Encontro Nacional de Docentes e Investigadores | 20 out 2012 | Fátima
Experiência de Comunhão
Paulo Reis Mourão1
(Departamento de Economia; Universidade do Minho)
O primeiro registo que devo fazer prende-se com a minha experiência de comunhão vivida no
Encontro Nacional de Docentes e Investigadores, no dia 20 de Outubro de 2012. Senti que muitos
dos dramas silenciosos (ou não) e muitas das alegrias visíveis (ou não) que eu próprio tenho sentido
enquanto Professor Universitário não são só meus, mas também de muitos irmãos docentes. Afinal,
somos Igreja também dentro da Universidade!
A minha comunicação
A segunda palavra prende-se com a minha comunicação. Projetei-a para partilhar dúvidas sobre o
tema da sessão “A Competição na Academia”. Nesse aspeto, mais do que teses pessoais, quis ter a
reação dos colegas que competem na Academia. Tive a imensa felicidade de partilhar a mesa com a
Professora Isabel Ribeiro (do IST) e com o Padre Hermínio Rico, jesuíta. Logo, à partida, sabia que
eu ficaria a ganhar: com a vivência da cruz de uma Catedrática e com a visão humanista de um
Português atento. E, sinceramente, ganhei!
Mas antes de mostrar os meus troféus, partilho em baixo uma síntese das principais ideias que
desenvolvi em torno da minha comunicação.
O termo competição pode ser separado, etimologicamente, por com+petição. Logo, podemos
associá-lo ao ato de “pedir com o Outro”. Quando pedimos com o outro, ou pedimos o mesmo, e o
pedido sai reforçado (uma espécie de Oração do Povo), ou pedimos coisas diferentes e vence quem
pede com voz mais possante (ou com voz mais influente…), abafando o pedido alheio.
Logo, faz sentido, na Academia, competir, isto é, pedir com o Outro? Creio que faz.
O homem e a mulher da Academia competem. Então, eles pedem, são uma espécie de mendigos, o
que, para leitores crentes, nem sempre é mau. Como cristãos, temos na nossa Magna Constituição
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O autor reconhece o enriquecimento da versão apresentada a partir da discussão gerada no painel envolvente, no
Encontro Nacional de Docentes e Investigadores, bem como a leitura crítica do Padre Eduardo Duque.
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que Felizes são (já) os Pobres em Espírito! Como cristãos, recebemos do Mestre, algumas ordens,
entre as quais “Pedi e dar-se-vos-á!”. Como cristãos, que oram, pedimos ao Pai (que é Nosso) para
Nós. Logo, parece-me que pedir faz parte da essência do Cristão.
Nas Ciências Sociais, mais propriamente nas Ciências Económicas, a competição tem sentidos
complexos. Um dos sentidos mais estudados é aquele que aborda a ‘perfect competition’, ou em
português ‘concorrência perfeita’. Quando muitos vendedores competem pela atenção do comprador,
e este procura um produto que genericamente pode ser oferecido por qualquer um dos vendedores,
geralmente o preço de equilíbrio é baixo. E como preferimos localizar-nos quase sempre na
perspetiva de compradores-consumidores (e muito mais raramente na perspetiva de vendedoresprodutores…) tendemos a aplaudir os “modelos de concorrência perfeita”. Que funcionam muito
bem nalguns casos, mas em muitos mais casos não funcionam assim tão bem.
Se quero realizar uma compra pela internet, facilmente consigo comparar preços de livros, por
exemplo; e facilmente consigo encomendar aquele livro pelo ofertante que proporciona a transação
associada ao valor que me é mais vantajoso. Mas, na maioria das minhas decisões, recorro a
Instituições, isto é, a padrões comportamentais, apoiados na experiência pessoal, na captação de
sinais de qualidade do bem ou serviço, em benefícios líquidos descontados ao presente. Assim,
quando escolhemos o cônjuge, a Universidade ou o Instituto Politécnico que frequentamos como
estudantes de graduação ou de pós-graduação, o café que frequentamos ou a sapataria que nos calça,
raramente andamos com a calculadora do ‘homo economicus’ vilipendiado pelos maus discípulos de
Stuart Mill, Jr. Na maioria desses momentos de decisão (e a Economia é a Ciência da Escolha),
escolhemos o que acreditamos ser bom agora e amanhã, escolhemos o que nos satisfaz mais para lá
do dinheiro (símbolo do Trabalho trocado) que cambiamos. Assim, aquela ‘competição’ artificial foi
substituída pelos mercados institucionais, onde não se troca só dinheiro, mas também empatia,
reconhecimento ético, sustentabilidade ecológica, bem-estar e boa disposição. Conclusão: preferimos
a civilização à selva.
