QUANDO CORTÁZAR DIALOGA COM BENJAMIN: O DUPLO E O ESPELHO EM UM OUTRO CÉU E PASSAGENS Luís Roberto de Souza Júnior* Quién sabe cuánto hace que me repito todo esto, y es penoso porque hubo una época en que las cosas me sucedían cuando menos pensaba en ellas, empujando apenas con el hombro cualquier rincón del aire. En todo caso bastaba ingresar en la deriva placentera del ciudadano que se deja llevar por sus preferencias callejeras, y casi siempre mi paseo terminaba en el barrio de las galerías cubiertas, quizá porque los pasajes y las galerías han sido mi pátria secreta desde siempre. Julio Cortazar, El otro cielo RESUMEN: En este artículo hacemos un diálogo interdisciplinario entre cuento de Julio Cortázar El outro cielo y el gran estudio de Walter Benjamin (la edición brasileña tiene 1.167 páginas) Libro de los Pasajes. En el texto de Cortázar, se mueve el narrador protagonista en el tiempo y en el espacio. Él va desde um pasaje comercial en Buenos Aires en la década de 1940 a otra pasaje en París en 1870. Tomando como punto de partida precisamente los grandes pasajes parisinos, Libro de los Pasajes es un conjunto fragmentado de textos (escritos a partir de 1927 hasta la muerte de Benjamin, en 1940) que examinan París del siglo XIX. Se investiga aquí la hipótesis de existir un doble en El otro cielo, y para ello utilizamos las ideas contenidas en la sección de Libro de los Pasajes titulada “Espejos”. PALAVRAS CLAVE: JULIO CORTÁZAR, WALTER BENJAMIN, PASAJES. RESUMO: Neste trabalho promovemos um diálogo interdisciplinar entre o conto Um outro céu de Julio Cortázar e grande estudo (na edição brasileira, são 1.167 páginas) Passagens, de Walter Benjamin. No texto de Cortázar, o protagonista-narrador se desloca no tempo e no espaço, indo de uma galeria comercial da Buenos Aires dos anos 1940 para uma outra galeria, na Paris de 1870. Tendo como ponto de partida justamente as galerias comerciais parisienses, o livro Passagens é um conjunto fragmentado de textos (escritos de 1927 até a morte de Benjamin, em 1940) que analisam a Paris do século XIX – justamente a época para a qual se transporta o narrador-protagonista do conto de Cortázar. Investigamos aqui a hipótese da existência de um duplo em Um outro céu, e para isso usamos as idéias contidas no trecho de passagens intitulado “Espelhos”. PALAVRAS- CHAVE: JULIO CORTÁZAR, WALTER BENJAMIN, PASSAGENS Introdução Neste trabalho promovemos um diálogo interdisciplinar entre o conto Um outro céu de Julio Cortázar e o grande estudo (na edição brasileira, são 1.167 páginas) Passagens, de Walter Benjamin. A nosso ver, os dois textos casam perfeitamente com a contemporaneidade, com essa nova epistemologia crítica que é interdisciplinar e intertextual. No texto de Cortázar, o protagonista-narrador se desloca no tempo e no espaço, indo de uma galeria comercial da Buenos Aires dos anos 1940 para uma outra galeria, na Paris de 1870. Tendo como ponto de partida justamente as galerias comerciais parisienses, o livro Passagens é um conjunto fragmentado de textos (escritos de 1927 até a morte de Benjamin, em 1940) que analisam a Paris do século XIX – justamente a época para a qual se transporta o narrador-protagonista do conto de Cortázar. Investigamos aqui a hipótese da existência de um duplo em Um outro céu, e para isso usamos as idéias contidas no trecho de passagens intitulado “Espelhos”. Fragmentos Passagens é composto por fragmentos compilados por Benjamin durante treze anos, de 1927 até sua morte, em 1940. Pelo autor ter morrido antes de finalizá-lo como gostaria, o projeto do livro não se concretizou completamente. O que temos são trechos reunidos, que foram publicados pela primeira vez nos anos 1980 e traduzidos para o português em 2006. Muitos desses trechos são os chamados exposés, divididos por letras. Também nos lembremos do organizador da edição brasileira de Passagens, Willi Bolle, para quem o livro seria um exemplo do gênero “filosófico-literário do fragmento”. Em artigo na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Álvaro Silveira Faleiros escreve que Walter Benjamin desenvolve em Passagens