A IDENTIDADE GENÉTICO-CRIMINAL: O CRIMINOSO QUE ANTES DE O SER JÁ O ERA?
ARMANDO R. DIAS RAMOS
Sumário: I – INTRÓITO. II - RESENHA HISTÓRICA: AS CONTRIBUIÇÕES GENÉTICO-CRIMINAIS. III - A
IDENTIDADE GENÉTICA 1. O síndrome 47, XYY 2. A valoração da imputação criminal e a análise
genética. IV - O PAPEL DA CIÊNCIA E
A
SUA COLABORAÇÃO NA APLICAÇÃO DA JUSTIÇA. 1. A Recolha do
Material Genético 2. Os problemas de hoje serão os mesmos de amanhã? 3. O Exame Laboratorial
e a “tradução” para a Justiça. V – CONCLUSÕES.
“O destino já não está nas estrelas mas sim nos genes!...”
STELA BARBAS*
I - INTRÓITO
O tema que iremos abordar, embora não seja de hoje 1, continua na ordem do
dia. Nas últimas décadas acreditou-se que todas as caraterísticas dos indivíduos
estavam nos genes e que para tal bastava conhecer o seu DNA para conhecer a
pessoa. Nesse sentido tem-se investigado se a carga genética de um indivíduo, que lhe
foi gerada pelos seus progenitores, tenha uma propensão no mesmo que o conduza,
quase de modo autónomo, para a prática de delitos. Muitos cientistas debruçaram-se
sobre o “gene do mal” que um indivíduo pode ser portador e que se revela associado a
outras condicionantes externas, tais como o ambiente em que o indivíduo foi criado,
por exemplo.
* Testes Genéticos, Terapia Genética, Clonagem, in Estudos de Direito da Bioética, Coord. JOSÉ DE
OLIVEIRA ASCENSÃO, Almedina, fevereiro de 2005, p. 313
1
Já no decurso de 1989 se discutiam diversos problemas sobre este tema, nomeadamente no “Colóquio
Internacional sobre Genética e Pessoa Humana”, promovido pelo Centro de Estudos de Bioética,
realizado em Coimbra, em outubro deste ano, do qual foram editadas as atas no volume Genética e
Pessoa Humana (Coleção “Temas de Bioética”, n.º 1), Centro de Estudos de Bioética, 1989.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
E, caso efetivamente exista uma correlação entre um indivíduo ser portador de
genes pretensamente criminógenos e tenha cometido um delito punível, questionamonos, desde já, se este deverá ser alvo de um julgamento, nas mesmas circunstâncias
que outros indivíduos ou, por outro lado, se dever-se-á proceder ao seu tratamento,
ainda que de forma compulsiva, para que não volte a reincidir. Trata-se, deste modo,
de analisar a imputação dos factos a um sujeito. E é este o problema-cerne com que
sempre se debateu o Direito Penal.
Destarte o avanço da ciência tem-se revelado, como sempre, uma preciosa
colaboração com o Direito Penal. As ciências auxiliares, como a Química, na análise
e identificação de químicos e explosivos, a Biologia, na deteção e comparação de
elementos orgânicos, a Balística na examinação de estrias e calibres de munições,
entre outras, serviram e servem, cada vez mais, como ciências vivas ao serviço do
Direito Penal2.
A genética faz parte do ramo da Biologia e estuda a hereditariedade, os genes
e variação dos organismos, contribuindo também, cada vez mais, para que se faça
Justiça.
Está provado cientificamente que o DNA é único, salvo no caso de gémeos
univitelinos, e que mediante análises é possível identificar uma pessoa entre as
demais 3.
É usual recorrer-se a esta ciência para se determinar a paternidade de uma
criança, para se compararem vestígios biológicos entre vítima e suspeitos da prática
do crime, como esperma ou cabelos, ou para se identificarem cadáveres mutilados,
seja pelo fogo ou pela decomposição do tempo, ou por outra causa anormal4.
2
Para uma leitura mais aprofundada veja-se o capítulo sobre “As investigações sobre o genoma
humano e as suas implicações para o Direito” in CARLOS MARÍA ROMEO CASABONA, Do gene ao
Direito, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1999, pp. 19 a 54.
3
MARIA ANGELES PÉRES MARÍN, El ADN como Método de Identificación en el Proceso Penal, Revista
do Ministério Público, 132, out-dez 2012, [pp. 127-163], pp. 127 a 130.
4
A título de exemplo recordamos a identificação dos cadáveres no acidente ocorrido na Ponte de Entre
os Rios, a 4 de março de 2001.
“A elevada credibilidade na eficácia do DNA como método de identificação reside no seu elevado
potencial de individualização. A identificação de indivíduos pela tecnologia do DNA assenta na
possibilidade de individualização facultada pela análise de extensas zonas genómicas, a que se costuma
chamar “DNA não codificante”. Estas zonas inter ou intragénicas mostram certas sequências que se
supõe serem características de cada indivíduo e que produzem, assim, uma “impressão digital
genética”, ou seja, uma estrutura biológica que é única em cada indivíduo (exceptuando o caso dos
gémeos monozigóticos, que, do ponto de vista genético, são um único indivíduo).” HELENA MACHADO,
SUSANA SILVA, ANTÓNIO AMORIM, Políticas de Identidade: perfil de DNA e a identidade genéticocriminal, Análise Social, Vol. XLV (196), 2010, p. 541, também disponível on-line
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Diferentes formas são encaradas, conforme se tratem de um processo cível ou
criminal, da utilização de peritos e dos exames nestes diferentes tipos de processos.