O Professor Robert Frank conta uma história parecida no seu livro “O Economista Natural”. Há
alguns anos, os jogadores de hóquei (no gelo) puderam jogar algumas partidas do campeonato norteamericano sem capacete protetor. As vantagens são nítidas (desde logo, pensemos como seríamos
nós a conduzir um carro com capacete…). O jogo fica mais rápido, o campo de visão dos jogadores
aumenta, a competitividade é incrementada; em síntese, há mais competição (no sentido comum do
termo). Passadas algumas jornadas, o jogo tinha ficado de fato mais rápido mas também muito mais
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perigoso para os praticantes; alguns, tinham ficado paraplégicos! Conclusão, acordaram todos,
incluindo organizadores, com a aceitação do público, que, como já não se premiava a morte nas
arenas como no tempo de Spartacus, seria melhor regular a competição, obrigando todos a usarem,
durante todo o jogo, o capacete. O jogo ficou mais lento, mas os melhores hoquistas continuaram a
ser os melhores hoquistas, mais lentos, mas também mais protegidos.
Assim, a partir da imagem do desportista, o Académico compete com os outros Académicos, mas
também consigo próprio (na minha corrida, penso que estou a melhorar?), com a Ciência (na minha
corrida, melhoro a Ciência?) e com o Desconhecido (na minha corrida, deixo espaço e tempo para
Deus me surpreender?). Como João Paulo II refere na Fides et Ratio, a Academia deve ser também
um espaço, um caminho e uma fonte de santidade. Muitos encontraram-na aí. Não só históricos
como Agostinho de Hipona, Alberto Magno, Tomás de Aquino, ou John Scotus, até outros mais
recentes como Edith Stein, Louis Pasteur, Frederico Ozanam, entre uma multidão anónima de
Académicos (alguns reconhecidos decerto por cada um de nós) que verdadeiramente também devem
ser recordados na Festividade de Todos-os-Santos, na falta de outro momento mais específico.
Vários estudos, desde focados na Antropologia até à Dinâmica Macroeconómica, têm discutido
causas, consequências e externalidades da competição. Por um lado, se a competição termina num
pódio, parece que a melhor posição para os vencidos é contentarem-se com a secundarização, com
objetivos mais modestos e com a sombra dada pelo vencedor. Nem todos podem ser Medalha de
Ouro nos 100 metros livres. Nem todos podem assumir uma posição dominante num dado mercado.
Nem todos podem ser ou chegar a Catedráticos. A escassez deste mundo (não só escassez de
recursos tangíveis, mas também a escassez de intangíveis, como o prestígio, o poder ou a influência
– o que quer que isso signifique…) leva a este esquema formal. Conduz a esta distribuição de
medalhas e lugares. Leva a hierarquias, métricas, matrizes de avaliação docente. Poderíamos sempre
alegar, nesta visão, que o remediado pode ser tão ou mais feliz que o mais rico (muitas vezes,
verdade) ou que o Professor Auxiliar pode ser tão ou mais feliz que o Catedrático (muitas vezes,
verdade). E, na realidade, se Deus é Felicidade, segundo São João, já segundo Santa Teresa, Só Deus
basta. Logo, mais vale um Professor Auxiliar feliz do que um Catedrático triste.
O conceito desta Felicidade tem uma correspondência parabólica com o conceito económico de
Eficiência. Por vezes, somos mais eficientes com menos posses do que com muitas posses. Por
vezes, somos mais eficientes como estudantes deslocados de casa do que como pais de família. Por
vezes, somos mais eficientes com meio artigo científico em dois anos do que com cinco artigos em
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meio ano. Somos economicamente mais eficientes quando gerimos bem o que o dono da vinha nos
deixou. Somos mais eficientes quando de cinco fizemos dez. Somos mais eficientes quando não
entesouramos (ou enterramos) o(s) talento(s) que tínhamos – a simpatia que também é um talento
que se cultiva, a empatia que nos era pedida pelos nossos alunos, famintos e sedentos de um mundo
novo, e o tempo para o Outro que o Outro nos pedia. Aí fomos eficientes. Não fomos eficientes
quando como Professores deveríamos ter sido Profetas e (como escrevi uma vez na Brotéria) fizemos
da Ciência não a Cruz que ela é mas a poltrona que jamais deveria ser. Quando fizemos da Ciência
uma desculpa para fugirmos ao outro, quando fizemos da Ciência um caminho de renúncia ao Outro,
à Natureza, ou ao Divino.
Outro ponto relevante na Academia é a necessidade de Investimento que, sendo conceito económico,
também permite muitas correspondências com o conceito teológico de “Esperança” (e eu não sou
teólogo, o que para mim é uma das maiores felicidades de que usufruo no momento). Ambos os
conceitos implicam sacrifícios correntes em prol de benefícios futuros. A Ciência não é imediatista
nem espontânea. Não basta uma maçã cair ou os bolores de fim-de-semana. A Ciência é um edifício
sempre por acabar (mais parece a Torre de Babel…) onde os resultados aparecem no cúmulo de anos
e anos de entrega (ainda que hoje a tecnologia atual acelere muito dos processos rotineiros). E muitas
vezes o ambiente de competição desregrada pode desprestigiar este sentido de acumulação de ativos
e perigar a nossa própria Vida (como no exemplo dos hoquistas). Muitos países de rápido
crescimento económico tornaram-se países de pobreza humana acentuada. Queremos que as nossas
Academias cresçam rapidamente empobrecendo os Académicos nas suas pessoas?
