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Principais mudanças e entraves para o desenvolvimento sustentável da pecuária
de leite no Estado de São Paulo a partir do levantamento de experiências.
Autor: GARZILLO, JOSEFA MARIA FELLEGGER.
Identificação:
Médica Veterinária
Mestrado em Patologia Experimental e Comparada (FMVZ-USP),
Especialização em Gerenciamento Ambiental (ESALQ-USP).
e.mail de contato: [email protected]
Resumo
O desafio da pecuária é oferecer segurança nutricional e minimizar impactos
socioambientais da produção alimentar. Nutricionalmente denso, o leite aporta cálcio,
vitaminas, aminoácidos. No Brasil, o consumo per capita é 64% do preconizado pelo
Ministério da Saúde. Importado de outros estados e países, o leite viaja até o
consumidor paulista. Com objetivo de levantar experiências e ganhar conhecimentos
não disponíveis por outras fontes, treze agentes do setor leiteiro, escolhidos por
amostragem não probabilística, expressaram memórias e visões das mudanças e
entraves para a sustentabilidade da pecuária leiteira em São Paulo, com perspectiva
de vinte anos passados e futuros, em entrevistas individuais não estruturadas. Os
assuntos abordados foram categorizados em: (a) mercado; (b) desenvolvimento
científico e transferência tecnológica; (c) competitividade; (d) equilíbrio de forças; (e)
gerenciamento ambiental; (f) qualidade do leite. Para os entrevistados, as principais
mudanças e entraves serão: (1) conscientização do consumidor sobre qualidade do
leite; (2) adequação às exigências ambientais e mitigação de impactos; (3)
dificuldades com mão de obra e sucessão; (4) maior demanda pela distribuição de
renda; (5) políticas eficazes de transferência tecnológica; (6) organização setorial e
estruturação de redes de relacionamento; (7) avanço de outras culturas sobre áreas
leiteiras. Muitos produtores deixam a atividade, cedendo terras para cana, laranja e
eucalipto. Este fenômeno, de impacto socioambiental, relaciona-se ao elevado custo
dos fatores de produção (terra, mão de obra, capital) e da falta de políticas para
profissionalização dos produtores de leite. Viabilidade econômica, equidade social,
eficiência zootécnica favorecem a preservação ambiental e do patrimônio cultural
agrário.
Palavras chave: desenvolvimento sustentável rural,
planejamento de longo prazo, segurança alimentar.
pecuária
Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso.
O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor.
de
leite,
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Abstract
The animal production challenge is to provide nutritional safety and minimize social and
environmental impacts of food production. Nutritionally dense, the milk brings calcium,
vitamins and amino acids. In Brazil, the consumption ‘per capita’ is 64% of the Ministry
of Health recommendation. Part of dairy products is imported from other states and
countries, and travel to reach consumers in Sao Paulo. Aiming to get experience and
gain knowledge not available from other sources, an exploratory study by unstructured
interviews, non-probabilistic sampling, thirteen sector agents have expressed
memories and visions of change and barriers to sustainability of dairy cattle in São
Paulo, in a time perspective of twenty years past and future. The subjects covered
were categorized into: (a) market, (b) scientific development and technological transfer,
(c) competitiveness, (d) balance of power, (e) environmental management, (f) milk
quality. For respondents, the main changes and barriers will be: (1) consumer
awareness about milk quality, (2) adaptation to environmental requirements and
mitigation of impacts, (3) difficulties with workforce and succession, (4) increased
demand regard income distribution, (5) effective policies for technological transfer, (6)
sector organization and social networks, (7) other crops replacing dairy areas. Many
producers are quitting the activity, giving land to sugar cane, orange and eucalyptus.
This phenomenon, with social and environmental impact, is related to the high cost of
factors of production (land, labor, capital) and the lack of policies for vocational training
of milk producers. Economic viability, social equity and animal production efficiency
promote the conservation of the environment and the rural culture heritage.
Key words: sustainable rural development, dairy husbandry, long-term planning,
food safety.
Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso.
O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor.