Deixaremos de lado o processo cível porquanto o nosso objeto de estudo se reduz à
humilde tentativa de responder à questão da existência, ou não, de elementos
genéticos, i. é, características individualizadas no DNA de um indivíduo, que sejam
potenciadores da prática criminal. Estamos, assim, no âmbito do Direito Penal. E, no
caso de se confirmar esta caraterística, como resolver o problema da condenação ou
tratamento compulsivo dos portadores destes genes?
Veremos, no decurso do nosso trabalho, que o papel do perito é fundamental,
a par das técnicas de recolha e análise do material genético alvo de exame.
O genoma humano conhece todos os dias novas descobertas e, pese embora já
tenha sido anunciado 5 , ainda estará longe o dia em que se revele ao mundo o
mapeamento completo do genoma humano.6
II - RESENHA HISTÓRICA: AS CONTRIBUIÇÕES GENÉTICO-CRIMINAIS
Não nos deteremos muito sobre as contribuições de MENDEL e LOMBROSO no
âmbito do nosso estudo, contudo as mesmas são importantes para a compreensão e
análise deste trabalho a que nos propusemos. Faremos apenas uma súmula histórica
pois todos os problemas que agora procuramos responder tiveram a sua origem nestes
dois grandes vultos da ciência.
Decorria o ano da graça de 1865 quando o monge agostinho JOÃO GREGÓRIO
MENDEL apresenta à sociedade os seus ensaios com ervilhas 7. As teorias de MENDEL,
http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1283950470C0xRF9bo4Yl23YJ7.pdf [acedido em 18 de
fevereiro de 2013].
5
Anúncio este feito em 26 de Junho de 2000 por Bill Clinton, tendo afirmado «Este é o mapa mais
importante e maravilhoso alguma vez produzido pela humanidade», O anúncio público decorreu
simultaneamente nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, China, França e Japão, e foi feito em
parceira com o Projeto Genoma Humano em plena Casa Branca, a residência oficial do presidente dos
EUA. Tony Blair marcou presença em direto via satélite. In http://www.infopedia.pt/$genoma-humano
[acedido em 6 de fevereiro de 2013].
6
A este respeito veja-se o artigo publicado na Revista Nature, em Setembro de 2012, referente ao
projeto ENCODE (Enciclopédia de Elementos de DNA), com o objetivo de perceber como é que
concretamente o genoma humano age para gerar a nossa complexidade biológica. Documento on-line
em http://www.nature.com/nature/journal/v489/n7414/full/nature11247.html [acedido em 6 de
fevereiro de 2013].
7
MENDEL propôs-se a cultivar diversas ervilhas de cheiro. Para tal começou por cruzar diferentes
linhagens onde apenas divergia uma característica destas plantas. Esta característica diferenciada, a que
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
baseadas na constatação empírica, resumem-se, grosso modo, a que não existem
trocas de fluídos entre as plantas, mas tão-somente e apenas a predominância de algo
que é indivisível e herdado dos seus antepassados.
Estavam ultrapassadas as teorias de DARWIN, sobre a seleção natural e a
evolução das espécies, e criadas as bases fulcrais de futuras investigações a nível da
descoberta do genoma.
Anos mais tarde CESAR LOMBROSO dedica o seu estudo, baseado também na
observação, às características atávicas de homens delinquentes8. Foi este médico que
teve alguma influência no Direito Penal ao colocar em causa as teorias defendidas por
BECCARIA relativamente à punição criminal. Defendia BECCARIA que os crimes
ocorrem quando o potencial prazer é recompensado pelos atos ilegais, devendo a
punição ser eficaz, rápida e baseada na lei. 9
Já para o pai da criminologia, LOMBROSO, as características físicas das pessoas
são elementos indiciadores para a marginalidade, ou seja, certas características como
dimensões anormais de crânio, mandíbulas grandes, maçãs do rosto salientes, entre
outras, são fatores externos da propensão à prática delituosa. Estas características
transmitiam-se de pais para filhos e, consequentemente, a criminalidade também se
transmitia, ou seja, era herdada de geração em geração. Estava criado o delinquente
nato que viria a ser aceite e advogado pelos ilustres criminologistas que se seguiram a
LOMBROSO.
A pena estaria assim associada as características de perigosidade reveladas
pelo delinquente, devendo este ser separado da sociedade. Afastando-se o potencial
criminoso a sociedade viveria mais tranquilamente e sem sobressaltos.
Recentemente, a partir da década dos anos 60 do século passado, despertaram
consciências sobre às teorias biológicas sobre a criminalidade. Assistiu-se, deste
mais tarde se daria o nome de “estrutura fenótipa”, são elementos exteriormente observáveis, como a
altura, textura ou cor. Daqui foi possível observar que algumas das características se mantinham
imutáveis de geração para geração, numa proporção de 3 para 1. Esta observação viria mais tarde a
revelar-se importante para a descoberta da existência do genótipo.
