LEITURA LITERÁRIA E LIVRO DIDÁTICO: UMA PARCERIA
POSSÌVEL?
TEIXEIRA, Rosane de Fátima Batista – UFPR
[email protected]
ROTERS, Geni Alberini – UFPR
[email protected]
Área Temática: Educação: Currículo e Saberes
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
É inegável o valor do texto literário na promoção e no desenvolvimento da intelectualidade do
ser humano, na medida em que o horizonte de quem lê é ampliado aos olhos de quem escreve.
Sendo a escola o lugar privilegiado de acesso à leitura e a escrita, cabe refletir se o que está
sendo oferecido nas aulas de Língua Portuguesa, por meio dos textos contidos nos livros
didáticos, dos exercícios, das atividades de leitura ou livros de literatura trabalhados é
suficiente para tornar o aluno um verdadeiro leitor, que dialoga com o autor e consegue
entender a intenção do texto. A partir destas indagações este trabalho relaciona o contexto
sócio-histórico de construção da leitura literária, a organização da disciplina de Língua
Portuguesa no Brasil com as exigências impostas ao professor em seu processo de formação
acadêmico enquanto formador de leitores. Discute o valor e a função do texto literário e o
papel da escola no processo de formação do leitor. Considera o livro didático elemento
material da cultura escolar, presente em todos os níveis de ensino e garantido às escolas
públicas por meio de programas oficiais de governo, questionando a forma como o texto
literário apresenta-se no livro didático Esta investigação realizou-se a partir de uma análise de
conteúdo de um volume da Coleção Projeto Araribá para a Língua Portuguesa que seguiu as
fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e também de
reflexões teóricas fundamentadas em Bakhthin. Nesse estudo são evidenciados elementos que
caracterizam uma preocupação excessiva com aspectos formais da língua em detrimento à
formação do leitor.
Palavras-chave: Leitura literária; Livro didático; Saberes docentes.
Introdução
Hoje, a realidade brasileira em relação à leitura é desoladora, basta verificar o último
resultado da Prova Brasil dando conta de que um aluno pode concluir o Ensino Fundamental
como candidato a analfabeto funcional, ou seja, um indivíduo que não será capaz de utilizar a
leitura e a escrita para enfrentar as necessidades do seu contexto social e nem terá condições
de continuar aprendendo durante a sua vida.
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Embora não caiba só à escola, ela é muitas vezes, o único recurso das classes
populares desfavorecidas em ter algum contato com a cultura letrada. É neste ponto que há
um paradoxo, pois se por um lado é ela que orienta o ato de ler, também é verdade que não
está dando conta de formar leitores e, muitas vezes, vem até dificultando o processo de
apropriação da leitura pelo aluno através de rituais mecânicos e sem significado, apenas para
cumprir uma obrigação, “vacinando-o” contra a leitura para o resto de sua vida.
Agindo assim, de forma paradoxal ao invés de facilitar o educando a partilhar do
mundo da leitura, apenas divide, perversamente, a sociedade em letrada a quem pertencem
todas as oportunidades e a iletrada, que necessita que alguém, conforme Yunes (2000)
“esclareça” as “mensagens” mais corriqueiras como os avisos nos postos de atendimento
público ou na utilização de um cartão magnético no banco.
Devido a esta forma singular com que os estabelecimentos de ensino recebem e
repassam a cultura escolar, argumenta Forquin (1993, p.167), este se constitui um “mundo
social”, que tem características próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário,
seus modos próprios de regulação e transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão
de “símbolos” instituindo-se assim o que se chama cultura da escola e é nessa cultura própria
que a escola, basicamente utiliza o texto impresso para veicular conhecimento e que deixou de
valorizar a leitura como atividade principal para transformá-la somente em atividade meio, ou
seja, o ato de ler tornou-se meio para fazer outra coisa, um resumo, um exemplo. Entregar o
resumo solicitado transformou-se em atividade principal, deixando-se de dar a devida
importância da leitura em si mesma.
Como as práticas leitoras na escola invariavelmente passam por um professor, é
evidente que ele ocupa papel fundamental na prática e no uso do conhecimento no processo
ensino-aprendizagem, Tardiff (2000) reflete que os saberes profissionais dos professores
provêm de diversas fontes, pois ao dar aulas eles se servem de sua cultura pessoal que
adquiriram em sua história de vida e principalmente de sua cultura escolar anterior. O autor
argumenta também, que essa experiência escolar se manifesta através da bagagem de
conhecimentos, de representações e de certezas que os professores possuem da prática
docente.
