MODELOS DE DETECÇÃO DE MANIPULAÇÃO DE
RESULTADOS
Luís Filipe Viana
Mestre em Ciências Empresariais
1. INTRODUÇÃO
O objectivo deste trabalho consiste em providenciar uma panorâmica geral sobre o
“estado da arte” de detecção de manipulação de resultados e correspondente crítica.
De uma forma geral, os modelos existentes na literatura são baseados em accruals, em
que se procura estimar um nível “normal” de accruals, sendo os desvios desse nível
considerados como evidência de práticas de manipulação de resultados contabilísticos.
Jones (1991) deu um contributo decisivo para a proliferação destes modelos na
literatura. Desde então apareceram vários modelos com a mesma filosofia, em que se
vão acrescentando ou redefinindo as variáveis explicativas do nível normal de accruals,
estimado por um dos modelos (e.g., Dechow et al., 1995; Kasznik, 1999; Peasnell et al.,
2000a; Dechow et al., 2003).
Dada a sua proliferação na literatura, decidimos apelidar de “clássicos” estes modelos
baseados em accruals para detecção de manipulação de resultados. Todavia, este tipo de
modelos têm sofrido diversas críticas, as quais serão abordadas em ponto posterior, e
que poderão colocar em causa as conclusões dos estudos que seguem tais metodologias,
uma vez que levam muito frequentemente a conclusões erradas sobre a existência de
gestão de resultados—sendo cometido o erro tipo I—ou então revelam incapacidade de
detecção, ao não rejeitar a hipótese de ausência de gestão de resultados, sendo no
entanto falsa—erro tipo II.
Num segundo ponto, vamos analisar um modelo que acaba por se diferenciar dos
anteriores devido ao facto de ser um modelo que mais claramente assume os problemas
estatísticos associados aos modelos clássicos (modelo de Kang e Sivaramakrishnan),
não tendo contudo acolhido uma adopção consistente na literatura subsequente.
1
Por fim faremos uma incursão pelos modelos1 a que chamamos “distribucionais”,
assinalando as suas principais conclusões, as vantagens que terão do nosso ponto de
vista e as críticas a que os mesmos estão sujeitos.
2. MODELOS CLÁSSICOS
Na presença de incentivos para alterar as demonstrações financeiras, a gestão pode
distorcer a “imagem” da empresa através da manipulação dos accruals, sendo os
accruals que se afastam do nível considerado normal designados como accruals
discricionários2.
Este tipo de modelos procuram extrair a componente discricionária dos accruals e
sendo significativa essa componente conclui-se pela existência de gestão de resultados.
Os accruals verificados são comparados com a estimação feita para esses mesmos
accruals pelos modelos e os erros de previsão ou os resíduos de estimação são
classificados como accruals discricionários, uma vez que os modelos procuram estimar
os accruals na ausência de gestão de resultados. Deste modo, esses accruals
discricionários são considerados como evidência de gestão de resultados e os accruals
estimados pelos modelos são considerados como accruals não discricionários.
Os modelos procuram estimar a componente discricionária dos accruals vistos de uma
forma agregada (e.g., Jones, 1991; Dechow et al., 1995), sendo uma espécie de síntese
de todas as práticas de distorção, ou então é feita a análise de um accrual específico,
procurando modelizar o seu nível normal (e.g., McNichols e Wilson, 1998; Marquardt
e Wiedman, 2004).
1
A palavra “modelo” talvez não seja adequada, uma vez que nos estudos que procuram analisar a
distribuição dos resultados não se encontram formalizados modelos que serão objecto de estimação por
um qualquer método.
2
Healy (1996, p. 114) argumenta que estes accruals deviam passar a designar-se como “não esperados”
(ou anormais), uma vez que os modelos estimam o nível esperado (ou normal) dos accruals.
2
2.1. CARACTERIZAÇÃO
McNichols e Wilson (1988) desenvolveram um modelo geral de análise. Assim, no
modelo, os accruals são decompostos em accruals não discricionários e accruals
discricionários. Como os accruals discricionários não são observáveis, terão que ser
estimados com o auxílio de um dos diferentes modelos descritos nos pontos seguintes.
Os resultados obtidos são então sujeitos a testes estatísticos com vista a se concluir pela
existência ou não de gestão de resultados.
