apelidado “bafômetro”)
ou a fornecer sangue, como importantes fatores preventivos.
Por fim, nunca é demais recordar não ser o
direito penal o único modo de enfrentamento da questão. Neste caso específico, o aumento
da fiscalização administrativa e, acima de tudo,
a educação, surtirão efeitos benéficos a todos e,
quiçá, com a somatória de todas as providências,
deixe o Brasil de figurar como um dos países
com trânsito mais violentos do mundo,6 evitando-se tantas internações, aposentadorias precoces, gastos de toda ordem e, principalmente
poupando-se milhares de vidas. n
6 Informe sobre la situación mundial de la seguridad vial: es hora de
pasar a la acción. Organização Mundial de Saúde, 2009. p. 12 e
240-247.
F ó r u m ju r í di co
85
artigo
REFLEXÃO SOBRE
A QUESTÃO URBANA
BRASILEIRA
Juliana Somekh1 é estudante do 7º semestre do curso de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
participou, em 2010, do curso de Regularização Fundiária de Assentamentos Informais, no Instituto Pólis; atual
pesquisadora do PIBIC-CEPE com a tese “Direito à propriedade e as políticas urbanas brasileiras: limites e possibilidades”, sob orientação da Professora Doutora Silvia
Carlos da Silva Pimentel.
1 “Art. 1º, Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei,
denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de
ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do
bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Art. 2o. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I –
garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental,
à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos,
ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.”
Lei nº 10.257 de 2001(Estatuto da Cidade).
86
Fórum j urí di co
Ju l i a n a S o m e k h
Os instrumentos de políticas urbanas existentes
no ordenamento jurídico brasileiro são consequência de uma longa luta da população, iniciada na
década de 1960, devido ao surgimento dos problemas urbanos no Brasil.Aproximadamente quarenta
anos depois, foi promulgada a Lei nº 10.257/2001,
conhecida como Estatuto da Cidade, fruto de muita negociação e pressão sobre o Congresso Nacional e o Governo Federal. Esse diploma, regulamentando o disposto no art. 1821 da nossa Constituição,
traça diretrizes jurídicas visando consolidar o direito urbanístico; obter uma gestão democrática das
cidades; instrumentalizar a regularização fundiária
dos assentamentos informais em áreas urbanas municipais; e estabelecer uma ordem urbana mais justa
e inclusiva nas cidades brasileiras.
Concebe-se, sob a perspectiva filosófica rous­
seauniana,2 que a propriedade privada, assim
como as próprias leis, surge em um momento histórico no qual o homem se vê obrigado a inventar
mecanismos para sobreviver em comunidade, rompendo com a igualdade e liberdade natural, inerente
a todos os indivíduos. Em tal momento, a autonomia
em relação aos seus semelhantes se desfaz e o homem passa a evoluir em situação de dependência em
relação a outro homem. Isto é, ao produzir em um
pedaço de terra, que na teoria seria um espaço pertencente à sociedade, o homem começa a adquirir
frutos e, na intenção de preservar a sua produção dos
demais indivíduos, toma para si aquele espaço físico.
Dessa forma, nasce a necessidade de limitar o que
seria de um e o que seria do outro, não cabendo mais
a possibilidade de existir espaços sociais de produção, uma vez que o trabalho individual traz o sen1 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes. Art. 182, Constituição Federal de 1988.
2 Perspectiva extraída, entre outras obras, de: ROUSSEAU,
Jean-Jacques. O Contrato Social. Trad. Pietro Nasseti. Revisado
por Antonio Carlos Marquês. 20ª ed. São Paulo: Martin Claret,
2001. p. 128.
timento de posse. Para viabilizar esta limitação em
uma sociedade que objetiva o estado de paz, e não
de guerra, criam-se leis e estrutura-se um governo.
Em virtude disso, a relação do homem e da
propriedade se concretiza pela produção para
provisão e pela habitação, enquanto o Direito,
ante sua função de organizador da sociedade por
meio de leis, legitima a propriedade privada e respalda as desigualdades existentes.
No mesmo sentido da concepção de Rousseau,3
historicamente entende-se que o surgimento da
propriedade urbana precisou ser regulado pelo direito para que se estabelecesse a organização social.
O desenvolvimento das cidades, na Europa e no
mundo, se deu pela industrialização, uma vez que a
comercialização ocorria de forma mais eficaz nos
polos urbanos. A propriedade urbana aparece, neste momento, como um ambiente fabril, em que
se objetiva apenas a produção. Os trabalhadores da
época originalmente moravam no campo e se deslocavam para a cidade somente para trabalhar. No
entanto, a distância de um local para o outro se tornou inviável enquanto percurso diário, obrigando
os trabalhadores, com suas famílias, a se mudarem
para os polos urbanos. Foi então que as propriedades urbanas, além de servirem para produção,
passaram a convir também para o fim habitacional.
No Brasil, a questão da propriedade seguiu lógica semelhante. No período colonial, a divisão das
sesmarias possibilitou a criação de grandes latifúndios. Contudo, a não demarcação de tais terrenos
obrigou a Coroa Portuguesa a criar uma legislação
que estabelecesse e delimitasse os territórios e seus
respectivos proprietários. Como resultado, surgiu
a Lei de Terras, em 1850, a primeira lei a disciplinar a questão da propriedade em nosso país, a qual
inaugurou a relação entre Direito e propriedade,
até então inexistente na região.
3 ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.
Em 1930, inicia-se um período de industrialização e desenvolvimento dos polos urbanos
nacionais e, consequentemente, a necessidade de
uma legislação que regulasse o domínio das propriedades urbanas . Durante os 30 anos que se seguiram, o Estado foi omisso, não afetando, porém,
o ritmo do desenvolvimento industrial, de modo
que o fluxo de trabalhadores para as cidades continuava, como forma de aproximação dos locais
de trabalho, lazer, estudo e saúde.
No início da década de 1960, setores sociais
passaram a se mobilizar na tentativa de mudar a
realidade das cidades brasileiras. Em 1963, o Instituto dos Arquitetos do Brasil propôs ao Congresso Nacional uma reforma urbana, que, no
entanto, foi temporariamente inviabilizada, devido ao golpe militar em 1964.
