O LIVRO BRINQUEDO NA FORMAÇÃO DO LEITOR: APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS Daniela Odete de Oliveira1 (SEMED Gaspar) [email protected] Maristela Pitz dos Santos2 (SEMED Blumenau) [email protected] Resumo O livro brinquedo na formação do leitor: aproximações e distanciamentos, tema apresentado neste trabalho, procura destacar como objetivo principal a concepção de infância implícita nos livros brinquedos encontrados nos CDIs - Centros de Desenvolvimento Infantil e nos CEIs Centros de Educação Infantil dos municípios de Gaspar e Blumenau. Tem como base teórica estudiosos da área da infância, da literatura e da imagem/ilustração, Ariés (1981), Coelho (2000), Ostrower (1983) e Camargo (1995). Os livros brinquedos evidenciam em sua textualidade e em suas imagens concepções de infância idealizadas pelos escritores, ilustradores e editores, revelar estas concepções nos fará refletir acerca da real função que estes livros têm desempenhado. É também objetivo desta pesquisa discutir alguns aspectos referentes ao livro brinquedo, norteados na perspectiva de suas contribuições no processo de sensibilização para a leitura da criança pequena. Esta categoria de livro vem despertando curiosidades e reflexões entre professores, pais e pesquisadores envolvidos com a Literatura Infantil, acerca de sua real função e manuseio, bem como, pelas características que o determinam como tal. A metodologia utilizada, primeiramente, foi uma pesquisa bibliográfica, na qual se buscou fundamentos para este trabalho. Em seguida, desenvolveu-se uma pesquisa de campo, que previu a coleta e análise de livros brinquedos envolvendo nove CDIs e nove CEIs, dos municípios já mencionados anteriormente. As considerações realizadas na pesquisa deixam claro que é fundamental o contato das crianças pequenas com os livros e que o livro brinquedo desempenha a função de apresentar o objeto livro à criança. No entanto, é preciso atentar para a qualidade apresentada por este livro brinquedo, no que se refere à textualidade, à linguagem iconográfica e ao projeto gráfico. Palavras chave: literatura infantil, livro-brinquedo, formação de leitor. Situando a pesquisa... Tropeças nos astros desastrada Quase não tínhamos livros em casa E a cidade não tinha livraria Mas os livros que em nossas vidas entraram São como a radiação de um corpo negro Apontando para a expansão do Universo Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (E, sem dúvida, sobretudo o verso) É o que pode lançar mundos no mundo (Livros, Caetano Veloso) Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada em 2003 quando, através de uma 1 Professora de Educação Infantil no município de Gaspar, integrante do grupo Amigos da Leitura (Biblioteca Pública Dom Daniel Hostin) e mestranda em Educação pela Universidade Regional de Blumenau. 2 Professora de Educação Infantil no município de Blumenau, pesquisadora na área da leitura e literatura e mestranda em Educação pela Universidade Regional de Blumenau. saída de campo, coletamos livros brinquedos em nove instituições de educação infantil do município de Gaspar e nove instituições de educação infantil do município de Blumenau. Esta pesquisa teve o propósito de avaliar a qualidade dos livros que estavam à disposição das crianças pequenas nestes espaços educacionais. Com o propósito de publicizar novas considerações acerca do tema exposto, fomos novamente a campo coletar dados, a fim de estabelecermos um diálogo entre as conclusões atuais e as que chegamos em 2003. Para este segundo momento da pesquisa, solicitamos às instituições de educação infantil do município de Gaspar, as mesmas que participaram da pesquisa em 2003, que selecionassem no seu acervo um livro brinquedo que considerassem de melhor qualidade. Estes foram analisados a partir dos mesmos critérios de análises utilizados na pesquisa de 2003. Vale salientar, que para esta nova etapa da pesquisa, envolvemos somente as instituições de educação infantil do município de Gaspar. Os resultados destas inserções no campo empírico serão compartilhados neste texto. Temos como propósito discutir alguns aspectos referentes ao livro brinquedo, norteados na perspectiva de suas contribuições no processo de sensibilização para a leitura da criança pequena. Essa categoria de livro vem despertando curiosidades e reflexões entre educadores, pais e pessoas envolvidas com a literatura infantil e com a formação de leitores. O livro brinquedo na formação de leitores: aproximações... O livro brinquedo é considerado por alguns estudiosos desta área, dentre eles Coelho (2000) que o denomina como “livro-objeto”, o primeiro contato da criança com o objeto livro e representa um marco inicial na sensibilização para a leitura. A nomenclatura livro brinquedo surge oficialmente a partir de 1997 pela Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil - FNLIJcom o