Nesta secção vamos seguir de perto a caracterização dos modelos feita por Dechow et
al. (1995). O modelo geral de detecção de accruals discricionários pode ser descrito
pela seguinte relação linear (Dechow et al., 1995, p. 195):
ACDt = α + β PARTt +
K
∑γ
k =1
k
X kt + ε t
(1)
Em que:
ACD = accruals discricionários (normalmente deflacionados pelo activo total do
período anterior);
PART = Variável dummy que classifica as observações em dois grupos de acordo com
as previsões do analista, assumindo o valor 1 no grupo ou período onde se espera a
ocorrência de gestão de resultados, 0 caso contrário;
Xk = Todas as outras variáveis que afectam os ACD (para k = 1, …, K);
ε t = Termo de perturbação que obedece às hipóteses clássicas3.
Nos períodos em que o analista assume a hipótese de existência de gestão de resultados
(event period) a variável PART assume o valor 1 e assume o valor 0 nos períodos em
que se assume a hipótese de ausência (estimation period), pelo que PART é uma
variável que captura factores que motivam a gestão de resultados (Kang e
Sivaramakrishnan, 1995, p. 354).
3
a) E ( ε t ) = 0,
∀t
b) Var ( ε t ) =
σ 2, ∀t
c) Cov ( ε t , ε j ) = 0, ∀ t, j, t ≠ j
3
A hipótese nula de não existência de gestão de resultados será rejeitada se o coeficiente
associado à variável PART for estatisticamente significativo, rejeitando a hipótese de
ser igual a 0, utilizando os níveis de significância habituais4.
Como os accruals discricionários não são observáveis terá que ser usada uma proxy,
sendo assim estes accruals medidos com erro ( υ ):
PACDt = ACDt + υ t
(2)
Em que:
PACD = proxy para os accruals discricionários.
No caso de o analista não conseguir identificar com facilidade as outras variáveis
explicativas (Xk´s) e os accruals discricionários não serem observados, o modelo fica
reduzido à seguinte expressão:
PACDt = α + β PARTt + μ t + ε t
(3)
Onde μ t captura os efeitos das variáveis explicativas omissas e o erro na proxy para os
accruals discricionários. Aplicando o método de mínimos quadrados à expressão (3) o
estimador βˆ é um estimador não enviesado de β e de eficiência máxima. O modelo
em (3) serve como uma espécie de padrão de comparação, uma vez que, devido à sua
correcta especificação, reúne as condições desejáveis para efeitos de inferência
estatística.
Todavia, o modelo estimado pelo analista é normalmente o seguinte:
∧
∧
PACD t = a + b PARTt + et
(4)
Este modelo está mal especificado, uma vez que se encontra omitida uma variável
∧
explicativa ( μ t ). Como consequência desta má especificação, b será um estimador
enviesado e inconsistente5 de β , dependendo a direcção do enviesamento da correlação
entre as variáveis PART e μ t , ficando assim prejudicada a validade da inferência
estatística6.
4
O nível de significância é a probabilidade de cometer um erro tipo I, isto é, rejeitar a hipótese de os
resultados não serem sistematicamente manipulados sendo no entanto esta hipótese verdadeira.
5
O enviesamento não desaparece mesmo para amostras de grande dimensão.
6
Sobre as consequências da omissão de uma variável explicativa ver Gujarati (1995, pp. 456-458).
4
Dechow et al. (1995) identificaram quatro modelos que procuram detectar a existência
de gestão de resultados e propõem uma versão modificada do modelo de Jones. Todos
os modelos procuram estimar os accruals não discricionários, usando observações do
período de estimação. Depois comparam esses accruals com os accruals totais,
extraindo por diferença a componente discricionária dos accruals e sendo essa
componente significativa, conclui-se pela existência de gestão de resultados.
Nos pontos seguintes far-se-á uma breve descrição dos modelos quanto ao seu modus
operandi em termos de estimação dos accruals não discricionários ou normais (i.e., não
manipulados).
2.1.1. Modelo de Healy
Healy (1985) propôs o seguinte modelo para estimar os accruals não discricionários:
∑ ACT
ACND τ =
t
t
T
(5)
Em que:
ACND = accruals não discricionários;
ACT = accruals totais;
t = 1, 2, … T. Diz respeito a observações do período de estimação;
τ = Observações do período do evento.
A estimativa para os ACND no período do evento consiste na média dos ACT do
período de estimação, assumindo-se que os ACND seguem um processo de reversão à
média (Bartov et al., 2000, p. 426).