Mais desenvolvimentos em STELA MARCOS DE ALMEIDA NEVES BARBAS, Direito do Genoma
Humano, Almedina, 2007, pp. 39-42, em especial nota de rodapé 17 e 18 e também ANA MARGARIDA
DE ANDRADE GUERREIRO LIMA, Os exames de ADN como meio de prova no Direito Português,
FDUL, Inédito, 2007.
8
Entre outros, http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Cesare_Lombroso [acedido em 9 de
fevereiro de 2013], cf. também STELA BARBAS, Direito do Genoma Humana, p. 629.
9
CESARE BECCARIA, Dos Delitos e das Penas, Ed. Ridendo Castigat Mores, eBooks Brasil.com, p. 30.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
modo, a estudos centrados no Ácido Desoxirribonucleico (ADN), tendo esta molécula
sido descoberta em 1953 e desde logo atraído investigadores para melhor conhecerem
as suas potencialidades. Analisaremos os estudos que foram surgindo neste nova área
biológica e que ilações resultaram dos mesmos no que interessa ao nosso estudo ora
em investigação.
III - A IDENTIDADE GENÉTICA
1. - O síndrome 47, XYY
A espécie humana possui 46 cromossomas, agrupados em 23 pares, ou seja, 22
pares denominados de autossomas, e dois heterocromossomas, isto é, os cromossomas
sexuais. 10 Os cromossomas sexuais são o X e o Y que são bastante diferentes, sendo o
cromossoma X bastante maior que o Y e contendo heterocromatina em extensão
variável. 11 São estes dois cromossomas que atribuem o sexualidade, sendo o XX do
sexo feminino e XY do sexo masculino.
Os estudos científicos desenvolvidos, em detidos criminosos a cumprir pena
de prisão em estabelecimentos prisionais, concluíram que estes indivíduos possuíam
trissomia XYY, ou seja, um cromossoma Y a mais no seu genótipo que condicionaria
um comportamento criminoso 12 . Desta observação empírica resultou também que
10
GUSTAVO HENRIQUE DE BRITO ALBUQUERQUE CUNHA, Manipulação Genética e Reprodução
Humana, Perspectiva Filosófica, Vol. I – n.~23 – janeiro-junho/2005, pp. 65, também disponível online no endereço http://www.ufpe.br/ppgfilosofia/images/pdf/pf23_artigo30001.pdf [acedido em 15 de
fevereiro de 2013], “[O] genoma humano está composto por vinte e três pares de cromossomas
contendo vinte e cinco e trinta e cinco mil genes, estando toda a informação genética presente em
apenas 3% do ADN de todo o genoma. O cromossoma é uma única fileira de ADN composta por
quatro tipos diferentes de bases: adenina, timina, guanina e citosina.”
11
Para um estudo mais aprofundado sobre esta matéria genética FERNANDO DE JESUS REGATEIRO,
Manual de Genética Médica, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2007, pp. 67 a 92.
12
STELA BARBAS, Ob. Cit., p. 632, nota de rodapé 1168, reporta-se a um artigo publicado na revista
Nature, efetuado em 1965, sobre o comportamento agressivo e o fator XYY, em que a maior parte dos
197 homens selecionados revelava propensão para a violência. Na mesma revista científica, Nature,
foram posteriormente publicados estudos realizados em ratos, tendo-se obtido as mesmas conclusões
das mencionadas no estudo realizado em 1965 e referido anteriormente. Estudo disponível on-line em
http://www.nature.com/nature/journal/v255/n5510/pdf/255658a0.pdf [acedido em 15 de fevereiro de
2013].
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
estes indivíduos além de serem mais altos, que a população em geral, eram,
simultaneamente, mais agressivos que os demais detidos13.
Ainda segundo FERNANDO REGATEIRO a trissomia XYY manifesta-se numa
proporção de 1 para 1.000 recém nascidos do sexo-masculino. Tratando-se de
indivíduos normais, apresentam de relevante uma estatura maior, com tamanho da
arcada dentária. Na adolescência são portadores de acne nodulocístico severo. A
fertilidade não está afetada, sendo a maioria fértil, não existindo o risco de ter filhos
com este tipo de trissomia. 14
2. - A valoração da imputação criminal e a análise genética
A culpa sempre foi um dos factores determinantes para a punibilidade de um
facto considerado crime. Como nos ensina FIGUEIREDO DIAS “culpa (...) é, assim, a
violação pelo homem do dever de conformar o seu existir por forma a que, na sua
actuação na vida, não viole ou ponha em perigo bens juridicamente (...) relevantes” 15
Desta forma, sempre que um comportamento humano possa ser qualificado
como crime é necessário que o facto seja típico, ilícito e culposo 16.
Ao longo dos tempos foram surgindo diversas doutrinas sobre a imputação da
culpa, as quais não dissecaremos aqui por não ser esta a sede própria, referindo
apenas que na falta de culpa não poderá aplicar-se qualquer punibilidade17.
13
Os estudos realizados não se limitam a uma área circunscrita ou a um país. Reportam-nos GENNARO
R. VITO, JEFFREY R. MAAHS, Criminology: Theory, Research, and Policy, ones Bartlett Publishers,
2011, pp. 83 e 84, a 150 estudos realizados em 1960 em países como Austrália, França, Escócia,
Alemanha de Leste e Estados Unidos. Em todos estes países os suspeitos de trissomia 47, XYY,
estiveram envolvidos em casos de violência extrema, tais como homicídios, ofensas á integridade física
grave, entre outras. Estes agressores, devido à sua patologia genética, foram apelidados de
“supermale”, face à presença de um cromossoma Y a mais no seu genótipo. No mesmo sentido L.
