1 A POSSE DA TERRA: MODELOS COMUNAIS E PRIVADOS DE APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS NO NORTE DE MINAS – PRÁTICAS E DESAFIOS AO SERVIÇO SOCIAL Tathiane Paraiso da Silva RESUMO A integração do norte de minas na rota desenvolvimentista do país principalmente a partir da dec. de 70, suscitou mudanças significativas na forma de vida de diversas comunidades rurais. A industrialização e a modernização do campo trouxeram conseqüências que influenciaram no processo de expropriação das propriedades de uso tradicional e têm sido observadas com mais ênfase quando grande parte dos pequenos agricultores tiveram suas terras expropriadas para investimentos do grande capital, o que veio a dificultar a sobrevivência deste segmento social. Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é analisar as diferentes formas de manejo e apropriação dos recursos naturais propiciado a partir de duas concepções de propriedade- privada e comunal- bem como os valores e normas de cada modelo de apropriação. Analisar como o Serviço Social vem atuando nesses espaços de disputas conflitivas também torna-se necessário para entendermos os desafios postos a esse profissional no que diz respeito a questão socioambiental. Palavras-chave: recursos naturais; manejo e uso da terra; questão socioambiental. 2 INTRODUÇÃO No Norte de Minas vários processos sociais em curso necessitam de melhor análise e entendimento, um desses é o contexto social em que se inserem as comunidades rurais que tiveram seus espaços ocupados por diversos empreendimentos agropecuários e florestais. As conseqüências têm sido observadas com mais ênfase a partir da década de 1970 quando, através da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE - foram implantados na região projetos que atuavam na perspectiva de quatro pilares fundamentais: agricultura/fruticultura irrigada, monocultura de eucalipto, pecuária extensiva e monocultura de algodão (BARBOSA; FEITOSA, 2005). Eram necessárias grandes obras para atraírem grandes investimentos resultando no retorno econômico a médio e longo prazo. Com esse processo de ocupação e “desenvolvimento” da região norte mineira, grande parte dos pequenos agricultores tiveram terras expropriadas, o que veio a dificultar a sobrevivência deste segmento social produzindo a desagregação das estratégias produtivas dos agricultores da região (DAYRELL; LUZ, 2000). Pode-se observar que esse modelo de desenvolvimento está relacionado apenas ao crescimento econômico, essa foi a categoria central da política industrial desenvolvida pela SUDENE, que por outro lado tem afetado o modo de vida de muitas comunidades tradicionais e rurais, contrariando a imagem de sedução e encantamento que o discurso desenvolvimentista proporciona. A realidade do campo no Norte de Minas, foco principal da discussão desse trabalho, contradiz o valor positivo e às expectativas do pensamento desenvolvimentista, uma vez que as diversas comunidades rurais com formas diversificadas de manejo e uso do solo, têm sido vítimas desse modelo capitalista e exploratório, onde o Estado atua decisivamente. Os incentivos dado aos complexos industriais instalados na região modificaram sobremaneira o cenário rural e a importância do lugar, das formas tradicionais de agricultura, valores e crenças dessas populações que atualmente se vêem sem perspectivas de mecanismos próprios de reprodução de suas condições sociais. 3 O complexo industrial passa então a comandar os processos de produção na agricultura. “As formas tradicionais de exploração da força de trabalho rural dão lugar a novas formas de produção, onde a mais valia relativa e a capacidade de capitalização da pequena produção se transforma no centro da reestruturação das relações de produção” (SORJ, 1980:12). Esse processo de modernização determinou uma crescente massa de produtores pauperizados, e por outro lado manteve o latifúndio que se transformou em modernas empresas capitalistas. Desde então a atuação do poder público vem privilegiando o modelo de desenvolvimento que ignora os processos ecológicos e também as necessidades das pessoas que sobreviviam da agricultura baseada no cultivo tradicional. Todos esses impactos ambientais e sociais das políticas públicas para o território em questão, marcam o início do processo de desestruturação do ecossistema, do modo de vida dos pequenos agricultores e apontam para o aprofundamento das relações