PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO CÁTEDRA UNESCO DE LEITURA PUC-RIO III CONGRESSO INTERNACIOAL DE LEITURA E LITERATURA INFANTIL E JUVENIL e II FÓRUM LATINO-AMERICANO DE PESQUISADORES DE LEITURA Grupo de Reflexão A ESCRITA COMO PRÁTICA DE LEITURA Texto para discussão A ESCRITA COMO PRÁTICA DE LEITURA. Para que pueda ser he de ser otro, salir de mí, buscarme entre los otros, los otros que no son si yo no existo, los otros que me dan plena existencia, no soy, no hay yo, siempre somos nosotros. Octavio Paz Por Rubén Pérez-Buendía e Socorro Magalhães Ler é escutar, assim como escrever é falar. Ao falarmos conferimos som, através da voz, ao nosso pensamento. Nosso pensamento se constrói e está permanentemente sendo construído, a partir de tudo que escutamos, vimos e sentimos: palavras, músicas, imagens, paisagens, cores, texturas... “Anoto frases ouvidas e lidas. Ideias que me surgem de repente no cinema, na rua, no bar, na cama [...] Cato papéis na rua, recorto fotos de jornais e revistas [...]” afirma o escritor Ignácio de Loyola Brandão.i Nosso pensamento surge quando reativamos nosso sentido critico e criativo frente aos estímulos do mundo. Ao contrasta-los com outras sensações e ideias previamente ouvidas ou ditas, por outras pessoas ou por nós mesmos, fazemos aflorar o nosso senso critico. O criativo surge ao organizarmos nosso pensamento para comunicá-lo, com palavras, dando-lhe voz ou forma no papel em branco. Falamos e escrevemos para sermos ouvidos, para sermos escutados, para sermos considerados pelos outros, esses outros a quem eu me dirijo, por e para quem sou, falo e escrevo. “E como poeta, desejo que o meu canto seja nutrido pelos sonhos, esperanças e pesadelos dos que não têm voz e que a minha linguagem fale pelos que não falam e esteja sempre a serviço da vida e do homem”ii, são palavras do poeta Ledo Ivo. 2 Falar e escrever, mesmo sendo as duas faces de um mesmo processo expressivo e criativo da linguagem, têm características diferentes. A palavra falada pode ficar no ar, pode ser levada pelo vento ou, no melhor dos casos, pode ficar gravada na memória, na alma e no coração, com letras que não são necessariamente as do alfabeto. A palavra escrita, pelo contrário, é gráfica e fica plasmada na árvore, no papel, no arquivo de computador e permanece para sempre - ou quase sempre - ali. Mas podemos fazê-la voltar com seu sentido, ou renovar seu significado e fazê-la vibrar, se este for o nosso desejo, com o som da voz, ao lê-la para os ouvidos de outros, para o coração de outros. Mário Quintana compara os poemas a pássaros que pousam nos livros: “ [...] Quando fechas o livros, eles alçam voo/como de um alçapão./Eles não tem pouso/nem porto./Alimentam-se um instante em cada par de mãos/e partem./E olhas, então, essas tuas mãos vazias,/no maravilhoso espanto de saberes/que o alimento deles já estava em ti...”iii Quem escreve fala do que tem visto, aprendido e sentido no mundo, usando palavras com as quais pode entender e escutar o outro. Quem escreve fala de sua leitura do mundo e faz dela uma outra leitura, para colocá-la nas mãos e sob os olhos de outro, para que a palavra e o pensamento continuem em movimento, continuem circulando. É nessa perspectiva que Antonio Candido entende a produção literária, ao defini-la como “um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores [...].iv Assim, o escritor, quando escreve, expande os pensamentos e os sentidos propondo novos e gerando outros. O escritor é um multiplicador de palavras e de sentidos. Sua vocação é a de provocar a palavra que o leitor traz guardada e, às vezes, escondida. O escritor é, antes de tudo, um leitor, ele precisa saber observar, escutar e ler, para depois poder dizer e falar. Por isso, na leitura de um livro, na leitura do texto escrito, qualquer que seja seu formato, o leitor acrescenta sua compreensão do mundo e, ao fazer isso, ele cria. E cria tendo como principal ferramenta, a linguagem. É aí onde o milagre acontece, onde a escritura se 3 converte num ato de leitura do próprio escritor e também de um outro leitor. Um novo personagem, um outro que vai ler a leitura do escritor, a leitura do mundo e de si mesmo que o escritor faz, porque, ao nomear, colocar adjetivos, substantivos e verbos a seus pensamentos e sensações, o sujeito está se lendo a si mesmo e construindo sua própria compreensão de si e do mundo, por meio da palavra. Sobre isso, reflete Carlos Drummond em Poema-orelha: “[...] mais um livro sem tempo/em que o poeta se contempla [...] Aquilo que revelo/e o mais que segue oculto/em vítreos alçapões/são notícias humanas,/um simples estar-no-mundo,/e brincos de palavra,/um não estar-estando,/mas de tal jeito urdidos/o jogo e a confissão/que nem distingo eu mesmo/o vivido e o inventado.”v É por isso que, quando falamos em formar leitores, falamos também de formar escritores. A escrita é o passo seguinte à leitura. Se conseguirmos que as pessoas, além de ler, escrevam, estaremos dando um grande passo para a sua formação, porque quem escreve sente que tem o poder de dizer, e também a certeza de que sua palavra, seja falada, seja escrita, vale e conta. Chico Buarque compreende, assim, a relação do escritor com a palavra: “Palavra minha/Matéria, minha criatura, palavra”.vi I In:STEEN, Edla van. Viver & escrever. Porto Alegre: L&PM, 1971, p.49 ii Op.cit. p.235 iii QUINTANA, Mário. In: Mário Quintana: seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico e exercícios de Regina Zilberman. São Paulo: Abril Educação, 1982. (Literatura Comentada) iv CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 2 ed.São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p.86) v ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p.159 6 vi BUARQUE, Chico. Uma palavra. Sony & BMG, 1995. 1 CD 4