THOMAS WINFREE, HOWARD ABADINSKY , Understanding Crime: Essentials of Criminological Theory,
Wadsworth Cengage Learning, 2010, pp. 79 a 82
14
Ob. Cit., p. 305.
15
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Liberdade, Culpa, Direito Penal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1995,
pp. 160 e 161.
16
A culpa reveste as modalidades de dolo ou negligência à qual está associada uma pena ou uma
medida de segurança. Neste sentido GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte
Geral, II, Teoria do crime, 2.ª Edição, Verbo, 2005, pp. 9 e 10; FIGUEIREDO DIAS, Ob. Cit., pp. 102 a
118.
17
Remetemos contudo para os autores que se debruçaram sobre a análise da culpa, entre outros, JORGE
DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora,
2005, pp. 213 a 310; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Liberdade, Culpa, Direito Penal, (..), pp. 65 a 115;
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
O que acabamos de referi resulta do art. 40.º, n.º 2, do Código Penal, que
estabelece que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Sucede, porém, que a legislação penal estabelece a inimputabilidade em razão
de anomalia psíquica (art. 20.º do Código Penal) e da idade, sendo os menores de 16
anos inimputáveis (art. 19.º do CP). Contudo ao restringir-se a inimputabilidade em
razão da idade não significa que o menor não esteja consciente da ação que cometeu,
tendo eventualmente atuado com culpa. Apenas se estabeleceu que a maturidade do
jovem se atinge aos 16 anos. Daí que exista um regime específico, a denominada Lei
Tutelar de Menores, onde são aplicadas ao menor delinquente medidas tutelares que
poderão ir desde a admoestação até ao internamento em centro educativo 18
É relativamente à anomalia psíquica que nos interessa saber se efetivamente é
nos genes que se encontra o problema da anomalia psíquica e neste caso se uma
trissomia, como a que estamos a analisar, se poderá tornar causa de exculpação de um
crime.
HANS-GEORG KOCH19 questiona se efetivamente a análise genética será capaz
de demonstrar as caraterísticas da personalidade de um ser humano. E neste seu
trabalho argumenta o quanto é difícil correlacionar explicações genéticas com delitos,
tanto mais que existem muitas causas exógenas que são de difícil análise genética,
como é o caso de lesões cerebrais. Concluindo que a análise genética não vai ser
capaz de afastar os fundamentos inerentes ao conceito de culpabilidade e unicamente
poderão desempenhar um papel secundário na valoração forense da capacidade
jurídica penal20.
Também
recentemente
foram
publicados
estudos
na
revista
Neuropsychobiology sobre a possibilidade de existir uma deficiência no alelo S do
cromossoma polimórfico 5-HTTLPR, responsável pela função serotoninérgica que
CLAUS ROXIN, Problemas Fundamentais de Direito Penal, 3.ª Edição, Coleção Vega Universidade,
Vega, 2004, pp. 67 a 75.
18
Cf. art. 4.º da LTE. A LTE aplica-se a a menores, com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos,
que pratiquem facto qualificado pela lei como crime. Segundo ANABELA MIRANDA RODRIGUES e
ANTÓNIO CARLOS DUARTE FONSECA, in Comentário da Lei Tutelar Educativa, Coimbra Editora, 2003,
p. 57 “O primeiro pressuposto da intervenção tutelar educativa é a verificação de uma ofensa a bens
jurídicos fundamentais traduzida na prática de um facto ilícito tipificado em lei penal. [...] Segundo
pressuposto – sendo finalidade da intervenção a “educação do menor para o direito” e não a retribuição
pelo facto praticado”.
19
HANS-GEORG KOCH, Analisis Del Genoma Humano y Cuestiones sobre la Responsabilidad Penal, in
El Derecho ante el Preyecto Genoma Humano, Fundación BBV Documenta, Madrid, 2004, p. 12.
20
Ob. Cit. pp. 14 a 16.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
fosse determinante para a prática de crimes. Os autores obtiveram resultados
positivos, em estudos efetuados num grupo de homens chineses que haviam sido
condenados por crimes extremamente violentos e num grupo de controle normal. Os
resultados demonstram que o transporte da baixa atividade do alelo S é associado com
um comportamento criminoso extremamente violento em homens chineses, e sugerem
que o 5-HTT possa estar implicado nos mecanismos subjacentes a comportamentos
violentos21
IV - O PAPEL DA CIÊNCIA E A SUA COLABORAÇÃO NA APLICAÇÃO DA
JUSTIÇA
1. - A Recolha do Material Genético
Fulcral para o nosso estudo, pelo que também é pertinente, é a análise relativa
à recolha do material genético para exame. Não nos estamos a referir às técnicas
empreendidas pelos especialistas de como e onde recolher as amostras, embora devam
ser efetuadas utilizando métodos que não contaminem as amostras, mas sim, e tanto
quanto interessa para a discussão do tema, da forma como será efetuada essa recolha.