capitalistas (RODRIGUES; NASCIMENTO; CHAGAS, 2005:11). Nesse contexto, busca-se nesse trabalho analisar os processos de apropriação dos recursos naturais, considerando duas categorias conflitivas de modelos de apropriação dos recursos. De um lado a racionalidade privada onde os titulares se dispõem do direito de apropriarem e explorarem economicamente esses espaços, não garantindo assim a sustentabilidade dos recursos. Ao contrário da visão economicista e exploratória dos recursos analisa-se também as populações tradicionais que ao longo dos anos garantem uma porção da natureza pelo qual desenvolvem formas particulares de manejo que não visam diretamente o lucro, mas a reprodução social e cultural, fundamentais para a preservação da biodiversidade através das terras comunais. Esse cenário torna-se desafiador para o Serviço Social, que ainda a passos lentos tenta compreender a totalidade dos fenômenos sobre a questão ambiental como sendo parte indissociável da questão social. Inúmeras pesquisas contribuíram para o avanço dessa discussão no interior da categoria, mas reconhece-se que a produção do conhecimento nessa área tem que ser contínua e com maior atuação na prática profissional. 4 As análises constituídas nesse trabalho são parte de inúmeras pesquisas realizadas no âmbito de graduação e pós stricto sensu1, no esforço coletivo interdisciplinar de observação dos processos socioambientais e conflitivos no Brasil e mais especificamente no Norte de Minas Gerais que a anos vem sofrendo impactos com modelos desenvolvimentistas impostos, destituindo assim várias formas e saberes tradicionais de reprodução social. REFLEXÕES SOBRE A PROPRIEDADE E OS RECURSOS NATURAIS A incessante disputa pelo uso e controle dos recursos naturais tem causado tensões sociais, ambientais e econômicas que repercute em todas as esferas sociais. A propriedade sempre constituiu foco de constantes conflitos gerados pelo acesso e controle do território provocando mudanças significativas a populações que convivem harmoniosamente com a natureza devido a atuação das propriedades privadas que ao longo dos tempos tem ignorado os processos ecológicos. Os regimes de apropriação dos recursos são apenas definições que facilitam o entendimento no que se refere aos direitos de propriedade. Existem quatro categorias na qual os recursos de propriedade comum são manejados: livre acesso, propriedade privada, propriedade comunal e propriedade estatal (FEENY et al., 2001, p.20). No entanto, analisaremos somente duas categorias conflitivas: a propriedade privada e a comunal. A predileção de enfoque apenas nesses dois regimes resume-se no fato dos conflitos gerados em torno desses. Os discursos entre modernidade e tradição esboçam questões historicamente construídas em torno do acesso e manejo dos recursos naturais, discursos principalmente contrários ao regime comunal onde a simbologia camponesa e suas representações e valores diferenciam da lógica de apropriação imposta pela propriedade privada, evidenciando assim o conflito. Ao dar-se enfoque apenas a esses dois regimes de apropriação, não descarta-se a influência que os outros exercem, pois segundo Fenny et. al (2001) isso não quer dizer que tais categorias não sobrepõe umas as outras, ou se combinam entre si, em muitos casos pode haver combinações de duas ou mais categorias, mesmo sendo conflitantes quanto ao manejo. 1 Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS/UNIMONTES 5 A intrínseca distinção entre a natureza dos recursos de regime de propriedade privada com a comunal é estabelecida pelo modo em que se dá o manejo dos recursos naturais por parte de cada um. O poder de controlar esses recursos historicamente deslumbra o homem, a gestão cientificista de recursos naturais tem suas raízes numa visão de mundo utilitarista e exploradora, que pressupõe que os seres humanos dispõem do poder de dominar a natureza, e que se ajusta a um padrão de uso dos recursos como se eles fossem ilimitados (VIEIRA; BERKES e SEIXAS, 2005:68). Devido essa limitação dos recursos, que se avança a discussão sobre os regimes de propriedade. A maioria dos autores segundo Ostrom enfatizam as “instituições como elementos mediadores que governam as relações entre uma sociedade e os recursos naturais dos quais ela depende” (1990, apud VIEIRA, BERKES e SEIXAS, 2005:52), mas fatores como a tecnologia e valores culturais também fazem parte dessa gama de