AS RELAÇÕES DE PODER E A GESTÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO. BARTNIK∗, Helena Leomir de Souza - UnicenP [email protected] Resumo Este artigo apresenta uma reflexão sobre “As relações de poder e a gestão do projeto político pedagógico (PPC) nos cursos de graduação”. Objetiva compreender, a partir de fundamentos teóricos, a construção e as implicações do poder na práxis pedagógica dos cursos de graduação. Conceitua o poder e analisa como ele se manifesta na teia de relações entre os coordenadores na gestão do curso, no exercício da autoridade do professor em sala de aula e no desenvolvimento da autonomia intelectual dos alunos. As relações de poder são analisadas com base nos princípios epistemológicos, didático-metodológicos e sóciopolíticos, os quais devem ser construídos e assumidos coletivamente por toda a comunidade acadêmica. Considera-se, em toda a reflexão que o PPC se efetiva em uma instituição de educação superior (IES) de ensino, pesquisa e extensão, em que o objeto de trabalho é a construção, socialização e apropriação do conhecimento que deve ser mediatizado pelo professor com intencionalidade e resultar em aprendizagem significativa por parte dos alunos. Palavras-chave: Relações de Poder, Ação Docente, Gestão do Projeto Pedagógico, Cursos de Graduação. A temática - As relações de poder e a gestão do projeto pedagógico - nos cursos de graduação são de relevada importância, pertinência e originalidade neste momento histórico em que a democracia, a educação e diferentes instituições da sociedade política vêm sendo questionadas. A gestão da educação superior, no âmbito das instituições de ensino, sofre pressões das esferas pública e particular, configuradas pela internacionalização da economia, pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e pelo avanço científico e tecnológico, bem como pelo Estado, representada pelo controle das avaliações instituídas nas políticas educacionais. Refletir sobre o tema “As relações de poder e a gestão do projeto pedagógico” nos cursos de graduação representa assim, um grande desafio: primeiro, porque o Projeto Pedagógico, ao indicar a direção que o curso deve tomar no desenvolvimento das ações educativas, “faz uma projeção da intencionalidade educativa para a futura operacionalização” (EYNG, 2002, p. 26). Nesta projeção explicita os princípios teórico-metodológicos, relacionais e éticos, constituindo-se em um horizonte da utopia dos seus atores, não só para a ∗ Coordenadora e professora do curso de Pedagogia do UnicenP, Mestre em Educação pela UFPR. 1873 gestão do curso, mas também para ação docente dos professores em sala de aula; segundo, para concretizar esta utopia é preciso compreender as complexas relações de poder que permeiam a organização do trabalho pedagógico e o espaço mais amplo do curso; se estes contribuem ou dificultam o processo de ensino-aprendizagem e, conseqüentemente, como interferem na formação da cidadania acadêmica e na qualidade social. A problemática a ser discutida consiste em pensar se, as relações de poder e a gestão dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação incentivam ou não, possíveis atitudes reveladoras de liberdade sem responsabilidade por parte dos alunos; interferem e de que forma interferem nas práticas e nos inter-relacionamentos entre coordenadores, professores e alunos; se contribuem ou não, para reforçar possíveis práticas autoritárias na atuação de coordenadores e professores; se há implicações das relações de poder vivenciadas na universidade na formação dos alunos. Estas são algumas questões que cotidianamente envolvem professores e coordenadores na gestão do curso e na ação docente, sobre as quais se pretende construir alguns argumentos e análises. Para tanto se optou por autores como; Aquino (1996), Eyng (2007), Foucault (1979), Gramsci (1981), Oliveira (2004), Resende (1995), Saviani (1991), Snyders (1995), Veiga (1995), entre outros. O referencial teórico-metodológico aliado às reflexões construídas na disciplina de Planejamento e Gestão de Projetos Pedagógicos contribuirá para a compreensão do principal foco de análise deste estudo. Didaticamente, o artigo será dividido em três partes intimamente relacionadas: na primeira parte procura-se conceituar e ampliar a compreensão sobre o poder, as relações de poder, a gestão do projeto pedagógico, a prática docente, a autoridade do professor e a autonomia do aluno; em seguida, pretende-se explicitar a presença das relações de poder na gestão do projeto pedagógico dos cursos; continuando, buscar-se-á desvendar as implicações das relações de poder no processo de ensino - aprendizagem e finalmente construir alguns elementos conclusivos. Elementos conceituais sobre as relações de poder e o projeto pedagógico A concepção de educação, de ensino e pesquisa e da prática pedagógica sistematizada no projeto pedagógico dos