Congreso Iberoamericano de las Lenguas en la Educación y en la
Cultura / IV Congreso Leer.es
Salamanca, España, 5 al 7 de septiembre de 2012
“Acabei, posso ler?” Quando a leitura se torna um
prazer!
Priscila Angelina Silva da Costa Santos 1
Sección: Experiencias/proyectos de lectura y escritura para aprender en
ciencias sociales. Papel de la biblioteca escolar y/o de las bibliotecas en
general.
1
Escola Municipal Maurício de Nassau. Universidade Federal de Pernambuco. [email protected]
Resumo
Pegar o livro, folhear suas páginas e se envolver a cada descoberta proporcionada por
aquele momento não é algo simples, porque demanda uma série de habilidades e
compreensões que precisam ser desenvolvidas. É necessário entender o sistema de
escrita que nos rodeia, as finalidades da escrita em cada esfera, o que ela representa. Ler
significa, sobretudo, compreender, dialogar com o texto. A leitura abrange não só os
grandes e complexos textos como todos os outros que nos circundam. Afinal, o conteúdo
significativo abordado pelo gênero textual propicia aos alunos o interesse pela leitura.
Apenas uma tarefa escolar? Talvez esse seja o problema, ler não é dever que requer uma
nota, não precisa ser algo árduo. Nesse sentido, que buscamos a cada dia no cotidiano
escolar possibilitar momentos que permitam aos estudantes fazer uso da leitura em
situações diversas, levando-os a perceber a necessidade de desenvolver tal habilidade. O
cantinho da leitura se tornou, desse modo, um ambiente acolhedor e receptivo para as
crianças, que aos poucos foram estabelecendo uma relação de troca com aquele lugar,
antes novo e até indiferente. Pois, vale ressaltar, que para muitos estudantes da rede
pública do Brasil, os materiais de leitura são escassos, e muitas vezes se resumem aos
livros didáticos escolares. O cantinho, como nomeamos, foi organizado ao longo dos
primeiros meses do ano letivo e contou com a contribuição das crianças, alunos do 2º ano
do 1º ciclo, que produziram imagens para fixar nas paredes, trouxeram almofadas e
costumam arrumar os livros diariamente. Assim, pouco ao pouco, aquele lugar
constantemente usado para as leituras deleite, passou a ser frequentado, como se fosse
um brinquedo que estivesse ali esperando. As crianças pedem após cada atividade ou até
mesmo no recreio para ler. Elas se deitam, brincam de contadores, fazem roda e tornam a
leitura um prazer.
1 Introdução
Ler não é uma habilidade natural, é necessário que se compreenda a finalidade
dessa leitura, a função social do texto, a lógica do sistema de escrita alfabética e seus
princípios. Desse modo, as crianças precisam desde cedo estabelecer um diálogo com os
textos, desenvolvendo os referidos aprendizados. Os contos e a fantasia que os
compõem, as histórias em quadrinhos com toda sua diversão, as notícias e suas
informações, enfim, todos esses gêneros textuais possibilitam a aprendizagem da leitura e
da escrita, a reflexão e o desenvolvimento da criticidade. Foi pensando nisso que o
“cantinho da leitura” foi criado na nossa escola.
Provenientes de uma comunidade do Alto do Mandú, localizada na cidade do
Recife/PE, Brasil, os alunos da Escola Municipal Maurício de Nassau, em sua maioria,
são desfavorecidos socialmente, muitos, filhos de pais com poucos estudos ou até
analfabetos. Em sua maioria, as ações em torno da leitura são limitadas, possuem pouco
acesso a livros e a momentos de leitura. A escola, portanto, precisa apresentar outro
panorama e criar momentos em que o aprendizado da leitura, da escrita e o uso dessas
habilidades nas práticas cotidianas aconteçam.
Mudanças na compreensão do significado de alfabetizar e como isso de fato
acontece, pouco a pouco têm causado mudanças concretas nos incentivos do governo,
que distribui para escolas, com o apoio do MEC (Ministério de Educação e Cultura), livros
de literatura infantil que devem compor o acervo da escola ou dos professores. Contudo,
muitos desses livros acabam ficando guardados, algumas escolas não possuem
biblioteca, prejudicando o aproveitamento do material e o acesso dos alunos.
Então, por que não criar a biblioteca na própria sala de aula? Exatamente! Na
busca de levar as crianças a compreender o nosso sistema de escrita e tornar-se
participante das ações sociais que nos rodeiam, a prática de leitura se faz necessária. O
fácil acesso aos livros e outros suportes desperta interesse e propicia momentos de
interação, diálogo e troca de aprendizagens. Assim, no início do ano, solicitamos a escola
a compra de alguns caixotes que passariam a compor a sala, funcionando como uma
biblioteca. As crianças, alunos do 2º ano do 1º ciclo, com idade entre 6 e 8 anos, foram
mobilizadas a participar da organização desse canto que logo faria parte da sala que
estudam, produziram desenhos, trouxeram almofadas e diariamente arrumam os livros
nas “prateleiras”.