(...) Enquanto o Direito, ante
sua função de organizador da
sociedade por meio de leis, legitima
a propriedade privada e respalda as
desigualdades existentes
Em virtude do desenvolvimento econômico,
houve exponencial crescimento populacional
nas cidades, o que acarretou o surgimento de
favelas, assentamentos urbanos, cortiços, conjuntos habitacionais e loteamentos periféricos,
degradando o meio ambiente e deteriorando a
qualidade de vida nas cidades.
Na década de 1980, diante da abertura política lenta e gradual, os temas da reforma urbana
ressurgiram, com o intuito de modificar o perfil
excludente que se configurava nas cidades brasileiras, clarividente pela precariedade na habitação, no transporte, na ocupação do solo urbano e
F ó r u m ju r í di co
87
artigo
saneamento básico, consequência clara da omissão do Poder Público.
O Poder Constituinte Originário de 1988,
tomando por base, enfim, a noção da função social da propriedade, cria o capítulo “Da Política
Urbana”, da Constituição Federal, visando assegurar a valorização imobiliária; proteger, recuperar e preservar o meio ambiente; dar acesso à
moradia para todos; distribuir de forma justa os
ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização; e promover a regularização fundiária
e a urbanização das áreas ocupadas por população de baixa renda.
Muitos não entendem a dimensão
dos problemas urbanos ou mesmo as
possibilidades que o Direito oferece
para a resolução deste ponto
O art. 182, desse capítulo, reza a necessidade
de diretrizes fixadas em lei para a execução da
política de desenvolvimento urbano, tendo por
escopo “ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar
de seus habitantes”.4
Assim, sob a vigência da Constituição Cidadã, organizou-se o Fórum Nacional da Reforma
Urbana, visando dar continuidade ao debate
com o Congresso Nacional e regulamentar o
capítulo das políticas urbanas mediante legislação competente.
Doze anos depois, em 2001, a Lei nº 10.257
é promulgada, mais conhecida como Estatuto
da Cidade. Trata-se da lei que regula o capítulo
referente às políticas urbanas da Carta Suprema,
4 Art. 182, CF/88.
88
Fórum j urí di co
Ju l i a n a S o m e k h
determinando as diretrizes para o seu desenvolvimento no que tange à União, aos Estados
e aos Municípios, objetivando, com isso, a garantia da função social da propriedade urbana
e da cidade. Além disso, disciplina o desenvolvimento de gestões democráticas nas cidades e
o direito a cidades sustentáveis, com o fito de
assegurar o bem-estar dos cidadãos, a segurança
e o bem coletivo.5
5 Art. 2º da Lei 10.257 de 2001. Estatuto da Cidade: “Art. 2o A política
urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana,
à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e
aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores
da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área
de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano
e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;V – oferta de equipamentos
urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e
necessidades da população e às características locais;VI – ordenação e controle do
uso do solo, de forma a evitar (...);VII – integração e complementaridade entre
as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;VIII – adoção
de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana
compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica
do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição
dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação
dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos
públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os
investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes
segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que
tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação
e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural,
histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder
Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o
meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população
de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização,
uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir
a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção
de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido
o interesse social.”
Desde a promulgação do Estatuto da Cidade, em
2001, tem-se priorizado a popularização das políticas urbanas, buscando concretizar o que se encontra
previsto na legislação, de modo a inserir a população no processo de efetivação.
O problema é que as questões urbanas, sociais e ambientais, que afetam a vida da maioria
dos brasileiros que vivem em cidades, não foram
supridas com o surgimento normativo de instrumentos e políticas urbanas em nossa Constituição, ou mesmo com a criação do Estatuto
da Cidade e programas do Poder Executivo, tais
como o “Minha Casa, Minha Vida”.
Segundo publicação de estatística do IBGE,
6% (seis por cento) da população brasileira vive
em ocupações irregulares, sendo as cidades brasileiras da região Sul e Sudeste as que mais concentram domicílios nesta condição. Assim, tem-se que as metrópoles brasileiras, em sua maioria,
permanecem cercadas por habitações irregulares, que degradam o meio ambiente e, ainda,
colocam a vida de pessoas em perigo por serem
construídas em áreas de risco.6 O Poder Público
não tem apenas o dever de regulamentar as normas de relevância social, como deve, também,
atuar de forma a cumprir o que essas normas
propõem, tendo em vista que a política urbana
perde sua razão de ser se não é adimplida.
Os fenômenos contemporâneos da globalização, do crescimento populacional e do desenvolvimento urbano mundial nos levam à inevitável
reflexão acerca da necessidade de uma reforma
urbana no Brasil. É realmente importante entender o Estatuto da Cidade e as políticas urbanas
brasileiras para que o Direito Urbanístico se desenvolva e promova o bem-estar social.
Ainda que tenha ganhado espaço no ordenamento jurídico brasileiro, a questão urbana precisa
6 Site consultado: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/
noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2057&id_pagina=1
Acesso em 12 de fevereiro de 2012.
ser ainda muito estudada e trabalhada, para que a
parcela da população em condições habitacionais
subumanas, em áreas de proteção ambiental e de
risco social, seja amparada por nossa legislação e tenha garantido seu direito fundamental.
Uma das formas de se trabalhar esta questão seria
com a inclusão de tal disciplina na grade obrigatória das faculdades de Direito do nosso país, já que
muitos não entendem a dimensão dos problemas
urbanos ou mesmo as possibilidades que o Direito
oferece para a resolução deste ponto.
As dificuldades existentes não impedem que
profissionais das mais diversas áreas atuem de forma
a concretizar a legislação vigente para assegurar os
direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, conferindo sentido sociológico ao Direito Urbanístico.7
A luta para que o Poder Público deixe de ser
omisso não cessou e muito menos as ações sociais.A
esperança de mudanças e inclusão social continuará,
bem como a de mobilização da coletividade.
“Mas ele diz:‘Livre-se desses pensamentos sombrios’,
E se livra desses pensamentos sombrios.
E o que poderia dizer,
E o que poderia fazer
De melhor?”
