Neves, Lúcia Maria Wanderley (ed.) (2004) Reforma Universitária do
Governo Lula: Reflexões para o Debate. São Paulo: Xamã.
160 pp.
ISBN 85 7587 030 0
Resenhado por
Tristan McCowan
University College Northampton
(Tradução da resenha de Adriana de Souza.)
10 de Maio, 2005
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Reforma universitária do governo Lula: reflexões para o debate (2004) tem uma tarefa
dupla. Como em muitos livros do mesmo tipo, ele tem o objetivo de apresentar uma
compreensão da situação atual, os processos históricos geradores dessa situação e as
implicações para o futuro. Assim como contribui com o debate – tanto para o mundo
acadêmico, quanto para o mundo em geral – sobre como interpretar as políticas
neoliberais atuais, se uma marcha lenta e, às vezes dolorosa (mas, bem-sucedida
ultimamente) em direção à opulência e bem estar universal, ou como um reinado
contraditório e desastroso de desumanização e opressão. Porém, seus objetivos vão além
de trazer uma mudança na interpretação da sociedade. O artigo também objetiva
influenciar um processo político específico – a reforma universitária, atualmente sendo
planejado e implementado pelo novo governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva.
O processo de reforma universitária - que começou oficialmente em 2003, mas
cujas raízes vêm de muito antes - devia envolver um longo e extenso debate entre todas
as partes interessadas, embora parece que os elementos de discussão e participação serão
mais retóricos do que reais. Enquanto há uma divergência significante de opinião sobre a
natureza exata da mudança desejada, a maioria concorda que é necessária alguma reforma
do sistema. O ensino superior no Brasil está em um estado lamentável, oferecendo vagas
para menos do que 10% da faixa etária, e há sérios problemas de qualidade,
particularmente no setor privado. Existem algumas instituições de primeira classe entre
as universidades estaduais e federais, mas estas estão se deteriorando rapidamente por
conta de um corte de 25% nas verbas anuais e 70% em infra-estrutura entre 1995 e 2002.
As principais áreas que a reforma pretende atingir são as verbas financeiras das
universidades federais, sua autonomia e a expansão do sistema como um todo. Cada um
desses problemas é um campo de batalha entre os privatizadores e os defensores da
educação pública, e entre os partidários da universidade tradicional de pesquisa e aqueles
que vêem a contribuição para o crescimento do PIB e treinamentos profissionalizantes
como as únicas justificativas para o gasto público.
Tudo isso está ocorrendo na esteira do resultado de uma eleição que, para aqueles
que desejam o fim do consenso neoliberal, era o evento mais promissor do novo milênio.
A euforia em torno da eleição do Lula em dezembro de 2002, entretanto, acabou
resultando em uma (talvez inevitável) decepção, as políticas do governo Fernando
Reforma Universitária do Governo Lula
Henrique Cardoso sendo continuadas com apenas pequenas modificações. Este
continuísmo é um dos dois principais temas do livro, como afirmado na apresentação da
organizadora:
Reforma Universitária do Governo Lula: reflexões para o debate tem um
posicionamento claro: a defesa da universidade pública e gratuita. A obra
pretende oferecer ao leitor alguns nexos entre temas apresentados pelos
governantes e pela mídia como aparentemente independentes. Ao mesmo
tempo, propõe-se a demonstrar que a reforma universitária brasileira já está em
curso desde os governos Collor e FHC, e que este momento atual se constitui
em um passo decisivo para sua implantação definitiva. (p.5)
O livro representa o trabalho do Coletivo de Estudos de Política Educacional, um
grupo de pesquisa baseado na Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro,
dirigido por Lúcia Maria Wanderley Neves. Em 2002, o grupo produziu uma coleção
pioneira de estudos com foco na comercialização do Ensino Superior no Brasil, por meio
da expansão das novas instituições privadas empresariais. O presente livro, entretanto,
trata-se principalmente da privatização das instituições públicas. Ele tem seis partes, com
cinco capítulos temáticos e uma entrevista com o presidente do Sindicato Nacional dos
Docentes das Instituições de Ensino Superior, ANDES-SN.