um "novo método dialético da historiografia" que consiste em "atravessar o passado com a intensidade de um sonho, a fim de experimentar o presente como o mundo da vigília, ao qual o sonho se refere". Isto pressupõe seu novo conceito de "imagem dialética", que consiste, por sua vez, em lançar sobre o passado um olhar, tendo, como contraponto, o futuro daquele passado. Assim, seria possível compreender o presente "à luz daquilo que se anunciava (e se preparava) no ventre do passado" (FALEIROS, 2008, 185-189). Um outro céu faz parte de Todos os fogos o fogo, de 1966. O narrador-protagonista rememora a época em que trabalhava na bolsa de valores de Buenos Aires, em 1940. Na capital argentina ele levava uma pacata vida burguesa. Morava com a mãe, estava noivo, com um bom emprego e sofria de tédio. Por isso ele busca aventuras no subsolo da galeria comercial Pasaje Güemes, onde funcionavam cabarés. Ali, porém, ocorre com ele um deslocamento temporal e espacial para uma outra galeria, na Paris de 1870, a Galerie Vivienne. Na capital francesa, ele leva uma vida entre personagens do submundo e se apaixona por uma prostituta. Lembremos também que ambas as passagens existem e, de alguma maneira, podem ser consideradas espelhos uma da outra. O Pasaje Güemes foi inaugurada em 1915, fica entre as calles Florida e San Martín. Aqui, por exemplo, o Pasaje Güemes, território incerto onde já há tanto tempo fui deixar a infância como um terno usado. Por volta do a no vinte e oito, o Pasaje Güemes era a caverna do tesouro emq eu deliciosamente se misturavam a suspeita do pecado e as pastilhas de hortelã, em que se apregoavam as edições vespertinas com crimes de página inteira e se consumiam as luzes da sala do subsolo onde se projetavam inatingíveis filmes realistas [...] Até hoje me custa atravessar o Pasaje Güemes sem me enternecer ironicamente com a lembrança da adolescência à beira da queda; o antigo fascínio perdura, e por isso eu gostava de caminhar sem rumo determinado, galerias cobertas, onde qualquer espelunca sórdida e empoeirada me atraía mais do que as vitrinas expostas à insolência das ruas cobertas (CORTÁZAR, 1972, p. 136). Assim, Cortázar descreve o Pasaje Güemes, hoje um dos exemplos representativos na argentina do estilo arquitetônico conhecido como Art Noveau. A Galerie Vivienne, onde transcorre a maior parte da ação do conto, é retratada assim por Cortázar: A Galeria Vivienne, por exemplo, ou o Passage dês Panoramas com suas ramificações, seus becos que acabam num sebo ou numa inexplicável agência de viagens onde talvez ninguém nunca tenha comprado uma passagem de trem, esse mundo que escolheu um céu mais próximo, de vidros sujos e gessos com figuras alegóricas que estendem as mãos para oferecer uma grinalda, essa Galerie Vivienne a um passo da ignomínia diurna da rua Réaumur e da Bolsa [...] (CORTÁZAR, 1972, p. 136/137) A Galerie Vivienne inclusive também citada por Benjamin (2007, p. 237) como um lugar onde “a multidão se comprime e não é percebida”, em comparação com a Passagem Colbert, onde, “talvez, seja percebida demais”. Esse trecho, aliás, seria digno de constar no conto de Cortázar, assim como trechos de Um outro céu, como “...essa Galerie Vivienne a um passo da ignomínia diurna da rue Réaumur e da Bolsa...” ou “lá no fundo da Galerie Vivienne, sob as figuras de gesso que o bico de gás fazia tremerem (as grinaldas iam e vinham entre os dedos das Musas empoeiradas)” (CORTÁZAR, 1972, p. 137) poderiam estar entre os trechos de Passagens. Se Passagens fica no limiar entre a filosofia e a literatura, o narrador de Um outro céu está no limiar de dois mundos (nunca como no conto as passagens foram tanto lugares de entrada e saída). Como já dissemos, vamos focar aqui um único exposé – “Espelhos”. A opção se dá pelo tamanho da obra (na edição brasileira são 1.167 páginas), que nos parece “um mundo” ao seria necessário ao menos a duração de uma tese de doutorado para abarcá-lo. Então escolhemos um exposé que dialogue com Um outro céu. O conto é de tamanho médio (na edição utilizada são 22 páginas), pois “o conto parte da noção de limite, e, em