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A POSSE DA TERRA: MODELOS COMUNAIS E PRIVADOS DE APROPRIAÇÃO DOS
RECURSOS NATURAIS NO NORTE DE MINAS – PRÁTICAS E DESAFIOS AO SERVIÇO
SOCIAL
Tathiane Paraiso da Silva
RESUMO
A integração do norte de minas na rota desenvolvimentista do país principalmente a
partir da dec. de 70, suscitou mudanças significativas na forma de vida de diversas
comunidades rurais. A industrialização e a modernização do campo trouxeram
conseqüências que influenciaram no processo de expropriação das propriedades de
uso tradicional e têm sido observadas com mais ênfase quando grande parte dos
pequenos agricultores tiveram suas terras expropriadas para investimentos do grande
capital, o que veio a dificultar a sobrevivência deste segmento social. Nesse contexto,
o objetivo desse trabalho é analisar as diferentes formas de manejo e apropriação dos
recursos naturais propiciado a partir de duas concepções de propriedade- privada e
comunal- bem como os valores e normas de cada modelo de apropriação. Analisar
como o Serviço Social vem atuando nesses espaços de disputas conflitivas também
torna-se necessário para entendermos os desafios postos a esse profissional no que diz
respeito a questão socioambiental.
Palavras-chave: recursos naturais; manejo e uso da terra; questão socioambiental.
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INTRODUÇÃO
No Norte de Minas vários processos sociais em curso necessitam de melhor
análise e entendimento, um desses é o contexto social em que se inserem as
comunidades
rurais
que
tiveram
seus
espaços
ocupados
por
diversos
empreendimentos agropecuários e florestais.
As conseqüências têm sido observadas com mais ênfase a partir da década de
1970 quando, através da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE - foram implantados na região projetos que atuavam na perspectiva de quatro
pilares fundamentais: agricultura/fruticultura irrigada, monocultura de eucalipto,
pecuária extensiva e monocultura de algodão (BARBOSA; FEITOSA, 2005). Eram
necessárias grandes obras para atraírem grandes investimentos resultando no retorno
econômico a médio e longo prazo.
Com esse processo de ocupação e “desenvolvimento” da região norte mineira,
grande parte dos pequenos agricultores tiveram terras expropriadas, o que veio a
dificultar a sobrevivência deste segmento social produzindo a desagregação das
estratégias produtivas dos agricultores da região (DAYRELL; LUZ, 2000).
Pode-se observar que esse modelo de desenvolvimento está relacionado
apenas ao crescimento econômico, essa foi a categoria central da política industrial
desenvolvida pela SUDENE, que por outro lado tem afetado o modo de vida de muitas
comunidades tradicionais e rurais, contrariando a imagem de sedução e encantamento
que o discurso desenvolvimentista proporciona.
A realidade do campo no Norte de Minas, foco principal da discussão desse
trabalho,
contradiz
o
valor
positivo
e
às
expectativas
do
pensamento
desenvolvimentista, uma vez que as diversas comunidades rurais com formas
diversificadas de manejo e uso do solo, têm sido vítimas desse modelo capitalista e
exploratório, onde o Estado atua decisivamente. Os incentivos dado aos complexos
industriais instalados na região modificaram sobremaneira o cenário rural e a
importância do lugar, das formas tradicionais de agricultura, valores e crenças dessas
populações que atualmente se vêem sem perspectivas de mecanismos próprios de
reprodução de suas condições sociais.
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O complexo industrial passa então a comandar os processos de produção na
agricultura. “As formas tradicionais de exploração da força de trabalho rural dão lugar
a novas formas de produção, onde a mais valia relativa e a capacidade de capitalização
da pequena produção se transforma no centro da reestruturação das relações de
produção” (SORJ, 1980:12). Esse processo de modernização determinou uma
crescente massa de produtores pauperizados, e por outro lado manteve o latifúndio
que se transformou em modernas empresas capitalistas.
Desde então a atuação do poder público vem privilegiando o modelo de
desenvolvimento que ignora os processos ecológicos e também as necessidades das
pessoas que sobreviviam da agricultura baseada no cultivo tradicional.
Todos esses impactos ambientais e sociais das políticas públicas para o
território em questão, marcam o início do processo de desestruturação do
ecossistema, do modo de vida dos pequenos agricultores e apontam para o
aprofundamento das relações capitalistas (RODRIGUES; NASCIMENTO;
CHAGAS, 2005:11).