Neste sentido Bakhtin (1992, p.315) observa que a palavra é expressiva, mas no
momento em que se profere a palavra esta expressividade não pertence a própria palavra
proferida , mas sim nasce do ponto de contato entre a palavra e a realidade efetiva e expressa
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o juízo de valor de um homem individual que está inserido em sua época, no seu meio social,
no micromundo da família e daqueles que o rodeiam, das leituras e vivências que teve, dando
forma a experiência verbal individual do homem num processo de ‘assimilação’ .
Se essas práticas docentes se espelham principalmente nas experiências pessoais
anteriores, torna-se importante aqui duas reflexões: a primeira sobre o papel desempenhado
pelo livro didático (elemento importante da cultura escolar) no processo de escolarização e no
uso deste recurso em sala de aula para desenvolver o trabalho com a leitura literária e a
segunda reflexão remete a um breve resgate da trajetória da leitura literária no ambiente
escolar para melhor compreensão das raízes históricas e sociais que contribuíram para a
configuração atual do ensino de Língua Portuguesa.
LEITURA E ESCOLA: ELEMENTOS PARA UMA CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÒRICA
Utilizar a literatura com um enfoque pedagógico, não é invenção da modernidade, já
na Grécia literatura era sinônimo de poesia e antes mesmo de utilizarem a escrita para fins
literários, os gregos já faziam poesia para ser cantada ou recitada. Até o século XVIII a
literatura foi vista como educativa, porém com o advindo da Renascença perdeu seu caráter
humanitário.
Na escola moderna, porém, a sua aprendizagem tornou-se obrigatória, primeiramente a
literatura integrou-se ao currículo dissolvendo-se entre a Gramática, a Lógica e a Retórica.
Depois disso serviu de modelo para o estudo das línguas grega e latina e após a Revolução
Francesa foi introduzida como literatura nacional, estudada sobre a perspectiva de História
Literária, nesta época a escola utilizava a literatura como veículo de difusão da língua, da
cultura e da identidade nacional (Zilberman, 1990).
No Brasil até o início do século XVIII o ensino da língua materna se restringia à
alfabetização, após a qual os alunos eram introduzidos na aprendizagem da Língua Latina, ou
mais especificamente, na gramática da Língua Latina (Soares, 2004), sendo importante
lembrar que os jesuítas mantiveram uma hegemonia de um pouco mais de dois séculos na
educação brasileira, hegemonia esta que se encerra com a sanção da Reforma Pombalina, em
1759, numa tentativa de Portugal em tomar as rédeas da educação da colônia, com essa
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reforma tornou-se obrigatório o ensino da Língua Portuguesa, tanto no Brasil como também
em Portugal (Cunha, 1985).
Razzini (2000) dá conta de que o ensino da língua e da literatura nacional, nesta época
era pautado pelo ensino das línguas clássicas, evidenciando-se o Latim. A literatura nacional
era dividida por gêneros e sua apresentação feita segundo critérios da Retórica e da Poética. E
também de que até 1869 o ensino de Língua Portuguesa no currículo da escola secundária era
pífio, e predominavam nesta época as disciplinas clássicas, com destaque para o Latim. Já em
1895 evidenciou-se a publicação da Antologia Nacional que marcou a leitura de várias
gerações ao atingir 43 edições em 1969.
Soares (2007) reflete que o ensino de Língua Portuguesa nesta época era ensinar “a
respeito” da língua, isto é, ensinava-se somente a gramática da língua a uma camada
privilegiada da população que já tinha acesso à norma culta através da família. Com relação
aos professores eram pertencentes à classe burguesa, bem versados e bem preparados. Já as
camadas populares não tinham acesso aos bancos escolares devido ao fato destes serem
ofertados em número reduzido.
No início do século XX oficializaram-se e legalizaram-se um número muito grande de
normas e reformas, entre elas a reforma ortográfica. (Souza; Mariani, 1996). Já em meados
dos anos sessenta, porém, o panorama educacional começa a transformar-se devido a
condições sociais e políticas, pois se verifica um êxodo rural e uma grande expansão
industrial, politicamente há o advento da ditadura militar.