elementos que intermedeiam a relação humana com a natureza. O domínio sobre os recursos acabam atendendo aos objetivos econômicos, a propriedade privada torna-se então privilegiada quanto esse aspecto visto ser uma importante aliada para a elevação da economia do país. O abuso desse domínio tem determinado um cenário de destruição e escassez que afeta a sociedade em geral. A grande diferença entre os regimes de propriedade analisado é estabelecida pela maneira em que se dá o uso e acesso do território ocupado. Assim, ao reconhecer a pluralidade e a diversidade dos fenômenos, caracteriza-se os fatos através das diferenças, pois para Franco (2000, p.223) “do ponto de vista metodológico, não iniciamos pelas semelhanças, mas pelas diferenças”. Sendo assim, faremos uma breve distinção sobre os regimes propostos para que possamos compreender as particularidades de cada um. Segundo Fenny et. al (2001) os recursos de uso comum enfrentam dois desafios que afetam todos os regimes de propriedade, seriam esses: os processos de exclusão e o controle do uso compartilhado dos recursos. A exclusividade no acesso aos recursos regula os usuários controlando assim a quem se deve ou não o manejo. Sob a propriedade privada, os direitos de exclusão de terceiros, na exploração e na regulação dos recursos, são delegados a indivíduos, ou como na maioria dos casos a empresas. Já 6 na propriedade comunal, os usuários excluem a ação de sujeitos de fora de suas localidades, o direito de manejo é atribuído somente às pessoas que fazem parte da comunidade local. As criações dos parques nacionais e estaduais são grandes exemplos de exclusão por parte da gestão governamental, visto ser uma forma de gestão de recursos comuns onde se prioriza o modelo da “natureza intocada”, ignorando assim a organização social de grupos que possam vir a existir ali. Esse fato remete também ao segundo desafio indicado pela autora, o desafio do uso compartilhado dos recursos, que nada mais é que uma forma de controle sobre a escassez, visto que a ação de um indivíduo afeta no total disponível para os demais usuários. Os parques tornam-se assim uma tentativa do Estado de preservação dos recursos. Expostos os desafios de ambos os regimes, caracteriza-se a propriedade privada, de acordo com o Código Civil Brasileiro de 2002, como sendo “o direito real por excelência que dá ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, além do direito de reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha” (art. 1228). A propriedade privada é um direito dado ao proprietário de usufruir e gozar de sua propriedade lhe proporcionando uma série de poderes. Só que o exercício ilimitado desses poderes tem afetado os interesses da coletividade, apesar de algumas restrições legislativas, o Estado tem proporcionado ao longo dos tempos incentivos que segundo Zhouri et al. (2005) impõe sobre espaços territoriais já habitados por populações tradicionais, um tipo de organização espacial totalmente diferente, marcado pelo discurso da modernidade, rompendo a relação homem/natureza estabelecida por essas populações. A privatização fornece incentivos para regulamentar o uso de recursos que em geral é consistente com os objetivos do crescimento econômico, como já supracitado nem sempre a eficiência econômica caminha junto com a conservação biológica. A combinação entre esses dois elementos só se dará, segundo Clark, quando houver um ajuste entre as características biológicas do recurso com as características econômicas do mercado (1973 apud VIEIRA, BERKES e SEIXAS, 2005:61), ou seja, a escassez ou não dos recursos é controlado pelo mercado. Polanyi (2000) expõe em sua obra que trabalho, terra e dinheiro são elementos essenciais da indústria organizados em mercados. Dessa maneira os proprietários particulares e as políticas públicas 7 formuladas pelo Estado agem coerentes com as necessidades do comércio formando importantes elementos no processo de produção capitalista. Diferente do direito exclusivo e transferível da propriedade privada (REGIER & GRIMA, 1985 apud FENNY et. al.2001:21), a propriedade comunal possui direitos igualitários em relação ao acesso e ao uso, esses usuários excluem a ação de indivíduos externos, ao mesmo tempo em que regulam o uso por membros da comunidade local. Estas populações desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos naturais que não visam diretamente o lucro, mas a reprodução