Enquanto que no Direito Alemão, artigo 81.º a) do capítulo I do dStGb22, a
análise de ADN pode ser realizada mesmo contra a vontade da pessoa visada, já no
Direito Austríaco não existe lei que preveja tal situação. Ainda assim a jurisprudência
e doutrina inclinam-se para a aceitação deste procedimento desde que exista o
consentimento do interessado 23.
21
L. LIAO, C. HONG, L. SHIH e J. TSAI , Possible Association between Serotonin Transporter Promoter
Region Polymorphism and Extremely Violent Crime in Chinese Males, Neuropsychobiology, Vol. 50,
n.º 4, 2004, pp. 284 a 287, disponível on-line no endereço http://www.karger.com/Article/Pdf/80953
[acedido em 10 de junho de 2013].
Estudos idênticos foram realizados num grupo de criminosos suecos, tendo-se chegado à mesma
conclusão que o estudo indicado anteriormente, CECILIA BERGGÅRD, et al, The serotonin 2A −1438
G/A receptor polymorphism in a group of Swedish male criminals, Neuroscience letters, agosto, 2003,
disponível on-line no endereço http://www.deepdyve.com/lp/medline-abstracts/the-serotonin-2a-1438g-a-receptor-polymorphism-in-a-group-of-swedish-8WCGDz4dQC?articleList=%2Fsearchrelated%3Fto%3DKCOuNKS0ed [acedido em 10 de junho de 2013].
22
Código Penal Alemão
23
HANS-GEORG KOCH, Ob. Cit., p. 34.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Entre nós não existe norma penal que preveja a situação agora aflorada.
Apenas na Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, que aprova a criação de uma base de
dados de perfis de ADN para fins de identificação criminal, no art. 6.º, n.º 1, é
mencionado a voluntariedade para a doação de amostras. Mas tais amostras jamais
poderão servir para o decurso de uma investigação criminal, conforme estabelece o n.º
3 do mesmo artigo. Resulta, pelo exposto, que não existe legislação sobre a recolha de
ADN para fins de investigação criminal.
Assim, caso um suspeito não autorize a recolha do seu material biológico para
análise genética deverá ser tal recolha efetuada de modo compulsivo? Ainda que seja
em favor do suspeito, que se realize o exame ao ADN, e se verifique que este tem
genes maliciosos que o predispõem para a prática delinquente, como aplicar o Direito
Penal? Será uma causa de inimputabilidade ou deverá dar-se lugar a uma atenuação
especial da pena? E deverá ser sancionado com uma pena ou ser coagido a tratar-se ou
ser tratado pelo Estado?
Mas para além destes problemas outros se levantam. Que fazer a estas análises
de ADN? Constituir uma base de dados genética onde o Estado colige toda a
informação genética sobre os seus cidadãos, passando a vigorar um bigbrother
semelhante ao ficcionado por George Orwell24? E quem teria acesso a esta base de
dados e para que fins?
Mas se o suspeito possui elementos genéticos que o predispõem para uma
maior agressividade, ainda que de forma latente, e se o mesmo for sujeito a uma
medida compulsiva de tratamento, poderá num momento mais tarde exigir uma
indeminização do Estado porque ficou minorado da prática de certos desportos que
exigem mais violência, tais como boxe ou karaté?
Entramos num campo bastante sensível quando, verdade seja dita, hoje em dia
se advogam mais os direitos dos arguidos/suspeitos que os direitos das próprias
vítimas.
2. - Os problemas de hoje serão os mesmos de amanhã?
24
GEORGE ORWELL, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, Edições Antígona, 2004.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Verificamos que a maioria dos problemas que aqui temos trazido à colação se
prendem também com questões de bioética. Não só por parte do médico que efetua
um tratamento, manipulação ou engenharia genética, como também por parte do
jurista que analisa estes comportamentos à luz do Direito instituído.
Sendo problemas deveras importante para o ser humano, as instâncias
internacionais, relativamente ao genoma humano, já contemplaram medidas de
proteção e definem orientações que se devem seguir.25 26
PAULO OTERO reporta-se a uma “encruzilhada” em que médico e jurista são
chamados à cena como protagonistas.27
Efetivamente a ética não é imutável e ela varia de sociedade para sociedade.
Vemos que nos dias que correm há uma maior aceitação de alguns problemas éticos,
fruto da velocidade com que a informação é obtida/divulgada, aliada ao
desenvolvimento que ocorre num determinado local.
Quando foram realizados os primeiros estudos relativos à fertilização in-vitro,
por exemplo, os seus autores, os médicos ROBERT EDWARDS e PATRICK STEPTOE,
viram-se ameaçados com sanções, pelos seus pares, por estarem a manipular embriões
humanos. Contudo estes médicos viriam a ser, em dezembro de 2010, laureados com
o Prémio Nobel da Medicina, graças aos seus trabalhos no âmbito da fertilização invitro e do contributo que deram para que milhões de casais pudessem ter filhos28.
Se nos finais dos anos 70, do século passado, poderíamos colocar alguns
problemas éticos a este tipo de atuação, nos nossos dias parecem-nos situações
normais, as quais não temos o menor pudor que se realizem e que até são incentivadas
pelos Estados na ajuda de casais inférteis que não possuem verbas para recorrer a
clínicas privadas.
