LITERATURA E ESCOLA: O LEITOR EM FORMAÇÃO LITERÁRIA
PAIVA, Sílvia Cristina Fernandes – UFMT 1
[email protected]
OLIVEIRA, Ana Arlinda - UFMT2
[email protected]
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Resumo
O presente trabalho é um recorte da pesquisa de Mestrado em Educação no PPGE/UFMT
intitulada “Literatura Infantil: Formação do leitor literário em três escolas de Primavera do
Leste - MT”, que se insere na linha de Pesquisa Culturas Escolares e Linguagens, cujo
objetivo principal foi compreender as concepções de literatura infantil que fundamentam a
prática dos professores na formação de alunos leitores. Delineamos outros objetivos a serem
alcançados para o êxito da pesquisa, como: analisar a qualidade e a variedade dos textos
usados nas práticas de leitura e o uso que se faz deles no interior das disciplinas; identificar a
maneira pela qual o professor concebe a literatura infantil e opta por determinada metodologia
em suas ações de ensino em sala de aula. A pesquisa apresenta como problema central
investigar: - Como os professores concebem e desenvolvem a proposta de literatura infantil
nas três escolas selecionadas do Ensino Fundamental no Município de Primavera do Leste Mato Grosso? As considerações teórico-metodológicas, em que construo as reflexões tomam
como suporte: Bogdan, Biklen (1994), Ludke, André (1986), Minayo (2007). Elegemos como
instrumentos de coleta de dados para o desenvolvimento da pesquisa a observação em salas de
aula, entrevistas e questionários, projetos, planos de ensino e o PPP da escola, com intuito de
fazer análise e interpretação das concepções e práticas efetivas dos professores. As discussões
se encontram alicerçadas pelos pensamentos de vários estudiosos da área da Linguagem
literária. São eles: Perrotti (1990); Àries (2006), Paulino, Cosson (2009), Mortatti (2004),
Kleiman (2008), Lajolo (2008), Meireles (1984), Frantz (2001), Silva (2003), Freire (2001),
Goulart (2007), Carvalho (2006), Sosa (1978), Benjamin 2002), Arroyo (1990), Oliveira
(2005), Magnani (2001), Almeida (2008), Zilberman (2003), entre outros.
Palavras-chave: Literatura Infantil. Formação de Leitores. Letramento Literário.
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Mestre em Educação - PPGE/UFMT
Professora Doutora – PPGE/UFMT
Líder do GEPLL - Grupo de Estudos e Pesquisas em Leitura e Letramento
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Introdução
No Brasil, há algumas décadas, lia-se pouco e, por isso, o brasileiro era considerado
um mau leitor. Tal discurso percorria o país devido a inúmeras pesquisas que apontavam a
baixa quantidade de leitores, isso quando se confrontava o número de pessoas com número de
livros e revistas vendidos, como afirma Norma Sandra de Almeida Ferreira, da UNICAMP,
em entrevista exclusiva à agência Brasil Que Lê.
A solução advinda dessa situação foi facilitar o acesso aos livros neste país carente de
leitura. Assim, cresceram os debates e as reflexões em prol da construção de novos caminhos
para democratização da leitura no Brasil. Nesse sentido, algumas iniciativas e ações
governamentais e não governamentais foram empreendidas com o intuito de contribuir com a
ampliação do número de leitores. Iniciativas e ações que se efetivaram na aquisição de
acervos de livros didáticos e não didáticos para escola, implantação e fortalecimento de
bibliotecas públicas e escolares, informatização das bibliotecas e bibliotecas digitais, circuito
nacional da feira do livro, edição de livros em braile e áudio para atender portadores de
deficiência, campanhas de doações de livros, entre outros projetos que foram viabilizados
com o intuito de fomentar e ampliar o acesso da população à leitura.
Atualmente, a discussão não se restringe somente ao acesso à leitura, mas também na
busca de esclarecer o que o brasileiro está lendo, por que e como está lendo. Soares (2008b),
no texto “Ler, verbo transitivo”, diz ser necessário dar complemento ao verbo ler quando se
fala de ler muito ou pouco, ler bem ou mal, pois cada gênero exige determinada estratégia de
leitura. Estes questionamentos referentes à apropriação da leitura têm levado as novas áreas
de pesquisas a refletirem sobre as práticas de leitura que lidam com esse acervo, as relações
entre literatura e escola, o processo de escolarização da literatura e o letramento literário.
