Mercado livre: desafios para a expansão Agentes do setor pedem liberação da venda de excedentes e isonomia entre o ACL e ACR, para que o mercado livre possa crescer de forma sustentável O mercado livre precisa crescer. Mas para que essa ampliação ocorra, ainda é preciso ultrapassar algumas barreiras, que vão desde a venda de excedentes até a isonomia entre o mercado livre e regulado. Os critérios de elegibilidade hoje determinados - no qual apenas clientes que consomem mais de 3 MW podem ser livres - engessam o ACL. Isso sem contar a reserva de mercado que é feita para os chamados consumidores especiais, que consomem entre 0,5 MW e 3 MW, e só podem comprar energia de fontes incentivadas, o que gera controvérsias entre os agentes do setor. O tema foi amplamente debatido durante o 3° Encontro Anual do Mercado Livre, que aconteceu entre os dias 17 e 18 de novembro, em Salvador, na Bahia, e reuniu mais de 200 participantes. O mercado pede uma ampliação gradual do ACL, de modo que, no futuro, todos os consumidores possam escolher seu próprio fornecedor de energia, inclusive o residencial, como já acontece em outros países do mundo. Mas para chegar nesse nível, segundo os agentes, o mercado de energia precisa amadurecer. Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia, afima que em 2011 foram tomadas algumas iniciativas concretas que permitiram seguir no amadurecimento, na evolução, na profissionalização e na consolidação do mercado livre. "Nesse ano surgiram duas bolsas de energia - a Brix e o Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia Elétrica, fizemos a certificação de profissionais e disponibilizamos o contrato padrão Abraceel", comentou o executivo. Inclusive, o contrato padrão Abraceel tornou-se disponível para todos os agentes do mercado durante o 3° Encontro Anual do Mercado Livre Para Luiz Eduardo Barata, presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, o mercado livre já atingiu um estágio em que se poderia ter algumas evoluções. Segundo ele, há uma preocupação grande hoje com o custo da energia, que está altamente relacionado com o custo Brasil. "Eu acho que a energia tem um papel fundamental na redução do custo Brasil e consequentemente, na competitividade do país. Nos leilões nós vemos redução de preços e, com isso, falamos da modicidade tarifária, que é boa para os consumidores residenciais, que podem usar a energia para conforto. No entanto, acho que não se dá a mesma ênfase para o custo da energia no segmento industrial", comentou o executivo. E essa falta de competitividade vem preocupando os grandes consumidores. Segundo Luiz Maurer, do Banco Mundial, o Brasil sabe fazer leilões e tem um modelo bem sucedido e reconhecido internacionalmente. No entanto, não há isonomia entre o ACR e o ACL nesses certames. Na opinião pessoal de Maurer, isso ainda acontece por uma questão de diretriz do governo. "Não acho que seja uma questão de desenho dos leilões, porque o Brasil sabe fazer leilões. A questão é muito mais de diretriz", disse. Segundo ele, os agentes do mercado livre querem participar dos leilões e terem acesso a essa energia. "Os agentes do mercado livre querem participar dos leilões, tanto de energia nova, que tem contratos mais longos, quanto de energia velha, que pode ter contratos mais curtos", comentou Segundo ele, através dos leilões, o sistema prioriza a energia mais competitiva para o ACR, sendo que os grandes consumidores também precisam de energia barata para serem competitivos. Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, afirma que ainda há muito o que avançar no que diz respeito aos leilões. "Os leilões podem até ser um sucesso para ampliar a oferta e para a redução de preços no mercado regulado. Mas temos que ver o que está implicado nisso. Se o mercado livre não está pagando mais caro pela energia, para que o cativo tenha um preço menor", avaliou Para Pedrosa, o mercado livre e o cativo deveriam ser vistos como um mesmo mercado. "A única diferença é que o consumidor do mercado regulado delegou ao sistema a gestão do seu atendimento, e o livre pode escolher seu fornecedor. No mais, deveria ser tudo igual", defendeu. Entretanto, de acordo com ele, isso não acontece. Um exemplo é que quando há um atraso num projeto de geração ou numa linha de transmissão, a regra é diferente entre os mercados. "Isso faz com que o gerador, ao vender para o mercado livre, imbuta um componente de risco adicional. Isso não é adequado. Em outras situações, no mercado cativo, existe o que se chama de exposição involuntária. O consumidor livre não pode receber exposição involuntária. Uma outra falta de isonomia está relacionada às multas da CCEE, que são usadas para a modicidade tarifária do mercado cativo, mas que deveria ser utilizada para a modicidade dos dois mercado", avaliou. Marco Antonio Surek, conselheiro da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia e diretor de