primeiro lugar, de limite físico, de tal modo que, na França, quando um conto ultrapassa vinte páginas, toma já o nome de nouvelle... (p. 151) “. Teorizando sobre o gênero, Cortázar diz ainda que “Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes miserável história que conta” (CORTÁZAR, 1993, p. 153) e que “a ideia de significação não pode ter sentido se não a relacionarmos com as de intensidade e de tensão, que já não se referem apenas ao tema, mas ao tratamento literário desse tema” (CORTÁZAR, 1993, p. 153). Assinalamos que escolhemos Um outro céu por, a nosso ver, preencher esses requisitos, e outros mais, como ter um ritmo intenso, pois “o único modo de se poder conseguir esse seqüestro do leitor é mediante um estilo baseado na intensidade e na tensão” (CORTÁZAR, 1993, p. 153). E isso também quer dizer sintético, pois o conto “é uma síntese viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada” (CORTÁZAR, 1993, p. 150). Sem biografismo Leyla Perrone-Moisés, em seu livro de análises críticas Vira e mexe nacionalismo: Paradoxos de um nacionalismo literário, publicou o texto “Passagens: Isadore Ducasse, Walter Benjamin e Julio Cortázar”, no qual, ao nosso modo de entender, tende ao biografismo ao afirmar que: Vários elementos também permitem considerar o narrador-personagem desse conto como um duplo de Julio Cortázar. A rejeição da vida familiar e política que lhe oferecia sua nação, a opção por Paris como domicílio definitivo, e até a experiência de passar de um mundo a outro utilizando o pensamento como meio de locomoção. (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 137) Perrone-Moisés também compara Cortázar a Isidore Ducasse, conhecido literariamente como Conde de Lautréamont, cujo dois trechos dos Cantos de Maldoror servem de epígrafe a Um outro céu. Também se levanta a hipótese de Cortázar se ver no conto e na vida como um duplo de Ducasse, e essa hipótese se sustenta a partir da comparação da biografia de ambos. Julio Cortázar (1914-1984) era filho de diplomata e, por isso, nasceu ao acaso em Bruxelas (Bélgica). Foi para a Argentina com quatro anos. Devido à separação de seus pais, foi criado pelas mulheres da família: a mãe, uma tia e uma avó. Deu aulas de literatura em colégios e freqüentou a Faculdade de Filosofia e Letras – abandonou por problemas financeiros. Mudou-se para Paris em 1951 por discordar da ditadura que governava a Argentina. Isidore Ducasse (1846-1870) nasceu em Montevidéu e morreu em Paris, era filho do chanceler da embaixada da França no Uruguai e viveu entre os dois países. Então PerroneMoisés escreve que: A semelhança de situação cria uma relação especular em abismo: o Sul-americano, o narrador-personagem, o próprio Cortázar. A identificação com Isidore Ducasse se fundamenta em várias razões, invertidas como num espelho: o nascimento do escritor argentino na Bélgica, por razões diplomáticas. A escolha da língua materna como escritor e adoção da língua do país de nascimento, como segunda língua. (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 137) Consideramos válida a aproximação feita por Perrone-Moisés, porém, neste trabalho, vamos por outro caminho, um caminho que nos é indicado por Roland Barthes e Michel Foucault. À luz das reflexões de Barthes e de Foucault em A morte do autor e O que é um autor vamos promover uma maior valorização do texto literário e da interpretação do leitor. Para relembrarmos, em A morte do autor, de 1968, Barthes discorreu sobre a importância do leitor em detrimento do autor. Ele valoriza o leitor como participante da construção de sentido da obra literária. O leitor e sua capacidade interpretativa, o leitor e suas múltiplas visões do texto. Destaca que se deve esquecer o ente biográfico e focar-se na construção lingüística do texto. A conferência de Michel Foucault O que é um autor?, de 1969, foi motivada pelo texto de Barthes. Foucault procura aprofundar a discussão do apagamento da figura autoral e crítica a busca incessante pela intenção presente no texto literário. Ele descreve o autor como sujeito social e mostra que foi uma figura historicamente