Nesse contexto, busca-se nesse trabalho analisar os processos de apropriação
dos recursos naturais, considerando duas categorias conflitivas de modelos de
apropriação dos recursos. De um lado a racionalidade privada onde os titulares se
dispõem do direito de apropriarem e explorarem economicamente esses espaços, não
garantindo assim a sustentabilidade dos recursos. Ao contrário da visão economicista e
exploratória dos recursos analisa-se também as populações tradicionais que ao longo
dos anos garantem uma porção da natureza pelo qual desenvolvem formas
particulares de manejo que não visam diretamente o lucro, mas a reprodução social e
cultural, fundamentais para a preservação da biodiversidade através das terras
comunais.
Esse cenário torna-se desafiador para o Serviço Social, que ainda a passos
lentos tenta compreender a totalidade dos fenômenos sobre a questão ambiental
como sendo parte indissociável da questão social. Inúmeras pesquisas contribuíram
para o avanço dessa discussão no interior da categoria, mas reconhece-se que a
produção do conhecimento nessa área tem que ser contínua e com maior atuação na
prática profissional.
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As análises constituídas nesse trabalho são parte de inúmeras pesquisas
realizadas no âmbito de graduação e pós stricto sensu1, no esforço coletivo
interdisciplinar de observação dos processos socioambientais e conflitivos no Brasil e
mais especificamente no Norte de Minas Gerais que a anos vem sofrendo impactos
com
modelos desenvolvimentistas impostos, destituindo assim várias formas e
saberes tradicionais de reprodução social.
REFLEXÕES SOBRE A PROPRIEDADE E OS RECURSOS NATURAIS
A incessante disputa pelo uso e controle dos recursos naturais tem causado
tensões sociais, ambientais e econômicas que repercute em todas as esferas sociais. A
propriedade sempre constituiu foco de constantes conflitos gerados pelo acesso e
controle do território provocando mudanças significativas a populações que convivem
harmoniosamente com a natureza devido a atuação das propriedades privadas que ao
longo dos tempos tem ignorado os processos ecológicos.
Os regimes de apropriação dos recursos são apenas definições que facilitam o
entendimento no que se refere aos direitos de propriedade. Existem quatro categorias
na qual os recursos de propriedade comum são manejados: livre acesso, propriedade
privada, propriedade comunal e propriedade estatal (FEENY et al., 2001, p.20). No
entanto, analisaremos somente duas categorias conflitivas: a propriedade privada e a
comunal. A predileção de enfoque apenas nesses dois regimes resume-se no fato dos
conflitos gerados em torno desses. Os discursos entre modernidade e tradição
esboçam questões historicamente construídas em torno do acesso e manejo dos
recursos naturais, discursos principalmente contrários ao regime comunal onde a
simbologia camponesa e suas representações e valores diferenciam da lógica de
apropriação imposta pela propriedade privada, evidenciando assim o conflito.
Ao dar-se enfoque apenas a esses dois regimes de apropriação, não descarta-se
a influência que os outros exercem, pois segundo Fenny et. al (2001) isso não quer
dizer que tais categorias não sobrepõe umas as outras, ou se combinam entre si, em
muitos casos pode haver combinações de duas ou mais categorias, mesmo sendo
conflitantes quanto ao manejo.
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Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS/UNIMONTES
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A intrínseca distinção entre a natureza dos recursos de regime de propriedade
privada com a comunal é estabelecida pelo modo em que se dá o manejo dos recursos
naturais por parte de cada um. O poder de controlar esses recursos historicamente
deslumbra o homem,
a gestão cientificista de recursos naturais tem suas raízes numa visão de
mundo utilitarista e exploradora, que pressupõe que os seres humanos
dispõem do poder de dominar a natureza, e que se ajusta a um padrão de
uso dos recursos como se eles fossem ilimitados (VIEIRA; BERKES e SEIXAS,
2005:68).
Devido essa limitação dos recursos, que se avança a discussão sobre os regimes
de propriedade. A maioria dos autores segundo Ostrom enfatizam as “instituições
como elementos mediadores que governam as relações entre uma sociedade e os
recursos naturais dos quais ela depende” (1990, apud VIEIRA, BERKES e SEIXAS, 2005:52),
mas fatores como a tecnologia e valores culturais também fazem parte dessa gama de
elementos que intermedeiam a relação humana com a natureza.