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Introdução
Novos paradigmas estão em criação, sob a égide da sustentabilidade,
capazes de modificar desde políticas e legislações locais até regras de comércio
internacional, sem falar na preferência dos consumidores que declaram preferir
produtos que levam em conta as questões socioambientais. Preparar-se para atender
esse novo público, dentro de novas regras legais e de mercado, exige compreender as
bases do desenvolvimento sustentável e estruturar-se para operar em mercados mais
hostis.
Discussões sobre diferentes temas da atualidade estão na órbita da
cadeia do leite, como formação e capacitação de pessoas, uso do solo e dos serviços
ecossistêmicos, segurança sanitária e alimentar, geração de empregos e renda,
competitividade econômica, biodiversidade e clima, fortalecimento da agricultura
familiar e das mulheres no campo, desenvolvimento científico e tecnológico,
bioenergia, inovação, comércio mais justo, processo sucessório, dentre tantas. O
desafio dos próximos 50 anos é aumentar a produtividade para suprir necessidades
alimentares e, simultaneamente, minimizar impactos ambientais das produções
agrícolas (HUME et al. 2011). O consumo de leite per capita nacional é 64% do
recomendado pelo Ministério da Saúde e espera-se maior necessidade de suprimento.
São Paulo passou de segundo para sexto Estado produtor, com redução em volume
de leite, rebanho e número de produtores. Atualmente, boa parte do leite viaja até
chegar ao consumidor paulista, o que amplia os impactos ambientais de transporte,
eleva risco de suprimento, além de promover a perda do patrimônio cultural agrário e
favorecer a monocultura. Em dez anos, o Brasil perdeu cerca de 500 mil produtores de
leite (MARTINS, 2011). Este trabalho traz o conteúdo de entrevistas confidenciais
como processo de inteligência coletiva e não expressa opinião do autor.
Desenvolvimento
Levantamento de experiências
Treze agentes do setor leiteiro, escolhidos por amostragem não
probabilística, expressaram memórias e visões das mudanças e entraves para a
sustentabilidade da pecuária leiteira paulista, com perspectiva de vinte anos passados
e futuros, em entrevistas individuais não estruturadas (BONI & QUARESMA; 2005;
MATTAR, 2001). O conteúdo das entrevistas passou por categorização temática, a
adotar focalização aberta (AULICINO, 2006), ou seja, temas foram classificados à
medida que emergiam do conteúdo, sem nenhuma definição a priori. Foram eles: (a)
mercado; (b) desenvolvimento científico e transferência tecnológica; (c)
competitividade; (d) equilíbrio de forças; (e) gerenciamento ambiental; (f) qualidade do
leite. Para os entrevistados, as principais mudanças e entraves serão: (1)
conscientização do consumidor sobre qualidade do leite; (2) adequação às exigências
ambientais e mitigação de impactos; (3) dificuldades com mão de obra e sucessão; (4)
maior demanda pela distribuição de renda; (5) políticas eficazes de transferência
tecnológica; (6) organização setorial e estruturação de redes de relacionamento; (7)
avanço de outras culturas sobre áreas leiteiras.
Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso.
O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor.
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A história vivida e as visões de futuro
Há vinte anos, o país vivia hiperinflação, com preço do leite tabelado
para compra e venda, e o mercado fechado para produtos estrangeiros. A
estabilização econômica após o plano real e a redistribuição de renda promoveram
aumento do consumo de lácteos. Naquele momento, o setor não estava preparado
para responder a essa demanda, não houve a profissionalização necessária aos
produtores para aumentar o volume e a qualidade do leite produzido, nem a adaptação
para operar em livre mercado, o que dificultou para muitos o aproveitamento das
oportunidades emergentes. O mercado nacional foi suprido por leite vindo de outros
países pela abertura de mercado, bem como pela institucionalização do MERCOSUL,
a destacar leite vindo da Argentina e Uruguai. Assim, o Brasil se posicionou como
importador de leite, mesmo dotado de todas as pré-condições para a autossuficiência
e excelência nesta área. Em situações esporádicas e excepcionais, quando da falta de
leite no mercado internacional por catástrofes climáticas sofridas na Austrália e Nova
Zelândia, ou quando a taxa cambial foi favorável, o Brasil participou como exportador,
mas supriu mercados que aceitavam leite de qualidade baixa.