Prática de leitura e escrita: mudanças escolares
A escola, durante muito tempo no Brasil, criou um mundo próprio, desvinculado da
realidade, dos eventos sociais vividos pelos alunos, descaracterizando os conhecimentos,
ao escolarizá-los. Preocupava-se apenas em realizar o planejado e não considerava o
aprendizado dos alunos e muito menos estes como sujeitos ativos do processo. Tal
modelo de ensino tratava o aluno como um receptor de conhecimentos que precisavam
ser memorizados, ou seja, o aluno assumia um papel passivo diante das atividades
2 propostas em sala de aula, mas precisava trabalhar ativamente, sozinho, para
compreender os conteúdos e “construir” o conhecimento.
É alicerçado nessa base que o ensino da leitura e da escrita, ou como era dito,
“das primeiras letras”, se firmava. Isto é, “As escolas tornam seus alunos capazes de ler –
alguns deles – e, durante o processo, destroem sua própria alfabetização” (O’NEIL, 1970,
apud COOK- GUMPERZ, 1991, p.14). O contexto escolar e as perspectivas educacionais
de cada época delimitavam a melhor forma de ensinar e gerar a aprendizagem. No
entanto, não se estabelecia uma relação com as práticas sociais de leitura e escrita
comumente vivenciadas em outros locais, o que distanciava a escola do “mundo real”,
como esclareceu Soares (2007).
Contudo, nem sempre a escola levou em conta a relevância dos gêneros textuais,
que permeiam nossa sociedade, limitando, como vimos anteriormente, o ensino da leitura
e da escrita à memorização de “códigos”. Desse modo, os termos alfabetização,
alfabetizar, analfabetismo e analfabeto compuseram plenamente muitos discursos sociais
que relacionavam o não saber ler e escrever ao “não saber nada”.
À alfabetização cabia, na verdade, levar os sujeitos a aprender a tecnologia
escrita, esta tida como código, algo que eles deveriam descobrir e reproduzir. Sendo
assim, escrever significava, simplesmente, o ato de codificar palavras, ou seja, de formálas e registrá-las, enquanto ler correspondia ao ato de decodificação de textos, o que
implicava uma leitura mecânica destes, sem necessariamente, compreendê-los. É o que
nos esclarece o dicionário de língua portuguesa online quanto à palavra escrever:
“Exprimir-se por sinais gráficos, caracteres convencionais: escrever seu nome”.
Diante de inúmeros problemas educacionais, fracassos escolares e constantes
lutas pela democratização, o Brasil se inseriu no contexto de mudanças, em que a escola
representava um importante eixo. Os conceitos e práticas educacionais não podiam mais
continuar com o cunho reprodutivista que mantinham. E a leitura e a escrita,
concomitantemente, não podiam mais se restringir ao simples ato de codificar e
decodificar, pois já estava claro que apenas a apreensão dessa técnica não era suficiente
para a efetiva participação social dos indivíduos.
Assim, é importante alfabetizar letrando, isto é, ir além do aprendizado da leitura e
escrita, como também fazer o devido uso, compreender a função social e comunicar-se
nos diversos âmbitos. Toda essa diversidade de gêneros textuais que se encontra na
sociedade chega à escola, aos livros didáticos, como possibilidades de saberes a serem
ensinados e podem contribuir para as proposições de atividades, tornando-as coerentes
diante das práticas de leitura e escrita vivenciadas pelos indivíduos fora da escola. O
letramento depende, assim, do contexto social em que o sujeito está inserido, bem como
de sua participação nas práticas discursivas desse contexto (ROJO, 1995).
A escola, portanto, valendo-se dos eventos de leitura e escrita do cotidiano dos
indivíduos, os torna objeto de ensino e aprendizagem, como aborda Mortatti (2004),
seleciona conteúdos e cria situações didáticas que permitem o aprendizado. Desse modo,
ocorre, segundo a autora:
3 (...), a “pedagogização do letramento”, ou seja, um
processo no qual práticas sociais de letramento se
tornam, numa sequência ideal e predeterminada, práticas
de letramento a ensinar, posteriormente, ensinadas, e,
finalmente, adquiridas (p. 114)
É fundamental possibilitar que a criança em processo de alfabetização participe
dos mais variados eventos de leitura e escrita, tendo contato com diversos materiais,
como livro, revista, entre outros. Nesse sentido, o “cantinho da leitura” busca atingir tal
finalidade, tornando significativos materiais de leitura acessíveis às crianças.
