Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda 1. NASCE: Professor Ricardo Meneses conte para gente um pouco sobre sua trajetória profissional. Formei-me em 1996 como Bacharel em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando as universidades ainda mantinham as habilitações, mesmo que já em fase de transformação para o currículo generalista. Desde muito novo eu gostava da área cirúrgica e me propus a realizar na graduação várias atividades relacionadas nessa área, mesmo aquelas que estavam fora da proposta curricular, como a atividade de instrumentação cirúrgica, que pude realizar durante o meu estágio supervisionado em enfermagem. Ricardo de Oliveira Meneses – Enfermeiro graduado pela Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ e habilitado em Enfermagem Médico-Cirúrgica. Especialista em Docência do Ensino Superior. Mestre em Ciências da Enfermagem pela UNIRIO. Professor Assistente DIII no IFRJ e Professor Auxiliar Nível III da UNESA. De certo, muitos professores me incentivavam nas minhas tomadas de decisão, pelo que observavam como potencial. No final da graduação, eu e um grupo de colegas, escrevemos um livro que está até hoje em circulação, que se trata sobre a legislação em enfermagem, pela carência literária que víamos no acesso aos estudantes e profissionais de enfermagem as leis do ensino e do exercício profissional. Fui trabalhar em um hospital, inicialmente filantrópico e de pequeno porte, no dia seguinte que me graduei e nele, havia o perfil majoritário de pacientes cirúrgicos, pela promoção dos lucros que geravam, tanto através dos planos de saúde quanto pela filantropia. Trabalhei muito neste hospital que tinha um mapa de cirurgias em torno de vinte procedimentos com quatro salas de cirurgias apenas. Não havia na planta física deste local uma Central de Material estruturada, apenas duas autoclaves que logravam - se dentro do Centro Cirúrgico. Atuei paralelamente com o ensino médio e em 1999 ingressei na docência superior pela UFRJ, onde o mapa de cirurgias contemplava as vinte e uma salas de cirurgia, onde acompanhei os alunos de graduação, realizando também outras atividades peculiares a docência de nível superior. Em 2001, pelo serviço do estado do Rio de Janeiro, assumi como enfermeiro as atividades no Centro Cirúrgico, até mesmo pela minha trajetória, até 2005. Em seguida fui deslocado para Central de Material e Esterilização. Nesta época, apesar de terem reconhecido atributos para o cargo 1 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda de coordenador, a razão real era para me afastar do centro cirúrgico e de suas intercessões político-administrativas. Ao entrar na Central de Material me senti constrangido, pois parecia que estava alijado de todo contexto do hospital, além de ter interpretado como retaliação do perfil profissional que tinha. Besteira minha, hoje amo o que faço! Lembro-me como se fosse hoje, que iniciei na Central de Material organizando desde o chão até os impressos que havia ali e não tinham continuidade. Descobri que nesse espaço havia trabalhadores que em grande maioria tinham sido alocados na CME, não porque desejavam, mas sim por razões políticas, por descrédito profissional, por readaptação ao serviço hospitalar e por impropriedade de alguns em se relacionar com pessoas. Resolvi abraçar a causa deles e colocar aquele grupo como participante de um processo educativo constante, valorizando cada um em seus contextos profissionais e pessoais, melhorando a cada dia o perfil de funcionários e enfermeiros necessários a composição da CME, descobrindo que na Central de Material eu tenho um espaço hegemonicamente da enfermagem no seguimento hospitalar. Desde então, a CME de 2005 que havia “encontrado”, mudara radicalmente para outro perfil, ainda que o modelo de gestão política deixe-nos desabrigados de nossas lutas, pois em pouco tempo, surgiram mais demandas legais e de trabalho de que em muitos outros serviços do hospital, me trazendo sempre as discussões acadêmicas no cenário prático e transformando o local em um campo de alta produtividade e especificidade. Atualmente atuo como docente em uma instituição pública federal, ministrando a disciplina de patologia. Integro também o corpo docente de uma universidade particular com a disciplina de enfermagem cirúrgica, e ainda viajo pelos estados do Brasil em participação de cursos de pós-graduação para grupo de enfermeiros que atuam ou atuarão em bloco operatório. 