2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Principais mudanças e entraves para o desenvolvimento sustentável da pecuária de leite no Estado de São Paulo a partir do levantamento de experiências. Autor: GARZILLO, JOSEFA MARIA FELLEGGER. Identificação: Médica Veterinária Mestrado em Patologia Experimental e Comparada (FMVZ-USP), Especialização em Gerenciamento Ambiental (ESALQ-USP). e.mail de contato: [email protected] Resumo O desafio da pecuária é oferecer segurança nutricional e minimizar impactos socioambientais da produção alimentar. Nutricionalmente denso, o leite aporta cálcio, vitaminas, aminoácidos. No Brasil, o consumo per capita é 64% do preconizado pelo Ministério da Saúde. Importado de outros estados e países, o leite viaja até o consumidor paulista. Com objetivo de levantar experiências e ganhar conhecimentos não disponíveis por outras fontes, treze agentes do setor leiteiro, escolhidos por amostragem não probabilística, expressaram memórias e visões das mudanças e entraves para a sustentabilidade da pecuária leiteira em São Paulo, com perspectiva de vinte anos passados e futuros, em entrevistas individuais não estruturadas. Os assuntos abordados foram categorizados em: (a) mercado; (b) desenvolvimento científico e transferência tecnológica; (c) competitividade; (d) equilíbrio de forças; (e) gerenciamento ambiental; (f) qualidade do leite. Para os entrevistados, as principais mudanças e entraves serão: (1) conscientização do consumidor sobre qualidade do leite; (2) adequação às exigências ambientais e mitigação de impactos; (3) dificuldades com mão de obra e sucessão; (4) maior demanda pela distribuição de renda; (5) políticas eficazes de transferência tecnológica; (6) organização setorial e estruturação de redes de relacionamento; (7) avanço de outras culturas sobre áreas leiteiras. Muitos produtores deixam a atividade, cedendo terras para cana, laranja e eucalipto. Este fenômeno, de impacto socioambiental, relaciona-se ao elevado custo dos fatores de produção (terra, mão de obra, capital) e da falta de políticas para profissionalização dos produtores de leite. Viabilidade econômica, equidade social, eficiência zootécnica favorecem a preservação ambiental e do patrimônio cultural agrário. Palavras chave: desenvolvimento sustentável rural, planejamento de longo prazo, segurança alimentar. pecuária Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. de leite, 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Abstract The animal production challenge is to provide nutritional safety and minimize social and environmental impacts of food production. Nutritionally dense, the milk brings calcium, vitamins and amino acids. In Brazil, the consumption ‘per capita’ is 64% of the Ministry of Health recommendation. Part of dairy products is imported from other states and countries, and travel to reach consumers in Sao Paulo. Aiming to get experience and gain knowledge not available from other sources, an exploratory study by unstructured interviews, non-probabilistic sampling, thirteen sector agents have expressed memories and visions of change and barriers to sustainability of dairy cattle in São Paulo, in a time perspective of twenty years past and future. The subjects covered were categorized into: (a) market, (b) scientific development and technological transfer, (c) competitiveness, (d) balance of power, (e) environmental management, (f) milk quality. For respondents, the main changes and barriers will be: (1) consumer awareness about milk quality, (2) adaptation to environmental requirements and mitigation of impacts, (3) difficulties with workforce and succession, (4) increased demand regard income distribution, (5) effective policies for technological transfer, (6) sector organization and social networks, (7) other crops replacing dairy areas. Many producers are quitting the activity, giving land to sugar cane, orange and eucalyptus. This phenomenon, with social and environmental impact, is related to the high cost of factors of production (land, labor, capital) and the lack of policies for vocational training of milk producers. Economic viability, social equity and animal production efficiency promote the conservation of the environment and the rural culture heritage. Key words: sustainable rural development, dairy husbandry, long-term planning, food safety. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Introdução Novos paradigmas estão em criação, sob a égide da sustentabilidade, capazes de modificar desde políticas e legislações locais até regras de comércio internacional, sem falar na preferência dos consumidores que declaram preferir produtos que levam em conta as questões socioambientais. Preparar-se para atender esse novo público, dentro de novas regras legais e de mercado, exige compreender as bases do desenvolvimento sustentável e estruturar-se para operar em mercados mais hostis. Discussões sobre diferentes temas da atualidade estão na órbita da cadeia do leite, como formação e capacitação de pessoas, uso do solo e dos serviços ecossistêmicos, segurança sanitária e alimentar, geração de empregos e renda, competitividade econômica, biodiversidade e clima, fortalecimento da agricultura familiar e das mulheres no campo, desenvolvimento científico e tecnológico, bioenergia, inovação, comércio mais justo, processo sucessório, dentre tantas. O desafio dos próximos 50 anos é aumentar a produtividade para suprir necessidades alimentares e, simultaneamente, minimizar impactos ambientais das produções agrícolas (HUME et al. 2011). O consumo de leite per capita nacional é 64% do recomendado pelo Ministério da Saúde e espera-se maior necessidade de suprimento. São Paulo passou de segundo para sexto Estado produtor, com redução em volume de leite, rebanho e número de produtores. Atualmente, boa parte do leite viaja até chegar ao consumidor paulista, o que amplia os impactos ambientais de transporte, eleva risco de suprimento, além de promover a perda do patrimônio cultural agrário e favorecer a monocultura. Em dez anos, o Brasil perdeu cerca de 500 mil produtores de leite (MARTINS, 2011). Este trabalho traz o conteúdo de entrevistas confidenciais como processo de inteligência coletiva e não expressa opinião do autor. Desenvolvimento Levantamento de experiências Treze agentes do setor leiteiro, escolhidos por amostragem não probabilística, expressaram memórias e visões das mudanças e entraves para a sustentabilidade da pecuária leiteira paulista, com perspectiva de vinte anos passados e futuros, em entrevistas individuais não estruturadas (BONI & QUARESMA; 2005; MATTAR, 2001). O conteúdo das entrevistas passou por categorização temática, a adotar focalização aberta (AULICINO, 2006), ou seja, temas foram classificados à medida que emergiam do conteúdo, sem nenhuma definição a priori. Foram eles: (a) mercado; (b) desenvolvimento científico e transferência tecnológica; (c) competitividade; (d) equilíbrio de forças; (e) gerenciamento ambiental; (f) qualidade do leite. Para os entrevistados, as principais mudanças e entraves serão: (1) conscientização do consumidor sobre qualidade do leite; (2) adequação às exigências ambientais e mitigação de impactos; (3) dificuldades com mão de obra e sucessão; (4) maior demanda pela distribuição de renda; (5) políticas eficazes de transferência tecnológica; (6) organização setorial e estruturação de redes de relacionamento; (7) avanço de outras culturas sobre áreas leiteiras. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto A história vivida e as visões de futuro Há vinte anos, o país vivia hiperinflação, com preço do leite tabelado para compra e venda, e o mercado fechado para produtos estrangeiros. A estabilização econômica após o plano real e a redistribuição de renda promoveram aumento do consumo de lácteos. Naquele momento, o setor não estava preparado para responder a essa demanda, não houve a profissionalização necessária aos produtores para aumentar o volume e a qualidade do leite produzido, nem a adaptação para operar em livre mercado, o que dificultou para muitos o aproveitamento das oportunidades emergentes. O mercado nacional foi suprido por leite vindo de outros países pela abertura de mercado, bem como pela institucionalização do MERCOSUL, a destacar leite vindo da Argentina e Uruguai. Assim, o Brasil se posicionou como importador de leite, mesmo dotado de todas as pré-condições para a autossuficiência e excelência nesta área. Em situações esporádicas e excepcionais, quando da falta de leite no mercado internacional por catástrofes climáticas sofridas na Austrália e Nova Zelândia, ou quando a taxa cambial foi favorável, o Brasil participou como exportador, mas supriu mercados que aceitavam leite de qualidade baixa. Historicamente, a pecuária leiteira apresenta, em sua maioria, baixa produtividade por animal e por área. A média no Estado de São