social e cultural; como também percepções e representações em relação ao mundo natural marcadas pela idéia de associação com a natureza e dependência de seus ciclos (DIEGUES,1983, apud POZO, 2002:42). Em regimes de propriedades comunitárias, os direitos são comuns a um determinado grupo de usuários, esses possuem direito quanto ao acesso aos recursos, caracterizando assim uma forma de propriedade. Diferente do determinado por Hardin (1968 apud MCKEAN; OSTROM, 200:181) onde culpabiliza a propriedade comunal de ser responsável pela tragédia dos comuns, confunde o livre acesso com o compartilhamento do uso de recursos sem, contudo afirmar que o problema é a ausência de direitos de propriedade ou de regimes de manejo, ou seja, para Hardin o modelo de regime comum levaria a superexploração dos recursos por não terem restrições quanto ao acesso. O grande equívoco quanto essa tese é que esses grupos possuem regras organizacionais que ao longo dos anos garante a sustentabilidade dos recursos. Ao contrário do que muitos pensam em relação a essas populações, estudos comprovam que a forma organizacional de seus membros demonstram alta capacidade de monitorar e organizar o uso dos recursos de forma efetiva. “Esses sistemas foram construídos pelo conhecimento dos recursos e por normas culturais que se desenvolveram e têm sido testadas ao longo do tempo” (FEENY et al., 2001:33). É indispensável reconhecer a diversidade de concepções especificas dos grupos que ao longo dos séculos luta para manter suas tradições construídas e acumuladas com o passar do tempo em propriedades comunais. “São maneiras diversas de perceber, no âmbito local, de representar e de agir sobre o território, concepções q 8 subjazem as relações sociais” (CASTRO, 2000:169). Os arranjos se formam através de valores e normas que regulam o acesso aos recursos naturais que por gerações garantem o uso sustentável da terra. O esforço cego e inconseqüente do Estado em proporcionar condições às propriedades privadas de exploração dos recursos com políticas estatais de indução a modernização do campo suscita mudanças significativas na forma organizacional dessas propriedades comunais. É um equivoco tratá-las como algo arcaico e que não condiz com a sociedade contemporânea, pois vários são os estudos que apontam esse regime como mais adequado no que diz respeito a manutenção dos recursos. Os novos governos têm dado maior importância ao modelo chamado de gestão participativa, isso fez com que as propriedades comunais tivessem uma maior visibilidade, o recente interesse em sistemas de propriedade comunal talvez esteja relacionado à ressurgência do interesse na democracia de base, na participação pública e no planejamento local. Dado que há muitas situações nas quais usuários tem capacidade de automanejo, é sensato, em termos econômicos e administrativos, envolve-los no manejo de recursos. (FENNY et. al, 2001:33) Esse tem sido um caminho viável adotado por alguns governos, em capturar o conhecimento local aliado aos interesses públicos, entretanto, essas comunidades não permanecem mais isoladas e os recursos normalmente possuem múltiplos usos, e assim a devolução completa talvez não seja apropriada (FENNY et. al, 2001). Dessa forma, a reafirmação das formas comunitárias de acesso a espaços e recursos só será possível quando interromperem a expansão das grandes propriedades particulares e de fato houver maior participação da base de forma democrática, pois são amplas as evidências da capacidade organizacional desses grupos em monitorar e organizar os recursos de forma efetiva. Sob a lógica do espaço e dos recursos naturais de uso comum, esse trabalho demonstra, através da caracterização dos regimes propostos de análise, como os dois regimes de direito ministram o manejo dos recursos. As comparações sugerem um desafio em compreender a apropriação dos recursos reconhecendo as particularidades 9 de cada um para que possamos chegar a uma concepção do que verdadeiramente garante a sustentabilidade. Esses são apenas dois modelos de propriedade que ilustram a apropriação da natureza e que com certeza necessita de maiores análises para assegurar efetivamente resultados sustentáveis. EXPROPRIAÇÃO DOS POVOS DO LUGAR: cenários e desafios ao Serviço Social O patrimônio cultural e humano presente no Norte de Minas são riquíssimos, representadas principalmente pelas formas de saberes diversificados. Não são poucas