O livro começa com um prefácio escrito pelo presidente anterior do ANDES-SN,
e atual professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher. Ele capta o
sentimento geral de decepção:
Como é possível um governo eleito com o apoio de mais de 50 milhões de
cidadãos, em sua maioria frustrados com a experiência neoliberal de Cardoso,
manter e aprofundar a agenda macroeconômica nos mesmos termos e ainda
radicalizar na opção preferencial pela esfera privada no trato das questões
sociais? (p.13)
O prefácio traça a emergência do neoliberalismo das cinzas do estado de bem-estar
pós-guerra, e o fortalecimento da noção do pensamento único. Um elemento desta ideologia
é o enfraquecimento da esfera pública, uma “diluição da fronteira entre o público e o
privado” (p.19), levando a uma perda de direitos básicos, com maior concentração de
riquezas e diminuição do controle democrático. As duas armas do neoliberalismo, na
visão de Leher, são “a condição capitalista dependente” e “a heteronomia cultural vis-à-vis
aos países centrais” (p.13), resultados de processos não somente nacionais, mas globais,
de exploração e dominação.
Leher também oferece evidência estatística da crise da economia brasileira e da
pobreza global que resultou da implementação das políticas neoliberais. Em relação à
resistência ao projeto do pensamento único, a fé do escritor basea-se na união de forças,
incluindo os sindicatos dos professores, uniões de estudantes e movimentos sociais como
o Fórum Nacional pela Defesa da Educação Pública, que se destacou nos anos 90 com
seus Congressos de Educação Nacional, unindo grandes porções da sociedade em prol
da defesa dos direitos básicos educacionais. O prefácio apresenta a estrutura teórica
aderida do princípio ao fim do livro, oferecendo uma base coerente para a análise da
política do ensino superior, enquanto, ao mesmo tempo, estabelecendo uma ortodoxia
alternativa que, para alguns, pode limitar o apelo e o alcance do trabalho.
O primeiro capítulo, de Kátia Regina de Souza Lima, tem em seu tema principal o
conceito de “público não-estatal”. Este é uma forma da diluição da fronteira públicoprivado levantada por Leher. Ela cita o Ministro da Educação anterior, Cristovam
Buarque:
Ou seja, esta universidade sustentável, pública, mas não necessariamente estatal
deveria “estar aberta a possibilidade de receber recursos de setores privados
que desejem investir em instituições, sejam elas privadas ou estatais; e tanto as
2
http://edrev.asu.edu/reviews/revp34.htm
3
instituições privadas quanto as públicas devem estar estruturadas de modo a
servir aos interesses públicos, sem torná-las prisioneiras dos interesses
corporativos dos alunos, dos professores ou dos funcionários.” (p. 34)
Lima situa esta mudança para o “público não-estatal” dentro do
desenvolvimento da política Terceira Via (Third Way), defendida por Tony Blair e
idealizada por Anthony Giddens. Com o fim da luta de classes, a nova centroesquerda tem o objetivo de criar um pacto social envolvendo todos, que reconheça
que o sistema capitalista não pode, e não deve, ser derrubado, e sim amenizado e
‘humanizado’. O Partido dos Trabalhadores (PT) sob a direção de Lula, nesta
perspectiva, mudou de uma política de classes e de defesa dos direitos universais para
uma aceitação do sistema capitalista global e as ordens de sua polícia, o Banco
Mundial, o FMI e a OMC. Os esforços do governo estão agora concentrados na
regulamentação de vários fornecedores de serviços não-estatais, dando suporte
direcionado aos mais necessitados. Este diagnóstico é apoiado pelo alarmante fato de
que longe de trazer um gasto social de volta a um nível aceitável após os retrocessos
dos anos de FHC, os orçamentos com saúde e educação foram reduzidos no
governo Lula em 2003.
