DECISÃO 1ª VRPSP
DATA: 6/3/2009 FONTE: 583.00.2009.119573-9 LOCALIDADE: SÃO PAULO (14º SRI)
Relator: Gustavo Henrique Bretas Marzagão
Legislação: Lei nº 9.514/97, art. 26. Lei nº 6.015/73, art. 214, § 3º.
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ATO JURÍDICO - NULIDADE - IRREGULARIDADE. CREDOR
FIDUCIÁRIO – INTIMAÇÃO – VIA JUDICIAL. PROPRIEDADE - CONSOLIDAÇÃO - CREDOR
FIDUCIÁRIO. CANCELAMENTO - AVERBAÇÃO. MATRÍCULA - BLOQUEIO.
EMENTA NÃO OFICIAL: A declaração de nulidade da intimação prevista no art. 26, da Lei nº
9.514/97, somente poderá ser obtida pela via judicial com a participação do credor fiduciário. A via
administrativa é inadequada para examinar eventual vício ocorrido no título que deu causa ao ato
ora combatido. A Corregedoria Permanente não é competente para declarar a nulidade do negócio
jurídico que deu causa à averbação, cujo cancelamento se pretende.
Íntegra:
583.00.2009.119573-9/000000-000 - nº ordem 302/2009 - Outros Feitos Não Especificados declaratória de nulidade de ato jurídico - JOSÉ EDUARDO GALVÃO DE FRANÇA FILHO E
OUTROS X 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA CAPITAL - Fls. 52/57.
VISTOS
JOSÉ EDUARDO GALVÃO DE FRANÇA FILHO e ANDREA DELORT GALVÃO DE FRANÇA
ajuizaram demanda que denominaram ação declaratória de nulidade de ato jurídico com pedido
liminar em face do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital. Aduzem, em suma, irregularidade
da intimação feita nos termos do art. 26, da Lei nº 9.514/97, que culminou com a consolidação da
propriedade em favor do credor fiduciário, motivo por que pedem a declaração de nulidade desse
ato e o conseguinte cancelamento da AV.06, da matrícula nº 122.161, do 14º Registro de Imóveis,
bloqueando-se, desde já, a matrícula em questão na forma do art. 214, § 3º, da Lei nº 6.015/73.
A competência da Corregedoria Permanente limita-se à análise unilateral e administrativa de vícios
formais de registro, sem instauração do contraditório e da ampla defesa.
Na hipótese em exame, não se discute apenas a situação registrária, mas a própria validade do
negócio jurídico que deu lastro à Av. 06, da matrícula nº 122.161, do 14º Registro de Imóveis.
Falece a esta Corregedoria Permanente, pois, competência para declarar a nulidade do negócio
jurídico que deu base à averbação cujo cancelamento é perseguido. Assim, apenas pelas vias
ordinárias, com a participação do credor fiduciário, depois de esgotado o devido processo legal, é
que se poderá obter (ou não) a declaração de nulidade da intimação de que cuida o art. 26, da Lei
9.514/97, e, por via reflexa, o cancelamento da subseqüente averbação de consolidação da
propriedade em favor daquele (AV. 06).
Oportuna, a propósito, a lição de Narciso Orlandi Neto que, ao discorrer sobre o art. 214, da Lei nº
6.015/73, e os limites da aferição da nulidade de pleno direito reconhecível na via administrativa,
observa que: “É preciso distinguir nulidade direta do registro e nulidade do título, com reflexo no
registro. O registro não pode ser cancelado por nulidade do título, salvo em processo contencioso
de que participe o titular do direito inscrito. Em outras palavras, o art. 214 da Lei n. 6015/73 é
exceção. E como se sabe se o registro é ou não nulo de pleno direito? Sabe-se que o registro é ou
não nulo de pleno direito examinando-o separadamente do título que lhe deu causa, apenas à luz
dos princípios que regem o registro, a saber se foram cumpridos os requisitos formais. A
indagação da nulidade do registro deve ficar restrita aos “defeitos formais do assento, ligados à
inobservância de formalidades essenciais da inscrição (Código Civil, arts. 130 e 145, III)” (Afrânio
de Carvalho, Retificação do Registro, in RDI 13, p. 17).
... A nulidade a que se refere o art. 214 da Lei de Registros Públicos é exclusiva do registro,
absolutamente independente do título, tanto que, uma vez declarada, permite que o mesmo título
seja novamente registrado.
... A nulidade que pode ser declarada diretamente independentemente de ação é de direito formal,
extrínseca. Ela não pode alcançar o título, que subsiste íntegro e, em muitos casos, apto a,
novamente, ingressar no registro.
... Problemas relativos ao consentimento das partes, diz respeito ao título, tanto quanto sua
representação e a elaboração material do instrumento. Assim, se houve fraude, se a assinatura do
transmitente foi falsificada, se o instrumento público não consta dos livros de nenhum notário, se a
procuração que serviu na representação de uma das partes é falsa, se o consentimento do
alienante foi obtido com violência, são todos problemas atinentes ao título. Podem afetar o registro,
mas obliquamente. Só podem determinar o cancelamento do registro, em cumprimento de
sentença que declare a nulidade do título e, em conseqüência, do registro...” (Retificação do
Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, pág. 183/192 - grifou-se).