Planejamento e Controle da Tractebel Energia, afirmou que existe uma sobra no mercado de energia, mas que mesmo assim, continua-se fazendo leilões. "Uma expansão desnecessária custa caro e alguém paga. Nesse caso, o mercado cativo está pagando porque é ele quem está contratando nos leilões. Por outro lado, está se criando um desequilíbrio no mercado como um todo, porque uma sobra enorme acaba derrubando os preços de curto prazo e, em consequência disso, não se contrata mais a longo prazo, o que dificulta a realização de obras para o mercado livre", comentou. O Preço de Liquidação de Diferenças também vem levantando polêmicas no setor elétrico. Muitos agentes acreditam que o PLD não está refletindo os preços que deveria refletir. "O que a gente está dizendo é que o conceito de preço está se transformando", disse Pedrosa. Segundo ele, antes o preço da energia estava concentrado no contrato, que representava o preço da energia e da potência associada para o consumidor. Hoje em dia, isso está se desdobrando em mecanismos, cada um deles com as suas particularidades, com a sua imprevisibilidade, em vários mecanismos de segurança. "Isso significa que o consumidor paga o contrato, que corresponde ao PLD mais o ágil, e paga a energia de reserva, o despacho fora da ordem de mérito, só para se dar um exemplo", disse Pedrosa, da Abrace. Segundo ele, para o caso do consumidor que está contratando no longo prazo, isso é um distorção, porque ele paga duas vezes pela mesma energia. "A impressão que se tem é que o modelo vai tender a favorecer o PLD baixo. Isso dá um sinal econômico equivocado e a reação do mercado segue o sinal econômico", disse Pedrosa. Surek, da Apine, concorda e aponta que hoje existe um processo contínuo de se derrubar o PLD, devido aos diversos procedimentos de segurança que se criou no sistema elétrico brasileiro, que despacha térmica fora da ordem de mérito, o que permite que os reservatórios fiquem cheios e, consequentemente, o PLD cai. "Algumas inconsistências desse modelo precisam ser revistas urgentemente", analisou De acordo com Barata, da CCEE, o PLD nunca ficou tão baixo por tanto tempo. Para a quarta semana de novembro, o preço fixado foi de R$ 45,45/MWh para as cargas média e pesada e de R$ 43,94/MWh para as cargas leves de todos os submercados. "O PLD nunca ficou por um período tão longo em um patamar baixo. Nós passamos praticamente todo o período seco com um PLD muito baixo. Se comparar com outros anos, em 2011 houve um comportamento diferente. O preço ficou bastante baixo porque tivemos um ano de chuvas boas, que fizeram com que os reservatórios ficassem cheios e os preços caíssem", disse. O problema, segundo os agentes, é que o PLD baixo por muito tempo desestimula os contratos de longo prazo por parte dos consumidores livres, que preferem aproveitar os preços do mercado VpoW. E, como lembrou Mozart de Siqueira, conselheiro da Associação Brasileira de Geração Limpa e presidente da Brennand Energia, é difícil conseguir financiamento para projetos destinados ao mercado livre, principalmente se não há contratos de longo prazo. De acordo com o executivo, o mercado livre não está disposto, com algumas excessões, a fazer contratos de longo prazo que permitam a expansão. Barata, da CCEE, não vê dessa forma. Segundo ele, 42% dos contratos hoje já são superiores a cinco anos, o que pode ser considerado de longo prazo. "Isso é uma surpresa, porque algumas pessoas acham que o mercado livre é um mercado puramente de oportunidade, onde os cosumidores vão estar lá porque a energia é barata", comentou. No entanto, ele pondera que existem obstáculos para que se faça contratos maiores, principalmente porque o consumidor não pode vender suas sobras de energia. Ele comentou que os grandes consumidores estão, principalmente, na siderurgia, na agroind~stria, no mercado de papel e celulose, que são mercados muito voláteis, que dependem do mercado internacional. "Esses empreendedores não sabem quanto eles vão estar produzindo daqui a dois anos ou cinco anos e, nem mesmo, se eles vão estar com as plantas deles operando. E sem poder vender o excedente da energia, fica difícil fazer contratos maiores", analisou. A ampliação do mercado livre e a possibilidade de venda de excedentes foram temas discutidos recentemente na MP 540. A medida provisória incluía duas emendas que ampliavam o ACL, mas que foram retiradas pouco antes da votação. Marcelo Moraes, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira dos Produtores Indenpendentes de Energia, defende que seja feito um trabalho junto aos Poderes Executivo e Legislativo, de forma que fique clara a importância dessa ampliação do ACL. No que diz respeito à grande ind~stria, segundo Pedrosa, da Abrace, prevalece os contratos de longo prazo, até pelas obrigações corporativas e pelo risco de ficar exposto. "Essas empresas tem políticas globais de risco, que impedem esse