Protocolado nº 136.142/12 Assunto: Elaboração de anteprojeto de Lei para a instituição de Promotorias de Justiça Estadual, Regional e Metropolitana. Senhores Procuradores de Justiça, Trata-se de proposta encaminhada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral de Justiça de projeto de alteração da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, com a finalidade de adequação da estrutura da Instituição ao perfil estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Observa, em síntese, que a estrutura tradicional, em paralelo com a divisão de competências dos órgãos jurisdicionais, não é suficiente para que a Instituição desempenhe, de modo eficiente e preciso, situações que extrapolem os limites territoriais das cidades e comarcas, hipóteses que, em razão desta circunstância, mereceriam tratamento uniforme. 1 Para tanto, propõe a instituição de órgãos de execução, em primeira instância, organizados em base territorial distinta da exclusivamente local, com a criação de Promotorias Regionais, Metropolitanas e Estaduais, sem prejuízo da atuação de Promotorias de Justiça locais, principalmente em áreas de atuação de tutela coletiva, como educação, saúde, segurança alimentar e nutricional, moradia, terra, meio ambiente e outras. Além disso, propõe mais três áreas de especialização: educação, saúde e questões fundiárias. Sugere para a definição do âmbito de atuação das Promotorias Regionais os limites de uma ou mais diretorias ou órgãos estaduais responsáveis pelas políticas públicas relacionadas à área de atuação do órgão de execução do Ministério Público. Para as questões fundiárias e de segurança alimentar e nutricional, propõe uma Promotoria Estadual. E, para as Promotorias de Justiça relacionadas a temas ligados ao meio ambiente, áreas vinculadas às respectivas bacias hidrográficas, que orientam a atuação dos atuais GAEMA (Grupos de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente). Afirma que os Promotores Regionais terão uma visão conjunta do desenvolvimento da política pública, bem como que a instituição de Promotorias Regionais facilitaria o 2 diagnóstico dos problemas e a eleição de prioridade e favoreceria ganhos de efetividade. Por fim, estabelece um prazo de, no mínimo, 10 anos para a implantação de todas as Promotorias de Justiça Estaduais, Regionais e Metropolitanas almejadas (fls.136/139). É o relatório. Trata-se de um projeto ambicioso, de grande porte, de alteração da organização espacial do Ministério Público de São Paulo, para ser implantado em um prazo mínimo de 10 anos, com a finalidade de garantir uma maior efetividade em áreas de atuação coletiva. É preciso estar atento à dimensão do projeto proposto pela Procuradoria-Geral de Justiça. Examinando o texto elaborado pelo Núcleo de Políticas Institucionais da Procuradoria Geral de Justiça, impressiona a quantidade de novas Promotorias projetadas, de natureza espacial ampliada – a saber, 9 (nove) –, para atuação em 3 áreas como saúde, meio ambiente, urbanismo, questões agrárias, segurança alimentar e nutricional e desenvolvimento sustentável do Vale do Ribeira. Para cada uma destas Promotorias Regionais, são projetadas diversas unidades de atuação: 19 (dezenove) Promotorias Regionais de Saúde, 20 (vinte) Promotorias Regionais de Educação, 17 (dezessete) Promotorias Regionais do Meio Ambiente, 4 (quatro) Promotorias Regionais do Meio Ambiente e Urbanismo, 1 (uma) Promotoria Estadual Agrária e da Segurança Alimentar e Nutricional e 1 (uma) Promotoria de Justiça do Desenvolvimento Sustentável do Vale do Ribeira, com a previsão de 2 (dois), 3 (três), 4 (quatro) e até 6 (seis) novos cargos de Promotor de Justiça para cada uma destas unidades. No total, no prazo final deverão ser criados mais 130 (cento e trinta) novos cargos de Promotor de Justiça (fls. 77/111). Projeto de tamanha envergadura – com a criação desses novos cargos e sem a extinção dos cargos considerados tradicionais – trará inequívocos reflexos no orçamento da Instituição. Não só pelo provimento de tais cargos, como também pela necessária alocação de recursos materiais (locação/aquisição de imóveis, mobiliário, veículos, material de informática, instalação de redes, contratação de serviços de vigilância e limpeza etc.) e de servidores (Assistentes Técnicos, Assistentes Jurídicos, Oficiais de Promotoria e Auxiliares de Promotoria) para o exercício das atividades das novas Promotorias Estaduais, Regionais e Metropolitanas. 