2.1.2. Modelo de DeAngelo
DeAngelo (1986) propôs o seguinte modelo para estimar os ACND:
ACNDt = ACTt-1
(6)
Em que:
ACND = accruals não discricionários;
ACT = accruals totais.
5
O período de estimação dos accruals não discricionários fica restringido à última
observação anual, pelo que se assume que os ACND seguem um processo de passeio
aleatório (Thomas e Zhang, 2000, p. 353).
Na hipótese de ausência de gestão de resultados, o valor esperado da diferença entre os
ACND e os ACT será zero (DeAngelo, 1986, p. 409), isto é, os ACND no período do
evento deverão ser iguais aos ACT do período anterior.
Uma característica comum aos modelos de Healy e de DeAngelo é que ambos usam os
ACT do período de estimação para estimarem os ACND no período do evento. Se os
ACND forem constantes ao longo do tempo e os ACD tiverem um valor esperado de
zero no período de estimação, então estes dois modelos medirão os ACND sem erro. Se
os ACND variarem de período para período, estes modelos estimarão os ACND com
erro, uma vez que estes dois modelos assumem o pressuposto de que os ACND são
constantes ao longo do tempo, isto é, não variam em função das circunstâncias
económicas da empresa.
2.1.3. Modelo da Indústria
Dechow et al. (1995) também fazem referência ao seguinte modelo para estimar os
ACND:
ACNDt = γ 1 + γ 2 medianaI ( ACTt )
(7)
Em que:
medianaI ( ACTt ) = Mediana dos accruals totais deflacionados pelo activo total de t-1,
de todas as empresas da mesma indústria não incluídas na amostra.
Tal como no modelo de Jones (1991) que veremos a seguir, neste modelo rompe-se com
o pressuposto de que os ACND são constantes ao longo do tempo, sendo assumido no
modelo da indústria que a variação nas determinantes dos ACND é comum a todas as
empresas na mesma indústria. Neste modelo assume-se que os accruals de cada
empresa são sensíveis aos accruals da indústria em que se insere.
6
2.1.4. Modelo de Jones
Jones (1991) rompe com o pressuposto de que os ACND são constantes ao longo dos
períodos. No seu modelo para estimar os ACND incluiu variáveis com o objectivo de
captar o efeito das circunstâncias económicas que envolvem a empresa. Jones propôs o
seguinte modelo para estimar os ACND ou normais:
ACT jt / Aj ,t −1 = α j1 (1/ Aj ,t −1 ) + α j 2 (ΔVND jt / Aj ,t −1 ) + α j 3 ( IC jt / Aj ,t −1 ) + ε jt
(8)
Em que:
ACT jt = accruals totais da empresa j no período t;
ΔVND jt = Variação nas vendas no período t da empresa j;
IC jt = Imobilizado corpóreo bruto da empresa j no ano t;
Aj ,t −1 = Activo total do período t-1 para a empresa j;
α j1 , α j 2 , α j 3 = parâmetros específicos da empresa.
A variação nas vendas é incluída no modelo porque as variações nas contas de fundo de
maneio7 dependem de variações nas vendas. O imobilizado corpóreo é incluído para
captar a parte dos accruals totais relacionada com amortizações não discricionárias.
Em alguns estudos somente se procura estimar a componente não discricionária dos
accruals de curto prazo (relacionados com activos correntes) sendo omitida a variável
IC como explicativa de accruals não correntes (amortizações). É argumentado que as
manipulações incidirão sobretudo nos accruals correntes e não na alteração do nível de
amortizações, uma vez que chamaria a atenção dos utentes da informação e do auditor
incumbente alterar a política contabilística das amortizações, tornando a gestão de
resultados transparente (e.g., Teoh et al., 1998; Jaime e Noguer, 2004).
As variáveis são deflacionadas pelo activo total do período anterior para reduzir a
heteroscedasticidade e para que se possam fazer comparações entre as empresas (Jones,
7
Fundo de maneio (working capital) = Activos Correntes – Passivos Correntes. Como estamos a analisar
os accruals devemos excluir as disponibilidades no cálculo do fundo de maneio.
7
1991, p. 212; Beneish, 1997, p. 306; Thomas e Zhang, 2000, p. 352), na medida em que
é controlado o efeito de escala.