Robert Desnos. n
7 Ferdinand LASSALLE. O que é uma Constituição?
F ó r u m ju r í di co
89
artigo
Um Direito Penal
do Inimigo envolto
em controvérsias
Natália Pincelli é estudante do 5º semestre do Curso de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Monitora em Direito Penal do Professor Doutor Gustavo
Octaviano Diniz Junqueira
90
Fórum j urí di co
N at á l i a P i n c e l l i
Entre as inúmeras ramificações proporcionadas pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal é
aquela que interfere de maneira mais agressiva na
regulação da vida em sociedade – nas palavras de
Rogério Greco, “com o direito penal, objetiva-se tutelar os bens que, por serem extremamente
valiosos, não do ponto de vista econômico, mas
sim político, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do Direito”.1 Assim,
o conceito moderno de direito penal representa,
acima de tudo, um escudo de direitos do indivíduo contra o Estado. Pode-se exemplificar a
relevância desse escudo protetivo através do
Código Penal Brasileiro, que, logo em seu art.
1º, não traz o conceito de crime, mas limita o
poder do Estado ao determinar que “Não há
crime sem lei anterior que o defina. Não há
pena sem prévia cominação legal”. A Constituição Federal do Brasil de 1988 faz esta mesma
previsão no art. 5°, XXXIX.
Duas das principais correntes na evolução
do Direito Penal são as escolas Clássica e Positiva. Se, por um lado, a escola Clássica possui
inspiração iluminista (o que abrange, inclusive,
a existência de um contrato social) e analisa a
pena enquanto uma resposta da ordem jurídica
ao ato do criminoso, por outro lado, a escola
Positiva faz do Direito uma ciência, interpreta
a pena como um instrumento de defesa social,
além de ser responsável pelo desenvolvimento
da criminologia, disciplina que estuda, a partir
de um enfoque no criminoso, o crime, o delinquente, a vítima e o controle social dos delitos
– conforme define Zaffaroni, a “criminologia
é a disciplina que estuda a questão criminal do
ponto de vista biopsicossocial”.2 Da tensão en1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 2.
2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro,Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.144.
tre essas duas escolas, surgiram diversos movimentos da política criminal, entre eles o Direito Penal do Inimigo.
A origem do Direito Penal do Inimigo é incerta. Contudo,Thomas Hobbes pode ser considerado como um dos principais precursores deste movimento. Em sua obra consagrada, Leviatã,
Hobbes traçou o perfil do inimigo como sendo
aquele que desrespeita o soberano.3 Dessa forma,
quem atenta contra o governante coloca-se fora
do pacto social firmado e, em decorrência disso,
não se fala em penas, mas em uma completa submissão dos considerados inimigos.
Além da definição elaborada por Hobbes, outros autores propuseram-se, ao longo da história,
a demarcar com clareza o conceito de inimigo
– citam-se Immanuel Kant4 e Carl Schmitt.5 Todavia, destaca-se, entre eles, Günther Jakobs,6 a
quem se pode atribuir a principal tese sobre o
conceito de Direito Penal do Inimigo.
Para desenvolver sua teoria, Jakobs parte da diferenciação entre cidadão e inimigo.7 Trata-se de
duas esferas distintas dentro de uma mesma realidade penal, as quais dificilmente se manifestam
em seu estado puro. Em linhas gerais, cidadão é
o indivíduo considerado como parte integrante
de um contrato social firmado. O inimigo, por
sua vez, é aquele que se coloca às margens do Di3 HOBBES, Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de
um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2003. p. 260.
4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.
2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 128.Vide, também,
o capítulo Alguns esboços jusfilosóficos do livro Direito Penal do
Inimigo – Noções e críticas.
5 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.
2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 136 e 137.
6 Ao longo da obra Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas, Jakobs discorre, juntamente com Meliá, sobre os pormenores
da teoria do Direito Penal do Inimigo.
7 Desde o início de sua obra Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas, Jakobs atenta para a diferenciação, inclusive terminológica, entre cidadãos e inimigos, explicitando, entre outras
coisas, a existência de dois Direitos Penais distintos voltados para
cada um deles.
reito e não oferece garantias de que obedecerá
às normas do contrato. Para Jakobs, são inimigos,
por exemplo, os terroristas, os autores de crimes
sexuais e os delinquentes organizados.
Por se encontrar fora da esfera dos cidadãos,
o inimigo não é juridicamente tratado enquanto
pessoa, mas sim como fonte de perigo – “Ele só
é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou
daninho”.8 A justificativa para tal premissa é o
fato de que o inimigo não oferece qualquer segurança de que conduzirá seus comportamentos
pessoais em coerência com o Direito e, consequentemente, “não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve
tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas”.9
O inimigo não é juridicamente
tratado enquanto pessoa, mas
sim como fonte de perigo
Três grandes características podem ser apontadas no tocante ao Direito Penal do inimigo. Em
primeiro lugar, cita-se a possibilidade de adiantamento da punibilidade, o que é incomum, tendo
em vista que, geralmente, o Direito Penal recai
sobre ato já provocado pelo sujeito. Em segundo
lugar, tem-se a desproporcionalidade das penas.
Finalmente, o terceiro viés do movimento é a
relativização e, até mesmo, a supressão de garantias processuais. Desse modo, o Direito Penal do
Inimigo constitui-se de elevadas penas e mínimas garantias individuais.
8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal.
2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007. p. 18.
9 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010. p. 40.
F ó r u m ju r í di co
91
artigo
Ao contrário do que ocorre com o Direito Penal destinado ao cidadão, o qual deve ser
respeitado e a quem devem ser disponibilizadas
todas as garantias processuais, o Direito Penal
do Inimigo é destinado apenas aos que atentam
permanentemente contra o Estado e que, por
isso, serão expostos à coação física.
Justamente por pregar uma forte intervenção
penal em favor do cidadão, que faz parte do con-
O Direito Penal de periculosidade
sustenta que o homem não é
livre para realizar suas escolhas:
ele é determinado
trato social, o Direito Penal do Inimigo enseja
inúmeras controvérsias, a começar pela própria
denominação do movimento, a qual, segundo
as palavras de Luis Gracia Martín, “suscita ya en
cuanto se pronuncia determinados prejuicios
motivados por la indudable carga ideológica y
emocional del término enemigo”.10 11 Jakobs categoricamente afirma logo no início de Direito
Penal do Inimigo – Noções e críticas que a denominação utilizada não pretende, sempre que citada,
soar pejorativa;12 entretanto, o termo inimigo
por si só já conduz a uma rejeição emocional
por parte da sociedade no tocante aos excluídos
da esfera cidadã.
10 MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el
Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005. p. 3.
11 Tradução livre: “Suscita já quando se pronuncia determinados preconceitos motivados pela indubitável carga ideológica e
emocional do termo inimigo”.
12 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010. p. 21.