4 Para mero exame comparativo, conforme informação encaminhada pela Procuradoria-Geral de Justiça no protocolado nº 176.652/14, em novembro de 2014 havia 1681 (mil, seiscentos e oitenta e um) cargos providos em primeira instância, de maneira que os 130 (cento e trinta) novos cargos propostos representarão um acréscimo significativo de 7,65% ao total de cargos de Promotor de Justiça providos, mesmo que este aumento seja diluído ao longo de dez anos ou pouco mais. Por esta razão, o nobre colega Arthur Medeiros Neto, Presidente da Comissão de Assuntos Institucionais deste Órgão Especial, sugeriu a apresentação de “estudo sobre o impacto orçamentário da proposta, já que tal providência não consta do protocolado encaminhado” (fls. 152/153). Foi informado por Assistente Técnico da Subprocuradoria-Geral de Gestão que “não é possível a realização de estudo de impacto orçamentário porque a proposta de alteração legislativa não indica a quantidade de promotorias e respectivos cargos a serem criados” (fl. 159). Esta questão foi delegada para momento posterior, com a seguinte consideração: “a realização de estimativa de impacto orçamentário poderá ser realizada por ocasião da instituição das Promotorias de Justiça referidas, com os respectivos cargos de servidores e de membros” (fl. 160). Esta análise de impacto orçamentário, relegada para momento posterior, prejudica o exame, por este Colegiado, da viabilidade econômica do anteprojeto. 5 Ademais, e com todo o respeito, a proposta padece de alguns equívocos, que merecem um exame mais apurado. 1º) Falsa dicotomia entre as Promotorias Regionais e as denominadas tradicionais. 2º) Superposição de atribuições. 3º) Esvaziamento das atribuições dos Promotores de Justiça das Comarcas. Impressiona, e muito, com todo o respeito, o quadro resumido apresentado pelo estudo elaborado pelo Núcleo de Políticas Públicas da Procuradoria-Geral de Justiça, distinguindo as novas Promotorias Regionais (fls. 27, in fine). As denominadas Promotorias tradicionais, em que os Promotores de Justiça atuariam como agentes meramente processuais, seriam “Irreflexivas, Reativas e Demandistas” (negritos no original). 6 As novas Promotorias Regionais, por sua vez, em que os membros da Instituição se destacariam como agentes políticos, teriam as seguintes características: “Reflexivas, Proativas e Resolutivas” (negritos no original). Com todo o respeito, trata-se de uma falsa dicotomia, pois nada assegura que os futuros integrantes das denominadas Promotores Regionais, pela mera distribuição espacial diferenciada, teriam uma atuação mais eficaz e que os demais membros da Instituição atuariam como meros demandistas, sem nenhuma preocupação de formulação de uma política institucional voltada para o melhor atendimento do interesse público. Além disso, a nova distribuição espacial, sem um critério efetivo para distinguir as atribuições, trará inevitáveis conflitos entre os Promotores de Justiça locais, metropolitanos, regionais e estaduais, sem a existência de critérios razoáveis de solução, além dos já estabelecidos pela legislação. A Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, a propósito, estabelecem o local do dano como o foro competente para o processamento da causa e o foro da Capital do Estado para danos 7 de caráter regional ou nacional (Leis nº 7.347/85, artigo 2º e 8.069/90, artigo 93). Como já destacado no estudo elaborado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela Coletiva, “há situações em que se constatam lesões ou ameaça de lesões a direitos difusos e coletivos cuja solução deve e pode ser obtida no âmbito local”, sendo que “retirar do Promotor de Justiça local a atribuição para atuar em prol de interesses difusos e coletivos de interesse difusos e coletivos predominantemente local comprometerá a capacidade de atuação do promotor regional”; além do mais, “subtrair do promotor de justiça local a atribuição para atuar em prol dos interesses difusos e coletivos de interesse predominantemente local importará retirar-lhes motivação para participar dos núcleos regionais.” (fls. 118). São os Promotores de Justiça locais que estão em contato direto com os problemas da população em cada Comarca. A criação de um Promotor Regional para tratar de problemas semelhantes, que se reproduzem em todas as Comarcas, somente trará, com todo o respeito, o desprestígio para o colega local e propiciará uma rivalidade desnecessária entre Promotores de Justiça e prejudicial para a própria Instituição. 8 De se observar, ainda, com todo o respeito, que não se justificou, de forma adequada, a criação de uma Promotoria de âmbito estadual para tratar de questões agrárias e de segurança alimentar e nutricional. Há questões de litígios sobre a posse da terra, de tutela de direitos fundamentais de assentados e acampados e de regularização ambiental dos assentamentos e de regularização fundiária em todo o Estado, envolvendo questões locais. Não há razão para pressupor que um Promotor de Justiça, situado provavelmente na Capital, terá melhores condições de atender os interesses dos assentados, quilombolas, caiçaras e ribeirinhos, como sugere o Núcleo de Políticas Institucionais (fls. 105/108). Estas atribuições, a regularização de questões fundiárias e a segurança alimentar e nutricional, evidentemente relevantes, devem ser tratadas pelos Promotores de Justiça locais e não por um “Super-Promotor”, com atribuição para atuar em todo o Estado, distante dos problemas de cada Comarca. A questão do desenvolvimento sustentável do Vale do Ribeira, com todo o respeito, pode ser equacionada com a criação de um grupo, que possui prazo temporário de vigência, além de uma melhor definição das atribuições desta unidade, 9 para não prejudicar a atuação dos Promotores de Justiça que atuam nas