AS RELAÇÕES DE PODER E A GESTÃO DO PROJETO
PEDAGÓGICO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO.
BARTNIK∗, Helena Leomir de Souza - UnicenP
[email protected]
Resumo
Este artigo apresenta uma reflexão sobre “As relações de poder e a gestão do projeto político
pedagógico (PPC) nos cursos de graduação”. Objetiva compreender, a partir de fundamentos
teóricos, a construção e as implicações do poder na práxis pedagógica dos cursos de
graduação. Conceitua o poder e analisa como ele se manifesta na teia de relações entre os
coordenadores na gestão do curso, no exercício da autoridade do professor em sala de aula e
no desenvolvimento da autonomia intelectual dos alunos. As relações de poder são analisadas
com base nos princípios epistemológicos, didático-metodológicos e sóciopolíticos, os quais
devem ser construídos e assumidos coletivamente por toda a comunidade acadêmica.
Considera-se, em toda a reflexão que o PPC se efetiva em uma instituição de educação
superior (IES) de ensino, pesquisa e extensão, em que o objeto de trabalho é a construção,
socialização e apropriação do conhecimento que deve ser mediatizado pelo professor com
intencionalidade e resultar em aprendizagem significativa por parte dos alunos.
Palavras-chave: Relações de Poder, Ação Docente, Gestão do Projeto Pedagógico, Cursos de
Graduação.
A temática - As relações de poder e a gestão do projeto pedagógico - nos cursos de
graduação são de relevada importância, pertinência e originalidade neste momento histórico
em que a democracia, a educação e diferentes instituições da sociedade política vêm sendo
questionadas. A gestão da educação superior, no âmbito das instituições de ensino, sofre
pressões das esferas pública e particular, configuradas pela internacionalização da economia,
pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e pelo avanço científico e tecnológico,
bem como pelo Estado, representada pelo controle das avaliações instituídas nas políticas
educacionais.
Refletir sobre o tema “As relações de poder e a gestão do projeto pedagógico” nos
cursos de graduação representa assim, um grande desafio: primeiro, porque o Projeto
Pedagógico, ao indicar a direção que o curso deve tomar no desenvolvimento das ações
educativas, “faz uma projeção da intencionalidade educativa para a futura operacionalização”
(EYNG, 2002, p. 26). Nesta projeção explicita os princípios teórico-metodológicos,
relacionais e éticos, constituindo-se em um horizonte da utopia dos seus atores, não só para a
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Coordenadora e professora do curso de Pedagogia do UnicenP, Mestre em Educação pela UFPR.
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gestão do curso, mas também para ação docente dos professores em sala de aula; segundo,
para concretizar esta utopia é preciso compreender as complexas relações de poder que
permeiam a organização do trabalho pedagógico e o espaço mais amplo do curso; se estes
contribuem ou dificultam o processo de ensino-aprendizagem e, conseqüentemente, como
interferem na formação da cidadania acadêmica e na qualidade social.
A problemática a ser discutida consiste em pensar se, as relações de poder e a gestão
dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação incentivam ou não, possíveis atitudes
reveladoras de liberdade sem responsabilidade por parte dos alunos; interferem e de que
forma interferem nas práticas e nos inter-relacionamentos entre coordenadores, professores e
alunos; se contribuem ou não, para reforçar possíveis práticas autoritárias na atuação de
coordenadores e professores; se há implicações das relações de poder vivenciadas na
universidade na formação dos alunos.
Estas são algumas questões que cotidianamente envolvem professores e coordenadores
na gestão do curso e na ação docente, sobre as quais se pretende construir alguns argumentos
e análises. Para tanto se optou por autores como; Aquino (1996), Eyng (2007), Foucault
(1979), Gramsci (1981), Oliveira (2004), Resende (1995), Saviani (1991), Snyders (1995),
Veiga (1995), entre outros. O referencial teórico-metodológico aliado às reflexões construídas
na disciplina de Planejamento e Gestão de Projetos Pedagógicos contribuirá para a
compreensão do principal foco de análise deste estudo.