25
Entre outras temos a Declaração Universal da UNESCO sobre o Genoma Humano e os Direitos
Humanos; a Declaração Internacional sobre Bioética de Fukui (Japão); a Declaração sobre os
Princípios de Conduta na Experimentação Genética (redigida pela HUGO – Human Genome
Organisation); a nível do Conselho da Europa temos a Convenção para a Proteção dos Direitos do
Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, bem como o
Protocolo Adicional que Proibe a Clonagem de Seres Humanos; etc… GUSTAVO HENRIQUE DE BRITO
ALBUQUERQUE CUNHA, Manipulação Genética e Reprodução Humana, Perspectiva Filosofica – Vol. I
– n.º 23, janeiro-junho 2005, pp. 78 e 79.
26
JUAN-FELIPE HIGUERA GUIMERÁ, El Genoma Humano, Derecho Y Salud, Vol. 7, Asociación de
Juristas de la Salud,1999, p. 46, também disponível on-line em http://www.ajs.es/revista-derecho-ysalud/volumen-7-1999 [acedido em 16 de fevereiro de 2013].
27
PAULO OTERO, Personalidade e Identidade Pessoal e Genética do Ser Humano: Um perfil
constitucional de bioética, Almedina, 1999, pp. 11 a 29.
28
http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/2010/ [acedido em 17 de fevereiro de
2013].
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Como sempre a ciência tem o dom de possuir esta dualidade. Por um lado
pode trazer o bem a um sem número de males e, por outro lado, poderá trazer males
maiores a outros males já existentes.
Atualmente condena-se a manipulação de células germinativas porquanto a
existirem colocariam em causa todas as gerações futuras.29 Apenas se tolera, como
eticamente correto, que sejam efetuadas manipulações a nível de células somáticas.
Nestas não ocorre a transmissão das alterações a gerações vindouras, aplicando-se
apenas ao organismo alvo de tratamento.
Contudo, não restam dúvidas que a ética se adapta aos momentos de uma certa
e determinada civilização. Certo é que todos os problemas levantados se centram, ou
se deverão centrar, na questão sobre a dignidade da pessoa humana. Até que ponto
esta poderá ser afetada e quais as consequências que daí advirão?
A questão que subjaz ao presente trabalho também se enquadra no âmbito da
bioética, porquanto os problemas levantados tocam em questões morais e éticas. Será
eticamente correto coagir um delinquente, portador de trissomia XXY, a tratar-se? É
sabido que em casos peculiares de delinquência por anomalia psíquica um indivíduo
pode ser internado compulsivamente. Mas nesses casos estamos perante situações em
que a doença se sobrepõe ao bem-estar geral da sociedade. Resulta, por isso, de um
compromisso e peso de valores entre colocar um indivíduo eternamente em
tratamento numa casa de saúde e a paz social que existirá enquanto o mesmo se
encontrar sob detenção médica.
Tal não acontece com as situações de trissomia XXY. Dos estudos realizados
apenas existem conclusões que apontam para uma tendência significativa de uma
maior agressividade. Mas até que ponto é eticamente correto submeter a um
tratamento indivíduos que poderão levar uma vida normal, sem que esta agressividade
se manifeste?
3. - O Exame Laboratorial e a “tradução” para a Justiça.
29
Admitindo-se a terapia génica germinal é seguramente uma aventura, uma vez que na atualidade
existem acordos internacionais que estabelecem uma moratória temporal. JUAN-FELIPE HIGUERA
GUIMERÁ, Ob. Cit., p. 46. Também neste sentido STELA BARBAS, Testes Genéticos, Terapia Génica,
Clonagem, Ob. Cit., p. 316 e 317.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Menos controvertida será a questão sobre a designação destas análises
laboratoriais. Já anteriormente referimos que a nossa Lei não prevê especificamente a
utilização de testes de ADN como fator determinante para uma (ou não) condenação.
Por força das disposições processuais penais serão admissíveis todas as provas que
não forem proibidas por lei, conforme estabelece o art. 125.º do Código Penal (CP).
Estamos perante o chamado princípio da livre apreciação da prova. Tratando-se de
provas que exigem determinados conhecimentos técnicos, científicos e artísticos,
estipula o art. 151.º do CP, deverá ser ordenada perícia. Requerendo, por isso, a
análise de ADN certos e determinados conhecimentos técnicos, que estão subtraídos à
livre decisão de julgar, o juiz não poderá basear-se na livre apreciação da prova,
estando, isso sim, vinculado ao exame realizado 30.
Mas, como não será de estranhar, a linguagem usada por estes peritos é por
vezes demasiado técnica, roçando, em alguns casos, a incompreensão de quem não
lida com essas matérias. Nestas situações o juiz deverá inquirir o perito, o qual
esclarece todos os conceitos empregues e as conclusões a que chegou31.
Ultrapassada esta fase deverá o juiz decidir. E eis que aqui se colocam as
questões que implicam uma maior e consciente decisão, ainda que esteja vinculado à
prova pericial.
Havendo realmente razões para crer que o indivíduo é portador de genes que o
predispõem para a prática de ilícitos criminais qual a solução a adotar?32
Essa descoberta genómica foi realizada antes ou após o cometimento de um
crime? Se tal descoberta se verificou antes: quais as razões que levaram a que se
realizassem testes genéticos para tal descoberta? A pedido do indivíduo ou contra a
vontade deste e, eventualmente, sem o seu conhecimento? Caso tenha sido após o
30
Art. 163.º, n.º 1, do CP. Sobre o objeto e valoração da prova pericial FERNANDO GONÇALVES e
MANUEL JOÃO ALVES, A Prova do Crime, Meios legais para a sua obtenção, Almedina, 2009, pp. 179
a 188.