2. NASCE: Você acredita que a escola influencia a opção do graduando na escolha para atuar em CME, depois de formado? Acredito sim, porque tenho visto a atuação de enfermeiros dentro da CME, sem a experiência necessária para desempenhar suas funções nessa área. No Rio de Janeiro, poucas são as escolas de nível superior e médio que perfilam este modelo de assistência, pois se sublimou nos currículos a área da CME. Isto tem gerado uma atuação profissional, não baseada em evidências científicas, 2 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda mas sim nas diferentes formas de ingresso que gestores têm proporcionando a área, mesmo que eles reconheçam a especificidade do serviço. Trata-se, portanto de um enorme desafio! Quando mostro aos discentes de graduação em enfermagem como o profissional pode atuar na CME como uma unidade autônoma e gestora de seus recursos materiais, pessoais e de especificidade técnica, ainda há o interesse deles vislumbrarem a área pela demanda do mundo de trabalho. No Brasil, de acordo com os dados publicados na rede de computadores internacional, nas ementas disponíveis para acesso e preparo ao serviço de esterilização que destinam-se ao nível superior, em torno de oito cursos trazem um modelo assistencial ao graduando de enfermagem, a vivência da CME como um espaço de formação. Falando do Rio de Janeiro, posso citar a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com a Prof.ª Dr.ª Maria Virgínia Godoy da Silva que busca na disciplina correspondente a esta área, um perfil de formação que possa despertar aos alunos interesse neste seguimento, quando ainda está defendido o ingresso dos mesmos ao campo prático. E as Universidades, entoam a discussão curricular ainda de forma que não proporcionem um número de horas práticas suficientes aos alunos a desempenharem papéis mais integralizados dentro da Central de Material e Esterilização. Algumas universidades particulares têm transformado no currículo, a central de material e esterilização como assunto integrante a atenção a saúde do adulto e idoso, o que não garante de fato que este aluno seguirá com atividades de estágio neste seguimento. Ou mesmo, alguns cursos apenas oportunizam com disciplinas teóricas optativas, o conhecimento sobre a CME, o que não garante acesso a todos, nem tão quanto habilidades necessárias ao trabalho de enfermagem. As estratégias de ensino como visitas técnicas não conseguem proporcionar ao aluno uma visão crítica e uma formação mínima desejável ao modelo que preterimos hoje de enfermeiros de Central de Material, pois não há como aprofundar discussões e bases científico-legais para integrar o curriculum desse novo enfermeiro. Destaco também o trabalho feito pela Prof.ª Dr.ª kazuko Uchikawa Graziano em uma universidade que é referência no Brasil, em São Paulo, ainda que a mesma desenvolva em 30 horas especificamente, o papel dela como docente e especialista na área, consolidando uma disciplina que está centrada na atuação do enfermeiro na central de material e esterilização. Além disso, a docente em questão desenvolve um seguimento de pesquisa própria 3 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda à área, para fomentar e estruturar ainda mais a cientificidade que tem exigido a Central de Material e Esterilização. 3. NASCE: O enfermeiro que atua em CME nos dias de hoje difere do profissional que atuou em CME há dez anos atrás? Por quê? Bem criamos uma logicidade em Central de Material que difere desde sua razão conceitual de “ausência absoluta” que aprendíamos há dez anos, para possibilidade controlada a ser questionada pelo referencial que temos hoje, o que torna a busca de tecnologias e um processo de trabalho científico, como um item mandatório aos serviços de enfermagem em CME. Além disso, constituíram-se mais legislações, normas e outros elementos afetivos ao trabalho do enfermeiro da Central de Material nestes últimos dez anos que em qualquer outra área do campo hospitalar em comparação à atuação da Central de Material e Esterilização como serviço hospitalar e de apoio. Logo, este enfermeiro de hoje enfrenta desafios da ordem ético-legal que anteriormente não havia maiores dispositivos, pois que se elencava uma prática baseada na transmissão de saberes entre os pares. A prática profissional da enfermagem por perspectiva cultural e de um rito de passagem histórica tem se logrado em um processo desastroso para equipe multiprofissional e para o enfermeiro que gerencia a Central de Material que acompanha ou percebe simultaneamente o avanço de tecnologias do cuidado ao paciente cirúrgico. Margeamos hoje a tônica de atuação