Professor Jose Ricardo Tauille: autor do livro Para reconstruir o Brasil contemporâneo, professor de economia da UFRJ e membro da associação nacional de trabalhar em empresas de Auto-gestão. Quero começar lendo uma carta que eu recebi há uns dez dias pela Internet. Taullie recebi isso abaixo: A Ford na Bahia, exemplo de neocoloniziacao e subservienia: o povo que não tem virtude termina por ser escravo. Professor Ibere Luis Nodari A carta: Eu sou professor de Engenharia Mecânica da universidade Federal da Bahia. Contando com a vinda da Ford , começando logo a fazer projetos de reestruturação do curso, com foco na área automotiva. Não era so a Ford, vinham mais trinta e dois sistemistas. Hoje o desencanto e geral.Já com a fabrica produzindo, verifica-se uma espertacular obra de predacao ao Estado .Mesmo com ela a procura insistente por parte de alguns professores deslumbrados, ate hoje não existe qualquer relação, ou mesmo propostas da Ford , e das sistemistas com as escolas politécnicas ,que e a escola que reúne os cursos de Engenharia da Universidade Federal da Bahia. A medida que vamos conhecendo melhor o empreendimento e as relações da montadora com a comunidade vamos percebendo, ate com surpresa , a postura absoluta mente avarenta, senhorial e assimétrica. É só venha nos o vosso reino ou, seguidoa doutrina de Kennedy:não pergunte jamais o que a Ford pode fazer pela Bahia, mas sim o que a Bahia pode fazer pela Ford. Todo o universo, empresa mais fornecedora, não absorveu mais que vinte engenheiros formados aqui na Bahia. A maioria vem de hora. Os salários são baixos:estão na faixa de R$1.500 a R$2.500, com o nível mínimo de assistência. A fabrica esta localizada no complexo industrial de Camaçari, que abriga pólo petroquímico, distante cerca de 55km de Salvador, pois a Ford não oferece nenhum tipo de transporte aos seus funcionários, ao contrario das outras empresas petroquímicas do complexo, que transportam seus trabalhadores conforme é, alias , tradição nas relações de trabalho em industrias que tem alguma distancia do centro urbano. A Ford o que fez em relação a essa pratica? Foi exigir que a prefeitura de Camaçari, cidade que dista 7 km de distrito industrial do pólo, construísse uma ciclovia de Camaçari ate a fabrica. Os empregos foram criados , em grande parte no exterior. Por exemplo: sistemista responsável pela pintura, uma empresa americana trouxe todos os funcionários de nível do México e dos Estados Unidos. E pelo jeito que esse pessoal está comprando residências e trazendo a família , vieram para ficar pelo menos por algum tempo.Pra os baianos restaram as vagas de emprego primário, muito mal remunerado media e R$500, quando as mesmas funções em São Paulo valem R$1.200 a R$1.500. No pólo petroquimico, a media das funções e equivalente é de R$760 e sem transporte de Salvador, ou mesmo Camaçari, ate a fabrica. As facilidades criadas para estimular a instalação da montadora mostram uma singular lição de subserviência e levaram a algumas conceções que são absolutamente escandalosas. A Ford exigiu e obteve, alias, ganhou tudo o que quis (deve estar arrependida de não haver pedido mais), um contrato de financiamento de capital de giro, no qual o Estado Tupiniquim, vejam só, compromete, compromete-se a financiar um montante equivalente a 12% do faturamento bruto da empresa, oriundo das operações com produtos nacionais ou importados comercializados na Bahia. E por isso que o pátio da empresa, estrategicamente escondida aos acessos normais da fabrica, está repleto de automóveis Ford Focus e caminhonetes Ranger vindos da Argentina, antes desembarcados em São Paulo que, alem de ser o centro consumidor, fica muito mais perto da procedência. Aqui vai um comentário: Apesar desta operação estar travestida de financiamento de capital de giro, na prática ela representa o incentivo