Didaticamente, o artigo será dividido em três partes intimamente relacionadas: na
primeira parte procura-se conceituar e ampliar a compreensão sobre o poder, as relações de
poder, a gestão do projeto pedagógico, a prática docente, a autoridade do professor e a
autonomia do aluno; em seguida, pretende-se explicitar a presença das relações de poder na
gestão do projeto pedagógico dos cursos; continuando, buscar-se-á desvendar as implicações
das relações de poder no processo de ensino - aprendizagem e finalmente construir alguns
elementos conclusivos.
Elementos conceituais sobre as relações de poder e o projeto pedagógico
A concepção de educação, de ensino e pesquisa e da prática pedagógica sistematizada
no projeto pedagógico dos cursos e expressa nos princípios teóricos, metodológicos,
relacionais e éticos, nem sempre representa o “vivido”. “ Divergências e convergências acerca
das posturas pedagógicas dos profissionais da educação não se evidenciam, em sua essência,
nos exaustivos discursos repletos de jargão e modismos, mas no âmbito de cada sala de aula, e
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mais especificamente na postura de cada educador no cotidiano da escola. (REZENDE, 1995,
p. 63)
É no “vivido”, na trama dos relacionamentos entre coordenadores, professores e
alunos que o poder interage, repercutindo na gestão do projeto pedagógico e, por isso,
constituindo-se em categorias, cuja compreensão é indispensável para atingir os objetivos
educacionais que se pretende efetivar. A compreensão sobre as relações de poder é reforçada
por (MARTINS, 2004, p. 53), quando as aponta como elementos orientadores da ação docente
“as formas de relacionamento são elementos-chave do processo. Por meio das relações sociais
cooperativas e coletivas, passa-se a ter uma nova relação com o conhecimento”,
possibilitando ao professor a criação de conhecimentos significativos para a formação pessoal
e profissional do aluno e para a sociedade.
O processo de ensino-aprendizagem adquire materialidade na matriz curricular, nos
relacionamentos entre coordenadores, professores e alunos do curso e é organizada a partir de
princípios epistemológicos, didático-metodológicos, filosóficos e sóciopolíticos, os quais
devem ser construídos e assumidos coletivamente nas Instituições de Ensino Superior (IES).
Estes princípios funcionam como uma âncora e contribuem para traçar o caminho a ser
percorrido na elaboração e gestão dos projetos pedagógicos do curso, bem como para
compreender como se constroem as relações de poder e suas implicações na ação docente e
nos processos de ensino-aprendizagem.
Os projetos pedagógicos dos cursos expressam o
compromisso Institucional com a qualidade do ensino, fundamentam, dão sustentação e
norteiam a gestão do curso, a ação docente e a formação dos alunos, podem contribuir com a
emancipação humana quando privilegiam a gestão democrática, a construção da autonomia, o
trabalho coletivo, a co-responsabilidade e a divisão do poder. Vários estudos mostram que as
relações de poder instituídas na gestão do PPC interferem na prática pedagógica e na
sociedade e são por ela influenciadas.
O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só
funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de
alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se
exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre
em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação, nunca são o alvo inerte ou
consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder
não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo
como uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte
que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou
estraçalhando-os. Efetivamente, que faz com que um corpo, gesto, discursos e
desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros
efeitos do poder (FOUCAULT, 1979, p. 183).
1875
As contribuições de Foucault sobre imanência do poder nos grupos sociais e sua
natureza complexa introduzem a idéia de que o poder não existe objetivamente, existem sim,
práticas ou relações de poder que se constroem e se exercem na sociedade mais ampla e
também nas instituições de ensino. Segundo o autor nas malhas das relações, os indivíduos
podem exercer o poder, bem como sofrer a sua influência. Estendendo este raciocínio para as
relações entre coordenadores e professores e destes com os alunos, tanto uns quanto os outros
estão submersos à rede do poder, a qual, muitas vezes, advém das relações macroinstitucionais, outras vezes da forma como os coordenadores fazem à gestão do curso.