para segurança em procedimento, reprodutibilidade de passos no processo, dentre outros argumentos teóricos que embasam o enfermeiro a uma prática da Central de Material e Esterilização. Mesmo assim, creio que há falta ainda de racionalização da postura ética destes enfermeiros que devem tomar consciência que os precedentes institucionais não garantem uma prática segura e realizá-la exige empreendimento e argumentação científica. Esta mudança entre o enfermeiro de dez anos atrás e de hoje ainda precisa se estruturar através de medidas gerenciais que ajudem a impedir a consecução de uma prática que destoa das discussões acadêmicocientíficas ecologicamente adequadas. As escolas de formação e demais cursos Latu Sensu têm o papel de elaborar estas estratégias para auxiliar muitos aprendizes a como realizar uma prática com rigores de técnicas recomendadas de uma maneira que se prevejam custos e a torná-los capazes de solucionar problemas com maior rapidez. 4 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda 4.NASCE: Qual o papel da escola na formação do enfermeiro para atuar em CME? São vários os papéis e alguns deles eu citei na pergunta anterior. Mas não podemos como formadores de opinião e de profissionais da área deixar de abordar que as leis e normas constituídas, ainda que logre os enfermeiros em práticas regulamentadas com dispositivos brasileiros, possuem ainda graus variados de interpretação que podem deixar a margem o significado do que realmente representa “as boas práticas” em serviço de esterilização. As tecnologias que auxiliam os processos de validação de limpeza, por exemplo, ainda não tem referencial mínimo de sensibilidade ao que um artigo pode suportar com a exposição à matéria orgânica e, além disso, estamos dependentes de estudos que possam evidenciar estas questões. Ainda as escolas de enfermagem precisam desenvolver pesquisas na área para mudar o que temos hoje a disposição dos enfermeiros de CME e orientar uma prática realmente baseada em evidências científicas. Cada núcleo docente estruturante, dos seus respectivos cursos de enfermagem, que propõe a formação curricular através de um currículum mínimo, precisa destacar a obrigatoriedade neste seguimento, por intermédio de estratégias de ensino, não apenas que disponham de disciplinas optativas e com cursos de atualização ou de pós-graduação, mas como também, com elementos que proporcionem os recursos necessários ao aprendizado teórico e teórico-prático para garantir o que a lei legitima aos enfermeiros que atuarão na CME. Cabe a cada docente refletir na prática ideal de enfermagem em todos os seguimentos que os enfermeiros e técnicos possam enfrentar na prática, com espaços de simulações que alicercem o egresso de estudantes para os cenários que subsidiam este aprendizado. E caberá aos gestores de universidades e escolas de enfermagem, tanto públicas, quanto privadas, a destinarem que campos práticos em parcerias com instituições e serviços que elenquem todo arquétipo teórico necessário ao aperfeiçoamento e desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao desenvolvimento profissional, em especial para Central de Material e Esterilização. 5. NASCE: Existe uma interação eficaz entre escola, e as entidades representativas de classe (coren/cofen) na busca de uma assistência segura ao paciente? Não. Ainda é uma questão a ser trabalhada, pois as escolas de enfermagem, tanto técnicas, quanto de nível superior, não podem funcionar de forma a não contemplar o que os conselhos determinam como prática regular e os mesmos precisam ter um 5 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda elenco de profissionais plurais para atender as demandas tanto profissionais quanto de ensino. Acredito que com o modelo de gestão transparente dos conselhos regionais é possível criar núcleos de perícia qualificados que integrem os departamentos de enfermagem correspondentes a todas as áreas que precisam de acessoria técnica, pois quando abordamos o tema segurança do paciente, há um leque muito grande para atendermos, tanto como formadores quanto como para legislação e fiscalização da profissão. 