Entendemos que, para muitos brasileiros, a via de acesso ao mundo cultural letrado só
se faz pela escola, visto que, no nosso país, “não há democracia cultural no que se refere à
distribuição equitativa das condições de possibilidade de leitura e do direito à leitura”
(SOARES, 2008a, p. 20). Por isso, há de se pensar como a escola, instituição formadora de
leitores de literatura, tem considerado a literatura atualmente.
A questão que apresentamos a partir dessa ideia, é a de saber como a escola se
apropria da literatura infantil para a formação e desenvolvimento do aluno leitor. Pensar a
leitura na escola implica refletir sobre as concepções de leitura que fundamentam a prática do
professor em sala de aula na medida em que este se assume como formador de indivíduos
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leitores.
A pesquisa de mestrado, já concluída, intitulada “Literatura Infantil: formação do
leitor literário em três escolas de Primavera do Leste – MT”, que se insere na linha de
Pesquisa Culturas Escolares e Linguagens apresenta como problema central investigar:
- Como os professores concebem e desenvolvem a proposta de literatura infantil nas
três escolas selecionadas do Ensino Fundamental no Município de Primavera do Leste - Mato
Grosso?
Compreender como os professores concebem e desenvolvem a Literatura Infantil no
espaço cotidiano da sala de aula é o objetivo principal deste trabalho. Delineamos outros
objetivos a serem alcançados para o êxito da pesquisa, como: analisar a qualidade e a
variedade dos textos usados nas práticas de leitura e o uso que se faz deles no interior das
disciplinas; identificar a maneira pela qual o professor concebe a literatura infantil e opta por
determinada metodologia em suas ações de ensino em sala de aula.
O locus privilegiado pela pesquisa abrange três escolas no município de Primavera do
Leste, Estado de Mato Grosso. Foram selecionados professores que a priori privilegiassem a
Literatura Infantil destinando no mínimo uma aula semanal para o desempenho das
atividades. Em função de observar as práticas pedagógicas dos professores, consideramos o
mesmo nível de escolarização dos alunos nas três escolas pesquisadas. Sendo assim, a
pesquisa se realizou no quinto ano do Ensino Fundamental, considerando o esperado nível de
letramento dos alunos ao final dessa etapa de ensino. Foram convidados, como sujeitos da
pesquisa, um professor e duas professoras da rede municipal de ensino do município de
Primavera do Leste, que passaremos a denominar respectivamente como MAN, MAR e IVA.
Literatura e escola
Percebe-se, atualmente, a crescente circulação dos textos infanto-juvenis nos
ambientes escolares, ainda que a promoção desses textos literários tenha, quase sempre, a
intencionalidade voltada ao exercício didático e transferência de informação. Se a escola é o
espaço de encontro entre criança e livro, cabe então a ela a responsabilidade de inserir a
criança no mundo da leitura e, principalmente, transformar os neoleitores em leitores
permanentemente interessados e proficientes.
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Interessante observar, nesse contexto, que os dados apresentados pelo INAF
(Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional) e PISA (Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes) revelam que o Brasil evoluiu na educação, mas ainda apresenta baixos índices
em leitura. Um dos aspectos que pode ser destacado para essa deficiência é a falta do gosto e
acesso à leitura por parte de crianças que não receberam de suas famílias o incentivo. A partir
dessa situação, iniciativas têm sido criadas com o intuito de sanar esse problema educacional,
que se traduzem em projetos de leitura, expansão do mercado editorial de livros didáticos,
paradidáticos e livros infanto-juvenis, incentivo a pesquisas acadêmicas, e discussões sobre a
leitura em encontros, seminários e congressos, campanhas de leitura, dentre outras.
Tornou-se clichê dizer que a leitura é a chave do saber, e, mesmo assim, recai sobre
ela o peso de responsabilidade da aprendizagem e, consequentemente, incide sobre a literatura
o papel de agente instrumentalizador da transformação social. Peso creditado pela falsa crença
de que os livros, por si só, resolvem o problema do analfabetismo, da repetência e da evasão
escolar (MAGNANI, 2001, p. 38).