A equação é estimada dentro do período de estimação para cada empresa, obtendo-se,
pelo método de mínimos quadrados, estimativas dos parâmetros específicos de cada
empresa:
∧
∧
∧
∧
ACT jt / Aj ,t −1 = α j1 (1/ Aj ,t −1 ) + α j 2 (ΔVND jt / Aj ,t −1 ) + α j 3 ( IC jt / Aj ,t −1 )
(9)
Os erros de previsão representam o nível de accruals anormais ou discricionários:
μ jp = ACT jp / A j , p −1 − ⎡⎢α j1 (1 / A j , p −1 ) + α j 2 (ΔVND jp / A j , p −1 ) + α j 3 ( IC jp / A j , p −1 )⎤⎥ (10)
∧
∧
∧
⎣
⎦
Em que “p” é o período para o qual os accruals normais são previstos. Sendo o erro de
previsão significativo conclui-se pela existência de manipulação de resultados.
No modelo de Jones está implícito que as vendas são não discricionárias. No entanto, as
vendas podem ser objecto de manipulação. Neste modelo, quando ocorre manipulação
através das vendas, os testes podem levar a concluir pela sua inexistência, quando de
facto houve manipulação das vendas. Ocorre nesse caso o chamado erro tipo II8.
2.1.5. Modelo modificado de Jones
Dechow et al. (1995) propõem uma versão modificada do modelo de Jones com o
objectivo de eliminar a fonte de erro existente no modelo de Jones quando ocorre
manipulação das vendas. Os autores indicam o seguinte modelo para estimar os ACND:
ACNDt = α1 (1/ At −1 ) + α 2 (ΔVNDt − ΔCRt ) + α 3 ( ICt )
(11)
Em que:
ΔCRt = Contas a receber líquidas no ano t menos as contas a receber líquidas no ano t-1,
divididas por At-1
As estimativas dos parâmetros são obtidas da mesma forma do que para o modelo de
Jones, variando é a estimativa dos ACND no período do evento. Neste modelo assumese que as vendas a crédito no período do evento são discricionárias, o que poderá
8
Não rejeitar a hipótese de inexistência de gestão de resultados, quando de facto ocorreu.
8
revelar-se inadequado em certas circunstâncias, podendo levar à rejeição da hipótese
verdadeira (ausência de gestão de resultados), uma vez que numa situação de
crescimento das vendas é de esperar um aumento das vendas a crédito. Com o objectivo
de mitigar esta fonte adicional de erro de medida, Dechow et al. (2003, p. 359) propõem
um modelo onde uma parte das vendas a crédito não irá ser classificada como
discricionária.
2.2. OPERACIONALIZAÇÃO
Chegados até aqui importa analisar como é que os modelos testam a hipótese de
existência de gestão de resultados. Seguindo de perto a análise de Dechow et al. (1995),
comum a todos os modelos é o cálculo dos accruals totais, com base no balanço:
ACTt = (ΔACt − ΔPC t − ΔCaixa + ΔDCP − DEPt ) / At −1
(12)
Em que:
ΔACt = Variação nos activos correntes;
ΔPCt = Variação nos passivos correntes;
ΔCaixat = Variação em caixa e equivalentes a caixa;
ΔDCPt = Variação na dívida de curto prazo incluída nos passivos correntes;
DEPt = Amortizações e depreciações.
Para cada um dos modelos em análise, os accruals discricionários são estimados
subtraindo aos accruals totais os não discricionários estimados por cada um dos
competentes modelos:
ACDit = ACTit - ACNDit
(13)
Os ACD são regredidos na variável que divide as observações (PART)9. Esta nova
regressão abrange as observações do período de estimação e do período do evento:
∧
∧
∧
ACD it = ai + bi PARTit
(14)
Em que:
9
Por exemplo, esta variável pode indicar se os resultados estão acima ou abaixo de um determinado
objectivo.
9
PART = 1, se a observação diz respeito ao período do evento, 0 se respeitar ao período
de estimação.
Concluir-se-á que a empresa i efectuou gestão de resultados se rejeitarmos a hipótese
nula de bi = 0, usando a estatística t e os níveis de significância habituais.
2.3. CRÍTICAS
Beneish (2001) argumenta que este tipo de modelos falham porque não conseguem
distinguir os accruals que resultam do poder discricionário da gestão dos accruals que
resultam de alterações no desempenho económico da empresa.