propósito de uma premiação anual. O que diferencia o livro brinquedo dos demais livros de literatura infantil é o projeto gráfico, pois este precisa ser de material resistente para promover uma leitura autônoma das crianças bem pequenas. Este livro é destinado às crianças na faixa etária dos zero aos três anos aproximadamente. Embora não tenhamos a intenção de tratar das questões referentes à indicação de livros por faixa etária, faz-se necessário mencionarmos nesse texto, que a escolha do livro não se dá pela faixa etária, mas, pela condição leitora de cada indivíduo. Os livros brinquedos, assim como outros literários infantis, apresentam em suas narrativas, implícita e explicitamente, concepções de infâncias idealizadas pelos autores, ilustradores e editores. Considerar a criança como um leitor em formação é assegurar-lhe o acesso à literatura de qualidade e (re) conhecê-la como ator social. Alguns estudos acerca da construção histórica e social das relações entre adultos e crianças, como por exemplo, o estudo de Ariès ([1960], 2011) em seu livro “A história social da criança e da família”, identifica a presença de dois “sentimentos de infância” que influenciam a Educação das crianças até os dias de hoje: pararicação e moralização. Na paparicação a criança é vista como um ser ingênuo e fonte de distração para o adulto, enquanto na moralização, há necessidade de discipliná-la para a preservação dos costumes. Discussões mais recentes acerca das várias concepções de criança nos mostram quão díspares ainda são essas concepções, como nos aponta Pinto (1997) há ainda uma grande divergência de concepções em relação às crianças: uns a apontam como seres dotados de competências e capacidades, outros de carências; uns acreditam que ela precisa ser defendida do mundo adulto numa atitude de proteção, outros que ela precisa alcançar este mundo o quanto antes; uns valorizam o que a criança é, outros o que ela virá a ser. Estas disparidades têm consequência direta na forma como as crianças irão viver suas infâncias. Estas formas de ver as crianças, de concebê-las, são encontradas nos livros de literatura infantil e evidenciadas nas análises dos livros brinquedos. A literatura infantil, compreendida numa perspectiva histórica, cultural e social retrata os valores cultivados por cada sociedade em seu tempo. Nesse sentido, Coelho (2000) contribui quando afirma que: A literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível realização... Literatura é uma linguagem específica que, como toda linguagem, expressa uma determinada experiência humana, e dificilmente poderá ser definida com exatidão. Cada época compreendeu e produziu literatura a seu modo. Conhecer esse “modo” é, sem dúvida, conhecer a singularidade de cada momento da longa marcha da humanidade em sua constante evolução. Conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é conhecer os ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada sociedade se fundamentou (e se fundamenta...). (p. 27 e 28). A literatura infantil foi por muito tempo segregada, diminuída e considerada como um gênero secundário. Recentemente, desponta com alvo de atenção do mercado editorial capitalista quando reconhece a criança, seus pais e profissionais de educação como consumidores em potencial deste material. É necessário destacar que nem tudo o que circula no mercado editorial pode ser chamado de produção literária de qualidade. Ou como disse Bartolomeu Campos de Queirós (2005) “Não existe texto literário sem qualidade. Existem textos que não são literários.” Neste sentido, encontramos no mercado editorial publicações que diminuem e que desrespeitam o público alvo a que se destinam essas obras, apresentando-as carregadas de clichês, estereótipos e textos (narrativa pela palavra e pela imagem) desprovidos de arte. A leitura está em torno da criança, independente da instituição em que ela esteja inserida e dos processos formais que a ela sejam oportunizados. É mister que se parta da concepção de leitura apontada por Paulo Freire. Este destaca a aprendizagem da leitura como “leitura de mundo”, que antecede a leitura da palavra e que dá condições a uma leitura diferenciada do cotidiano, no qual se está inserido, modificando o cotidiano e modificando o indivíduo. Diante disso, ressaltarmos a importância da sensibilização para a leitura desde muito cedo, nas famílias e nas instituições educativas responsáveis pelas crianças, no caso desta pesquisa, os CEIs e CDIs. Vale ressaltar que grande parte das crianças terá unicamente, ou em maiores oportunidades, contato com o objeto livro dentro das instituições educacionais. Como afirma Ricardo Azevedo (2003) “É na escola que a maioria das crianças vai ter seu contato com o livro”. Diante dessa realidade, a utilização e o reconhecimento do livro brinquedo remetem a um questionamento: o que circula no mercado