ARS VETERINARIA, Jaboticabal, SP, Vol. 20, nº 3, 353-360, 2004. ISSN 0102-6380 CONCENTRAÇÃO DOS HORMÔNIOS ESTERÓIDES NO PLASMA SANGÜÍNEO FETAL E NOS LÍQUIDOS AMNIÓTICO E ALANTOIDEANO NO TERÇO INICIAL, MÉDIO E FINAL DA GESTAÇÃO DE VACAS (STEROID HORMONES CONCENTRATION IN FETAL PLASMA AMNIOTIC AND ALLANTOIC FLUIDS DURING EARLY, MIDTRIMESTER AND LATE PREGNANCY IN COWS) (CONCENTRACIÓN DE LAS HORMONAS ESTEROIDES EN EL PLASMA SANGUÍNEO FETAL Y EN LOS LÍQUIDOS AMNIÓTICO Y ALANTOIDEO EN LOS TERCIOS INICIAL, MEDIO Y FINAL DE LA GESTACIÓN DE VACAS) M. MAIA1,3, E. OBA2, C. E. dos S. FERNANDES3, G. M. GOMES3, M. M. GIOSO3, E. S. e SARTORELLI3, N. C. PRESTES2 RESUMO As concentrações de testosterona, androstenediona, progesterona e cortisol nos fluidos amniótico, alantoideano e no plasma sangüíneo fetal de bovinos foram analisadas em 45 vacas prenhes, nos terço inicial, médio e final da gestação. Foram coletados úteros de vacas Nelore prenhes, imediatamente após o abate e transportados para o laboratório onde foram dissecados para a exposição das membranas fetais. As amostras de líquido alantoideano e amniótico foram puncionadas dos respectivos compartimentos em seringas de 20mL estéreis. Em seguida, as amostras foram centrifugadas por 10min a 2500g e o sobrenadante estocado a -20oC até a dosagem dos esteróides. Os hormônios esteróides foram dosados por meio de “kits” de radioimunoensaio (Diagnostic Products Corp.). A idade dos fetos foi estimada com base na medida do comprimento craniocaudal e o sexo foi determinado com base na genitália externa. Dentre os esteróides dosados, somente a testosterona no plasma sangüíneo fetal mostrou variação significativa entre os sexos no terço inicial da gestação refletindo a produção gonadal e a necessidade de níveis circulantes elevados durante o período de diferenciação sexual. PALAVRAS-CHAVE: Líquido amniótico. Líquido alantoideano. Esteróides. Gestação. Bovino. ABSTRACT The concentration of testosterone, androstenedione, progesterone and cortisol were measured in the amniotic and allantoic fluid, and fetal plasma in different stages of bovine pregnancy. Uteri were collected from pregnant Nelore cows, immediately after slaughter and transported to the laboratory where they were dissected to expose the fetal membranes. Allantoic and amniotic fluids samples were individually collected in 20ml sterile syringes. The samples were centrifuged for 10 minutes at 2500g and the supernatant fluid was removed and stored at -20oC for steroid assay. All steroids were measured by radioimmunoassay kits (Diagnostic Products Corp.). The age of the fetuses was estimated from the measurement of the crown-rump length and the sex of each fetus was recorded based on the appearance of external genitalia. Among the 1 Pesquisadora, Embrapa Semi-árido, [email protected], autor para correspondência Méd. Vet. Depto. Reprodução Animal e Radiologia Veterinária - Unesp - Campus de Botucatu 3 Pós-graduando - Unesp - Campus de Botucatu. 2 353 M. MAIA, E. OBA, C. E. dos S. FERNANDES, G. M. GOMES, M. M. GIOSO, E. S. e SARTORELLI, N. C. PRESTES Concentração dos hormônios esteróides no plasma sangüíneo fetal e nos líquidos amniótico e alantoideano no terço inicial, médio e final da gestação de vacas./ Steroid hormones concentration in fetal plasma amniotic and allantoic fluids during early, midtrimester and late pregnancy in cows. / Concentración de las hormonas esteroides en el plasma sanguíneo fetal y en los líquidos amniótico y alantoideo en los tercios inicial, medio y final de la gestación de vacas. