O ENSINO SISTEMÁTICO DA LINGUAGEM ORAL A PARTIR DO GÊNERO “SEMINÁRIO” Julliane Campelo do Nascimento (UFPE) [email protected] Marineusa Alvino Da Silva Lima (UFPE) [email protected] Leila Nascimento da Silva (UFPE) [email protected] RESUMO É possível um ensino sistemático do oral no Ensino Fundamental? De que modo tal ensino contribuiria para o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos? Essas foram algumas questões norteadoras. Para tanto, investigamos as estratégias de mediação adotadas por uma docente do 5º ano, da rede pública de Recife-PE, na vivência de uma sequência didática sobre o gênero oral “Seminário”. Cada aula foi transcrita e analisada. Um dos primeiros aspectos percebidos foi a contribuição da docente para a construção da representação social do “Seminário”. Os alunos discutiram a finalidade comunicativa e os possíveis interlocutores. Também tiveram a oportunidade de estudar as características do Seminário, embora tenhamos percebido uma maior ênfase no caráter composicional do que no sociodiscursivo. Outro aspecto ressaltado foi o uso de material escrito como fonte de apoio para a produção oral e a importância dos elementos paralinguísticos. Por fim, notamos certa preocupação em promover reflexões a cerca da adequação da linguagem, mas consideramos que esta poderia ter sido mais bem desenvolvida. Concluímos, contudo, que a professora conseguiu abordar questões relevantes para o ensino do oral. PALAVRAS-CHAVE: SEMINÁRIO. LINGUAGEM ORAL, ENSINO-APRENDIZAGEM, 1. INTRODUÇÃO É possível Um ensino voltado para a oralidade no Ensino Fundamental? Como se dá esse processo? O ensino do oral acontece de maneira sistemática? De que modo 2 um ensino sistematizado contribui para o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos acerca da oralidade? Enfim, o nosso foco de investigação consistiu em compreender de que maneira um ensino sistematizado, a partir de uma sequência didática do gênero “Seminário”, pode contribuir para as aprendizagens desenvolvidas nos alunos do 2º ano do 2º ciclo de uma escola da Rede Municipal do Recife. Como as habilidades com a linguagem oral são necessárias tanto na esfera escolar como no meio extra-escolar, os sujeitos procuram, às vezes solitariamente, fazer novas descobertas acerca desse objeto que manipulam constantemente para, assim, poderem fazer uso em diferentes contextos. Portanto, dada a grande relevância do oral, é preciso promovê-lo a objeto de ensino, numa perspectiva didática sistematizada, consciente e reflexiva. 2. O ESPAÇO ESCOLAR E OS GÊNEROS DISCURSIVOS As pesquisas científicas (GERALDI, 1997; MARCUSCHI, 2003; ANTUNES, 2003; COSTA VAL, 2008) referentes ao processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, nos mostram que, atualmente, a escola já alcançou significativas mudanças em relação ao trabalho com os mais variados textos. No entanto, questionamos se o contato com a diversidade textual é suficiente para que os alunos possam construir as competências linguísticas necessárias para a sua formação como leitores e produtores proficientes de textos. Acreditamos que não. Reconhecemos, assim, que os professores precisam adotar práticas pedagógicas utilizando os gêneros discursivos como instrumentos que possam mediar um ensino de Língua Portuguesa realmente funcional e significativo. Como afirmam Schneuwly e Dolz: Trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola e fora dela; e, em segundo lugar, de desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 80). Os gêneros discursivos se manifestam tanto na modalidade escrita quanto na oral, como júri-simulado, debate, seminário. Acerca disso, Dolz, Schneuwly e Haller (2004) afirmam que, apesar de a linguagem oral ser presente na vida dos alunos, ela não vem se constituindo como objeto de ensino na escola. Na maioria das vezes, há um 3 trabalho com a oralização da escrita, que não garante o desenvolvimento pleno de todas as habilidades que envolvem o eixo da oralidade. Defendemos, portanto, que se faz necessário, e urgente uma prática de ensinoaprendizagem, na qual gêneros da modalidade oral sejam tomados como objeto de análise e reflexões na sala de aula. É sobre este aspecto que trataremos a seguir. 