92
Fórum j urí di co
N at á l i a P i n c e l l i
Faz-se notório ressaltar que o verdadeiro Direito Penal encontra-se vinculado à Constituição Democrática de cada Estado,13 uma vez que
se propõe a proteger os bens jurídicos de maior
relevância para a convivência em sociedade. Assim sendo, as críticas relativas ao Direito Penal
do Inimigo somente podem ser observadas em
Estados que admitam, no texto constitucional, a
associação entre Direito Penal e defesa de garantias individuais.
Isso porque, nos governos ditos totalitários,
a legislação como um todo já é articulada com
base na guerra contra os inimigos – meramente são reconhecidos possíveis dispositivos de
coação. Os regimes democráticos, por sua vez,
são formados, também, por direitos e garantias
fundamentais, de modo que a denominação
“Direito Penal do Cidadão” torna-se um pleonasmo. No contexto de um Estado Democrático, o Direito Penal do Inimigo pode, então, ser
visto como contraditório, porque representa
um “não direito”, contrapondo-se, portanto, às
garantias fundamentais existentes em um regime não totalitário.14
Em relação às características principais do Direito Penal do Inimigo, podem-se atribuir críticas severas, quando analisadas sob o prisma da
proteção de direitos individuais e da proporcionalidade entre pena e delito.
O Direito Penal do Inimigo não rejeita a ideia
de penas desproporcionais. Ao inimigo, identificado “mediante a atribuição de perversidade, me13 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do
Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005. p. 3.
14 Ao contrário do que ocorre em regimes totalitários, nos
Estados Democráticos de Direito, caracterizados, também, por
serem regulados por uma Constituição, os cidadãos são titulares de
direitos individuais, inclusive políticos, oponíveis ao próprio Estado
(SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed.,
10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 49-54). Assim
sendo, o Direito Penal do Inimigo, enquanto movimento que
relativiza certos direitos individuais, só fará sentido dentro de um
Estado que não só preveja como, também, resguarde tais direitos.
diante sua demonização”,15 aplica-se uma pena
cujo significado não resulta apenas de uma contradição fática, mas, também, de guerra a fim de
garantir a segurança diante dos inimigos.
Nesse sentido, é estabelecida uma polêmica
entre o Direito Penal do Inimigo e o Direito
Penal do Estado de Direito. Enquanto este prega
a proporção entre a aplicação da pena e o delito praticado, aquele se caracteriza pela defesa
de penas desproporcionais, com base no perigo
apresentado pelo indivíduo.
O Direito Penal do Estado de Direito, corretamente, propõe seja feita uma ponderação entre
o bem lesionado e o bem de que alguém possa
ser privado a fim de que o delito cometido tenha,
efetivamente, uma relação valorativa com a pena.
Deve-se, portanto, buscar a proporcionalidade, o
que não é almejado pelo Direito Penal do Inimigo.
No âmbito da defesa de direitos fundamentais ao indivíduo, ressalta-se que ao inimigo não
se reconhecem garantias penais e processuais
– principalmente o direito ao devido processo
legal. Trata-se o inimigo com inferioridade e
desvaloriza-se a dignidade da pessoa humana.
“Pessoa humana”, a princípio, pode soar como
uma expressão pleonástica, porém, acaba por expressar com clareza o fato de cada ser humano
carregar consigo a dignidade da humanidade inteira. Nega-se, ao inimigo, a condição de pessoa,
negando-lhe, por conseguinte, sua dignidade.
O Direito Penal do Inimigo é posto sob questionamento, ademais, pelo fato de que, nele, as penas surgem como solução/remédio para aniquilar
o inimigo. A imputação do cidadão será feita com
base no princípio acusatório a partir de todas as
garantias processuais, enquanto a imputação do
inimigo será feita com base no princípio inquisi15 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010. p. 97.
tório.16 Nesse sentido: “O duplo sistema de imputação de Jakobs17 suprime seculares garantias
constitucionais do Estado Democrático de Direito, como expressamente propõe: o processo contra o inimigo não precisa ter forma de justiça”.18
Cabe, neste momento, tecer algumas considerações sobre a distinção entre Direito Penal do
autor e Direito Penal de ato, devido à sua notória
relevância para a compreensão do Direito Penal
do Inimigo. Para isso, convém aprofundar a distinção entre o Direito Penal de culpabilidade e o
Direito Penal de periculosidade.
A culpabilidade representa a reprovabilidade
de uma conduta. Trata-se de um conceito graduável segundo o qual a pena é uma espécie de
pagamento. De acordo com essa concepção de
Direito Penal, o sujeito tem liberdade de escolha
e, portanto, o limite da pena é o grau da culpabilidade – “O direito penal de culpabilidade é
aquele que concebe o homem como pessoa”.19
O Direito Penal de periculosidade, por sua vez,
sustenta que o homem não é livre para realizar
suas escolhas: ele é determinado e, nessa hipótese,
não se fala em culpabilidade. Para a determinação
16 O princípio inquisitório é aquele marcado pela presença de
variadas formas de coação. Assim sendo, com base nesse princípio “o
Estado elimina direitos de modo juridicamente ordenado” (JAKOBS,
Günther; MELIÁ, Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).
17 O duplo sistema de imputação descrito por Jakobs se caracteriza por uma polarização no Direito Processual Penal. Tem-se,
de um lado, uma espécie de imputado, comumente referido como
sujeito processual, permeado por todas as garantias processuais. Em
contrapartida, há outro tipo de imputado, o qual estará sujeito à
coação e a quem serão relativizadas e, até mesmo, derrogadas certas
garantias processuais – cita-se, como exemplo, a supressão do direito de um preso contatar seu defensor (JAKOBS, Günther; MELIÁ,
Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. 4ª ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 38).
18 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo
– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site
www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 11.
19 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de Direito Penal Brasileiro,Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 108.
F ó r u m ju r í di co
93
artigo
da pena, que, nesse caso, significa ressocialização,20
considerar-se-á, apenas, o grau de determinação
do sujeito na prática do delito ou, em outras palavras, o grau de periculosidade.
Embora não haja uma definição incontestável,
pode-se dizer que o Direito Penal do autor, em
oposição ao Direito Penal de ato, o qual pune o
autor por aquilo que ele faz, “é uma corrupção
do direito penal, em que não se proíbe o ato em
si, mas o ato como manifestação de uma ‘forma
de ser’ do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva”.21 Conforme previu a escola
Positiva, o autor é um ser inferior e seu delito,
apenas fruto de sua má condução de vida.