Nesta época houve um aumento de demanda nas escolas e o alunado mudou. Onde
antes predominava a burguesia, havia agora alunos de classes populares, este fato evidenciou
o despreparo dos professores em lidar com um outro tipo de linguagem e cultura (Soares,
2007). Houve também um desinteresse da classe burguesa em lecionar, buscando outras
atividades, já que a profissão de professor não tinha o mesmo prestígio social e também já não
era tão bem remunerada.
Outro fator a ser mencionado foi de que as escolas necessitavam de um grande número
de profissionais para dar conta da demanda de alunos, as vagas foram ocupadas então por
profissionais advindos de meios pouco letrados (Soares, 2007), menos exigidos em sua
formação pedagógica. Para suprir esta carência, os livros didáticos foram produzidos em
escala industrial passando a ser um guia para o professor, muitas vezes tirando-lhe a
autonomia de trabalho e desobrigando-o de refletir sobre suas práticas pedagógicas.
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Diante de tantas transformações, uma mudança na legislação fez-se necessária, foi
assim que a lei 5.692/71 foi promulgada no início dos anos setenta, tentando atender a um
novo tipo de aluno, procurando oportunizar meios para que pudessem inserir-se no mercado
de trabalho.
A partir de então, buscando novas perspectivas rumo à modernidade, pautou-se o
enfoque da disciplina Língua Portuguesa na Teoria da Comunicação baseando-se
principalmente nos estudos de Jakobson, a disciplina passa então a chamar-se de
Comunicação e Expressão de 1ª a 4ª, Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa para 5ª
a 8ª série e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Ensino Médio e na esteira da
pedagogia tecnicista e do advento do ensino profissionalizante, a literatura virou um produto
de consumo, onde foram introduzidos os resumos de romances para o vestibular, as provas de
múltipla escolha e o ensino de elementos de comunicação e funções da linguagem bem como
as antologias foram substituídas por textos ilustrados.
Nesta época houve também, segundo Lajolo (2006, p.70), uma espécie de
simplificação de análise literária, onde se fazia um escrutínio estrutural do texto e
questionários para identificação de personagens principais, tempo e espaço das narrativas, este
modelo persiste até hoje, com pequenas alterações.
O uso do livro didático para o ensino da Língua Portuguesa e da Literatura, desde
aquela época é fruto de reflexão e polêmica entre os estudiosos, pois se para uns o livro
didático é um “meio e não um fim em si mesmo” (Silva, 2007), para outros é fonte de
alienação, gerando a unificação do educando sob um único material, sendo que os mesmos
possuem inúmeras variantes e mereceriam um tratamento diferenciado.
PRÁTICAS DE LEITURA E LIVRO DIDÁTICO
Um fator importante apontado por Colomer e Camps (2002) nas práticas pedagógicas
que remetem à leitura literária é o da ambigüidade na definição dos objetivos dados aos textos
literários pela escola que, por um lado insiste para que os alunos adquiram “prazer” na
atividade de leitura e de outro a converte em ponto de partida para exercícios e trabalhos
escolares.
De fato a leitura literária escolarizada é sempre marcada por exigências dos
professores que querem mensurá-la de todas as formas seja através de fichas de leitura, seja
através de resumos ou análises de obras lidas, servindo de pretexto para memorização de
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regras gramaticais ou conteúdos fragmentados, reproduzindo apenas superficialmente a
intenção do autor.
Há também um outro tipo de leitura muito utilizada nas práticas escolares ,apontada
como igualmente ineficaz: aquela com data marcada, antes de um exame de vestibular ou
ainda em datas comemorativas, há ainda aquela leitura quantitativa, na qual o aluno deve
demonstrar que leu uma quantidade x de livros para que o professor possa considerá-lo leitor.
Este procedimento só cumpre o papel do retorno de leitura dado ao professor, pois
dificilmente o aluno achará prazer em responder perguntas e mais perguntas sobre o que leu,
ou ler somente para mostrar ao professor que leu. Este conceito equivocado da escola leva o
educando muitas vezes a sentir-se fracassado nessa atividade, pois não consegue converter-se
em um leitor entusiasta.
Como ressalta Silva (1981), o conhecimento nas escolas públicas chega
primordialmente via leitura de material impresso, e se o aluno não for capaz de compreender
o que lê estará comprometendo toda a sua aprendizagem formal, o grande problema que
impede a aquisição de uma leitura crítica e emancipadora é a de que o trabalho com a leitura
está centrado somente em habilidade mecânica de decodificação da escrita, muitas vezes não
levando o aluno a refletir criticamente sobre o texto que leu, servindo de pretexto apenas para
atividades de interpretação e gramática.
