Luiz Antonio Joia, especialista em uso estratégico da informação
da Ebape-FGV, analisa a capacidade de BI das empresas
brasileiras e sugere como aumentá-la
expressão "business inteligence" tem sido muito usada no management
nos últimos tempos. Como o sr. define business inteligence?
Em português seria inteligência empresarial ou de negócios. Esse termo
surge a partir da economia da informação, quando a rede digital começa a
transformar a maneira como as empresas fazem seus negócios. De modo geral, a
abundância de dados e informações disponibilizados pela rede (principalmente por
meio da tecnologia Internet) coloca as empresas em uma situação jamais vista: a de não
saberem exatamente o que fazer com tantos dados e informações.
Assim, torna-se mandatório para as empresas encontrar meios de gerar
conhecimento e tomar decisões rapidamente a partir do que lhes é disponibilizado pela
tecnologia. A BI aparece como resposta a isso e pode ser considerada um conceito
guarda-chuva que envolve áreas como gestão do conhecimento, capital intelectual,
inteligência competitiva etc. e tecnologias como data-warehouse/data-mining e CRM,
entre outras.
A
O sr. quer dizer, então, que BI é muito mais do que um conjunto de tecnologias da
informação, como muitas empresas parecem entender...
É isso mesmo.
Pode-se afirmar que uma empresa com BI eficaz tem um elevado QI (quociente de
inteligência)?
Não, necessariamente. Três fatores caracterizam o QI de uma empresa: seu grau
de conectividade, seu grau de compartilhamento e seu grau de estruturação.
O primeiro -conectividade- diz respeito à capacidade que a empresa tem de se
conectar digitalmente tanto internamente (entre suas áreas) como externamente
(ligando-se a seus parceiros, fornecedores, clientes etc.).
O segundo -compartilhamento- se refere à capacidade que uma empresa tem de
compartilhar dados e informações com seus stakeholders [todas as partes interessadas]
por meio da conectividade já disponibilizada. Envolve, também, o trabalho
simultâneo e colaborativo dentro da própria empresa e entre ela e seu ecossistema
estratégico.
O terceiro -estruturação- engloba a capacidade da empresa de, tendo
conectividade e praticando compartilhamento, poder gerar conhecimento a partir dos
dados e informações processados, objetivando agir rápida e adequadamente.
HSM Management Update nº18 - Março 2005
BI trabalha, preponderantemente, no âmbito da estruturação, oferecendo
ferramentas tecnológicas para isso. Mas só tecnologia não resolve a estruturação.
Especialista no uso
estratégico da tecnologia da
informação, Luiz Antonio
Joia é professor e
coordenador do mestrado
em gestão empresarial da
Escola Brasileira de
Administração Pública e de
Empresas da Fundação
Getúlio Vargas no Rio de
Janeiro (Ebape-FGV). Tem
20 anos de experiência em
funções executivas nas áreas
de TI e desenvolvimento de
negócios, em empresas e
instituições como Promon e
Banco Mundial, e é autor
dos livros IT-Based
Management: Challenges
and Solutions (ed. Idea
Group Publishing) e
Reengenharia e Tecnologia da
Informação: o Paradigma do
Camaleão (ed. Pioneira).
Em geral, o sr. diria que o QI das empresas brasileiras é alto ou baixo?
É difícil dar uma resposta clara e precisa, porque há poucas pesquisas na área no
Brasil. Empiricamente, no entanto, pode-se observar que o grau de conectividade é
alto entre as grandes empresas brasileiras e o grau de compartilhamento é razoável, mas
o grau de estruturação é, de modo geral, decepcionante. Como o QI é calculado a
partir desses três fatores, pode-se dizer que o QI cai, no Brasil, devido à estruturação.
No entanto, deve-se frisar que essa característica não é brasileira, mas mundial.
Esse padrão se repete em várias empresas internacionais de grande porte.
Para aumentar o QI das empresas brasileiras, então, é preciso investir em
compartilhamento e, principalmente, estruturação?
Sim. O QI das empresas brasileiras seria bem maior se houvesse maior grau de
compartilhamento e, principalmente, de estruturação -que é o calcanhar-de-aquiles de
muitas delas.
Vale enfatizar que os três fatores são correlacionados. Isto é: não há estruturação
se não houver compartilhamento; por outro lado, o compartilhamento, para se
desenvolver, necessita de conectividade. Assim, a visão deve ser sistêmica.
Uma empresa com elevado QI corporativo é mais resistente às "patologias
organizacionais" de que o sr. costuma falar? O QI serve como "vacina", de alguma
maneira? O sr. pode explicar melhor esse conceito de "patologia organizacional"?