Lima analisa um documento central da reforma universitária, Bases para o
enfrentamento da crise emergencial das universidades federais e roteiro para a reforma universitária
(Brasil, 2003). Quando este documento foi escrito, Cristovam Buarque ainda era Ministro
da Educação, mas foi substituído em janeiro do ano seguinte por Tarso Genro,
anteriormente prefeito de Porto Alegre. Tarso foi nomeado especificamente para realizar
a reforma universitária, e foi escolhido para o trabalho justamente por não fazer parte da
comunidade universitária. Entretanto, como é mostrado por Lima, a mudança de
Ministro não teve um efeito dramático no resultado da reforma, uma vez que tem
respondido mais às demandas dos elementos “centrais” do governo – em particular o
Ministério da Fazenda – do que qualquer necessidade educacional. O documento
reconhece a crise nas universidades federais, o desejo pela autonomia institucional e a
necessidade de um aumento rápido de vagas no setor público, cujo objetivo de 1,2
milhão de vagas (dobrando a capacidade atual) é proposta para 2007. Em vez de
aumentar os investimentos em infra-estrutura e financiamentos básicos, o documento
propõe aumentos no tamanho das turmas, a proporção do tempo de aula dos docentes e
educação à distância, os quais (enquanto em uma forma moderada e em certas
circunstâncias podem ter um efeito positivo na eficiência) na maneira apresentada aqui
teriam sérias implicações para a qualidade do ensino e da pesquisa.
Um outro aspecto da reforma é aquisição de vagas universitárias no setor privado,
para ser alocada pelo Estado, gratuitamente, para estudantes de baixa renda. Desde de a
publicação do livro, o programa Universidade para Todos (PROUNI) entrou em vigor,
permitindo a isenção de taxas em universidades privadas, em troca de vagas gratuitas. O
esquema tem a vantagem de ser barato (as universidades pagam poucos impostos de
qualquer maneira), mas no geral é um desenvolvimento preocupante, levando à
continuação da expansão explosiva do setor privado com somente uma democratização
insignificante do acesso. A transferência de recursos públicos para o setor privado é mais
preocupante num país como Brasil do que, por exemplo, nos Estados Unidos, uma vez
que no Brasil a maioria das instituições privadas é altamente comercial, com qualidade de
ensino duvidosa e compromisso público irresoluto.
O segundo capítulo, escrito por Angela Carvalho de Siqueira, amplia o foco ao
nível global, avaliando a influência das organizações supranacionais. Ela traça o
crescimento do interesse do Banco Mundial em educação desde os anos 80 e seu
antagonismo crescente ao ensino superior público, visto como fonte de ineficiência e um
desperdício na coleta pública que subvenciona os ricos. Acrescentando a pressão para a
Reforma Universitária do Governo Lula
privatização do ensino superior está a OMC, cujo GATS proposto minaria as habilidades
dos países de proteger seus sistemas públicos de ensino superior e permitiriam
fornecedores poderosos dos EUA e da Europa de entrarem nos mercados novos e
lucrativos.
Siqueira faz referência a um grande mito do ensino superior brasileiro, que faz das
instituições privadas uma fonte de grandes oportunidades para os grupos
socioeconômicos mais baixos. O elitismo do setor público é inegável, embora os dados
mostrem claramente que longe de abrigar os excluídos, as instituições privadas têm
proporções mais altas de ricos e mais baixas de pobres que as públicas (IBGE 2001). Um
outro mito explorado por Siqueira é a suposta eficiência maior das instituições privadas.
Entretanto, comparações de gastos entre os dois setores freqüentemente não levam em
conta o fornecimento das instituições públicas dos serviços comunitários como hospitais,
para não mencionar a execução de pesquisas. Custos mais baixos por estudante em
instituições particulares são mais relacionados com a baixa qualidade de ensino e falta de
contribuição para o bem público do que com eficiência (McCowan, 2004). Justificativas
para a transferência de recursos públicos para o setor privado baseadas na promoção do
acesso eqüitativo são fundamentalmente errôneas.