3. ORALIDADE E O ENSINO ESCOLAR Assim como a leitura, a produção textual e a análise linguística, a oralidade se constitui como um dos eixos de ensino da Língua Portuguesa, no entanto, durante um bom tempo ela foi vista com pouca atenção, seja pelos pesquisadores seja pela própria escola. Era frequente encontrar falas que associavam o oral como sendo sempre informal, redundante, não-planejado e a escrita, ao contrário, como formal, condensada, planejada. Estes e outros aspectos acabavam por tratar o oral como “inferior” à escrita. Hoje, esta dicotomia vem sendo desconstruída. Marcuschi (2003, p.17), por exemplo, afirma que “ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante”. Estudos e pesquisas (Marcuschi, 2003; Dolz; Schneuwly e Haller, 2004) nos mostram que a linguagem oral é bem mais que aprender a falar, pois envolve uma série de capacidades, conhecimentos e atitudes, tais como usar a língua falada em diferentes situações escolares e extra-escolares, buscando empregar a variedade linguística adequada; planejar a fala em situações formais; participar das interações, expondo opiniões nos debates com os colegas de turma e outras pessoas. Enfim, percebe-se que são aspectos que não se aprendem espontaneamente, precisam, pois, ser ensinados. Para os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa (BRASIL-MEC, 1997, p. 49), “eleger a língua oral como conteúdo escolar exige o planejamento da ação pedagógica de forma a garantir, na sala de aula, atividades sistemáticas da fala, escuta e reflexão sobre a língua”. Diante da discussão acima travada, compreendemos que, assim como se caracterizam e se estudam os gêneros escritos, também devemos dar um tratamento didático para o domínio do oral, mas, para isso, é fundamental que o docente reflita sobre as aprendizagens que podem ser desenvolvidas pelo aluno, nos mais variados contextos de uso. Sobre isso, Dolz, Schneuwly e Haller (2004) abordam que para o 4 ensino do oral deve haver um maior esclarecimento para as características peculiares dos saberes linguísticos existentes. Mais adiante, tomando como base um dos gêneros do oral, o Seminário, pensaremos mais um pouco sobre essas dimensões ensináveis da linguagem oral. 4. AFINAL, O QUE É SEMINÁRIO ESCOLAR? De acordo com o dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa (2001), o termo „„seminário‟‟ apresenta muitas definições, entre elas: “aula dada por um grupo de alunos em que há debate acerca da matéria exposta por cada um dos participantes”. Todos os conceitos, porém, giram em torno do aprofundamento numa temática a ser exposta para um determinado público. Para Dolz, Pietro e Schneuwly (2004), a exposição (ou seminário) seria um discurso que se realiza numa situação de comunicação específica que poderíamos chamar de bipolar, reunindo o orador ou o expositor e seu auditório.(...) Podemos, pois, definir a exposição oral como um gênero textual público, relativamente formal e específico, no qual um expositor especialista dirige-se a um auditório, de maneira (explicitamente) estruturada, para lhe transmitir informações, descrever-lhe ou lhe explicar alguma coisa (p. 217-218). Os referidos autores ainda comentam que o Seminário seria composto por sete partes principais. São elas: 1) Uma fase de abertura; 2) Introdução ao tema; 3) Apresentação do plano da exposição; 4) O desenvolvimento e encadeamento dos diferentes subtemas; 5) Uma fase de recapitulação e síntese; 6) A conclusão; 7) O encerramento. A pesquisadora Vieira (2005) ajuda-nos a entender melhor este gênero oral, uma vez que desenvolveu uma pesquisa com o intuito de investigar o Seminário e o contexto em que este se realiza. A investigação foi baseada em aplicação de questionários, observações e análises de seminários produzidos em salas de aula do Ensino Fundamental e Ensino Médio do Colégio de Aplicação, da UFPE. A autora verificou que na construção dos significados os alunos lançaram mão da oralidade, da escrita, dos gestos, do tom de voz, da música e de outros elementos, que terminam por configurar o seminário como produção multimodal. 