As implicações do poder que se interpenetram na gestão dos projetos pedagógicos dos
cursos de graduação são decorrentes da concepção que detém cada um dos atores sobre a
autoridade e como ela é exercida na práxis pedagógica. Para Arendt (1992) “autoridade
implica uma obediência, na qual o homem retém sua liberdade”. Na vida moderna há uma
crise de autoridade política e conseqüentemente, a autoridade dos educadores também, vem
sendo questionada. Cabe pontuar que a especificidade do trabalho desenvolvido, em uma
instituição formal de ensino exige autoridade, pois a educação neste “lócus” é entendida como
uma prática intencional, sistematizada e, portanto requer que seja exercida com a autoridade
do conhecimento, uma vez que o educando, por estar em processo de amadurecimento
(intelectual, profissional e humano) precisa do referencial do educador para construir seus
próprios referenciais.
A realidade educacional mostra que a autoridade dos educadores, no exercício de suas
funções, transita entre duas vertentes: de um lado estão os educadores que consideram o
conhecimento pronto e acabado, o qual deve ser transmitido aos alunos; nesta, a relação que
se estabelece entre o professor e alunos, é uma; de outro lado, estão os educadores, que
concebem o conhecimento como um processo construído com a participação dos alunos;
nesta, a relação entre professores e alunos assume uma conotação diferente. Na primeira está
o grupo dos educadores que consideram a hierarquia institucional e a autoridade dos
educadores inquestionável; enquanto na segunda estão os educadores que concebem qualquer
forma de organização, disciplina ou parâmetros para convivência na academia como
autoritarismo; o primeiro grupo, fortemente inspirado na pedagogia tradicional, continua
considerando o aluno objeto do processo de ensino, enquanto o segundo grupo permite quase
total liberdade aos alunos diminuindo com isso, a intervenção pedagógica do professor.
O confronto entre estas correntes teóricas, no cotidiano da prática pedagógica, resulta
em convergências e divergências acerca dos posicionamentos e ações dos profissionais da
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educação. Observa-se ainda que, um número representativo de alunos, embora reivindicando
seus direitos e propagando discursos, no entender deles “democráticos”, esperam ser
tutelados, solicitam aulas dinâmicas, metodologias lúdicas, recusando-se a assumir uma
postura, mais investigativa, reflexiva e rigorosa. Neste contexto está imbricado o poder, o qual
precisa ser compreendido e desvendado “a transparência de uma e de outra face do poder, que
emerge das assimetrias dialógicas entre os atores, poderá trazer implicações relevantes para a
análise das relações de poder na escola” (REZENDE, 1995, p. 65).
Neste veio de raciocínio, a gestão dos projetos pedagógicos dos cursos pressupõe por
parte dos coordenadores - responsáveis diretos pela condução do projeto pedagógico do curso
- a autoridade do conhecimento sobre a função que exercem, a qual compreende o
conhecimento teórico-metodológico e relacional sobre a educação e gestão da educação e
sobre a área específica do curso. Envolve dentre outros elementos, fundamentos da gestão,
planejamento, acompanhamento e execução dos processos de ensino-aprendizagem; a relação
professor, aluno e conhecimento, a criação de metodologias, definição de objetivos e opção
por processos avaliativos. O encaminhamento destes elementos no processo de ensino requer
uma opção pedagógica, a qual, consciente ou não, traz consigo os pressupostos que irão
nortear as relações de poder entre os integrantes da comunidade acadêmica, estando ou não
registrados em documento.
Como as relações de poder se imbricam na gestão dos projetos pedagógicos
Pensar as implicações das relações de poder nos cursos de graduação na
contemporaneidade pressupõe a superação dos processos administrativos centralizados e
fundamentados apenas em decisões de natureza técnica e burocrática, pela consolidação de
uma gestão dos projetos pedagógicos voltados ao bem comum e à construção da cidadania.