A obra cita elucidativo parecer da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, de lavra do MM.
Juiz Marcelo Martins Berthe, aprovado pelo Des. Márcio Martins Bonilha, em que se entendeu que:
“A chamada nulidade de pleno direito, tal como prevista no art. 214 da Lei de Registros Públicos,
não admite o exame de elementos intrínsecos, que refogem à atividade qualificadora do oficial
registrador. E em não existindo vício na qualificação do título, ou no processo de registro
propriamente dito, não há o que corrigir na esfera administrativa” (págs. 185/6).
À luz de tudo o que se viu, fica evidente, portanto, que a via administrativa é inadequada para
examinar eventual vício ocorrido no título que deu causa ao ato ora combatido. Devem os
interessados valer-se das vias ordinárias que produzirá, caso procedente sua demanda, depois de
observado o contraditório, o efeito natural de cancelamento da averbação. E, por essas mesmas
razões, também não há que se falar em bloqueio administrativo da matrícula, previsto no art. 214,
§ 3º, da Lei nº 6.015/73, por não haver nulidade de pleno direito do registro, pois os vícios, se
existentes, estão contidos no título causal.
Assim, o bloqueio e qualquer outra medida de natureza acautelatória devem ser buscados na via
jurisdicional, única com poder geral de cautela e que pode, à luz do Código de Processo Civil –
não aplicável nesta esfera administrativa -, determinar o bloqueio da matrícula enquanto medida de
urgência.
Sobre o bloqueio determinado pela Corregedoria Permanente dos Registros de Imóveis, cite-se
trecho do r. parecer nº 8357/ CG: “as hipóteses de incidência do art. 214, da Lei nº 6015/73, com
lastro no qual podem os órgãos censores ordenar cancelamentos ou bloqueios como medidas
saneatórias limitam-se às de nulidade atinente, direta e exclusivamente, ao ato de registro, o que
só ocorre quando se identifica desrespeito às normas e aos princípios norteadores da atividade do
registrador.” (grifou-se).
Ainda nessa senda, veja-se trecho do r. parecer nº 769/01-E, da lavra do eminente magistrado
Luís Paulo Aliende Ribeiro: “Ocorre, no entanto, que o descumprimento das regras expressas na
Lei n° 4.591/64, não obstante configure situação bastante grave, se apresenta como questão fática
estranha ao registro, elemento extratabular que não permite a tomada de providência no restrito
âmbito administrativo da atividade censória exercida pela Corregedoria-Permanente e por esta
Corregedoria-Geral. Não se confunde, pois, esta providência tendente ao saneamento dos
registros imobiliários com providência acautelatória de direitos ou interesses particulares, questões
extratabulares que somente podem ser resolvidas na via jurisdicional contenciosa, seja em ação
judicial da qual participem os interessados, seja, em face da gravidade dos fatos, em ação civil
pública.
...Não se identifica, pois, no caso dos autos, qualquer erro registrário, não se justificando, por tal
razão, a tomada de quaisquer providências no âmbito administrativo, o que impõe o provimento do
recurso, não apenas para liberar a parte ideal reservada pelos recorrentes, mas para determinar o
cancelamento integral da constrição administrativa.”
Ainda que assim não fosse, é pacífico o entendimento segundo o qual a antecipação dos efeitos
da tutela, ou qualquer medida de urgência que o valha, é incompatível com a sistemática do
registro de imóveis, uma vez que a reversibilidade e o caráter provisório de tais medidas
colocariam em sério risco a segurança jurídica que deve prevalecer nas serventias extrajudiciais,
cuja publicidade reflete a fé pública.
Em sendo assim, e por todas as razões expostas, indefiro o bloqueio da matrícula.
Observe-se, por fim, que nem todos os atos praticados pelos Oficiais de Registro de Imóveis
sujeitam-se a reexame por esta Corregedoria Permanente. Por isso, o fato de a intimação ter sido
feita pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis não confere competência a este juízo administrativo
para declarar sua nulidade, por não se tratar de ato de registro, mas sim de ato jurídico, cuja
desconstituição, repita-se, somente pode ser declarada pelas vias ordinárias, respeitados o
contraditório e a ampla defesa, com a participação do fiduciário, inclusive.
Assim, dos fatos contidos na inicial, esta Corregedoria Permanente examinará a ocorrência de
eventual violação funcional e os aspectos formais da averbação nº 06, sem invadir competência
das vias ordinárias.
Deste modo, retifique-se a autuação para PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. Após, ao 14º Registro de
Imóveis para informações, e ao Ministério Público. Int. 0 CP.90. - ADV MARCELO LALONI
TRINDADE OAB/SP 86908
(D.J.E. de 06.03.2009)
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DECISÃO 1ª VRPSP DATA: 6/3/2009 FONTE: 583.00.2009.119573