“MAIS MÉDICOS”
MP 621 – Uma visão jurídica
Em 8 de julho de 2013, entrou em vigor no sistema jurídico
posto a Medida Provisória 621 – “Mais Médicos” - com a
finalidade de formar recursos humanos na área médica para o
Sistema Único de Saúde – SUS, com os seguintes objetivos:
 Diminuir
a
carência
de
médicos
nas
regiões
prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as
desigualdades regionais na área da saúde;
 Fortalecer a prestação de serviços na atenção básica
em saúde no País;
 Aprimorar a formação médica no País e proporcionar
maior experiência no campo de prática médica durante o
processo de formação;
 Ampliar a inserção do médico em formação nas unidades
de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento
sobre a realidade da saúde da população brasileira;
 Fortalecer a política de educação permanente com a
integração ensino-serviço, por meio da atuação das
instituições de educação superior na supervisão
acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos;
 Promover a troca de conhecimentos e experiências entre
profissionais da saúde brasileiros e médicos formados
em instituições estrangeiras;
 Aperfeiçoar
médicos
para
atuação
nas
políticas
públicas de saúde do País e na organização e
funcionamento do SUS; e
 Estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.
Outro ponto importante da MP é que a partir de janeiro do
ano de 2015, o estudante que iniciar seu curso de graduação
se submeterá a dois ciclos distintos e complementares entre
si:
 O primeiro ciclo, à observância das diretrizes
curriculares nacionais, com o cumprimento da carga
horária não inferior a sete mil e duzentas horas;
 O
segundo
ciclo,
a
treinamento
em
serviço,
exclusivamente na atenção básica à saúde e em urgência
e emergência no âmbito do SUS, com duração mínima de
dois
anos,
conforme
regulamentação
do
Conselho
Nacional de Educação - CNE, homologada pelo Ministro
de Estado da Educação.
O primeiro ciclo é o adotado até hoje para a formação dos
médicos. O segundo ciclo entrou em vigor juntamente com a
Medida Provisória 621, servindo o diploma da faculdade,
única e exclusivamente para habilitá-lo para a prestação do
serviço ao programa.
O certificado de registro profissional que o aluno receberá
após
a
conclusão
do
primeiro
ciclo
é
válido,
exclusivamente, para o segundo ciclo. Ou seja, a Medida
Provisória 621 traz a obrigação dos estudantes de medicina
em cumprir após “formados” um estágio de 2 (dois) anos no
atendimento supervisionado na atenção básica da saúde e em
emergência no âmbito do SUS.
O estudante após concluir os 6 (seis) anos do curso de
medicina, receberá um registro provisório no Conselho
Regional de Medicina que servirá somente para atuação no
estágio do programa Mais Médicos, não podendo eximir-se de
pagar a anuidade do CRM que estiver inscrito.
Saliente-se que, os estudantes somente receberão o diploma
de médico, após a conclusão do segundo ciclo, ou seja, o
curso de medicina agora terá a duração de 8 (oito) anos.
Outro ponto muito questionado é o fato de os médicos
estrangeiros poderem atuar no Brasil sem a importante prova
de revalidação até hoje aplicada pelos Conselhos Regionais.
Antes de adentrar no mérito do problema, importante
esclarecer que, os médicos estrangeiros somente atuarão no
Programa “Mais Médicos” (MP 621), após, o preenchimento das
vagas e escolhas dos locais em que pretendem trabalhar os
médicos brasileiros, somente as vagas não preenchidas serão
disponibilizadas aos médicos “importados”.
Importante ressaltar que a ausência das condições de
trabalho e direitos trabalhistas (típicos de vínculos
precários, ou seja, sem carteira assinada, não recolhimento
de FGTS, 13º salário e férias remuneradas), contribui para
que os profissionais desistam de participar do programa
“Mais Médicos”, bem como, há inúmeras reclamações de
candidatos que apontaram dificuldades no uso do módulo de
inscrição no site do Ministério da Saúde, o que impede que
muitos dos candidatos concluam as etapas solicitadas a fim
efetivar as inscrições no programa.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski,
ao indeferir a liminar da ação (Mandado de Segurança 32238)
movida pela ABM (Associação Brasileira Médica), que
questiona o Programa “Mais Médicos”, utiliza como um dos
seus argumentos o fator do déficit de 54 (cinquenta e
quatro) mil médicos para o número de vagas ofertadas no
mercado de trabalho.
Será que o problema está somente na falta de médicos? Ou na
remuneração prometida e não paga aos médicos que vão
atender nos rincões do Brasil? Ou será que faltam médicos
nessas regiões pela violência a que ficam expostos? Ou pela
razão de não conseguirem exercer de forma plena a medicina
por
falta
de
estrutura
digna
e
aparelhos
mínimos
necessários para realizarem simples exames?
Considerando que os médicos estrangeiros venham atender no
Brasil, temos que pensar que virão atender nas periferias
dos grandes centros, são na maioria médicos desempregados
ou subempregados, que não conhecem nossas patologias e o
perfil das nossas doenças. Será que esses médicos vão
conseguir dar o atendimento digno aos nossos irmãos
patriotas nas condições precárias e desumanas que se
encontram os locais de atendimento médico? Existem leitos
suficientes? Esses leitos conseguem atender às novas
demandas dos médicos contratados? Ou esses médicos vão ser
esquecidos nessas regiões sem
infraestrutura
e sem
salários? Ou seja, vão continuar prestando péssimos
serviços à população mais carente e mais necessitada do
país.