Ler, escrever, refletir...
Algumas pesquisas já apontam práticas escolares de alfabetização pautadas na
perspectiva do letramento, isto é, nas quais as diversidades de gêneros que compõem o
repertório cotidiano se fazem presentes nos domínios escolares. Os docentes trabalham
com rótulos, jornais, propagandas, etc. Desse modo, o texto torna-se presença garantida
nas salas de aula, pois mesmo sem conseguir ler, os alunos realizam a leitura através do
professor e podem exercer constantemente reflexões propiciadas pela leitura.
Ler significa, sobretudo, compreender, dialogar com o texto, isto é, com o rótulo
que permeia nosso cotidiano, com os documentos que são necessários para nos
efetivarmos cidadãos. A leitura abrange não só os grandes e complexos textos como todos
os outros que nos circundam. O conteúdo significativo abordado pelo gênero textual
propicia aos alunos o interesse pela leitura. No entanto, para que isso aconteça o docente
precisa compreender que o aluno já possui uma bagagem de conhecimentos e
experiências prévias, que devem ser levadas em conta, a fim de facilitar o processo de
ensino e aprendizagem, como esclarece Solé (1998):
O aprendiz de leitor possui conhecimentos pertinentes
sobre a leitura – sabe que o escrito diz coisas, que ler é
saber o que diz e escrever, poder dizê-lo – que devem ser
aproveitados, para que possa melhorá-los e torná-los
mais úteis. (p. 58).
O professor pode tornar a leitura um hábito, realizá-la todos os dias e fazer uso das
mais diversas estratégias que, segundo a autora, facilitam a compreensão textual, com
questionamentos, antes de iniciar a leitura do texto, durante e depois.
As produções textuais podem ter um melhor significado quando realizadas em
torno de um estudo vivenciado pela turma, ou seja, quando o conteúdo é significativo, fato
que torna tal atividade relevante. A situação desencadeadora da produção pode se
configurar através de: assuntos estudados, circunstâncias vividas, etc. Tais situações
indicam aos alunos representações do por que, para quem e para que se escreve.
Atrelada à atividade de produção torna-se necessário o exercício da revisão textual,
momento em que o aluno irá refletir sobre a coerência do que foi escrito e perceber, agora
como leitor, as falhas de seus escritos, podendo alterar o que achar necessário,
4 compreendendo, dessa forma, as particularidades do ato de escrever. Tal atividade
também pode ser realizada coletivamente, pois, ainda sem saber ler e escrever, o aluno é
capaz de perceber a coerência ou não do que foi escrito e propor as devidas alterações.
A escola tende, então, a não só partir dos conhecimentos prévios acerca da leitura
e escrita dos alunos, como a contribuir para ampliação e modificação desses
conhecimentos. As relações estabelecidas entre as práticas sociais e escolares de
letramento possibilitam constantes interações entre os sujeitos, que culminam em um
ambiente em que a aprendizagem se faz dialógica, como enfatiza Gallart (2004): “As
interações nas aulas e fora delas condicionam essas aprendizagens seja qual for a
cultura...” (p. 45). Assim, precisamos refletir acerca dessas interações fora da sala de aula,
ou seja, o aprendizado é construído com as conexões que se estabelecem entre as aulas
e as ações em outros contextos, o diálogo estabelecido pela família, a atenção às
atividades solicitadas, o interesse em aprender, aspectos que tendem a influenciar
diretamente esse aprendizado.
Construindo o “cantinho da leitura”: a biblioteca na sala de aula
Estabelecer uma rotina que permita a reflexão do sistema de escrita e a criação de
hábitos significativos, exige um ambiente alfabetizador, que cotidianamente propicie o
aprendizado. Nesse sentido, a criação do chamado “cantinho da leitura” buscou
contemplar o desenvolvimento do hábito da leitura de forma prazerosa, e não como uma
mera tarefa escolar, possibilitando o acesso a livros infantis, gibis, revistas, materiais que
nem sempre compõem o cotidiano das crianças.
Assim, no início do ano, a escola comprou alguns caixotes, solicitados por mim e
outra professora, que seriam transformados em “prateleiras” da biblioteca improvisada na
sala de aula. Mobilizei a turma, expliquei a importância daquele novo local na sala e pedi a
contribuição das crianças para arrumá-lo. Criamos desenhos que foram fixados nas
paredes e algumas almofadas foram trazidas pelas crianças, que se encostam ou deitam
nos momentos da leitura. Todos os dias, com a ajuda dos alunos, os diversos livros, gibis
e revistas são colocados nas “prateleiras”, as almofadas são espalhadas pelo chão e o
“cantinho” diariamente ganha vida com a colaboração da turma (Imagem 1). Ao final do
dia, os livros são guardados, porque a sala é utilizada por outra turma, que não faz uso
desse ambiente.