Torna-se evidente a importância da leitura de obras literárias no desenvolvimento do
ser humano, quer seja no âmbito de adquirir esta habilidade da leitura, como também de
favorecer o processo de construção de sentidos e o entendimento das relações sociais. No
entanto, não seria possível, somente por meio dos livros, a escola alcançar um bom
desenvolvimento do pensamento do aluno e, assim, garantir condições para sua mobilidade
social. Para que haja êxito no processo de formação de leitor, o educador deve ter clareza de
sua metodologia com a literatura infantil em sala de aula, deve despertar questionamentos e
promover a construção de novos significados.
Comungamos as opiniões de vários estudiosos renomados como Cosson (2007);
Lajolo (2008); Magnani (2001); Zilberman (2003), entre outros, que a escola precisa ensinar o
aluno a explorar o texto e dominar a multiplicidade de gêneros textuais. Para isso, espera do
educador, além da leitura prévia do material oferecido ao aluno, que ofereça diferentes
gêneros textuais para a degustação de leitura para o leitor. Soares pronuncia, também, a esse
respeito:
É função e obrigação da escola dar amplo e irrestrito acesso ao mundo da leitura, e
isto inclui a leitura informativa, mas também a leitura literária; a leitura para fins
pragmáticos, mas também a leitura de fruição; a leitura que situações da vida real
exigem, mas também a leitura que nos permita escapar por alguns momentos da vida
real (SOARES, 2008b, p. 33).
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É comum perceber, em relação ao material determinado e utilizado pelos educadores
para iniciação do leitor e promoção da leitura, que talvez, por falta de formação específica, os
educadores acabam na maioria das vezes, utilizando o material meramente com finalidades
pedagógicas ou utilitárias.
Os livros paradidáticos são muito utilizados nas escolas por apresentarem
características utilitaristas, ou seja, com intencionalidade determinada vinculada à escola.
Nesse sentido, o livro paradidático extingue a experiência estética, trata seus leitores de forma
homogênea e apresenta uma metodologia determinada de trabalho. Pretende, com esse tipo
de trabalho, que os leitores cheguem a uma única interpretação do texto lido. Geralmente,
contém fichas de leituras, elaboradas por autores ou especialistas para serem preenchidas
pelos leitores.
Acredita-se que a literatura vem solidificar o espaço da leitura na escola enquanto
formação de leitores, sendo assim, torna-se importante que o educador não dê a todos os
gêneros textuais um caráter utilitário, porque o prazer de ler está relacionado ao prazer de
criar novas situações, de adentrar por meio das histórias infantis, num mundo diferente, num
mundo de sonhos e ações dos personagens, desmistificando preconceitos, relacionando fatos
com sua própria vida, pensando assim, uma forma de tornar o mundo compreensível e mais
humano. A literatura, ao nos convidar para o contato com diferentes emoções e visões de
mundo, proporciona condições para o crescimento interior, possibilitando a formação de
parâmetros individuais para medir e codificar seus próprios sentimentos e ações (CAGNETI;
ZOTZ, 1986, p.23).
Abramovich (1997) discute como desenvolver, por intermédio da literatura, o
potencial crítico da criança. Argumenta que, por meio de um material literário de qualidade, a
criança é capaz de pensar criticamente e reformular seu pensamento, considerando como
qualidade do material literário para o bom desempenho do processo da formação do leitor
literário textos que apresentam uma proposta ficcional que atenta o imaginário dos leitores e
os excita a compor novas possibilidades para perceber o mundo a sua volta.
A experiência da literatura amplia e fortalece esse processo ao oferecer múltiplas
possibilidades de ser o outro sendo nós mesmos, proporcionando mecanismos de
ordenamento e reordenamento do mundo de uma maneira tão e, às vezes, até mais
intensa do que o vivido (PAULINO; COSSON, 2009, p. 69-70).
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Esse argumento contraria o uso de textos que objetivam inculcar valores, mudar
comportamentos ou informar o leitor por meio da história ficcional ou dos personagens sobre
determinado assunto.
Nessa perspectiva, evidencia-se a necessidade de se pensar espaços nas escolas para o
desenvolvimento da literatura infantil valorizando as suas especificidades. Precisamente nesse
contexto que tomamos como objetivo principal neste trabalho compreender como os
professores concebem e desenvolvem a literatura infantil no espaço cotidiano da sala de aula.