editorial: são livros brinquedo ou brinquedos livro? Há uma confusão na disposição dos substantivos que, inicialmente, até parece pouco prejudicial. Mas na verdade, acreditamos que há diferença entre o livro brinquedo e o brinquedo livro. Apesar deste suporte de texto, ser considerados por alguns teóricos da leitura, como o primeiro contato da criança bem pequena com o objeto livro, há poucos estudos sobre este material. Diante das afirmações e reflexões que fizemos acerca da leitura e da formação do leitor no que concernem as crianças pequenas, propomo-nos a fazer uma análise de livros brinquedos que estão à disposição das crianças bem pequenas nas instituições de educação infantil de Gaspar e Blumenau. Procuramos buscar respostas para as seguintes perguntas: qual a qualidade dos livros brinquedos ou brinquedos livros encontrados nas instituições de educação infantil dos municípios acima citados? Quais as concepções de infância evidenciadas nesta categoria de livro? Quais os livros brinquedos que os profissionais de educação infantil do município de Gaspar consideram de qualidade? Distanciamento entre a leitura e o leitor: analisando os dados... A metodologia utilizada para executar a pesquisa estruturou-se por um estudo teórico e uma inserção no campo empírico para a coleta do material de análise: os livros brinquedos. O campo de pesquisa, como já citado anteriormente, no primeiro momento (2003), constituiu-se por nove CEIs e nove CDIs dos municípios de Blumenau e Gaspar respectivamente, onde houve a coleta dos materiais para análise e posterior caracterização do acervo disponível. No segundo momento (2012), o campo de pesquisa constituiu-se pela coleta de nove livros brinquedos em nove CDIs do município de Gaspar, a seleção dos livros ficou por conta de cada instituição. É necessário salientar que não tivemos acesso aos critérios de seleção dos livros escolhidos pelas instituições. Para a organização dos registros dos livros brinquedos optamos por analisá-los sob três aspectos que se complementam: o projeto gráfico, a linguagem iconográfica3 e a textualidade. -Projeto Gráfico – toda a parte física do livro – tamanho, formato, número de laudas, tipo de material e sua resistência. Se favorece ou não a manipulação autônoma pelas crianças. -Linguagem Iconográfica – ilustrações ou imagens – considerou-se o tratamento qualitativo dos elementos que compõem a imagem: cor, linha, textura, luz e sombra, volume e composição, a presença ou não de estereótipos e a linearidade das ilustrações em relação à textualidade. Se as imagens/ilustrações suscitam ou não a ampliação e o apuro no olhar da criança pela narrativa visual. -Textualidade – texto escrito – presença ou não de diminutivos, moralismos, didatismos; a presença de uma trama instigante e de elementos que fazem parte da ludicidade tais como: onomatopeias, sonoridade das palavras. Um texto que respeite a singularidade da infância como ser humano completo. Entre os livros brinquedos coletados encontramos uma grande variedade: de pano, de plástico, de papel resistente (cartonado), de vários formatos, com dobraduras, com elementos vazados e/ou sonoros, acompanhados ou acoplados de um brinquedo. Passamos agora à análise de dados do primeiro momento da pesquisa (2003), em que analisamos trezentos e trinta e seis (336) livros, coletados nos dois municípios. Em relação ao projeto gráfico percebemos que há uma grande preocupação, por parte das editoras que produzem o livro brinquedo e das instituições que o adquirem, com a resistência do material, dando ênfase à manipulação da criança. Somente 23% dos livros analisados foram considerados não recomendados nesta categoria. Estes são aqueles que contêm pequenos objetos acoplados e não oferecerem a resistência necessária para a manipulação autônoma da criança pequena. Assim, necessitando que um adulto supervisione o contato da criança com o livro. Na linguagem iconográfica, o item não recomendável (76%) aumentou 3 Termo utilizado por Coelho (2000, p.196), para designar as ilustrações ou imagens nos livros de literatura infantil. significativamente. Há uma desconsideração com a qualidade visual dos livros brinquedos evidenciando a concepção de infância, implícita nesta linguagem, que vem caracterizar a crianças como um ser menor que não necessita nos livros destinados a ela, ilustrações de qualidade. Ilustrações que apurem o olhar e que exercitem um olhar mais atento. No lugar destas, encontramos ilustrações carregadas de estereótipos, com elementos de contorno excessivos, como se a criança não conseguisse reconhecer as imagens sem esses contornos. O convívio com ilustrações de qualidade duvidosa permite apenas a leitura superficial não ampliando o olhar, não criando tensão visual, desfavorecendo a leitura do mundo imagético no qual a criança está inserida. Em relação à textualidade, mais uma