A “importação” dos médicos sem a revalidação dos diplomas,
sem testar a capacidade técnica e nem mesmo o conhecimento
da língua portuguesa, nos levará a enfrentarmos os
possíveis graves problemas:
 Ingresso dos médicos estrangeiros sem revalidação do
diploma;
 Dispensa dos médicos “intercambistas” de exame de
proficiência na língua portuguesa;
 Investidura de médicos estrangeiros, em cargos de
sérvio público (SUS) sem concurso público.
O primeiro item retira do CRM a competência para avaliar a
qualidade do médico estrangeiro, tendo em vista que a
revalidação do diploma emitido no exterior será automática,
mitigando o dever de fiscalizar o exercício profissional do
médico por meio de análise documental exigida pelo CRM, o
que implica, a meu ver, em grandes riscos para a saúde
pública brasileira, uma vez que não se sabe qual o nível de
ensinamento dos cursos de medicina fora do nosso País e
muito menos o nível de conhecimento dos médicos que atuarão
por aqui.
A atuação de médicos “importados”, possivelmente com baixo
nível de conhecimento para atuarem em áreas carentes, nos
municípios do interior e nas periferias das grandes
cidades, acutila o princípio constitucional da isonomia, em
razão da diferença de tratamento oferecido aos usuários da
saúde pública, nos centros das cidades e das regiões
interioranas e carentes do país.
Outro ponto a destacar é o afronto ao artigo 37, inciso II,
Da Carta Magna, pois reza que “a investidura em cargo
público
depende
de
aprovação
prévia
em
concurso
público...”,
portanto,
a
investidura
de
médicos
estrangeiros em cargos de serviço público (SUS), sem
prestar concurso público fere a norma constitucional.
Por último, mas não menos importante, é o que tange à
permissão dada ao médico estrangeiro em atender pacientes
sem a obrigação da realização de exame de proficiência na
língua portuguesa.
A falta de conhecimento da língua portuguesa poderá trazer
graves problemas para a relação no atendimento médicopaciente.
Entretanto, essencial e imprescindível é o conhecimento da
língua portuguesa do médico que está prestando serviço à
população, caso contrário, estará colocando em risco à vida
de seus pacientes e colocando à míngua a relação médicopaciente.
Outros aspectos a serem examinados é o instrumento pelo
qual essa norma foi introduzida no sistema jurídico posto e
válido, ou seja, como Medida Provisória.
A Medida Provisória tem força de lei e é o instrumento pelo
qual o Presidente da República dispõe para inserir no mundo
do direito,
matérias
urgentes
e relevantes,
sempre
obedecendo às vedações expressas do parágrafo primeiro, do
artigo 62, da Constituição Federal.
No caso em discussão, temos que refletir sobre a urgência e
relevância da matéria.
Contudo, e por tudo exposto, penso que a Medida Provisória
não servirá para solucionar o problema da saúde, nem mesmo
melhorá-la. Primeiro, que ao tratar de um assunto de máxima
importância, saúde pública, sequer ouviu a opinião do
Conselho Federal de Medicina, da Sociedade Brasileira de
Medicina, e demais órgãos competentes. Segundo, porque
viola diversos artigos constitucionais. Terceiro, porque é
uma irresponsabilidade trazer médicos estrangeiros sem ao
menos testar, seu conhecimento na língua portuguesa, ou
mais absurdo ainda, sua capacidade técnica para atuar no
nosso País.
Por fim, fica a pergunta: será que a revalidação automática
do diploma dos médicos estrangeiros, o acréscimo de 2
(dois) anos no currículo dos cursos de medicina, a dispensa
dos
médicos
dos
exames
de
proficiência
na
língua
portuguesa, conseguem atingir todos os objetivos acima
citados da Medida Provisória? Podemos suprimir o déficit de
médicos em relação ao número de empregos ofertados
colocando em risco a vida de milhões de brasileiros? Ou
será que o problema está no baixo investimento na área da
saúde?
No ano de 2012 foi destinado para o ministério da Saúde o
montante de R$ 80.000.000.000,00 (oitenta bilhões de
reais), ou seja, menos de 3% (três por cento) do PIB
brasileiro, enquanto outros países como os Estados Unidos
da América destinam 14% (quatorze por cento), nossa vizinha
Argentina 20% (vinte por cento).
O presente estudo tem como escopo trazer à reflexão dos
brasileiros a lutarem juntamente com os médicos pelos
direitos mais primorosos – o direito à SAÚDE e à VIDA.
Assim, é possível afirmar que, o programa “Mais Médicos”
não irá atingir o objetivo de melhorar a saúde pública com
o ínfimo investimento hoje destinado a área da saúde.
IGOR BORGES MOYSÉS
Advogado especialista em direito médico-hospitalar
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“MAIS MÉDICOS” MP 621 – Uma visão jurídica Em 8 de julho de