Implica em pensar a função e a atuação de diferentes profissionais que interagem na gestão do
curso numa perspectiva democrática.
Para Morosin (2005, p. 58) a elaboração coletiva do projeto pedagógico contribui
significativamente para vivência democrática, uma vez que
[...] traduz, ao mesmo tempo a intenção do que se pretende realizar - projeções,
inovações, mudanças e rupturas - e, principalmente, coragem e ousadia para propôlas. Exige a construção de um processo participativo com a busca de adesão
voluntária dos que contribuem com conhecimentos próprios e como protagonistas
capazes de discutir, refletir e propor decisões.
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As relações de poder presentes na complexa elaboração e implementação dos projetos
pedagógicos dos cursos se explicita no texto, a partir dos princípios epistemológicos, didáticometodológicos e sóciopolíticos, construídos e assumidos coletivamente, que fundamentam,
dão sustentação e norteiam a gestão do curso, a ação docente e a formação dos alunos.
(EYNG, 2007, p. 9 e segs), contribui para conceituação e fundamentação teórico-explicativas
do projeto pedagógico dos cursos de graduação, afirmando que “os princípios e fundamentos
que dão sustentação à ação educativa em termos ideais aponta os princípios epistemológicos e
pedagógicos”, os quais definem os objetivos: epistemológicos, metodológicos e sóciopolíticos
que irão nortear as ações da escola.
Os princípios epistemológicos têm a ver com o conhecimento construído e valorizado
historicamente. Na gestão do projeto pedagógico do curso concebe-se o conhecimento como
processual, dinâmico e que por meio da mediação do professor é reconstruído cotidianamente
com os alunos. Esta concepção supera a visão de conhecimento como produto estático, pronto
e acabado. Nesta perspectiva, o coordenador do curso elabora o projeto pedagógico
incentivando a participação dos professores e alunos e, para tanto, é preciso responder
coletivamente, segunda Veiga, 1998, p. 21-22) algumas questões:
[...] como construir um conhecimento interdisciplinar e globalizador,
conseguindo de fato, trabalhar o específico e avançar para a compreensão das
relações sociais?
Como avançar na prática pedagógica de forma que o conhecimento seja
trabalhado como processo e, dessa forma, contribuir para autonomia do aluno? Do
ponto de vista intelectual, social e político, favorecendo a cidadania?
Como definir o essencial e o complementar na organização do conhecimento
curricular?
De que forma partir do conhecimento trazido pelo estudante, para relacioná-lo
com o novo conhecimento?
Como propiciar a aquisição de conhecimentos e habilidades intelectuais aliadas
às atitudes de cooperação, de co-responsabilidade, iniciativa, organização e decisão?
Qual é a concepção de conhecimento, currículo, ensino, aprendizagem e
avaliação?
O projeto pedagógico do curso, construído com a participação de professores e alunos,
supõe o exercício democrático, a superação de decisões individuais e enfatiza as decisões
construídas no consenso com o grupo. À medida que o aluno participa da construção
curricular do curso estudando, refletindo sobre a concepção de conhecimento, de currículo, de
ensino-aprendizagem e de avaliação; ele opina e pergunta, logo aprende e desenvolve a
autonomia intelectual e política. Da mesma forma, a participação dos professores, pensando,
opinando relacionando o conteúdo da sua disciplina com outras disciplinas e com as relações
sociais mais amplas, participando da definição do conteúdo, contribuem para a avaliação da
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prática
docente
e
para
a
implementação
de
novas
alternativas
metodológicas.
Conseqüentemente, o coordenador do curso - articulador do projeto pedagógico - e
responsável maior pela sua efetivação, terá mais facilidade de explicitar, acompanhar e avaliar
o processo de “propiciar a aquisição de conhecimentos e habilidades intelectuais aliadas às
atitudes de cooperação, de co-responsabilidade, iniciativa, organização e decisão” na gestão
do curso (VEIGA, 1998, p. 22).