5 Imagem 1
Cantinho da leitura
É nesse local bastante significativo para turma, o cantinho da leitura, localizado no
fundo da sala, que as leituras diárias no início das aulas passaram a ser realizadas.
Sentados numa roda, dialogamos, costumo apresentar o livro, o autor, o ilustrador, leio o
resumo, faço uso das mais diversas estratégias que, segundo Solé (1998), facilitam a
compreensão textual, com questionamentos, antes de iniciar a leitura do texto, durante e
depois.
Aos poucos aquele pedacinho no fundo da sala passou a fazer sentido, as
crianças sempre ficam ansiosas para poderem manusear o livro que acaba de ser lido.
Percebo que a maioria delas tem aprendido a interagir com os livros que compõem o
nosso cantinho. Elas fazem roda, brincam de professores, manuseiam constantemente os
livros já lidos, frequentando o local diversas vezes ao dia, ao final de uma atividade ou
sempre que possível. Desse modo, a leitura torna-se uma prática coletiva, inclusive das
crianças nos níveis iniciais de escrita, muitas delas passam a se interessar pelas
atividades e buscam identificar os livros lidos, apontam para o título. Nesses momentos,
busco interagir, pergunto o nome do livro, pergunto sobre as letras ali presentes, ou seja,
a sede pela leitura permite significativos momentos de reflexão do sistema de escrita
alfabética. Costumamos anotar os livros lidos, na busca de acompanhar mensalmente as
leituras realizadas. Além de realizarmos a escolha do livro do mês, aquele preferido pela
turma, como revela a imagem abaixo:
6 Imagem 2
GRÁFICO – AS MELHORES LEITURAS DO MÊS DE MAIO
19 17 16 16 7 É significativo perceber que ler, não tem se resumido aquelas tarefas escolares
chatas e enfadonhas. A turma estabelece uma relação satisfatória, que fica visível ao
final de cada atividade ou mesmo no recreio, em que muitos solicitam a ida ao cantinho,
expressando a vontade espontânea em vivenciar a leitura. Costumo escutar
constantemente “Acabei! Posso ler?”, os alunos percebem aquele ambiente de forma
acolhedora, encantam-se com a possibilidade de manusear o livro lido no dia ou de
simplesmente reler algumas histórias. Muitos se divertem com as histórias em quadrinhos,
que algumas vezes são tomadas como empréstimo no final de semana. Até o recreio às
vezes é substituído por alguns, que preferem ficar lendo no cantinho. Busco sempre
reservar um momento no dia para que eles possam ficar a vontade com os livros, se
deleitar (Imagem 3).
Imagem 3
Crianças no cantinho da leitura
8 Diante dessa nova percepção da leitura, os alunos passaram a trazer livros para
serem lidos e compor nossa biblioteca. Eles criam expectativas e se alegram com a leitura
do livro que disponibilizaram. Cada livro ganha um sentido maior após ter sido lido na
roda da leitura, eles passam a ser procurados com maior frequência. Entendo, portanto,
que a função docente é fundamental. Não adiantaria a criação desse ambiente senão
houvesse atividades que gerassem esse interesse.
Tornar a leitura prazerosa e um hábito é o grande desafio para os professores,
principalmente, das redes públicas do Brasil. Porque lidamos com crianças que
pertencem a um país desigual, que são excluídas e muitas vezes marginalizadas pelas
condições que possuem. Precisamos, sobretudo, entender que as oportunidades podem
ser criadas e que a escola precisa cumprir sua função. Afinal, não podemos nos prender a
números e buscar apenas que elas aprendam a assinar o nome ou leiam mecanicamente.
É necessário entender, participar, tornar-se cidadão, e esse simples “cantinho da leitura”
pode sim, transformar e contribuir para que as ações cotidianas desses sujeitos tornem-se
conscientes.
Referências Bibliográficas
Cook, Gumperz, J.A. (1991). A construção social da alfabetização. Trad. Dayse Batista.
Porto Alegre: Artes Médicas, p. 11-57.
Gallart, M. S (2004). Leitura dialógica: a comunidade como ambiente alfabetizador. In:
teberosky, A. & GALLART, M. S. Contextos de alfabetização inicial. Trad. Francisco
Settineri. Porto Alegre: Artmed.
Mortatti, Maria do Rosário Longo (2004). Educação e letramento. São Paulo: UNESP.
Rojo, Roxane (1995). Concepções não-valorizadas de escrita: a escrita com “Um outro
modo de falar”. In.: KLEIMAN, A. O significado do letramento: uma nova perspectiva
sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras.
Soares, Magda (2007). Alfabetização e letramento. São Paulo: Editora Contexto, 5ª
edição.
Solé, Isabel (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: ArtMed.
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