O domínio sobre os recursos acabam atendendo aos objetivos econômicos, a
propriedade privada torna-se então privilegiada quanto esse aspecto visto ser uma
importante aliada para a elevação da economia do país. O abuso desse domínio tem
determinado um cenário de destruição e escassez que afeta a sociedade em geral.
A grande diferença entre os regimes de propriedade analisado é estabelecida
pela maneira em que se dá o uso e acesso do território ocupado. Assim, ao reconhecer
a pluralidade e a diversidade dos fenômenos, caracteriza-se os fatos através das
diferenças, pois para Franco (2000, p.223) “do ponto de vista metodológico, não
iniciamos pelas semelhanças, mas pelas diferenças”. Sendo assim, faremos uma breve
distinção sobre os regimes propostos para que possamos compreender as
particularidades de cada um.
Segundo Fenny et. al (2001) os recursos de uso comum enfrentam dois desafios
que afetam todos os regimes de propriedade, seriam esses: os processos de exclusão e
o controle do uso compartilhado dos recursos. A exclusividade no acesso aos recursos
regula os usuários controlando assim a quem se deve ou não o manejo. Sob a
propriedade privada, os direitos de exclusão de terceiros, na exploração e na regulação
dos recursos, são delegados a indivíduos, ou como na maioria dos casos a empresas. Já
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na propriedade comunal, os usuários excluem a ação de sujeitos de fora de suas
localidades, o direito de manejo é atribuído somente às pessoas que fazem parte da
comunidade local.
As criações dos parques nacionais e estaduais são grandes exemplos de
exclusão por parte da gestão governamental, visto ser uma forma de gestão de
recursos comuns onde se prioriza o modelo da “natureza intocada”, ignorando assim a
organização social de grupos que possam vir a existir ali. Esse fato remete também ao
segundo desafio indicado pela autora, o desafio do uso compartilhado dos recursos,
que nada mais é que uma forma de controle sobre a escassez, visto que a ação de um
indivíduo afeta no total disponível para os demais usuários. Os parques tornam-se
assim uma tentativa do Estado de preservação dos recursos.
Expostos os desafios de ambos os regimes, caracteriza-se a propriedade
privada, de acordo com o Código Civil Brasileiro de 2002, como sendo “o direito real
por excelência que dá ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,
além do direito de reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha” (art. 1228). A
propriedade privada é um direito dado ao proprietário de usufruir e gozar de sua
propriedade lhe proporcionando uma série de poderes. Só que o exercício ilimitado
desses poderes tem afetado os interesses da coletividade, apesar de algumas
restrições legislativas, o Estado tem proporcionado ao longo dos tempos incentivos
que segundo Zhouri et al. (2005) impõe sobre espaços territoriais já habitados por
populações tradicionais, um tipo de organização espacial totalmente diferente,
marcado pelo discurso da modernidade, rompendo a relação homem/natureza
estabelecida por essas populações.
A privatização fornece incentivos para regulamentar o uso de recursos que em
geral é consistente com os objetivos do crescimento econômico, como já supracitado
nem sempre a eficiência econômica caminha junto com a conservação biológica. A
combinação entre esses dois elementos só se dará, segundo Clark, quando houver um
ajuste entre as características biológicas do recurso com as características econômicas
do mercado (1973 apud VIEIRA, BERKES e SEIXAS, 2005:61), ou seja, a escassez ou não
dos recursos é controlado pelo mercado. Polanyi (2000) expõe em sua obra que
trabalho, terra e dinheiro são elementos essenciais da indústria organizados em
mercados. Dessa maneira os proprietários particulares e as políticas públicas
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formuladas pelo Estado agem coerentes com as necessidades do comércio formando
importantes elementos no processo de produção capitalista.
Diferente do direito exclusivo e transferível da propriedade privada (REGIER &
GRIMA, 1985 apud FENNY et. al.2001:21), a propriedade comunal possui direitos
igualitários em relação ao acesso e ao uso, esses usuários excluem a ação de indivíduos
externos, ao mesmo tempo em que regulam o uso por membros da comunidade local.