Historicamente, a pecuária leiteira apresenta, em sua maioria, baixa
produtividade por animal e por área. A média no Estado de São Paulo foi apresentada
pelo IBGE (2012) como de 1080 litros anuais por vaca ordenhada, enquanto a média
nacional é de 1340 litros. A título de comparação, na Dinamarca e na Holanda os
valores médios anuais chegam a 7800 e 6400 litros por vaca, respectivamente
(OUDSHOORN, 2009). A elevação do desempenho zootécnico significaria para a
gestão ambiental, numa possível análise do ciclo de vida do leite, melhor
aproveitamento dos recursos naturais, ou diminuição de pegada hídrica ou pegada de
carbono por litro produzido. A elevação do desempenho zootécnico significaria para a
gestão empresarial, melhor aproveitamento dos fatores de produção, aumento de
receita, a dar chances de emancipação através da transformação dos milhares de
agricultores familiares em empreendedores rurais. De acordo com os entrevistados, a
dificuldade da maioria dos produtores está na falta de capacitação gerencial e
produtiva. O sistema de extensão rural que vigorou até hoje não deu conta de passar
os conhecimentos necessários para que o produtor promovesse a ruptura e fizesse um
salto econômico e social substancial. Outro problema fundamental foi o
desalinhamento entre desenvolvimento local de ciência e tecnologia, havendo abismos
separando institutos de pesquisa e campo, ou ainda a importação direta de
conhecimento do exterior sem a devida “tropicalização”. A estruturação de sistema
eficaz de transferência de tecnologia não foi feito até agora por ser caro, pela
pulverização em propriedades pequenas e distantes, dificultando aproximação e
convencimento dos produtores. Citaram que não houve valorização da transferência e
sim da pesquisa. Criou-se um sistema de progressão de carreira técnico-científica
onde quem progride é quem publica. Nestes últimos 20 anos, boa parte da
transferência tecnológica foi feita pelo setor privado aliado à venda de seus produtos.
Para o futuro, vê-se a necessidade da criação de rede de extensão rural com
independência comercial, política e ideológica e com capacidade de penetração.
Há mais de vinte anos, a introdução da embalagem longa vida permitiu
estocar em temperatura ambiente, por 180 dias, um produto perecível que nas
embalagens tradicionais durava aproximadamente 10 dias sob-refrigeração. Esta nova
tecnologia foi bem recebida numa época de hiperinflação, quando a estocagem de
alimentos era uma maneira da população se proteger da corrosão salarial ao longo do
mês. Controlada a inflação, o hábito de compra permaneceu e ainda hoje o leite longa
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vida detém a maior participação de mercado. Os produtos com classificação ‘leite tipo
B’ e ‘leite tipo C’ praticamente desapareceram do mercado. Os produtores enfrentaram
forte dilema. Alguns mais capacitados e capitalizados, originariamente produtores de
leite B, decidiram investir, produzir leite tipo A, tornaram suas operações
verticalizadas, altamente tecnificadas, dentro de padrões empresariais. Deixaram de
entregar leite para os laticínios e passaram a ter marca própria, ofertando na região.
Outros, sem as mesmas condições, continuaram a fornecer leite para as indústrias
captadoras, mas agora dentro de novas exigências contratuais e regulatórias. O
produtor rural que vendia leite ou fazia produção de derivados, passou a ter a sua
atividade como ilegal por mudanças da legislação, que não previu a atividade de
queijo artesanal, reprimindo tal atividade. Essas mudanças, promovidas pelo Ministério
da Agricultura, direcionaram o pequeno produtor para fornecer seu leite
exclusivamente aos grandes conglomerados ou indústrias, inviabilizando o poder de
negociação por influenciar diretamente nas forças de poder e retirar as alternativas
dos pequenos e médios produtores.