Paulo foi apresentada pelo IBGE (2012) como de 1080 litros anuais por vaca ordenhada, enquanto a média nacional é de 1340 litros. A título de comparação, na Dinamarca e na Holanda os valores médios anuais chegam a 7800 e 6400 litros por vaca, respectivamente (OUDSHOORN, 2009). A elevação do desempenho zootécnico significaria para a gestão ambiental, numa possível análise do ciclo de vida do leite, melhor aproveitamento dos recursos naturais, ou diminuição de pegada hídrica ou pegada de carbono por litro produzido. A elevação do desempenho zootécnico significaria para a gestão empresarial, melhor aproveitamento dos fatores de produção, aumento de receita, a dar chances de emancipação através da transformação dos milhares de agricultores familiares em empreendedores rurais. De acordo com os entrevistados, a dificuldade da maioria dos produtores está na falta de capacitação gerencial e produtiva. O sistema de extensão rural que vigorou até hoje não deu conta de passar os conhecimentos necessários para que o produtor promovesse a ruptura e fizesse um salto econômico e social substancial. Outro problema fundamental foi o desalinhamento entre desenvolvimento local de ciência e tecnologia, havendo abismos separando institutos de pesquisa e campo, ou ainda a importação direta de conhecimento do exterior sem a devida “tropicalização”. A estruturação de sistema eficaz de transferência de tecnologia não foi feito até agora por ser caro, pela pulverização em propriedades pequenas e distantes, dificultando aproximação e convencimento dos produtores. Citaram que não houve valorização da transferência e sim da pesquisa. Criou-se um sistema de progressão de carreira técnico-científica onde quem progride é quem publica. Nestes últimos 20 anos, boa parte da transferência tecnológica foi feita pelo setor privado aliado à venda de seus produtos. Para o futuro, vê-se a necessidade da criação de rede de extensão rural com independência comercial, política e ideológica e com capacidade de penetração. Há mais de vinte anos, a introdução da embalagem longa vida permitiu estocar em temperatura ambiente, por 180 dias, um produto perecível que nas embalagens tradicionais durava aproximadamente 10 dias sob-refrigeração. Esta nova tecnologia foi bem recebida numa época de hiperinflação, quando a estocagem de alimentos era uma maneira da população se proteger da corrosão salarial ao longo do mês. Controlada a inflação, o hábito de compra permaneceu e ainda hoje o leite longa Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto vida detém a maior participação de mercado. Os produtos com classificação ‘leite tipo B’ e ‘leite tipo C’ praticamente desapareceram do mercado. Os produtores enfrentaram forte dilema. Alguns mais capacitados e capitalizados, originariamente produtores de leite B, decidiram investir, produzir leite tipo A, tornaram suas operações verticalizadas, altamente tecnificadas, dentro de padrões empresariais. Deixaram de entregar leite para os laticínios e passaram a ter marca própria, ofertando na região. Outros, sem as mesmas condições, continuaram a fornecer leite para as indústrias captadoras, mas agora dentro de novas exigências contratuais e regulatórias. O produtor rural que vendia leite ou fazia produção de derivados, passou a ter a sua atividade como ilegal por mudanças da legislação, que não previu a atividade de queijo artesanal, reprimindo tal atividade. Essas mudanças, promovidas pelo Ministério da Agricultura, direcionaram o pequeno produtor para fornecer seu leite exclusivamente aos grandes conglomerados ou indústrias, inviabilizando o poder de negociação por influenciar diretamente nas forças de poder e retirar as alternativas dos pequenos e médios produtores. A inovação tecnológica da embalagem longa vida pressupunha estruturar a indústria com novos equipamentos e materiais para envase do leite, bem como a mudança da tecnologia de tratamento térmico do leite, que passava da pasteurização para o processo de esterilização ou para UHT (Ultra-High Temperature), que eliminava a flora do leite e favorecia a estocagem por longos períodos. Nem todos os laticínios puderam acompanhar essa tendência, e muitas cooperativas continuaram uma briga quixotesca pela manutenção do mercado para o leite em saquinho. Esta virada tecnológica exigia investimentos e escala, o setor industrial entrou em processo de consolidação, muitos laticínios pequenos e médios foram fechados, com