Os princípios sóciopolíticos pressupõem o entendimento de que as IES e,
conseqüentemente os cursos, estão inseridos em um contexto social mais amplo, o curso e
seus atores sofrem e emanam influências da sociedade civil e da sociedade política, de que
fazem parte. Concordando com Eyng (2007, p. 11), os pressupostos sóciopolíticos, suas
causas e conseqüências, em forte ebulição hoje, na sociedade brasileira (...) “deverão pautarse na formação para a cidadania, capaz de minorar as desigualdades e superar a exclusão
social”. Cabe ao coordenador do curso responder algumas questões juntamente com os
professores e alunos e estar atento aos pressupostos formulados por (VEIGA: 1998 p.20).
• Qual é o contexto filosófico, sóciopolítico, econômico e cultural em que a escola
está inserida?
• Que concepção de homem se tem?
• Que valores devem ser defendidos na sua formação?
• O que entendemos por cidadania e cidadão?
• A formação da cidadania tem sido o fio condutor do trabalho pedagógico da
escola?
• Como a escola deve responder às aspirações dos alunos, dos pais e dos
professores?
• Qual é o papel da escola diante de outros espaços formadores?
Se o poder está presente na gestão mais interna do projeto pedagógico do curso,
quanto mais quando se refere às relações com a sociedade, na qual é crescente a diversidade
gerada pela exclusão econômica, social e educacional. A perspectiva sociológica aparece na
inserção de todos os sujeitos envolvidos, na forma de compreender os problemas cotidianos
que, se encaminhados de forma democrática, provocará um efeito pedagógico sobre todos os
integrantes, pois à medida que pensam os problemas, propõem soluções e participam das
decisões, assumem o papel de co-responsáveis no projeto pedagógico do curso, e por
extensão, da comunidade. Para que a gestão do curso possa organizar-se democraticamente e
atingir os objetivos educacionais é fundamental o trabalho da equipe de professores, a qual
deve ter a clareza de que:
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[...] a participação é elemento inerente à consecução dos fins, em que se busca e se
deseja práticas coletivas e individuais baseadas em decisões tomadas assumidas pelo
coletivo escolar, exige-se da equipe diretiva, que é parte desse coletivo, liderança e
vontade firme para coordenar, dirigir e comandar o processo decisório como tal e
seus desdobramentos de execução. Liderança, firmeza no sentido de encaminhar e
viabilizar decisões com segurança, como elementos de competência pedagógica,
ética e profissional para assegurar as decisões tomadas de forma participativa e
respaldadas, técnica, pedagógica e teoricamente sejam cumpridas por todos
(VEIGA, 1995, p. 45).
O projeto político pedagógico do curso ao ser construído coletivamente
contemplando princípios de cooperação e coletividade, incide na organização do trabalho
pedagógico em dois níveis: como organização da gestão do curso e como organização da sala
de aula, incluindo sua relação com o contexto social imediato, e, principalmente, a relação
professor, aluno e conhecimento. Para que se concretize esta ação é necessário que os
coordenadores e professores que implementam o projeto pedagógico e desenvolvam um
trabalho integrado e orgânico buscando a formação de profissionais com as características do
“intelectual orgânico” no que se refere à luta pela formação do novo dirigente: formar o
jovem como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige
(GRAMSCI, 1982, p.136). Isto implica em que o coordenador do curso priorize as atividades
fins da educação, coordene a implementação curricular atento às demanda do mundo do
trabalho, ultrapassando a função meramente administrativa e burocrática para integrar no seu
trabalho as dimensões sociais estabelecendo a relação entre educação, humanização e mundo
do trabalho.