vez um contraste significativo no que diz respeito ao item não recomendável (88%). Evidenciou-se claramente a concepção de infância expressa neste item, pois se percebe uma total despreocupação com o que a criança irá ouvir, ou seja, o texto. Deixando evidente que a criança, nesta idade, não necessita ouvir histórias interessantes, com tramas instigantes. A única preocupação apresentada pela maioria das editoras no que se refere aos livros brinquedos é a apresentação de textos que privilegiam o ensinamento, o didatismo e o moralismo, apregoando que a criança pequena precisa ser moralizada e disciplinada. O que revela uma concepção de infância que ainda é muito presente nas obras de literatura destinadas à criança que é a moralização. Percebeu-se também em grande parte dos livros brinquedos o caráter informativo. Essas informações são referentes a cores, números, formas geométricas, desvelando uma concepção pedagógica conteudista para a Educação Infantil. Assim, podemos afirmar que o mercado editorial, ao produzir este tipo de livro, desconsidera que a textualidade necessita estar impregnada de literariedade, pois afinal de contas, este livro é uma literatura infantil e como tal, é arte. Da mesma forma, as pessoas responsáveis pela seleção e compra destes livros precisam ficar atentas, pois a confusão entre literário e informativo leva as crianças a acreditar que todos os livros serão lidos da mesma forma. Gustavo Bernardo (2005) faz um alerta sobre isso ao afirmar que “cometemos um erro quando exigimos que o aluno leia o texto literário como lê os textos das outras disciplinas”, referindo-se as crianças maiores, mas que cabe aqui, pois o professor de educação infantil empresta a sua voz para que as crianças pequenas possam ler “pelos ouvidos” (Brito, 2005). Tratamos agora a análise de dados do segundo momento da pesquisa (2012). Esta, conforme salientado anteriormente, foi realizada em instituições de Educação Infantil do município de Gaspar, as mesmas que participaram no primeiro momento da coleta de dados (2003). Este segundo momento também se refere a uma nova saída de campo para a coleta de livros brinquedos nas instituições. Diferenciando-se da coleta de dados de 2003, nesta, ao invés de coletarmos todos os livros brinquedos existentes no acervo da instituição, solicitamos que cada uma delas escolhesse o livro brinquedo que considerassem ser o de melhor qualidade. Nesse sentido, foram analisados nove livros brinquedos, um de cada instituição. A análise deste segundo momento evidencia novamente uma maior preocupação por parte das editoras no que diz respeito ao Projeto Gráfico. A ênfase privilegiando a manipulação da criança está explícita quando encontramos 67% dos livros brinquedos como sendo recomendáveis versus 34% não recomendáveis. Não podemos afirmar que esta manipulação tenha ou não como objetivo a autonomia da criança. No entanto, podemos pressupor que esta manipulação possibilita a “liberdade” do adulto, uma vez que a criança poderá apropriar-se do objeto livro sem causá-lo maiores estragos e sem oferecer-lhe riscos, podendo o adulto realizar outras atividades enquanto a criança aprecia (ou se distrai) com o livro brinquedo. O item Linguagem Iconográfica também se aproxima da análise feita no primeiro momento da pesquisa. Consideramos como recomendáveis apenas 11% dos livros brinquedos contra 89% não recomendáveis. Mais uma vez, os percentuais nos apontam a fragilidade nas discussões acerca da narrativa visual. Isso nos faz refletir seriamente sobre a qualidade das imagens que estão circulando entre crianças pequenas dentro de instituições de Educação Infantil. O excesso de estereótipos, as imagens chapadas sem os elementos que possibilitam o seu tratamento qualitativo. A falta de expressões artísticas neste item caracterizou a maioria dos livros brinquedos analisados. No que diz respeito à análise da Textualidade, atribuímos 44% como sendo recomendáveis. Nestes os livros brinquedos apresentam trama que dialoga com a infância, trazendo elementos vivenciados pelas crianças, como por exemplo, as brincadeiras e a possibilidade de ampliá-las ludicamente. Para os 56% não recomendáveis consideramos livros cujas textualidades não apresentam preocupação com a literariedade: trama pouco instigante que não seduz o leitor, ênfase a comportamentos inadequados, predominância de frases repetitivas que suscitam uma didatização da história. Entre as aproximações e os distanciamentos: considerações... Argumentar que não pertencem ao “universo infantil’ é referir-se a um acomodado e redutivo – além do improvável – modelo teórico abstrato do que seja a infância. Crianças, na vida concreta, inconscientemente ou não, buscam seu autoconhecimento e sua identidade; têm sentimentos e razão; sonham e se apaixonam; têm dúvidas, medos e prazeres; ficam perplexas diante da existência de múltiplos