Estas populações desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos
naturais que não visam diretamente o lucro, mas a reprodução social e cultural; como
também percepções e representações em relação ao mundo natural marcadas pela
idéia de associação com a natureza e dependência de seus ciclos (DIEGUES,1983, apud
POZO, 2002:42).
Em regimes de propriedades comunitárias, os direitos são comuns a um
determinado grupo de usuários, esses possuem direito quanto ao acesso aos recursos,
caracterizando assim uma forma de propriedade. Diferente do determinado por
Hardin (1968 apud MCKEAN; OSTROM, 200:181) onde culpabiliza a propriedade
comunal de ser responsável pela tragédia dos comuns, confunde o livre acesso com o
compartilhamento do uso de recursos sem, contudo afirmar que o problema é a
ausência de direitos de propriedade ou de regimes de manejo, ou seja, para Hardin o
modelo de regime comum levaria a superexploração dos recursos por não terem
restrições quanto ao acesso. O grande equívoco quanto essa tese é que esses grupos
possuem regras organizacionais que ao longo dos anos garante a sustentabilidade dos
recursos.
Ao contrário do que muitos pensam em relação a essas populações, estudos
comprovam que a forma organizacional de seus membros demonstram alta
capacidade de monitorar e organizar o uso dos recursos de forma efetiva. “Esses
sistemas foram construídos pelo conhecimento dos recursos e por normas culturais
que se desenvolveram e têm sido testadas ao longo do tempo” (FEENY et al., 2001:33).
É indispensável reconhecer a diversidade de concepções especificas dos grupos
que ao longo dos séculos luta para manter suas tradições construídas e acumuladas
com o passar do tempo em propriedades comunais. “São maneiras diversas de
perceber, no âmbito local, de representar e de agir sobre o território, concepções q
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subjazem as relações sociais” (CASTRO, 2000:169). Os arranjos se formam através de
valores e normas que regulam o acesso aos recursos naturais que por gerações
garantem o uso sustentável da terra.
O esforço cego e inconseqüente do Estado em proporcionar condições às
propriedades privadas de exploração dos recursos com políticas estatais de indução a
modernização do campo suscita mudanças significativas na forma organizacional
dessas propriedades comunais. É um equivoco tratá-las como algo arcaico e que não
condiz com a sociedade contemporânea, pois vários são os estudos que apontam esse
regime como mais adequado no que diz respeito a manutenção dos recursos.
Os novos governos têm dado maior importância ao modelo chamado de gestão
participativa, isso fez com que as propriedades comunais tivessem uma maior
visibilidade,
o recente interesse em sistemas de propriedade comunal talvez esteja
relacionado à ressurgência do interesse na democracia de base, na
participação pública e no planejamento local. Dado que há muitas situações
nas quais usuários tem capacidade de automanejo, é sensato, em termos
econômicos e administrativos, envolve-los no manejo de recursos. (FENNY
et. al, 2001:33)
Esse tem sido um caminho viável adotado por alguns governos, em capturar o
conhecimento local aliado aos interesses públicos, entretanto, essas comunidades não
permanecem mais isoladas e os recursos normalmente possuem múltiplos usos, e
assim a devolução completa talvez não seja apropriada (FENNY et. al, 2001). Dessa
forma, a reafirmação das formas comunitárias de acesso a espaços e recursos só será
possível quando interromperem a expansão das grandes propriedades particulares e
de fato houver maior participação da base de forma democrática, pois são amplas as
evidências da capacidade organizacional desses grupos em monitorar e organizar os
recursos de forma efetiva.
Sob a lógica do espaço e dos recursos naturais de uso comum, esse trabalho
demonstra, através da caracterização dos regimes propostos de análise, como os dois
regimes de direito ministram o manejo dos recursos. As comparações sugerem um
desafio em compreender a apropriação dos recursos reconhecendo as particularidades
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de cada um para que possamos chegar a uma concepção do que verdadeiramente
garante a sustentabilidade. Esses são apenas dois modelos de propriedade que
ilustram a apropriação da natureza e que com certeza necessita de maiores análises
para assegurar efetivamente resultados sustentáveis.