A análise de Siqueira oferece um posicionamento útil da história brasileira dentro
da estrutura global, e os problemas discutidos aqui serão familiares aos leitores em todo o
mundo. Um ponto de controvérsia é a falta de atenção dada às falhas no estado de bemestar: uma referência é feita à “crescente mercantilização de tradicionais direitos humanos
e sociais” (p.50), e no entanto estes direitos estão, na verdade, longe de serem tradicionais
no Brasil e, em nenhum estágio na história foram preservados para mais do que uma
pequena proporção da população. É claro que esta falha não revela os defeitos inerentes
no domínio público, e menos ainda oferece uma justificativa para a privatização. Não
obstante, é importante admitir já que ajuda a explicar a aparente facilidade com que o
Banco Mundial e outros organismos implementaram a agenda neoliberal sob uma
bandeira de preocupação por “igualdade”.
Marcos Marques de Oliveira apresenta, no capítulo 3, uma análise da reforma em
relação à ciência e a tecnologia. O subtítulo “A inovação do mesmo” se refere à trajetória
essencialmente continuísta do governo Lula. Em vez de evidenciar as desigualdades
socioeconômicas, este capítulo discute a posição do estado-nação no sistema global, e a
dependência que resulta da incapacidade de desenvolver novas tecnologias. A
dependência de pesquisas científicas de países centrais e a importação de inovações
tecnológicas deixam o Brasil em um papel adaptável, produzindo bens industriais básicos
para mercados externos, sem ser capaz de se tornar um líder econômico ou de escolher
seu próprio caminho cultural e intelectual.
Como outras áreas, a ciência e a tecnologia sofreram com as estratégias de redução
do gasto público e transferência do controle para o setor privado, assim como com a
reorientação em direção às metas comerciais. Dessa forma, a universidade começa a
perder sua função como um local de pesquisa original imparcial, à medida que novas
instituições somente de ensino aparecem e os pequenos fundos de pesquisas que restam
são direcionados a poucas instituições especialistas:
Desde aquela época [a Rodada do Uruguai da OMC, 1986 a 1994] a instituição
financeira apontava para a inviabilidade de América Latina ter um sistema de
universidade pública no molde europeu, com base na indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão numa perspectiva universalista. (p.84)
O desaparecimento gradual da pequisa de instituições de ensino superior,
entretanto, é vista tanto para criar uma situação de dependência nacional, quanto para
ameaçar a vitalidade acadêmica e a integridade das instituições.
4
http://edrev.asu.edu/reviews/revp34.htm
5
André Silva Martins e Lúcia Neves, no quarto capítulo, falam sobre autonomia
institucional, talvez o problema-chave da reforma universitária. Aqui pode ser visto um
exemplo clássico da reinvenção política das palavras, onde uma política é implementada
sob a bandeira de um conceito que tem apoio popular, mas cujo significado original é
fundamentalmente alterado. A “autonomia” originalmente exigida pelas universidades no
Brasil envolvia autogoverno democrático e liberdade acadêmica, nas palavras do autor,
“livre das pressões de mercado e de imposições políticas do Poder Executivo” (p. 93),
mas com todos os financiamentos garantidos pelo Estado. A “autonomia” proposta na
nova reforma, todavia, se refere à concessão da liberdade para instituições para tentar
conseguir seu próprio financiamento: um “privilégio” interpretado aqui como meio de
privatização camuflado. Alguns acusariam as universidades públicas, ao exigir a forma
anterior e não a posterior, de querer o impossível, já que a autonomia acadêmica e
organizacional somente são possíveis com auto-suficiência financeira. Pode haver alguma
verdade na afirmação acima. Entretanto o que temos visto aqui, na verdade, não é uma
mudança da dependência para a autonomia e auto-suficiência financeira, mas uma
mudança de financiamento estatal e responsabilidade democrática para financiamento
privado e responsabilidade por interesses comerciais corporativos.