As relações de poder no processo de ensino-aprendizagem
Educação, segundo Saviani (1991, p. 21), tem a ver com a “produção de idéias,
conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes e habilidades”, o que leva o professor a assumir
uma série de atividades, tais como: planejar as aulas, fazer a opção por determinados métodos
de ensino, selecionar conteúdos, elaborar material didático, organizar instrumentos e assumir
práticas avaliativas, reestruturar e sistematizar conceitos, organizar e implementar projetos,
mediar situações de conflitos, construir consensos; enfim, criar situações de aprendizagem e
vínculos afetivos que favoreçam a criação de novos conceitos e o desenvolvimento de hábitos,
atitudes e valores.
Para Isaia (2005, p. 76) é necessário considerar a ampla gama de atividades inerentes à
atuação do professor universitário, afirmando que docência tem a ver com atividades
desenvolvidas pelos professores para orientar a formação dos alunos e também com
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atividades inerentes à sua própria ação.
[...] Tais atividades são regidas tanto pelo mundo de vida quanto da profissão e
estão alicerçadas não só em conhecimentos, saberes e fazeres, mas também em
relações interpessoais e em vivências de cunho afetivo, valorativo e ético, o que
indica o fato de as atividades docentes não se esgotarem na dimensão técnica, mas
remeterem ao que de mais pessoal existe em cada professor (Huberman, 1989;
Isaia, 1992, 2002, 2003b; Nóvoa, 1992), sem esquecer que a docência superior se
apóia na dinâmica da interação de diferentes processos que respaldam o modo
como os professores concebem o conhecer, o fazer, o ensinar e o aprender e, ainda,
o significado que dão a eles. Disso decorre que a docência vai além do ensino,
instaurando-se como uma atividade eminentemente formativa que abarca os
professores, os alunos pelos quais os professores são responsáveis e também os
ambientes formativos em que todos estão envolvidos.
O autor enfatiza que a ação do professor junto aos alunos não se resume apenas ao
trabalho com os conteúdos específicos de cada área do saber, ou com a formação técnica dos
alunos, mas também, com a vivência e formação de valores. As vivências de cunho “afetivo,
valorativo e ético”, representam a ação do professor no desenvolvimento das dimensões
relativas às relações interpessoais e políticas. O “bom professor” que exerce uma autoridade
legitima em sala de aula, a qual será reconhecida, não pela função que o professor ocupa, mas
pelo domínio do acervo cultural elaborado e pela capacidade de conduzir uma prática
pedagógica coerente com os princípios cooperação e da ética, de forma que os alunos,
gradativamente, apropriem-se de novos saberes, elaborem sínteses cada vez mais amplas e
complexas.
As implicações das relações de poder na ação docente variam dependendo da forma
como o professor exerce sua autoridade na condução do processo de ensino-aprendizagem.
Para Severino (2003), o exercício da autoridade do professor perante a turma,
pressupõe algumas dimensões essenciais: domínio dos conteúdos, domínio das habilidades
didáticas e domínio das relações situacionais. A primeira compreende a cultura científica em
geral, conteúdos básicos de cada área do saber, configura-se na capacidade do professor rever
pontos de vista e analisar a realidade apreendendo o seu movimento, contradições e
historicidade. A dimensão das habilidades didáticas constitui os procedimentos metodológicos
da ação docente: a intencionalidade, o planejamento, organização e gestão da classe, as
estratégias e técnicas utilizadas. A dimensão das relações situacionais implica em que os
envolvidos no processo educacional tenham uma percepção clara e explícita dos referenciais
humanos, a compreensão de si mesmos, dos outros e de suas relações recíprocas, bem como
de sua integração ao grupo social e à própria humanidade.
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Autoridade exercida pelo professor na ação docente se relaciona com os princípios
didático-metodológicos, sintetizados e definidos por Eyng (2007, p.13) como “princípio
pedagógico”, o qual diz respeito à forma de
[...] dirigir, encaminhar, operacionalizar o processo ensino-aprendizagem, expressa
a reflexão na organização ordenada e articulada de fins e meios, considerando a
definição de competências e habilidades, a seleção de conteúdos, a indicação de
estratégias de aprendizagem, os instrumentos facilitadores do acesso e da
sistematização das informações e o processo de avaliação em função do sujeito e da
situação do processo de ensino-aprendizagem.