fiscal, uma vez que o financiamento corresponderá ao total do ICMS devido, com prazo para pagamento de vinte e dois anos sendo que sobre este valor, não incidirão juros e correção monetária e ainda poderá ser liquidado antecipadamente com descontos nunca concedidos em nosso sistema financeiro. É um exemplo de renuncia fiscal jamais visto.Pode parecer ,mas os números não estão errados ,eles foram obtidos através de um relatório interno do tribunal de contas do Estado. É uma facilidade tão imoral que não prevê qualquer correção mesmo com o pagamento em vinte e dois anos ,após o qual se fará no valor histórico com a possibilidade de desconto que pode alcançar a totalidade do débito. Que nome se pode dar a isso que não seja doação?O que não está no contrato,mas deve constar no acordo ,é o compromisso das espetaculares obras de infra-estrutura exigidas ao capricho pela Ford. Para construir Porto exclusivo da Ford ,o Estado da Bahia ,está pagando 31 milhões de reais à construtora Norberto Odebrescht. Haverá uma área de estacionamento com capacidade de 6 mil veículos,mas nem aí serão criados empregos ,porque a empresa que vai administrar o Porto e operar os equipamentos é norte-americanos: a Crawlay. Emprego nacional só para a mulher do cafezinho e para o vigilante. A malha viária no em torno da fabrica foi reconstruída segundo a exigência de tal forma que as estradas que dela fazem parte são hoje as mais perfeitas do país. A terraplanagem da fabrica, os acessos e o resto da infra-estrutura também foram doados pelo Estado.Para atender todas as imposições da montadora ,incluindo empréstimo (outra doação) para conseguir financiar o compromisso e honrar o acordo de vassalagem, o governo da Bahia desviou o seu orçamento, diminuindo flagrantemente o investimento social.A educação e a saúde encontram-se em um verdadeiro caos na Bahia.É proibido reprovar nas escolas estaduais ,mesmo os alunos que não compareceram às provas passam de ano.O Estado não pode arcar com o custo da reprovação, mas agora vem o pior: Pasmem ! A região metropolitana de Salvador ,que já era recordista nacional de desemprego apresentou segundo o relatório do DIEESE e também do IBGE, o índice de desemprego aumentado no ano passado enquanto no mesmo período o desemprego na região metropolitana diminuiu.E vejam que ironia: através do mesmo relatório, declara que uma das causas desse rebaixamento foi o crescimento da industria de substituição de produtos importados. Se o governo tivesse aplicado um terço do que deu a Ford para o desenvolvimento de uma industria nacional , a Gurgel, por exemplo,eu não tenho duvida que em 5ou 6 anos o Brasil estaria exportando automóveis desenvolvidos com tecnologia endógena. Equicliotesco? Quem foi que desenvolveu a tecnologia do motor mil? Hoje a maior revolução da industria automotiva nacional.Há trinta e seis anos a Coréia era um Paraguai em relação ao Brasil, que esse exemplo sirva de estimulo ao nosso simpático vizinho. Quem não tem idéia do que é a Coréia hoje, poderá conhecê-la através das transmissões da copa do mundo.Tem a Ford na Coréia ? Mas tem fabrica coreana nos Estados Unidos. Ao escrever esse artigo duas frases que vem à lembrança retratam o emblema dessa contradição ;uma eu encontrei em entrevista do ministério da educação ,Paulo Renato de Souza,a revista Exame , quando ele declara não ser mais necessário realizar grandes investimentos em desenvolvimento de tecnologia,pois esta já está pronta lá fora, basta traze-la para o Brasil . A outra eu busquei na letra do livro do Rio Grande.Prega o seguinte:O povo que não tem virtude termina por ser escravo. Quando eu terminei de ler isso me lembrei de uma coisa que eu já dizia na época da Engenharia(ou não sei se na época do cientifico) depois de demonstrar um teorema eu já dizia assim:CQD (como queria demonstrar). Quando houve o problema