EXPROPRIAÇÃO DOS POVOS DO LUGAR: cenários e desafios ao Serviço Social
O patrimônio cultural e humano presente no Norte de Minas são riquíssimos,
representadas principalmente pelas formas de saberes diversificados. Não são poucas
as comunidades tradicionais presentes nesse território, que de maneira sustentável
sobrevivem harmoniosamente com a natureza.
Desde o período colonial a degradação ambiental associada às desigualdades
sociais tem sido elementos constitutivos do processo de desenvolvimento rural dos
países da América Latina (POZO, 2002:1), primeiro com a expansão da pecuária e
agricultura (bandeirantes paulistas, a corrida pelo ouro e a necessidade de expansão
das fronteiras econômicas do país), logo depois o processo de industrialização - as
grandes empresas capitalistas (incentivos aos projetos agropecuários e de
monocultura de eucalipto), o que conseqüentemente trouxe impactos para toda a
sociedade, principalmente às comunidades que dependem da terra para prover seu
sustento e que se vêem obrigados ceder a esse processo desenvolvimentista, sendo
essa uma política econômica voltada apenas para o crescimento principalmente
industrial e conseqüentemente de consumo, práticas essencialmente capitalistas.
No processo de modernização da agricultura brasileira, as relações capitalistas
de produção se expandiram por toda a região. Entretanto,
a eficácia da lógica capitalista de produção de espaço social e territorial não
conseguiu por um termo nas lógicas vividas pelas populações tradicionais,
apenas tornou-se hegemônicas, subsumindo a lógica contrária. Assim,
sobrevivem em complementaridade e, às vezes, em oposição lógicas
construtoras de territorialidades e de espaços sociais distintos (COSTA,
2005:28)
Apesar das investidas da lógica capitalista, essas populações lutam por seu
espaço e manutenção de suas tradições. Portanto é importante destacarmos a
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contribuição cultural desses ao constituir o identitário regional norte mineiro. Para
Diegues e Arruda, essas populações são “grupos culturalmente diferenciados que em
sua trajetória construíram e atualizam seu modo particular de vida e de relação com a
natureza, considerando a cooperação social entre seus membros” (2001, apud COSTA,
2005:28), mantendo assim uma estreita relação com seus territórios, sendo esse
importante objeto de conhecimento, de domesticação e uso, fonte de inspiração para
mitos e rituais das sociedades tradicionais.
No entanto o processo de modernização do Norte de Minas representa uma
adequação aos modelos das sociedades industriais, o que desvalorizou os processos
culturais da região através de grandes subsídios estatais. Na tentativa de incorporação
dessas áreas tidas como atrasadas ou com pouco potencial de investimento, o governo
federal baseou suas ações em incentivos voltados a criação de novas políticas de
desenvolvimento abalizada principalmente no setor industrial e agroexportador.
Como apontado anteriormente, a privatização de um dado território fornece
incentivos ao proprietário em dispor economicamente dos recursos existentes sem
necessariamente garantir sustentabilidade ambiental, apesar das determinações das
leis ambientais. Com isso, as populações que tradicionalmente mantinham o sistema
comunal como forma de reprodução social, não mais podem tirar dali seu sustento,
visto que com a privatização da terra fechou-se a possibilidade de extrair a renda da
terra por essas populações.
Cada um desses regimes supracitados possui visões diferenciadas quanto ao
uso e controle do território, as formas de manejo utilizadas por cada um demonstram
a ligação existente entre esses e a natureza. Os dois regimes dependem da abundância
dos recursos naturais, só que um o têm apenas como um meio a ser explorado,
enquanto o outro demonstra um vínculo de interdependência, onde os recursos são
manejados por uma comunidade identificável de usuários interdependentes, que
segundo Diegues (1983 apud Pozo,2002:42) desenvolveram formas particulares de
manejo dos recursos naturais que não visam diretamente o lucro, mas a reprodução
social e cultural; como também percepções e representações em relação ao mundo
natural marcadas pela idéia de associação com a natureza e dependência de seus
ciclos.
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A industrialização e a modernização do campo trouxeram conseqüências que
influenciaram no processo de expropriação das propriedades de uso comunal, “a
substituição de uma grande diversidade de sistemas locais por uma visão monolítica de
gerenciamento científico não tem levado, na maior parte dos casos, a resultados
sustentáveis”(McCAY et. al.1987 apud VIEIRA, BERKES e SEIXAS, 2005:68) . As
conseqüências têm sido observadas com mais ênfase quando grande parte dos
pequenos agricultores tiveram suas terras expropriadas para investimentos do grande
capital, o que veio a dificultar a sobrevivência deste segmento social produzindo a
desagregação das estratégias produtivas dos agricultores (DAYRELL; LUZ, 2000).