A passagem a seguir do final do capítulo explica as mudanças no papel da
Universidade trazidas por esta autonomia:
A autonomia universitária do governo Lula viabiliza também o
aprofundamento de um processo de massificação da educação superior já em
curso, movido pelo estímulo à difusão do conhecimento em detrimento de sua
produção, bem como pela submissão crescente dos objetivos da universidade
aos interesses empresariais... Do ponto de vista ético-político, as universidades
brasileiras preparam-se para formar intelectuais de novo tipo, com
compentências técnicas limitadas e específicas, e com uma visão localista e
fragmentária de mundo, elemento impeditivo de uma elaboração de crítica mais
abrangente à realidade social vigente. (p.108)
A seguir uma segunda seção de Angela Siqueira, oferecendo uma perspectiva
comparativa, com uma análise das reformas no ensino superior no Chile e na China. O
fato de que esses dois países – tão distantes em política e cultura – tiveram reformas
parecidas é o testamento para o tamanho da convergência política contemporânea. A
autora questiona, talvez otimistamente, se as experiências negativas desses dois países
não podem servir de lição para os arquitetos das mudanças no Brasil.
A reforma do Chile, que aconteceu nos anos 80, envolveu os elementos familiares
da diversificação institucional, financiamento estudantil e o crescimento do setor privado.
(Haviam oito instituições privadas no início da década; no fim, haviam 180). Entretanto,
apesar de ser defendido como um caso-modelo pelo Banco Mundial, de acordo com
Siqueira a reforma não trouxe uma melhora em qualidade, e apesar da expansão, não
aumentou significantemente o acesso dos estudates de baixo nível socioeconômico. A
reforma chinesa, também inspirada pelo Banco Mundial, envolveu a introdução da
remuneração dos estudantes, a remoção dos benefícios dos funcionários como
alojamento gratuito e plano de saúde, aumento da relação aluno/professor, a importação
de pacotes de educação à distância e um aumento na provisão de serviços para empresas
e orientação de pesquisas para fins comerciais. O capítulo termina com uma volta ao
desenvolvimento histórico das reformas neoliberais no Brasil, onde o setor público
resistiu por muito mais tempo do que em países como o Chile, mas que agora está
cedendo, ironicamente sob comando do líder que muitos acreditaram que iria mudar a
situação.
O capítulo final revigora ambos em suas mudanças de tom e em sua apresentação
das propostas claras para uma alternativa para o (deprimente) diagnóstico dos autores
Reforma Universitária do Governo Lula
acima. Consiste em uma entrevista com Luiz Carlos Gonçalves Lucas, presidente do
ANDES-SN, o sindicato que teve uma função proeminente em questões políticas (não
somente as relacionadas com o ensino público) desde sua formação em 1980. Lucas
começa reconhecendo que a proposta de reforma universitária inclui um aumento do
orçamento para as universidades federais, mas é cético sobre ele em três afirmações:
primeiramente, é pouco provável que seja aprovado por um Ministério da Fazenda que
deseja cortar os custos; segundo, porque até este nível de aumento não cobrirá a
expansão do sistema; e terceiro que não há garantia de que o governo irá cumprir com o
prometido (como já foi visto incontáveis vezes nos últimos anos). Lucas prossegue para
apresentar a posição do ANDES-SN em relação à reforma universitária, oferecendo um
projeto no qual a comunidade universitária, e parte geral da sociedade comprometida
com o serviço público democrático, possa unir. Este fato é baseado na concepção de
educação como um serviço público, mas onde a existência de instituições privadas não
seria contestada, desde que fossem não-lucrativas e cumprissem o critério substancial de
qualidade. Todos os recursos públicos, entrentanto, iriam para instituições públicas. A
indissocialibidade de ensino, pesquisa e extensão seria reafirmada. Professores seriam
avaliados, mas seus salários não seriam baseados em avaliações que fomentam
competições entre colegas e ameacem a cultura do trabalho em conjunto. As instituições
teriam autonomia baseadas na democracia interna e não em sua capacidade de levantar
recursos.