da Ford sair do Rio Grande do Sul ,eu fui chamado pelo governo Olívio Dutra, para avaliar e falar alguma coisa sobre o que estava acontecendo e eu previ a maioria dessas coisas.E nessa ocasião ,o que aconteceu basicamente é que o governo anterior ao do Olívio havia prometido quatrocentos e cinqüenta milhões de dólares para a Ford, fora uma renuncia fiscal,deferimento fiscal de aproximadamente 3 milhões de reais em dez anos. Aí quando o Olívio assumiu , o Estado não tinha esse dinheiro.Quer dizer ,o Brito,que era do governo anterior e contava ser reeleito ,pretendia privatizar a companhia de saneamento do Estado para dar esse dinheiro para a Ford . Agora, vocês vejam , lá ai criar 1500 empregos diretos.O custo de um emprego desses ia sair a 300 mil dólares, por exemplo.Imaginem a farra que a gente faz ,dentro da auto-gestão com trezentos mil dólares para um empreendimento.E aí ,que tipo de emprego você cria?Não emprego no máximo de execução ,emprego barato. Você não gera renda no local e fica dependente tecnologicamente. Quer dizer, essa questão do emprego,olhando assim o Brasil ,aliás, a situação final do Paulo Renato é muito boa,porque quem trabalha em universidade federal nesses últimos quatro anos sabe os processos de agressão que nós sofremos. A inteligência nacional sofreu uma agressão violentíssima, que a história um dia vai cobrar como crime, aliás ,a Pátria. O que se fez na universidade federal da Rio de Janeiro com a colocação de um interventor altista é um crime de lesa Pátria ,de uma responsabilidade inaceitável e isso vai ser cobrado.A Historia vai cobrar isso aí. Agora,nesse livro, tem um dos capítulos que é o segundo sobre o Brasil que se chama “Da década perdida à década vendida” aí você entra na década de 90,então o sujeito ,em nome de acabar com o varguismo,com o rosto do projeto do Vargas,de Brasil nacional.Ao invés de você ter um projeto,de você construir um Brasil,você compra pronto.Então você privatizou tudo,botou isso no “ralo”,porque foi tudo para pagar uma divida financeira que não tem resultado produtivo algum.Alias ,tem uma diferença muito grande entre capital produtivo e financeiro.Isso é evidente. E, para que universidade nesse quadro? Não faz sentido. Para que universidade? Quer dizer, quem está pensando em comprar pronto, não tem que construir nada.Só precisa de operadores e gerentes para serem os representantes do capital estrangeiro aqui dentro. Os caras já pensaram em tudo, vai pensar de novo? Entao, vamos nos associar dependentemente a esses caras. Entao, é esse o quadro dramático que a gente encontra, só que esse quadro está, de fato, insuportável. Tem um esgerçamento do tecido social muito forte, porque está rompendo o contrato social. Numa cidade como o Rio de Janeiro, está difícil viver. Está insuportável. Seja por uma questao de valores éticos e morais, de “beliefes”, de acreditares, seja por uma questão realismo, olha não vale a pena ficar nesse país,ganhar dinheiro nesse país sujeito a tanta ameaça.Não vale a pena gerar empreender,não vale a pena gerar emprego sujeito a tanta ameaça.As coisas têm que mudar .Esse país tem que ser reconstruído . A questão da auto-gestão,por exemplo, hoje ela não tem nenhum estimulo para proliferar.Não tem leis,não tem incentivos.E a maior dificuldade você transformar uma empresa falimentar em cooperativa auto-gestionária.As dificuldades são as maiores possíveis. O BNDES, cuja área social é dirigida por uma ex-aluna minha que é uma pessoa excepcional,Beatriz Azeredo,esbarra no jurídico.O Jurídico sempre coloca aquelas exigências ,mas como que você vai atender ao jurídico se você está partindo dos restos do capitalismo?Você está partindo dos restos do capitalismo.Esse é um dado de realidade. Faliram muitas empresas ,muita gente ficou desempregada.Quer dizer,essa onda de cooperativas auto-gestionárias,pode-se