Também Healy (1996) realça a incapacidade deste tipo de modelos em incorporar o
efeito de alterações nos “fundamentais” do negócio (políticas de crédito, qualidade do
produto, ciclo de vida da empresa) no nível de accruals, uma vez que este tipo de
alterações levam a estimativas erradas de accruals discricionários.
Sugerindo que a investigação futura se centre no estudo de accruals específicos—
porque será mais fácil modelizar o seu comportamento na ausência de gestão de
resultados—McNichols (2000) refere o facto de não existirem na literatura teorias que
sustentem o comportamento dos accruals na ausência de gestão de resultados. Na
ausência de uma base teórica que permita a modelização da componente contabilística
dos resultados, não existe confiança suficiente para inferir sobre as estimativas dos
accruals discricionários reflectirem o comportamento oportunista dos gestores. Assumir
a hipótese de que os accruals não discricionários são uma função linear da variação das
vendas, como fez Jones (1991), é uma questão em aberto (McNichols, 2000, p. 320).
Nós diríamos que a inexistência de um modelo teórico de referência que explique o
nível dos accruals torna discutível toda a investigação empírica assente nos modelos
clássicos. A reforçar esta inexistência de um modelo teórico que explique o
comportamento dos accruals, Dechow et al. (2003, p. 358) adicionaram ao seu modelo
variáveis explicativas de uma forma intuitiva10.
10
“Our objective is to provide some additional variables that at an intuitive level are expected to vary
with nondiscretionary accruals.”
10
Um aspecto importante na abordagem de McNichols (2000) consiste no facto de
existirem diversas decisões tomadas pela gestão que nada têm a ver com gestão de
resultados, como por exemplo, uma empresa que antecipe uma subida de preços, é
economicamente racional que acelere as suas compras, mas, no entanto, os modelos de
detecção vão classificar esta empresa como “manipuladora”, uma vez que o crescimento
verificado nas existências será considerado como “anormal”. McNichols (2000)
encontrou evidência de que aplicando os modelos de Jones (1991) e de Dechow et al.
(1995) a empresas com diferente desempenho financeiro ou crescimento, as estimativas
para os accruals discricionários serão diferentes e essa diferença depende somente
desses factores de desempenho e de crescimento. Tal leva a sugerir que esses modelos
não captam as características económicas das empresas e desse modo estimam com erro
os accruals discricionários, estando mal especificados.
Thomas e Zhang (2000) encontraram evidência de que o poder de previsão destes
modelos é muito baixo, sendo mesmo menor do que um simples modelo que prevê que
todas as empresas terão accruals totais no valor de -5% do activo total do período
anterior ou accruals correntes de 0%. No seu estudo concluem que só o modelo de
Kang e Sivaramakrisnan (1995) e o modelo de Jones—quando se estimam os
parâmetros para a indústria (cross sectional) e não para a empresa (time series)—é que
demonstram uma ligeiramente melhor capacidade de previsão do que o modelo simples,
sugerindo que se os modelos não têm capacidade de previsão dos accruals, também não
serão de grande utilidade para estimar os accruals discricionários.
Kang e Sivaramakrisnan (1995) alertam para o facto de que muitas vezes as variáveis
que são utilizadas nos modelos de previsão dos accruals não discricionários estão elas
próprias afectadas por gestão de resultados11, o que poderá ser uma fonte adicional de
erro devido ao facto de nos modelos clássicos se assumir que no período de estimação
não ocorreu comportamento discricionário.
Partindo da constatação que existem alterações não operacionais nas contas de fundo de
maneio que não são incluídas na secção operacional da demonstração de fluxos de caixa
pelo método indirecto, Hribar e Collins (2002) criticam os modelos de detecção
11
Veja-se a este respeito o modelo de Jones (1991), onde é assumido que as vendas não são objecto de
manipulação.
11
baseados nos accruals devido ao facto de estes modelos medirem os accruals a partir
do balanço e não a partir da demonstração de fluxos de caixa, uma vez que existem
eventos não operacionais como as fusões e aquisições (F&A), descontinuação de
operações, reclassificações contabilísticas e os ganhos e perdas resultantes da tradução
das demonstrações financeiras que têm impacto ao nível dos activos e passivos
correntes mas não ao nível da secção operacional da demonstração de fluxos de caixa.