impactos também nas cooperativas. Neste sentido, foi necessário também reorganizar os processos da coleta do leite a granel. A localização espacial pulverizada das granjas, a precariedade das estradas e o custo do transporte associados à concentração da industrialização do leite em unidades maiores resultou em reformulação no sistema de coleta. A indústria tinha dificuldade logística e econômica em coletar diariamente o leite, como sempre fora. O leite ordenhado permanecia algumas horas na granja e ia para o laticínio, onde era estocado, processado e industrializado. Então passou a exigir-se, com apoio de regulamentações governamentais, a introdução de tanques de resfriamento nas granjas, que permitia o leite ser estocado por alguns dias, às custas e responsabilidade dos produtores, até atingir volume que compensasse o frete. Esses novos investimentos foram impingidos a um produtor descapitalizado, com dificuldades de acesso a crédito. Se o resfriamento retarda o processo de deterioração do leite, a elevação dos padrões de qualidade também, uma vez que, dentre outros benefícios relativos à segurança alimentar, reduz o grau de contaminação microbiana. Por vários anos debateu-se a entrada em vigor prevista para dezembro de 2011 da Instrução Normativa No. 51 (IN51), que redefinia as especificações regulatórias e normativas para leite de classificação A, B e C. Pela dificuldade de os produtores atenderem tais parâmetros, o que exigia mais investimentos estruturais na granja e treinamento dos produtores, foi emitido a Instrução Normativa no. 62, que estabeleceu padrões apenas para o leite tipo A, deixando para o futuro as novas exigências para o leite tipo B e tipo C. Um benefício importante dos novos sistemas de coleta foi a ampliação da formalização da produção do leite no país, que subiu de 57% em 1997 para 68% em 2010. No entanto, este sistema detém o leite de qualidade inferior comparado ao leite tipo A, e demonstra esforços incipientes e limitados para impulsionar a melhoria da Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto qualidade através do pagamento diferenciado ao produtor. Para os entrevistados, a chave está na conscientização do consumidor sobre qualidade do leite. No passado, a pecuária leiteira se desenvolvia no entorno dos centros urbanos, de modo a fornecer alimento matinal fresco. O próprio desenvolvimento da bacia leiteira do Vale do Paraíba ocorreu pela necessidade de suprimento no eixo RioSão Paulo. O crescimento das cidades e a expansão do perímetro urbano resultaram em avizinhar granjas e comunidades, a aumentar reclamação dos habitantes urbanos a respeito do odor e de moscas, mas sensivelmente por uma disputa econômica pelas áreas tidas como mais vantajosas, por exemplo, para estabelecimento de condomínios residenciais ou industriais. As granjas leiteiras foram, e continuam sendo, empurradas das suas localidades originais, inclusive por pressões dos municípios para novos rearranjos na ocupação territorial das áreas de maior valor comercial. O mesmo fenômeno de elevação no preço da terra ocorreu na zona rural do estado, e empurrou a pecuária para áreas mais baratas, migrando de São Paulo para o Centro-Oeste, particularmente Goiás. De acordo com os entrevistados, por falta de condições no campo, as famílias rurais migraram para as cidades em busca de saúde e educação para os filhos. A nova geração não quer manter-se na atividade, resultando em problemas sucessórios. A atividade leiteira é intensiva em mão de obra e diuturna e, no atual contexto, de baixa rentabilidade por hectare. Ainda que com auxílio da família no trabalho, há espaço na operação leiteira para contratação de mão de obra. No entanto, o custo desta mão de obra foi encarecido nos últimos 20 anos devido à aplicação dos mesmos benefícios trabalhistas do meio urbano, bem como pela disputa por mão de obra com outras culturas agrícolas, mas também com a construção civil. Como se não bastasse, o produtor esteve vulnerável às flutuações cambiais, uma vez que boa parte dos insumos utilizados, como vacinas, medicamentos, sal mineral e outras commodities agrícolas têm seus preços dolarizados e o produtor vende o leite em real. Por todas as condições de custo de produção em São Paulo, aliado a alguns incentivos para o leite em outros Estados, entrou no mercado paulista leite mais barato vindo principalmente de Goiás e do Paraná. Paralelamente, houve grande avanço em São Paulo, com incentivos