cursos e expressa nos princípios teóricos, metodológicos, relacionais e éticos, nem sempre representa o “vivido”. “ Divergências e convergências acerca das posturas pedagógicas dos profissionais da educação não se evidenciam, em sua essência, nos exaustivos discursos repletos de jargão e modismos, mas no âmbito de cada sala de aula, e 1874 mais especificamente na postura de cada educador no cotidiano da escola. (REZENDE, 1995, p. 63) É no “vivido”, na trama dos relacionamentos entre coordenadores, professores e alunos que o poder interage, repercutindo na gestão do projeto pedagógico e, por isso, constituindo-se em categorias, cuja compreensão é indispensável para atingir os objetivos educacionais que se pretende efetivar. A compreensão sobre as relações de poder é reforçada por (MARTINS, 2004, p. 53), quando as aponta como elementos orientadores da ação docente “as formas de relacionamento são elementos-chave do processo. Por meio das relações sociais cooperativas e coletivas, passa-se a ter uma nova relação com o conhecimento”, possibilitando ao professor a criação de conhecimentos significativos para a formação pessoal e profissional do aluno e para a sociedade. O processo de ensino-aprendizagem adquire materialidade na matriz curricular, nos relacionamentos entre coordenadores, professores e alunos do curso e é organizada a partir de princípios epistemológicos, didático-metodológicos, filosóficos e sóciopolíticos, os quais devem ser construídos e assumidos coletivamente nas Instituições de Ensino Superior (IES). Estes princípios funcionam como uma âncora e contribuem para traçar o caminho a ser percorrido na elaboração e gestão dos projetos pedagógicos do curso, bem como para compreender como se constroem as relações de poder e suas implicações na ação docente e nos processos de ensino-aprendizagem. Os projetos pedagógicos dos cursos expressam o compromisso Institucional com a qualidade do ensino, fundamentam, dão sustentação e norteiam a gestão do curso, a ação docente e a formação dos alunos, podem contribuir com a emancipação humana quando privilegiam a gestão democrática, a construção da autonomia, o trabalho coletivo, a co-responsabilidade e a divisão do poder. Vários estudos mostram que as relações de poder instituídas na gestão do PPC interferem na prática pedagógica e na sociedade e são por ela influenciadas. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação, nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo como uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando-os. Efetivamente, que faz com que um corpo, gesto, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos do poder (FOUCAULT, 1979, p. 183). 1875 As contribuições de Foucault sobre imanência do poder nos grupos sociais e sua natureza complexa introduzem a idéia de que o poder não existe objetivamente, existem sim, práticas ou relações de poder que se constroem e se exercem na sociedade mais ampla e também nas instituições de ensino. Segundo o autor nas malhas das relações, os indivíduos podem exercer o poder, bem como sofrer a sua influência. Estendendo este raciocínio para as relações entre coordenadores e professores e destes com os alunos, tanto uns quanto os outros estão submersos à rede do poder, a qual, muitas vezes, advém das relações macroinstitucionais, outras vezes da forma como os coordenadores fazem à gestão do curso. As implicações do poder que se interpenetram na gestão dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação são decorrentes da concepção que detém cada um dos atores sobre a autoridade e como ela é exercida na práxis pedagógica. Para Arendt (1992) “autoridade implica uma obediência, na qual o homem retém sua liberdade”. Na vida moderna há uma crise de autoridade política e conseqüentemente, a autoridade dos educadores também, vem sendo questionada. Cabe pontuar que a especificidade do trabalho desenvolvido, em uma instituição formal de ensino exige autoridade, pois a educação neste “lócus” é entendida como uma prática intencional, sistematizada e, portanto requer que seja exercida com a autoridade do conhecimento, uma vez que o educando, por estar em processo de amadurecimento (intelectual, profissional e humano) precisa do referencial do educador para construir seus próprios referenciais. A realidade educacional mostra que a autoridade dos educadores, no exercício de suas funções, transita entre duas vertentes: de um lado estão os educadores que consideram o conhecimento pronto e acabado, o qual deve ser transmitido aos alunos; nesta, a relação que se estabelece entre o professor e alunos, é uma; de outro lado, estão os educadores, que concebem o conhecimento como um processo construído com a participação dos alunos; nesta, a relação entre professores e alunos assume uma conotação diferente. Na primeira está o grupo dos educadores que consideram a hierarquia institucional e a