A punição dos inimigos por antecipação, de
acordo com sua periculosidade, retoma a ideia de
criminalização com base na análise do perigo que
o inimigo pode representar. Tem-se uma “aplicação antecipada de pena como segurança para
impedir fatos futuros”.22 Argumenta-se que esse
Direito Penal prospectivo, em substituição ao retrospectivo, fere o princípio da culpabilidade.
Tal princípio apresenta, ao menos, três significados. O primeiro deles diz respeito à análise
da possibilidade de censura quanto ao fato praticado; o segundo refere-se à medição da sanção penal; finalmente, o terceiro representa uma
imposição da subjetividade da responsabilidade
penal, ou seja, não há conduta sem que haja dolo
ou culpa por parte do agente.
Ao se optar pela aplicação antecipada da pena,
não há como analisar a possibilidade de censura
20 Conforme explica Zaffaroni, no Direito Penal de periculosidade
“a pena ressocializa neutralizando a periculosidade” (ZAFFARONI,
Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito
Penal Brasileiro,Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2011. p. 108 (tabela comparativa).
21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique.
Manual de Direito Penal Brasileiro,Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 110.
22 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo
– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site
www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 8.
94
Fórum j urí di co
N at á l i a P i n c e l l i
do ato praticado, visto que este ato sequer foi
consumado. Dessa forma, tanto a medição da
sanção quanto a imposição da subjetividade da
responsabilidade se tornam impossibilitadas. Em
decorrência de não se punir a culpabilidade do
agente, pena e medida de segurança deixam de
ser realidades distintas e passam a se confundir.
O Direito Penal do Inimigo é, portanto, um Direito Penal de periculosidade e, consequentemente, manifestação do direito penal do autor. Daí, o
questionamento da legitimidade desse movimento
da política criminal atual. A partir da punição com
base na personalidade do agente, permite-se uma
nova demonização, reproduzindo Manuel Cancio
Meliá,23 de determinados grupos de delinquentes. Condena-se, primeiramente, a atitude interna
corrompida do agente, sendo o delito apenas um
espelho, um reflexo da pessoa do infrator.
Há, dessa forma, a possibilidade de criminalização de determinado modo de vida sem
a necessidade de ocorrência de um delito. Ao
substituir o grau de culpabilidade pelo grau de
periculosidade, esse movimento, difundido por
Jakobs, não só afronta o princípio da legalidade
(ao permitir a punição de atos anteriores alheios
ao delito) como, também, contamina o princípio
da dignidade da pessoa humana, já que é negada
ao inimigo a própria condição de pessoa.
O Direito Penal do Inimigo, sem dúvida, admite
a possibilidade de condutas arbitrárias e imprevisíveis por parte dos Poderes Executivo e Judiciário,
visto que apenas o modo de condução de vida de
um sujeito pode levar a punições sem a necessidade de que haja ocorrido, de fato, um delito que
ensejasse a condenação do agente.Vale dizer, condutas de natureza arbitrária e imprevisível podem
ser consideradas, também, irracionais, no sentido
de que deve prevalecer a definição tripartida de
23 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010. p. 97.
crime, segundo a qual apenas é crime o fato típico, antijurídico e culpável.24 Assim, a punição com
a ausência de delito é capaz de acarretar uma incriminação vaga e indeterminada, colocando em
risco o Estado Democrático de Direito, de forma a
regredirmos ao Estado-Polícia.
Das acentuadas controvérsias sobre o Direito
Penal do Inimigo aqui expostas, conclui-se que
as polêmicas acerca do tema ainda não se finalizaram. Jakobs sustenta a institucionalização desse
movimento, resguardando a divisão entre cidadãos e inimigos a fim de que estes últimos possam
ser impedidos, mediante coação, de destruir o ordenamento jurídico.25 Em contrapartida, muitas
são as alegações no sentido de que “nesse modelo
processual penal inexiste atividade cognitiva de
um julgador imparcial, consubstanciada na verificação empírica de fatos concretos”,26 de modo
que se determinadas garantias ao devido processo
legal são limitadas e, até mesmo, suprimidas para o
24 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral.
13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 141.
25 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal
do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010. p. 40.
26 MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006. p. 26.
Cabe aos magistrados o papel de
controlar a seletividade arbitrária
do processo penal para que
o Direito Penal do autor não se
manifeste em sua plenitude
inimigo,“então o Estado Democrático de Direito
está sendo deslocado pelo estado policial”.27
Cabe, então, aos magistrados o papel de controlar a seletividade arbitrária do processo penal
para que o Direito Penal do autor não se manifeste em sua plenitude. Sabe-se que, na prática,
o Direito Penal de ato também não se realiza de
maneira completa em nenhum lugar. Espera-se,
porém, que os operadores do direito tenham discernimento para limitar ao máximo, mediante
aplicação da racionalidade, a punição baseada no
modo de ser do agente a fim de que não se enxovalhe o valor da dignidade humana. n
27 DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo
– ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site
www.cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011. p. 20.
Referências bibliográficas
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed., 1ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.
BRUNO, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. 2ª ed., Tomo 1º. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1959.
DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Direito Penal do Inimigo – ou O Discurso do Direito Penal Desigual, pesquisado no site www.
cirino.com.br, acesso em 30 de dezembro de 2011.
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo (ou Inimigos do Direito Penal). Revista Jurídica Unicoc, Ano II, nº 2, 2005.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011.
HOBBES,Thomas. Leviatã ou a Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.
JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2010.
MALAN, Diogo Rudge. Processo Penal do Inimigo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 59, 2006.
MARTÍN, Luis Gracia. Consideraciones Críticas Sobre el Actualmente Denominado “Derecho Penal del Enemigo”. Revista
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, 2005.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro,Volume 1 – Parte Geral. 9ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
F ó r u m ju r í di co
95
alunos
B e a t r i z Bu l l a
O Direito enquanto veículo:
a trajetória de uma
jornalista
Isabela Oliva Cassará e Clara Proce Pinto Serva
A questão multidisciplinar
da Faculdade de Direito
revela a dispensabilidade
do bacharel estar adstrito
a togas e gravatas
96
Fórum j urí di co
É notório que grandes juristas são objeto de admiração dos estudantes de Direito.