A inovação tecnológica da embalagem longa vida pressupunha
estruturar a indústria com novos equipamentos e materiais para envase do leite, bem
como a mudança da tecnologia de tratamento térmico do leite, que passava da
pasteurização para o processo de esterilização ou para UHT (Ultra-High Temperature),
que eliminava a flora do leite e favorecia a estocagem por longos períodos. Nem todos
os laticínios puderam acompanhar essa tendência, e muitas cooperativas continuaram
uma briga quixotesca pela manutenção do mercado para o leite em saquinho. Esta
virada tecnológica exigia investimentos e escala, o setor industrial entrou em processo
de consolidação, muitos laticínios pequenos e médios foram fechados, com impactos
também nas cooperativas. Neste sentido, foi necessário também reorganizar os
processos da coleta do leite a granel. A localização espacial pulverizada das granjas, a
precariedade das estradas e o custo do transporte associados à concentração da
industrialização do leite em unidades maiores resultou em reformulação no sistema de
coleta. A indústria tinha dificuldade logística e econômica em coletar diariamente o
leite, como sempre fora. O leite ordenhado permanecia algumas horas na granja e ia
para o laticínio, onde era estocado, processado e industrializado. Então passou a
exigir-se, com apoio de regulamentações governamentais, a introdução de tanques de
resfriamento nas granjas, que permitia o leite ser estocado por alguns dias, às custas
e responsabilidade dos produtores, até atingir volume que compensasse o frete. Esses
novos investimentos foram impingidos a um produtor descapitalizado, com dificuldades
de acesso a crédito.
Se o resfriamento retarda o processo de deterioração do leite, a
elevação dos padrões de qualidade também, uma vez que, dentre outros benefícios
relativos à segurança alimentar, reduz o grau de contaminação microbiana. Por vários
anos debateu-se a entrada em vigor prevista para dezembro de 2011 da Instrução
Normativa No. 51 (IN51), que redefinia as especificações regulatórias e normativas
para leite de classificação A, B e C. Pela dificuldade de os produtores atenderem tais
parâmetros, o que exigia mais investimentos estruturais na granja e treinamento dos
produtores, foi emitido a Instrução Normativa no. 62, que estabeleceu padrões apenas
para o leite tipo A, deixando para o futuro as novas exigências para o leite tipo B e tipo
C. Um benefício importante dos novos sistemas de coleta foi a ampliação da
formalização da produção do leite no país, que subiu de 57% em 1997 para 68% em
2010. No entanto, este sistema detém o leite de qualidade inferior comparado ao leite
tipo A, e demonstra esforços incipientes e limitados para impulsionar a melhoria da
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qualidade através do pagamento diferenciado ao produtor. Para os entrevistados, a
chave está na conscientização do consumidor sobre qualidade do leite.
No passado, a pecuária leiteira se desenvolvia no entorno dos centros
urbanos, de modo a fornecer alimento matinal fresco. O próprio desenvolvimento da
bacia leiteira do Vale do Paraíba ocorreu pela necessidade de suprimento no eixo RioSão Paulo. O crescimento das cidades e a expansão do perímetro urbano resultaram
em avizinhar granjas e comunidades, a aumentar reclamação dos habitantes urbanos
a respeito do odor e de moscas, mas sensivelmente por uma disputa econômica pelas
áreas tidas como mais vantajosas, por exemplo, para estabelecimento de condomínios
residenciais ou industriais. As granjas leiteiras foram, e continuam sendo, empurradas
das suas localidades originais, inclusive por pressões dos municípios para novos
rearranjos na ocupação territorial das áreas de maior valor comercial. O mesmo
fenômeno de elevação no preço da terra ocorreu na zona rural do estado, e empurrou
a pecuária para áreas mais baratas, migrando de São Paulo para o Centro-Oeste,
particularmente Goiás.
De acordo com os entrevistados, por falta de condições no campo, as
famílias rurais migraram para as cidades em busca de saúde e educação para os
filhos. A nova geração não quer manter-se na atividade, resultando em problemas
sucessórios. A atividade leiteira é intensiva em mão de obra e diuturna e, no atual
contexto, de baixa rentabilidade por hectare. Ainda que com auxílio da família no
trabalho, há espaço na operação leiteira para contratação de mão de obra. No entanto,
o custo desta mão de obra foi encarecido nos últimos 20 anos devido à aplicação dos
mesmos benefícios trabalhistas do meio urbano, bem como pela disputa por mão de
obra com outras culturas agrícolas, mas também com a construção civil. Como se não
bastasse, o produtor esteve vulnerável às flutuações cambiais, uma vez que boa parte
dos insumos utilizados, como vacinas, medicamentos, sal mineral e outras
commodities agrícolas têm seus preços dolarizados e o produtor vende o leite em real.