As críticas feitas ao livro didático apontam que neles são utilizados fragmentos de
textos, sempre dos mesmos autores, muitas vezes descontextualizados, com coerência e
coesão comprometidas.
Essa análise recai nas práticas efetivas de leitura, pois os autores
quando escreveram suas obras tinham determinada intenção que acaba transformando-se em
outra, através da publicação do seu trabalho no livro didático. Bakhtin (1992) reflete que os
enunciados de um locutor partem de diálogos que o antecedem, por isso são deles
constitutivos e destinar-se-ão a formar futuros diálogos. Logo, se os textos literários aparecem
fragmentados e sem sentido, que tipo de diálogo estabelecer-se-á entre as crianças que
utilizam textos que não visam à formação do leitor e os seus futuros diálogos enquanto jovens
e adultos ?
Essas reflexões são válidas e importantes levando em consideração que o Brasil conta
hoje, com o maior programa oficial de governo - Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) para distribuição de livros didáticos e, segundo dados da ABRELIVROS em 2008
foram distribuídos 110 milhões de livros aos alunos das escolas públicas. Os materiais
4142
inscritos passam por um processo de análise e avaliação pedagógica feita por uma equipe de
especialistas nas áreas de conhecimento, que resulta no Guia de Livros Didáticos que por
sua vez contém os princípios, critérios e as resenhas das obras avaliadas.
Especificamente quanto aos livros de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª séries o Guia do
PNLD 2008 aponta critérios relativos aos quatro grandes conteúdos curriculares básicos da
área – leitura, produção de textos, linguagem oral e reflexão sobre a língua e a linguagem.
O Guia também considera que as práticas de uso da linguagem (leitura, compreensão,
produção escrita e compreensão oral) em situações contextualizadas de uso devem ser
prioritárias no livro didático. E no que tange à leitura literária, é objetivo central de Língua
Portuguesa promover a “fruição estética e a apreciação crítica da produção literária associada
à Língua Portuguesa, em especial a da literatura brasileira”. (MEC, 2008, p.12). Aponta
também como insuficiente o tratamento dado à leitura literária nos livros de Língua
Portuguesa de 5ª a 8a séries e indica que:
Em maior ou menor medida, todas as coleções colaboram para o desenvolvimento
da proficiência em leitura; mas ainda é reduzido o número das que também se
ocupam em mobilizar e desenvolver capacidades envolvidas na formação do leitor
literário. (MEC, 2008, p. 21).
Com bases nessas reflexões e nas orientações deste documento norteador buscou-se
analisar um dos livros didáticos mais utilizados nas escolas públicas brasileiras e escolhido
por meio do PNLD a fim de verificar se as atividades propostas no livro contribuem para a
formação do leitor literário e que aspectos devem ser ponderados pelo professor tanto no uso
deste material quanto no trabalho com a leitura literária.
ANÁLISE DA OBRA
A Coleção Projeto Araribá de 5ª a 8ª série para Língua Portuguesa da Editora Moderna
foi escolhida para análise preponderantemente por ter sido apontada pela mídia como a
coleção mais vendida para o ano de 2008 para as escolas públicas, tanto para o Ensino Médio
como para o Ensino Fundamental. Outro aspecto importante que influiu na sua escolha foi o
fato da obra ter sido escrita por técnicos e não por um ou dois autores como é usual.
A obra selecionada como objeto do estudo, Português: 7ª série, cuja primeira edição
foi em 2006, apresenta-se como obra coletiva, concebida e produzida pela Editora Moderna.
4143
A coleção que a compreende prevê a articulação entre leitura, produção escrita e reflexão
lingüística, com a proposta de ampliar conhecimentos relacionados à construção do texto e
considerando diferentes tipos ou gêneros textuais. Nos quatro volumes da coleção, as
unidades são organizadas a partir de um assunto de estudo lingüístico relacionado a aspectos a
serem levados em conta na construção de textos.
Optou-se por analisar o volume da sétima série por acreditar-se que é destinado a
aluno com uma proficiência de leitura mais desenvolvida e, portanto apto a estabelecer
relações entre o texto e o autor. Para tanto procurou–se observar como a leitura literária
aparece neste volume e quais os desdobramentos que desencadeia. Outro fator apontado para
a escolha desta série é a de que o aluno não está ainda preocupado como o Ensino Médio, fato
que muitas vezes obriga o professor da escola pública a voltar-se para um ensino mais
direcionado a realização de concursos para admissão de colégio que possuem um exame de
seleção e, portanto debruça-se mais com questões de análise lingüística.