31
SUSANA COSTA, HELENA CRISTINA MACHADO e JOÃO ARRISCADO NUNES, O ADN e a Justiça: A
Biologia Forense e o Direito como mediadores entre a Ciência e os Cidadãos, in MARIA EDUARDA
GONÇALVES (Org.), Os Portugueses e a Ciência, Publicações Dom Quixote, 2002, pp. 199 a 233
32
Ainda não existem certezas absolutas sobre a identificação do “gene do mal”, contudo existem
diversos estudos científicos que tendem a concluir que a segregação de uma proteína específica,
denominada monoamina-oxidase A (MAO-A), torna os indivíduos mais agressivos. ADRIAN RAINE, O
crime biológico: implicações para a sociedade e para o sistema de justiça criminal, Rev. Psiquiatria,
Rio Grande do Sul, Vol. n.º 30, n.º 1, Porto Alegre, Jan./Abr. 2008, também disponível online em
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-81082008000100003&script=sci_arttext [acedido em 17
de fevereiro de 2013]; J. C. BARNES, KEVIN M. BEAVER, BRIAN B. BOUTWELL, Examining the genetic
underpinnings to moffitt's developmental taxonomy: A behavioral genetic analysis, Criminology,
Volume 49, N.º 4, November 2011, pp. 923-954.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
cometimento de um crime: estes exames foram solicitados por via judicial ou o
arguido recorreu, para sua defesa, à realização deste tipo de exames e apresentou-os
como forma de justificar os seus atos? E aqui questionamos em que moldes a recolha
foi efetuada. Se houve ou não contaminação da amostra e se os resultados serão
credíveis. É certo que em face desta última opção o Tribunal deverá requerer uma
contra-análise em laboratorial certificado e independente.
Por outro lado estaria a Justiça a realizar a sua função absolvendo delinquentes
que apresentassem uma trissomia XYY como exculpação dos seus atos criminosos?
Não podemos deixar de ter em mente que, pese o significativo avanço da
ciência, não existe uma confirmação científica que possa aferir com uma certeza de
99,999% sobre a causalidade desta trissomia para a prática de ações criminosas. Por
isso será precipitado extrair conclusões definitivas quer num sentido, quer noutro33.
Num caso sub judice o juiz poderá apoiar-se no exame genético e depoimentos
de peritos, mas tais provas deverão ser ponderadas racionalmente para a tomada de
decisão final34.
Não existindo casos portugueses apoiamo-nos em duas sentenças após
julgamentos que ocorreram nos EUA. Os arguidos apelaram para as alterações
cromossómicas tendo-se confirmado que eram portadores da trissomia XYY. Em
ambas as situações, People versus Farley (Tribunal Superior do Estado de Nova
York, Queens Country, 30 de abril de 1969) e People versus Tanner (Tribunal de
Apelação da Califórnia, 1970), os arguidos não obtiveram êxito na invocação desta
trissomia35.
V - CONCLUSÕES
33
Neste sentido CARLOS MARÍA ROMEO CASABONA, Los Genes Y Sus Leys, El Derecho Ante el
Genoma Humano, Editorial Comares, S.L., Bilbao-Granada, 2002, p. 243.
34
De todas as pesquisas jurisprudenciais ou doutrinais não encontramos nenhum caso português, que
tivesse sido julgado em Tribunal, em que se invocasse a trissomia XYY como determinante para a
violência exercida pelo criminoso. Destarte, situações bem diferentes ocorrem na Justiça Portuguesa
onde são invocadas delinquências do foro psiquiátrico de criminosos para a prática de determinados
crimes. Um dos casos mais usuais é a prática do crime de incêndio florestal (art. 274.º do Código
Penal).
35
Disponível
on-line
nos
endereços
http://scholarship.law.stjohns.edu
e
http://law.justia.com/cases/california/calapp3d/13/596.html [acedido em 25 de junho de 2013]. Outros
relatos, condenados ao insucesso, são relatados por MARCIA BARON, Crime, Genes, and
Responsability, in Genetics and Criminal Behavior, Coord. DAVID WASSERMAN , ROBERT WACHBROIT,
Cambridge University Press, 2001, pp. 208 a 211.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Ao longo deste trabalho tentamos responder à questão se um indivíduo poderia
ser um potencial criminoso por ter nos seus genes um cromossoma Y a mais, também
denominado na ciência por gene do mal.
A esta mesma pergunta já tentaram responder diversos cientistas que
realizaram diversos estudos científicos, alguns deles bastante recentes, com
indivíduos portadores da trissomia XYY e em populações normais XY. Também estes
cientistas se continuam a dividir sobre esta questão. Uns argumentam que
efetivamente a trissomia XYY é fator influenciador de um maior grau de violência,
outros concluem que na realidade não existe nenhuma correlação 36.
A medicina, biologia e direito devem ou não caminhar entrecruzadas ou
paralelamente, seguindo cada uma delas os seus caminhos de forma autónoma?