Dessa maneira ao comparar os dados estatísticos dos investimentos e
incentivos dado aos grandes complexos industriais perceberemos estatísticas
favoráveis a propriedade privada, visto que quantitativamente esses dados dão maior
visibilidade econômica do que a propriedade comunal. Só que essa política
desenvolvimentista adotada principalmente pelos países em desenvolvimento tem
modificado sobremaneira o cenário rural e a importância do lugar, das formas
tradicionais de agricultura, valores e crenças das populações que atualmente se vêem
sem perspectivas e mecanismos próprios de reprodução de suas condições sociais.
Ao mesmo tempo em que crescem esses investimentos aumentam também as
discussões quanto a escassez dos recursos, esse fenômeno tem sido um fator
crescente nos dias atuais, e a biodiversidade tornou-se um dos objetivos mais
importantes da conservação segundo dados do ministério do meio ambiente. Diegues
e Arruda (2001:11) consideram, no entanto, que a diversidade biológica não se
restringe apenas a um conceito pertencente ao mundo natural; é também uma
construção cultural e social.
As várias formas de organização social sobre um território e suas diversas
maneiras de apropriação dos recursos ali existente apresentam características
diversificadas indispensáveis para a efetivação de uma política onde verdadeiramente
garanta a abundância e o prolongamento dos recursos naturais. Pois segundo Franco
(2000:204) “a percepção das diferenças e o reconhecimento da dominação e das
resistências contra a dominação são elementos importantes para a identificação dos
problemas e de suas fontes de origem”.
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Ao identificarmos os problemas nos deparamos com esses processos históricos
de transformação da região que vem acarretando conseqüências, muitas vezes
irreversíveis, pois os saberes dessas populações estão sendo deixadas de lado devido
essas novas dinâmicas de desenvolvimento. “A partir de então, são denominados de
povos atrasados, sem cultura nem conhecimento, restando-lhes o trabalho
assalariado, o emprego temporário ou as migrações para os centros urbanos”
(DAYRELL, 2000:202).
Reconhecemos que as relações de dependência entre a sociedade e a natureza
têm determinado a importância dos recursos naturais pelo menos pela propriedade
comunal, diferente da propriedade privada, onde o cenário é de exploração, escassez e
abandono, esses fatores nos ajudam a compreender esses fenômenos como um
complexo processo histórico.
Essas reflexões são desafiadoras e requerem um grau de superação teórica e
prática por parte do Serviço Social tendo em vista principalmente a transformação
social instituído no projeto ético-politico profissional. Não tem como a profissão se
abster de um tema tão debatido na contemporaneidade. Nesse contexto, segundo
Gehlen e Raimundo (2011:23) “os espaços ocupacionais do/a assistente social têm sido
reconfigurados. Na atualidade, o Serviço Social não se limita a executores das políticas
sociais, por mais que seja predominante”, mais as demandas foram sendo alteradas
abrindo consequentemente novas possibilidades para o profissional.
Entende-se que a questão aqui exposta ultrapassa a questão ambiental e se
atrela a questão social, pois “os problemas socioambientais devem ser entendidos,
enquanto manifestação da acumulação do capital geradora de desigualdade social”
(GEHLEN; RAIMUNDO, 2011:28). A lógica de apropriação dos territórios por parte do
capital e a expropriação das comunidades tradicionais devem ser percebidas pelo
assistente social em sua totalidade, para além de políticas públicas tidas como
sustentáveis mais que em sua prática não demonstra nada além do fator econômico.