as comunidades tradicionais presentes nesse território, que de maneira sustentável sobrevivem harmoniosamente com a natureza. Desde o período colonial a degradação ambiental associada às desigualdades sociais tem sido elementos constitutivos do processo de desenvolvimento rural dos países da América Latina (POZO, 2002:1), primeiro com a expansão da pecuária e agricultura (bandeirantes paulistas, a corrida pelo ouro e a necessidade de expansão das fronteiras econômicas do país), logo depois o processo de industrialização - as grandes empresas capitalistas (incentivos aos projetos agropecuários e de monocultura de eucalipto), o que conseqüentemente trouxe impactos para toda a sociedade, principalmente às comunidades que dependem da terra para prover seu sustento e que se vêem obrigados ceder a esse processo desenvolvimentista, sendo essa uma política econômica voltada apenas para o crescimento principalmente industrial e conseqüentemente de consumo, práticas essencialmente capitalistas. No processo de modernização da agricultura brasileira, as relações capitalistas de produção se expandiram por toda a região. Entretanto, a eficácia da lógica capitalista de produção de espaço social e territorial não conseguiu por um termo nas lógicas vividas pelas populações tradicionais, apenas tornou-se hegemônicas, subsumindo a lógica contrária. Assim, sobrevivem em complementaridade e, às vezes, em oposição lógicas construtoras de territorialidades e de espaços sociais distintos (COSTA, 2005:28) Apesar das investidas da lógica capitalista, essas populações lutam por seu espaço e manutenção de suas tradições. Portanto é importante destacarmos a 10 contribuição cultural desses ao constituir o identitário regional norte mineiro. Para Diegues e Arruda, essas populações são “grupos culturalmente diferenciados que em sua trajetória construíram e atualizam seu modo particular de vida e de relação com a natureza, considerando a cooperação social entre seus membros” (2001, apud COSTA, 2005:28), mantendo assim uma estreita relação com seus territórios, sendo esse importante objeto de conhecimento, de domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e rituais das sociedades tradicionais. No entanto o processo de modernização do Norte de Minas representa uma adequação aos modelos das sociedades industriais, o que desvalorizou os processos culturais da região através de grandes subsídios estatais. Na tentativa de incorporação dessas áreas tidas como atrasadas ou com pouco potencial de investimento, o governo federal baseou suas ações em incentivos voltados a criação de novas políticas de desenvolvimento abalizada principalmente no setor industrial e agroexportador. Como apontado anteriormente, a privatização de um dado território fornece incentivos ao proprietário em dispor economicamente dos recursos existentes sem necessariamente garantir sustentabilidade ambiental, apesar das determinações das leis ambientais. Com isso, as populações que tradicionalmente mantinham o sistema comunal como forma de reprodução social, não mais podem tirar dali seu sustento, visto que com a privatização da terra fechou-se a possibilidade de extrair a renda da terra por essas populações. Cada um desses regimes supracitados possui visões diferenciadas quanto ao uso e controle do território, as formas de manejo utilizadas por cada um demonstram a ligação existente entre esses e a natureza. Os dois regimes dependem da abundância dos recursos naturais, só que um o têm apenas como um meio a ser explorado, enquanto o outro demonstra um vínculo de interdependência, onde os recursos são manejados por uma comunidade identificável de usuários interdependentes, que segundo Diegues (1983 apud Pozo,2002:42) desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos naturais que não visam diretamente o lucro, mas a reprodução social e cultural; como também percepções e representações em relação ao mundo natural marcadas pela idéia de associação com a natureza e dependência de seus ciclos. 