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 20, nº 3, 353-360, 2004. steroids measured, only testosterone levels in fetal plasma showed a significant variation associated with fetal Sex in the early pregnancy, reflecting the gonadal production and the need for the male fetus to maintain elevated systemic testosterone levels during the period of sexual differentiation. KEY-WORDS: Amniotic fluid. Allantoic fluid. Steroids. Gestation. Cattle. RESUMEN Las concentraciones de testosterona, androstenediona, progesterona y cortisol en los fluidos amniótico y alantoideo y en el plasma sanguíneo fetal de bovinos fueron analizadas en 45 vacas, en los tercios inicial, medio y final de la gestación. Fueron recolectados úteros de vacas Nellore gestantes, inmediatamente después del abate y fueron transportados para el laboratorio donde fueron disecados para la exposición de las membranas fetales. Las muestras de líquido alantoideo y amniótico fueron obtenidas por punción de los respectivos compartimientos, con jeringas de 20 ml estériles. En seguida, las muestras fueron centrifugadas por 10 minutos a 2.500 g y el sobrenadante estocado a -20ºC hasta el dosaje de los esteroides. La edad de los fetos fue estimada con base en la medida de la largura craniocaudal y el sexo fue determinado con base en los genitales externos. Entre los esteroides dosados solamente la testosterona en el plasma sanguíneo fetal mostró variación significativa entre los sexos en el tercio inicial de la gestación, reflejando la producción gonadal y la necesidad niveles circulantes elevados durante el período de diferenciación sexual. PALABRAS CLAVE: Líquido amniótico. Líquido alantoideo. Esteroides. Gestación. Bovino. INTRODUÇÃO Estudos relacionados a líquidos fetais são realizados nas diferentes espécies de animais domésticos com a finalidade de estudar a fisiologia da gestação, acompanhar a viabilidade fetal, bem como para se determinar o sexo do feto e aberrações cromossômicas. Informações sobre a esteroidogênese fetal gonadal e as concentrações de hormônios esteróides nos líquidos fetais na espécie bovina e em outras espécies têm sido relatados na literatura com pouca freqüência (DOMINGUES et al., 1990). Alguns estudos têm sugerido que a diferença na concentração de esteróides nos fluídos fetais pode ser usada para diagnosticar o sexo fetal através da amniocentese (BONGSO et al., 1976). Nesse sentido, essa técnica poderia ser uma forma de determinação do sexo pré-natal de uso prático na pecuária bovina. DAWOOD & SAXENA (1977) observaram que os níveis de testosterona encontrados no líquido amniótico e no plasma sangüíneo de fetos humanos são mais altos nos machos do que nas fêmeas ocorrendo uma elevação com o decorrer da gestação. Em bovinos, DOMINGUEZ et al., (1990) também observaram níveis mais altos de testosterona no fluido amniótico e alantoideano de fetos machos que no de fetos fêmeas, durante toda a gestação, A concentração intra-uterina de progesterona e seus metabólitos aumentam drasticamente ao longo da gestação tendo início por volta da oitava semana devido à produção placentária (ATKINSON et al., 1996). Os níveis de cortisol encontrados no plasma sangüíneo fetal elevam-se gradativamente, em fetos bovinos no decorrer da gestação, porém, ao se aproximar da parição, esta concentração eleva-se muito (THORBURN & CHALLIS, 1979). Com o objetivo de conhecer a concentração de alguns hormônios que agem durante o desenvolvimento do embrião e feto bovino, foram dosadas os níveis de progesterona, androstenediona, testosterona e cortisol nos líquidos amniótico, alantoideano e no plasma sangüíneo do feto, nos terços inicial, médio e final da gestação. Além disso, pesquisou-se também a possibilidade de diferenças nas concentrações hormonais entre machos e fêmeas para possível diagnóstico pré-natal do sexo fetal. MATERIALE MÉTODOS Foram coletados imediatamente após o abate, 45 úteros de vacas mestiças Nelore prenhes, no abatedouro Frigol localizado no Município de Lençóis Paulista – SP e em seguida (20 min.) transportados, em caixas isotérmicas, para o Laboratório de Endocrinologia da Faculdade de Medicina Veterinária FMVZ – Unesp, Botucatu-SP. No laboratório, coletaram-se amostras do