dizer assim,ela vem não por causa dos benefícios do sistema.Ao contrário,é porque o sistema “pifou”.A sociedade não está dando conta.Então é preferível você fazer um “chega para cá”, “empurrar com a barriga” o pagamento de algum imposto,alguma coisa assim, criar alguma facilidade e tirar um monte de gente da fila do desemprego,do salário,recebeu lá o seguro desemprego ou coisas dessa ordem, das estatísticas .Então , a coisa vem rolando.Hoje em dia,eu tenho trabalhado na autogestão,tenho apoiado a ANTEAG e independentemente disso,tenho trabalhado e o governo do Estado do Rio Grande do Sul em empreedimentos de auto-gestão.Nós estamos lidando agora com a Enxuta. A Enxuta,produtora de lava-louças faliu e a gente está tentando recuperá-la.Aí para Carmela,na região de Novo Hamburgo,que era um pólo calçadista e que é um pólo calçadista, você teve assim,hordas de desempregados e eles,então,estimularam a formação de cooperativas.Doaram terrenos,algum financiamento para construir um galpão,para comprar maquinas.Assim,tem quatorze sub-contratadas pela Azaléia .Recebem entre 0,56 centavos e 1,24por par de sandália ou chinelo pronto e embalado .As maquinas sãodeles,o prédio é deles,mas eles recebem a matéria-prima e depois recebem isso aí que é o pagamento por cada par.Quando surgiu a questão de que eles tinham que pagar determinados impostos,a Azaléia teve que pagar impostos e entubou eles e diminuiu o pagamento deles,quer dizer quem passou a pagar os tais impostos foram eles. As cooperativas são genuínas mas,de fato há um monopsonio e eles estão enlouquecidos para sair dessa armadilha.Eles querem fazer um produto próprio.Eles querem lançar um produto próprio. O que é lançar um produto próprio?Lançar um produto próprio é ter uma linha de produtos,é ter um departamento de design ou ter apoio num departamento de marketing,uma serie de coisas.Então a gente está construindo lá,porque isso já concretizou,é uma experiência interessante.É uma confederação de cooperativas,três delas se juntaram a partir daí ,estão tentando lançar um produto próprio ,escapar dessa armadilha.Bom,eu poderia falar muita coisa,eu fiz questão de falar isso municiar você de um exemplo que não foi só do nordeste.Há dois ,três pontos,pelo menos,que eu gostaria de ressaltar;que de fato a leitura desse documento me pareceu importante fazer.Então “comeu”dois terços do meu tempo.Mas eu queria ressaltar e se for o caso, a gente “bate bola” aí nas perguntas. Em primeiro lugar,e para fazer o gancho com a tecnologia,queria dizer que é preciso entender a natureza da revolução tecnológica que nós estamos vivendo. A revolução tecnológica que nós estamos vivendo, a revolução da informação,não é uma terceira Revolução Industrial.É uma revolução de outra natureza e mudará à vida sobre a face da terra ,assim como a Revolução Industrial é uma revolução tecnológica também ,assim como a revolução mercantil também foi uma revolução tecnológica.A revolução mercantil propiciou o inicio do capitalismo ;o capitalismo produtivo ;fez o de mercado se expandirem ,se juntarem,valer a pena produzir de uma forma capitalista. A Revolução Industrial permitiu ,então,que você produzisse com fabricas,produzisse em massa.Ela se aprofunda com a expansão americana e o termo moderno que surge com a renascença vira modernidade com a revolução industrial ,ou seja,a gente falar de moderno,é uma noção de novo ,datado historicamente.Quer dizer, se a gente for falar de novo agora,não pode mais falar de moderno.Na falta de um nome ainda mais adequado eu tenho usado a expressão contemporânea . Então,hoje o moderno não é mais contemporâneo ,é claro isso.Mas quero, queria frisar esse ponto.Ela tem uma disputa com o pessoal de Campinas,sobre isso ,mas até,o pessoal já começou a aquecer que está, também na introdução desse livro,eu dedico um grande espaço a essa proposição.