Este tipo de situações são apelidadas como problemas de não articulação (Bahnson et
al., 1996). Hribar e Collins (2002) encontraram evidência que usando o balanço para
medir os accruals pode levar a que, na presença de problemas de não articulação se
conclua, utilizando os modelos vistos até aqui, pela existência de gestão de resultados
quando de facto não ocorreu. Assim, alertam para a pesquisa empírica medir os
accruals a partir da demonstração de fluxos de caixa e não do balanço. Deste modo, nos
estudos feitos até aqui, calculando os accruals tendo por base de cálculo o balanço, em
amostras
que
estejam
“contaminadas”
por
F&A,
operações
descontinuadas
(desinvestimentos) e operações de tradução de contas de filiais estrangeiras, as
inferências estatísticas não são fiáveis uma vez que as frequências de rejeição da
hipótese de não existência de gestão de resultados serão elevadas relativamente aos
níveis de significância habituais. Isto é, devido à má especificação dos modelos serão
cometidos erros, concluindo-se erradamente pela existência de práticas que não se
verificaram. Por exemplo, foi encontrada evidência de que na presença de F&A,
calculando os accruals a partir do balanço poderá levar a concluir erradamente pela
existência de gestão positiva de resultados.
Todos os modelos que procuram extrair a componente discricionária dos accruals
podem ser criticados por classificaram mal accruals não discricionários como sendo
discricionários (Dechow et al., 2003, p. 358).
Sob o ponto de vista de inferência estatística, como vimos no ponto 2.1., no modelo
estimado pelo analista não se encontra incluída a variável μ t que captura os efeitos das
variáveis explicativas omissas e o erro na proxy para os accruals discricionários.
Surgem assim consequências indesejáveis ao se estimar os parâmetros da regressão
(3.14) pelo método de mínimos quadrados, uma vez que se aumentam as probabilidades
de se cometerem erros tipo I e II (Dechow et al., 1995, pp. 196-197).
12
Por último, a literatura que avaliou este tipo de modelos em termos de especificação e
potência de detecção de gestão de resultados artificialmente induzida recorrendo,
designadamente, a simulações (e.g., Dechow et al., 1995; Peasnell et al., 2000a; Jaime e
Noguer, 2004; Kothari et al., 2005) concluiu que os modelos se encontram normalmente
mal especificados no caso de anormal desempenho financeiro—uma vez que as
frequências de rejeição excedem ou ficam aquém dos níveis de significância habituais—
e revelam uma potência não muito satisfatória na detecção de gestão de resultados, não
rejeitando sempre a hipótese de ausência de manipulação que se sabe a priori ter
ocorrido.
Podemos então concluir que os modelos não controlam todos os factores que
influenciam o nível de accruals e isso deve-se em grande medida ao facto de não
existirem teorias que expliquem o comportamento dos mesmos, o que implica
normalmente uma má especificação, que se traduzirá em problemas de índole
estatística.
3. MODELO DE KANG-SIVARAMAKRISHNAN
Decidimos efectuar uma análise separada do modelo de Kang e Sivaramakrishnan
(1995) porque é adoptada uma metodologia substancialmente diferente da vista até aqui.
Os autores alertam para o facto de os modelos clássicos, nomeadamente o modelo de
Jones, estarem sujeitos a três problemas estatísticos: simultaneidade porque não é
incorporada a identidade derivada do facto de os resultados não discricionários serem
iguais aos accruals não discricionários mais os cash flows; erros nas variáveis na
medida em que as variáveis explicativas podem estar afectadas por gestão de resultados;
e omissão de variáveis que afectam o comportamento dos accruals, pelo que, aplicando
o método de mínimos quadrados, os estimadores não são cêntricos nem consistentes12.
No seu trabalho utilizaram métodos de estimação diferentes do método de mínimos
quadrados13, adicionaram mais variáveis ao modelo (como por exemplo o custo dos
produtos vendidos) e não consideraram as variáveis em termos de variação mas sim em
termos de nível.
12
Os autores demonstram que é violada a hipótese de ausência de correlação entre as variáveis
explicativas e o termo de perturbação, e a violação desta hipótese clássica provoca que os estimadores de
mínimos quadrados não tenham as propriedades desejáveis.
13
Método das variáveis instrumentais (IV) e método dos momentos generalizado (GMM).