6. NASCE: A CME dispõe de uma resolução que trata de boas práticas para o processamento do produto para saúde. Em sua opinião, de modo geral esta resolução irá impactar a prática diária? Acredito que sim, pois já se trata de algo que não tínhamos anteriormente com uma resolução nacional que consolida práticas regulares reconhecidas em instâncias internacionais. Mas precisamos saber como usar esta resolução a favor das mudanças necessárias a Central de Material e suas práticas. Mas isto só poderá ocorrer exclusivamente pelo papel dos enfermeiros que estão ou estarão à frente dos seus respectivos serviços, porque caberá a eles notificar as práticas não regulamentadas pela RDC 15 de 2012 e demais resoluções que a complementa. Basta exercer leituras críticas e procurar se aprofundar nos assuntos que correspondem a nossa área de atuação. 7. NASCE: Recentemente houve um movimento contrário a uma resolução que trata da distribuição de enfermeiros/leitos de UTI, pois considerou-se que a proporção é inadequada. Os enfermeiros de CME, por vezes, encontram-se em situação desfavorável e não se percebe a mesma indignação por parte das autoridades competentes. A que você atribui esta diferenciação? A área de atuação pode ser diversa, mas a categoria profissional é a mesma. Concorda? Concordo, a categoria é a mesma, porém o modelo assistencial que os enfermeiros enfrentam na sua formação dispõe de mais elementos favoráveis a margear um campo de atuação ideal neste cenário, a UTI, ou em outros que atendem doentes em estado crítico, do que na assistência indireta como a Central de material ou mesmo o serviço de rouparia e lavanderia nas unidades, onde também é um espaço do cuidado dos enfermeiros. Além disso, nos diferenciamos dos profissionais de CTI, pois a categoria de enfermeiros exigida para atuar na coordenação do CTI 6 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda dispõe que o título de especialista em área intensiva seja obrigatório para o responsável técnico da unidade, não havendo ainda, na área da CME, este nível de exigência pelo COFEN/COREN. Isto gera ainda uma demanda de profissionais que atuam no serviço da CME sem formação específica e doutrinados pela prática, como também, pelas oportunidades de construção profissional que cada um traz na sua necessidade de desempenho mais consolidado. Como formação também, os enfermeiros de CTI “tecnicamente” detém muitos mais informações e habilidades na atuação com pacientes críticos, pois aprendem em semiologia e semiotécnica a distinguir necessidades dos doentes e a primar recursos mais elaborados para uma assistência integral e sistematizada. Já os enfermeiros de CME, que em maioria não tiveram informações durante sua formação profissional, constroem seus perfis ao longo de sua trajetória e não apreenderam em maioria uma semiotécnica eficaz a promoção aos processos de esterilização e seus métodos de validação, requerendo uma demanda para categoria de acordo com tipo de CME. Somos ainda muito fragmentados no Brasil, como enfermeiros exclusivos da CME, pois a realidade mostra que muitos desempenham atividades em centro cirúrgico e sala de recuperação anestésica, e até em outros serviços da própria unidade, havendo, portanto, ingerência para CME e pouca mobilização para os problemas enfrentados no serviço, que acaba sendo coordenado pela ótica de um material dispensado ou consumido a partir de algum evento adverso. Em vários estados do Brasil não há categoria organizada de enfermeiros da CME, o que torna as reivindicações a nível nacional com pouca visibilidade, e onde ocorre, estão mobilizadas por estados onde a prática destes enfermeiros está mais estruturada. 8. NASCE: Você considera que a produção científica na área de CME é significativa ? Qual a relevância desses trabalhos para a melhoria do processo de trabalho em CME? Não temos representatividade de trabalhos científicos de enfermeiros nesta área. Isto eu já explicitei anteriormente na segunda pergunta, pois não há como crescer no ramo da pesquisa e extensão sem ter docentes que integrem as linhas de pesquisas e respectivas disciplinas que integrem um eixo ou mesmo uma denominação que trate sobre a temática. São vários os fatores que estão ligados a este problema, desde a ordem política até a ordem da gênese e valorização em projetos políticos pedagógicos. Se tivéssemos maior teor de pesquisas aplicadas nesta área, 7 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda certamente não seríamos tão reféns do mercado com seus produtos. Ainda sim, os enfermeiros que apresentam uma estrutura mais consolidada e que dispõem de uma possibilidade maior de dispositivos, instrumentos e outros elementos que ajudem a construção deste ramo, precisam publicar seus achados científicos para tornar visíveis os pontos críticos que se enfrentam no tratamento com material odonto-médico-hospitalar. Mesmo assim, os relatos de experiência precisam acontecer para termos um diagnóstico