comarcas desta região do Estado no acompanhamento e formulação de políticas pública de interesse difuso e coletivo. É evidente que deve ser buscada, ainda, uma atuação integrada entre os membros da Instituição, a fim de que as atribuições da Instituição sejam exercidas de forma harmônica e com maior eficiência. Certas questões, que superam os limites de uma Comarca, devem ser enfrentadas de forma articulada entre os Promotores de Justiça, para que possam ser efetivamente solucionadas. Para tanto, é importante construir grandes consensos institucionais, após longos e exaurientes debates, envolvendo os Promotores de Justiça com atribuições idênticas nas diversas comarcas de uma mesma região, sem arranhar a garantia constitucional da independência funcional. Para tanto, a instituição dispõe de importantes órgãos auxiliares, os Centros de Apoio e a Escola Superior do Ministério Público, que devem atuar para a formulação de políticas institucionais nas mais diversas áreas de atuação da Instituição, superando o eventual o isolamento entre os membros da Instituição e uma atuação fragmentada. 10 O próprio Centro de Apoio das Promotorias de Justiça Cível e Coletiva propõe a atuação na forma de Rede de Atuação Protetiva dos Direitos Sociais, com a busca “de um olhar mais globalizado nas questões afetas a esses direitos” (fls. 123). A criação de Promotorias Regionais, com todo o respeito, somente se justifica para o tratamento das questões ambientais, isto é, para a tutela jurídica dos ecossistemas cujos limites, obviamente, não respeitam as fronteiras de cada Comarca. Nesta área, inclusive, a Instituição já dispõe uma experiência acumulada de longos anos, que justifica a transformação dos GAEMAS (Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente) em Promotorias Regionais do Meio Ambiente. Esta solução também se justifica para evitar o esvaziamento das Promotorias locais, com a designação de seus integrantes para uma área de atuação institucional já consolidada. Entendo que, também, se justifica a inclusão das atribuições de educação, de saúde pública e de questões 11 fundiárias entre as especializações do Ministério Público (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, artigo 295), mas não a instituição de Promotorias Regionais nestas áreas. Para questões que envolvem danos em todo o Estado, a legislação já confere a atribuição para a tutela coletiva para os Promotores de Justiça que atuam no Foro da Capital. Para a superação de danos regionais e locais ainda existem critérios de prevenção estabelecidos pela própria legislação processual, sem o esvaziamento das atribuições dos Promotores locais. Este é o entendimento da atual ProcuradoriaGeral de Justiça, externado na resolução do conflito de atribuição nº 137.863-14: “O dano regional deve ser compreendido como a hipótese em que a situação efetivamente se estende a praticamente todo o território do Estado. O dano nacional deve ser compreendido como aquele que efetivamente se estende por amplas áreas do território nacional. O dano local pode compreender mais de uma comarca, ou algumas de determinada região do interior do Estado, fazendo prevalecer a competência de um dos foros do local do dano, por prevenção. Aplicação, por analogia, com relação à fixação de atribuições do MP”. 12 Entendo, também, que as atribuições de Promotor Regional, dada a relevância e por envolver a atuação em áreas pertencentes a diversas Comarcas, devem ser exercidas somente por Promotores de Justiça de entrância final, com uma maior experiência acumulada no trato das questões institucionais. Desta forma, propomos a aprovação de Promotorias Regionais somente na área do meio ambiente, em que existe um critério claro de atuação, a existência de ecossistemas, que não respeitam os limites naturais de cada comarca. A instituição já dispõe de uma experiência acumulada nesta área, que justifica a criação de Promotorias Regionais do Meio Ambiente. Estes cargos devem ser classificados como de entrância final. Somos favoráveis, também, a inclusão das áreas especializadas da saúde pública, da educação e do tratamento das questões fundiárias entre as atribuições do Ministério Público, mas sem a possibilidade de criação de Promotorias Regionais e Estaduais nestas áreas de atuação. Apresentamos, anexa, uma minuta de anteprojeto de lei contendo a criação das Promotorias Regionais 13 do Meio Ambiente, o exercício destas atribuições somente por Promotores de Justiça de entrância final e a criação das áreas especializadas de educação, saúde pública e tratamento das questões fundiárias. Desta forma, com todo o respeito, propomos a rejeição da proposta original nos termos em que apresentada neste colegiado, bem como a aprovação do substitutivo, apresentado anexo, que contempla somente a possibilidade de criação de Promotorias Regionais do Meio Ambiente, o exercício destas atribuições somente por Promotores de Justiça de entrância final e a criação das áreas especializadas de educação, saúde pública e tratamento das questões fundiárias. São Paulo,janeiro de 2015. Rodrigo César Rebello Pinho Procurador de Justiça 14