13
O modelo final proposto é:
ACTt = φ0 + φ1 [δ 1 * VNDt ] + φ 2 [δ 2 * COt ] + φ3 [δ 3 * ICt ] + υ t
(15)
Em que:
δ1 =
CRt −1
VNDt −1
δ2 =
EXTt −1 + OACt −1 − PCt −1
COt −1
δ3 =
DEPt −1
IC t −1
ACT = accruals totais14;
CR = Contas a receber, excluindo impostos;
VND = Vendas líquidas;
EXT = Existências;
OAC = Outros activos correntes que não caixa, contas a receber e existências;
PC = Passivos correntes, excluindo impostos e passivos financeiros;
CO = Custos operacionais (custo dos produtos vendidos, custos de distribuição e
administrativos com exclusão das amortizações);
DEP = Amortizações e depreciações;
IC = Imobilizado corpóreo bruto.
Todas as variáveis se encontram deflacionadas pelo activo total bruto do período
anterior para as tornar estacionárias.
Por um lado, o problema das variáveis omissas é controlado com a inclusão de alguns
custos na regressão. Por outro lado, os problemas da simultaneidade e erros nas
variáveis são solucionados recorrendo ao método das variáveis instrumentais (IV) ou ao
método dos momentos generalizado (GMM). Foram usados como instrumentos as
variáveis explicativas e dependente desfasadas de dois ou três períodos e a constante
(Kang e Sivaramakrishnan, 1995, p. 359).
14
Os autores chamam-lhe accruals de balanço apesar de incluir as amortizações no seu cálculo, porque
não encontraram um termo melhor (sua nota de rodapé nº 8). ACT = CR + EXT + OAC – PC - DEP
14
Este modelo, apesar da sua inovação em termos econométricos e inclusão de novas
variáveis, não mereceu uma atenção consistente na literatura subsequente uma vez que
se continuou a usar na investigação empírica os modelos clássicos, mais concretamente
o modelo de Jones ou o modelo modificado de Jones (e.g., DeFond e Subramanyam,
1998; Bartov et al., 2000; Klein, 2002a).
4. MODELOS DISTRIBUCIONAIS
4.1. Breve descrição
Neste ponto vamos analisar os contributos de Burgstahler e Dichev (1997) e de
Degeorge et al. (1999) para a problemática.
Em estudo anterior (Hayn, 1995, p. 132), encontrou evidência de uma descontinuidade
dos resultados em torno de zero, mais concretamente uma concentração mais do que
esperada de casos justamente acima de zero e menos casos do que o esperado logo à
esquerda de zero, assumindo uma distribuição normal, sugerindo a existência de
manipulação de resultados por parte das empresas que esperam resultados ligeiramente
negativos como explicação para aquela evidência.
Diferentemente dos modelos clássicos, nestes modelos não se procura estimar a
componente discricionária dos accruals e assim concluir pela existência de manipulação
de resultados. Estes modelos demonstram antes a existência de “irregularidades” na
distribuição dos resultados em torno de um determinado limiar ou objectivo
(thresholds), recorrendo à análise gráfica e estatísticas de teste em torno de determinado
ponto que se presume induzir uma gestão de resultados.
Considerados como um todo, nos estudos destes autores são admitidos três thresholds15
que se assume ser importante alcançar, uma vez que se tal não acontecer poderão
ocorrer efeitos desfavoráveis para a empresa (e.g., aumento do custo de capital, revisão
em baixa por parte dos analistas das perspectivas futuras da empresa) e para a gestão, na
forma de custos pessoais (e.g., despedimento, reputação). Assim, a gestão da empresa
procura relatar resultados positivos (maiores do que zero), manter o desempenho
15
Burgstahler e Dichev (1997) não analisaram no seu estudo as previsões dos analistas como factor de
explicação para a gestão de resultados.
15
(inexistência de descidas nos resultados) e atingir ou exceder ligeiramente as previsões
dos analistas.
Degeorge et al. (1999) salientam os aspectos psicológicos dos thresholds no
comportamento humano. O facto de uma empresa atingir certos thresholds é utilizado
pelos interessados como uma forma de inferirem sobre o desempenho da empresa. Vejase, a título de exemplo de como o alcance de certos patamares tem efeitos sobre as
perspectivas percebidas sobre a empresa, o impacto negativo que a expressão “a
empresa está a dar prejuízos” pode ter nas decisões de financiamento da empresa e
sobre a qualidade da gestão, podendo levar a dificuldades de acesso a capital e mudança
da equipa de gestão por parte dos accionistas.