líquido amniótico e alantoideano em seringas estéreis de 20mL e sangue do 354 M. MAIA, E. OBA, C. E. dos S. FERNANDES, G. M. GOMES, M. M. GIOSO, E. S. e SARTORELLI, N. C. PRESTES Concentração dos hormônios esteróides no plasma sangüíneo fetal e nos líquidos amniótico e alantoideano no terço inicial, médio e final da gestação de vacas./ Steroid hormones concentration in fetal plasma amniotic and allantoic fluids during early, midtrimester and late pregnancy in cows. / Concentración de las hormonas esteroides en el plasma sanguíneo fetal y en los líquidos amniótico y alantoideo en los tercios inicial, medio y final de la gestación de vacas. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 20, nº 3, 353-360, 2004. cordão umbilical em tubos heparinizados. Os fluidos fetais e sangue foram centrifugados a 2500g durante 10 minutos e o sobrenadante e plasma sangüíneo estocados a –20oC até a realização dos ensaios hormonais. O estágio de desenvolvimento fetal foi estimado pela medida do comprimento craniocaudal, segundo REXROAD et al. (1974) e a idade dos fetos classificada em: terço inicial da gestação (< 90 dias); terço médio (91 a 180 dias) e terço final (181 a 282 dias). O sexo de cada feto foi determinado com base na genitália externa ou na distância ano-genital. A concentração de progesterona (P 4 ), androstenediona (A), testosterona (T) e cortisol (C) nos líquidos amniótico e alantoideano e no plasma sangüíneo fetal, foi determinada por meio de radioimunoensaio – RIA, utilizando-se “kits” comerciais em fase sólida (Diagnostics Products Corporation da Medlab). Todas as amostras foram analisadas em um único ensaio e a leitura foi feita em um contador gama Count Cobra II. Para a análise estatística dos dados, os fetos foram divididos por idade e sexo em seis grupos, em um delineamento experimental inteiramente ao acaso. Grupo A1 -machos no terço inicial da gestação (n= 5), grupo A2 -fêmeas no terço inicial da gestação (n= 4), grupo B1 machos no terço médio da gestação (n= 12), grupo B2 fêmeas no terço médio da gestação (n= 9), grupo C1 machos no terço final da gestação (n= 9) e grupo C2 fêmeas no terço final da gestação (n= 7). Os dados obtidos para os diferentes hormônios foram transformados em Log x, sendo que os valores 0,00 foram considerados Log x + 1. Pela análise de variância, estimaram-se os efeitos principais e interações entre a idade gestacional (terço), sexo e o local de obtenção, para cada hormônio. A comparação de médias foi realizada pelo teste de Duncan a p<0,05, segundo RIBEIRO JÚNIOR (2001). Todas as análises foram realizadas utilizando-se o programa estatístico SAEG (Sistema para Análises Estatísticas – UFV). RESULTADOS O comprimento médio dos fetos no terço inicial da gestação foi de 6,9 ± 0,47cm; no terço médio 27,8± 0,14cm e no terço final 59,5 ±0,22cm. As concentrações de testosterona, androstenediona, progesterona e cortisol foram estimadas em 45 amostras dos fluidos amniótico e alantoideano e em 33 amostras de plasma sangüíneo fetal. Fluido Amniótico: as concentrações médias de testosterona (T) no fluido amniótico dos fetos machos 355 variaram de 22,7 a 51,8 ng/dL, enquanto que nas fêmeas variaram de 12,0 a 33,0 ng/dL (Tabela 1). Embora não tenha havido diferenças significativas (p>0,05) nas concentrações de T entre machos e fêmeas, em todos os períodos estudados os fetos machos apresentaram valores numericamente maiores que as fêmeas. A concentração média de T no fluido amniótico não diferiu daquela observada no fluido alantoideano (Tabela 2) Os níveis de androstenediona estão representados na Tabela 3. Não houve diferença estatística significativa entre sexos e entre períodos gestacionais. No entanto, durante o transcorrer da gestação, as fêmeas mostraram uma tendência em apresentar concentrações mais altas que os machos. Nos machos as concentrações variaram de 0,4 a 2,2ng/mL e nas fêmeas de 