Certamente. São doenças organizacionais, que precisam ser tratadas por
especialistas (talvez terapeutas organizacionais), são fruto do fenômeno da
globalização; de descontinuidades políticas, econômicas, sociais e tecnológicas; de
margens declinantes em quase todos os setores; da onipresente reestruturação dos
negócios (com aquisições, fusões, downsizings etc.); de uma pressão do tempo; e de
uma competição baseada quase exclusivamente na inovação.
Seus principais sintomas são, entre outros: mais camadas gerenciais; elaboração
excessiva de procedimentos e controles; e comunicação baseada em papel e relatórios
(ainda que a empresa tenha um sistema de documentação digital implantado). Esses
sintomas provocam, por sua vez, tensão na empresa, trabalho em grupo ineficiente e
subserviência aos documentos e procedimentos.
Como é possível curar essas doenças?
Usando adequadamente a tecnologia da informação (TI) é possível recriar a
simplicidade organizacional, facilitar a colaboração e projetar a organização
independentemente de sua estrutura e localização física.
Evidentemente, apenas TI não vai fazer tudo isso. Um correto processo de gestão
de mudança é fundamental.
Tecnologia não é tudo; então, como algumas empresas parecem acreditar...
As pessoas são o mais importante. A visão deve ser antropocêntrica, e não
tecnocêntrica.
O sr. tem expressado alguns dos atuais dilemas do mundo corporativo na forma de
paradoxos, como o Paradoxo da Abundância de Informações, segundo o qual "nunca
tivemos tanta informação e nunca nos sentimos tão despreparados para obter
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"A tecnologia que
deveria ser usada
para melhorar a
performance
da empresa e
a qualidade de
vida de seus
profissionais
acaba tendo
efeito contrário”
conhecimento a partir da informação existente". Isso contribui para reduzir o QI
corporativo? É possível escapar desse paradoxo e assim elevar o nível de inteligência
corporativa?
O Paradoxo da Abundância de Informações gera um QI corporativo menor do
que, potencialmente, ele poderia ser. A solução, como disse anteriormente, está em
aumentar o grau de estruturação das empresas, a partir do momento em que elas
tenham atingido adequados níveis de conectividade e compartilhamento. Vale repetir
que os três fatores são correlacionados e que a visão deve ser sistêmica.
O sr. teria exemplos positivos de empresas que conseguiram elevar seu QI?
No Brasil, por falta de estudos, não posso citar exemplos. Mas, no exterior, como
participo do comitê editorial do Journal of Intellectual Capital, todo ano recebemos
relatórios de várias empresas e realizamos uma votação com a participação de
especialistas de todo o mundo, para definir as empresas mais "inteligentes". Em 2004,
tivemos, entre outros, os seguintes destaques: Toyota, Accenture, Amazon, Dell, GE,
McKinsey, Samsung, Siemens, Banco Mundial e Microsoft.
O sr. disse que a TI pode recriar a simplicidade organizacional. Como acontece isso?
E como a TI ajuda as empresas a colocar em prática sua estratégia de negócios?
A TI pode, por exemplo, facilitar a colaboração e o trabalho simultâneo dentro e
fora das fronteiras da empresa; projetar a organização independentemente de sua
estrutura organizacional e da sua localização física; diminuir camadas gerenciais;
permitir à empresa trabalhar por processos (em vez de funcionalmente); e propiciar a
criação de ecossistemas estratégicos digitalmente viabilizados e suportados (como os
criados pela Dell e pela General Motors, por exemplo).
O modelo de gestão de inteligência organizacional AA, desenvolvido pelo sr., ajuda
as empresas a fazer isso? O sr. pode explicar esse modelo?
Esse modelo é importante para uma empresa definir o tipo de infra-estrutura
computacional que necessita. AA significa alcance e abrangência. Alcance diz respeito à
capacidade da empresa de se ligar interna e externamente, de forma digital.
Abrangência se refere ao fato de a empresa aproveitar seu alcance para trabalhar em
grupo e por processos, tanto endógena como exogenamente.
Mais uma vez, contudo, é preciso entender que a TI não é a salvadora da pátria.
Ações envolvendo novos processos produtivos, alinhamento de TI com a estratégia
empresarial, capacitação de profissionais e gerenciamento adequado da mudança,
entre outras, são fundamentais.
Os investimentos em TI parecem ter levado as empresas a cair em três paradoxos
formulados pelo sr.: o Paradoxo das Algemas Digitais, o Paradoxo da Automação e o
Paradoxo de Proust. O sr. concorda? Como evitar essa distorção?