Contudo, essa não é a trilha
de todos os futuros bacharéis,
uma vez que o curso abre um
leque de possibilidades. Estudante do 7º semestre de Direito da PUC-SP, Beatriz Bulla é
uma das poucas de sua sala que
não têm o Exame de Ordem
da OAB como grande meta. A
jornalista recém-formada pela
Faculdade Cásper Líbero vê
relação entre os princípios básicos do Direito e o mundo do
jornalismo. Mais do que profissionalmente, pretende usar
seus conhecimentos jurídicos
como cidadã.
Esta seção pretende mostrar a atuação de alunos da
gradua­
ção na formação de
suas carreiras, relatando seus
caminhos e motivações ao se
iniciar profissionalmente.
Beatriz, personagem desta
primeira edição, esbarrou no
Direito no meio de sua carrei-
ra como jornalista. A jovem de
21 anos estagiou por um ano
no site jurídico Última Instância e, com mais três colegas do
portal, escreveu o livro Justiça
no Trabalho – 70 anos de direitos,
obra publicada pela Alameda
Casa Editorial em dezembro
de 2011. No mesmo mês, ela
terminou a faculdade de Jornalismo, o 6º semestre de Direito e o Curso Intensivo de
Jornalismo Aplicado do jornal
O Estado de São Paulo – um
misto de extensão universitária e treinamento profissional.
O dia a dia
A rotina, como é de se supor, não era das mais tranquilas. “Acho que só fui capaz de
continuar porque eu sentia
prazer em tudo o que fazia”,
relata. Relembrando o cansaço, conta que conciliar o
treinamento no Estadão com
as duas faculdades e o trabalho de conclusão do curso de
Beatriz Bulla:
estudante do
7º semestre de
Direito da PUC-SP
Jornalismo – um documentário de 50 minutos – foi “quase
um atestado de insanidade”.
“Prometi para mim mesma
nunca mais assumir tanta coisa
em pouco tempo. Mas sei que
isso dura só até o próximo desafio”, confessa.
Beatriz Bulla iniciou a faculdade de Direito quando
entrava no segundo ano de
Jornalismo. “Comecei a cursar Jornalismo com 17 anos e
me encontrei. E me encantei.
Sabia que aquela era a minha
profissão, mas achava que a
faculdade de Jornalismo seria muito genérica”. Unindo
a vontade de se aprofundar
em algum assunto com o interesse por política, decidiu
estudar Direito. “Continuei
com as duas faculdades porque entendo a relação dos ensinamentos de Direito com a
política e passei a ver nos jornais matérias que, de alguma
forma, passavam pelo Direito
Administrativo, Penal, Constitucional”, diz. O Direito
não só supriu seu anseio por
aprofundamento, como também ampliou suas opções de
arquivo fórum Jurídico
Dois mundos
trabalho. Bia, como gosta de
ser chamada, acredita que a
segunda faculdade ajudaria na
construção de sua carreira em
qualquer área, enriquecendo
sua formação como cidadã.
“O Direito ajuda a relativizar
e refletir as questões humanas, equilibrando pontos de
vista”, afirma.
Ela relata que as duas áreas
se assemelham no que se refere ao instrumento de trabalho
(o “poder da palavra”, como
gosta de chamar) e na relação
com pessoas. Destaca ainda
a necessidade em ambos de
sempre haver contraditório.
Contudo, mesmo com as relações existentes, Bia enfrenta
a conciliação de dois univer-
‘
O Direito ajuda
a relativizar
e refletir as
questões humanas,
equilibrando
pontos de vista.
F ó r u m ju r í di co
97
alunos
O livro Justiça no
Trabalho – 70 anos de
direitos, obra publicada
com mais três colegas,
em dezembro de 2011
‘
98
Fórum j urí di co
B e a t r i z Bu l l a
sos distintos. “Às vezes brinco
que são mundos diferentes”, e
explica: “O volume de trabalho no Jornalismo é grande, a
exigência também, mas o ambiente é mais leve. As pessoas
não usam terno e gravata, o
vocabulário é menos formal.
Todos podem (e devem, muitas vezes) trabalhar com páginas de redes sociais abertas.
Precisam estar antenados com
o que acontece na internet, na
música, na cidade. Tudo pode
virar uma pauta. Em troca,
passam finais de semana de
plantão e podem perder uma
festa porque algo aconteceu
na última hora e precisa sair
no jornal do dia seguinte. No
Direito, as coisas, comparativamente, são mais planejadas,
às vezes mais burocráticas, mas
os salários são maiores”.
Sobre as diferenças acadêmicas, expõe: “a relação dos
alunos com a faculdade também é diferente. As aulas de
Jornalismo exigem, sim, técnica e conteúdo, mas pedem
muito repertório pessoal. Se
você deixar de ler o texto
de um teórico da comunicação para tirar o atraso da sua
coleção de Piauís ou de New
Yorkers, você pode não ir tão
bem na prova, mas isso não
será uma grande falha na sua
vida profissional. Pelo contrário. No Direito não é bem
assim. Se você não estudar o
livro de Direito Processual Civil vai ter problemas”. Para a
estudante, o desafio em lidar
com as diferenças e conviver
nesses dois ambientes é um
exercício enriquecedor.
Direito, Jornalismo
e trabalho
O curso de Direito servirá
a cada um de acordo com
suas ambições.
Especada em sua dupla formação, Beatriz estagiou no site
Última Instância, importante
difusor de notícias jurídicas.
Neste cenário, reconhece que
o curso da PUC-SP a auxilia
em seu discernimento quanto
‘
às informações que transmite,
de modo a identificar conceitos, entender a linguagem dos
juristas e interpretar acórdãos
e decisões judiciais. Outro
aspecto facilitador é a acessibilidade no meio acadêmico dos professores de Direito,
facilitando o agendamento de
entrevistas.
Diferentemente do que
seria de se imaginar, Beatriz
explica que, apesar da faculdade lhe servir de amparo, até
os seus colegas com formação
exclusiva em Jornalismo têm
elevado conhecimento jurídico. “Eles são quase bacharéis
em Direito, de tanto que pesquisam e lidam com o tema.
E são jornalistas competentes
o suficiente para ligar para um
advogado e tirar alguma dúvida quando é preciso.”
Há um dito popular que diz
que, para ter uma existência
completa, uma pessoa deve escrever um livro, ter um filho
e plantar uma árvore. Beatriz,
mesmo com apenas 21 anos,
já quitou o primeiro requisito.