5 Assim, observamos que o gênero seminário escolar abarca inúmeros constituintes significativos para que haja um ensino múltiplo e funcional para o educando. Para Dolz, Pietro e Schneuwly: A exposição [seminário] representa, no entanto, um instrumento pedagógico privilegiado de transmissão de diversos conteúdos. Para a audiência, mas também e, sobretudo, para aquele (a) que prepara e apresenta, a exposição, fornece um instrumento para aprender conteúdos diversificados, mas estruturados graças ao enquadramento viabilizado pelo gênero textual. (DOLZ, PIETRO e SCHNEUWLY, 2004, p. 216) No próximo item, abordaremos o uso das sequências didáticas como um procedimento didático capaz de respaldar uma proposta sistemática com os gêneros discursivos escritos e também os orais, particularmente, o Seminário. 5. AS PRÁTICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM E AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS Para os pesquisadores Dolz; Noverraz e Schneuwly (2004), uma Sequência Didática seria “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p. 97). Tem por finalidade, precisamente, ajudar o aluno a dominar melhor um gênero discursivo, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada dada a situação comunicativa. Dolz e Schneuwly (2004) afirmam, ainda, ser esta modalidade organizativa bastante relevante para o avançar dos alunos. Pois com elas as atividades comunicativas complexas que os alunos ainda não estão aptos a realizar de maneira autônoma serão, de certa maneira, decompostas, o que permitirá abordar um a um, separadamente, os componentes que colocam problemas para eles. (...). Neste sentido, as sequências didáticas são instrumentos que podem guiar as intervenções dos professores. (p. 53). Para que haja o procedimento sistemático, Dolz; Noverraz e Schneuwly (2004) oferecem-nos a estrutura de base de uma sequência didática, que seria composta de tais etapas: 1) Apresentação da situação de comunicação; 2) Produção inicial, ou seja, elaboração de um texto (oral ou escrito) do gênero a ser estudado; 3) Os módulos. Em cada módulo, então, escolhe-se um aspecto relativo ao gênero para ser foco de análise/estudo e, desta forma, o objeto vai sendo apropriado; 4) Produção final, ou seja, o momento último em que os alunos demonstrarão todas as aprendizagens alcançadas, 6 ao longo da sequência didática. É por considerar este procedimento didático pertinente que o inserimos em nossa metodologia. 6. METODOLOGIA Para a realização desse estudo, nos pautamos na metodologia do estudo de caso coletivo, por proporcionar um importante meio à interpretação dos nossos resultados. Segundo Allves-Mazzotti (2006), no estudo de caso coletivo, o pesquisador estuda conjuntamente alguns casos para investigar um dado fenômeno, podendo ser visto como um estudo instrumental estendido a vários casos. Os casos individuais que se incluem no conjunto estudado podem ou não ser selecionados por manifestar alguma característica comum. Eles são escolhidos porque se acredita que seu estudo permitirá melhor compreensão, ou mesmo melhor teorização, sobre um conjunto ainda maior de casos (p. 642). A observação possibilitou “um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado [...] e a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação de um determinado fenômeno” (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p.26). Apoiados nessa definição observamos dez aulas de uma sequência, no período de dois meses. 