Percebemos, logo nas primeiras observações das aulas de literatura infantil, que a
proposta de letramento literário não se efetiva dada a dificuldade dos professores na escolha
adequada do material literário para o desenvolvimento da formação do leitor. Isso porque, a
relação entre literatura e educação é contraditória, ou seja, a literatura é um espaço de
liberdade, que prima pela imaginação e prazer, enquanto a educação traz, ainda, resquícios de
uma educação reprodutivista dos comportamentos tradicionais, que valoriza mais a lógica e
racionalista que a imaginação.
A partir destas reflexões, analisamos o material utilizado pelo professor MAN, ao qual
relata que produziu com ajuda dos alunos, seu próprio material de leitura intitulado “O vale
encantado” que foi trabalho durante todo ano letivo. Ao observar a atividade e o resultado de
produção exercida pelo professor MAN, pude verificar – apesar de toda a boa
intencionalidade do professor – que o livro produzido é um texto relativamente superficial,
carecendo de substâncias significativas para o desenvolvimento do letramento literário da
criança. O contato dessa história com os alunos se fazia somente pela voz do professor. No
final de cada aula, era solicitado aos alunos que registrassem em forma de desenhos o que
ouviram durante a aula e a escolha do título do livro foi feita pelo professor. O apelo ao
imaginário da criança se fez presente no título “O Vale Encantado”, que busca transportar a
criança para um mundo de fantasias. No entanto, sob o título de “O Vale Encantado”,
percebo, também, o fortalecimento da ideia do bem contra o mal, já que no livro produzido
em sala, o Vale Encantado faz oposição ao Vale das Sombras.
O livro “O Vale Encantado” é narrado na terceira pessoa e descreve o sonho do
menino José que visita o Vale Encantado. Durante a visita, José conhece os demais
personagens da história e se aventura num mundo fantasioso. As características de cada
personagem são construídas a partir das leituras das personagens de outras histórias infantis.
Assim, o Gigante, apesar de seu tamanho, possui um coração de criança e um sorriso
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tranquilizador. A bruxa da história é descrita como uma bruxa boa que não faz mal a ninguém
e é a grande mãe do vale. Os sete anões são personagens no livro “O Vale Encantado”, sendo
chamados de Semaninhas, referindo os sete anões a cada dia da semana. Nesta história, como
na história da “Branca de Neve e os sete anões”, os anões trabalham em conjunto e são
responsáveis pela organização dos dias da semana. Nina é outra personagem do livro, é a irmã
do gigante, curiosa e bondosa, ela traz a características de Alice, do livro “Alice no país das
Maravilhas”. Como semelhança com a história de Lewis Carrol, pode-se perceber que tanto
Alice quanto Nina mudam de cenário no decorrer da aventura e criam vínculos afetivos com
as personagens do outro mundo vivido na história.
O monstro é descrito como um garoto de coração mau que destrói a natureza e fica
preso no Vale das Sombras como castigo de seus atos. Como na história “A bela e a fera”, o
encontro de Nina com Monstro propicia uma forte amizade. Nina tem como objetivo
regenerar o Monstro.
A ambivalência entre o bem e mal, feio e bonito é percebida desde o início da história,
até mesmo pela descrição dos ambientes feita pelo autor:
Certa vez, enquanto dormia um garotinho chamado José, teve um lindo sonho! No
seu sonho, José brincava em um lindo bosque, cheio de árvores, pássaros, bichos...
Era o lugar mais lindo que ele já tinha conhecido. Feliz e maravilhado com aquele
lugar, José brincava com as pequenas borboletas que voavam [...]
Há muito tempo, morava no vale um garoto muito mau, destruía tudo que via na sua
frente. Começou destruir todas as borboletas do vale, depois os pássaros, os bichos,
as flores e as árvores. A vida que existia no vale começou a faltar, alguns rios foram
secando e o vale foi se dividindo, abrindo-se em um buraco fundo e o garoto de
coração mau, ficou preso no vale que ele mesmo ia destruindo! Quando percebeu o
vale já estava dividido! Assim o vale das sombras ficou morto! Dizem que aquele
garoto não morreu, mas se transformou em um monstro muito horrível.
Diante do exposto, é possível inferir que o livro “O Vale Encantado” designa aos seus
leitores um sentido moralizante, em que se manifesta o objetivo de internalizar normas a
serem seguidas. O livro produzido enfoca as virtudes e o bom comportamento e narra as
perversidades do menino que destrói a natureza, o Vale Encantado, isso o leva a viver no Vale
das Sombras como castigo.