pontos de vista; tem dificuldades em separar realidade e fantasia; são sexuadas e mortais. Em suma, são essencialmente seres humanos. (AZEVEDO, 2004, p. 42). Questões acerca da formação do leitor têm mostrado-se pouco esclarecidas para muitos profissionais da educação. Diante dessa realidade, destacamos a dificuldade de compreensão dos aspectos qualitativos indispensáveis e que devem estar evidentes nas obras literárias infantis, tais como: o projeto gráfico, a linguagem iconográfica e a textualidade. O que resulta numa oferta equivocada e meramente exploratória. Sem contar a prática histórica do literário infantil que ainda está muito envolvida com os objetivos escolares conteudistas, carregados de intenções pedagógicas. O que denota o desconhecimento por parte destes profissionais que não compreendem a literatura como arte. Na trilogia projeto gráfico, linguagem iconográfica e textualidade destacamos a importância de tê-los contemplados qualitativamente no livro brinquedo. Isoladamente, cada um desses elementos tem a sua função específica: o projeto gráfico possibilita a manipulação autônoma da criança pequena considerando as suas características específicas; a linguagem iconográfica caracteriza-se como sendo o primeiro texto de leitura autônoma da criança. Permite, através das imagens/ilustrações, possibilidades de leitura apurada que exercite o olhar do leitor: percebê-las em sua pluralidade de detalhes, revisitá-las sempre e fazer novas descobertas. A textualidade promove uma escuta/leitura significativa através da palavra escrita. Dialogar com o texto, encontrar-se nele, distanciar-se dele, senti-lo. É necessário destacar que as crianças pequenas que não se apropriaram ainda do código escrito, fazem a leitura do texto pela narrativa visual, sendo assim, as imagens são fundamentais para estes leitores. O adulto mediador da leitura, por possuir o código escrito, parece que muitas vezes atribui pouco valor às imagens. Neste sentido Castanha (2008) afirma que: A partir do momento que se é alfabetizado, que se aprende a decodificar os caracteres do texto, gradativamente detalhes como a expressão das personagens, elementos do cenário, percepção de formas e cores, que antes eram determinantes para a percepção da história, passam a ficar em segundo (ou último) plano. É como se, aos poucos, durante a trajetória de uma pessoa na vida escolar, ela se “desalfabetizasse” das imagens. Não é por acaso que muitos adultos não se sentem estimulados a visitar museus, galerias de arte ou bienais. O que se faz ao ler um livro de imagens – observar, deduzir, inferir – é o mesmo diante de uma obra de arte. (p. 145) Acreditamos na categoria do livro brinquedo como sendo um significativo suporte de texto para as crianças pequenas. Neste o brinquedo não tem a função lúdica somente pelo brincar, mas lúdica ao convidar a criança a entrelaçar-se no mundo da leitura textual e visual. Este convite precisa estar calcado na sensibilidade. Sensibilidade esta que qualificará o percurso pelo qual a criança vai constituindo a sua condição de leitor. Neste sentido, a qualificação deste suporte de texto é necessária, pois o que encontramos no mercado editorial e nas instituições de educação infantil não favorece a formação de leitor. Ou como afirma Azevedo (2003) “Não tem contribuído para formar cidadãos criativos, participantes, dotados de senso crítico e visão humanista da vida e do mundo. Nem para a formação de leitores, ou seja, pessoas que saibam utilizar livros em benefício próprio”. Esta pesquisa continua suscitando reflexões ao desdobrar novas possibilidades de questionamentos a partir deste referencial que é o livro brinquedo: quais os critérios de seleção na escolha do livro brinquedo pelos profissionais da Educação Infantil? O livro brinquedo que encontramos hoje no mercado editorial e nas instituições contempladas nesta pesquisa pode ser caracterizado como objeto literário? Como é ofertado o livro brinquedo e como este é recebido pelas crianças? O cuidado na produção e oferta do livro brinquedo, considerando-o como experiencia estética, denota o entendimento de que meninos e meninas são atores sociais que significam e modificam o mundo. Referências ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2011. AZEVEDO. Ricardo. A didatização e a precária divisão de pessoas em faixas etárias: dois fatores no processo de (não) formação de leitores. In: PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy; PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia (orgs.). Literatura e letramento – Espaços, suportes e interfaces. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. ________________ Formação de leitores e razões para a literatura. In: SOUZA, Renata Junqueira de (org.). Caminhos para a formação do leitor. 1. ed. São Paulo: DCL, 2004. 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