1,7 a 2,8 n/mL. Sendo que em ambos os sexos, os maiores valores foram observados no terço médio da gestação. A concentração de progesterona (P4) no fluido amniótico foi mais alta no terço inicial da gestação para os fetos de ambos os sexos. Porem, não houve diferença estatística significativa entre sexos em todos os períodos avaliados. No entanto, os níveis de P4 no fluido amniótico foram superiores aos observados no fluido alantoideano ou plasma sangüíneo fetal, em todos os períodos gestacionais. Nos machos, a concentração de P4 variou de 3,6 a 1,3 ng/mL e nas fêmeas de 4,6 a 1,5 ng/mL (Tabela 4). A concentração média de cortisol no fluído amniótico também não apresentou diferença estatística significativa entre os sexos durante os períodos de gestação avaliados (Tabela 5). Nos fetos machos, os níveis variaram de 1,7 a 0,7 μg/mL, enquanto que nas fêmeas foi de 0,4 a 0,9 μg/mL. Fluido alantoideano: as concentrações de testosterona (T) no fluido alantoideano são mostradas na tabela 1. Não houve diferenças estatísticas nos níveis entre sexo ou estágio gestacional. No entanto, nos fetos machos, observou-se um declínio nas concentrações com o avanço da gestação. Nestes, a concentração de T variou de 18,0 a 13,4 ng/dL, enquanto que nas fêmeas, foi de 12,7 a 17,5 ng/dL. A concentração de androstenediona no fluido alantoideano não apresentou diferença estatística significativa entre os sexos no decorrer da gestação (Tabela 3). Nos machos, a concentração variou de 0,3 a 3,5 ng/mL, enquanto nas fêmeas, foi de 0,9 a 2,9 ng/mL. Os níveis de P4 no fluido alantoideano variaram de 1,7 a 1,2 ng/mL nos fetos machos e de 1,1 a 1,6 ng/mL nas fêmeas, não havendo diferença estatística significativa (p > 0,05) entre eles (Tabela 4). Os níveis de cortisol no fluido alantoideano M. MAIA, E. OBA, C. E. DOS S. FERNANDES, G. M. GOMES, M. M. GIOSO, E. S. E SARTORELLI, N. C. PRESTES Concentração dos hormônios esteróides no plasma sangüíneo fetal e nos liquidos amniótico e alantoideano no terço inicial, médio e final da gestação de vacas./ Steroids hormones concentration in fetal plasma and amniotic and allantoic fluids during early, midtrimester and late pregnancy in bovine. / Concentración de las hormonas esteroides en el plasma sanguíneo fetal y en los líquidos amniótico y alantoideo en los tercios inicial, medio y final de la gestación de vacas. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 20, nº 3, 353-360, 2004. apresentaram-se de maneira semelhante ao do amniótico, não havendo diferença significativa entre os sexos no decorrer da gestação (Tabela 5). Plasma Sangüíneo Fetal : no terço inicial da gestação, os fetos machos mostraram uma concentração de T significativamente (p<0,05) maior que a dos fetos fêmeas. A concentração observada no macho foi de 240 ng/dL enquanto que na fêmea foi de 75,0 ± 4,17 ng/dL (Tabela 1). Nos demais períodos avaliados, não houve diferença estatística entre os sexos na concentração de T, embora os machos apresentem níveis mais altos que as fêmeas (Tabela 1). Considerando-se os dados de todos os períodos gestacionais avaliados, a concentração de testosterona no plasma sangüíneo fetal foi maior nos machos (p<0,05) que nas fêmeas. Nos machos a concentração média de T durante a gestação foi de 136,4 ± 0,08 ng/dL e nas fêmeas 44,4 ± 0,08 ng/dL (Tabela 2). A concentração de androstenediona no plasma sangüíneo fetal não diferiu estatisticamente entre os sexos através da gestação e os valores médios obtidos foram ligeiramente inferiores àqueles observados nos fluidos fetais (Tabela 3). Não houve diferença estatística (p>0,05) significativa na concentração de progesterona no plasma sangüíneo de fetos machos e fêmeas. Nos machos, as concentrações oscilaram de 1,6 a 0,8 ng/mL e nas fêmeas de 0,7 a 1,3ng/mL (Tabela 4). Os níveis de cortisol no plasma sangüíneo fetal, também não diferiram estatisticamente entre machos e