construída. Segundo ele, a "funçãoautor" não se constrói simplesmente atribuindo um texto a um indivíduo, mas o que faz de um indivíduo um autor é o fato de, em seu nome, delimitar-se, recortar-se e caracterizar-se os textos que lhes são atribuídos. Ora, o que vamos fazer a seguir é justamente ler Um outro céu e interpretá-lo – construindo assim um sentido para ele –, a partir de um trecho de Passagens, sem nos preocuparmos a priori com a intenção de Cortázar enquanto gênio criador ao escrever o conto. Sobre o duplo De acordo com Bravo, no decorrer do século XVII, o duplo como divisão do eu ganha notoriedade, desenvolvendo-se como o heterogêneo. Passa então a representar, sobretudo os conflitos maniqueístas e as dualidades da personalidade. E deixa de designar o outro que é semelhante ao eu para representar “as pessoas que se veem a si mesmas” (BRAVO, 1997, p. 261). O primeiro estudo sistemático do tema foi publicado pelo psicanalista e escritor austríaco Otto Rank, em 1914. Amigo de Freud, ele desenvolve uma análise sob o prisma da mitologia, pontuando fortemente o medo da morte como desencadeador do duplo. Rank busca apoio no cinema, que dava seus primeiros passos, em obras-primas da literatura. A partir disso, Freud escreve o famoso ensaio O estranho. O pai da psicanálise aborda os efeitos do retorno do recalque ao consciente, ou seja, do que deveria estar velado, mas emerge, provocando uma sensação de estranhamento. Freud interpreta o duplo como a indiscriminação do ego com o outro e com o mundo. Em O real e seu duplo, o filósofo francês Clément Rosset defende que a imagem do indivíduo constitui uma ilusão psicológica, associando a ilusão, denegação da realidade, ao duplo. O intelectual define o duplo como o fenômeno da duplicação do eu em uma entidade autônoma, desdobrada ou estendida. Suas manifestações apareceriam nos momentos de desespero, incerteza, remorso ou arrependimento e até mesmo como justificativa para um fato ou evento. Freud aponta uma diferença entre o estranho que conhecemos pela literatura e aquele da vida real. Podemos então imaginar que o contato com o estranho no cotidiano é o que faz com que o escritor se motive a escrever sobre ele. Pode-se dizer que é caso de Cortazar. A representação do duplo é recorrente na sua contística. Aparece m inúmeros outros texto além de Um outro céu, como, por exemplo, Uma flor amarela, O ídolo das Cíclades, A noite de barriga para cima e A distante. Neles, os personagens se encontram com seus duplos ou se multiplicam em tempos diferentes. Também no romance O jogo da amarelinha, característica da personagem Maga eram repetidas em Talita. O próprio Cortazar admite isso em ao jornalista uruguaio Ernesto Gonzáles na série de entrevista que rendeu o livro Conversas com Cortazar. O escritor afirma que o duplo se manifesta em muitos momentos de minha obra, separados por períodos de muitos anos. Diz que muitas vezes, a maioria delas, nem se dá conta. Como já explicamos, investigaremos a existência de um duplo em Um outro céu, mas para isso usamos fundamentos do trecho “Espelhos”, de Passagens, e não dados biográficos do autor. O exposé começa nos chamando a atenção para como os espelhos captam o espaço livre, a rua, e o transportam para o café da Paris do século 19 e “isso também faz parte do entrecruzamento dos espaços – espetáculo pelo qual o flâneur se sente irremediavelmente arrebatado”. (BENJAMIN, 2007, p. 579) Esta afirmação se aplica ao narrador do conto, e o podemos dizer que o próprio conto é uma espécie de “entrecruzamento de espaços”. Benjamin em seguida conta a história do homem que, no interior de sua butique ou de seu bistrô, não suportava ter sempre diante dos olhos, no vidro externo, as letras escritas ao contrário. “Criar uma anedota a respeito”, aconselha para si próprio, num lembrete para o futuro. Espelhos Como Benjamin não teve oportunidade de seguir o próprio conselho, vamos nós mesmos criar um tipo um raciocínio – não exatamente uma anedota, é forçoso reconhecer – sobre o espelho. Peguemos a idéia do homem que ficava boa parte do dia cercado de espelhos e via neles as letras