Inicialmente o projeto consistia em produzir um especial
comemorativo dos 70 anos de
O livro Justiça do Trabalho é um
exemplo concreto de como o Direito
pode me ajudar no envolvimento
com projetos interessantes.
criação da Justiça do Trabalho
para o Última Instância, cujo
lançamento veio a ocorrer em
1º de maio de 2011. “Tudo foi
feito com antecedência, com
muito trabalho e em equipe”, diz. Ela chegou a viajar
para o Rio de Janeiro a fim
de realizar uma entrevista com
Arnaldo Sussekind, único jurista ainda vivo entre os que
participaram da elaboração da
CLT (Consolidação das Leis
do Trabalho).
A obra
“O resultado de todo o
especial ficou tão legal que
se pensou em fazer um livro
partindo daquele material”,
explica. As matérias já existentes serviram de pontapé para a
realização de novas entrevistas
e apurações maiores. Beatriz
foi incumbida de reeditar algumas entrevistas e realizar
novas, tendo como entrevistadas pessoas relevantes na construção da Justiça do Trabalho
no país ou representativas do
desenvolvimento desse setor,
além de elaborar a descrição
do perfil de cada entrevistado.
Beatriz enfatiza que o trabalho foi coletivo e que “houve
muita orientação, muita conversa, todas as dúvidas eram
discutidas. Tudo na equipe do
Última Instância funcionava
assim, e na Alameda, editora
responsável pela publicação,
também”. Assinam a obra
Bea­triz Bulla, Fabiana Barreto Nunes, Mariana Ghirello
e William Maia, com reportagens também de Daniella
Dolme e Thassio Borges. “O
livro Justiça do Trabalho é um
exemplo concreto de como
o Direito pode me ajudar no
envolvimento com projetos
interessantes”, observa.
A história da jovem jornalista ilustra a efetiva possibilidade de um aluno da gradua­
ção buscar uma formação
completa, adequando suas atividades às suas metas de médio a longo prazo. A estudante
mostra que o curso de Direito
servirá a cada um de acordo
com suas ambições, não se restringindo a togas e leis. E mais:
com determinação, é possível
fugir da mediocridade e ganhar destaque na área de atuação que se ambiciona. n
F ó r u m ju r í di co
99
livros
e m d e s t a qu e
Um livro é um mundo mágico cheio de pequenos símbolos que podem
ressuscitar os mortos e dar vida eterna aos vivos. Leia. Pense. Discuta*
Luis Gustavo Dias e Raquel Soufen
Justiça
O que é fazer
a coisa certa
Michael J. S andel
Tradução: Heloísa Matias e
Maria Alice Máximo
349 páginas / Editora:
Civilização Brasileira
Com base nas aulas ministradas na Universidade de Harvard, Michael J. Sandel, em seu livro
Justiça – O que é fazer a coisa certa busca, em uma
linguagem simples e atual, analisar os dilemas
enfrentados por nossa sociedade a partir da aplicação prática do pensamento filosófico clássico.
“Aristóteles, Immanuel Kant, John Stuart Mill e
John Rawls figuram, todos eles, nestas páginas.”
Muito mais que simplesmente ensinar a importância do Mito da Caverna, de Platão, ou do
Utilitarismo, de Jeremy Bentham, Michel Sandel
procura demonstrar ao leitor que a filosofia clássica continua presente em nossos pensamentos
e influencia tanto governos como as pessoas em
suas mais diversas atitudes.
Assim, os diversos temas abordados pelo livro vão
desde a crise financeira nos Estados Unidos, o pagamento de benefícios aos executivos com dinheiro
público, a influência do Estado na economia, a escolha de quem deve viver ou morrer em determinadas situações, até o preço da felicidade.Todos esses
tópicos vêm tratados sob a perspectiva da justiça.
100
Fórum j urí di co
Este livro não é
uma história das
ideias, e sim uma
jornada de reflexão
moral e política
É por essa abrangência e conteúdo reflexivo
que o livro Justiça deve fazer parte da leitura obrigatória de quem quer compreender melhor o
que é justiça e, consequentemente, a vida. Porque,
nas palavras de Michel, “É profunda a convicção
de que justiça envolve virtude e escolha: meditar
sobre justiça parece levar-nos inevitavelmente a
meditar sobre a melhor maneira de viver”.
Quem quiser conhecer mais sobre o autor,
seu curso em Harvard e sobre o livro pode
acessar o site www.justiceharvard.org/about/
michael-sandel/. No site é possível ler sobre o
autor, conhecer seu curso e, o mais interessante, assistir a doze aulas (em inglês) em que o
autor trata dos mais diversos temas atuais, com
essa visão filosófica e crítica, que são suas principais características.
Michael J. Sandel, influente filósofo, professor de Filosofia
Política na Universidade de Harvard, desde 1980, onde
leciona o concorrido curso “Justiça”, que já foi visto por
mais de 15 mil alunos.
*Fonte da citação: A Biblioteca Mágica de Bibbi Broken - Hagerup, Klaus; Gaarder, Jostein; Ed. Cia. das Letras
Estante Fórum Jurídico
Código da Vida
Grandes
Advogados
S aulo Ramos
Pierre More au
(organização)
467 páginas
Editora: Planeta
351 páginas
Editora: Casa do Saber
O livro Código da Vida tem como história principal um caso verídico em que o jurista advogou
com maestria. No caso, Saulo Ramos defende
um homem que foi acusado pela ex-mulher de
ter abusado sexualmente dos próprios filhos.Tido
pela consciência popular como “culpado” antes
do julgamento, o homem entra no escritório do
jurista implorando por sua defesa. A partir deste
momento, a história gravita entre questões sobre
a possibilidade de defesa de qualquer indivíduo e
a dúvida acerca da inocência.
Além do suspense trazido pelo caso, o leitor
se prende às curiosíssimas experiências de vida
de Saulo Ramos, as quais ele conta no decorrer
do livro. Sua infância no interior de São Paulo,
o seu papel no governo de Jânio Quadros, os
cargos de Ministro da Justiça e Consultor-Geral
da República no governo Sarney, e sua atuação
na promulgação da atual Constituição Federal,
são exemplos dos fatos narrados na obra.