governamentais, para que culturas como a cana ficassem em áreas mais próximas aos grandes centros consumidores de etanol, garantindo o abastecimento. Foi neste momento que pequenos e médios produtores vislumbraram a saída para seus problemas, quando começou a surgir oportunidade de arrendar a terra, o que significava ganhos financeiros com menor risco e sem custos. Arrendaram por 10 ou 15 anos e durante este período não voltarão a produzir leite nestas áreas. Como as granjas não dispunham de gestão financeira profissionalizada, a conta de vender as vacas e arrendar a terra parecia ser lucrativa. Isso fez com que muitos produtores rapidamente tomassem a decisão de deixar a profissão e seu empreendimento leiteiro. Esse produtor não teve assistência técnica, não teve incentivos financeiros e estruturais para permanecer no campo, recebeu pressões que aumentaram custos e ameaçaram a qualidade de vida da sua família, forçando-o a migrar para a zona urbana. Por que não partir para um negócio de ganho seguro, sem custos e de baixo risco? As vacas foram para o abate ou, se de boa genética, vendidas para as operações que se ampliavam em outros estados brasileiros. Achava-se que nestes últimos 20 anos, o grau de profissionalismo aumentaria rapidamente, mas não foi isso que aconteceu. Havia expectativa de aumento no número de propriedades de tamanho médio, familiares, o que não houve. A inércia foi de movimento para a polarização, ou seja, as propriedades se tornam muito grandes ou muito pequenas. Não é um fenômeno exclusivo do Brasil, é uma Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto tendência internacional e não parece ser muito saudável. Há 20 anos, havia a perspectiva de que as granjas leiteiras se tecnificassem. Mas o processo que aconteceu foi o mecanismo de polarização para granjas altamente tecnificadas ou de baixíssima tecnificação. A polarização aconteceu pelas duas características: tamanho e grau de adoção de tecnologias. Em São Paulo, há um modelo característico de desenvolvimento da bovinocultura de leite. No Rio Grande do Sul, a produção é feita por pequenos produtores familiares altamente tecnificados, as famílias têm orgulho de produzir leite, existe a identificação da atividade leiteira com a questão cultural. Em São Paulo não existe a identidade cultural para o leite. Existem alguns grandes produtores altamente profissionalizados, no padrão norte americano, e a tendência no Estado é de o setor migrar para este lado do polo. Do outro lado, permanecem microprodutores subsidiados pelo governo e que nunca conseguirão dar o salto econômico e tecnológico necessários para sua autonomia financeira e emancipação. O leite destas propriedades menores é vendido barato para a indústria, o custo de produção é baixo, a renda familiar é pequena porque ele produz pequeno volume e de forma ineficiente. O médio e pequeno não conseguem manter-se no mercado, e o grande começa a preencher parcialmente esta lacuna que se forma e a outra parte é preenchida pelos produtores de outros estados e países. No passado, havia um cooperativismo mais organizado e menos industrial, que conseguia captar o leite do pequeno e médio. O cooperativismo também sofreu com o processo de consolidação. Considerações finais Presume-se para o futuro maior demanda de lácteos, considerando as políticas de inclusão social e as exigências de cálcio, fósforo e aminoácidos essenciais providos por esse alimento de alta densidade nutricional. A expectativa é para o mercado local e mundial. Para que os produtores aproveitem estas oportunidades, fazse necessário planejamento de longo prazo consistente que englobe as necessidades e aspirações do setor como um todo, pautado para o desenvolvimento rural sustentável, de modo a não se recorrer os mesmos erros do passado. O futuro pode ser preparado pelo amplo e profundo diálogo que harmonize necessidades, interesses e ações, com total compromisso governamental nos diferentes níveis de poder. Ferramentas que construam um futuro consciente das forças motrizes e que direcione para uma condição equânime das partes interessadas. Assim, o setor leiteiro deve fiar a teia necessária para trabalhar seus problemas e aspirações, compreender as bases do desenvolvimento sustentável rural e estruturar-se para operar em mercados mais hostis. Alguns trabalhos profundos foram gerados (CAMPOS & NEVES, 2007), mas ainda falta a apropriação do tema pelo setor. O fenômeno de