Estas propostas (o básico do que foi apresentado aqui) representam uma alternativa
clara para os modelos atuais, e não são irrealísticas, apesar do discurso dominante no que
diz respeito a incapacidade dos governos de financiar o ensino superior público e a
inevitabilidade da privatização. Eles devem, é claro, ser acompanhados por uma
expansão do sistema, e uma democratização dos processos de ingresso que permitiriam o
acesso a vasta maioria de brasileiros que não tiveram a oportunidade de frequentar uma
instituição de ensino superior.
O livro como um todo é uma defesa corajosa de um sistema de ensino superior
democrático e justo. Ele certamente será contestado por os que vêem a privatização
como a única solução para a ineficiência institucional, indiferença e falta de
produtividade, e vêem a defesa do sistema educacional público como auto-interesse
corporatista por parte de professores e alunos. Entre os que apóiam a educação pública,
as opiniões se dividirão pela natureza do trabalho, tal vez visto como intransigente. Há
pouco interesse em travar um diálogo ou de entender a posição neoliberal como nada
mais que um dispositivo de trapaça criado pelos poderes financeiros internacionais. Dado
que o livro está engajado em um projeto político específico – o da influência de um
processo de reforma –, isto pode parecer contraproducente, especialmente visto que o
processo em questão é baseado em uma democracia liberal que depende do diálogo e
compromosso político. Todavia, os autores argumentariam que deixar de presentar uma
defesa corajosa do sistema público em sua forma mais pura seria uma traição da
sociedade e de sua integridade como pesquisadores.
Lamentavelmente, é pouco provável que este livro seja mais do que uma alfinetada
no vasto ventre do processo político – do qual, em qualquer evento, dificilmente se
envolverá em um debate verdadeiro. A primeira tarefa estabelecida pelos autores é,
portanto, destinada ao fracasso, pelo menos a curto prazo: a obra pode dar inspiração e
munição intelectual para aqueles que já apoiaram o sistema público, mas dificilmente irá
converter os do acampamento neoliberal. O valor do livro, entretanto, consiste em sua
contribuição como um trabalho ilustrativo para o entendimento das estruturas políticas
do Brasil e do mundo. Ele é particularmente perspicaz nas ligações que faz entre políticas
e ideologias aparentemente discrepantes, e no seu descaramento da retórica para revelar
as implicações substanciais das reformas.
6
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7
Reforma universitária do governo Lula: reflexões para o debate sustenta com vigor uma
agenda anti-neoliberal na face do “fim da história”, do “capitalismo humanizado” e de
partidos de esquerda enfraquecidos por alianças e concessões. Talvez este tipo de
posicionamento seja necessário para abalar o mundo fora de seus letárgicos movimentos
em direção ao pensamento único.
Bibliografia
Federal Government of Brasil (2003) Bases for addressing the emergency crisis of the federal
universities and schedule for the Brazilian university reform. Report of the Inter-ministerial
Work Group, Brasília, DF.
Folha de São Paulo (2004) Reitores de federais criticam novo projeto. Folha de São Paulo,
12 April.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (2001) Pesquisa nacional por
amostra de domicílios. Available online at
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/default.shtm
McCowan, T. (2004). The growth of private higher education in Brazil: implications for
equity and quality. Journal of Education Policy, 19(4), 453-472.
Acerca da organizadora do livro
Lúcia Maria Wanderley Neves é pesquisadora-visitante no Programa de PósGraduação em Educação na Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro, e
coordenadora do Coletivo de Estudos de Política Educacional. Ela é autora e
organizadora de diversos livros, incluindo Educação e política no Brasil de hoje (Cortez, 1994)
e Brasil 2000, nova divisão de trabalho na educação (Xamã, 2000).
Acerca do resenhador do livro
Tristan McCowan foi coordenador do Observatório Latino-Americano de Políticas
Educacionais (OLPED) entre 2002 e 2003. Atualmente é professor da University College
Northampton, Inglaterra, e doutorando no Institute of Education, Londres. Ele é coorganizador com Pablo Gentili de Reinventar a escola pública: política educacional para um novo
Brasil (Vozes, 2003).
Email: [email protected]
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