Elaborado como um livro de memórias e polêmico pela exteriorização de alguns pensamentos do jurista, Código da Vida leva o leitor para
o mundo do direito vivido por este influente
advogado brasileiro. Envolvente e cheio de suspense, a obra certamente irá prender o leitor até
a última página.
Saulo Ramos é advogado, foi oficial de gabinete do governo de Jânio
Quadros e Ministro da Justiça de 1989 a 1990, no governo de José Sarney.
No presente livro, o advogado Pierre Monreau
busca, por meio de uma série de entrevistas, aproximar o leitor da história dos mais influentes advogados do Brasil, como Márcio Thomaz Bastos,
Priscila Corrêa da Fonseca, Modesto Carvalhosa, Miguel Reale Júnior, Eros Grau, Ary Oswaldo Mattos Filho, Alexandre Bertoldi e Antonio
Meyer, todos respondendo a perguntas sobre a
descoberta da apaixonante arte do Direito, de
acordo com os sonhos e conquistas de cada um.
Lições de quem ensina e aprende
em exercício permanente
A série de entrevistas cativa o leitor mostrando que acima do estudo, do poder de convencimento, e da habilidade com a palavra, está a
paixão pela ciência do Direito, a qual, em alguns
casos, demora para aflorar no indivíduo.
Este é, sem dúvida, um livro que todos os
profissionais ligados à área do direito devem
ler. Não só aqueles que almejam a carreira de
advocacia, mas sim todos aqueles que desejam
se inspirar nas grandes figuras que se destacam
hoje na história do direito.
Pierre Moreau, ilustre advogado, formado pela PUC-SP em 1991, mestre
e doutor pela mesma instituição, membro do Conselho do Insper – SP,
é sócio-fundador da Casa do Saber – SP e presidente do Ideabank.
F ó r u m ju r í di co
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associação Sapientia
alunos e ex-alunos | direito PUC-sp
PUC além das salas de aula
Atividades culturais, palestras e bolsa de estudos são algumas das
metas da Associação, que promove a integração entre aluno e professor
A Associação Sapientia de Alunos e Ex-Alunos
da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo é uma associação civil, sem
fins lucrativos, criada com o objetivo de (i) promover e estimular a integração entre alunos, ex-alunos
e professores da Graduação e Pós-Graduação do
curso de Direito da PUC-SP, (ii) colaborar com a
comunidade puquiana na busca de uma faculdade
mais completa por meio da promoção de atividades culturais, tais como palestras, cursos, simpósios,
bolsas de estudo e aquisição de livros.
Além disso, queremos reacender as chamas de
orgulho, união, perseverança e justiça social, que
sempre foram características de nossos alunos,
para tornar nossa “Gloriosa” e nossa sociedade
um lugar melhor.
Dessa forma, devemos elevar nossa faculdade de
Direito a um patamar que ela realmente merece,
colocando-a à frente de qualquer outro ideal. Não
basta ser 5 estrelas no MEC, tem que ser completa
para os alunos, com oportunidades de desenvolvimento intelectual, social e profissional.
Nesse sentido, recém-nascida, nossa Associação
já lançou a revista Fórum Jurídico, inovadora, de
conteúdo abrangente, com matérias e artigos visando incentivar os novos alunos a se apaixonarem pela
história da PUC-SP e atrair os antigos alunos para
mais perto de nossa faculdade. E não vai parar aqui!
Temos grandes planos para nossa “Gloriosa”.
Entre os projetos da Associação, destacamos
os seguintes:
• Revista Fórum Jurídico – Revista discente da Faculdade de Direito da PUC-SP. Com o corpo editorial formado apenas por alunos da graduação, a revista Fórum Jurídico busca incentivar o desenvolvimento profissional
102
Fórum j urí di co
e pessoal dos discentes, com a possibilidade de publicação de artigos jurídicos, aprendizado com o conteúdo
e contato direto com grandes ex-alunos do Direito PUC.
• Palestras e Cursos – A Associação Sapientia realizará
palestras e cursos para os alunos, buscando diversificar
os temas de interesse e trazer profissionais das mais diversas áreas para que os estudantes possam ter contato
direto e tirar dúvidas com especialistas formados pela PUC.
• Doação de Livros – Efetuaremos doações de livros
à faculdade para que os estudantes tenham acesso a
acervos mais novos e atualizados.
• Banco de Currículos – Para os alunos que estiverem
procurando estágio, a Associação formará um banco de
currículos em que os alunos poderão incluir seus dados,
experiências e a área onde desejam estagiar. Esse banco
de currículos ficará à disposição e em contato direto com
escritórios, empresas e órgãos públicos para que estes
possam procurar estagiários que combinem com o perfil
do local de trabalho.
Além dos mencionados, temos diversos outros projetos, mas, para isso, precisaremos de todo
o apoio dos puquianos. Assim, convidamos você
a fazer parte da nossa Associação. Para isso, destaque e preencha o formulário que consta na
página ao lado e entregue para um de nossos representantes, juntamente com o comprovante de
pagamento do plano selecionado ou, se preferir,
envie a documentação para [email protected].
Vamos, juntos, continuar a construir a história
do ”Direito PUC”, história de resistência, de luta
pela Democracia, de superação e de justiça, só que
agora repleta de oportunidades para o desenvolvimento intelectual, social e profissional.
Esperamos por você!
FICHA DE INSCRIÇÃO
ASSOCIAÇÃO SAPIENTIA DE ALUNOS E EX-ALUNOS DA FACULDADE DE DIREITO DA PUC-SP
Dados Pessoais
Nome do associado
Data de nascimento
Sexo
Estado civilNacionalidade
Documentos
CPFNº OAB
RG Seção
Endereço para Correspondência
Endereço
Complemento
Bairro CEP
CidadeEstado
Dados para Contato
Telefone 1 Telefone 2
E-mail
Fax
Dados Profissionais
Local de trabalho
Posição atual
Ano de graduação na PUC
Local de pós-graduação
Plano de associação
Aluno da graduação
Ex-aluno da graduação, aluno ou ex-aluno
R$ 40,00 por ano pagos à vista
do mestrado/doutorado
R$ 60,00 por ano pagos à vista
Dados para depósito bancário
Associação de Alunos e Ex-Alunos da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Banco Santander (033)
Agência 3004
Conta 13-005685-9
CNPJ 14.671.140/0001-04
r e v i s ta
pat r o c í n i o
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ENTREVISTA Fábio Ulhoa Coelho e o novo Código ComerCial