Dessa forma o Serviço Social é convocado a partir de sua visão teórica acerca da
realidade a atuar para além de ações pontuais como por exemplo a educação
ambiental, que em muitas vezes só favorecem as empresas (grande capital) no qual o
assistente social está inserido. Necessita-se que esse profissional se
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encaminhe em uma direção crítica, a partir da qual os sujeitos individuais e
coletivos se apropriem de sua condição histórica e natural no sentido de
romper o fosso entre ser social e natureza, sentido ultimo de alienação a
qual estamos submetidos (SILVA, 2010:157)
Somente a partir do reconhecimento da amplitude dos fatos ambientais que
poderemos atuar de forma efetiva, pois o cerne da crise ambiental não é o ambiente
natural, mas a sociedade de classes, com todas as suas garantias e privilégios para
alguns e prejuizos e exclusão para muitos (GEHLEN; RAIMUNDO, 2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais do que apenas elencar uma ou outra forma de apropriação dos recursos,
as ponderações expostas nesse trabalho proporciona reflexões sobre novas posições
através das especificidades de cada fato. Ao caracterizar os regimes de propriedade,
contextualiza-se cada elemento para melhor compreensão dos processos em que se
dão o manejo dos recursos naturais.
Começa-se estabelecendo as análises sobre as diferentes formas de manejo dos
recursos naturais por parte da propriedade privada e comunal. A partir da análise da
tragédia dos comuns expressada por Hardin pode-se, baseado em outros autores,
desmistificar a idéia que somente a propriedade privada e o governo seriam capaz de
evitar a tragédia. Vários são os exemplos que contrariam essa hipótese, pois a
habilidade organizacional das propriedades comunais mostra ao longo do tempo sua
capacidade de gerenciar e monitorar o uso dos recursos por seus membros com
sucesso, o que distingue do livre acesso e ausência de restrições propostas pelo autor.
Reconhece-se que para garantir os padrões de vida atuais é inevitável a
exploração dos recursos disponíveis na natureza, o que se propõe é que seja valorizada
o regime de propriedade que melhor mantenha o nível de sustentabilidade. A máxima
exploração dos recursos pode levar o mundo ao colapso se seu uso não for
regulamentado e controlado. Na verdade tanto as propriedades comunais como as
privadas tem associações tanto com o fracasso quanto ao sucesso, o que busca-se é
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construir uma sociedade que tenha capacidade de manejo economicamente viável e
sustentável ao mesmo tempo, independente do regime de propriedade em que se
enquadra.
Assinala-se portanto que há evidências suficientes para olharmos mais
atentamente as formas de manejo das propriedades comunitárias de apropriação do
espaço. A pouca visibilidade a esse tipo de manejo fez com que as outras formas de
propriedade aumente seus investimentos ao mesmo tempo em que tem sido
crescente o número de desmatamentos e os índices de escassez dos recursos. Ao
considerarmos os exemplos passados perceberemos que a mais tempo eles tem
garantido o uso sustentado.
A atenção dada ao manejo comunal deve-se a toda contribuição que esses tem
nos oferecido com seus saberes e lutas pela manutenção de suas tradições, apesar do
pouco ou não conhecimento do seu poder político, reflete em que tipo de sociedade
estamos construindo, se é evidente que os modelos propostos estão caminhando em
direção contrária ao que racionalmente queremos. Neste sentido, é necessário darmos
maior importância a práticas que a tanto tempo tem permanecido invisível e
firmarmos alianças para buscarmos alternativas que viabilizem o crescimento com a
sustentabilidade dos recursos.
É nesse contexto que o Serviço Social é chamado a intervir em espaços
ocupacionais que se direciona para ações de mobilização e organização das
populações quando ameaçadas com a degradação do seu meio ambiente (GEHLEN;
RAIMUNDO, 2011). Importante também a contínua problematização da questão
ambiental através de pesquisas e estudos sobre a temática com proposições críticas e
reflexivas fundamentais a melhoria de vida do cidadão pautados no projeto éticopolitico do Serviço Social.
Somente o desenvolvimento continuado dessa relação Assistente Social e
Movimento Social, servirá para o fortalecimento da luta pela efetivação dos
direitos e de uma compreensão maior da luta popular, pois é nas
organizações de massa que se encontram os verdadeiros protagonistas da
luta emancipadora. (GABRIEL, 2007:1)
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Esse trabalho se constitui em um instrumental para estimular
maiores
discussões a cerca do tema principalmente no meio profissional e acadêmico do
Serviço Social, visto ser essa uma profissão atuante em amplos espaços e que pelo
largo conhecimento teórico-prático adquirido se sintam no dever de atuar e de
interpretar o mundo social dessas comunidades rurais.
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REFERÊNCIAS
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