Por todas as condições de custo de produção em São Paulo, aliado a alguns
incentivos para o leite em outros Estados, entrou no mercado paulista leite mais barato
vindo principalmente de Goiás e do Paraná. Paralelamente, houve grande avanço em
São Paulo, com incentivos governamentais, para que culturas como a cana ficassem
em áreas mais próximas aos grandes centros consumidores de etanol, garantindo o
abastecimento. Foi neste momento que pequenos e médios produtores vislumbraram
a saída para seus problemas, quando começou a surgir oportunidade de arrendar a
terra, o que significava ganhos financeiros com menor risco e sem custos. Arrendaram
por 10 ou 15 anos e durante este período não voltarão a produzir leite nestas áreas.
Como as granjas não dispunham de gestão financeira profissionalizada, a conta de
vender as vacas e arrendar a terra parecia ser lucrativa. Isso fez com que muitos
produtores rapidamente tomassem a decisão de deixar a profissão e seu
empreendimento leiteiro. Esse produtor não teve assistência técnica, não teve
incentivos financeiros e estruturais para permanecer no campo, recebeu pressões que
aumentaram custos e ameaçaram a qualidade de vida da sua família, forçando-o a
migrar para a zona urbana. Por que não partir para um negócio de ganho seguro, sem
custos e de baixo risco? As vacas foram para o abate ou, se de boa genética,
vendidas para as operações que se ampliavam em outros estados brasileiros.
Achava-se que nestes últimos 20 anos, o grau de profissionalismo
aumentaria rapidamente, mas não foi isso que aconteceu. Havia expectativa de
aumento no número de propriedades de tamanho médio, familiares, o que não houve.
A inércia foi de movimento para a polarização, ou seja, as propriedades se tornam
muito grandes ou muito pequenas. Não é um fenômeno exclusivo do Brasil, é uma
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tendência internacional e não parece ser muito saudável. Há 20 anos, havia a
perspectiva de que as granjas leiteiras se tecnificassem. Mas o processo que
aconteceu foi o mecanismo de polarização para granjas altamente tecnificadas ou de
baixíssima tecnificação. A polarização aconteceu pelas duas características: tamanho
e grau de adoção de tecnologias. Em São Paulo, há um modelo característico de
desenvolvimento da bovinocultura de leite. No Rio Grande do Sul, a produção é feita
por pequenos produtores familiares altamente tecnificados, as famílias têm orgulho de
produzir leite, existe a identificação da atividade leiteira com a questão cultural. Em
São Paulo não existe a identidade cultural para o leite. Existem alguns grandes
produtores altamente profissionalizados, no padrão norte americano, e a tendência no
Estado é de o setor migrar para este lado do polo. Do outro lado, permanecem
microprodutores subsidiados pelo governo e que nunca conseguirão dar o salto
econômico e tecnológico necessários para sua autonomia financeira e emancipação.
O leite destas propriedades menores é vendido barato para a indústria, o custo de
produção é baixo, a renda familiar é pequena porque ele produz pequeno volume e de
forma ineficiente. O médio e pequeno não conseguem manter-se no mercado, e o
grande começa a preencher parcialmente esta lacuna que se forma e a outra parte é
preenchida pelos produtores de outros estados e países. No passado, havia um
cooperativismo mais organizado e menos industrial, que conseguia captar o leite do
pequeno e médio. O cooperativismo também sofreu com o processo de consolidação.
Considerações finais
Presume-se para o futuro maior demanda de lácteos, considerando as
políticas de inclusão social e as exigências de cálcio, fósforo e aminoácidos essenciais
providos por esse alimento de alta densidade nutricional. A expectativa é para o
mercado local e mundial. Para que os produtores aproveitem estas oportunidades, fazse necessário planejamento de longo prazo consistente que englobe as necessidades
e aspirações do setor como um todo, pautado para o desenvolvimento rural
sustentável, de modo a não se recorrer os mesmos erros do passado. O futuro pode
ser preparado pelo amplo e profundo diálogo que harmonize necessidades, interesses
e ações, com total compromisso governamental nos diferentes níveis de poder.