6.1. Caracterização dos sujeitos Participaram de nossa pesquisa uma turma de 30 alunos do 2º ano do 2º ciclo (5º ano) de uma escola pública da rede municipal da cidade do Recife e sua respectiva professora. Optamos por uma turma de 5º ano, por considerarmos que, nessa etapa, os alunos já estejam alfabetizados e familiarizados com algumas práticas de produção de textos. A professora da turma possui formação a nível médio (antigo magistério) e trabalha há 20 anos como docente, sendo 12 anos em turmas de 5º ano. Ela aceito o convite para participar porque fazia parte do círculo de amizades profissionais de uma das pesquisadoras. 6.2. Procedimentos Os procedimentos de coleta de dados dessa pesquisa foram realizados em três etapas: Primeiro realizamos um contato inicial com a professora para apresentar a proposta e discutirmos o planejamento da sequência didática. Vale ressaltar que elaboramos uma primeira versão do planejamento, mas este sofreu processos de 7 adequação pela docente, de acordo com a realidade da turma e com os resultados da produção inicial, que nos apontaram as principais dificuldades dos alunos. Numa segunda etapa da pesquisa, a turma vivenciou a sequência didática acerca do gênero oral “Seminário”, sendo esta realizada em dez aulas, filmadas e transcritas. Na 1ª aula, a docente utilizou a leitura da história „„Seminário escolar‟‟. Tal atividade objetivava o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos acerca do gênero seminário, a partir dos questionamentos da docente. Tudo foi anotado em um cartaz. Posteriormente, os alunos se organizaram em grupos e definiram os temas para a realização de um seminário inicial. Na 2ª aula, os alunos realizaram os seminários (Situação Inicial) e, em seguida, fizeram uma avaliação das apresentações. Na 3ª aula, os alunos assistiram a um vídeo de um seminário realizado por um grupo de universitários e, juntamente com a docente, fizeram uma análise acerca das características de tal gênero, com registro das novas descobertas no cartaz. Na 4ª aula, a professora fez questionamentos acerca das etapas do seminário, dividiu a sala em quatro grupos e distribuiu envelopes que continham expressões linguísticas comuns a cada etapa de um seminário. Em seguida, cada grupo analisou as expressões e as relacionou às etapas de um seminário. Na 5ª aula, os alunos definiram os temas e subtemas dos seminários finais (produção final). A professora também fez um resgate oral (releitura do cartaz) do que os alunos haviam aprendido sobre o gênero seminário. Além disso, deu as primeiras orientações para as pesquisas dos temas. Na 6ª aula, os alunos fizeram algumas pesquisas sobre os temas dos seminários, na biblioteca da escola. Na 7ª aula, os alunos foram para o laboratório de informática da Prefeitura, para fazerem pesquisas na internet. Na 8ª aula, os alunos fizeram uma sistematização das informações pesquisadas, confeccionaram os cartazes que foram apresentados no seminário final e produziram um convite coletivo para a outra turma do 2º ano do 2º ciclo da escola. Na 9ª aula, cada grupo realizou os ensaios dos seminários. Em seguida, tanto os alunos quanto a professora analisaram e opinaram sobre cada apresentação. Na 10ª aula, houve a realização dos seminários para a outra turma do 2º ano do 2º ciclo da escola. Na terceira e última etapa da pesquisa, analisamos a intervenção docente, durante a sequência didática, visando perceber as contribuições para o processo de aprendizagem. 8 7. ANÁLISE DOS DADOS A mediação da professora: uma reflexão sobre o ensino do gênero discursivo “seminário” Para melhor compreendermos as contribuições da professora em relação à aprendizagem do gênero Seminário, elencamos algumas questões norteadoras da discussão: A) A professora contribuiu para a construção pelos alunos da representação social do gênero? Diante de uma tarefa de produção textual, precisamos lançar mão de todos os conhecimentos que temos em relação a essa atividade. Logo, no primeiro momento, pensamos qual seria a melhor forma de atender a finalidade comunicativa que se colocava (que gênero adotar), quem seriam nossos interlocutores, o que dizer, qual seria a melhor forma de dizer, enfim, começamos a construir a nossa base de orientação, que