Para o estudo da obra foi utilizada a análise de conteúdo, “uma técnica de investigação
que através de uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das
comunicações, tem por finalidade a interpretação destas mesmas comunicações”
(BERELSON, apud BARDIN, 1977, p. 31). Organizou-se a pesquisa seguindo-se as fases de
pré-análise, de exploração do material e de tratamento dos resultados, constituído pela
inferência e a interpretação.
A análise realizada para este estudo apóia-se em critérios relacionados à articulação
entre leitura, produção de textos e conhecimentos lingüístico-textuais, à pertinência das
propostas de produção de textos e à organização adequada na apresentação da estrutura da
obra.
O livro escolhido para o estudo, compõe-se de oito unidades: “o narrador”; “ponto de
vista”; “a descrição objetiva e a subjetiva”; “a estrutura do texto teatral”; “estruturas do texto
expositivo”, “a argumentação”; “recursos de linguagem poética” e “imagens que explicam”.
Essas unidades iniciam com uma “chave da unidade”, uma ilustração que serve de mote às
leituras e às atividades relativas a estudo de texto, produção de texto, estudo da língua,
ortografia, texto instrucional, projetos de investigação, ferramentas para projeto e projeto em
equipe, Ilustrada com fotos, desenhos, tiras, tabelas, cartazes, gráficos e anúncios
publicitários,
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Segundo avaliação do PNLD, o ponto forte da coleção é a articulação entre leitura,
produção de textos e conhecimentos lingüístico-textuais, tendo como contraponto a limitada
circulação ao ambiente escolar das propostas de produção de textos.
Ao observarem-se os textos literários considerados como principais, ou seja, que
ocupam um lugar de destaque e possuem figuras ilustrativas, percebeu-se que são bem
escolhidos e trazem alguma novidade considerando-se que nos livros didáticos, é comum
aparecerem sempre os mesmos textos dos mesmos autores.
A partir de um levantamento quantitativo dos textos apresentados na seção Estudo do
Texto, elaborou-se uma tabela para facilitar a visualização:
Observa-se que dentre o total de textos presentes na obra com a proposta de leitura e
estudo do texto, um percentual significativo (60%) refere-se a textos literários. Nas quatro
primeiras unidades há um tratamento prioritário a esta tipologia, o mesmo não ocorrendo nas
unidades subseqüentes onde em apenas uma verifica-se a presença do texto literário, o que
demonstra não haver um tratamento uniforme e contínuo em toda obra com este tipo de texto.
Percebe-se, a partir da análise, a presença das diferentes tipologias textuais e a
predominância do gênero descritivo/narrativo, enquanto os textos poéticos, embora em igual
quantidade, só aparecem numa única unidade. Observa-se também a predominância de
autores nacionais, caracterizando a valorização da produção literária do país.
No contexto geral da obra, os textos poéticos adquirem expressiva representatividade,
principalmente na seção “estudo da língua”, onde são utilizados como pretexto para os
estudos propostos.
4145
De um modo geral, neste exemplar destinado à sétima série, o texto literário aparece
fragmentado, numa tentativa de adequá-lo à proposta do livro, fato que vem sendo alvo de
crítica, aqui representada por Cosson (2006) ao comentar que “no ensino fundamental
predominam as interpretações de texto trazidas pelo livro didático, usualmente feitas a partir
de textos incompletos...”
Os fragmentos de texto, comprometem o entendimento e subvertem muitas vezes a
intenção do autor. Nos textos em prosa foi uma prática freqüente, salvo raras exceções. Com
relação ao texto poético, os fragmentos são freqüentemente utilizados para explicarem fatos
lingüísticos.
As discussões para ampliação da criticidade do aluno também deixam a desejar,
exemplo disso é o texto da página 86 intitulado Os Filhos da Lua, nele o autor introduz o
texto literário alertando para a visão preconceituosa do narrador e também dos personagens
com relação à cultura africana. No entanto no estudo do texto, não faz nenhuma alusão a esse
assunto, o qual poderia ser largamente explorado partindo-se de críticas à visão capitalista
dominante na cultura ocidental. No espaço destinado à oralidade, quando se poderia debater
essa questão, é pedido simplesmente que os alunos recontem o texto para um colega.