11 A industrialização e a modernização do campo trouxeram conseqüências que influenciaram no processo de expropriação das propriedades de uso comunal, “a substituição de uma grande diversidade de sistemas locais por uma visão monolítica de gerenciamento científico não tem levado, na maior parte dos casos, a resultados sustentáveis”(McCAY et. al.1987 apud VIEIRA, BERKES e SEIXAS, 2005:68) . As conseqüências têm sido observadas com mais ênfase quando grande parte dos pequenos agricultores tiveram suas terras expropriadas para investimentos do grande capital, o que veio a dificultar a sobrevivência deste segmento social produzindo a desagregação das estratégias produtivas dos agricultores (DAYRELL; LUZ, 2000). Dessa maneira ao comparar os dados estatísticos dos investimentos e incentivos dado aos grandes complexos industriais perceberemos estatísticas favoráveis a propriedade privada, visto que quantitativamente esses dados dão maior visibilidade econômica do que a propriedade comunal. Só que essa política desenvolvimentista adotada principalmente pelos países em desenvolvimento tem modificado sobremaneira o cenário rural e a importância do lugar, das formas tradicionais de agricultura, valores e crenças das populações que atualmente se vêem sem perspectivas e mecanismos próprios de reprodução de suas condições sociais. Ao mesmo tempo em que crescem esses investimentos aumentam também as discussões quanto a escassez dos recursos, esse fenômeno tem sido um fator crescente nos dias atuais, e a biodiversidade tornou-se um dos objetivos mais importantes da conservação segundo dados do ministério do meio ambiente. Diegues e Arruda (2001:11) consideram, no entanto, que a diversidade biológica não se restringe apenas a um conceito pertencente ao mundo natural; é também uma construção cultural e social. As várias formas de organização social sobre um território e suas diversas maneiras de apropriação dos recursos ali existente apresentam características diversificadas indispensáveis para a efetivação de uma política onde verdadeiramente garanta a abundância e o prolongamento dos recursos naturais. Pois segundo Franco (2000:204) “a percepção das diferenças e o reconhecimento da dominação e das resistências contra a dominação são elementos importantes para a identificação dos problemas e de suas fontes de origem”. 12 Ao identificarmos os problemas nos deparamos com esses processos históricos de transformação da região que vem acarretando conseqüências, muitas vezes irreversíveis, pois os saberes dessas populações estão sendo deixadas de lado devido essas novas dinâmicas de desenvolvimento. “A partir de então, são denominados de povos atrasados, sem cultura nem conhecimento, restando-lhes o trabalho assalariado, o emprego temporário ou as migrações para os centros urbanos” (DAYRELL, 2000:202). Reconhecemos que as relações de dependência entre a sociedade e a natureza têm determinado a importância dos recursos naturais pelo menos pela propriedade comunal, diferente da propriedade privada, onde o cenário é de exploração, escassez e abandono, esses fatores nos ajudam a compreender esses fenômenos como um complexo processo histórico. Essas reflexões são desafiadoras e requerem um grau de superação teórica e prática por parte do Serviço Social tendo em vista principalmente a transformação social instituído no projeto ético-politico profissional. Não tem como a profissão se abster de um tema tão debatido na contemporaneidade. Nesse contexto, segundo Gehlen e Raimundo (2011:23) “os espaços ocupacionais do/a assistente social têm sido reconfigurados. Na atualidade, o Serviço Social não se limita a executores das políticas sociais, por mais que seja predominante”, mais as demandas foram sendo alteradas abrindo consequentemente novas possibilidades para o profissional. Entende-se que a questão aqui exposta ultrapassa a questão ambiental e se atrela a questão social, pois “os problemas socioambientais devem ser entendidos, enquanto manifestação da acumulação do capital geradora de desigualdade social” (GEHLEN; RAIMUNDO, 2011:28). A lógica de apropriação dos territórios por parte do capital e a expropriação das comunidades tradicionais devem ser percebidas pelo assistente social em sua totalidade, para além de políticas públicas tidas como sustentáveis mais que em sua prática não demonstra nada além do fator econômico. Dessa forma o Serviço Social é convocado a partir de sua visão teórica acerca da realidade a atuar para além de ações pontuais como por exemplo a educação ambiental, que em muitas vezes só favorecem as empresas (grande capital) no qual o assistente social está inserido. Necessita-se que esse profissional se 13 encaminhe em uma direção crítica, a partir da qual os sujeitos individuais e coletivos se apropriem de sua condição histórica e natural no sentido de