nortearia todo o processo de elaboração textual, como afirmam Dolz e Schneuwly (2004). Analisando o trabalho desenvolvido ao longo da sequência didática, percebemos que, em vários momentos, a docente colaborou com os alunos na construção dessa base de orientação. Selecionamos alguns trechos de aula que ratificam essa ajuda. Na 1ª aula, a professora introduziu uma conversa sobre o gênero Seminário, a fim de resgatar os conhecimentos prévios dos alunos: Exemplo 1: P- O que é seminário? A- Seminário é um grupo de pessoas que estudaram... P- Essas pessoas vão fazer o quê com o que estudaram? A- Vão apresentar para as pessoas... P- Ah vai explicar para o público? A- Sim! Nesse primeiro momento os alunos estão explicitando o seu conceito prévio do que seria um seminário e refletindo um pouco sobre sua finalidade. Na aula 4, a professora também explorou a finalidade, ao comentar com os alunos que, na escola, o seminário tem a intenção de favorecer um maior aprofundamento dos conhecimentos e pode gerar mais aprendizagens para os alunos: Exemplo 2: 9 P - (...) Eu primeiro queria saber de vocês, na opinião de vocês o que vocês acham que traz de bom para um aluno, seja criança, universitário, alunos maiores, qual é a vantagem, o que é que traz de bom fazer o seminário (...). A - Porque a gente aprende mais! P -Um dia vocês vão precisar fazer uma entrevista pra um emprego e se vocês não têm essa desinibição de conversar com o público vai chegar lá todo tímido na hora de responder que é normal acontecer com qualquer pessoa, mas vejam, não é normal vocês falarem pra um público, pra TV, e ficar com vergonha? Mas muitas vezes quando a gente passa por essas experiências de seminário, de tá apresentando pra alguém, tá debatendo com alguém, isso melhora e nos torna mais desenrolados (...). Nos trechos acima vemos a professora conversar com os alunos sobre a importância de se ter experiências com seminários. Estas podem favorecer os alunos em sua vida pessoal e profissional, podem ajudá-los a se tornarem mais seguros na fala, ao terem que falar em público. Este, de fato, é um dos objetivos que permeia o processo de ensino-aprendizagem dos gêneros orais. B) A professora explorou as características composicionais do gênero seminário? Houve várias situações em que a professora começou a explorar as características do gênero seminário. Nas aulas 2 e 3, a docente mediou um processo de avaliação do seminário produzido pelos alunos na situação inicial e por um grupo de universitários em outro contexto. Procuraram verificar os pontos positivos e negativos das apresentações, perceberam aspectos comuns entre elas e, assim, tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais o que caracterizava o gênero. Trouxemos algumas falas (aula 3): Exemplo 3: P - Ok, então, vamos lá, então, seminário é um grupo de pessoas que envolve trabalho, estudo e apresentação para o público, não é isso? Aí, vocês fizeram aquele primeiro seminário de vocês e apresentaram aqui para a sala. Aí nós perguntamos os pontos negativos e os pontos positivos da apresentação de vocês, vamos relembrar aqui o que é que vocês me disseram que é um ponto positivo. A - Boa apresentação, esforço em trazer cartaz, pesquisar fotos. P – Então, como ponto positivo é fazer uma boa apresentação, é tentar falar sempre sem tá virando, olhando pro cartaz e trazer imagens também para ajudar naquela explicação. E como pontos negativos o que é que vocês viram? A - leitura baixa, dificuldade na leitura, grupo que não elaborou cartazes, alunos rindo durante a apresentação, faltou ensaiar, faltou saber mais do assunto, ficar de costas para o público. Ainda nesta aula, a professora sistematiza as observações feitas sobre as etapas de apresentação de um seminário e outras características já discutidas em classe, como postura, os gestos, o uso do cartaz: 10 Exemplo 4: P – Então, agora vamos relembrar um pouquinho o que deve ser feito antes e durante o seminário. Vamos tentar lembrar. O grupo vai começar a apresentar, chegou