refletidas, ou escritas ao contrário. Não podemos enquadra aqui o narrador do conto? Afinal, o narrador vive entre duas cidades que já foram consideradas espelhos uma da outra. Buenos Aires lembra a capital francesa, a tal ponto que já foi chamada de “Paris da América Latina”. A capital argentina repetiu a francesa em muitos aspectos. Foi concebida nos moldes de Paris, com grandes avenidas e cafés, recebia espetáculos no mesmo nível das capitais européias, teve seu papel de grande metrópole latino-americana, vivendo até mesmo a sua Belle Époque. No mais, as tensões políticas vividas na Paris de 1870 e na Buenos Aires de 1945 se equivalem, uma vez que, como é citado no conto, em 1870, a França vivia sob a ameaça de uma invasão prussiana. Enquanto que a capital argentina passava por um período turbulento, com constantes ameaças de golpes e ocupações do exército, às vésperas da eleição de Perón para a presidência (ele seria eleito em 1946), como também aparece no conto. Nestas cidades-espelhos, porém, o protagonista vive refletido ao contrário, pois leva vidas opostas. Se em Buenos Aires ele tem uma vida burguesa típica, com um emprego e uma noiva nos moldes tradicionais, em Paris ele vive pelos cafés, bebendo, festejando e mantendo um caso com uma prostituta. Enquanto Irmã, sua noiva (e tudo a ela relacionado) parece tediosa e repressora, Josiane e o “submundo” parisiense se mostram cheio de atrativos e interesses, empolgando o narrador. . O final da história é que o protagonista nunca mais se transporta a Paris. Resigna-se à sua vida burguesa e tediosa em Buenos Aires, ao lado da noiva, e da mãe. Na última frase ele diz que fica em casa tomando mate, olhando as plantas e a noiva, que está grávida, e se perguntando sem muito entusiasmo se votará em Tamborini ou em Perón ou em branco. Uma curiosidade: Benjamin diz que cada época escreve a seguinte, porém daria para dizer que o narrador-protagonista de O outro céu faz o contrário. O personagem de Cortázar sonha a época anterior. Projeção Por fim também gostaríamos de notar que no conto há um personagem misterioso, denominado simplesmente “o sul-americano”. Citemos um trecho do conto: “Agora que começo a pensar, é estranho: a primeira imagem que me ocorre de Josiane, e que é sempre Josiane no banco do café numa noite de neve e Laurent, junta-se inevitavelmente àquele que ela chamava de o sul-americano.” (CORTÁZAR, 1972, p. 141) Ressalte-se que não fazemos nenhuma alusão ao escritor, mas sim ao fato de o narrador ser da América do Sul, o que pode ser visto como uma identificação entre ele e o narrador. Some-se a isso o fato que quando o sul-americano morre na trama, o narrador não consegue mais transportar-se da Buenos Aires de 1945 para a Paris de 1970. Para nós, esse personagem pode ser considerado um duplo do narrador, um espelho dele mesmo dentro do que ele narra, uma projeção. Concluímos também que Um outro céu e o exposé “Espelhos” projetam-se um no outro. Como diz o conto, “Acontecia-me às vezes que tudo ia por si mesmo, abrandava-se e cedia terreno, aceitando sem resistência que se pudesse passar assim de uma coisa a outra”. (CORTÁZAR, 1972, p. 141). Consideramos que o trecho e o próprio livro de Benjamin e o conto de Cortázar poderiam até fazer uma troca, um texto cedendo parágrafos para o outro e recebendo equivalentes para tapar o buraco. Nossa conclusão é que os dois textos casam perfeitamente com a contemporaneidade, Um outro céu e Passagens, além de se relacionarem entre si, ressaltamos que também se relacionam com uma nova epistemologia crítica que se articula transitando por zonas interdisciplinares, intertextuais. BIBLIOGRAFIA BARTHES, Roland. “A morte do autor”. In: O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. BENJAMIN, Walter. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980. BRAVO, Nicole Fernandez. “Duplo”. In: BRUNEL, Pierre (Org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José. Olympio, 2000. CORTÁZAR, Julio. Todos os fogos o fogo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. CORTÁZAR, Julio. 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