autoridade dos educadores inquestionável; enquanto na segunda estão os educadores que concebem qualquer forma de organização, disciplina ou parâmetros para convivência na academia como autoritarismo; o primeiro grupo, fortemente inspirado na pedagogia tradicional, continua considerando o aluno objeto do processo de ensino, enquanto o segundo grupo permite quase total liberdade aos alunos diminuindo com isso, a intervenção pedagógica do professor. O confronto entre estas correntes teóricas, no cotidiano da prática pedagógica, resulta em convergências e divergências acerca dos posicionamentos e ações dos profissionais da 1876 educação. Observa-se ainda que, um número representativo de alunos, embora reivindicando seus direitos e propagando discursos, no entender deles “democráticos”, esperam ser tutelados, solicitam aulas dinâmicas, metodologias lúdicas, recusando-se a assumir uma postura, mais investigativa, reflexiva e rigorosa. Neste contexto está imbricado o poder, o qual precisa ser compreendido e desvendado “a transparência de uma e de outra face do poder, que emerge das assimetrias dialógicas entre os atores, poderá trazer implicações relevantes para a análise das relações de poder na escola” (REZENDE, 1995, p. 65). Neste veio de raciocínio, a gestão dos projetos pedagógicos dos cursos pressupõe por parte dos coordenadores - responsáveis diretos pela condução do projeto pedagógico do curso - a autoridade do conhecimento sobre a função que exercem, a qual compreende o conhecimento teórico-metodológico e relacional sobre a educação e gestão da educação e sobre a área específica do curso. Envolve dentre outros elementos, fundamentos da gestão, planejamento, acompanhamento e execução dos processos de ensino-aprendizagem; a relação professor, aluno e conhecimento, a criação de metodologias, definição de objetivos e opção por processos avaliativos. O encaminhamento destes elementos no processo de ensino requer uma opção pedagógica, a qual, consciente ou não, traz consigo os pressupostos que irão nortear as relações de poder entre os integrantes da comunidade acadêmica, estando ou não registrados em documento. Como as relações de poder se imbricam na gestão dos projetos pedagógicos Pensar as implicações das relações de poder nos cursos de graduação na contemporaneidade pressupõe a superação dos processos administrativos centralizados e fundamentados apenas em decisões de natureza técnica e burocrática, pela consolidação de uma gestão dos projetos pedagógicos voltados ao bem comum e à construção da cidadania. Implica em pensar a função e a atuação de diferentes profissionais que interagem na gestão do curso numa perspectiva democrática. Para Morosin (2005, p. 58) a elaboração coletiva do projeto pedagógico contribui significativamente para vivência democrática, uma vez que [...] traduz, ao mesmo tempo a intenção do que se pretende realizar - projeções, inovações, mudanças e rupturas - e, principalmente, coragem e ousadia para propôlas. Exige a construção de um processo participativo com a busca de adesão voluntária dos que contribuem com conhecimentos próprios e como protagonistas capazes de discutir, refletir e propor decisões. 1877 As relações de poder presentes na complexa elaboração e implementação dos projetos pedagógicos dos cursos se explicita no texto, a partir dos princípios epistemológicos, didáticometodológicos e sóciopolíticos, construídos e assumidos coletivamente, que fundamentam, dão sustentação e norteiam a gestão do curso, a ação docente e a formação dos alunos. (EYNG, 2007, p. 9 e segs), contribui para conceituação e fundamentação teórico-explicativas do projeto pedagógico dos cursos de graduação, afirmando que “os princípios e fundamentos que dão sustentação à ação educativa em termos ideais aponta os princípios epistemológicos e pedagógicos”, os quais definem os objetivos: epistemológicos, metodológicos e sóciopolíticos que irão nortear as ações da escola. Os princípios epistemológicos têm a ver com o conhecimento construído e valorizado historicamente. Na gestão do projeto pedagógico do curso concebe-se o conhecimento como processual, dinâmico e que por meio da mediação do professor é reconstruído cotidianamente com os alunos. Esta concepção supera a visão de conhecimento como produto estático, pronto e acabado. Nesta perspectiva, o coordenador do curso elabora o projeto pedagógico incentivando a participação dos professores e alunos e, para tanto, é preciso responder coletivamente, segunda Veiga, 1998, p. 21-22) algumas questões: [...] como construir um conhecimento interdisciplinar e globalizador, conseguindo de fato, trabalhar o específico e avançar para a compreensão das relações sociais? Como avançar na prática pedagógica de forma que o conhecimento seja trabalhado como processo e, dessa forma, contribuir para autonomia do aluno? Do ponto de vista intelectual, social e