esvaziamento relaciona-se ao elevado custo dos fatores de produção, da falta de políticas para profissionalização dos produtores de leite e de regulamentações que interferem negativamente no equilíbrio de forças entre os elos da cadeia produtiva. As condições que se apresentam de consolidação e esvaziamento são observadas em outras partes do mundo, como resposta a mercados cada vez mais competitivos e instabilidade dos preços das commodities agrícolas. Numa visão tendencial, o esperado seria a inércia do movimento para a consolidação, chegando ao extremo de efetivo desaparecimento de centenas de milhares de produtores, manutenção de dezenas de grandes produtores que supririam os grandes conglomerados industriais, que não apenas ofertariam leite UHT e leite em pó, mas também leite tipo A. Para o setor leiteiro, a equação da sustentabilidade parece, ao primeiro olhar, a mais possível de todas, considerando as pressões enfrentadas pelo setor Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto agropecuário, seus desafios e propósitos. Uma das grandes vantagens, por enquanto, para o produtor de leite é o controle genético do seu rebanho, o que lhe proporciona autonomia. Condição diferente para outras culturas agrícolas, ou como a criação de aves e suínos, cuja genética tem o desenvolvimento sob o controle da indústria. A segunda vantagem é não ter sua atividade correlacionada diretamente com as questões de desmatamento. Outra questão importante para o leite é a baixa restrição a consumo ligada a ética e crenças religiosas (WAIBEL, 2011). O bem estar animal é condição básica para a produção de leite e o consumo de leite é necessário do ponto de vista da segurança nutricional. Pequenos proprietários de terra podem ser grandes produtores de leite, quando da profissionalização e intensificação da produção. Há na produção leiteira a possibilidade de fechamento de ciclos naturais, com uso de bioenergia e biofertilizantes, produção de água, conservação da biodiversidade. Há a possibilidade de a atividade acontecer em fazendas multifuncionais. Além, de ser possível estabelecer acordos intersetoriais para balanço das relações. O setor de etanol e do leite podem se beneficiar mutuamente, considerando abordagem sinérgica a partir da elevação da densidade nutricional por área, promovida pelo leite. Referências Bibliográficas AULICINO, A.L. Foresight para políticas de CT&I com desenvolvimento sustentável: estudo de caso Brasil. 2006. 318 p. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo. BONI, V. & QUARESMA, S.J. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC, Vol. 2 nº 1 (3), janeiro-julho/2005, p. 68-80. Acesso em 20 dez 2011 www.emtese.ufsc.br BRASIL. Instrução normativa MAPA No. 51 de 18 de setembro de 2002. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Aprovar os Regulamentos Técnicos de Produção, Identidade e Qualidade do Leite tipo A, do Leite tipo B, do Leite tipo C, do Leite Pasteurizado e do Leite Cru Refrigerado e o Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte a Granel. BRASIL. Instrução normativa MAPA No. 62 de 29 de dezembro de 2011. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Alterar a Instrução normativa MAPA No. 51. Aprovar o Regulamento Técnico de Produção, Identidade e Qualidade do Leite tipo A, o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Cru Refrigerado, o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Pasteurizado e o Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte a Granel. CAMPOS, E. M. e NEVES, M. F.(coordenadores). Planejamento e gestão estratégica do sistema agroindustrial do leite no Estado de São Paulo -- 1. ed. -- São Paulo : SEBRAE, 2007. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto HUMES, D.A.; WHITELAW C.B.A. e ARCHIBALD, A.L. Foresight project on global food and farming futures - The future of animal production: improving productivity and sustainability. Journal of Agricultural Science, v. 149, Supplement S1, p.9-16. 2011. Cambridge University Press. MARTINS, P. Quem desiste de produzir leite? Milkpoint. Acesso em 20 dez 2011. http://www.milkpoint.com.br/mypoint/paulomartins/p_quem_desiste_de_produzir_leite MATTAR, F.N. Pesquisa de marketing. 3ª. edição – São Paulo, Editora Atlas, 2001. OUDSHOORN, F.W. Innovative Technology and Sustainable Development of Organic Dairy Farming: The case of automatic milking systems in Denmark. 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