posicionamento. Então, a atuação no curto prazo da grande indústria é absolutamente complementar e acessória", disse o executivo. No entanto, ele acredita que nesse sistema a grande indústria está pagando o que não deveria. "A grande indústria não tem acesso aos preços baixos dos leilões, mas ela acaba pagando encargos que decorrem da característica dos novos projetos. Os novos projetos, cujo preço baixo chega ao consumidor cativo, ampliam as necessidades de energia de potência, que são pagos por encargos, que também são rateados com a grande indústria", disse. Pedrosa reclamou que a parte boa dos leilões vai para o consumidor cativo, enquanto a parte ruim, que é o aumento das perdas do sistema, o aumento do custo de transmissão - porque as usinas estão cada vez mais longe do centro consumidor -, o aumento dos encargos para firmar energia de potência dos empreendimentos, terminam sendo rateados por todos. Então, isso cria um mecanismo de subsídio da grande indústria para o conjunto do mercado e isso destrói valor da economia brasileira", apontou. Luiz Barroso, diretor da PSR Consultoria, contou que está sendo proposto a criação de um encargo de suprimento de ponta, através do qual seria realizado a motorização extra das grandes hidrelétricas para resolver o problema da ponta. "Isso é um absurdo muito grande. Até porque o consumidor livre pagaria o encargo, sendo que aquele consumidor que já contratou sua própria ponta, acabaria pagando duas vezes", argumentou. O fato é que mesmo que alguns consumidores realizem contratos de longo prazo, a proibição da venda de excedentes por consumidores livres emperra a ampliação desse mercado. "Nós precisamos ter a liberdade de vender o nosso excedente. O mercado livre precisa crescer. Não é possível que continuemos com essas limitações", defendeu Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia. Outro empecilho ao crescimento do mercado, na visão de Paulo Pedrosa, da Abrace, é a reserva de mercado, ou seja, o fato de só as fontes incentivadas poderem vender para os consumidores especiais. "A energia incentivada tende a ser competitiva para consumidores com tensão mais baixa, mas não se deve criar essa reserva de mercado. O que a Abrace defende é que precisamos resolver algumas distorções antes de ampliar o mercado. A tese é muito boa, mas precisamos garantir o acesso do ACL a expansão e a liquidez dos contratos, por exemplo. Esses são passos importantes para se ampliar o mercado. O ideal é que tudo possa convergir para um mercado só", comentou. João Mello, presidente da Andrade & Canellas, também defende que todos os consumidores deveriam poder comprar de todas as fontes de energia. Um estudo realizado pela consultoria mostrou que atualmente, o mercado livre responde por 27% da carga total, sendo que 2% são formados por consumidores especiais. Mas a expectativa máxima é que esse mercado possa atingir 46%, sendo 14% de consumidores especiais. "Mas esse aumento do mercado depende de disponibilidade de energia e preços no ACL contra os preços do ACR", apontou. Mello disse ainda que na comparação com o ano passado, os preços no mercado livre para contratos de longo prazo reduziram. "Em 2010, os preços ficaram em torno de R$ 125/MWh a 130/MWh. Nesse ano, os valores foram um pouco menores: entre R$ 110/MWh e R$ 120/MWh", calculou. A expectativa de ampliação do n~mero de consumidores especiais na CCEE levou a Abraceel a apresentar uma proposta de criação da figura do comercializador varejista, que representaria as cargas dos consumidores especiais na CCEE. Os consumidores especiais também teriam uma adesão simplificada na Câmara e o comercializador varejista ficaria responsável por toda a operação. Segundo Reginaldo Medeiros, presidente da Abraceel, a proposta apresentada pela associação foi aprimorada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e remetida à Aneel em setembro desse ano. "Acreditamos que a criação da figura do comercializador varejista deverá entrar na pauta da Aneel ainda este ano e que também ainda em 2011 seja aberta uma audiência p~blica para debater o assunto", disse Medeiros. Mesmo com todos esses desafios, o mercado livre quer e precisa crescer de forma sustentável. Isso significa, reduzir os limites de elegibilidade desse mercado, garantir a isonomia entre ACR e ACL, permitir que os consumidores possam vender seus excedentes, facilitando assim, a assinatura de contratos de longo prazo, entre outros desafios que ainda precisam ser superados. "Eu não tenho d~vidas de que o fututo é esse: cada um de nós sermos capazes de escolher nosso provedor de energia e as distribuidoras ficarem apenas com um papel de provedora de um serviço de fio, de distribuição. As comercializadoras seriam as responsáveis por venderem a energia. Agora, a velocidade com que isso será implantado vai depender das condições políticas, econômicas e culturais do país", avaliou Barata, da CCEE.