político, favorecendo a cidadania? Como definir o essencial e o complementar na organização do conhecimento curricular? De que forma partir do conhecimento trazido pelo estudante, para relacioná-lo com o novo conhecimento? Como propiciar a aquisição de conhecimentos e habilidades intelectuais aliadas às atitudes de cooperação, de co-responsabilidade, iniciativa, organização e decisão? Qual é a concepção de conhecimento, currículo, ensino, aprendizagem e avaliação? O projeto pedagógico do curso, construído com a participação de professores e alunos, supõe o exercício democrático, a superação de decisões individuais e enfatiza as decisões construídas no consenso com o grupo. À medida que o aluno participa da construção curricular do curso estudando, refletindo sobre a concepção de conhecimento, de currículo, de ensino-aprendizagem e de avaliação; ele opina e pergunta, logo aprende e desenvolve a autonomia intelectual e política. Da mesma forma, a participação dos professores, pensando, opinando relacionando o conteúdo da sua disciplina com outras disciplinas e com as relações sociais mais amplas, participando da definição do conteúdo, contribuem para a avaliação da 1878 prática docente e para a implementação de novas alternativas metodológicas. Conseqüentemente, o coordenador do curso - articulador do projeto pedagógico - e responsável maior pela sua efetivação, terá mais facilidade de explicitar, acompanhar e avaliar o processo de “propiciar a aquisição de conhecimentos e habilidades intelectuais aliadas às atitudes de cooperação, de co-responsabilidade, iniciativa, organização e decisão” na gestão do curso (VEIGA, 1998, p. 22). Os princípios sóciopolíticos pressupõem o entendimento de que as IES e, conseqüentemente os cursos, estão inseridos em um contexto social mais amplo, o curso e seus atores sofrem e emanam influências da sociedade civil e da sociedade política, de que fazem parte. Concordando com Eyng (2007, p. 11), os pressupostos sóciopolíticos, suas causas e conseqüências, em forte ebulição hoje, na sociedade brasileira (...) “deverão pautarse na formação para a cidadania, capaz de minorar as desigualdades e superar a exclusão social”. Cabe ao coordenador do curso responder algumas questões juntamente com os professores e alunos e estar atento aos pressupostos formulados por (VEIGA: 1998 p.20). • Qual é o contexto filosófico, sóciopolítico, econômico e cultural em que a escola está inserida? • Que concepção de homem se tem? • Que valores devem ser defendidos na sua formação? • O que entendemos por cidadania e cidadão? • A formação da cidadania tem sido o fio condutor do trabalho pedagógico da escola? • Como a escola deve responder às aspirações dos alunos, dos pais e dos professores? • Qual é o papel da escola diante de outros espaços formadores? Se o poder está presente na gestão mais interna do projeto pedagógico do curso, quanto mais quando se refere às relações com a sociedade, na qual é crescente a diversidade gerada pela exclusão econômica, social e educacional. A perspectiva sociológica aparece na inserção de todos os sujeitos envolvidos, na forma de compreender os problemas cotidianos que, se encaminhados de forma democrática, provocará um efeito pedagógico sobre todos os integrantes, pois à medida que pensam os problemas, propõem soluções e participam das decisões, assumem o papel de co-responsáveis no projeto pedagógico do curso, e por extensão, da comunidade. Para que a gestão do curso possa organizar-se democraticamente e atingir os objetivos educacionais é fundamental o trabalho da equipe de professores, a qual deve ter a clareza de que: 1879 [...] a participação é elemento inerente à consecução dos fins, em que se busca e se deseja práticas coletivas e individuais baseadas em decisões tomadas assumidas pelo coletivo escolar, exige-se da equipe diretiva, que é parte desse coletivo, liderança e vontade firme para coordenar, dirigir e comandar o processo decisório como tal e seus desdobramentos de execução. Liderança, firmeza no sentido de encaminhar e viabilizar decisões com segurança, como elementos de competência pedagógica, ética e profissional para assegurar as decisões tomadas de forma participativa e respaldadas, técnica, pedagógica e teoricamente sejam cumpridas por todos (VEIGA, 1995, p. 45). O projeto político pedagógico do curso ao ser construído coletivamente contemplando princípios de cooperação e coletividade, incide na organização do trabalho pedagógico em dois níveis: como organização da gestão do curso e como organização da sala de aula, incluindo sua relação com o contexto social imediato, e, principalmente, a relação professor, aluno e conhecimento. Para que se concretize esta ação é necessário que os coordenadores e professores que implementam o projeto pedagógico e desenvolvam um trabalho integrado e orgânico buscando a formação de profissionais com as características