aqui na frente o que ele deve fazer? A1 - Boa tarde! Apresentar o grupo A2 - Cumprimentar o público, A3 - Falar o nome, P - Deixa eu colocar aqui (no cartaz-síntese das descobertas) A - Apresentar os integrantes P - Só os integrantes? A - Apresentar o trabalho. P - Eu vou chegar aqui não vou nem dizer o que vou falar? O assunto que vai ser falado. E durante a apresentação... A - Se apresentar com seriedade P - Acham que a gente deve ter uma postura ou falar de qualquer jeito? Tem que ter uma postura correta, elegante. Eu posso usar as mãos para gesticular ou tenho que ficar como um soldado? A - Pode, pode usar as mãos P - Não gestos demais também, pra não ficar balançando muito assim, o que mais? Depois a explicação do trabalho. E no final, o meu grupo terminou. „„Muito obrigada‟‟, e aí será que todo mundo entendeu o que eu falei? Seria interessante perguntar ao público se tem alguma pergunta, alguém lembrou de fazer pergunta nos nossos seminários? Seria interessante? A - Sim! P - Então seria, abrir um tempo, espaço para perguntas do público, aí depois que responder e se ninguém tiver mais dúvida, agradece ao público pela atenção. Na aula 4, a professora retoma novamente essas partes do seminário, buscando deixá-las claras para os alunos. Percebemos, então, que a docente explora o modelo didático do gênero Seminário. Para tal, faz recortes, selecionando os principais aspectos a serem enfatizados. Notamos que o caráter composicional do gênero, ou seja, as partes que o compõem foram as mais enfatizadas. Embora, tenhamos percebido isso, vale ressaltar que em outros momentos a docente também explorou alguns aspectos discursivos, porém, sem tanta intensidade. Schneuwly e Dolz comentam que tal atitude seletiva é inerente à entrada do gênero na escola, pois é o resultado de uma decisão didática que visa objetivos específicos de aprendizagem. (...). Isso implica uma transformação, pelo menos parcial, do gênero para que esses objetivos sejam atingidos e atingíveis com o máximo de eficácia: simplificação do gênero, ênfase em certas dimensões. (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 80-81) Salientamos, todavia, a preocupação da docente em não deixar as informações “soltas”. À medida que os alunos iam apresentando descobertas acerca do gênero seminário escolar, a docente ia fazendo o registro dessas informações em cartazes e 11 retomando nas aulas seguintes. Essa retomada é bastante interessante dentro de uma proposta de sequência didática, pois, além de facilitar a dinâmica das discussões, garante que os alunos visualizem os novos conhecimentos e possam reconstruí-los. Outro aspecto também bastante enfocado foi o uso de materiais como apoio para as apresentações. No trecho abaixo (aula 8), a professora orientou os alunos para a necessidade de uma melhor organização das informações textuais e imagens em um cartaz, para que este seja, de fato, um recurso significativo não só para os integrantes do grupo, mas também para a audiência: Exemplo 5: P-(...) O cartaz tem que ser visível para quem está assistindo. Então o cartaz tem que ter título, tem que ter texto sim, mas tem que ser com uma letra que a platéia também consiga ler. (...) P- No cartaz só deve ter as imagens para completar o sentido do que vocês estiverem falando. Por exemplo, se o meu grupo vai falar sobre o futebol e eu vou falar, por exemplo, sobre o uniforme da seleção, então, ao invés de eu só dizer que o padrão da seleção tem a camisa azul, o calção amarelo, não fica mais interessante eu mostrar um cartaz que tenha essa imagem? C) A professora incentivou o planejamento do texto oral? Pensou antes as etapas para se chegar à produção? A questão do planejamento apareceu em algumas falas da professora. Na aula 5, por exemplo, depois de ter lançado a proposta do seminário final, ela indicou para os alunos quais deveriam ser os próximos passos: Exemplo 6: P – Então, nós vamos ver os subtemas da etapa da pesquisa de formação do trabalho de vocês e a gente vai fazer aqui um cronograma(...)Hoje a gente vai escolher um tema e amanhã vocês vão começar a parte da pesquisa. (...) Pesquisar aonde? A - Na biblioteca! P - Que outro lugar a gente viu que pode fazer pesquisa, gente? A - Na internet! O fato de ter organizado com os alunos este cronograma e ter retomado tal planejamento em outras aulas, já ajudou os alunos a entenderem que o primeiro momento da produção de um seminário é a pesquisa. É através da pesquisa que eles vão adquirir os conhecimentos necessários para a geração de ideias, ou seja, para pensar no que dizer. 