real das situações do cotidiano, pois não se publicam os caos vivenciados nas CME’s, seja por medo dos enfermeiros em terem suas sentenças declaradas, ou falta de habilidade no uso de linguagem científica para tornar pública a experiência desastrosa, ou mesmo, as entidades de classe não possuem esse viés para aceitar relatos científicos com os sinais de alarme ou falência de algumas unidades. Acredito que precisamos de “um grupo de apoio científico” que possa reconhecer que o “mundo caiu” para vários enfermeiros “e que eles precisam se levantar”, como na música interpretada por Mayza. As pesquisas básicas ajudam a construir o conhecimento que é fundamental nesta área e é ainda limítrofe aos cenários de prática e espaços diferenciados deste seguimento e não são suficientes para propormos mudanças estruturais nos serviços de saúde. 9. NASCE: Existe uma orientação do FDA quanto ao uso de microorganismos em trabalhos científicos, segundo este órgão o emprego de microorganismos, em especial SERRATIA, pode favorecer a obtenção de resultados falhos. Você poderia comentar um pouco sobre este tema, tendo em vista que vários trabalhos de tese utilizam na metodologia de estudo microorgamismos, principalmente em estudos comparativos que envolvem tecnologia de limpeza e esterilização. O FDA (Food and Drug Administration) aprova os estudos clínicos nos Estados Unidos da América e fornece um novo caminho a partir do risco avaliado com base em classificação de dispositivos expandindo o uso racional para pós-comercialização dos produtos médicos nas instituições de saúde norte americanas dos EUA. Logo se trata de um órgão respeitado e que apresenta vários itens referenciáveis, dentro de segurança em atendimento de saúde. Apesar de não ter realizado nenhuma pesquisa com esta orientação do FDA, que recomenda a Serratia como indicador de estudos em processos de limpeza e esterilização, ocorrentes como 8 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda etapas de forma articulada, o pressuposto teórico abaixo descaracterizaria este tipo de orientação para pesquisa neste seguimento. O gênero Serratia, bactéria gram negativa anaeróbia, pode ser encontrado em alimentos, água e plantas e sua patogenicidade é reconhecida desde a década de 60, quando indicadores epidemiológicos apontaram seu processo de infecção, muitas vezes assintomáticas em casos de infecção de trato urinário. As infecções por Serratia são responsáveis por aproximadamente 2% das infecções nosocomiais no trato respiratório baixo, trato urinário, sangue, feridas cirúrgicas, pele e mucosas em pacientes adultos, sendo considerado um percentual epidemiologicamente específico para uma análise generalizada dos processos infecciosos que ele traz aos seres humanos. A Serratia marcescens é a espécie isolada com maior frequência, sendo a Serratia liquefaciens mais rara, encontrada em casos de infecção relacionada às lentes de contato e com a hemotransfusão. Uma importante característica deste agente é a habilidade em produzir β-lactamases, que conferem resistência aos antimicrobianos β-lactâmicos de espectro estendido, complicando a terapia, apesar de tratar-se de um microorganismo de referência em contaminação por superfícies, como relatado em algumas pesquisas que mostram além de contaminação procedimental, a facilidade em conseguir ser removida por ação mecânica e química. A fundamentação do FDA no uso de Serratias não justificaria o teste de esterilidade em materiais, que ao submeter a um novo processo de tratamento, podem estar colonizados e mantidos com cepas resistentes constituintes de biolfilmes gordorosos e de difícil remoção. Para submeter a estudos de esterilização, o processo deve ser mais complexo, tanto pelo tipo de material, como por exemplo, os lúmens, elementos articulados de pinças, materiais de fundo cego, peças com tecnologia robótica e nanotecnologia, onde a etapa de limpeza seja primordial e de alta complexidade, para garantir o processamento indicado desses tipos de peças. As micobactérias, neste sentido, presentes na água, em animais e na terra, já revelaram em estudos maior resistência a produtos químicos e aos processos de remoção manual, quando criam películas no material hospitalar passível de processar. Trata-se então, de um erro de adotar este padrão de referência teórica, tanto para usuários, quanto para coparticipantes das validações em esterilização, porque os métodos de destruição de sobrevidas em produtos usados na assistência para saúde apresentam mais variáveis a serem investigadas, pelos