fêmeas durante os períodos gestacionais estudados (Tabela 5). DISCUSSÃO Testosterona: as concentrações de testosterona nos fluidos amniótico e alantoideano observadas no presente estudo foram inferiores aquelas encontradas por BONGSO et al. (1976) e por DOMINGUEZ et al. (1990), possivelmente, isso se deve à especificidade do ensaio utilizado nesse estudo e ao pequeno número de amostras Tabela 1 - Concentração média (x ± ep) de testosterona (ng/dL) nos líquidos amniótico e alantoideano e no plasma sangüíneo de fetos bovinos de acordo com a idade gestacional Letras distintas entre colunas representam diferença (p<0,05); Tabela 2 - Concentração média de testosterona (ng/dL) no líquido amniótico e alantoideano e no plasma sangüíneo de fetos bovinos no decorrer da gestação Letras distintas entre colunas representam diferença (p<0,05); * representa diferença (p<0,05) entre linhas. 356 M. MAIA, E. OBA, C. E. DOS S. FERNANDES, G. M. GOMES, M. M. GIOSO, E. S. E SARTORELLI, N. C. PRESTES Concentração dos hormônios esteróides no plasma sangüíneo fetal e nos liquidos amniótico e alantoideano no terço inicial, médio e final da gestação de vacas./ Steroids hormones concentration in fetal plasma and amniotic and allantoic fluids during early, midtrimester and late pregnancy in bovine. / Concentración de las hormonas esteroides en el plasma sanguíneo fetal y en los líquidos amniótico y alantoideo en los tercios inicial, medio y final de la gestación de vacas. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 20, nº 3, 353-360, 2004. Tabela 3 - Concentração média (x ± ep) de androstenediona (ng/mL) nos líquidos amniótico e alantoideano e no plasma sangüíneo de fetos bovinos de acordo com a idade gestacional Tabela 4 - Concentração média (x ± ep) de progesterona (ng/mL) nos líquidos amniótico e alantoideano e no plasma sangüíneo de fetos bovinos de acordo com a idade gestacional Tabela 5 - Concentração média (x ± ep) de Cortisol (μg/mL) nos líquidos amniótico e alantoideano e no plasma sangüíneo de fetos bovinos de acordo com a idade gestacional 357 M. MAIA, E. OBA, C. E. DOS S. FERNANDES, G. M. GOMES, M. M. GIOSO, E. S. E SARTORELLI, N. C. PRESTES Concentração dos hormônios esteróides no plasma sangüíneo fetal e nos liquidos amniótico e alantoideano no terço inicial, médio e final da gestação de vacas./ Steroids hormones concentration in fetal plasma and amniotic and allantoic fluids during early, midtrimester and late pregnancy in bovine. / Concentración de las hormonas esteroides en el plasma sanguíneo fetal y en los líquidos amniótico y alantoideo en los tercios inicial, medio y final de la gestación de vacas. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 20, nº 3, 353-360, 2004. analisadas em cada estágio gestacional. O nível de testosterona no fluido amniótico não mostrou qualquer diferença entre machos e fêmeas nos estágios gestacionais examinados, o que está de acordo com os achados de BONGSO et al., (1976) em bovinos e POMERANTZ & NALBANDOV (1975) em ovinos. Já DOMINGUEZ et al. (1990) observaram que, em todas as idades, os fetos bovinos machos mostraram maiores concentrações de T no fluido amniótico que os fetos fêmeas. Em fetos humanos, durante a primeira metade da gestação a concentração de T no fluido amniótico, foi significativamente, maior para os do sexo masculino (DAWOOD & SAXENA, 1977; KUNZIG et al., 1977; ZONDEK et al., 1977; RODECK et al., 1985) ou durante toda a gestação (NAGAMANI et al., 1979). No presente estudo, embora não tenha havido diferença estatística entre sexos, as concentrações de T observadas na presença de feto macho foram maiores que nas fêmeas durante todo o período avaliado. DOMINGUEZ et al. (1990) verificaram uma alta correlação entre a quantidade de testosterona secretada pelo testículo fetal com a concentração do referido hormônio no fluido amniótico, sugerindo uma íntima relação entre o