12 Segundo Góes e Smolka (1992), a geração de ideias é uma das ações-base que utilizamos na produção textual, assim como, o processo de textualização (como dizer) e o registro. Na escola, o professor tem o papel fundamental nestas ações. As crianças precisam refletir sobre as estratégias que escritores experientes adotam para ajudar nessa construção do que dizer e uma dessas é justamente a pesquisa sobre o tema do texto. D) Houve momentos de reflexão sobre a adequação da linguagem nos seminários? Na aula 9, a professora faz uma reflexão com os alunos para a adequação da língua nos variados contextos. Para isso, a docente dá algumas orientações que podem ajudar na formalidade do texto: Exemplo 7 P- (...) Vejam os termos que vão usar e tomem cuidado com aquelas palavrinhas que são as repetições que a gente tem mania de falar: “Aí Chapeuzinho vermelho. Aí o lobo mau. Aí a vovozinha”. Cuidado com a repetição do “aí” ou outros termos que a gente usa quando está conversando. É claro que numa conversa informal, entre amigos, isso não tem nenhum problema, mas no momento que a gente tá apresentando um trabalho, um seminário a gente tem que cuidar para que não aconteçam essas repetições. Notamos que a docente não assume uma postura de certo ou errado em relação às marcas linguísticas próprias dos textos orais informais. Ela apenas situa os alunos quanto ao uso apropriado, refletindo em que momentos tais marcas não representam problemas para a comunicação. Na busca por melhor explorar as expressões linguísticas mais usadas em um Seminário, na 4ª aula a professora fez uma dinâmica como os alunos, em que refletiram sobre estas expressões. Eles teriam que relacionar algumas destas às etapas de um seminário em que elas possivelmente apareceriam. Selecionamos um trechinho: Exemplo 8: P - Pronto! Agora eu vou chamar uma pessoa de cada grupo para trazer uma frase da abertura. Grupo 1 me traga uma frase de abertura... A - Nosso grupo é formado por... (um aluno lê a frase que pegou) P- Vamos vê se está certo, já, já...(a professora escreve no quadro as frases que os alunos vão dizendo em cada etapa do seminário). A- Completando essa parte... (uma aluna destaca esta expressão como pertencente à conclusão, mas a professora reflete sobre sua resposta) P- Gente se eu estiver falando alguma coisa e a outra pessoa quer ainda falar, então eu digo: Completando essa parte... Então isso vai ser da conclusão, minha gente? A- Não! 13 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos achados dessa pesquisa evidenciamos que para a realização de um bom trabalho com o eixo da oralidade, além de uma prática compromissada por parte do docente, deve-se ter o conhecimento e aprofundamento das características composicionais e sociodiscursivas dos gêneros orais. Os resultados ainda sinalizam para a necessidade de mais estudos que focalizem a questão do oral como objeto de ensino, promovendo reflexões pertinentes sobre quais dimensões podem e devem ser ensinadas. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES-MAZZOTTI, A. J. Usos e abusos dos estudos de caso. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 129, p. 637-351, set./dez. 2006. ANTUNES, I. Aula de português. Encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa/Secretaria de Educação. Fundação Brasília, 1997. COSTA VAL. O que é produção de texto na escola? In: Presença pedagógica. 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