diversos tipos de microorganismos até então descobertos, do que 9 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda racionalizar apenas com um tipo de cepa. Uma vez que, ora a etapa de limpeza será fundamental pela complexidade do produto a ser processado, ora pela alteração dos parâmetros de esterilização deverá ocorrer, como se trata dos príons, que necessitam, para uma eliminação segura, a modificação das etapas do ciclo do esterilizador. Por razões éticas não apontarei que trabalhos assumiram este parâmetro, mas também posso ratificar que há algumas falhas metodológicas de acordo com padrão de testes simulados adotados e respectivos equipamentos compatíveis. Portanto, alguns indicadores internacionais podem não representar uma pesquisa com amostragem local, na área de esterilização, pelo tipo de clientela e os produtos para saúde que temos submetidos na nossa assistência. 10. NASCE: Qual o futuro da enfermagem em CME no Brasil? Acredito que seja para melhor em relação há algumas décadas passadas quanto as nossas práticas de enfermagem no serviço de esterilização. Lógico que alguns estados do Brasil já apresentam um desenvolvimento melhor, outros ainda estão em fase embrionária e outros precisam de implantação das discussões científicas dentro das unidades de serviços de saúde. De certo, nós deixamos de ser uma Central de Material artesanal para entrar na era onde a tecnologia torna mais seguro o método. O número de pós-graduações no eixo Rio - São Paulo tem crescido muito e isto pode nos favorecer enquanto enfermeiros que integram uma classe específica na área do cuidado. Porém, não posso deixar pensar que se o processo de formação de enfermeiros de CME for em conjunto à área de Centro Cirúrgico e Sala de Recuperação Pós-Anestésica, nós seremos engolidos pelas necessidades do serviço e respectivo respaldo de uma prática avançada e contextualizada com a evolução cirúrgica, mesmo que a legislação abrigue enfermeiros a atuarem exclusivamente neste seguimento. É necessário formarmos especificamente nos vários níveis de atenção da educação na formação dos profissionais de enfermagem. Atuo em uma instituição federal onde o curso de farmácia tem uma necessidade premente em estruturar seus currículos para indústria e para o seguimento laboratorial, e neste curso, prevê que o farmacêutico possa ser um profissional que doutrine a área de esterilização. E então? Margearemos para o desenvolvimento de uma assistência que podemos dizer que é segura do ponto de vista de nossa atuação de enfermagem? Ou decretaremos a falência como gestores de unidades de CME no seguimento hospitalar para 10 Perspectivas da formação profissional para atuação na Central de Material e Esterilização; uma análise da atualidade e embasamentos para o futuro. Entrevista NASCE CME realizada por Ana Miranda que se criem possibilidades e eliminem os enfermeiros dessa prática? Preocupo-me com isso quando vejo no mercado essas interfaces que poderão se consolidar se nossas posturas permanecerem inertes a formação e atuação de enfermagem no seguimento de esterilização. Em países latino-americanos não incluem enfermeiros como gestores em serviços de esterilização e os mesmos apresentam níveis de discussão mais atrasados em comparação a que assistimos das demandas norte-americanas e europeias e de nossas discussões nos órgãos de classe como a SOBECC. Por outro lado, a esterilização ainda parece no Brasil terra ocupada e recentemente legalizada pelo nosso conselho, o que pode ser um grande benefício para o futuro dos enfermeiros. No entanto, é necessário que se crie legislações que determine que a CME seja local de atuação que exige empreendimento de conhecimentos específicos, tanto de processos, como de materiais para o nível técnico e superior, deixando de lado a perspectiva como uma área de baixa complexidade, como elemento conceitual. Isto legitima que a CME, enquanto força de trabalho represente uma forma mais produtiva e condizente aos perfis variados de serviços empreendidos nas diferentes áreas desta unidade ou setor. Trata-se, portanto de um trabalho árduo de formação e legitimação de atuação de especialistas que possam disseminar com seus estudos, projetos e ideais uma perspectiva de trabalho centrada em boas práticas com características científicas, capazes de se tornarem reais se formos anunciantes das disparidades que enfrentamos no cotidiano. Mas podemos nos sobressair pela própria gênese da profissão e seu processo histórico com o material. Muito obrigado, Ricardo de Oliveira Meneses 11