Parece-nos que o individualismo não tem lugar nos dias que correm e a
necessidade de outras ciências auxiliares vem complementar mais a descoberta deste
mundo que ainda se encontra parcialmente por descobrir.
Após esta abordagem, da qual temos a nítida sensação que foi superficial, pois
ela exigiria mais de nós, a nível de conhecimentos científico-biológicos, em especial
na área da genética e das avançadas técnicas que se realizam, para além de maios
tempo para analisar jurisprudência que possa existir em outros países.
Ainda assim poderemos concluir que se estima que o corpo humano tenha
mais de 30.000 proteínas diferentes e ainda só se descreveram com detalhe cerca de
2%.37
Assiste-se, por isso a novas doutrinas sobre a imputação penal, as quais já
foram denominadas por neo-lombrosianos, por assentarem exclusivamente nas
características genéticas de um indivíduo.
Ora, aceitando-se apenas a exclusividade genómica, questiona STELA BARBAS
“se assim for, não subsistirá um direito ou mesmo uma obrigação de proceder a uma
terapia génica nas pessoas (exclusivamente, logo em fase embrionária) que
36
Por todos ANNE K. JAMIESON, Are XYY males more prone to aggressive behavior than XY males?
disponível on-line em http://www.scienceclarified.com/dispute/Vol-1/Are-XYY-males-more-prone-toaggressive-behavior-than-XY-males.html#b [acedido em 25 de junho de 2013].
37
HERNÁN HORMAZÁBAL MALARÉE, Susceptibilidad Genética y Prevención, in CARLOS MARÍA
ROMEO CASABONA (Ed.), Características Biológicas, Personalidade y Delincuencia, Publicaciones de
la Cátera Interuniversitária Fundación BBVA-Diputación Foral de Bizkaia de Derecho y Genoma
Humano Y Editorial Comares, Bilbão-Granada, 2003, p. 129.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
apresentem este nível de alterações identificadas como características típicas de um
criminoso?”38.
Não concordamos de todo com esta ilustre Professora. Depende do
grau da deficiência da trissomia XXY para que possa haver uma intervenção ainda em
fase embrionária. Como afloramos neste nosso trabalho coloca-se pois o problema do
indivíduo ter vontade de praticar um desporto que exija mais violência e acabe por
não o fazer face a não ter a adequada apetência para tal. E a falta de apetência resulta
exatamente da intervenção a que foi sujeito sem o seu consentimento.
Proceder-se a uma intervenção no genoma humano, quer seja ex-ante ou expost a uma prática delituosa, colide, de modo geral, com a dignidade da pessoa
humana. Acresce que ainda não está descoberto todo o genoma humano e seria
“trabalhar” no escuro, podendo fazer alterações aberrantes e irreparáveis para as
gerações vindouras ou até para o próprio indivíduo alvo dessa alteração. Com efeito
não esqueçamos, apesar de se tratar de ficção, o celebre filme “Laranja Mecânica”, de
Stanley Kubrick, que em 1971 protagonizou a cura de um delinquente, usando
técnicas desconhecidas, levando a que este ficasse apático e não reagisse a qualquer
tipo de violência, nem mesmo para auto-defesa.
Com efeito os estudos que pesquisamos e aqui demos conta apenas se
reportam a indivíduos do sexo masculino – super male. Pese embora tenhamos
efetuado uma exaustiva pesquisa não encontramos estudos referentes ao sexo
feminino. A existência de um cromossoma X a mais, em mulheres, dando assim
origem ao síndroma XXX 39, super woman ou síndroma de Jacobs, apenas referem
esses estudos para situações de retardamento do crescimento, com atraso significativo
nas funções motoras, linguagem e maturação. Não existem registos de maior
propensão para a violência.
Importa contudo, no que à trissomia XYY diz respeito, averiguar outras
situações que poderão concorrer para uma revelação desta doença. Assim, os fatores
ambientais, desigualdades sociais, culturais, a falta de investimento dos Governos em
38
STELA MARCOS DE ALMEIDA NEVES BARBAS, Direito do Genoma Humano, Ob. Cit., p. 637.
Na mulher a constituição genética normal será 46, XX. Logo nunca um indivíduo do sexo feminino
poderá ter qualquer cromossoma Y, porque este é este cromossoma que define o sexo masculino. A
existência da trissomia 46, XXY reporta-se à doença de Klinefelter, alterações estas que fazem com
que o indivíduo do sexo masculino não consiga produzir espermatozoides, tenha um desenvolvimento
anormal dos seios, testículos e pénis pequenos e pelos púbicos semelhantes aos do sexo feminino.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
39
políticas de polícia de proximidade, entre outras, são premissas que não deverão ser
afastadas da concatenação da violência manifestada por estes indivíduos.
Não cremos, na nossa humilde opinião, que existam criminosos antes de terem
praticado factos suscetíveis de serem qualificados como crime. Efetivamente tudo
depende das circunstâncias em que os factos se vieram a verificar, podendo muitas
vezes terem sido originados por impulso. Mesmo no caso de ter existido uma
premeditação tal não significa necessariamente que o “mal lhes corra no sangue”.
Quem sabe num futuro próximo existam outros estudos que levem a
descobertas surpreendentes, nomeadamente no que diz respeito à atividade cerebral
dos indivíduos e venham estas infirmar ou abonar todos os estudos que existem até ao
momento.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos
em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
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