romper o fosso entre ser social e natureza, sentido ultimo de alienação a qual estamos submetidos (SILVA, 2010:157) Somente a partir do reconhecimento da amplitude dos fatos ambientais que poderemos atuar de forma efetiva, pois o cerne da crise ambiental não é o ambiente natural, mas a sociedade de classes, com todas as suas garantias e privilégios para alguns e prejuizos e exclusão para muitos (GEHLEN; RAIMUNDO, 2011). CONSIDERAÇÕES FINAIS Mais do que apenas elencar uma ou outra forma de apropriação dos recursos, as ponderações expostas nesse trabalho proporciona reflexões sobre novas posições através das especificidades de cada fato. Ao caracterizar os regimes de propriedade, contextualiza-se cada elemento para melhor compreensão dos processos em que se dão o manejo dos recursos naturais. Começa-se estabelecendo as análises sobre as diferentes formas de manejo dos recursos naturais por parte da propriedade privada e comunal. A partir da análise da tragédia dos comuns expressada por Hardin pode-se, baseado em outros autores, desmistificar a idéia que somente a propriedade privada e o governo seriam capaz de evitar a tragédia. Vários são os exemplos que contrariam essa hipótese, pois a habilidade organizacional das propriedades comunais mostra ao longo do tempo sua capacidade de gerenciar e monitorar o uso dos recursos por seus membros com sucesso, o que distingue do livre acesso e ausência de restrições propostas pelo autor. Reconhece-se que para garantir os padrões de vida atuais é inevitável a exploração dos recursos disponíveis na natureza, o que se propõe é que seja valorizada o regime de propriedade que melhor mantenha o nível de sustentabilidade. A máxima exploração dos recursos pode levar o mundo ao colapso se seu uso não for regulamentado e controlado. Na verdade tanto as propriedades comunais como as privadas tem associações tanto com o fracasso quanto ao sucesso, o que busca-se é 14 construir uma sociedade que tenha capacidade de manejo economicamente viável e sustentável ao mesmo tempo, independente do regime de propriedade em que se enquadra. Assinala-se portanto que há evidências suficientes para olharmos mais atentamente as formas de manejo das propriedades comunitárias de apropriação do espaço. A pouca visibilidade a esse tipo de manejo fez com que as outras formas de propriedade aumente seus investimentos ao mesmo tempo em que tem sido crescente o número de desmatamentos e os índices de escassez dos recursos. Ao considerarmos os exemplos passados perceberemos que a mais tempo eles tem garantido o uso sustentado. A atenção dada ao manejo comunal deve-se a toda contribuição que esses tem nos oferecido com seus saberes e lutas pela manutenção de suas tradições, apesar do pouco ou não conhecimento do seu poder político, reflete em que tipo de sociedade estamos construindo, se é evidente que os modelos propostos estão caminhando em direção contrária ao que racionalmente queremos. Neste sentido, é necessário darmos maior importância a práticas que a tanto tempo tem permanecido invisível e firmarmos alianças para buscarmos alternativas que viabilizem o crescimento com a sustentabilidade dos recursos. É nesse contexto que o Serviço Social é chamado a intervir em espaços ocupacionais que se direciona para ações de mobilização e organização das populações quando ameaçadas com a degradação do seu meio ambiente (GEHLEN; RAIMUNDO, 2011). Importante também a contínua problematização da questão ambiental através de pesquisas e estudos sobre a temática com proposições críticas e reflexivas fundamentais a melhoria de vida do cidadão pautados no projeto éticopolitico do Serviço Social. Somente o desenvolvimento continuado dessa relação Assistente Social e Movimento Social, servirá para o fortalecimento da luta pela efetivação dos direitos e de uma compreensão maior da luta popular, pois é nas organizações de massa que se encontram os verdadeiros protagonistas da luta emancipadora. (GABRIEL, 2007:1) 15 Esse trabalho se constitui em um instrumental para estimular maiores discussões a cerca do tema principalmente no meio profissional e acadêmico do Serviço Social, visto ser essa uma profissão atuante em amplos espaços e que pelo largo conhecimento teórico-prático adquirido se sintam no dever de atuar e de interpretar o mundo social dessas comunidades rurais. 16 REFERÊNCIAS CHEVEZ POZO, O. V. 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