do “intelectual orgânico” no que se refere à luta pela formação do novo dirigente: formar o jovem como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige (GRAMSCI, 1982, p.136). Isto implica em que o coordenador do curso priorize as atividades fins da educação, coordene a implementação curricular atento às demanda do mundo do trabalho, ultrapassando a função meramente administrativa e burocrática para integrar no seu trabalho as dimensões sociais estabelecendo a relação entre educação, humanização e mundo do trabalho. As relações de poder no processo de ensino-aprendizagem Educação, segundo Saviani (1991, p. 21), tem a ver com a “produção de idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes e habilidades”, o que leva o professor a assumir uma série de atividades, tais como: planejar as aulas, fazer a opção por determinados métodos de ensino, selecionar conteúdos, elaborar material didático, organizar instrumentos e assumir práticas avaliativas, reestruturar e sistematizar conceitos, organizar e implementar projetos, mediar situações de conflitos, construir consensos; enfim, criar situações de aprendizagem e vínculos afetivos que favoreçam a criação de novos conceitos e o desenvolvimento de hábitos, atitudes e valores. Para Isaia (2005, p. 76) é necessário considerar a ampla gama de atividades inerentes à atuação do professor universitário, afirmando que docência tem a ver com atividades desenvolvidas pelos professores para orientar a formação dos alunos e também com 1880 atividades inerentes à sua própria ação. [...] Tais atividades são regidas tanto pelo mundo de vida quanto da profissão e estão alicerçadas não só em conhecimentos, saberes e fazeres, mas também em relações interpessoais e em vivências de cunho afetivo, valorativo e ético, o que indica o fato de as atividades docentes não se esgotarem na dimensão técnica, mas remeterem ao que de mais pessoal existe em cada professor (Huberman, 1989; Isaia, 1992, 2002, 2003b; Nóvoa, 1992), sem esquecer que a docência superior se apóia na dinâmica da interação de diferentes processos que respaldam o modo como os professores concebem o conhecer, o fazer, o ensinar e o aprender e, ainda, o significado que dão a eles. Disso decorre que a docência vai além do ensino, instaurando-se como uma atividade eminentemente formativa que abarca os professores, os alunos pelos quais os professores são responsáveis e também os ambientes formativos em que todos estão envolvidos. O autor enfatiza que a ação do professor junto aos alunos não se resume apenas ao trabalho com os conteúdos específicos de cada área do saber, ou com a formação técnica dos alunos, mas também, com a vivência e formação de valores. As vivências de cunho “afetivo, valorativo e ético”, representam a ação do professor no desenvolvimento das dimensões relativas às relações interpessoais e políticas. O “bom professor” que exerce uma autoridade legitima em sala de aula, a qual será reconhecida, não pela função que o professor ocupa, mas pelo domínio do acervo cultural elaborado e pela capacidade de conduzir uma prática pedagógica coerente com os princípios cooperação e da ética, de forma que os alunos, gradativamente, apropriem-se de novos saberes, elaborem sínteses cada vez mais amplas e complexas. As implicações das relações de poder na ação docente variam dependendo da forma como o professor exerce sua autoridade na condução do processo de ensino-aprendizagem. Para Severino (2003), o exercício da autoridade do professor perante a turma, pressupõe algumas dimensões essenciais: domínio dos conteúdos, domínio das habilidades didáticas e domínio das relações situacionais. A primeira compreende a cultura científica em geral, conteúdos básicos de cada área do saber, configura-se na capacidade do professor rever pontos de vista e analisar a realidade apreendendo o seu movimento, contradições e historicidade. A dimensão das habilidades didáticas constitui os procedimentos metodológicos da ação docente: a intencionalidade, o planejamento, organização e gestão da classe, as estratégias e técnicas utilizadas. A dimensão das relações situacionais implica em que os envolvidos no processo educacional tenham uma percepção clara e explícita dos referenciais humanos, a compreensão de si mesmos, dos outros e de suas relações recíprocas, bem como de sua integração ao grupo social e à própria humanidade. 