Sim, concordo. Na verdade, o ser humano é pródigo em criar tecnologias de
informação fantásticas. Por outro lado, muitas vezes é extremamente obtuso no uso
adequado dessas tecnologias por ele inventadas. O chamado "isomorfismo mimético"
(ou efeito manada) impera, e a tecnologia que deveria ser usada para melhorar a
performance da empresa e a qualidade de vida de seus profissionais acaba tendo efeito
contrário -o que caracteriza um paradoxo.
É um caso típico de criatura devorando o criador ou da célebre história de Dr.
Jekyll e Mr. Hyde -O Médico e o Monstro. O telefone celular, por exemplo, é
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fantástico, mas não para nos levar a uma casa de repouso. O e-mail é impressionante,
mas não para ficarmos paralisados tendo de responder a tantas mensagens inúteis.
Sinceramente, não sei como evitar isso. Para tal, seria necessário que pensássemos por
que estamos correndo tanto e aonde queremos chegar. Creio que a resposta transcende
a esfera gerencial e se aninha em questões filosóficas e espirituais. De qualquer forma,
de uma coisa tenho certeza: não resolveremos problema algum se não soubermos que
temos algo para resolver. Creio que nossa função é pregar que há problemas a resolver.
Quais são, em sua opinião, os melhores exemplos de empresas que souberam se valer
da tecnologia da informação em prol de sua estratégia de negócios? Há diferenças
entre o desempenho de empresas brasileiras e estrangeiras nesse quesito?
Os dados disponíveis são do exterior. Além das citadas anteriormente, podem ser
enumeradas: Intel, Buckman Laboratories, BP, Infosys Technologies, Ernst&Young,
PWC, por exemplo.
Quanto ao desempenho, temos no Brasil um longo caminho a percorrer.
Entretanto, em áreas como o setor financeiro adquirimos um grande expertise -afinal,
nenhum país teve de conviver com uma inflação tão alta por tanto tempo como o
Brasil. Isso nos deu know-how, e é certamente no setor financeiro que o Brasil tem o
maior alinhamento estratégico de TI, como pode ser visto, por exemplo, no caso do
Grupo Itaú.
Joia escreve livro sobre paradoxos
O professor Luiz Antonio Joia está
escrevendo dois livros: um sobre
paradoxos gerenciais, que deve ser
lançado até o final de 2005, e outro
sobre gestão estratégica do capital
intelectual, ainda em fase de
estruturação.
Nesta entrevista, Joia adiantou
alguns dos paradoxos de que tratará
no primeiro livro, como o de Ícaro e o
da Sigmóide.
"O Paradoxo de Ícaro -cujas idéias
iniciais foram apresentadas por
Danny Miller, da McGill University, e
já é tratado no Brasil por outros
acadêmicos brilhantes- mostra que o
que leva uma empresa ao sucesso, se
extrapolado em excesso, pode ser a
causa de seu fracasso. Também
chamo esse paradoxo de 'síndrome
da pole-position', pelo fato de
acontecer com empresas que foram
líderes por muito tempo em seu
setor. Quando, no início da década de
1990, a IBM optou por concentrar-se
demais em mainframes -o que tinha sido
a grande força motriz de seu sucesso até
então, enfrentou problemas. O
paradigma de uma nova topologia
computacional estava surgindo e as
empresas demandavam, além disso,
cada vez mais serviços integrados. A
fixação no sucesso passado gerou
estragos na empresa, mas ela soube
mudar a tempo, ainda que com algum
desgaste. O mesmo aconteceu com as
grandes empresas de máquina de
escrever. Só que estas, diferentemente,
não mudaram a tempo -e faliram. O
próprio Império Romano sofreu desse
paradoxo. O que o fez grande -a incrível
capacidade de guerrear- acabou por
destruí-lo, na medida em que o levou a
querer conquistar o mundo todo. Isso fez
com que as legiões se afastassem cada
vez mais de Roma e a degradação moral
imperasse na capital do Império, já que
as famílias viviam separadas.”
Joia também comenta o Paradoxo
da Sigmóide (a curva de ciclo de vida).
"Esse paradoxo foi apresentado
inicialmente por Charles Handy e diz
respeito ao fato de a empresa ter de
mudar quando está no auge de seu
sucesso. Isso, do ponto de vista lógico,
não faz sentido. Mas faz sentido se
entendermos que estamos numa era
de descontinuidades. Hoje, se o
passado explica bem o presente, cada
vez menos ele serve para prever o
futuro. Se a IBM continuasse
produzindo, preponderantemente,
mainframes e produtos a eles
associados, jamais teria entrado na
área da computação. A própria Nokia
mudou completamente seus negócios
nos anos 80. Enfim, como se pode ver, os
paradoxos de Ícaro e da Sigmóide são
interligados.”
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