O material tenciona a disciplinarização dos alunos, por meio das atuações dos
personagens, os alunos transportam para a vida real os exemplos que devam ser copiados ou
rejeitados. A leitura, aqui serve, para reproduzir dogmatismos e mudar comportamentos. Foi
observado também, que a interação entre a sala de aula e a biblioteca é praticamente
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inexistente, restringindo somente a esse material de leitura. O fato de não promover contato
com outras diferentes leituras literárias dificulta o desenvolvimento de uma proposta para o
letramento literário.
Nas aulas de Literatura da professora MAR a leitura literária ocupa uma atividade
unicamente pedagógica. A professora trabalha com livros de contos ou fábulas e escolhe o
texto que vai ser lido no momento da leitura. Depois de escolhido o texto, a professora lê para
os alunos e em seguida pede para que estes reescrevam a história ouvida, não promovendo do
momento da leitura um momento prazeroso.
A professora MAR afirmou em entrevista que os livros de literatura infantil “têm que
ensinar alguma coisa para a criança”. Podemos inferir pela afirmação da professora que os
livros de literatura infantil servem como pretexto para o ensino de outras disciplinas e para
apresentar modelos de comportamentos com finalidade de reforçar valores e normas. Entendo
que a literatura infantil, quando é somente utilizada como veículo pedagógico e para
transmissão de valor, contribui para formar leitores passivos e seguidores de normas. Em
contrapartida, a literatura infantil, quando privilegia a qualidade estética e é compreendida
como arte, pode fornecer diferentes saberes ao aluno. A arte ensina por si só, ampliando os
conhecimentos e reelaborando os pensamentos dos leitores, o que possibilita a formação e o
desenvolvimento do leitor literário.
Acompanhando a prática da professora IVA, percebemos uma preocupação maior com
a Literatura Infantil. A escolha dos livros para serem trabalhados durante os bimestres é feita
no início do ano, por meio dos catálogos das editoras enviados para a escola. Cada aluno
recebe o livro do bimestre para a leitura que depois de lido é devolvido para a biblioteca da
escola. Existe um acordo entre professor e alunos quanto ao prazo de leitura do livro, no qual
a professora combina com os alunos o número de paginas deverão ser lidas durante a semana,
e uma vez por semana ocorre um sorteio, em que três alunos sorteados deverão comentar as
páginas lidas durante a semana. Esta prática é recebida por muitos alunos como atividade
assustadora, pois recebem a tarefa como uma prova oral.
Mesmo com a leitura do livro do bimestre em andamento, a professora traz para sala
de aula outros livros ou contos que lê para os alunos. É freqüente a visita dos alunos da
professora IVA na biblioteca para retirada de outros livros, além da leitura do bimestre. No
entanto, a leitura literária aqui, também não é prazerosa, e sim imposta, com a cobrança do
trabalho do livro e preenchimentos de fichas de leituras.
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Ressaltamos a importância da utilização da biblioteca escolar para a formação do leitor
literário, e para isso, há que destacar o papel do professor na relação aluno e biblioteca, pois a
biblioteca escolar depende, em grande parte, da prática docente para promover o acesso do
aluno a esse espaço.
No entanto, por meio das respostas dos professores entrevistados, percebemos que a
utilização da biblioteca como espaço complementar à aula de literatura depende
especificamente da função do bibliotecário. Realmente, não se pode negar que as bibliotecas
escolares estão ocupadas, muitas vezes, por um profissional que não tem a formação
necessária para a função de bibliotecário e não entende o real funcionamento de uma
biblioteca escolar. No entanto, a opção de usar ou não a biblioteca escolar tem raízes na
formação do professor de sala de aula (SILVA, 1999, p. 37). A concepção de que a biblioteca
é um espaço dispensável para formação do leitor é equivocada. O professor não pode ser a
única fonte de conhecimento para o aluno, mas, sim, deve incentivá-lo a buscar outras
instâncias de conhecimentos e ser criador de oportunidades de novas leituras.
Para que haja a integração da biblioteca escolar e sala de aula na elaboração de
programas de leitura é necessário “construir um acervo de obras interessantes e, dentro de
uma atmosfera não autoritária, dar a chance para que os alunos leiam aqueles livros com que
melhor se identifiquem” (SILVA, 2005, p.32).