O esforço das nossas Academias pode ser valorizado por uma certa e desejável competição. Muitas
vezes, como resultado dessa competição, a Sociedade percebe que tem a seu lado a Academia a
trabalhar em prol de melhores resultados. Algumas “corridas” científicas trouxeram um relevo
especial para certos campos do conhecimento. Penso na corrida (esgotante) do Scott com o
Amundsen ao Pólo Sul; penso na corrida aos ossos de dinossauros, ainda acérrima, que modificou
por completo em 15 anos a visão paleontológica; penso na Corrida Espacial durante a Guerra Fria
que nos deu uma visão distinta dos Corpos Espaciais! O conhecimento do homem modificou-se
debaixo deste tipo de estímulo. Que também comportaram externalidades negativas. A equipa de
Amundsen morreu na corrida, o ritmo da paleontologia levanta sérias reservas epistemológicas e a
Guerra Fria ameaçou a Humanidade.
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Logo, como poderemos ser Sal nesta Terra de gananciosos ou Sol neste mundo de gentios? Porque
convém não esquecer que, sem falsas certezas, as nossas Academias, independentemente de nos
situarmos em Portugal, na França ou no Reino Unido, são Academias que premeiam o ceticismo e
que exacerbam a dúvida sobre as matérias da (nossa) Fé, sobre o sentido da (nossa) Esperança, e
sobre a razão do (nosso) Amor.
A nossa presença, nesta competição, deve ser como a da presença do Samaritano que não se
importou de ser manchado com a dor do estranho despojado no caminho. Não sabemos se esse
Samaritano chegou a horas ao final da sua viagem ou se foi o primeiro no destino final daquela
jornada; sabemos, sim, que foi o primeiro a fazer-se próximo do homem ferido. Ao contrário dos
outros dois (que se calhar chegaram a tempo para o que iam), aquele Samaritano atrasou-se, ficou a
tratar de feridas que não eram as suas, inclusive, gastou do que era dele com aquele que nada lhe
tinha pedido, que nada lhe tinha emprestado ou dado antes.
Aquele Samaritano trocou os seus interesses pela necessidade do Outro.
Também no Encontro Nacional tivemos ocasião de ouvir vários e várias colegas que nos revelaram
que pararam muitas vezes a produção académica em prol de projetos denominados de
Responsabilidade Social – o apoio a Associações, o desenvolvimento de Hospitais locais, o cuidado
de um familiar ou amigo. Aí, esses colegas foram como o Bom Samaritano.
Mas também, nas nossas Academias, abundam oportunidades de sermos Próximos: os nossos alunos,
muitas vezes experimentando o afastamento dos laços sociais tradicionais e muitas vezes
experimentando a angústia do Amanhã; os nossos funcionários, muitas vezes ignorados na sua
missão primeira, na sua pessoalidade, na sua história; os nossos colegas, muitas vezes ultrapassados
por nós e cada vez mais longe de nós. Também, muitas vezes, são todos eles que são os primeiros a
acorrer em prol de uma Academia mais humana e mais verdadeira!
Finalmente, não gostaria de concluir esta partilha de inquietude sem deixar “pistas” que já antes tinha
escrito na Brotéria. Na altura, o artigo intitulou-se “Os Pecados da Ciência” e considero-o, ainda
hoje, uma das peças mais intemporais que algum dia possa assinar. Em resumo, e transportando a
ideia das 7 virtudes capitais, julgo que o Académico Feliz, mesmo em competição (o que quer que
isso signifique…), é Aquele que:
- vive o Outro sem receio (ser Humilde é tocar quem está Próximo, independentemente de ser
hierarquicamente superior ou inferior);
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- tem tempo para o Outro (ao contrário de quando somos cientificamente avaros, fechados, sem
tempo para o Outro, para Deus e para a Natureza);
- saboreia a Ciência (ao contrário do Glutão que devora sem saborear nem agradecer);
- é Honesto ainda que seja Discreto (ao contrário do Sensacionalista e do Vaidoso);
- é Compreensivo (e que não destrói o trabalho do Outro ou o próprio Outro);
- se aceita como É, com a sua história, preferências de investigação e limitações de Formações (não
invejando o Outro);
- Faz Academia (levantando a sua Cruz, mesmo que tenha caído pela crítica alheia, nem sempre
justa, ou pela incompreensão, ou pela falta de brilho ou pelo pesar dos anos).
Em suma, as nossas Academias fazem uma seleção natural dos Académicos que podem e que
querem ter. Será uma enorme cruz sobretudo dos colegas mais velhos (a Cruz de decidir sobre
trabalho de pares) mas é uma cruz à qual não se pode fugir. É uma escolha e como qualquer escolha
comporta custos de oportunidade. Se as nossas Academias preferirem premiar os curricula só
focados na Investigação, esquecendo o mérito da Docência ou a Responsabilidade Social, terão os
frutos do que semearam.
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Prof. Dr. Paulo Mourão