Nas suas análises os autores encontraram descontinuidades nas distribuições dos
resultados e variações dos mesmos em torno de determinados thresholds. Como
resultado dessa evidência, os autores concluíram que existiu gestão de resultados para
atingir esses limiares/objectivos uma vez que existem incentivos para atingir certos
resultados, nomeadamente, relatar lucros, relatar um desempenho constante ou em
crescimento e satisfazer as previsões dos analistas.
Em termos de hierarquia, ou prioridades no alcance daqueles limiares, Degeorge et al.
(1999) concluíram que: primeiro, as empresas procuram relatar resultados positivos;
depois, manter ou melhorar o desempenho; e por último, satisfazer as previsões dos
analistas.
Estes modelos têm como principal vantagem a de alertar os utentes da informação a
efectuar uma análise prudente das demonstrações financeiras de empresas em que as
medidas de desempenho se encontrem na vizinhança de um dos thresholds descritos.
Por outro lado são modelos em que não existem os problemas de inferência estatística,
como no caso dos modelos clássicos, estando todavia sujeitos a críticas como veremos
no ponto seguinte.
16
4.2. Críticas
Dechow et al. (2003) criticam as conclusões de Burgstahler e Dichev (1997) no sentido
de que talvez não seja a gestão de resultados que explique a evidência que aqueles
autores encontraram, mas sim factores reais. Partindo do princípio que são os accruals
discricionários positivos que provocam uma concentração maior do que a esperada nas
classes de resultados ligeiramente positivos, então será de esperar que eles sejam
significativamente diferentes entre o grupo de empresas que relatam pequenos prejuízos
e o grupo que relata pequenos lucros. Os autores encontraram evidência de que essa
diferença não é significativa (Dechow et al., 2003, Tabela 3, Quadro B). Assim, talvez
não seja a gestão de resultados, medida pelos accruals discricionários, que explique
uma maior densidade de empresas na zona de pequenos lucros. Deste modo, factores
como um esforço maior por parte da gestão e dos colaboradores para alcançar resultados
positivos, as características das empresas incluídas na amostra (uma vez que se trata de
empresas cotadas)16, o facto de se utilizar como deflator a capitalização bolsista da
empresa, a presença de activos financeiros no activo da empresa e o conservantismo17
podem explicar uma maior concentração de observações na zona de pequenos lucros,
não se devendo, portanto, essa concentração à existência de gestão de resultados, sendo
todavia admitido que os resultados obtidos podem dever-se à incapacidade de os
modelos utilizados em detectar gestão de resultados.
Numa outra linha de críticas, Beaver et al. (2003) sustentam que, em função da
evidência encontrada, não se pode falar de uma única distribuição para os resultados
líquidos, mas sim de uma distribuição para empresas com prejuízos e outra para as
empresas com lucros, existindo uma maior variância dos resultados para as empresas
com prejuízos. A descontinuidade na distribuição do nível de resultados e nas variações
16
Pode levar a um enviesamento, uma vez que as empresas para serem admitidas a negociação num
mercado de cotações oficiais têm que cumprir certos requisitos em termos de resultados. Relativamente a
Portugal esses requisitos encontram-se estipulados nos artigos 227º e seguintes do Código de Valores
Mobiliários.
17
O conservantismo pode ser caracterizado pela seguinte expressão: “Não antecipar os ganhos mas
antecipar as perdas”. O timing de reconhecimento das “más notícias” é diferente do das “boas notícias”.
Existe um tratamento assimétrico, uma vez que as “más notícias” são reconhecidas “mais cedo” do que as
boas.
17
dos resultados pode ser devida ao impacto diferente dos impostos e dos special items18
consoante a empresa tenha lucros ou prejuízos, e não a gestão de resultados como
concluíram os estudos distribucionais. No seu estudo, aqueles dois factores explicam
cerca de 2/3 da descontinuidade na distribuição dos resultados, ficando em aberto a
questão empírica de como será a distribuição na ausência de gestão de resultados.
Por último, a metodologia usada nestes estudos não permite tirar ilações sobre a forma e
a extensão da manipulação de resultados (Beneish, 2001).
18
São exemplos, os eventos não recorrentes ou infrequentes como os ajustamentos (write-downs) de
contas a receber e as perdas de imparidade do goodwill. Ver ponto 3.10 da Directriz Contabilística n.º 20
da CNC.
18
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