feto e o fluido amniótico imediatamente ao seu redor. Segundo WINTOUR et al. (1986) o fluido amniótico é produzido por difusão e secreção de fluidos pelo feto e membranas fetais, incluindo secreções renais, pulmonares e oral. Assim, como a testosterona no fluido amniótico é principalmente de origem fetal, é de esperar que na presença do feto macho, haja maior concentração de T no fluido amniótico. A concentração de testosterona no fluido alantoideano não diferiu estatisticamente entre machos e fêmeas, o que está em desacordo com os achados de BONGSO et al., (1976) e de DOMINGUEZ et al., (1990), essa diferença pode ser devido à especificidade do ensaio utilizado ou ao pequeno número de amostras analisadas. No terço inicial da gestação, a concentração de T no plasma sanguíneo do cordão umbilical foi maior nos fetos machos que nas fêmeas, o que, segundo DOMINGUEZ, et al., (1990) está relacionado com a necessidade do feto macho de manter elevado o nível sistêmico de testosterona durante o período de diferenciação sexual. Resultados semelhantes foram observados por DAWOOD & SAXENA (1977) em humanos e GOXE et al., (1993) em suínos. No suíno, GOXE et al., (1993) informam que o pico de produção de testosterona ocorre até os 35 dias de idade e no feto humano, DAWOOD & SAXENA (1977), observaram que o testículo fetal é capaz de sintetizar T a partir de 7 a 9cm de comprimento (crown-rump). Assim, espera-se que o feto macho tenha mais T no sangue do cordão que as fêmeas. Embora a concentração média de T no plasma sanguíneo fetal tenha sido significativamente maior nos machos que nas fêmeas a mesma diferença não foi observada nas concentrações medidas nos fluidos fetais. Os níveis mais baixos de T nos fluidos fetais indicam que uma pequena quantidade de T é excretada pelos rins do feto (DAWOOD & SAXENA, 1977; TARRAF & KNIGHT, 1995) ou que a T é rapidamente metabolizada para estrógenos (TARRAF & KNIGHT, 1995). Segundo DOMINGUEZ et al., (1990) a testosterona é o único esteróide de origem gonadal do feto macho que afeta os níveis correspondentes nos fluídos fetais. Androstenediona : os níveis de androstenediona nos fluidos fetais e no sangue do cordão umbilical do feto foram baixos e não diferiram significativamente entre sexos no decorrer da gestação. No entanto, os valores médios obtidos no plasma sanguíneo, no terço médio e final da gestação, foram ligeiramente inferiores àqueles observados nos fluidos fetais na mesma ocasião, sendo que no fluido amniótico dos fetos machos a concentração de A aumentou a partir do terço médio da gestação (tabela 3). No fluido amniótico e alantoideano de fetos bovinos, DOMINGUEZ et al., (1990) também, não verificaram diferença significativa na concentração de A entre sexos nos diferentes estágios de gestação. A concentração de A nos fluidos fetais aumentou significativamente, com a idade do feto sugerindo uma relação com a redução do volume dos líquidos amniótico e alantoideano nos fetos com mais de 100 dias ou uma menor habilidade da placenta em converter este esteróide em estrógeno. Em fetos humanos, ATKINSON et al., (1996) observaram que as concentrações de esteróides, entre eles a androstenediona, no fluido amniótico foram menores do que as observadas no soro sangüíneo materno e argumentaram que isso se deve a difusão limitada de esteróides através do âmnio, o que pode constituir em um mecanismo para proteger o embrião da exposição indesejada a esteróides biologicamente ativos. Progesterona: nesse estudo não houve efeito do sexo do feto ou do período de gestação, nos níveis de P4 nos fluidos fetais ou no plasma sangüíneo fetal. Observações similares, referentes à concentração de P4 nos fluidos fetais foi relatada por ELEY et al., (1977) em bovinos, TARRAF & KNIGHT (1995) em suínos e por NAGAMANI et al., (1979) no fluido amniótico de fetos humanos. CHALLIS et al., (1981) também não observaram mudanças