Ferramentas que construam um futuro consciente das forças motrizes e que direcione
para uma condição equânime das partes interessadas. Assim, o setor leiteiro deve fiar
a teia necessária para trabalhar seus problemas e aspirações, compreender as bases
do desenvolvimento sustentável rural e estruturar-se para operar em mercados mais
hostis. Alguns trabalhos profundos foram gerados (CAMPOS & NEVES, 2007), mas
ainda falta a apropriação do tema pelo setor.
O fenômeno de esvaziamento relaciona-se ao elevado custo dos fatores
de produção, da falta de políticas para profissionalização dos produtores de leite e de
regulamentações que interferem negativamente no equilíbrio de forças entre os elos
da cadeia produtiva. As condições que se apresentam de consolidação e
esvaziamento são observadas em outras partes do mundo, como resposta a mercados
cada vez mais competitivos e instabilidade dos preços das commodities agrícolas.
Numa visão tendencial, o esperado seria a inércia do movimento para a consolidação,
chegando ao extremo de efetivo desaparecimento de centenas de milhares de
produtores, manutenção de dezenas de grandes produtores que supririam os grandes
conglomerados industriais, que não apenas ofertariam leite UHT e leite em pó, mas
também leite tipo A.
Para o setor leiteiro, a equação da sustentabilidade parece, ao primeiro
olhar, a mais possível de todas, considerando as pressões enfrentadas pelo setor
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agropecuário, seus desafios e propósitos. Uma das grandes vantagens, por enquanto,
para o produtor de leite é o controle genético do seu rebanho, o que lhe proporciona
autonomia. Condição diferente para outras culturas agrícolas, ou como a criação de
aves e suínos, cuja genética tem o desenvolvimento sob o controle da indústria. A
segunda vantagem é não ter sua atividade correlacionada diretamente com as
questões de desmatamento. Outra questão importante para o leite é a baixa restrição
a consumo ligada a ética e crenças religiosas (WAIBEL, 2011). O bem estar animal é
condição básica para a produção de leite e o consumo de leite é necessário do ponto
de vista da segurança nutricional.
Pequenos proprietários de terra podem ser grandes produtores de leite,
quando da profissionalização e intensificação da produção. Há na produção leiteira a
possibilidade de fechamento de ciclos naturais, com uso de bioenergia e
biofertilizantes, produção de água, conservação da biodiversidade. Há a possibilidade
de a atividade acontecer em fazendas multifuncionais. Além, de ser possível
estabelecer acordos intersetoriais para balanço das relações. O setor de etanol e do
leite podem se beneficiar mutuamente, considerando abordagem sinérgica a partir da
elevação da densidade nutricional por área, promovida pelo leite.
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BRASIL. Instrução normativa MAPA No. 51 de 18 de setembro de 2002. Ministério da
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Produção, Identidade e Qualidade do Leite tipo A, do Leite tipo B, do Leite tipo C, do
Leite Pasteurizado e do Leite Cru Refrigerado e o Regulamento Técnico da Coleta de
Leite Cru Refrigerado e seu Transporte a Granel.
BRASIL. Instrução normativa MAPA No. 62 de 29 de dezembro de 2011. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Alterar a Instrução normativa MAPA No. 51.
Aprovar o Regulamento Técnico de Produção, Identidade e Qualidade do Leite tipo A,
o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Cru Refrigerado, o
Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Pasteurizado e o
Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte a Granel.
CAMPOS, E. M. e NEVES, M. F.(coordenadores). Planejamento e gestão estratégica
do sistema agroindustrial do leite no Estado de São Paulo -- 1. ed. -- São Paulo :
SEBRAE, 2007.
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http://www.milkpoint.com.br/mypoint/paulomartins/p_quem_desiste_de_produzir_leite
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Acesso em: 23 dez.2011.
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