Não basta colocar o aluno em contato com o livro para formar o leitor literário, é
preciso estar atento ao livro que será indicado e estimular a liberdade e o prazer na leitura,
tendo em vista que a substituição do prazer na leitura pelo dever de ler, por meio de cobrança
com provas e fichas de leituras, desfavorece o desenvolvimento do leitor literário.
Acreditamos que a presença de um bibliotecário comprometido com o funcionamento
da biblioteca para o desenvolvimento do letramento literário, a existência de um acervo
variado e de qualidade e uma prática docente que promova o uso adequado deste acervo são
fatores importantes para que haja a integração entre a sala de aula e biblioteca.
Considerações finais
Destacamos neste trabalho, o esforço empreendido por esses professores,
considerando a seleção prévia do material literário, a confecção do material utilizado e a
compra de livros para o desenvolvimento das aulas de literatura infantil. No entanto, a
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ausência de embasamento teórico sobre literatura infantil desfavorece a escolha do material
literário de qualidade nas escolas, pois, para que haja uma escolha de qualidade literária, é
exigido do professor um determinado conhecimento para que a obra escolhida contribua de
forma significativa na formação do leitor literário.
É possível à escola ensinar a ler literatura, contanto que a leitura ocorra num espaço de
liberdade, respeitando o prazer e ou o desprazer do leitor pelo texto lido. É importante,
também, que a literatura infantil seja tratada como arte e para isso é preciso que o professor
entre em contato com textos de qualidade estética e desenvolva a sensibilidade do olhar em
seus alunos, estimulando o desenvolvimento do letramento visual.
Nota-se nas observações que os professores consideram importante a leitura literária
na escola. No entanto, na sua prática, não se efetiva no processo de formação de leitor literário
por falta de elementos teóricos que os levem a refletir sobre uma prática de qualidade
objetivando o desenvolvimento do leitor literário. Justificando, assim, a necessidade de uma
formação continuada que ofereça aos professores fundamentações teóricas que contraponham
as ideias sedimentadas em seu discurso, para que possam desta forma, ser capazes de
direcionar para uma nova prática que desenvolva o trabalho efetivo com a literatura infantil.
A coerência entre o discurso e prática, fundamentados teoricamente, resultarão no trabalho
expressivo com a literatura infantil nas escolas.
Outro fato que ficou evidenciado neste trabalho é que não existe interação entre a sala
de aula e a biblioteca dessas escolas no intuito de oferecer atividades lúdicas aos alunos e
promover a formação do leitor literário.
Estas constatações apontam a necessidade de aprofundamento teórico acerca dos
pressupostos da literatura infantil por parte dos professores, bibliotecários e equipe gestora
das escolas, a fim de que se desenvolva um trabalho efetivo com a literatura infantil a partir
da utilização das bibliotecas escolares. Salientamos, ainda, a partir dessas constatações, a
necessidade do comprometimento das políticas públicas no sentido de equipar as bibliotecas,
contratar profissionais capacitados para desempenhar a função de bibliotecários, aumentar o
acervo com obras de qualidade literária e oferecer cursos na área específica de literatura
infantil.
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REFERÊNCIAS
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Ltda, 1997.
CAGNETI, Sueli de Souza; ZOTZ, Werner. Livro que te quero livre. Rio de Janeiro:
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FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. Os brasileiros estão sim, lendo mais!: Depoimento
jan 2010. Entrevista cedida à Agência Brasil Que Lê, 2010. Disponível em: <
http://www.observatoriodolivro.com.br/entrevista.php?num=21> Acesso em 03 ago.2010.
MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, literatura e escola - Sobre a formação do
gosto. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
PAULINO, Graça e COSSON, Rildo. Letramento Literário: para viver a literatura dentro e
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SILVA, Waldeck Carneiro da. Miséria da biblioteca escolar. São Paulo: Cortez, 1999.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. 10 ª ed. Campinas, SP:
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SOARES, Magda. Leitura e democracia cultural. In. PAIVA, Aparecida; MARTINS, Aracy;
PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia (Orgs.) Democratizando a leitura: pesquisas e
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PAULINO, Graça; VERSIANI, Zélia (Orgs.) Leituras Literárias: discursos transitivos. Belo
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LITERATURA E ESCOLA: O LEITOR EM FORMAÇÃO LITERÁRIA