Na condução deste processo educativo, as relações de poder também estão presentes,
por exemplo: o professor no exercício da docência pode agir de forma autoritária ou não,
dependendo inclusive da sua própria formação e prática acadêmica. Uma observação ainda
não sistematizada mostra o professor assumindo postura autoritária, geralmente, quando
percebe que os alunos não respondem prontamente aos questionamentos ou apresentem
atitudes inadequadas à ocasião. O professor, ao optar por uma determinada metodologia, pode
tanto incentivar ou inibir a participação do aluno, bem como, ao utilizar critérios de avaliação,
pode aprovar ou reprovar os alunos, valendo-se de uma avaliação diagnóstica ou
classificatória.
Gramsci in Franco (1986, p. 64), ao refletir sobre a relação professor, aluno e
conhecimento aponta para uma nova relação entre a autoridade do professor e a
espontaneidade dos alunos “persegue a união da direção consciente e da espontaneidade”,
rejeita o espontaneísmo que se traduz em libertinagem e na renúncia de educar, mas incentiva
a participação dos jovens no seu processo educativo. Defende uma nova relação entre o
professor e o aluno, entre a espontaneidade e a autoridade, a qual tende a expandir a
personalidade autônoma e responsável do discente indicando que, a aprendizagem só poderá
ocorrer pelo esforço autônomo do aluno, exercendo o professor, a função de guia, organizador
e articulador da cultura do aluno com o saber científico.
Considerações finais
Pensar a prática dos coordenadores, professores e alunos na universidade, procurando
compreender as relações de poder que se efetivam na gestão do projeto pedagógico e na
construção da ação docente abre espaço para gerar novos resultados e novas formas de
construir as relações entre professores e alunos, professores e professores e deste com os
coordenadores. Possibilita também, o surgimento de novas formas de organizar a proposta
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pedagógica do curso, a ação docente e abre espaço para construir relações mais democráticas
entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Os referencias estudados reforçam a certeza sobre a influência do projeto pedagógico
dos cursos na superação das relações competitivas para a incorporação de relações
cooperativas, uma vez que a construção de um processo democrático de decisões na
organização e gestão do trabalho pedagógico rompe com o individualismo e com a
fragmentação. O estudo contribuiu para ampliar a compreensão sobre o papel do professor e
do aluno sendo que: ao primeiro, cabe exercer a docência por meio de uma ação
compartilhada, fazer a mediação do conhecimento entre os alunos e a prática social,
intervindo na organização dos processos de aprendizagem dos alunos, na reestruturação e
sistematização de conceitos e elaboração de novas sínteses; ao aluno - finalidade última do
processo educacional - cabe-lhe responsabilizar-se pela sua aprendizagem, estar predisposto a
adquirir e dominar criticamente um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas
científicas.
Sobre as relações de poder na gestão do projeto pedagógico dos cursos, os referenciais
estudados nos dão respaldo para afirmar que o poder se manifesta nos mais diferentes espaços
das instituições educativas, no estabelecimento de políticas e definição de prioridades, no
planejamento e na avaliação da ação educativa, na criação da consciência coletiva, na coresponsabilidade com os fins da educação, na destinação e alocação de recursos e no respeito
à liberdade e às individualidades.
Aos coordenadores cabe estar atentos e captar as implicações das relações de poder
nas ações cotidianas da gestão do curso, nas salas de aula, em sua prática real e efetiva, onde o
poder se implanta e produz efeitos. O diálogo com os autores na elaboração deste artigo
mostrou que o poder é algo que circula, contamina, funciona em cada cadeia e se exerce em
redes, manifestando-se em várias situações e momentos da e ação educativa, uma vez que a
prática pedagógica envolve ao mesmo tempo, coordenador, professor, aluno e conhecimento
em uma relação direta e prolongada.
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as relações de poder e a gestão do projeto pedagógico