significativas na concentração de P4 no plasma fetal de ovinos nos últimos trinta dias de gestação. Entretanto, no terço inicial da gestação, no presente estudo, a concentração de P4 no fluido amniótico dos fetos 358 M. MAIA, E. OBA, C. E. DOS S. FERNANDES, G. M. GOMES, M. M. GIOSO, E. S. E SARTORELLI, N. C. PRESTES Concentração dos hormônios esteróides no plasma sangüíneo fetal e nos liquidos amniótico e alantoideano no terço inicial, médio e final da gestação de vacas./ Steroids hormones concentration in fetal plasma and amniotic and allantoic fluids during early, midtrimester and late pregnancy in bovine. / Concentración de las hormonas esteroides en el plasma sanguíneo fetal y en los líquidos amniótico y alantoideo en los tercios inicial, medio y final de la gestación de vacas. Ars Veterinaria, Jaboticabal, SP, Vol. 20, nº 3, 353-360, 2004. de ambos os sexos foi mais alta que nos demais fluídos no mesmo período, ou nos períodos gestacionais mais adiantados. Isso nos leva a especular que além da produção de progesterona pela placenta a principal fonte desse hormônio no inicio da gestação é de origem materna e que o mesmo chega ao líquido amniótico por difusão passiva através da circulação materno fetal. CHALLIS et al., (1981) também encontraram níveis de P 4 significativamente, mais baixos no fluido amniótico no final da gestação (21 a 30 dias antes do parto) e sugeriram que isso pode resultar de uma diminuição no volume do fluido amniótico ou da produção de esteróides pelas membranas fetais no final da gestação. Nesse sentido, HOEDEMAKER et al., (1989) detectaram uma baixa concentração de P4 no placentoma de vacas no dia 255 de gestação e relataram que isso sugere um metabolismo aumentado de P4 não estando claro se esse metabolismo representa conversão de P4 em outros metabólitos ativos ou inativos ou uma alteração da produção de P4 placentária pela síntese de esteróides. Cortisol: o cortisol é o glicocorticóide mais importante fisiologicamente presente no fluido amniótico e está relacionado com a maturação pulmonar do feto humano (SIPPELL et al., 1981) e de animais (GIANNOPOULOS, 1974 apud TANSWELL et al., 1977). No presente estudo, os níveis de cortisol nos fluidos fetais e no plasma sangüíneo fetal não apresentaram diferença estatística significativa entre sexos ou entre os períodos gestacionais avaliados. Estes dados divergem das observações de SIPPELL et al., (1981) em fetos humanos nas quais, os níveis de cortisol no fluido amniótico foram baixos no inicio da gestação (14-16sem), entretanto, houve um aumento contínuo e substancial atingindo um pico de 10 vezes maior (60,8 ± 8,9ng/mL) as 36-38 semanas. Em ovinos, CHALLIS et al., (1981) observaram um aumento significativo nas concentrações médias de cortisol no plasma fetal e no fluido amniótico de fetos ovinos nos últimos 20 dias de gestação e uma correlação significativa entre a concentração média de cortisol nesses dois fluidos. Dois dias antes do parto, a concentração média de cortisol foi maior no fluido alantoideano que no amniótico o que pode ser atribuído à passagem de cortisol do feto, da mãe ou produzido pelas membranas fetais, diretamente dentro do fluido alantoideano. Os resultados contraditórios aqui observados podem ser decorrentes da especificidade do ensaio ou do pequeno número de observações realizadas. ARTIGO RECEBIDO: Maio/2004 APROVADO: Setembro/2004 359 REFERÊNCIAS ATKINSON, G., CAMPBELL, D.J., CAWOOD, M.L., OAKEY, R.E. Steroid in human intrauterine fluids of early pregnancy. Clinical Endocrinology, v. 44, p. 435-40, 1996. BONGSO, T.A., BASRUR, P.K., YOUNGLAI, E.V. Prediction of fetal sex in cattle by testosterone levels in allantoic fluid. Journal of Reproduction and Fertility, v.46, n.2, p.441-442. 1976. CHALLIS, J.R.G., PATRICK, J.E., CROSS, J., WORKEWYCH, J., MANCHESTER, E., POWER, S. 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