1881 Autoridade exercida pelo professor na ação docente se relaciona com os princípios didático-metodológicos, sintetizados e definidos por Eyng (2007, p.13) como “princípio pedagógico”, o qual diz respeito à forma de [...] dirigir, encaminhar, operacionalizar o processo ensino-aprendizagem, expressa a reflexão na organização ordenada e articulada de fins e meios, considerando a definição de competências e habilidades, a seleção de conteúdos, a indicação de estratégias de aprendizagem, os instrumentos facilitadores do acesso e da sistematização das informações e o processo de avaliação em função do sujeito e da situação do processo de ensino-aprendizagem. Na condução deste processo educativo, as relações de poder também estão presentes, por exemplo: o professor no exercício da docência pode agir de forma autoritária ou não, dependendo inclusive da sua própria formação e prática acadêmica. Uma observação ainda não sistematizada mostra o professor assumindo postura autoritária, geralmente, quando percebe que os alunos não respondem prontamente aos questionamentos ou apresentem atitudes inadequadas à ocasião. O professor, ao optar por uma determinada metodologia, pode tanto incentivar ou inibir a participação do aluno, bem como, ao utilizar critérios de avaliação, pode aprovar ou reprovar os alunos, valendo-se de uma avaliação diagnóstica ou classificatória. Gramsci in Franco (1986, p. 64), ao refletir sobre a relação professor, aluno e conhecimento aponta para uma nova relação entre a autoridade do professor e a espontaneidade dos alunos “persegue a união da direção consciente e da espontaneidade”, rejeita o espontaneísmo que se traduz em libertinagem e na renúncia de educar, mas incentiva a participação dos jovens no seu processo educativo. Defende uma nova relação entre o professor e o aluno, entre a espontaneidade e a autoridade, a qual tende a expandir a personalidade autônoma e responsável do discente indicando que, a aprendizagem só poderá ocorrer pelo esforço autônomo do aluno, exercendo o professor, a função de guia, organizador e articulador da cultura do aluno com o saber científico. Considerações finais Pensar a prática dos coordenadores, professores e alunos na universidade, procurando compreender as relações de poder que se efetivam na gestão do projeto pedagógico e na construção da ação docente abre espaço para gerar novos resultados e novas formas de construir as relações entre professores e alunos, professores e professores e deste com os coordenadores. Possibilita também, o surgimento de novas formas de organizar a proposta 1882 pedagógica do curso, a ação docente e abre espaço para construir relações mais democráticas entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Os referencias estudados reforçam a certeza sobre a influência do projeto pedagógico dos cursos na superação das relações competitivas para a incorporação de relações cooperativas, uma vez que a construção de um processo democrático de decisões na organização e gestão do trabalho pedagógico rompe com o individualismo e com a fragmentação. O estudo contribuiu para ampliar a compreensão sobre o papel do professor e do aluno sendo que: ao primeiro, cabe exercer a docência por meio de uma ação compartilhada, fazer a mediação do conhecimento entre os alunos e a prática social, intervindo na organização dos processos de aprendizagem dos alunos, na reestruturação e sistematização de conceitos e elaboração de novas sínteses; ao aluno - finalidade última do processo educacional - cabe-lhe responsabilizar-se pela sua aprendizagem, estar predisposto a adquirir e dominar criticamente um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas científicas. Sobre as relações de poder na gestão do projeto pedagógico dos cursos, os referenciais estudados nos dão respaldo para afirmar que o poder se manifesta nos mais diferentes espaços das instituições educativas, no estabelecimento de políticas e definição de prioridades, no planejamento e na avaliação da ação educativa, na criação da consciência coletiva, na coresponsabilidade com os fins da educação, na destinação e alocação de recursos e no respeito à liberdade e às individualidades. Aos coordenadores cabe estar atentos e captar as implicações das relações de poder nas ações cotidianas da gestão do curso, nas salas de aula, em sua prática real e efetiva, onde o poder se implanta e produz efeitos. O diálogo com os autores na elaboração deste artigo mostrou que o poder é algo que circula, contamina, funciona em cada cadeia e se exerce em redes, manifestando-se em várias situações e momentos da e ação educativa, uma vez que a prática pedagógica envolve ao mesmo tempo, coordenador, professor, aluno e conhecimento em uma relação direta e prolongada. REFERÊNCIAS AGUIAR, Márcia Aguiar; FERREIRA, Naura S. Carapeto (Org.). Para onde vão a orientação e a supervisão educacional? Campinas: Papirus, 2002. AQUINO, Julio Groppa (org.) Indisciplina na Escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. 1883 ______Autoridade e autonomia na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1999. ARENDT. H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992. ______. H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. CASTANHO, Maria Eugênia. Professores e Inovações. In: CASTANHO, Sérgio e Maria Eugênia Castanho (Org.) 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