É consenso hoje no ensino de Língua Portuguesa partir-se de textos para o ensino da
análise lingüística, evitando-se trabalhar os conteúdos gramaticais isoladamente, esta prática
embasa-se no pensamento de Bakhtin (1992) quando afirma que não há como ensinar a
Língua materna somente através de orações e palavras, que para ele são ”unidades da língua e
não possuem entonação expressiva”. Este ensino deve acontecer através de enunciados
acabados e com sentido concreto.
O que se verificou neste livro, foi que para todo conceito, explicação ou aplicação de
exercícios, lá estavam os textos. No entanto, não eram tratados como enunciados nos moldes
bakhtinianos, ou seja, eram desprovidos de sentido e, na grande maioria das vezes, não
geravam uma atitude responsiva por parte do leitor. O que leva à reflexão de que os textos, e,
principalmente os poemas nesta obra, servem apenas de pretexto para se chegar a uma análise
lingüística que são, no ponto de vista dos autores do livro didático analisado, o fim último do
ensino da língua.
4146
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões até aqui realizadas sobre a obra selecionada e a conjuntura em que ela é
utilizada levam a crer que, embora as atividades de leitura propostas nas unidades possam
levar o estudante a desenvolver a proficiência em leitura, há limitações a essa ação
pedagógica pela inadequação de algumas propostas tais como a descontextualização e a
fragmentação dos textos literários o que, segundo Zilberman (1991), pode oferecer uma visão
de mundo desordenada e caótica, limitando o ensino da língua materna somente ao cognitivo
e negando a sua realidade como produção. Observou-se essa fragmentação tanto nos textos,
como na organização e articulação do próprio livro, onde os capítulos são tratados de forma
isolada.
O livro analisado apresenta várias situações em que a preocupação com o domínio de
normas gramaticais é sobreposta à formação do leitor, pois apesar do texto literário estar
presente em diferentes contextos e formas, as atividades propostas a partir deles denotam uma
excessiva preocupação com o aspecto formal da língua, bem como configuram um modo de
subversão do texto como mero instrumento para análise lingüística.
Os textos são escolhidos conforme o tema gerador da unidade, deixando lacunas no
que concerne ao trabalho com o texto literário no conjunto da obra, transferindo assim para o
professor a incumbência de ampliar os horizontes textuais para que o leitor literário possa ser
formado, o que pode ocorrer ou não, dependendo do engajamento e da bagagem teórica deste
professor com relação à leitura. Sobre o professor pesa a responsabilidade de assumir uma
postura frente à leitura literária que oportunize ao aluno o prazer na leitura.
Esta reflexão remete a importância da formação do professor de Língua materna, pois
se os saberes docentes, como indicado por Tardif, são produzidos em diferentes instâncias e
momentos da formação do professor e se são estes saberes que o professor deverá dominar,
integrar e mobilizar em sua prática pedagógica que haja então a preocupação de se preparar
um profissional que possa “quebrar” um paradigma historicamente construído, que conheça e
principalmente utilize teorias e estratégias sobre a leitura e com isso oportunize ao aluno uma
atitude “responsiva-ativa” com o texto, ajudando o aluno a refletir sobre o que o texto “diz” a
ele, aluno, sujeito histórico e social que possui vivência e visão de mundo únicas, que farão
toda a diferença na interpretação, ou não, do significado, possibilitando que concorde ou
4147
discorde das idéias do autor, e ao fazer disso uma prática estará percebendo o mundo social
em que está inserido e poderá modificá-lo.
Este trabalho só será possível, se além da vontade do professor, o livro didático
oportunizar estas reflexões evitando propostas que subvertam a intenção do autor, ou que
fragmentem seus textos de modo a impedir o estudante de exercer a fascinante trajetória da
descoberta dos segredos do texto, quer seja ele em prosa ou poesia.
Neste ponto há que se concordar com Silva (2005) quando afirma que para despertar o
gosto pela leitura tão almejado pela escola é necessário instrumentalizar o estudante para
obtenção desse prazer. Seria um processo de produção de sentidos entre o leitor e o autor,
transformando o ato de ler em programas de ensino que possam realmente levar o aluno à
reflexão sobre outros pontos de vista diferentes do seu, que possibilitem, principalmente, que
a leitura seja ponto de partida para a polifonia de discursos entre professor - aluno e alunoaluno, numa atividade que estimule o pensar, a troca e o debate.
REFERÊNCIAS
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